ELIANA CALMON Ela perturbou bandidos de toga e quer os dinossauros aposentados
DOMÉSTICAS, A VIDA REAL Proporcionar dignidade à profissão faz bem para todos, inclusive o patrão
nº 74
agosto/2012 www.redebrasilatual.com.br
MENSALÃO n A pressão dos meios de comunicação sobre o STF compromete a qualidade do julgamento
n A construção de um novo país exige uma nova mídia, sem monopólio, e um sistema eleitoral livre da influência do poder econômico
TODA ESCOLA PÚBLICA PODE SER UMA BOA ESCOLA O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO OFERECE AOS ESTADOS E
No Brasil, estados e municípios são responsáveis pelo ensino básico, uma atribuição formal
MUNICÍPIOS PROGRAMAS
que faz desses entes federativos
E RECURSOS PARA UMA
parceiros diretos do Ministério
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE.
da Educação na aplicação de suas políticas e programas: da
formação de professores à construção de infraestruturas, do livro didático à alimentação escolar, do transporte à biblioteca na escola. Por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o Ministério da Educação oferece aos estados e municípios brasileiros programas que atendem a todas as necessidades e condições para uma educação pública de qualidade. Os recursos federais são repassados aos municípios, que, ao aderirem às ações do PDE, assumem a tarefa de aplicá-los corretamente e de cumprir as metas de qualidade para a educação pública brasileira, medidas pelo Ideb. É assim, com divisão de responsabilidades, que o Brasil está avançando na melhoria da educação básica. Ministério da Educação G O V E R N O
F E D E R A L
Conheça melhor os principais programas do PDE, desenvolvidos em parceria com estados e municípios. Para mais informações: www.mec.gov.br
G O V E R N O
Ministério da Educação
F E D E R A L
ÍNDICE
EDITORIAL
8. Lalo Leal
Mídia isola o povo dos debates e faz da política show de horrores
17. Capa
STF sob pressão, oposição sem projeto e o país pós-julgamento
24. Entrevista
Eliana Calmon, a juíza que deu um chacoalhão no Judiciário
28. Educação
REPRODUÇÃO VEJA, 04/07/2007
Nas universidades federais, os problemas vão além dos salários
32. Cidadania
Tráfico internacional de pessoas já fez 70 mil vítimas no Brasil
34. Trabalho
Para a Veja, semanário ilustrado da Abril, o braço político de Cachoeira era paladino da ética
O trabalho doméstico ainda luta por reconhecimento e dignidade
Moralismo seletivo
38. Ciência
Cobiçado: temos abundância de nióbio, mas quase o desprezamos
E
42. Perfil
PAULO DONIZETTI DE SOUZA
Fausto Nilo, os 40 anos de poesia desse arquiteto da MPB
44. Viagem
Os sabores de uma surpreendente visita ao povos do Lago Titicaca
Seções Cartas
6
Destaques do mês
10
Mauro Santayana
17
Curta essa dica
48
Renato Pompeu
50
4
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
m 31 de julho, quando esta edição era concluída, o jornal Valor Econômico informava: “O julgamento do mensalão vai emperrar a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) no segundo semestre e a Corte deverá deixar de julgar as questões tributárias mais importantes do país, em que estão em jogo dezenas de bilhões de reais para empresas e governo”. O fato ilustra o quanto a pressão dos meios de comunicação pelo julgamento do chamado mensalão afeta a agenda do país. Alguns lembrarão que o processo já dura sete anos e o STF só faz sua obrigação. Então, deixe-se de lado que a fila do tribunal empurra para 2013 processos sobre perdas bilionárias das cadernetas de poupança devido a planos econômicos de 1985 a 1991. Atente-se apenas ao fato de a pressão sobre o STF coincidir com eleições municipais. Assim, enquanto os veículos mantêm o público ocupado com o mensalão, seus aliados em outros escândalos da República disputam as eleições mais tranquilos. O episódio carrega pecados a serem investigados. Ao admitir alianças com setores da política habituados ao fisiologismo, o PT assumiu duplo risco no desafio de governar: enfrentar uma oposição feroz e bem armada, embora sem projeto; e zelar para não ficar refém de certos “amigos”. O problema é que os maiores conglomerados de comunicação sempre tiveram lado. Criaram o ambiente que levou ao suicídio de Getúlio em 1954. Associaram-se às tentativas de impedir as posses de JK, em 1956, e de João Goulart, em 1961. E participaram da derrubada de Jango em 1964, que antecedeu 21 anos de ditadura. Não por acaso, sempre contra governos trabalhistas e democráticos. No episódio do mensalão, o objetivo nunca foi moralizador, mas “sangrar” o governo para que Lula não disputasse a reeleição. Não deu certo, e a luta continua. Cabe aos defensores da democracia, da ética e dos avanços sociais pensar o país que não se esgota nesse julgamento. Pensar um sistema eleitoral que diminua a influência do poder econômico. E um sistema de comunicação sem monopólio, para que a diversidade de pensamento esteja ao alcance das pessoas. A propósito, que a cassação do senador Demóstenes Torres, condecorado mosqueteiro da ética pela Veja, não abafe o fato de que a cumplicidade da revista da editora Abril com Carlos Cachoeira ainda está por ser investigada.
Aliffer Fraltino Pereira Dias, Carolina Teodoro Domingues, Lays Mates da Silva, Kelly Marina Werner e Luis Ricardo Batista de Oliveira, alunos da Escola Municipal Cotrisa de Baús, Costa Rica (MS).
TODA ESCOLA PÚBLICA PODE TER TRANSPORTE ESCOLAR. TODA ESCOLA PÚBLICA PODE SER UMA BOA ESCOLA.
Com o programa Caminho da Escola, o Ministério da Educação garante aos estados e municípios os recursos necessários para implantar soluções de transporte escolar para alunos da educação básica, nas Ministério zonas rurais e urbanas do país. Os recursos para a aquisição de da ônibus, Educação
micro-ônibus, barcos e bicicletas podem ser repassados, diretamente G O V E R N O
F E D E R A L
ou por financiamento do BNDES, aos estados e municípios que aderirem formalmente ao programa, que é parte integrante do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Com isso, estados e municípios assumem a tarefa de aplicar corretamente os recursos federais e de cumprir as metas estabelecidas para a educação pública brasileira. Até 2011, foram adquiridos mais de 17 mil novos ônibus e barcos, em 3.826 municípios. Para saber se o seu município já participa do programa Caminho da Escola, visite o site www.mec.gov.br/pde.
Conheça melhor este e os demais programas do PDE, desenvolvidos em parceria com estados e municípios. Mais informações: www.mec.gov.br
G O V E R N O
Ministério da Educação
F E D E R A L
Min Ed
CARTAS gem ao Dedé. E pode ter certeza: ele está hoje na paz celestial, cantando sempre lá em cima para todos nós. Eu também gostava do Dedé. Muitas vezes eu conversava com ele; falávamos inclusive sobre sua cidade natal, Domingos Martins, próxima a Cachoeiro do Itapemirim, na qual ele passou toda a infância. Engraçado que sempre conversamos muito, mas eu nunca soube o nome completo do Dedé. José Aguiar
www.redebrasilatual.com.br Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Fábio M. Michel, João Paulo Soares, Sarah Fernandes, Gisele Brito, João Peres, Suzana Vier, Tadeu Breda e Virgínia Toledo Arte: Júlia Lima. Iconografia: Sônia Oddi Revisão: Márcia Melo Capa Foto de Ricardo/Flickr/CC Estátua de Alfredo Ceschiatti/STF Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares
Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo (licenciado), Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Rita Berlofa Teonílio Monteiro da Costa
6
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
Editorial Clamando pela “liberdade de expressão”, os maiores grupos de comunicação do país se articulam para impedir qualquer tipo de regulamentação em um setor vital para o efetivo exercício da democracia (editorial “A vida, hoje e sempre”, ed. 73). No entanto, esses mesmos grupos não se manifestam contra os grandes anunciantes que exercem forte pressão sobre eles. O resultado desse conúbio é a liberdade de expressão para quem pode comprá-la. Amauri Almeida Lalo Leal Gostei da reportagem “O espetáculo olímpico” (ed. 73), de autoria de Lalo Leal. A Globo, sempre querendo monopolizar a cobertura dos grandes eventos, teve de pagar à Record pelo direito de retransmissão das imagens dos Jogos Olímpicos de Londres. Parabéns, Lalo. Quero cumprimentar também a revista pela reportagem “Sob suspeita” (ed. 72). Só não concordei com a capa. Na minha opinião, deveria ser uma ilustração mostrando o Civita, em seu sítio, se afogando numa piscina logo abaixo de uma cachoeira. João Batista Prado Jacinto Dedé Passos Por ser do estado do Espírito Santo, ele amava as músicas do seu conterrâneo Roberto Carlos (“Perdemos um amigo”, ed. 73). Valeu, companheiro e bom amigo Gilmar Carneiro, pela crônica em homena-
Veja e Cachoeira A quem ainda tiver alguma dúvida sobre como pensa e age o senhor Roberto Civita, sugiro a leitura de uma entrevista que ele concedeu há alguns meses ao jornal Valor Econômico. Com algum senso de observação, é possível percebê-lo como alguém controlador, que não hesita em afirmar que seus funcionários “têm de estar alinhados à sua visão”. Quanto à Veja, uma das melhores decisões que já tomei foi cancelar a minha assinatura logo após a vergonhosa campanha em favor da eleição de Fernando Collor. De lá para cá, não quero a revista nem de graça. Washington F. Barbosa, Duque de Caxias (RJ) Moçambique Vocês, como sempre, estão de parabéns. Primam pelo compromisso e responsabilidade de informar com qualidade e “deixam a alma humana em espetáculo” (parafraseando o escritor moçambicano Mia Couto) ao nos fazer acreditar que é possível manter a ética, o caráter, a verdade, informar sem partidarismo e tampouco machucar ou magoar alguém. Como fã de Mia Couto, não posso deixar de elogiá-lo, assim como a reportagem sobre a educação em Moçambique. Histórias diferentes que, em termos de educação, nos lembram algumas regiões brasileiras abandonadas pelo poder público – uma triste constatação –, nas quais podemos observar a importância das ações privadas e do voluntariado. Francisca Rosa P. Batista, São Paulo (SP)
carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.
João Pedro Marques da Rocha, aluno da Escola Estadual de Ensino Médio Itália, Porto Alegre (RS).
TODA ESCOLA PÚBLICA PODE TER UMA BIBLIOTECA. TODA ESCOLA PÚBLICA PODE SER UMA BOA ESCOLA.
Com o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), o Ministério da Educação fornece obras de literatura e pesquisa, revistas e periódicos para que toda escola pública tenha uma biblioteca para os seus Ministério da
alunos. O programa atende de forma universal e gratuita, Educação em todos os estados do país, às escolas públicas da Geducação O V E R N básica O F E Dcadastradas E R A L no Censo Escolar. Em 2011, mais de 67 mil escolas tiveram as suas
bibliotecas enriquecidas com 10 milhões de obras literárias: um benefício que vem se somar aos 135 milhões de livros didáticos distribuídos anualmente em todo o Brasil pelo Programa Nacional do Livro Didático, que também integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Saiba mais sobre os programas do Ministério da Educação no seu município. Visite o site www.mec.gov.br/pde.
Conheça melhor este e os demais programas do PDE, desenvolvidos em parceria com estados e municípios. Mais informações: www.mec.gov.br
G O V E R N O
Ministério da Educação
F E D E R A L
Min Ed
LALO LEAL
A criminalização da política O dever social da mídia seria ampliar o debate, mas ela prefere os espetáculos dos desvios éticos e “bate-bocas”
P
olítica para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população, resume-se a eleições. Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o “ano da política”, fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país. O ensino é alheio ao tema. Nação de base escravocrata, às camadas subalternas sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político. Como concessão permite-se o voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para a perpetuação das elites no poder. O descompasso entre presidentes eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas tem sido constante da política brasileira desde a metade do século passado. O suicídio de Vargas em 1954 e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a Presidência da República legalmente ocupada por João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual se enquadra até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros, em 1961. Cabem aí também as chantagens dos grupos parlamentares contra Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias. Diferentemente da eleição majoritária, na qual os candidatos a chefe do Executivo falam às massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apoiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros do velho coronelismo eleitoral. 8
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
E no Congresso, sem compromisso com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas. São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala. No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Pertencem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos) a existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses. Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizando-a sempre que possível. As raízes da tensão histórica existentes entre Executivo e Legislativo não fazem parte da pauta da mídia nacional. Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política. Entre elas, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes. O dever social da mídia seria ampliar esse debate, levando-o a toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política. Mas ela não presta esse serviço. Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os “bate-bocas” nas CPIs. O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos. A definição de uso corrente de que “são todos iguais” reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia. No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave. O Brasil é a única grande democracia do mundo sem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas. Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições. Ao exercer no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.
Professora Marcella de Souza Gomes, com os alunos Thiago Sena de Brito, Paula Milene Saboya de Menezes e Karen Utrini Velloso, da Escola Ginásio Carioca Coelho Neto, Rio de Janeiro (RJ).
TODA ESCOLA PÚBLICA PODE TER EQUIPAMENTOS DIGITAIS TODA ESCOLA PÚBLICA PODE SER UMA BOA ESCOLA.
Com o ProInfo, o Ministério da Educação incentiva estados e municípios a avançar no uso pedagógico da informática. O programa leva às escolas Ministério da equipamentos, conteúdos educacionais digitais e formação continuada Educação
para professores e gestores. Até 2011, o GProInfo mais O V E R adquiriu N O F E D E R Ade L 125 mil laboratórios de informática. Para ampliar esta ação, este ano serão entregues mais de 600 mil tablets para professores do ensino médio,
facilitando o acesso ao Portal do Professor, ao portal Domínio Público, entre outros ambientes do conhecimento. Para saber se o seu município já participa do ProInfo e dos demais programas de educação digital, visite o site www.mec.gov.br/pde.
Conheça melhor este e os demais programas do PDE, desenvolvidos em parceria com estados e municípios. Mais informações: www.mec.gov.br
G O V E R N O
Ministério da Educação
F E D E R A L
Min Ed
AMBIENTE
www.redebrasilatual.com.br
Governo de Rafael Correa faz campanha para arrecadar US$ 3,6 bilhões em 13 anos. Em troca, se compromete a manter intacta reserva de petróleo existente sob solo amazônico do país Por Tadeu Breda
N
omeada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, para conduzir as principais negociações ambientais do país, Ivonne Baki defende a chamada Iniciativa Yasuní-ITT como a única proposta concreta apresentada até agora para evitar a emissão de gases causadores do efeito estufa. Depois de contatos com vários governos, voltou o foco para empresas e a população em geral, incluindo as redes sociais. “Queremos criar consciência para que todos se sintam parte da causa. O Yasuní não é apenas do Equador: é do mundo inteiro. As pessoas podem e devem ser parte da solução.” A iniciativa surgiu em 2007, como resultado de apelos de ecologistas, índios e movimentos sociais, contrários à exploração de petróleo em uma região específica da Amazônia equatoriana, com rios cujas iniciais formam a sigla ITT. A proposta do governo, para preservar toda a região, é que a comunidade internacional destine ao país, num prazo de 13 anos, US$ 3,6 bilhões – metade do valor que seria obtido com a exploração do petróleo. Em 2011, o Equador abriu uma conta conjunta com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). 10
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
CAROLINE BENNETT/RAINFOREST ACTION NETWORK
O petróleo pela floresta
A Chevron foi culpada por despejar 66 bilhões de litros de petróleo e elementos tóxicos no meio ambiente
Cabe a Ivonne, artista plástica que já foi embaixadora em Washington, garantir a arrecadação dos fundos para evitar uma tragédia ecológica anunciada. Leia mais em http://bit.ly/equador_petroleo
Responsável
Uma catástrofe – a maior do século 20, segundo algumas ONGs – já foi vivida entre 1965 e 1992, quando a Texaco atuou em uma região no noroeste do país. Os cursos d’água na área deixaram de ser potáveis, as taxas de câncer são mais altas e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o mais baixo. Dois povos indígenas simplesmente foram extintos.
A Justiça brasileira analisa um processo movido por representantes de indígenas e camponeses da Amazônia equatoriana para reconhecer uma decisão pela Corte daquele país contra a Chevron, antes conhecida como Texaco. A companhia petrolífera foi considerada culpada por despejar 66 bilhões de litros de petróleo e elementos tóxicos no meio ambiente sem tratamento prévio. As vítimas acionaram o Superior Tribunal de Justiça no Brasil porque a Chevron não possui mais ativos importantes no Equador. Leia reportagens completas: http://bit.ly/equador_chevron
Lei de meios Em outra frente, o Equador discute uma nova lei de comunicação – a exemplo de Argentina, Uruguai e Bolívia. Nos últimos anos, os vizinhos se mobilizaram para destinar ao menos 33% das frequências de rádio e TV a organizações sociais sem fins lucrativos, que agora dividem a programação com meios públicos e privados. Mas o governo, autor de projeto de lei que está pronto para ser votado pelo Legislativo, ainda não está seguro de que será aprovado. “Toda vez em que se tentou mexer com os interesses da grande mídia a reação foi tão forte que silenciou qualquer possibilidade de mudança”, diz um dos autores da proposta, Romel Jurado. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Leia mais em http://bit.ly/equador_lei_de_meios
Iury Rosa Mapurunga, Andressa Silva Firmino, Jaime Paiva da Frota e Ana Letícia Costa Miranda, alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental de Oiticicas, Viçosa do Ceará (CE).
TODA ESCOLA PÚBLICA PODE TER QUADRAS ESPORTIVAS TODA ESCOLA PÚBLICA PODE SER UMA BOA ESCOLA.
O Ministério da Educação apoia estados e municípios na construção e melhoria de quadras poliesportivas nas escolas públicas Ministérioda da rede Educação de educação básica. Em 2011, o ministério aprovou propostas de G O V E R N O
F E D E R A L
financiamento para a construção de 1.564 quadras em 818 municípios. Até 2014, a meta é construir mais de 6 mil quadras cobertas e realizar a cobertura de outras 4 mil quadras. Para ter acesso, as escolas
precisam declarar no Censo Escolar se possuem ou não quadras poliesportivas. Para saber se o seu município já está recebendo estes recursos, visite o site www.mec.gov.br/pde.
Conheça melhor este e os demais programas do PDE, desenvolvidos em parceria com estados e municípios. Mais informações: www.mec.gov.br
G O V E R N O
Ministério da Educação
F E D E R A L
Min Ed
RÁDIO
www.redebrasilatual.com.br
Já vi esse filme Para Paulo Vannuchi, da Rádio Brasil Atual, Serra repete 2010, mas população já não tolera truculência na política
12
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
ELZA FIÚZA/ABR
Vannuchi: pensamento conservador é minoritário
O premiado Audálio Dantas Referência do jornalismo no Brasil, Audálio Dantas completou 80 anos em 8 de julho. Para comemorar, reuniu 13 de suas matérias, feitas entre o final da década de 1950 e meados dos anos 1970, no livro Tempo de Reportagem. A Rádio Brasil Atual produziu programa especial, com depoimentos de amigos como Ricardo Kotscho e Sergio Gomes e da professora do primeiro ano primário, que, aos 100 anos de idade, reside na cidade alagoana de Tanque d’Arca, onde o jornalista nasceu. “Um dia perguntei se ele gostaria de estudar em São Paulo e ele disse que sim. Pedi para ele escrever uma carta para o presidente Getúlio Vargas com o pedido. No outro dia, ele me trouxe a carta e eu enviei. Depois de oito dias eu recebi a resposta dizendo que ele
podia escolher a escola que quisesse. Ajudei-o a arrumar as malas e ele se foi”, contou dona Dulce. Audálio Dantas presidiu o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a Federação Nacional dos Jornalistas, a Imprensa Oficial de São Paulo e o Conselho da Fundação Cásper Líbero. Foi vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa e deputado federal. Hoje é conselheiro da União Brasileira de Escritores e do Instituto Vladimir Herzog. Em 1981, recebeu prêmio da ONU por sua atuação em defesa dos direitos humanos. Na presidência do sindicato, Audálio denunciou o assassinato de Vladimir Herzog, em 1975, e transformou a entidade em trincheira da resistência democrática. Ouça o especial em: http://bit.ly/rba_audalio_dantas DIVULGAÇÃO
O
comentarista de política Paulo Vannuchi, da Rádio Brasil Atual, viu na resposta do jornalista Luis Nassif ao pedido de investigação do PSDB sobre o patrocínio de empresas públicas a sites e blogues, uma radiografia do candidato tucano à Prefeitura de São Paulo. Nassif escreveu em seu site que “José Serra é a mais perfeita vocação de ditador que a política brasileira moderna conheceu”. Segundo Vannuchi, o episódio demonstra desespero do candidato ao lidar com os setores da mídia – sobretudo blogs e sites – que navegam contra a corrente da imprensa comercial alinhada ao PSDB e à oposição aos governos Lula e Dilma Rousseff. Pesquisa Datafolha de 20 de julho mostrava Serra estacionado em 30% nas intenções de voto. A rejeição ao candidato tucano subia cinco pontos, para 37%, em um mês. “Esse pode ter sido um dos motivos dos ataques de Serra aos jornalistas”, afirmou Vannuchi. Para o ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a tardia decisão de assumir a candidatura fez de Serra um personagem desagregador, que atropela colegas aspirantes a candidato e provoca desconforto até dentro de seu partido. “Serra começa a campanha de 2012 repetindo os erros da campanha reacionária que fez em 2010”, diz. “Um erro gravíssimo porque esse pensamento conservador no Brasil existe, porém não ultrapassa 10%, 20% da população”, observou. Ouça em http://bit.ly/vannuchi
O Jornal Brasil Atual é transmitido de segunda a sexta-feira, das 7h às 9h. A análise política de Paulo Vannuchi é feita ao vivo, às 7h45. A Rádio Brasil Atual pode ser sintonizada na FM 98,9 em São Paulo; FM 93,9, no litoral paulista; e FM 102,7, no noroeste paulista. A programação pode ser acompanhada também pelo www.redebrasil atual.com.br/radio
TRABALHO
Kaio Vinícios de Souza e a turma da professora Luana de Lima Cavalcanti, da Escola Municipal Dona Brites de Albuquerque, Olinda (PE).
TODA ESCOLA PÚBLICA PODE TER EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL TODA ESCOLA PÚBLICA PODE SER UMA BOA ESCOLA.
Com o programa Mais Educação, o Ministério da Educação apoia estados e municípios na ampliação da jornada escolar e organização curricular, com vistas à implantação do ensino em tempo integral, uma meta Ministério da
definida no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Educação Priorizam-se G O V Ede R Ndesempenho O F E D E R no A L Ideb escolas estaduais e municipais com baixo índice
ou localizadas em áreas de vulnerabilidade social. Elas devem realizar atividades de acompanhamento pedagógico e podem optar por desenvolver
atividades nos campos de esporte e lazer, cultura e artes, educação ambiental, promoção da saúde, educação econômica, entre outros. Com recursos depositados diretamente na conta de cada escola, o ministério beneficiou, em 2011, 3 milhões de alunos em mais de 15 mil escolas. Em 2012, foi superada a meta estipulada de 30 mil escolas. Para saber se o seu município já participa do programa Mais Educação, visite o site www.mec.gov.br/pde. Conheça melhor este e os demais programas do PDE, desenvolvidos em parceria com estados e municípios. Mais informações: www.mec.gov.br
G O V E R N O
F E D E R A L
Ministério da Educação
Min E
REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
13
WWW.REDEBRASILATUAL.COM.BR
Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook
ANDRES STAPFF/REUTERS
Mujica contra o tráfico Depois que uma pesquisa revelou que 60% da população não gosta da ideia do governo de descriminalizar o consumo de maconha, o presidente uruguaio, José Mujica, não se fez de rogado. Em pronunciamento em rede nacional, alertou seus compatriotas da importância de elaborar novas maneiras para combater o narcotráfico. “Apenas com repressão policial será impossível”, resumiu. O passo dos uruguaios rumo à legalização da maconha despertou a atenção da ONU, que pediu para enviar uma comissão da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife) para acompanhar a discussão. O chefe da Jife, Raymond Yans, não simpatiza com as propostas do uruguaio. O presidente, no rádio, analisou o problema até sob a lógica comercial. “Muito mais grave que os males causados pela droga na saúde humana é o resultado que o narcotráfico acarreta na sociedade”, afirmou. http://bit.ly/rba_mujica
Mujica: “Apenas com repressão policial será impossível”
Realizada há dez anos no bairro do Pari, região central de São Paulo, a feira boliviana Kantuta ainda espera pela regularização. O local recebe de 3 mil a 5 mil pessoas todos os domingos. Em 2004, a associação responsável pela feira solicitou à Subprefeitura da Mooca a reforma da praça que sedia o evento, para adequar o espaço inclusive para a prática de atividades esportivas na quadra ali instalada. Mas a prefeitura, afirmam, desmontou a quadra. E ainda não deu o Termo de Permissão de Uso pedido há tempos. bit.ly/rba_kantuta
DANILO RAMOS/RBA
Feira para quem?
Feira boliviana no Pari: prefeitura paulistana ignora pedido de regularização desde 2004
Faltou comunicar ao conselho
JOSE CRUZ/ABR
Sarney: na surdina
14
A reativação do Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Legislativo, era uma antiga reivindicação dos movimentos que militam por um novo modelo do setor, mais democrático e menos concentrado. Durante anos, o assunto ficou engavetado. Até que no encerramento do semestre legislativo, após a aprovação do Orçamento de 2013
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
e quando os parlamentares já faziam as malas para o recesso, o Senado anunciou a nova composição do conselho. Alguns dos nomeados pelo presidente da Casa, no apagar das luzes, sequer sabiam que haviam sido nomeados. Entidades protestaram contra a forma de “escolha”. bit.ly/rba_conselho
Linha ocupada
Em entrevista após sua confirmação na presidência da CUT nos próximos três anos, o bancário Vagner Freitas criticou a postura do governo federal por administrar mal o impasse com os servidores federais, que acabou se arrastando por mais de dois meses devido a um processo de negociação truncado e pouco efetivo. O Legislativo também foi lembrado pelo novo presidente da central, para quem a “pauta dos trabalhadores segue engessada no Congresso e só vai andar se houver Vagner: “Pauta dos trabalhadores segue engessada no Congresso” pressão social”. Vagner voltou a defender a realização de uma conferência sobre o sistema financeiro, dizendo que o Brasil precisa deixar de ser “o paraíso dos bancos”. E assegurou a manutenção da distância regulamentar entre central e governo, lembrando que há visões em disputa: “Apoiamos não um projeto políticopartidário, mas um projeto de nação”, observou. http://bit.ly/entrevista_cut O tucano Mario Covas (1939-2001): Serra pisa na história
FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ ABR
Projeto de nação
A suspensão das vendas de linhas de telefonia celular e internet pela Tim, Oi e Claro por parte da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foi um ponto de partida contra o mau atendimento das operadoras. E na avaliação de João Brant, do Coletivo Intervozes, demonstra como é necessário acompanhamento constante e rigoroso das atividades das teles, em um mercado com 256 milhões de linhas de telefonia móvel no país. “Esses milhões de chips já vendidos são um reflexo do nosso problema, não da nossa solução. Você acaba tendo uma saturação das redes. As empresas, por conta de competição e para atender à demanda, põem à venda milhões de novos números sem ter tecnologia suficiente.” Para Maria Inês Dolci, coordenadora da entidade de defesa de consumidores Proteste, o problema da telefonia não se esgota na gestão das teles. A Anatel, segundo ela, também não cumpre seu papel básico de regular o setor. bit.ly/rba_teles1
REUTERS
Nação sem projeto O PSDB terminou o mês de julho com dois factoides jurídicos e entra no calor da campanha eleitoral dando sinais melancólicos de crise existencial. O partido que já teve Franco Montoro e Mario Covas hoje se contenta mais com produzir manchetes contra os adversários do que a favor de si próprio. E partiu para uma ação contra o presidente da CUT por entender que ele estaria ameaçando o juízo dos ministros do STF que julgarão o mensalão. Antes, havia acionado os blogs e sites “sujos” e “nazistas” por atormentarem José Serra. Se a tentativa de censurar os blogueiros é nula, quem sabe possa constranger os anunciantes dos sites a secar-lhes recursos. Sem projeto, assim caminha o PSDB. http://bit.ly/rba_psdb REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
15
MUNDO
www.redebrasilatual.com.br
Dores do golpe “Uma classe política preguiçosa conduz uma transição lenta à democracia”, diz o cineasta Patricio Guzmán. Não é o Brasil. O chileno, decepcionado com seu país, vive na Europa desde o golpe contra Salvador Allende, em 1973
DIVULGAÇÃO
Guzmán filma Nostalgia da Luz, lançado em 2010. Astronomos buscam galáxias enquanto mulheres procuram por corpos de familiares mortos durante a ditatura
Por João Peres
“N
ão houve julgamento contra os militares responsáveis, os torturadores estão livres. Há alguns presos entre os quadros significativos, mas os quadros médios estão em casa. Portanto, é um país onde reina a impunidade, onde o sistema judicial é muito lento e onde as famílias se cansaram de reclamar justiça”, disse Patricio Guzmán, autor da trilogia A Batalha do Chile, sobre os meses prévios à assunção do ditador Augusto Pinochet. Em passagem por São Paulo, o diretor comentou para a Rede Brasil Atual seus projetos e o Chile pós-ditadura, seu objeto de trabalho nas duas últimas décadas. Antes, exibiu em Santiago um filme sobre os horrores cometidos por Pinochet. Foi uma resposta a um ato organizado em homenagem ao regime responsável pela morte de ao menos 3 mil pessoas. “Agradou muito às pessoas, aos jovens sobretudo, porque puderam comparar aquele país pinochetista e o de hoje. E não se diferenciam muito. A polícia, a Constituição que divide o país entre amigos e 16
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
inimigos, que fomenta o ódio. O país não mudou tanto quanto deveria ter mudado. É uma classe política preguiçosa.” Guzmán conta que para fazer A Batalha do Chile tinha tão pouco filme que precisava pensar muito bem o que fazer antes de rodar. “Ou seja, não fizemos por um afã estético, mas simplesmente por uma questão prática. Enviaram-nos películas para 18 horas de gravação, o que é pouco.” Até a metade o filme foi feito com muita paixão, desejos e alegria. “Mas nos últimos três meses era terrível. Tratava-se dos últimos momentos de Salvador Allende. A direita se organizava de uma maneira integrada, a esquerda tinha muitas contradições e não havia uma estratégia única para enfrentar o golpe. Era dramático porque víamos que o governo estava cercado e vinha um golpe de Estado. Havia três possibilidades: golpe de Estado, golpe branco, que era negociado, ou guerra civil.”
O Estado nazista
Guzmán relata ainda, na entrevista, a visão do lugar para onde eram levados os prisioneiros da repressão.
“Não podia acreditar quando estive no Estádio Nacional, duas semanas depois, que aquilo pudesse ocorrer. Como passar de um Estado pré-revolucionário, com marchas, cantos, bandeiras, esperança, com Allende falando, para um estádio que parecia um campo nazista? Completamente nazista.” Consolidado o golpe, não restava alternativa: “O exílio é uma situação com a qual você tem de se acostumar. A princípio, sente-se muito desorientado, não sabe o que fazer, mas pouco a pouco vai encontrando um lugar, sobretudo quando trabalha. Quando trabalhei no filme me senti muito bem, muito feliz, até porque estava fazendo um filme sobre o Chile, sobre o que havia ocorrido. Isso funcionou bem”, descreve. “O problema é que quando terminei o filme acabei sem nenhum propósito, sem nenhum objetivo. Isso me custou muito para encontrar o próximo trabalho. Estive oito anos esperando. Esse período foi mais difícil.” Leia a entrevista completa: bit.ly/rba_guzman
MAURO SANTAYANA
O suposto mensalão e o dever de julgar Processos como esse podem contribuir para a reconstrução da República. Depois da decisão do STF, os fatos passam oficialmente ao arquivo da História. A pressão do povo aprimorará nossas instituições
T
odos os julgamentos são políticos, quando os crimes prováveis se cometem contra a República. São políticos, se levamos em conta que as vítimas são os membros da comunidade lesada, no caso em que tenha havido os delitos apontados. A partir desse raciocínio, não há como desacreditar, in limine, o volumoso processo contra parlamentares, servidores do Poder Executivo, ministros de Estado, publicitários e outros, acusados de desviar recursos públicos, mediante ardilosos expedientes. Se as provas forem robustas e as leis penais violadas, o julgamento técnico suportará o juízo político. Se não forem suficientemente sólidas, ainda que sugiram a probabilidade do delito, o Supremo Tribunal Federal (STF), como é de sua história e natureza, na obediência ao princípio de que a dúvida os beneficia, absolverá os réus. Tantos anos depois da denúncia, a nação quer conhecer a verdade, pelo menos a verdade que os autos, sob o exame do STF, indicarão. É certo que não será toda a verdade, e é provável que muitos portem culpas alheias, mas os juízes, e principalmente os mais altos magistrados do país, não julgam com provas secretas. Eles se aterão – como impõem a natureza humana e a inteligência de quem julga – aos documentos reunidos pela Procuradoria-Geral da República. Ainda que os juízes venham a condenar os réus, seria exagerado considerá-lo o julgamento do século e a sentença política final contra o PT. A História não é a imagem de manchas negras do pecado
sobre o fundo imaculado da inocência. Ela se faz da combinação aleatória entre os vícios e as virtudes. O Partido dos Trabalhadores, com todos os erros que tenha cometido, contribuiu – ao suportar a carreira e a candidatura de Lula – para o grande avanço social no país. Entre outros de seus méritos, Lula devolveu aos brasileiros a parcela de autoconfiança que perdera durante o governo francamente entreguista e submisso aos poderosos do mundo, de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. Não se pode mais prolongar a suspeita. Se os acusados são inocentes, do ponto de vista da legislação penal, que tenham os seus direitos restaurados e sua honorabilidade recuperada. Não obstante isso, estarão sujeitos ao julgamento da opinião pública. De qualquer forma, depois da decisão do Supremo, os fatos passam oficialmente ao arquivo da História. Processos como esse podem contribuir para a reconstrução da República, de acordo com as exigências do presente. Está faltando bom senso às nossas instituições republicanas, desde a violação da Carta de 1946, pelo golpe militar. A Constituição de 1988 foi amputada, ex abrupto, pelas emendas antinacionais impostas por Fernando Henrique. E quando lhe falta o senso comum, conforme a síntese ético-lógica de George E. Moore, todo pensamento filosófico – incluído o político – é falso. Lula exerceu o cargo com o senso comum reclamado por Moore, mas não dispunha de poder suficiente para reconstruir todo o edifício constitucional do país. Falta bom senso a um sistema que se estrutura sobre grupos de interesse corporativo – como as bancadas do agronegócio, dos banqueiros, dos industriais paulistas, das multinacionais –, e não sobre ideias e doutrinas que busquem identificar e defender o interesse comum da nacionalidade. Falta bom senso a um sistema que se declara fundado na independência dos três poderes, mas que se exerce na prática da promiscuidade cômoda para os que dela se aproveitam, e inaceitável aos homens de bem. Ainda que esse mal seja comum a todas as sociedades políticas contemporâneas, em nosso caso o problema parece maior, o que é natural, porque é dentro de nossas fronteiras que vivemos, submetidos às contingências próprias dessa circunstância. E, com todas as dificuldades, a pressão do povo tem contribuído para o aprimoramento de nossas instituições. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
17
POLÍTICA
A vida após o mensalão O julgamento do mensalão pelo STF, qualquer que seja o resultado, expõe a necessidade de um sistema eleitoral em que a democracia não seja refém do poder econômico. E de um sistema de comunicação livre de uma imprensa partidária
ROGÉRIO REIS/PULSAR
Por Maurício Thuswohl
18
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
POLÍTICA
I
A quem diz que o financiamento público não vai conseguir suprimir a prática de caixa 2 ou a injeção de recursos ilegais nas campanhas, o deputado retruca: “Quando uma lei como essa surge, diminuem as possibilidades de o caixa 2 entrar na democracia brasileira porque traz punições claras para quem a burlar”. Segundo ele, também retira da política outra variável, que são as campanhas eleitorais sem teto de gastos. “O financiamento público determinaria claramente um teto e daria um padrão de fiscalização para a Justiça Eleitoral, a sociedade, a imprensa e os próprios partidos.”
Direito e transparência
O movimento dos estudantes de Direito espera que o episódio do mensalão sirva ainda para o debate “sobre o compromisso dos meios de comunicação com a informação isenta e equilibrada, com respeito ao contraditório e à presunção de inocência”. De acordo com Mantoan, esses direitos não foram garantidos no caso do mensalão: “Em boa parte dos veículos de comunicação se formou a convicção da culpa dos acusados, sem que necessariamente tal convicção tenha respaldo
nas provas produzidas no processo”. As lições deixadas pelo caso no que diz respeito à falta de acesso da sociedade a informações isentas também são apontadas pelo sociólogo Emir Sader. A criação do “marketing do mensalão”, em suas palavras, teve na grande mídia uma pedra fundamental. “Sua difusão baseou-se em alguns conceitos alimentados pelas elites econômicas brasileiras, como o caráter inerentemente corrupto e de assalto ao Estado do governo Lula”, afirma. Emir Sader, no entanto, diminui a importância do resultado do julgamento do mensalão se comparado à disputa de projetos políticos travada no Brasil: “O projeto alternativo de país representado pelo governo do PT fez do Estado um instrumento de políticas sociais prioritariamente, e não de ajuste fiscal, como era até então. Esse projeto superou o Estado mínimo. Fez do Estado um elemento de indução do crescimento econômico e de garantia de políticas sociais e também um instrumento de políticas externas soberanas, que priorizam projetos de integração regional, e não tratados de livre comércio com os Estados Unidos”.
OS INSTINTOS MAIS PRIMITIVOS Roberto Jefferson montou o enredo do mensalão e cumpriu o prometido: não caiu sozinho, levou junto o então chefe da Casa Civil José Dirceu, seu desafeto desde os tempos do impeachment de Collor
MARCELLO CASAL JR/ABR
ndependentemente do resultado do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o episódio do mensalão pode entrar para a história da política brasileira como um divisor de águas, servindo de estímulo para que a sociedade e os políticos promovam as mudanças no sistema político-eleitoral e no formato de financiamento de campanhas. A livre circulação dos recursos financeiros pelo chamado valerioduto acendeu o sinal de alerta para a necessidade de transformar o modus operandi da política no Brasil. Organizado por estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o Movimento Universitário em Defesa do Estado de Direito, que mantém um blog na internet sobre o mensalão (tudosobreomensalao.com.br), vê no caso problemas associados à questão do financiamento de campanhas eleitorais. “De fato, está demonstrada nos autos a existência de valores não declarados à Justiça Eleitoral. Nossa estrutura de financiamento leva a situações delicadas, favorecendo sempre o poder econômico na agenda política nacional”, afirma Pedro Igor Mantoan, um dos líderes do movimento. Mantoan considera imprescindível uma reforma política que estabeleça o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. “É o único modo efetivo de reduzir a influência do poder econômico sobre o político, propiciando uma estrutura mais próxima de uma democracia plena e do Estado de direito”, diz. Sua avaliação é compartilhada pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS), relator da comissão especial que trata da reforma política no Congresso, que vem encontrando dificuldade para fazer avançar a agenda da reforma entre seus pares. O parlamentar observa que a maior parte das situações de ilegalidade verificadas ao longo das últimas décadas na política brasileira tem relação com financiamento de campanha. “Uma ilustração disso é o caso mais recente, que revelou a facilidade com que a quadrilha do Carlinhos Cachoeira agiu. Os canais estão totalmente facilitados e abertos para que o interesse do crime organizado consiga interferir com grande intensidade no resultado eleitoral.”
REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
19
POLÍTICA
20
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
Duda Mendonça: conta no Caribe
Dirceu: acusação política, sem provas
quema de pagamentos a parlamentares em troca de apoio ao governo no Congresso. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, usou a expressão “mensalão”, referindo-se a uma suposta mesada de R$ 30 mil paga a parlamentares. O caso virou tema da CPI dos Correios. Eleito deputado, Dirceu afastou-se da Casa Civil e voltou a Câmara para defender-se. Ele e Jefferson foram cassados. Em abril do ano seguinte, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, transformou o relatório da CPI em inquérito e denunciou os acusados ao STF por formação de “uma sofisticada organização criminosa”. Em agosto
SÉRGIO LIMA/FOLHAPRESS
WILSON DIAS/ABR
ELZA FIÚZA/ABR
A pressão dos meios de comunicação levou o STF a marcar o início do julgamento logo após o recesso de julho. O andamento ficará praticamente encavalado com todo o período de campanha eleitoral. O caráter de espetáculo dado pela mídia conservadora à cobertura deve oferecer concorrência desleal com os debates sobre os projetos (ou falta deles) dos candidatos às prefeituras e câmaras municipais. Na segunda-feira que abriu a semana do julgamento, em 31 de julho, o Jornal Nacional dedicou 14 minutos ao caso, dando sequência aos cadernos especiais publicados na véspera por jornais e revistas. O julgamento programado pelo Supremo para começar em 2 de agosto não tem data para terminar. O processo tem mais de 50 mil páginas. A acusação está a cargo do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Em seguida, advogados dos 38 réus farão as defesas. A implicação política do processo, no entanto, é o que lhe confere importância histórica. Iniciadas em 2005 com o provável intuito de golpear de morte o governo do PT – ainda no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva –, as denúncias tiveram como ponto de partida o vazamento de um vídeo obtido pela revista Veja. As imagens mostram um diretor dos Correios, Maurício Marinho, dizendo-se ligado ao deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), recebendo dinheiro de propina. Recentemente, o prefeito cassado de Anápolis Ernani de Paula, associado ao líder de organização criminosa Carlos Cachoeira no estado de Goiás, afirmou em entrevista à TV Record que o vídeo foi obra de Cachoeira. O objetivo seria atingir o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que teria impedido os planos do então senador Demóstenes Torres de trocar o PFL pelo PMDB para ser indicado a uma secretaria importante do Ministério da Justiça – e de lá colaborar com a indústria de jogos ilegais operada pelo contraventor. (Como se sabe, Demóstenes foi cassado por sua cumplicidade com o criminoso, que está preso desde fevereiro.) Jefferson, então presidente do PTB, decidiu assumir uma briga particular com José Dirceu, e o acusou de liderar um es-
ELTON BOMFIM/AG CÂMARA
Concorrência
Valdemar da Costa Kátia Rabello: Neto: parcelas do PL núcleo banqueiro
de 2007, o Supremo abriu o processo, e argumentos da acusação e da defesa foram reunidos pelo ministro Joaquim Barbosa, indicado relator. O relatório foi revisado por outro integrante da corte, Ricardo Lewandowsky, e repassado para a análise dos demais ministros, para que se proceda o julgamento. Sete anos depois, a pressão dos meios de comunicação impeliu o STF a programá-lo para as vésperas das eleições. Qualquer que seja o resultado, absolvição ou condenação dos réus, o tema é carregado de um componente moral para ser usado como munição pelos adversários do PT. As defesas dos principais petistas acusa-
POLÍTICA
no Banco Rural. O método já teria sido aplicado no chamado “mensalão tucano”, após a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo, em 1998.
O processo
dos, o ex-ministro Dirceu e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares asseguram que, juridicamente, não existe consistência nem provas nas acusações contra eles. Mas o peso político do episódio é incontestável.
Contradição
De acordo com o advogado de Delúbio Soares, Arnaldo Malheiros Filho, o próprio pivô da denúncia, Roberto Jefferson, não sustenta a acusação em sua defesa escrita. “Não há nada nos autos do processo que deem conta disso. Jefferson (ele próprio um dos acusados) diz que o termo ‘mensalão’ é retórica, e não um fato. O nome é de apelo midiático, nem a manchete da Folha está nos autos.” Delúbio é acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha – por ser apontado como elo com a fonte de recursos, o publicitário Marcos Valério, e com os recebedores. Seu advogado nega. “O que havia eram compromissos de apoio fi-
nanceiro para os partidos que compunham a coligação pagarem suas despesas de campanha, não votos”, afirma Malheiros. “Mas não é disso que ele está sendo acusado.” Os compromissos financeiros estavam associados à inédita coligação em torno da primeira eleição de Lula, em 2002. Enquanto a campanha de Lula comemorava a chapa composta com José Alencar – empresário e senador pelo PL de Minas –, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, reivindicava do PT recursos para as campanhas regionais de seu partido. O mesmo cobrava o PTB de Roberto Jefferson, integrante da coligação. Dono de três agências de publicidade que atendiam contas do governo federal e também do governo de Minas Gerais, o empresário Marcos Valério foi apresentado a Delúbio supostamente por políticos de Minas. Valério é acusado de superfaturar contratos com o governo e de prover empréstimos ao PT por meio de contas
JAMIL BITTAR/REUTERS
OPERADOR O empresário Marcos Valério tem a maior carga de acusações
MARCELO PRATES/HOJE EM DIA /FUTURA PRESS
A acusação tentará comprovar a existência de esquema planejado e hierarquizado de desvio de recursos para compra de votos que teria contado com a participação de diversos agentes, entre empresários, parlamentares e integrantes do poder público. As defesas, por sua vez, adotarão como linha principal a tese de que os recursos não contabilizados não configuravam corrupção, mas serviam apenas à formação de caixa 2 para o pagamento de dívidas de campanha dos partidos.
DINHEIRO NÃOCONTABILIZADO Delúbio Soares confessou em rede nacional que usava caixa 2 para pagar dívidas do PT REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
21
POLÍTICA
Em acordo com a denúncia apresentada em março de 2006 pela Procuradoria – Geral da República (PGR), o relator Joaquim Barbosa aponta como integrantes do núcleo operacional do esquema José Dirceu, Delúbio, além de José Genoino e Silvio Pereira (então presidente e secretário-geral do PT, respectivamente). Esse núcleo, segundo a acusação, teria um braço publicitário-financeiro comandado pelo empresário mineiro Marcos Valério e operado por suas agências, sócios e funcionários. Além destes, fariam parte do núcleo operacional a presidente do Conselho de Administração do Banco Rural, Kátia Rabello. Outro bloco identificado no relatório é formado pelos réus que receberam, operaram e distribuíram os recursos provenientes do chamado valerioduto em seus partidos. Nele estão incluídos nomes como Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (então PL, hoje PR) e Pedro Henry (PP). Há ainda outros dois subgrupos, formados por corretores e doleiros que auxiliaram o esquema e pelo publicitário Duda Mendonça e uma sócia, que teriam recebido no exterior pagamento por seus serviços. Um dos aspectos mais curiosos do processo é incluir, entre os acusados de receber pagamentos para votar com o governo no Congresso, parlamentares do próprio partido do governo, como Paulo Rocha (PA), João Magno (MG), além do então líder do governo na Câmara, Professor Luizinho (SP), e o presidente da Casa, João Paulo Cunha.
SUPERLATIVO O plenário do Supremo Tribunal Federal terá de julgar um processo com mais de 50 mil páginas: sem data para acabar
MISSÃO O ministro do STF Joaquim Barbosa é o relator do processo
Apontado pela PGR como mentor do esquema do mensalão, José Dirceu será julgado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Dirceu desde o início considerou insustentáveis as acusações. Seu advogado, José Luís Mendes de Oliveira Lima, chegou a chamar a peça acusatória de “ficção”. E tentará demonstrar que não existe prova da participação do então ministro da Casa Civil e sequer os autos do processo apresentam existência do esquema. 22
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
ACUSADOR O promotor Roberto Gurgel: holofotes, câmeras e microfones
FOTOS JOSÈ CRUZ/ABR
Ataques e defesas
DIREITO Para Mantoan, financiamento público de campanha pode conter influência do poder econômico
ARQUIVO PESSOAL
JOSÉ CRUZ/ABR
POLÍTICA
Delúbio e Genoino sofrem as mesmas acusações. O ex-presidente do PT responderá que não tinha participação direta na movimentação financeira do partido e apenas assinava documentos na condição de presidente. O ex-tesoureiro admitirá a captação de caixa 2, mas sem envolver compra de votos, muito menos com recursos públicos, o que descaracteriza crime de corrupção. A maior carga individual de acusações recai sobre Marcos Valério, que será julgado por corrupção ativa, formação de quadrilha, peculato (apropriação de recursos públicos em benefício próprio), evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Os advogados do empresário tentarão desqualificar a acusação de formação de quadrilha ao alegar que ele não tinha vínculo político algum com a Casa Civil e os empréstimos ao PT, segundo o conhecimento do réu, seriam destinados a cobrir dívidas do partido com as campanhas eleitorais. Kátia Rabello, do Banco Rural,
será julgada por formação de quadrilha, evasão de divisas, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Seus advogados dirão que todos os empréstimos concedidos por intermédio do banco foram executados em respeito ao que determina a legislação financeira. Completam a lista dos réus Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes, acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas por terem recebido cerca de R$ 10 milhões provenientes do esquema, por meio de depósitos bancários não declarados em contas no Caribe. Entre os representantes dos partidos acusados, a estratégia de defesa é comum, com os dirigentes e parlamentares alegando que o dinheiro não servia à compra de votos, mas sim à reposição de gastos de campanhas. A defesa de Valdemar Costa Neto negará a compra de votos, já que, segundo seus advogados, na época das denúncias o partido tinha o vice-presidente da República, portanto não precisava de estímulo para se aliar ao governo. No PTB, a tese de que o dinheiro recebido não representava compra de votos, mas sim o acerto de despesas de campanha, também será sustentada pela defesa de Roberto Jefferson. O petebista foi uma das figuras mais contraditórias do processo. Integrante da antiga tropa de choque que tentou blindar o ex-presidente Fernando Collor de Mello, há quem diga que o ex-deputado nutria ódio velado ao PT e a José Dirceu desde os tempos do impeachment, em 1992. Em suas acusações que deram origem ao processo do mensalão, acusou, e ainda acusa, o partido do governo de pagar mesadas, mas não ao PTB. Quando o processo chegou ao Supremo, afirmou em sua defesa escrita que o termo era só retórica, não um fato. Na ocasião, dizia que o presidente Lula não sabia de nada, mas hoje permite que seu advogado de defesa pretenda incriminar o ex-presidente. O que nunca mudou em seus argumentos foi sua pendenga com Dirceu. Em entrevista à Rede TV! no final de julho, afirmou: “Eu queria tirá-lo de lá”. Colaborou Paulo Donizetti de Souza REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
23
ENTREVISTA
As receitas de
Eliana Calmon
Perto da aposentadoria como ministra do STJ, a corregedora nacional de Justiça poderia se beneficiar de um projeto de lei que lhe daria mais cinco anos de carreira. Mas prefere que fique como está a aposentadoria compulsória de magistrados aos 70 anos: “O Judiciário precisa remover dinossauros que andam fazendo muito estrago” Por Paulo Donizetti de Souza
C
onsta que certos magistrados incomodados com a atuação de Eliana Calmon à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) teriam uma vida mais sossegada se a ministra restringisse seus talentos à paixão pelo fogão. Eliana, desde a adolescência, é exímia cozinheira, apaixonada pela gastronomia de sua Bahia e – para quem duvidar – tem um livro: Resp – Receitas Especiais. O título brinca com a unidade do Judiciário na qual atua desde 1999, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância de julgamento de recursos, por isso chamados de “Recursos Especiais” (Resp). Na obra, ensina a prepararf 457 pratos. Depois de fazer muito sucesso presenteando amigos, a magistrada resolveu vender o livro, hoje na nona edição e encontrado em livrarias por R$ 30. O dinheiro arrecadado vai todo para uma creche, Vovó Zoraide, de Uberaba (MG). Segundo ela, cozinhar une as pessoas e muda o humor. Mas nem só de melhorar o humor de seus convidados e familiares vive Eliana Calmon. No meio jurídico, aliás, houve humores muito alterados, para pior, desde que a ministra assumiu em, 2010 24
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
o comando do CNJ, órgão criado em 2004 com a finalidade de fiscalizar a gestão dos tribunais e supervisionar juízes quanto ao cumprimento de seus deveres. Por isso, alguns queriam o poder do CNJ diminuído, mas uma decisão apertada do Supremo Tribunal Federal assegurou suas atribuições, incluindo investigar denúncias não observadas pelos tribunais de primeira instância. Azar dos “bandidos de toga”, título atribuído por ela aos profissionais de má índole que mancham a imagem da magistratura e provocam um descompasso entre o sistema judiciário brasileiro e os avanços democráticos alcançados pelo país. Eliana Calmon não veio mesmo ao mundo para ser “boazinha”. Em entrevista recente, contou ter sido uma adolescente ardida, especializada em contrariar as expectativas dos pais, como deixar a vaidade em segundo plano ou ir a um acampamento de escoteiros na véspera do aniversário de 15 anos e voltar torrada e cheia de picadas para a “festa da minha mãe, não minha”. O único homem do planeta que a faz baixar a guarda é o neto de 2 anos, que pode tudo quando está com ela.
ENTREVISTA
GLÁUCIO DETTMAR/AGÊNCIA CNJ
A punição para juízes corruptos é branda porque a legislação é uma vergonha. Não faz jus a um país que se democratiza. Mas eu acho que uma nova lei orgânica da magistratura que pode corrigir isso virá dentro de uns dois, três anos
REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
25
ENTREVISTA
Barulhenta
O mensalão é um momento decisivo para O STF. Não podemos achar que só se sairá bem se condenar ou só se absolver. Se fosse assim, não precisava julgamento. E o povo precisa ser bem informado sobre os argumentos
Fã de Milton Nascimento, ela não tem lá um estilo muito mineiro de lidar com a política. Em vez de agir discretamente, não se faz de rogada quando precisa fazer barulho. Ainda que o ruído seja para admitir publicamente os vícios do sistema judiciário do país. Sua esperança é que uma renovação gradual e progressiva da carreira atraia novos quadros para dar continuidade à modernização do Judiciário. Aos 68 anos e em muito boa forma, a ministra tem admiradores torcendo pela aprovação da proposta de emenda constitucional que amplia para 75 anos a idade de aposentadoria dos juízes. Assim, torcem, teria fôlego até para chegar à presidência do STF. Eliana rechaça. Prefere ver mantido o retiro compulsório aos 70 e a remoção mais rápida dos “dinossauros que andam fazendo estragos”. A corregedora não se ilude quanto a possibilidades de o CNJ dispor de mecanismos que assegurem um funcionamento independente, rigoroso e implacável no combate às mazelas do sistema, qualquer que seja seu comandante de turno. “Ainda dependemos muito da iniciativa pessoal de quem estiver no comando”, admite. Enquanto esteve lá, cumprindo um ciclo de dois anos de gestão, fez sua parte. Aliás, ainda está fazendo. Perguntada se há alguma investigação importante em curso ou alguma revelação para as próximas semanas, a ministra não nega: “Muitas. E antes de eu sair, no dia 6 de setembro, ainda teremos algumas sessões para fazer algumas coisas”. No dia 24 de julho, a juíza visitou o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, onde foi homegeada. Depois de proferir uma palestra a convite da Escola Judiciária Eleitoral Paulista, recebeu a reportagem da Revista do Brasil para esta entrevista. Seu antecessor no CNJ, ministro Gilson Dipp, chegou a dizer que em alguns lugares do Brasil a situação do Judiciário era tão complicada que “precisava melhorar muito para ficar ruim”. O Judiciário, afinal, está ficando ruim, ou seja, está melhorando?
Acho que está. Eu posso dizer que já foi o caos. Hoje já está sendo soerguido. Tem muitos tribunais que estão em parceria com o CNJ, estão cumprindo as metas do CNJ, usando as ferramentas do CNJ, e dessa forma podemos ter esperança, as coisas começam a mudar, começa a haver um entendimento. E isso é natural. É um problema de mudança de cultura, e uma cultura arraigada há dois séculos, não é fácil, mas a mudança já começa a ser sentida. 26
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
Há algum tempo a senhora usou a expressão “bandidos de toga” para qualificar os que mancham a imagem de toda a magistratura. Por que alguns colegas seus se incomodaram tanto com isso? O Judiciário é blindado?
Foi o que eu quis dizer. Essa blindagem que se faz ao Poder Judiciário se dá de forma errada, segundo um entendimento de que, como um dos pilares da República, da democracia, não pode ser desmoralizado. Então, blinda-se o Judiciário para não haver desrespeito aos seus magistrados. Só que isso leva a uma situação em que pessoas inescrupulosas ingressam na magistratura para se beneficiar dessa blindagem. E, por serem blindados, começam a fazer o que não devem. A blindagem é necessária, mas o sistema não pode ser tão fechado porque isso impede as correções de rumo quando necessário. Quando isso mudar, nós teremos alguns desvios de comportamento, mas não mais bandidos de toga. No episódio do Pinheirinho, o Judiciário foi rápido e insensível na reintegração de posse, e está devagar na apuração das denúncias de abuso e violência. Esse caso ilustra como a Justiça está mais para século 19 do que 21?
Sem dúvida alguma. Nós não temos ainda experiência suficiente para vencer conflitos plurissubjetivos, que envolvem muitas pessoas, muitas vidas e muitas famílias em meio a situações políticas diversas. Existe ainda a ideia de que nós somos aquele modelo quase napoleônico, no qual tem de prevalecer a letra fria da lei, quando hoje, na realidade, temos de ter muito mais sensibilidade e ativismo político. Ou seja, ser ativos o suficiente para fazer valer a autoridade não da lei, mas do bom senso e da sociedade. A senhora disse que ampla maioria da magistratura são pessoas sérias, que trabalham para que a Justiça prevaleça, mas meia dúzia de maus profissionais atrapalha o bom desempenho. Isso suja a imagem da instituição?
O problema é que essa meia dúzia tem um grande poder de ação. Enquanto nós que trabalhamos, que somos do bem, ficamos muito calados, na retaguarda, eles são ousados, afoitos, daí a força do poder de fogo. E se unem a alguns segmentos da sociedade que tiram proveito da inação do Judiciário. Não tenho dúvida de que esse longo período de inação terminou por criar segmentos que se nutrem da continuidade dessa inação. Ninguém tem interesse de que a Justiça volte a funcionar bem porque as elites perderiam um grande filão que dá suporte a elas. Essas pessoas estão dentro do Judiciário fazendo coisas erradas, e ainda dão suporte a outras que servem como inocentes úteis.
ENTREVISTA
O sistema que temos foi feito para favorecer as elites políticas e econômicas. Não tenha dúvida disso. Todo o sistema é para essa proteção. Tanto que eu gosto muito de lembrar o filme Tropa de Elite, no qual o capitão Nascimento diz: “A culpa é do sistema, a culpa é do sistema”. A culpa é do sistema. E nós não mudamos de uma hora para outra. Porque, se nós mudarmos o sistema, as elites ficarão desprotegidas. Então nós não mudamos.
Apesar de todos esses defeitos do sistema, o CNJ já dispõe de mecanismos para que funcione bem em seu papel de fiscalizar o Judiciário, independentemente de quem venha a ser o corregedor? Ou ainda depende muito da iniciativa pessoal de quem estiver no comando?
Ainda depende muito da iniciativa pessoal de quem estiver no comando. Inclusive essas elites podres já descobriram a grande força do CNJ e já tentam providenciar para que o CNJ até não tenha tanta força. Mesmo assim a senhora é otimista quanto ao futuro?
Sou extremamente otimista porque acho que a força popular é muito grande, é capaz de paralisar essas elites. E temos grandes provas disso. Uma delas é a Lei da Ficha Limpa, que o Congresso não queria votar, mas a força popular paralisou as elites de tal forma que foi votada. Outro momento foi quando essas mesmas forças populares foram para as redes sociais, foram para os jornais fazendo um movimento efetivamente decisivo para que o CNJ continuasse com a sua competência total. A de poder “concorrer” com as corregedorias estaduais e poder investigar mesmo denúncias que não tiverem passado pela primeira instância local?
Isso. Então eu acho que essa participação, o alcance disso, a gente só vai ver daqui a alguns anos. Isso é de um alcance extraordinário. E ninguém nunca viu... O povo – o povão, o motorista de táxi, o zelador de edifícios, as empregadas domésticas – começa a falar do Conselho Nacional de Justiça como se fosse uma coisa dele, uma instituição do povo. Isso é uma coisa linda. Isso é capaz de paralisar as elites. Mas é preciso tomar conta de quem se coloca lá.
Há atualmente em curso alguma investigação de falcatruas no Judiciário que esteja preocupando muita gente e possa estourar a qualquer momento?
Sem dúvida, há muitas. Muitas. E antes de eu sair, no dia 6 de setembro, ainda teremos algumas sessões para fazer algumas coisas, né? (risos). FOTOS GLÁUCIO DETTMAR/AGÊNCIA CNJ
Virou até folclore popular que “polícia”, no sentido da aplicação da Justiça, só prende “preto e pobre”. O que faz com que o Judiciário tenha essa imagem de eficiente para os ricos e ineficiente para os pobres?
A senhora vê com simpatia a aprovação da “PEC da Bengala”, que permitiria adiar a sua aposentadoria compulsória dos 70 para os 75 anos de idade?
Não. Eu poderia até ser favorecida por ela, mas acho que o Judiciário, neste momento, precisa remover muitos outros dinossauros que estão por aí fazendo muito estrago.
Falando em dinossauro, a Justiça não é muito branda ao punir juízes infratores? Não são incomuns notícias de que determinado juiz, flagrado em ato de corrupção, foi “punido” com a aposentadoria. Isso é punição?
A legislação é uma vergonha, né? Não faz jus a um país que está se democratizando. E nós não conseguimos aprovar uma nova lei orgânica da magistratura em que poderíamos fazer a correção. Mas eu acho que uma nova lei virá dentro de uns dois, três anos. Está para começar o julgamento dos envolvidos no chamado mensalão. A senhora acha que será um momento importante para que o Judiciário mostre à sociedade que pode julgar sem pressões políticas, econômicas e outros interesses?
Eu acho que é um momento muito decisivo para o Supremo Tribunal Federal, que poderá se sair bem condenando ou absolvendo conforme os argumentos apresentados. Não podemos achar que só se sairá bem se condenar, ou só se absolver. Isso não existe. Se fosse assim, não precisava julgamento. O povo já teria julgado. Mas o povo precisa ser convencido pelos argumentos a serem usados pelo Supremo, que deverá mostrar por que está absolvendo ou condenando. Aí é que bate o ponto. É aí.
Existe ainda uma ideia de modelo napoleônico, no qual prevalece a letra fria da lei. Temos de ter mais sensibilidade e ativismo político, ser ativos o suficiente para fazer valer a autoridade do bom senso e da sociedade
Os meios de comunicação do país vão informar corretamente a população esses argumentos todos?
Não tenho dúvida. Vocês, jornalistas, têm a obrigação de esclarecer a população sobre as coisas sérias e sobre as coisas que não são sérias. Isso é fundamental. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
27
EDUCAÇÃO
Imbróglio federal A longa greve dos professores das universidades federais expôs diferenças de concepção e desavenças políticas. O governo, em cenário de crise, diz ter feito o que pôde. Os profissionais criticaram o processo de negociação Por Vitor Nuzzi
D
ois ministérios e três entidades que representam os professores do ensino federal protagonizaram a greve do setor, que começou em maio e entrou em agosto. Diferenças de concepção sobre o ensino, divergências políticas e um período de crise complicaram as negociações. Para sindicalistas, por exemplo, na bancada do governo a visão econômica pôs o Ministério da Educação em segundo plano. Um dos negociadores governistas contesta. “Foi bem equilibrado (entre Planejamento e Educação). 28
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
Mas ele admite: “É uma negociação complexa, que também leva a orientação da Presidência da República”, observa. Após rejeição unânime de sua proposta feita em 13 de julho, o Executivo refez contas e apresentou nova oferta 11 dias depois. Duas das três entidades que negociam pelos professores mantiveram posição contrária ao acordo, basicamente por pendências relacionadas à carreira dos docentes na rede pública federal. Na parte econômica, a proposta prevê reajustes a partir de 2013 que atingirão entre 25% e 40% sobre o salário reajustado em
4% este ano. O governo estima em 20,8% a inflação de agora até fevereiro de 2015. Os sindicalistas, começando a conta por 2010 – o último reajuste foi em julho daquele ano –, apontam perdas. “A desestruturação da carreira continua”, critica o primeiro-vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes SN), Luiz Henrique Schuch, que após a reunião do dia 24 disse não ver “nenhuma relação lógica na evolução entre os níveis e as classes, os regimes de trabalho e as titulações”.
EDUCAÇÃO
Docentes federais Professores de 3º grau*
106.080
Professores do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT)
36.208
*De auxiliar a titular Fonte: Ministério do Planejamento
Universidades federais
59
em todo o país
14
FOTOS MARCELLO CASAL JR/ABR
criadas no governo Lula
ACORDO DIFÍCIL Servidores e professores fazem manifestações em Brasília: semestre letivo perdido
O Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), alinhado ao Andes-SN, também criticou. “Essa contraproposta apresenta algumas pequenas melhorias financeiras e retira algumas das questões estruturais negativas que haviam sido introduzidas pelo governo na proposta apresentada no dia 13. O governo, porém, insiste em não fazer uma verdadeira reestruturação da carreira, aprofundando a desestruturação”, afirma a entidade. Já a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes) considerou as reivindicações das entidades atendidas. “Se não é a proposta ideal, não é ruim. Foram retirados itens que julgávamos inaceitáveis”, diz o diretor de Assuntos Educacionais do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Proifes, Nilton Brandão. Entre esses itens, o aumento da carga horária e restrições à progressão na carreira.
Dinâmica
O secretário de Relações do Trabalho no Serviço Público, do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça, diz que a REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
29
EDUCAÇÃO
nova proposta garante aumentos reais a todos os docentes. “Nenhum professor vai ter perdas”, afirma. Ele lembra que a tabela é a mesma para universidades e institutos, estes com mais professores graduados e aquelas com mais titulados, o que aumenta a complexidade da negociação. O governo diz que tem como objetivo estimular as universidades a atingir 100% de doutores nos próximos anos. O professor da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano Schutte, integrante do comando local de greve, considera que o governo foi lento nas conversas com os servidores. “A negociação do dia 13 claramente foi chamada às pressas, para abafar o movimento. E parece que a dinâmica é
toda da Fazenda e do Planejamento”, avalia. “Nossa greve não é por aumento real, mas por reestruturação da carreira, o que obviamente tem impacto no Orçamento.”
Congresso
A questão do Orçamento pressiona os envolvidos na negociação. Por lei, o governo deve entregar ao Congresso seu projeto orçamentário anual até 31 de agosto de cada ano – ou seja, quatro meses antes do encerramento do período legislativo. Assim, itens que contemplem os reajustes dos professores – e do funcionalismo em geral – precisariam já estar definidos para ser incluídos na proposta e aplicados em 2013. “O governo não vai
encaminhar ao Congresso sem um acordo”, afirma um dos interlocutores. Segundo a presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Paulo (Adunifesp), Virgínia Junqueira, a questão transcende o volume de recursos que o governo informa que destinará ao setor nos próximos três anos – de acordo com o Executivo, com a nova proposta o impacto orçamentário passou de R$ 3,92 bilhões para R$ 4,2 milhões – e diz respeito a carreira profissional e estrutura para professores, alunos e funcionários. Ela conta que as conversas do Andes-SN com os dois ministérios se repetem desde o final de 2010. “O interlocutor deveria ser o Ministério da Edu-
MÉRCIA MENESCAL/PROIFES
Sérgio Mendonça, com servidores: governo defende a negociação permanente
Efeito dominó
Os professores talvez sejam a face mais visível da greve dos servidores federais, que atinge diversas categorias – exatas 26, em 25 estados e no Distrito Federal, segundo a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). Em 26 de julho, por exemplo, o IBGE não pôde divulgar a série completa da taxa de desemprego do mês anterior porque ainda não tinha disponíveis os dados referentes à região metropolitana do Rio de Janeiro. Basicamente, os servidores pedem aumento salarial e mudanças nos planos de carreira. O secretário de Relações do Trabalho no Serviço Público, Sérgio Mendonça, conta que nos primeiros três meses no cargo participou de mais de 100 reuniões de negociação com entidades do funcionalismo. Em entrevista dada em junho à Rede Brasil Atual, ele observou que a despesa de pessoal
30
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
“não pode estar desconectada da política macroeconômica e fiscal”, mas reiterou que o governo defende uma política de negociação permanente. Na greve atual, o clima piorou com a publicação do Decreto nº 7.777, de 24 de julho, que entre outros itens permite o uso de mão de obra estadual ou municipal, mediante convênio, durante o período de paralisação. “Tal medida atropela o processo de diálogo e vai na contramão da legitimidade de uma paralisação em defesa de salários e direitos”, reagiu a Executiva Nacional da CUT. “O confronto que se agrava após mais de um mês de paralisação só se estabeleceu pela incompreensão do governo federal, que, movido pela lógica do desmedido ‘ajuste fiscal’, arrocha salários e investimentos, medidas incompatíveis com os compromissos assumidos e com as necessidades da sociedade brasileira, em especial dos servidores públicos.”
CONTEMPORIZANDO Mercadante: “Não conheço nenhuma categoria profissional, de atividade pública ou privada, que tenha recebido um aumento desse porte e conquistado uma carreira em um momento de tantas incertezas econômicas, com um cenário de crise como o que se apresenta”
Servidores no ensino federal
Universidades Institutos federais (Ifets)
Total de funcionários
160.180 40.679
Nível superior
92.154 27.651
Nível intermediário
52.577 11.623
Nível auxiliar Fonte: Ministério do Planejamento
7.836 1.218
FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR
EDUCAÇÃO
cação, para intermediar essa proposta e levá-la ao Planejamento.” Na visão da professora, a concepção atual revela mais preocupação com custo do que com qualidade. “Com certeza quem segurou esse processo negocial foi a área financeira do governo”, afirma Brandão, do Proifes. O Executivo admite preocupação com a conjuntura econômica, mas diz que isso não fez interromper as negociações. “O governo está avaliando com muito cuidado a crise internacional, como vai expandir o gasto e a folha de pagamento”, afirma um negociador. “Não conheço nenhuma categoria profissional, de atividade pública ou privada, que tenha recebido um aumento desse porte e conquistado uma carreira em um momento de tantas incertezas econômicas, com um cenário de crise como o que se apresenta”, declarou o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, após a reunião de 24 de julho. Com posições divergentes entre as entidades dos professores, a decisão do governo de não ir além e o prazo curto, a negociação pode terminar em impasse. “Se esticar muito a corda, todos perdem”, comenta um dos integrantes da mesa. Em maio, ao ser homenageado com cinco títulos honoris causa concedidos por universidades federais no Rio de Janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o estímulo dado ao setor. “Orgulho-me de termos criado 14 novas universidades federais e 126 extensões universitárias, nas mais diversas regiões do país, democratizando o acesso ao ensino superior. Simplesmente dobramos o número de vagas nas universidades públicas”, afirmou. Desde 2003, o sistema passou de 600 mil para 1,2 milhão de alunos. Se a premissa é de que houve avanços no período Lula, na avaliação de Giorgio, da UFABC, esse processo não pode ser interrompido. “A expansão não era só numérica, era uma concepção, e com critérios de inclusão social”, observa. Na UFABC, por exemplo, 50% dos alunos vêm de escolas públicas. “Você não pode consolidar a precarização, precisa avançar. É preciso voltar a discutir a carreira. Se não houver sequência, a agenda positiva vira negativa.” REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
31
CIDADANIA
Nas garras dos coiotes Redes criminosas especializadas em ganhar dinheiro com o tráfico de pessoas já fizeram mais de 70 mil vítimas brasileiras e só não faturam mais que os cartéis de armas e de drogas Por Evelyn Pedrozo
U
m dia a pessoa é abordada na rua ou pela internet por alguém que oferece um futuro promissor fora do país. A retirada rápida de documentos e visto, entre outras providências para a viagem, é fácil. Parece não haver motivos para temer. Pode acontecer com moças bonitas, supostamente futuras modelos ou dançarinas, jogadores de futebol, músicos, professores de capoeira e de danças brasileiras, cozinheiros, churrasqueiros. Todos querem progredir e embarcam nesse sonho. O tráfico humano é o terceiro crime mais rentável do mundo, atrás apenas do de drogas e de armas. O Brasil aparece entre os cinco com maior número de casos – é ponto de passagem, de origem e também de destino. Segundo o Ministério Público Federal, 70 mil pessoas feitas de mercadorias humanas são brasileiras. Em termos globais, são 2,5 milhões de vítimas, que renderam a redes criminosas “negócios” de US$ 32 bilhões, segundo a Organização das Nações Unidas. 32
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
A gravidade do crime é inquestionável e, pior, a sociedade o desconhece. A diretora do Departamento de Justiça do Ministério da Justiça (MJ), Fernanda dos Anjos, afirma que as próprias vítimas não se dão conta de estar sendo lesadas por um delito grave. “Elas se sentem enganadas, violadas em um conjunto de direitos, mas reclamam da própria sorte, e assumem a culpa dos fatos”, diz. Nos últimos dois anos, a ONG Safernet catalogou 987 sites de aliciamento, que se infiltram também nas redes sociais. As informações foram apresentadas à Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado que investiga o crime. O relatório da CPI é esperado para setembro. O tema também move uma CPI na Câmara dos Deputados, em cujas audiências já passaram desde donos de agências de modelos acusadas de tráfico de garotas para exploração sexual na Índia até usinas suspeitas de submeter operários a regime forçado de trabalho. O relatório dos deputados está previsto para outubro.
CIDADANIA
Triste condição
Um dos maiores desafios no Brasil é aumentar o rigor da lei para o tráfico de seres humanos. A diretora Fernanda, do MJ, afirma que existe um anseio de que sejam criminalizados também casos já identificados no Brasil para fins de adoção ilegal, casamento servil, servidão por dívida e tráfico para fins de trabalho escravo, remoção de órgãos, entre outras formas ainda não enquadradas como tráfico de pessoas pelo Código Penal. “E a legislação não está dando conta de perceber essa realidade e tipificar.” Alterações recentes no Código Penal, em 2005 e 2009, mantiveram a exploração sexual como condição para tipificação do crime. De acordo com o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do anteprojeto do novo código, ainda é preciso aprofundar o debate sobre a ampliação da pena e “alargar o alcance” da punição. O novo texto deve chegar ao plenário da Câmara dos Deputados até o fim deste ano. A pena atual prevê de três a oito anos de reclusão (artigo 231) para o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual e de dois a seis anos para o tráfico interno (231-A). A alteração do Código é fundamental para que o crime seja enquadrado conforme previsto no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido como “Convenção de Palermo”. O protocolo foi adotado em 2000 em Nova York e entrou em vigor internacionalmente em 2003. No Brasil, foi ratificado em 2004 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Decreto nº 5.017. Além de maior rigor legal com os criminosos, as partes envolvidas com a questão aguardam com certa ansiedade a aprovação do 2º Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, à espera de aprovação na Casa Civil. A primeira versão, de 2008, foi divulgada em um cenário diverso, quando as vítimas eram brasileiros explorados no exterior. Agora, as peças do jogo se multiplicaram e o contexto insere vítimas estrangeiras no Brasil e o tráfico interno, que começa a aparecer fortemente. A linha de atuação da rede de enfrentamento será não apenas a repressão, mas a prevenção e a atenção às vítimas. As vítimas de tráfico humano podem não ter consciência de seus direitos. A extrema pobreza pode fazê-las aceitar a própria sorte. Mas o Estado não pode admitir que seus direitos sejam violados, como alerta a responsável pelo Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Defensoria Pública da União em São Paulo, Daniela Muscari. “Por mais que as vítimas não tenham como brigar, nós temos de reconhecer nelas o direito à dignidade”, afirma.
Daniela observa que a vontade expressa pela pessoa no momento em que é aliciada, explorada, pode não ser o que ela realmente sente, e por isso cabe ao Estado protegê-la. Nesse sentido, a defensora critica a atuação do Estado. “As instituições públicas não cumprem seus compromissos, não têm seriedade. Quando a gente vê uma atitude firme, um passo bem planejado, é certo que há alguém por trás, uma vontade de uma pessoa, não um compromisso institucional com a causa, com os direitos humanos.” Oito em cada dez vítimas de tráfico humano são mulheres, sejam crianças ou adultas. “Ao entrar para a prostituição, elas desconhecem os riscos. Aceitam fazer programas, dançar em boates, mas acabam assinando um cheque em branco”, diz Aparecida Gonçalves, secretária nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República. Em resposta a denúncias feitas da Espanha, da Itália e de Portugal, a SPM e a Polícia Federal criaram o Ligue 180 internacional, que desde janeiro tem recebido em média 18 denúncias por mês.
Rotas
Há dez anos, o Brasil tinha 241 rotas, segundo a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf). Desse total, 110 são relacionadas ao tráfico interno – intermunicipal e interestadual – e 131 ao tráfico internacional. A Região Norte tem a maior concentração de rotas (76), seguida por Nordeste (69), Sudeste (35), Centro-Oeste (33) e Sul (28). Levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) apontou 1.776 pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais. Como a exploração sexual em geral envolve o tráfico humano, a PRF começou a mapear os 70 mil quilômetros de rodovias no Brasil e as fronteiras com 15 cidades gêmeas para definir as rotas nacionais e internacionais desse crime. Para a presidenta da Comissão Nacional de Direitos Humanos da PRF, Márcia Freitas Vieira, as quadrilhas podem ser caracterizadas como múltiplas e pequenas, e são raras as que usam “coiotes” (pessoas que facilitam a travessia ilegal nas fronteiras). “Mas elas estão cada dia mais organizadas. Tanto que antes não havia tráfico de pessoas em rota comercial de ônibus, e agora sim”, diz. “É uma tentativa de desconfigurar o crime ao colocar as pessoas traficadas junto aos passageiros comuns”. Confira na Rede Brasil Atual uma série de 13 reportagens sobre o tráfico de pessoas: http://bit.ly/trafico_pessoas
As vítimas de tráfico humano podem não ter consciência de seus direitos. A extrema pobreza pode fazêlas aceitar a própria sorte. Mas o Estado não pode admitir que seus direitos sejam violados
REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
33
TRABALHO
Decente
sim, senhor Trabalhadores domésticos cuidam de casas, dos patrões e até educam seus filhos. Mas uma minoria tem carteira assinada e, ainda assim, com direitos inferiores. Enquanto a lei não muda, empregadores podiam fazer melhor a sua parte
B
endita Benê. É assim que a empregada Benedita Martins é chamada por Bruno e Nickolas, filhos do patrão, o professor universitário Willians Balan, em Bauru, interior de São Paulo. Quando ela chegou à casa da família, há 14 anos, os rapazes tinham 10 e 12. Separado e responsável pelos adolescentes, Willians encontrou Benê por meio de uma agência. “A presença dela deu suporte à educação deles. Quando eram adolescentes, ela foi porta-voz das necessidades deles. Eu me colocava a par do que pensavam e faziam”, recorda o professor. Em 34 anos de vida profissional, Benê, de 46, já passou por várias famílias, quase sempre cuidando das crianças e das casas enquanto os pais trabalhavam. Na atual, lida com a alimentação – inclusive das compras –, as roupas, as quatro gatas e a limpeza. E zela pela manutenção, acionando serviços de jardinagem e limpeza da piscina. “Sem ela, eu não poderia sair diariamente e ter uma carreira consolidada”, admite o professor. Além da carteira assinada desde o início, Benedi34
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
ta tem vale-transporte e salário considerado “digno”. Willians recolhe Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Previdência Social. Ela usufrui férias de acordo com a lei e tem o seu plano de saúde pago pelo empregador. “É uma amiga, está ali cuidando da família, mas é principalmente uma pessoa que tem direito a uma vida decente, como a que eu luto para ter”, elogia ele. O salário de Benê garantiu, em sua própria casa, parte da mobília, eletrodomésticos, computador e tevê de 42 polegadas. E o sonho da grande varanda está prestes a se realizar por completo. “Falta pintar.” A casa de três quartos com jardim de inverno e cozinha ampla dá conforto à família, composta por três filhos, Benê e o marido. A mãe e o padrasto vivem no mesmo quintal. A natação do filho e sua hidroginástica são igualmente “frutos” de seu trabalho. Há dois anos, a doméstica conquistou os sábados livres. Vai de segunda a sexta-feira, das 9h às 15h30. “Eu não esqueço que é um trabalho, mas me alegro com o bem-estar deles. Tenho satisfação em cuidar dessas pessoas”, diz.
OLICIO PELOSI/RBA
Por Suzana Vier
TRABALHO
Dezenove por cento da população ocupada feminina tem o mesmo ofício de Benê. Dos 6,9 milhões de domésticas do país, a maioria é formada por mulheres negras. No entanto, uma porcentagem muito pequena tem carteira assinada e direitos assegurados. A proteção social, desfrutada por Benê, portanto, é exceção. Segundo dados do Perfil do Trabalho Decente no Brasil, divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em julho, menos de três em cada dez empregadas possuem carteira assinada. Assim, embora quase 7 milhões de chefes de família tenham sua vida profissional facilitada graças a seus empregados e empregadas, a recíproca não é verdadeira. E não raras vezes, a proximidade com as famílias, que deveria garantir dignidade ao serviço doméstico, reverte-se em desculpa para desrespeito, humilhação e agressão.
À beira da escravidão
EXCEÇÃO Benê trabalha na casa de Willians há 14 anos. Recebe direitos trabalhistas e a assistência médica é paga pelo patrão
Presidente interino da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Francisco Xavier Santana viveu uma dessas histórias. Começou com 12 anos na casa de um juiz em troca de cama, comida e uma ajuda para sua mãe. Tomava conta dos filhos do magistrado, que tinham a mesma idade dele. “Pensava que era brincadeira”, diz. Cuidava do cachorro, cortava grama, limpava vidro, encerava a casa de joelhos e depois passava enceradeira. “Repetia até que a patroa gostasse do serviço”, conta. “Na ingenuidade de criança, eu gostava, porque em casa não tinha três refeições.” Um dia, os meninos brincavam e uma bolinha de gude lascou a quina da mesa de vidro. A patroa o acusou pelo acidente e quis descontar da ajuda que dava à sua mãe. “Aquilo levou minha mãe a repensar”, recorda. Em outro trabalho, Francisco também cuidava dos filhos da família. Mas, quando casou, os patrões não aprovaram que fosse embora para ficar na própria casa com a esposa. Diziam “é aqui perto” e que ele podia ir para lá nos fins de semana. “Os patrões acham que o trabalhador doméstico não precisa receber e ainda deve favor. O meu dizia: ‘É um privilégio você conviver com a gente e ainda ganhar’”, lembra. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
35
Regina Semião, ex-dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas, também no interior paulista, hoje com 71 anos, começou a trabalhar aos 8, quando veio de Passos, em Minas Gerais, com a família da madrinha, que a “empregava”. “Eu subia em um banquinho para cozinhar. Tinha curiosidade de conhecer as coisas, mas não sabia que ia enfrentar uma mesa grande, fogão e cinco pessoas para cuidar.” Suportou até os 15 anos. “Um belo dia cansei e comecei a chorar, porque, enquanto eles comiam, eu tinha de cuidar do neto da patroa”, relata. “Se você quer salário, pode sair”, ouvia. “Era praticamente trabalho escravo.” Encarnação Maria Melo, de 78 anos, foi diretora do mesmo sindicato e doméstica por mais de 30. Ia para a roça desde que “podia segurar uma criança” – segundo ela, por volta de 7 anos. Sua história e a de Regina repetem o roteiro do filme Histórias Cruzadas (2011), de Tate Taylor. A exemplo das mulheres negras do Mississippi, nos Estados Unidos do século passado, Encarnação trabalhou em uma casa em que “tudo que as domésticas usavam era separado, até talher”. Era 1980, em Campinas, e “a patroa sondava nós conversar, contava as frutas pra ver se a gente tinha comido”. Anos depois, Encarnação atendeu no sindicato uma pessoa que foi denunciar a patroa, uma advogada, por ter colocado laxante na sua comida quando resolveu deixar o trabalho. Em muitos lugares, ainda “é trabalho escravo”, constata. Em 2008, uma trabalhadora chegou a ser resgatada pela polícia, em Salvador, depois de passar 14 anos em cárcere privado. Francisco, da Fenatrad, acompanhou o caso de Gabriela Jesus Silva, que foi trabalhar aos 11 anos na casa, perdeu contato com a família e nem sequer soube da morte da mãe. “Depois que Gabriela foi libertada, sua família não a queria de volta, porque, sempre que ligavam para a casa da patroa, a dona dizia que ela estava na praia com o namorado, quando a moça na verdade estava trancada, trabalhando”, conta. Em 2012, caso semelhante foi flagrado em Juiz de Fora, em Minas Gerais. 36
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
MAURICIO MORAIS/RBA
TRABALHO
PRECOCE Regina começou a trabalhar com 8 anos, sem salário: “Eu subia em um banquinho para cozinhar. Tinha curiosidade de conhecer as coisas, mas não sabia que ia enfrentar uma mesa grande, fogão e cinco pessoas para cuidar”
Reparação
O trabalho doméstico no Brasil segue uma rota de importantes mudanças e valorização. Uma comissão especial da Câmara dos Deputados analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 478, que pode estabelecer igualdade de direitos trabalhistas em relação às demais categorias profissionais. Se for aprovada – para isso precisa de no mínimo 308 votos –, a matéria segue para votação no plenário da Câmara, em dois turnos, e depois para apreciação pelo Senado.
A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), relatora da PEC, quer substituir a versão inicial da proposta, que suprimia o parágrafo único do artigo 7º da Constituição, o qual restringe os direitos das domésticas. Ela preferiu mantê-lo e incluir ali todos os direitos que estarão assegurados aos trabalhadores domésticos. “Apenas suprimir o parágrafo não deixa referência de ampliação de direitos”, explicou. A expectativa da deputada é que a PEC seja votada em breve. “A perspectiva é de aprovação, porque há um gran-
MAURICIO MORAIS/RBA
TRABALHO
HISTÓRIAS DE HORROR Encarnação atendeu no sindicato uma trabalhadora que foi denunciar a patroa, uma advogada, por ter colocado laxante na comida quando resolveu ela se demitiu
de entendimento e articulação com trabalhadores, empregadores conscientes, Parlamento e governo”, afirma. “A trabalhadora doméstica fica o dia todo na casa do empregador. Não é da família, se dedica e se integra no sentimento, mas não no direito. É acima de tudo uma relação de trabalho.” Francisco vê a medida como uma reparação. “A sociedade tem uma dívida.” Para Regina e Encarnação, que conviveram com uma das pioneiras da luta pela igualdade de direitos, Laudelina de Campos Mello, seria a realização de um sonho, que elas mesmas não puderam viver. Outra medida em estudo é a ratificação pelo Brasil da Convenção 189 da OIT, de proteção ao trabalho doméstico. A convenção foi aprovada ano passado na Conferência da OIT em Genebra, Suíça, e estabelece para o serviço doméstico os mesmos direitos de todos os outros trabalhadores – como jornada de trabalho legal, descanso semanal de pelo menos 24 horas consecutivas, limite para pagamentos em dinheiro vivo, informações precisas sobre termos e condições de emprego e, inclusive, liberdade de organização sindical e negociação coletiva. O organismo aprovou também a Recomendação 201, que apresenta um guia detalhado sobre a forma de pôr em prática a convenção.
As convenções da OIT são normas e, nos países onde são ratificadas, possuem natureza jurídica de tratados internacionais. Durante as discussões da Conferência Internacional do Trabalho em 2010, o Brasil foi referência ao ser o único país a ter trabalhadoras domésticas em sua delegação. No ano passado, quando a convenção foi finalmente aprovada, outros países seguiram o exemplo. Uma das principais discussões para ratificação da convenção no Brasil é a necessidade de mudança ou não do artigo 7º da Constituição. Para a coordenadora do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça no Mundo do Trabalho da OIT no Brasil, Marcia Vasconcelos, a Convenção 189 independe de votação da PEC para ser adotada – basta que seja admitida pela Presidência da República e, em seguida, submetida ao Congresso. Enquanto as medidas de valorização tramitam no Congresso e no governo federal, multiplicam-se versões de uma possível inviabilidade da profissão, frente às novas exigências trabalhistas. Francisco Santana, da federação nacional da categoria, vê exagero. Para o trabalhador, é uma questão de justiça social e distribuição de renda e o país ficará melhor quando 7 milhões de pessoas tiverem salário digno e proteção social. “Não haverá prejuízo.”
Proteção social n O registro em carteira e a inscrição no INSS asseguram contagem de tempo para aposentadoria e direitos como auxílio-doença ou licença-maternidade, pagos pela Previdência Social.
n O registro é feito pelo empregador, que anota nome, CPF, função, salário, data de admissão e assina. A carteira é autoexplicativa, não é preciso procurar nenhum órgão.
n A carteira de trabalho deve ser providenciada pela próprio trabalhador. Ela é expedida no Poupatempo para quem mora no estado de São Paulo e em Superintendências Regionais do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em todo o Brasil.
n INSS – a própria interessada, com a carteira de trabalho, pode fazer sua inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e receber o Número de Inscrição do Trabalhador (NIT). Todo mês o empregador recolhe 20% do salário à Previdência
Social por meio do NIT – 12% são de responsabilidade do patrão e 8% ele pode descontar dela. n O recolhimento pode ser feito, também, pelo número do PIS, por meio da Guia de Previdência Social (GPS), que pode ser emitida e paga pela internet. n O recolhimento do FGTS assegura ao trabalhador, além de uma pequena poupança no caso de demissão, direito a solicitar o seguro-desemprego.
n O FGTS, atualmente, é opcional, mas deve se tornar obrigatório se passarem as mudanças constitucionais. O cadastramento do FGTS é um pouco mais complicado. O empregador deve cadastrar o trabalhador numa agência da Caixa Econômica Federal. Mensalmente, recolhe 8% do salário para o fundo, por meio da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP), que deve ser paga no banco. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
37
CIÊNCIA
O nióbio é nosso? Pelo menos 95% das reservas mundiais desse mineral raro e estratégico estão no Brasil Por Cida de Oliveira
38
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
CBMM
D
ois litros de um novo biodiesel de origem mineral, com qualidade testada e comprovada, estão nas prateleiras do Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos (Lasape), do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Falta só o interesse das indústrias para ser produzido em larga escala. No mesmo local, há mais de dez anos, foi criada uma substância capaz de revelar resquícios de sangue lavado de cenas de crime para dificultar as investigações. Mais barata e vantajosa que o luminol original americano, a versão brasileira é usada pelo Instituto de Criminalística Carlos Eboli, da Polícia Civil do Rio de Janeiro. “O produto também pode ser empregado contra infecção hospitalar porque muitas bactérias se proliferam em partículas de sangue”, afirma o farmacêutico Claudio Cerqueira Lopes, coordenador das pesquisas da UFRJ. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadores do laboratório de Metalurgia e Solidificação do Departamento de Engenharia de Materiais criaram uma prótese de quadril fabricada com uma liga metálica que, além de mais barata e resistente, é totalmente biocompatível. Isto é, o material não provoca reações inflamatórias e alérgicas que levam o organismo a rejeitá-lo. “Quando o produto passar a ser produzido em escala industrial, o país finalmente ficará
O PRECIOSO BARATO Extração de nióbio em Araxá: preço do quilo ficou em torno de US$40 em 2011
independente da tecnologia estrangeira”, explica o engenheiro e pesquisador Éder Sócrates Najar Lopes. As experiências das duas universidades públicas têm em comum o uso de matérias-primas derivadas do nióbio, elemento químico raro em todo o mundo. E abundante no Brasil. Encontrado na natureza em forma de minerais, como a columbita e o pirocloro, é extraído, beneficiado e negociado como concentrado mineral para utilização em usinas siderúrgicas, que o adicionam a outros metais para obter ligas metálicas com características físicas e químicas de interesse industrial.
Entre as indústrias que mais o empregam estão a espacial, nuclear, aeronáutica, de petróleo e gás, bélica, da construção pesada e de equipamentos médicos, como próteses e componentes para aparelhos de ressonância magnética e tomografia. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil concentra mais de 95% das reservas mundiais, embora outras fontes estimem em até 98%. Em 2010, a produção do concentrado do minério alcançou 63 mil toneladas, além de 53 mil toneladas de uma liga de ferronióbio, das quais 45 mil foram exportadas ao valor de US$ 1,56 bilhão.
MAURICIO MORAIS/RBA
EDSON SILVA /FOLHAPRESS
CIÊNCIA
PROJETO NIÓBIO Hugo Sandim e o forno de feixe de elétrons: busca de tecnologia para agregar valor ao minério exportado em estado bruto
No mesmo período, 4 mil toneladas de óxido de nióbio foram produzidas, das quais foram exportadas 1.500, a US$ 44 milhões. O segundo maior produtor mundial é o Canadá, com 1,5%. Os preços são negociados entre comprador e vendedor e, geralmente, são confidenciais. Com base em dados do British Geological Survey, órgão do governo britânico de pesquisas em geociências, o ministério informa que, em 2007, os valores do ferronióbio variavam entre US$ 12 e US$ 14 o quilo. Em fevereiro de 2011, devido ao aumento da demanda por esse metal, o quilo do ferronióbio esteve em torno de US$ 40. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
39
CIÊNCIA
O Plano Nacional de Mineração 2030, que norteia as políticas de médio e longo prazo, estima um crescimento de 5,1% para o mercado interno e 3,8% para o mercado externo. As principais reservas minerais estão localizadas nos municípios de Itambé (BA), Itapuã do Oeste (RO), Catalão e Ouvidor (GO), Araxá e Tapira (MG) e Presidente Figueiredo e São Gabriel da Cachoeira (AM). A de São Gabriel, a maior, esteve na mira do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 1997, houve a intenção de vender, por R$ 600 mil, a reserva capaz de abastecer todo o consumo mundial por mais de mil anos. O minério também pode ser encontrado no nordeste de Roraima, na terra indígena Raposa Serra do Sol. Conforme o ministério, não há informações sobre novas minas que passarão a produzir. A maior mina em operação atualmente é a da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), em Araxá, que processa, fabrica e vende. Cerca de 75% do nióbio usado em todo o mundo é produzido ali. Desde os anos 1950, quando foi criada, a CBMM era controlada pelo grupo Moreira Salles – uma rede de empresas com participação do capital estrangeiro –, que controlava o Unibanco, incorporado em 2008 pelo Itaú. Nos últimos anos, porém, 15% das ações da companhia foram vendidas para chineses, japoneses e coreanos, grandes consumidores de nióbio, que assim deixaram para trás o risco de depender de um único fornecedor. Um parêntese: os americanos, que dependem do nióbio brasileiro, têm pequenas minas no estado de Nebraska, com pureza de 0,5% – enquanto a do minério brasileiro chega a 2%. Mesmo assim, aprovaram recentemente uma lei que autoriza nova varredura no próprio subsolo em busca de reservas mais robustas. Segundo o site da CBMM, um contrato com a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) prevê a transferência de 25% de participação operacional nos lucros ao governo de Minas Gerais. A empresa tem subsidiárias na Holanda, Cingapura e Estados Unidos. 40
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
LUMINOL BRASILEIRO Claudio Cerqueira: “O produto também pode ser utilizado contra infecção hospitalar porque muitas bactérias se proliferam em partículas de sangue”
TECNOLOGIA 100% NACIONAL Éder e a prótese desenvolvida na Unicamp: não provoca reações inflamatórias e alérgicas que levam o organismo a rejeitá-la
RODRIGO ZANOTTO/RBA
Reservas ameaçadas
RODRIGO QUEIROZ/SPECTRUM/RBA
CIÊNCIA
O segundo maior produtor brasileiro é a Mineração Catalão, na cidade de mesmo nome em Goiás. É controlada pela Anglo American, um dos maiores grupos de mineração e recursos naturais do mundo, que opera desde 1976. O ferronióbio produzido ali é exportado
para Europa, América do Norte e Ásia. A empresa vendeu 4 mil toneladas em 2010 e cogita ampliar a produção. Até a década de 1970, o Brasil exportava apenas o concentrado do minério, de pouco valor agregado. Em busca de tecnologia para processamento do mineral e sua valorização, o então Ministério da Indústria e Comércio criou o Projeto Nióbio, em parceria com a CBMM. A empresa fornecia o minério e pagava os salários de quase uma centena de pesquisadores chefiados por Daltro Garcia Pinatti, do Instituto de Física da Unicamp. O governo custeou instalações e equipamentos. O engenheiro Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), no interior de São Paulo, participou do projeto. Ele conta que em 1978, quando a instituição ainda não estava incorporada pela Universidade de São Paulo (USP), teve início a construção do laboratório. Hoje desativadas, as instalações ainda preservam o forno de feixe de elétrons importado da Alemanha, que já foi o mais moderno do mundo e processou 120 toneladas de nióbio, cujas amostras foram exportadas para Japão, Estados Unidos e Alemanha, entre outros países. “Além de formar mão de obra qualificada, o projeto forneceu material para diversos laboratórios estrangeiros estudarem mais sobre o potencial do nióbio”, conta Sandim.
Onde tem nióbio tem tântalo Seja qual for o aparelho de comunicação que tenha um display de LCD, ali tem uma fina camada de tântalo. E, se fosse pouco, o minério é muito importante para a indústria química, uma vez que só perde para o vidro em termos de resistência à corrosão por ácidos minerais. Com seu pó é possível produzir capacitores de alta performance para celulares, por exemplo. Isso sem contar as aplicações militares. Versátil assim, o tântalo é tão raro e estratégico quanto o nióbio, porém bem mais valorizado no mercado internacional.
“E ambos aparecem juntos na natureza. Onde tem um, tem outro”, afirma o engenheiro Hugo Ricardo Sandim, professor da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP), que defende um Projeto Tântalo no Brasil e maior fiscalização. Segundo ele, todo o tântalo extraído na Amazônia é contrabandeado. “Os navios entram, despejam fora a água do lastro e põem minério escondido no lugar.” No mercado internacional, um quilo de tântalo puro vale US$ 800, preço até 20 vezes maior que o do nióbio.
Desperdício
O Projeto Nióbio é o esforço máximo empreendido no Brasil em busca de tecnologia para valorizar um mineral abundante no país e praticamente inexistente naqueles que dele dependem. “O nióbio vai além do luminol, do biodiesel e das ligas especiais”, afirma Claudio Cerqueira Lopes, da UFRJ, que tem em seu laboratório várias teses a partir de pesquisas com nióbio que poderiam ser transformadas em produtos de alto valor agregado. “Temos de desenvolver tecnologias que transformem nossas matérias-primas abundantes em riqueza. Se não criarmos políticas para isso corremos o risco de ficar eternamente exportando barato commodities, como o nióbio, e importando produtos caros feitos com ele e dependentes de tecnologia externa.” Para Adriano Benayon, ex-diplomata e professor de Economia aposentado pela Universidade de Brasília (UnB), o fato de o Brasil ter mais de 90% das reservas de um material tão raro e estratégico e vendê-lo como commodity, sem investir em tecnologias que agreguem valor, não é diferente do que acontece com outras matérias-primas, como o quartzo, usado em chip para computadores. “Apesar de sua importância estratégica, o nióbio não é valorizado na pauta de exportações brasileiras”, afirma. “Além disso, o governo recebe apenas 2% do valor declarado dos minerais em geral, que, evidentemente, muitas vezes é subfaturado. Para completar, a lei isenta os minérios de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços”, explica. Para se ter uma ideia do quão lucrativo deve ser o negócio do nióbio, Benayon, que defende a estatização das reservas, lembra que os irmãos Fernando Roberto, João, Pedro e Walther Moreira Salles, que ficaram com o controle de apenas 20% da CBMM, figuram na lista dos mais ricos do mundo, divulgada no começo de março passado pela revista Forbes. “O curioso é que os quatro têm fortunas avaliadas em US$ 2,7 bilhões. Como o Unibanco já vinha quase falindo, essa fortuna toda só pode ter vindo do nióbio”, acredita. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
41
Ponte projetada por Fausto em Quixeramobim
42
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
Paisagem entre o pão e a poesia Com 40 anos de carreira, o cearense Fausto Nilo deixou a poesia de sua arquitetura na paisagem de Fortaleza e a arquitetura de sua poesia na paisagem da música brasileira Por Guilherme Bryan
RETRATO: DAVI PINHEIRO
As minhas letras de música são romances de cenários metropolitanos, com todos os seus problemas
FOTO DA PONTE: LEVY MOTA/FLICKR/CREATIVE COMMONS
PERFIL
PERFIL
A
canção Pão e Poesia – “Felicidade é uma cidade pequenina, é uma casinha, é uma colina, qualquer lugar que se ilumina, quando a gente quer amar...” – tornou-se mais conhecida na voz dos baianos Moraes Moreira e Simone do que na do cearense Fausto Nilo. E talvez seja uma das letras de sua autoria que mais bem sintetizem o sentido de sua obra, de poeta, arquiteto e urbanista, um acervo musical erguido nas últimas quatro décadas que soma mais de 400 composições. Poucos letristas da música brasileira, como Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Noel Rosa, alcançaram produção tão vasta. Era um sonho distante para o garoto Fausto Nilo Costa Júnior, saído de Quixeramobim, no sertão cearense. “Foi um processo rigoroso de autocrítica. No momento em que fiz, foi gravada e em seis meses estava no rádio, tocando pra caramba, e isso me confundiu, pois olhava a letra e dizia que não era boa”, confessa. Na época, ele já morava em Brasília e foi convocado pelo amigo Raimundo Fagner a escrever a letra de uma canção. “Eu tinha vontade, mas não tinha coragem, até que fiz Fim do Mundo, gravada em 1972 pela Marília Medalha. Isso me deu certo entusiasmo e fiz a segunda, Dorothy L’Amour, gravada pelo Ednardo no primeiro disco dele”, lembra. Fausto pertencia a um seleto grupo formado por Fagner, Belchior, Ednardo, Amelinha, entre outras duas dezenas de pessoas. “Desde o início do grupo, chamado por setores do meio musical de ‘Pessoal do Ceará’, termo que não adoto e não gosto, cada um tinha um projeto singular e diferente, com o Bar do Anísio como ponto de encontro. Foi apenas a coincidência de um período de luta por um lugar ao sol”, conta. Apesar de estar em todas as reuniões dessa turma, o futuro letrista se restringia a cantar com os amigos na madrugada boêmia e a trabalhar como arquiteto, formado em 1970 pela Universidade Federal do Ceará. Nessa época, foi preso duas vezes, uma delas durante o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiú na, no interior de São Paulo, em 1968. “Fui
do movimento estudantil sempre com um pequeno dilema: tinha tendência intelectual criativa e, às vezes, havia muitas incompatibilidades com a visão da esquerda. Entrei para o PCdoB, embora tivesse maior identificação com o partidão (Partido Comunista Brasileiro, o PCB)”, conta. Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, encontrou artistas e ampliou o leque de parcerias. Conheceu Moraes Moreira na casa do jogador de futebol Afonsinho. “Ele estava saindo dos Novos Baianos e tinha feito um disco solo. Ficamos amigos e nos encontrávamos na noite, nos bares do Rio, mas nada de parceria. Até eu conhecer uma ex-guerrilheira, professora na zona norte, louca pelo Moraes e inconformada com o fato de eu não fazer músicas com ele.” Foi o empurrão que faltava para nascer Prosando com Maria. Depois vieram várias, como Chão da Praça, Bloco do Prazer, Coisa Acesa, Meninas do Brasil, Pão e Poesia, De Noite e de Dia, Santa Fé. Parte dessas criações foi feita especialmente para ser lançada pelo trio elétrico de Dodô e Osmar, que desfilava pelas ruasde Salvador. Com a mesma finalidade surgiram Vida Boa e Zanzibar, composta com Armandinho; Frevo da Lira, com Waldir Azevedo e Moraes Moreira; e Eu Também Quero Beijar, com Moraes e Pepeu Gomes. “O Moraes pôs letra e cantor no trio, que até então era instrumental. Foi uma experiência fantástica. Muita gente pensa que eu sou baiano”, brinca.
Outros ritmos
Sem preconceitos com relação a gêneros e ritmos, Fausto Nilo considera ter feito grandes parceiros em cada um deles. É o caso de Lulu Santos, Geraldo Azevedo, Zeca Baleiro, Evaldo Gouveia, Robertinho do Recife, Chico Buarque, Pepeu Gomes e Roberto de Carvalho. “Quando comecei, escrevia as letras no papel e as cedia. Acho que a maioria faz isso, mas depois descobri que é mais confortável e de melhor resultado letrar melodias”, diz. “Recebo, ouço e deixo que a música chegue de maneira espontânea. Quando sinto que já estou cantarolando é que vou trabalhar e fazer com que essa arquitetura fique ereta.” E assim foi ganhando a manha de escrever, ouvir no estúdio a concretização do fonograma
e depois a reação do público. “Investi muito nesses três estágios e ganhei uma experiência que me obrigou a recuar de certezas. Então, sou formado por um caminho intelectual, acadêmico, e pelo caminho da rua, com autodidatismo, passando pelo ambiente dos músicos”, avalia. No momento em que a música começou a dar certo na vida de Fausto Nilo e ele se profissionalizou como letrista, a arquitetura e o urbanismo ficaram um pouco de lado. “Depois eu compreendi que o meu tempo sobrava e ter duas atividades, em vez de problema, virou um privilégio. Elas têm afinidades do ponto de vista da composição, no plano estético, embora os materiais sejam diferentes”, compara. “Em arquitetura e urbanismo, trabalho com espaço público, escalas e dimensões. A letra de música é mais livre, trabalha com palavras e sonoridades. Com o tempo, vi o meu progresso em uma se refletindo na outra, na medida em que as minhas letras de música são romances de cenários metropolitanos, com todos os seus problemas”, analisa. O arquiteto Fausto Nilo foi professor da Universidade Federal do Ceará e da Universidade de Brasília. É um dos autores da estação Santa Cecília do metrô de São Paulo e do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza. “É minha obra mais importante.” A ideia era fazer um centro cultural, numa zona de muito valor estratégico, mas decadente. Eu me juntei a um parceiro, Delberg Ponce de Leon, e fizemos uma proposta, analisando papéis históricos, a atualidade e o potencial futuro”, avalia. Hoje, como urbanista, ele procura projetos adaptáveis e sustentáveis, sensíveis ao controle social, o que realiza num colégio, num mercado público e no projeto Casa do Ceará, que chama de “um microcosmo de convergência reabilitadora de contatos para a nossa era”. Reservado, bom prosador, Fausto Nilo vive da casa para o escritório de arquitetura que mantém em Fortaleza. Nos anos 1990, decidiu cantar e gravar seus sucessos e de lá pra cá lançou quatro CDs. Agora planeja um álbum com 12 canções inéditas compostas em 30 anos com Dominguinhos. E reunir num livro as cerca de 400 letras que já compôs até aqui. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
43
VIAGEM Gigante: lago, visto da Ilha Taquile, fica a 3.800 metros de altitude em área de 8.300 quilômetros quadrados
O povo do lago O Civilizações milenares povoam o maior lago navegável do planeta, o Titicaca, que com suas ilhas, sua gente e sua paisagem compõe a surpreendente experiência de uma viagem ao Peru Por Paulo Donizetti de Souza
44
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
ônibus deixa Cusco bem cedinho. Nas primeiras horas, vai cruzar o vale do Rio Urubamba, o Vale Sagrado dos Incas, e passar por lugares ricos em cultura, história e arqueologia. Do primeiro deles, Saqsaihuaman, ainda na periferia da cidade, a Ollantaytambo – um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos da civilização inca, uma hora e meia adiante –, o trajeto tem a companhia do rio. Entre a nascente, nos arredores de Cusco, e o Amazonas, no qual desembocará depois de percorrer 2 mil quilômetros, o Urubamba comporá paisagens para diferentes fotografias dos Andes peruanos e terá vários outros nomes, mas será sempre o mesmo. Passado o Vale Sagrado, o rio segue para o norte, e nosso trajeto rumo a Puno, ao sul. A altura das montanhas ao redor parece diminuir, sinal de que a altitude está aumentando. Após deixar Cusco a 2.400 metros do nível do mar, já estamos a quase 4 mil. Nove horas e muitas paradas depois, o ônibus começa a cruzar a cidade de Juliaca.
VIAGEM
CLÁUDIA MOTTA
Para quem se habituou a construções de pedras caprichosamente lapidadas e encaixadas, Juliaca não tem graça. Espécie de terra de ninguém, violenta e procurada pelo contrabando de eletroeletrônicos, é feia e repleta de sobrados ocupados, mas com aspecto de inacabados, de lajes com os ferros de construção espetados, esperando as colunas do piso superior que nunca vêm. A obra inacabada, segundo o guia Blady, livra o morador do imposto, o IPTU deles. Está explicado. Esse jeitinho peruano também pode ser notado na periferia de Cusco e nos arredores de Puno. O centro de Puno é ajeitadinho, com ruelas charmosas, bares e restaurantes. Esse pedaço da cidade foi erguido pelos espanhóis – os “inca-pazes”, não os incas, brincam os mestiços locais. E abriga o porto junto ao Lago Titicaca, o maior navegável do mundo. Suas águas provêm mais das chuvas e do derretimento do gelo andino do que de nascentes. E inundam 8.300 quilômetros quadrados, em terras peruanas e bolivianas, onde guardam tesouros históricos, culturais, humanos. Parece um mar, com muitas ilhas.
Jacinto é o chefe da Ilha de Santa Maria
PAULO DONIZETTI DE SOUZA
Elza e o sorriso conservado pelo talo da totora. Na cruz, a preservação do deus Inti (sol, em quíchua)
Gôndolas de junco boiam sobre jangadas: 4 mil garrafas PET
PAULO DONIZETTI DE SOUZA
CLÁUDIA MOTTA
CLÁUDIA MOTTA
Flutuante: Uros tem 64 ilhas onde vivem 1.500 pessoas
REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
45
VIAGEM
O sítio de Sillustani, também na região de Puno, tem comprovações arqueológicas incontestáveis do saber científico da civilização pré-colombiana. E de como a cultura inca reverencia a passagem após a morte. Além do espetáculo da Lagoa Umayo e sua atmosfera de paz
PAULO DONIZETTI DE SOUZA
O saveiro com duas dezenas de passageiros segue em direção a um “arquipélago” formado pelos Uros, etnia pré-inca que se estabeleceu ali depois de fugir do outro extremo, na Bolívia, de batalhas por disputa de território. Essas comunidades se sentiram mais seguras longe da terra firme. Para isso, aproveitaram uma matéria-prima naturalmente fornecida por aquele trecho mais raso do lago, a totora, espécie de junco que cresce em abundância. Atracamos junto à Ilha de Santa Maria. Assemelhada a uma balsa, seu “casco”, dois metros água adentro, é feito do húmus da própria totora. Seu “convés”, também todo à base de juncos entrelaçados, tem espessura de um metro. A construção é ancorada – “para não ir embora para a Bolívia”, diz o morador Jacinto. Na comunidade chefiada por ele e pela mulher, Elvira, vivem nove famílias, 36 pessoas, acomodadas em pequenas casas feitas adivinhe do quê? Totora. Em questão de minutos, o chefe dá uma aula da arquitetura, da engenharia e do design locais. Trançando os ramos da planta, constrói uma maquete, com ilha, casinhas, utensílios, e explica como cada coisa funciona. Faz parte do roteiro. Se antes a comunidade de Uros vivia basicamente da pesca, do escambo de mercadorias e de animais, hoje o que garante a renda local são os turistas, pagando agências e guias, comprando seu artesanato – de junco, claro – e suas peças de tear. Elza, a filha de Jacinto, mostra sua casa, com um 46
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
As crianças não precisam sair da Ilha Taquile para ir à escola
PAULO DONIZETTI DE SOUZA
Ilhas pré-incas
metro e meio de pé-direito, e suas habilidades com as linhas extraídas dos pelos de uma alpaca, um dos camelidos (ao lado da lhama, do guanaco e da vicunha) que compõem a paisagem e a base da economia rural peruana. E oferece um pedaço de talo de junco – sim, ainda se pode comer o danado, rico em iodo e com propriedades medicinais, como prevenir de artrites e reumatismos à formação de bócio. Elza atribui ainda à totora os dentes perfeitos e brancos. Seu sorriso, de fato, brilha.
VIAGEM
Flutuam no arquipélago de Uros 64 ilhas de totora, onde vivem 1.500 pessoas. O centro médico e as escolas também boiam. A viagem é numa pequena embarcação, uma espécie de gôndola de junco sobre uma jangada, que aproveita em sua base recursos da vida moderna: boiamos sobre 4 mil garrafas pet enquanto um grupo de mulheres de Santa Maria se reúne na beirada. Acenam e cantam em aimará, a língua nativa e preservada de geração em geração. Atravessamos a rua de água. Na vizinha da frente, um centro de suvenires, onde também se pode petiscar salgados e tomar uma Cuzqueña, cerveja das boas. Ali mesmo o saveiro nos recolhe, e a empreitada continua. Duas horas lago adentro e chegamos à Ilha Taquile. Essa é de terra, pedras, vegetação, também com muita história e um morro de 200 metros de altura para subir. A paisagem ajuda. A ilha foi ocupada há 3.500 anos por povos pré-incas da cultura pucara – primeira a desenvolver na região um modelo de assentamento com traços urbanos e a exercer pleno domínio sobre os recursos naturais. Quando os incas chegaram, nos anos 900 depois de Cristo, tornou-se centro religioso de adoração ao sol e à lua. Hoje é ocupada por seis comunidades indígenas, que formam uma população de 2 mil pessoas. O idioma nativo, o quíchua, é ensinado em casa e nas escolas. Assim como a cultura que define hábitos, alimentação, lazer e vestuário é passada serenamente de pais para filhos. Os
homens mais velhos se cumprimentam trocando folhas de coca de seus alforjes. É também masculino o ato de fazer o tear enquanto caminham. As mulheres fiam, os homens tecem. Taquile é famosa por produzir os melhores teares de alpaca do Peru. Visitamos uma família e provamos sua comida – muito simples, e muito boa, com legumes, batatas, pescado –, para depois assistir a uma apresentação de música e dança folclóricas. Não dá para entender a letra da canção quíchua, mas a coreografia revela um enredo de adoração à terra, ao trabalho e a seus frutos. Emocionante. Enquanto essa comunidade nos recebe, outras têm de fechar suas casas. Como a presença de turistas é controlada, os anfitriões se revezam. A cada semana, o guia Blady leva seus convidados a uma casa diferente. A economia de partilha garante o sustento da população e a sustentabilidade da ilha. Nos pequenos arcos, portais de entrada e saída de uma comunidade para outra, a cruz católica com a inscrição “Inti” (sol), em vez de “Inri”, transmite um recado daquela nação indígena quíchua aos colonizadores espanhóis: aceitamos a sua igreja, mas preservamos o nosso deus. Os olhares serenos e cordiais são parte de um ambiente harmônico, e de uma composição cenográfica natural indescritível. O traçado da ilha, o lago imenso a perder de vista, a minúscula cordilheira coberta de gelo ao fundo da paisagem provocam a sensação de que o passeio foi mal calculado. A vontade é de ficar enfiado naquela atmosfera cheia de histórias e mistérios por um ou dois dias. Talvez um pouco mais. Colaborou Cláudia Motta PAULO DONIZETTI DE SOUZA
CLÁUDIA MOTTA/RBA
Diferente das lhamas, o guanaco não se deixou domesticar e vive em reservas, sob risco de extinção
Tecidos: os mais agradáveis ao toque são de alpaca “jovem” e não pinicam
Dicas do Peru n Um real corresponde a 1,3 do novo sol, a moeda peruana. Existem muitas casas de câmbio, mas é preciso ter cuidado e pesquisar, porque as cotações variam muito de uma para outra. n A comida é barata, mas recomenda-se cuidado com os alimentos crus e a água. Experimente sem medo o pisco sour, o cevice, algumas das muitas variações de milho e das 3 mil espécies de batatas catalogadas. n Há muitas malhas. A dica é passar a mão antes e só comprar as muito agradáveis ao toque. Caso contrário, vai pinicar. São feitas de lãs de lhama (pinica), alpaca (prefira) e vicunha (caríssima). n Em Puno, além do Titicaca, o sítio arqueológico Sillustani vale uma visita. É um cemitério inca, com construções de vários tipos e tamanhos, demonstra o valor daquela cultura para a passagem após a morte. A Lagoa Umayo faz parte do cenário espetacular
n Há viagens para todos os gostos, com boas opções de trem, ônibus e avião. As mais procuradas são para Arequipa, Cusco/ Machu Pichu e Puno/Titicaca. n Saia de casa com tudo planejado, evite surpresas. Deixar para pesquisar no local pensando em economizar pode ter efeito oposto. Procure guias especializados, de preferência exclusivos, para viajar no seu ritmo, sem corre-corre, com mais atenção para apreciar e entender culturas locais.
REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
47
CURTA ESSA DICA
Por Xandra Stefanel Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar
Dante, por Dalí Para comemorar os 700 anos da publicação de A Divina Comédia, nos anos 1950, o governo da Itália contratou Salvador Dalí para fazer 100 pinturas que ilustrassem o clássico da poesia épica italiana. A população não gostou nada da ideia de um pintor espanhol meter o bedelho na obra do florentino Dante Alighieri, e o projeto foi abortado. Mas Dalí continuou por conta própria. Produziu as 100 aquarelas que ilustram o inferno, o purgatório e o paraíso de Dante. Todas elas estarão na Caixa Cultural até 2 de setembro. Avenida Almirante Barroso, 25, Centro, Rio de Janeiro. De terça a domingo, das 10h às 21h. Grátis.
Rodrigo Santoro como Heleno
Futebol e drama
A história da vida de Heleno de Freitas, jogador de futebol e ídolo do Botafogo antes de Garrincha, chegou às locadoras. Interpretado por Rodrigo Santoro (que perdeu 12 quilos para fazer o papel), Heleno não é um filme sobre futebol, mas sobre o homem problemático, brigão e boêmio, que dificilmente brilharia nos campos por muito tempo. Morreu com sífilis num hospital psiquiátrico, acompanhado apenas por seu enfermeiro e último torcedor (Maurício Tizumba). Os trunfos do longa de José Henrique Fonseca são as impecáveis fotografia de Walter Carvalho e atuação de Santoro. Em DVD. 48
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
A difícil arte de crescer
“É um negócio complicado crescer. Você passa sua vida inteira acreditando que o mundo é de um jeito e, então, de repente, tudo muda (...) Em pequenas doses, você aprende que o mundo não se parece absolutamente nada com o que as pessoas lhe contaram. A lavagem cerebral aos poucos passa, e tudo o que você pode esperar é que ela volte”, diz Henry Fuller, personagem do livro Cidade Mágica (Ed. Bertrand Brasil), do jovem americano Drew Lerman. A resignação do personagem começa depois que sua casa foi devastada por um furacão e se agrava quando sua namorada termina o relacionamento. Comovente retrato de alguém que enfrenta as mazelas da adolescência. R$ 39.
Retirantes, 1952
JOSÉ MEDEIROS
José Medeiros e Arlindo Silva na aldeia dos Caiapós, 1952
Produção francesa com elenco espanhol de primeira linha
Getúlio Vargas, 1950
LUIZ CARLOS BARRETO
Marilyn Monroe, 1959
JOSÉ MEDEIROS
Mais de 300 fotos e reportagens de uma das principais revistas ilustradas do Brasil no século 20 estão expostas no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro. Um Olhar sobre O Cruzeiro: Origens do Fotojornalismo no Brasil reúne material das décadas de 1940 e 1950 feito por grandes fotógrafos, como Pierre Verger, Marcel Gautherot, Luiz Carlos Barreto, Jean Manzon e José Medeiros. Questões indígenas, mercado de arte, política, variedades e séries de fotorreportagens fazem parte da mostra. Entre elas, a “novela” do casamento entre a índia Diacuí e o sertanista Ayres Cunha, proibido pelo governo, mas aprovado depois da intervenção de Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados e da revista semanal. Até 7 de outubro, de terça a domingo, das 11h às 20h, na Rua Marquês de São Vicente, 476, na Gávea, (21) 3284-7400. Grátis.
HENRI BALLOT
Diários de Chatô
Comédia social
Na década de 1960, era comum os prédios antigos de Paris reservarem o sexto andar para segregar as empregadas domésticas. Muitas delas, espanholas fugidas da pobreza e da ditadura de Franco. Em As Mulheres do 6º Andar, o diretor Philippe Le Guay monta no ambiente de um desses condomínios o cenário em que abordará os preconceitos e conflitos sociais de uma época difícil. E bate – com leveza, graça e luvas de pelica –, na cara da xenofobia corrente em seu país. Um casal burguês e conservador contrata a espanhola Maria e ela acaba conquistando o patrão, que até então ignorava a vida das pessoas no sexto andar. Em DVD. REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2012
49
RENATO POMPEU
O destino do esporte Seria papel do Estado subsidiar a formação de atletas como astros de espetáculos lucrativos e prestigiosos? Ou propiciar saúde, força, beleza e plasticidade físicas a toda a população?
A
temporada Olimpíada leva a meditar sobre o destino do esporte na sociedade contemporânea. Digo isso inspirado pelo livro Euphoria and Exhaustion – Modern Sport in Soviet Culture and Society (Euforia e Exaustão – O Esporte Moderno na Cultura e na Sociedade Soviéticas), obra organizada pelos pesquisadores europeus Nikolaus Katzer, Sandra Budy, Alexandra Köhring e Manfred Zeller, ainda sem edição em português. Os estudiosos, tanto sociólogos e antropólogos como jornalistas especializados, têm chamado a atenção nas últimas décadas sobre a cada vez mais intensa mercantilização do esporte. O interessante é que essa mercantilização não existia na antiga União Soviética, em que mesmo os esportistas altamente qualificados, que tinham o esporte como atividade central em sua vida, não podiam oficialmente dela ganhar a vida. Tinham de ter outro emprego. Nas primeiras décadas do poder soviético, o entusiasmo pelo esporte era geral, tanto entre as autoridades como por parte da população. O ideal do “homem novo”, que seria criado pelo socialismo, exigia, entre outras coisas, corpos saudáveis e habilidosos, envolvendo “tanto a sociedade como um todo quanto o indivíduo, segundo normas científicas e estéticas”, como escreve Katzer. Segundo o livro, enquanto a massa da população via no esporte um meio de se desenvolver e de desenvolver a humanidade de cada um, as autoridades o viam não só como meio de promover a 50
AGOSTO 2012 REVISTA DO BRASIL
saúde pública, mas também o disciplinamento social. Não se tratava, pelo menos como objetivo principal proclamado, de formar atletas de ponta que vencessem competições internacionais, mesmo porque a União Soviética, nas suas décadas iniciais, não participava regularmente de competições internacionais. Tratava-se de tornar esportista cada cidadão e cada cidadã. O público parecia imaginar que, praticando esportes, cada um atingiria um patamar mais alto de bem-estar físico e mental. As autoridades pareciam contar com as capacidades do esporte de propiciar mobilizações de massa e de disciplinar toda a coletividade numa rede de regras e de hierarquias, com a vantagem de que essa disciplina era livremente consentida. Essa foi a fase da euforia, com a generalização do acesso da população a instalações e aos equipamentos adequados para cada esporte que quisesse praticar. Entretanto, na medida em que, no pós-Segunda Guerra Mundial, a União Soviética passou a disputar competições internacionais, no contexto da Guerra Fria, em que competia em primeiro plano com os países capitalistas, o caráter do esporte soviético se foi alterando. De um lado, as autoridades tenderam a focar esforços na formação de atletas de ponta. De outro, a população não podia esperar que todos, ou uma grande parte, ou mesmo uma parte significativa dela fosse composta por atletas de ponta. Assim, apesar de não ter ocorrido a intensa mercantilização das várias atividades esportivas que se verificava nos países capitalistas, a partir dos anos 1960 o esporte soviético, como atividade da sociedade como um todo, passou a entrar em declínio. Tudo isso se deu em meio ao desenvolvimento da televisão. O grande público passou a se interessar mais em assistir a espetáculos com os atletas de ponta do que com o ideal de cada um e todos desenvolverem a cultura física. Será impossível voltar a esse ideal? Qual deve ser o papel do Estado no fomento às atividades esportivas? Deveria ser o mesmo da iniciativa privada, ou seja, subsidiar a formação de atletas de ponta, para torná-los aptos a desempenhar espetáculos lucrativos e prestigiosos? Ou deveria ser propiciar saúde, força, beleza e plasticidade físicas a toda a população? No Brasil, as coisas parecem estar invertidas: os subsídios para o esporte privilegiam os atletas de ponta, enquanto as pessoas comuns têm de gastar bom dinheiro em academias.
2
ANOS NO AR
e muita história pela frente
Sintonize, assista, divulgue
www.tvt.org.br Canal 48 UHF (18h às 20h30) – ABC e Grande São Paulo (NGT) Canal 46 – Mogi das Cruzes (UHF)