FÉ E SENSIBILIDADE Um olho na Bíblia, outro ao redor: eles não se deixam manipular
SARAH MENEZES Ela quer fazer do Piauí um polo de judô e cidadania
nº 75
SAÚDE
EDUCAÇÃO
setembro/2012
CULTURA
www.redebrasilatual.com.br
SEGURANÇA
O QUE PODE MELHORAR
Conheça boas (e más) experiências que estão (e não estão) ao alcance de sua cidade. E qualifique seu voto
DE SEGUNDA A SEXTA, DAS 7H ÀS 9H
EM CASA ,
NO CARRO, NO ÔNIBUS
A M A R G O PRO
O S O T S O MAIS G
à H N A M A U DA S ,3 93 FM
L RA STA O LIT ULI PA
,9 98
E ND AULO A GR O P SÃ
2,7 0 1
E EST A O R T NO ULIS PA
ÍNDICE
EDITORIAL
8. Mídia
LUIZ QUEIROZ/ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO/PREFEITURA DE SOBRAL
Novos lances de uma comunicação que dá voz aos movimentos
12. Trabalho
Conferência Nacional do Trabalho Decente: embolada, mas começou
14. Segurança
Foco na elite e herança militar dificultam mudanças nas polícias
19. Entrevista
Regina Miki, do Ministério da Justiça, quer transparência nas PMs
22. Saúde
Participação da comunidade pode ser a chave para uma boa política
26. Educação
Sim, é possível: Sobral, no interior do Ceará, é exemplo de volta por cima na educação
Mais recursos, melhor gestão e controle social para tirar o atraso
Sua cidade e o mundo
30. Cultura
Mais do que espetáculos uma vez por ano, dar vez ao talento sempre
A
34. Comportamento Evangélicos em movimento e que não se deixam manipular
38. Esporte
AGÊNCIA VENEZUELANA DE NOTÍCIAS
Sarah, judoca de ouro, é dura na queda, mas sem perder a ternura
42. Viagem
A virada cultural em Caracas e a virada social no país de Chávez
Seções Destaques do mês Mauro Santayana
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Lalo Leal
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Curta essa dica
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Crônica: Fernando Evangelista 48
lgumas reportagens desta edição, lidas isoladamente, despertarão diferentes interesses. Mas entendidas, no fim, em seu conjunto, compõem um oportuno panorama para que o leitor reflita nesse ambiente de eleições municipais. Sua cidade pode não ter recursos para grandes obras como hospitais e equipamentos, mas pode valorizar o Conselho Municipal de Saúde, formar bons profissionais e desenvolver políticas preventivas. O município pode não atender bem a todos os níveis de ensino, mas pode recorrer a recursos federais para ampliar creches, estaduais para fortalecer o ensino médio, priorizar o ensino fundamental e estimular a população a participar da gestão e da vida escolar. Prefeitos e vereadores talvez não tenham recursos para megashows e festas todos os meses em seu bairro, mas podem incentivar atividades que funcionem como pontos de cultura e estimular a produção local de arte, o conhecimento e a descoberta, nas comunidades, de autores das próprias obras. E, se a cidade não tem alçada para superar a violência e a ineficiência da PM, pode ser parte da outra ponta de uma política eficaz de segurança pública: a que promove inclusão social e oportunidades e diminui a exposição de sua população, sobretudo os jovens, à sedução da criminalidade e aos riscos do mundo violento. Como se vê, em política, soluções se entrelaçam e muitas delas estão ao alcance de sua cidade, de seu bairro ou de sua rua. Infelizmente, os meios de comunicação costumam preferir o jornalismo de esgoto e estimular a sociedade a criminalizar e reduzir o interesse pela política. Felizmente, as pessoas hoje têm meios de saber mais delas mesmas, dos outros, de seu país. O mundo ficou pequeno e “verdades” fabricadas se desfazem. Essa evolução do acesso a informação permite desconfiar dos meios de comunicação tradicionais, desterceirizar a opinião pública e acreditar que, sim, o mundo tem conserto. Procure identificar nos candidatos de sua cidade quem tem bons projetos e quem não tem. Não despreze a oportunidade da eleição como forma de melhorar sua rua, sua cidade e o planeta. Comece em você a revolução que quer para o mundo, e faça um voto conectado com essas mudanças. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook
ELZA FIUZA/ABR
Advogado faz defesa no STF: “Provas cabais não são essenciais ao caso”
Tribunal de exceção A primeira etapa do julgamento do chamado “mensalão”, concluída no final de agosto, deixou preocupados os advogados de defesa dos demais réus, por terem ao menos duas expectativas quebradas. Uma, de que a peça de acusação montada pela ProcuradoriaGeral da República (PGR) avançara por acusações insustentáveis, dada a ausência de provas. A principal irregularidade admitida no episódio por parte dos acusados, a arrecadação e movimentação de recursos não contabilizados, o famoso caixa 2 – não proveniente de desvio de dinheiro público e não destinado a “comprar” votos no Congresso, mas a pagar despesas de campanhas eleitorais – não foi levada em conta, nem na acusação, nem na primeira avaliação. Outra expectativa quebrada foi à de que a maioria dos ministros do STF teria postura independente e técnica, apesar da forte pressão dos meios de comunicação para fazer do “mensalão” a principal munição para abater o go-
HERMÍNIO OLIVEIRA/ABR
VALTER CAMPANATO/ABR
Gushiken: cinco anos de agonia
João Paulo: provas não são essenciais
verno Lula e o PT. Apenas dois juízes desqualificaram a acusação montada contra o deputado João Paulo Cunha, cuja condenação o tirou da disputa para a Prefeitura de Osasco. Dos nove juízes que votaram pela condenação, alguns chegaram a alegar que a existência de provas cabais não era essencial no caso. Diferentemente da situação de Luiz Gushiken. No caso do ex-ministro, desde a acusação da PGR até o julgamento unânime no plenário do STF, a inexistência de lógica e de provas o inocentou. Apesar da absolvição, a inclusão de Gushiken no processo representou cinco anos de tortura e um baque em sua saúde. E talvez tenha sido o mais bem acabado exemplo das más intenções do procurador-geral Antonio Fernando de Souza e de seu sucessor no caso do mensalão, Roberto Gurgel, que só permitiram o acesso da defesa a dados do processo que comprovavam a inocência do ex-ministro depois de a ação ter sido aceita pelo STF. http://bit.ly/rba_mensalao
Torturadores denunciados A juíza Nair Cristina Corado Pimenta de Castro fez história ao acatar as duas primeiras denúncias no âmbito penal contra agentes da ditadura brasileira. Por decisão da titular da 2ª Vara Federal em Marabá (PA), terão sequência as ações contra o major da reserva Lívio Augusto Maciel, o doutor Asdrúbal, e o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de 4
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Moura, o Curió. O coronel havia sido poupado do processo pelo juiz João Otoni, que substituía Nair Pimenta e, a pretexto de seguir decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2010, rejeitara a ação com base na tolerância supostamente admitida pela Lei da Anistia, de 1979. Agora, a juíza reviu o procedimento e aceitou a argumentação do Ministério
Público Federal (MPF). O caso envolve o sequestro de cinco militantes entre janeiro e setembro de 1974. Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeiro Corrêa (Lia) foram levados às bases militares comandadas por Curió. http://bit.ly/rba_agentes_ditadura
IVONE PEREZ/RBA
Marilena: sem regulamentação não há democracia
Chaui e as comunicações Nunca antes neste país
MARCELLO CASAL JR/ABR
Campanhas salariais alcançam maiores índices de aumento real
Horário de consumo vai determinar tarifa
MARCOS COMUNE/MELHOR DE SANTOS/FLICKR
Dos 370 acordos salariais analisados no primeiro semestre pelo Dieese, 96,5% ficaram acima do INPC-IBGE. Em 3% dos casos, os reajustes empataram com a inflação. O economista José Silvestre ressaltou que os resultados são melhores do que os de 2010, quando o país obteve o maior crescimento do PIB em 15 anos. “Nunca tivemos na democracia brasileira recente um período que combinasse participação da sociedade de maneira tripartite, inflação estável e crescimento econômico”, disse. “Todos esses fatores, aliados às lutas sindicais, têm proporcionado os ganhos reais dos trabalhadores.” http://bit.ly/rba_reajustes
A filósofa Marilena Chaui afirmou que a função da regulamentação das telecomunicações é impedir que se imponha a tirania da vontade de alguns contra a da maioria. “Se você não estabelece um conjunto de normas que garantam a maneira pela qual o espaço público é regulamentado, pela qual direitos são criados e respeitados, não terá democracia”, disse, em reportagem da Rádio Brasil Atual. A filósofa defendeu um grande movimento nacional por um marco regulatório da mídia. E mostrou-se preocupada com a concentração de informações na internet. “Há uma concentração planetária de informação a respeito de cada um de nós. Temos a ilusão do exercício da liberdade e da criatividade. Nós estamos entregando a nossa autonomia a formas de controle e de vigilância que ainda não avaliamos o que sejam”, concluiu. http://bit.ly/rba_chaui
Conta pode salgar
Entra em vigor a partir de 2014 um sistema alternativo de cobrança de energia elétrica em que as tarifas variam de acordo com o horário de consumo. O objetivo é reduzir a utilização de aparelhos eletroeletrônicos nos horários de pico e dar “liberdade de escolha” ao consumidor. O valor seria em média 25% mais baixo na maior parte do dia, de segunda a sexta-feira. Mas entre 17h e 22h, dependendo da região do país, o custo seria o dobro do atual. Teme-se, porém, que a medida traga prejuízo ao cidadão comum, que não poderá desfrutar dos horários em que a energia será mais barata. http://bit.ly/rba_energia REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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SETEMBRO 2012 REVISTA DO BRASIL
Famílias acampadas na rua e o Edifício São Lourenço, na Av. Ipiranga, emparedado
Prefeitura desocupada Duzentas e dezessete famílias tiveram de sair de um prédio ocupado havia nove meses na Avenida Ipiranga, região central de São Paulo, na manhã do dia 28 de agosto. A prefeitura descumpriu decisão proferida em julho pelo Tribunal de Justiça, que determinou o oferecimento de alojamentos. “Conversamos com a prefeitura, com a Polícia Militar, e acertamos não resistir. A prefeitura tinha uma determinação de disponibilizar moradia, mas não cumpriu. Mais uma vez”, afirmou Maria do Planalto, coordenadora da ocupação e integrante da Frente de Luta por Moradia (FLM). No dia seguinte, o prédio vazio foi “lacrado” com tijolos e as famílias se estabeleceram na rua. http://bit.ly/rba_sem-teto
ALEXANDRE CARVALHO/FOTOARENA
Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Rita Berlofa Teonílio Monteiro da Costa
FOTOS GERARDO LAZZARI/RBA
Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Fábio M. Michel, João Paulo Soares, Sarah Fernandes, Gisele Brito, João Peres, Tadeu Breda e Virgínia Toledo Arte: Júlia Lima. Iconografia: Sônia Oddi Revisão: Márcia Melo Capa Antônio Cruz/ABr, Luiz Queiroz/Pref. Sobral, Mila Petrillo e Paulo Whitaker/Reuters Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares
Escolas municipais de São Paulo ficaram abaixo da média nacional no Ideb
O pobre Ideb de São Paulo As escolas municipais de São Paulo ficaram abaixo da média nacional do Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) 2011. As brasileiras obtiveram nota 5,0 no índice que articula o desempenho dos estudantes em provas de matemática e língua portuguesa com taxas de aprovação. A média dos anos iniciais (1º ao 4º anos) dos estabelecimentos mantidos pela gestão Gilberto Kassab (PSD) é 4,8 – a mesma obtida por municípios bem mais pobres, como Jequitinhonha (MG), Bocaina, Floriano e São João do Piauí (PI), Registro, Francisco Morato e Barra do Turvo (SP). Nos anos finais (5º ao 9º), o resultado é pior: 4,3, inferior a Água Branca (PI), Cacoal (RO) e Formoso do Araguaia (TO). A rede municipal paulistana está abaixo da média em 5% nos anos finais e 2% nos iniciais. http://bit.ly/rba_ideb_sp
MAURO SANTAYANA
Três “grandes” de nosso tempo
Blair, Clinton e FHC, responsáveis pela maior contrarrevolução social da História, ainda não desistiram do sonho de uma ditadura ultraliberal dos países ricos, com o retorno dos periféricos ao estatuto colonial
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o dia 28 de agosto, o Banco Itaú-BBA promoveu, em São Paulo, um encontro dos dirigentes das 500 maiores empresas da América Latina – as que faturam mais de US$ 100 milhões por ano – com os senhores Tony Blair, Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso. “Eles estiveram à frente de grandes potências mundiais e fizeram escolhas que mudaram a história. Agora eles vão ajudar a escrever novos capítulos”, dizia o anúncio publicado nos jornais. Tudo isso faz lembrar o iconoclasta Karl Kraus, dedicado em sua vida inteira a destruir mitos de seu tempo. Um de seus ensaios, de 1918, tem o título de Os Últimos Dias da Humanidade. É até estranho que Clinton faça parte da trinca. É certo que continuou no uso alternado dos bombardeios e das ameaças ao Iraque, de seu antecessor, o primeiro Bush. Mas na administração interna, tendo bons assessores econômicos, como Joseph Stiglitz (nos primeiros dois anos), seu governo não foi exatamente igual ao de Blair. Embora usando da mesma linguagem, e propondo medidas democráticas (como a abolição da Câmara dos Lordes e sua transformação em Senado, a ser eleito pelo voto), Blair, como Thatcher, foi parceiro incondicional do governo norte-americano, também em matéria de política internacional – principalmente depois da eleição do segundo Bush. Tal como Bush Jr., ele enganou o mundo sobre o Iraque e as armas de destruição em massa. Sua atuação interna foi de demolição da política social do traba-
lhismo britânico, que vinha desde a criação do Labour Party, em 1906. Deixou seu país arrasado pelo desemprego, pelo sucateamento da saúde pública, pela desesperança. Mas, dos três, quem mais merece a homenagem dos banqueiros e das 500 maiores empresas da América Latina é realmente Fernando Henrique. O BBA foi fundado em 1988, numa associação de Fernão Bracher e Antonio Beltrán com o Banco Credistanstalt, de Viena, para operar no mercado de capitais. Em seguida, com a eleição de Collor e o início de seu programa de privatizações, o BBA se tornou a única instituição financeira a coordenar a participação de bancos estrangeiros no plano de privatização das empresas estatais no Brasil. No governo FHC teve situação privilegiada. Os três grandes líderes do século, conforme a convocação do encontro, foram responsáveis, cada um deles de uma forma diferente, pela maior contrarrevolução social da História, ao impor o ultraliberalismo ao mundo, conforme a decisão do Clube de Bilderberg. O plano – de que ainda não desistiram – é de uma ditadura mundial, a ser exercida pelos homens mais ricos do planeta, por intermédio dos governos dos países ricos e com o retorno dos povos periféricos ao estatuto colonial. O sistema financeiro mundial, instrumento do projeto, está sendo julgado pela opinião pública, desde que muitos de seus crimes ficaram conhecidos. O Goldman Sachs, o Barclay’s, o HSBC e outros, da mesma dimensão, foram apanhados na manipulação de taxas básicas (a Libor), na especulação no mercado de derivativos e na prática do crime de lavagem de dinheiro do narcotráfico. Enquanto Blair, Clinton e Fernando Henrique falam para os ricos, é dever dos trabalhadores exigir do Congresso – como no caso da Ficha Limpa – legislação rigorosa de controle do sistema, proibindo que bancos de depósitos operem como os de investimentos, que atuem nos paraísos fiscais, que funcionem sem controle contábil rigoroso das autoridades nacionais. Os governos europeus, para salvar seus banqueiros larápios, estão eliminando empregos, reduzindo os serviços de educação, de saúde e segurança. E, se os trabalhadores brasileiros não mantiverem sua vigilância, essa nova onda em defesa dos ricos chegará até aqui. O encontro promovido pelo Itaú-BBA na luxuosa Casa Fasano é um aviso. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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MÍDIA
Novas ondas no ar Expansão da Rádio Brasil Atual alcançará cidades que somam população de 22 milhões de pessoas na Grande São Paulo, litoral e interior do estado. E TVT celebra dois anos no ar com programa dedicado a movimentos sociais
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ais um passo foi dado no projeto de expansão da Rádio Brasil Atual. Operando em caráter experimental desde o início de agosto, a emissora teve seu lançamento oficial no último dia 28, nas frequências 98,9 FM na Grande São Paulo, 93,3 FM na Baixada Santista, e 102,7 FM no noroeste paulista. Com alcance estimado para uma população de 22 milhões de pessoas, a emissora agora passa a funcionar oficialmente, com sua programação diferenciada. “A princípio, teremos o Jornal Brasil Atual, das 7h às 9h da manhã, todos os dias. Ao longo do dia, num primeiro momento, a programação tocará música nacional, de qualidade, até que a gente formate e consolide uma grade completa, de conteúdo exclusivo”, relata Zé Mourão, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. 8
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Dois programas que fazem parte da grade exclusiva da TVT – emissora que integra a plataforma de comunicação mantida pelos trabalhadores – terão sua gravação ao vivo, que já pode ser acessada em tempo real no site tvt.org.br, exibida também ao vivo pelas rádios. São eles o Bom para Todos, às 16h às segundas-feiras, e o Melhor e Mais Justo, às quintas-feiras, no mesmo horário. O conteúdo noticioso será produzido por equipes das emissoras em São Paulo, no litoral e no interior, por organizações locais e por veículos parceiros no empreendimento, como a própria TVT, o portal da Rede Brasil Atual (RBA), a Revista do Brasil. O Jornal Brasil Atual já tem em seu time colunistas como o cientista político e jornalista Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o teólogo e escritor Frei Betto, o diretor técnico do Dieese,
Vagner: “Parceria antiga”
Clemente Ganz Lúcio, e o escritor Flávio Aguiar, correspondente na Europa. “Nossa missão é dar uma contribuição à sociedade, para que os movimentos sociais tenham sua voz amplificada. É um canal para que os movimentos sociais possam se expressar e se ver. Não queremos ter propriedade de nada. Apenas somos intermediários daqueles que realmen-
FOTOS GERARDO LAZZARI/RBA
MÍDIA
Sérgio: “Há 25 anos, o primeiro pedido de concessão de rádio foi entregue pelo Lula, na época deputado federal”
te produzem informação”, afirma Valter Sanches, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos dos ABC e presidente da Fundação Comunicação, Cultura e Trabalho, entidade mantenedora da TVT e parceira da RBA no projeto de rádio. “Vamos continuar fazendo o que a gente mais sabe, que é questionar o mundo do trabalho, inovar na área da comuni-
Juvandia: “Lembro do início, com megafones nas portas dos bancos”
cação, e exigir que o Brasil busque o caminho do crescimento tendo como base a solidariedade e a sensibilidade social, e não o caminho ditado pelas elites e por poucos grupos de mídia”, diz o diretor da RBA, Paulo Salvador. Para o jornalista Osvaldo Luiz Colibri Vita, a rádio já traz na bagagem a experiência de oito anos de jornal diário e ou-
tros quatro de rádio-web, sempre mantida por entidades sindicais. “Teremos progra mação jornalística plural e cidadã. Além de programas com música contextua lizada, a exemplo do Gogó de Aquiles, Sexta Musical, História das Canções e Clube do Choro. A grande diversidade musical brasileira nåo se reflete na mídia tradi cional de rádio”, observa Colibri. Em pronunciamento enviado à cerimônia de lançamento da rádio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinalou que a democracia brasileira se fortaleceu com o “extraordinário processo de inclusão social” percebido nos últimos anos e que o acesso a informação também é um componente desse processo. “Consolidar nossa democracia passa por democratizar ainda mais os meios de comunicação. Nesse caminho, muito me alegra ver que a TVT é uma realidade, há dois anos no ar. E que a Rádio Brasil Atual soma-se aos meios de comunicação direta com milhões de brasileiros. Vida longa à rádio dos trabalhadores”, declarou Lula.
História em movimento
A parceria entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Bancários de São Paulo em empreendimentos coletivos de comunicação voltada para toda a sociedade, e não apenas para suas categorias, começou em 2006, com o lançamento desta Revista do Brasil. A publicação conta também com dezenas de entidades sindicais dessas categorias em várias regiões, além de químicos do ABC e de São Paulo, do setor de energia (Sinergia, com sede em Campinas), professores do Distrito Federal, entre outras, permitindo a circulação de mais de 300 mil exemplares por mês. No ABC, com a criação da Fundação Comunicação, Cultura e Trabalho, surgiu em 2007 o jornal ABCD Maior, com três edições semanais – às terças, quintas e sábados, e tiragem de 25 mil exemplares cada uma –, além da TVT. Em São Paulo, a Editora Atitude, responsável pela RdB, lançou em 2009 o portal Rede Brasil Atual, que funciona como uma agência de notícias do Brasil e do mundo e atua como canal multiplicador do noticiário produzido por todos os veículos frutos dessa parceria. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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GERARDO LAZZARI
Mantém ainda edições regionais impressas do Jornal Brasil Atual em 14 cidades do interior e da Grande São Paulo, com conteúdo regional local. As edições, mensais, em Barretos, Barueri, Bebedouro, Bragança, Catanduva, Guaíra, Jandira, Itanhaém, Itariri, Jundiaí, Limeira, Marília, Praia Grande e Peruíbe somam uma tiragem total de 110 mil exemplares. A presidenta do Sindicato dos Bancários, Juvandia Moreira, destacou que a preocupação com a comunicação sempre esteve associada à história da entidade e foi fundamental tanto no embate do dia a dia com os bancos como na luta pela democracia no país: “Lembro do início, com megafones nas portas dos bancos, depois os carros de som, a Folha Bancária. São experiências que fazem parte da construção histórica que possibilitou a criação desse projeto que hoje é um orgulho para nós”.
WWW.BANCARIOSRIO.ORG.BR
MÍDIA
PRECURSORES Feijoó e Marcolino foram os articuladores da Rede Brasil Atual
Sérgio Nobre, presidente dos Metalúrgicos do ABC e secretário-geral da CUT, também resgatou o aprendizado com a comunicação nas décadas passadas, o papel da “rádio peão” nas portas de fábrica e as primeiras batalhas por concessões públicas. “Isso me faz relembrar 25 anos atrás, quando o primeiro pedido de concessão de rádio foi entregue pelo Lula, na
época deputado federal, ao então ministro da Comunicação, Toninho Malvadeza (Antonio Carlos Magalhães).” Durante o lançamento da rádio, os ex-presidentes dessas entidades, o bancário Luiz Cláudio Marcolino (hoje deputado estadual) e o metalúrgico José Lopez Feijoó (hoje assessor especial da Secretaria-Geral da Presidência da República), foram lembrados como os grandes dessa parceria. “Essa é uma parceria antiga na construção de instrumentos alternativos”, disse o presidente da CUT, Vagner Freitas, destacando o papel de Marcolino e Feijoó na iniciativa de unir esforços em busca de meios de informação que abrissem espaço para os vários pontos de vista que compõem a sociedade. “Quando colocamos um projeto como esse em prática é porque não queremos que a comunicação seja exclusividade de meia dúzia de famílias e empresários, assim como é hoje.”
Na TVT, os donos da voz Embora o projeto da TVT seja acalentado há mais de 25 anos, só virou realidade em 23 de agosto de 2010, quando começou a operar a primeira concessão de canal aberto obtida por trabalhadores no Brasil. Não por acaso, o tema da programação comemorativa foi “O sonho do Brasil que queremos”. Do programa especial com 40 minutos de duração participaram mais de 40 pessoas, falando sobre o sonho do direito à informação.
“Nossa missão é fazer com que todos acreditem no direito de construir, fazer planos. Os movimentos sociais mostram alternativas. A TVT é a concretização de um sonho.” Maria Helena Negreiros, professora da rede pública de ensino 10
“As pessoas são inteiras na dor e na esperança. O pobre e o homem que está na solidão da rua também sonham. Os movimentos vivem para ver seus sonhos se realizar. Precisam de um espaço como a TVT.” Júlio Lancelotti, Pastoral do Povo de Rua de São Paulo
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“O sonho se realiza com a indignação e a articulação de lutas numa relação solidária. Com a criatividade desse povo rico e generoso é possível construir as utopias.” André Luzzi, Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida
“Em que TV comercial se pode ver, no mesmo dia, a Mara da Granja Julieta, da cooperativa de catadores, o Binho, do Sarau do Binho, e uma série de lideranças importantíssimas que o público que assiste ao Faustão não conhece?”, disse a jornalista e blogueira Maria Frô. Leia trechos de depoimentos de algumas personalidades. Assista na íntegra: http://bit.ly/tvt_2anos
“Os meios de comunicação são importantes para mostrar que as camadas populares querem não só um lugarzinho ao sol, mas um novo sentido de sociedade.” Arildo Mota, Unisol Brasil – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários
“Nosso sonho é um futuro promissor para a juventude, com acesso a uma educação de qualidade, à universidade, num contexto democrático.” Alexandre Silva, presidente da União Estadual de Estudantes de São Paulo
“Nosso trabalho é uma forma de sobreviver e cuidar da natureza. A reciclagem no Brasil depende de vontade política e da educação das pessoas.” Mara Lúcia Sobral Santos, da Cooperativa de Catadores da Granja Julieta, em São Paulo
LALO LEAL
A síndrome Jango, aos 50
O poder político das empresas de comunicação – adversárias da regulação civilizada da mídia – torna governos reféns do atraso
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rianças fazendo perguntas de adultos para “celebridades” surgiram como nova atração da Bandeirantes nas noites de domingo. Concorriam com Faustão na Globo, Silvio Santos no SBT e Gugu na Record, evidenciando que o controle remoto não serve mesmo para nada. Troca-se de canal, mas o nível continua o mesmo. A Bandeirantes tentou inovar, e acabou colocando no ar um programa chamado Conversa de Gente Grande. Constrangedor. Menores de 12 anos entrevistavam “celebridades” com perguntas – algumas claramente formuladas pela produção do programa – destinadas a provocar risadas nos adultos. Para Alexandre Frota, uma criança perguntou como tinha sido “a primeira vez”. Outra quis saber se Sabrina Sato havia feito “o teste do sofá” para trabalhar na TV. Como se nota, a escolha dos entrevistados e das perguntas enquadra-se perfeitamente no artigo da Constituição que estabelece preferência, nos programas de rádio e TV, para conteúdos com “finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”. O que fazer? Infelizmente muito pouco. Não há para quem reclamar. No Brasil, ao contrário do que acontece nas grandes democracias do mundo, não existe um órgão regulador capaz de ouvir o público e dialogar com as emissoras. A existência desse órgão foi prevista em alguns dos 19 anteprojetos de lei para o rádio e a televisão, elaborados desde os anos 1980, nunca levados adiante. Continuamos com a mesma legislação que, em 27 de agosto, completou 50 anos.
Os governos brasileiros sofrem, na radiodifusão, da síndrome Jango. Quando a lei entrou em vigor, João Goulart era o presidente da República. Ele vetou 52 artigos do texto aprovado no Congresso, a maioria de interesse dos radiodifusores. No entanto, de forma inédita, o Parlamento brasileiro derrubou os vetos presidenciais, mostrando, em 1962, uma força até hoje inabalável. Menos de dois anos depois, esses mesmos radiodifusores, aliados a outros setores da mídia, obtiveram uma vitória maior: derrubaram o presidente da República, integrados que estavam ao movimento civil-militar de 1964. Essa talvez seja a razão principal da timidez de todos os governos, de lá para cá, levar adiante o debate em torno de uma nova lei para a radiodifusão. Há 50 anos o Brasil tinha 71 milhões de habitantes e só 5% possuíam um aparelho de TV. Hoje somos quase 200 milhões e a televisão está em 98% dos domicílios. Hábitos, valores e costumes eram bem diferentes. A pílula anticoncepcional não havia sido inventada nem a minissaia era moda. Era um país rural, com 80% da população morando no campo. Hoje é o inverso, mas a lei permanece a mesma. Sem falar das diferenças tecnológicas. O videoteipe era a grande novidade, permitindo, por exemplo, que Chico Anísio contracenasse com ele mesmo, e os jogos da Copa do Mundo no Chile pudessem ser vistos aqui, no dia seguinte. Tudo em preto e branco. Uma lei feita para aquele momento é incompatível com os tempos atuais. Por ser tão desatualizada não regula nada e permite abusos. Como o aluguel de horários para igrejas, a propriedade de vários meios de comunicação por um mesmo grupo empresarial, a falta de diversidade nas programações, a renovação das concessões de rádio e TV sem debate público, entre outras aberrações. É óbvia a necessidade de uma lei de meios. Aliás, ela já está pronta há muito tempo. Há contribuições, por exemplo, dos ministros Sergio Motta e Juarez Quadros, dos governos Fernando Henrique, e, mais recentemente, do ministro Franklin Martins, no segundo governo Lula. Mas aí entra em cena a síndrome Jango. O poder político das empresas de comunicação – ferozes adversárias das mudanças – atemoriza os governos, tornando-os reféns do atraso. E o telespectador, vítima da TV, não tem para quem reclamar quando vê uma criança perguntando a uma “celebridade” como foi a sua primeira relação sexual. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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TRABALHO
Meio de campo embolado Trabalhadores e empresários protagonizaram a primeira conferência do país sobre trabalho decente. Mas polêmicas mostram que o caminho a percorrer ainda é longo Por Vitor Nuzzi
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o lado de fora do centro de convenções, em Brasília, camelôs eram o contraponto. Afinal, trata-se de uma conferência sobre trabalho decente, que pressupõe emprego formal e proteção social, conforme o conceito cunhado em 1999 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). A poucos metros dali, outra ironia: na antevéspera da abertura do evento, um acidente nas obras do estádio Mané Garrincha deixou cinco operários feridos. Outra premissa do trabalho decente é segurança e saúde no trabalho. Do lado de dentro, a tradicional peleja entre capital e trabalho continuava, sem acordo à vista. O primeiro encontro mundial do gênero – uma iniciativa brasileira –, acompanhado com atenção pela OIT, teve um desfecho conturbado. Foram quatro dias, em agosto, para discutir de que forma o trabalho pode reduzir as desigualdades e que papéis podem ter empresas e governos nesse sentido. Houve debates respeitosos, embora acirrados, nos quais as partes mostraram capacidade de argumentação e convivência. Mas terminou com os representantes dos em12
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pregadores fora de campo, reclamando do “juiz”, o governo. “Isso é questão de interpretação”, reagiu o coordenador da conferência, Mario dos Santos Barbosa, assessor para assuntos internacionais do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo ele, apesar dos problemas – “O desafio foi grande e a dificuldade, um pouco calculada também” – foi possível realizar um “amplo diagnóstico” sobre o mundo do trabalho. “Nesta conferência haverá debate, conflito e – temos muita esperança – consenso”, disse na abertura o ministro Brizola Neto, anfitrião do encontro. “É uma experiência única de diálogo tripartite”, comentou a diretora da OIT para a América Latina e o Caribe, Elizabeth Tinoco. O ministro não esteve no encerramento, o que causou algum mal-estar. Àquela altura, o conflito já estava configurado. Em alguns dos 12 grupos temáticos formados na conferência, não houve sequer votação. Questões ainda dogmáticas, como a redução da jornada de trabalho, continuam causando reações. Com algumas votações perdidas, integrantes da bancada patronal começaram a se queixar. “Estamos numa arapuca”, disse
um deles. Na visão dos empregadores, o governo atuava a favor dos trabalhadores. Para os sindicalistas, no entanto, os empresários deram uma demonstração de que não querem discutir de fato, ao tentar obstruir grande parte das propostas. “Eles mostraram que não querem discutir as relações de trabalho. Foi uma afronta à democracia”, reforçou a secretária da Mulher Trabalhadora da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosane Silva.
Seiva
Observador do encontro, o professor José Pastore, conhecido consultor empresarial, achou democrática a condução dos trabalhos no grupo em que esteve presente, mas criticou os resultados. “As bancadas dos empregadores e do governo aprovaram propostas como a distribuição dos ganhos de produtividade ser feita por lei. Vai ser capa do Financial Times”, ironizou. “É preciso manter a legislação com as proteções básicas. Trabalho não é commodity. Mas não pode ter exagero. A seiva do progresso é a produtividade. Se você submeter a produtividade à determinação de políticas públicas, adeus progresso.” Segundo ele, a palavra
FOTOS FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR
TRABALHO
“produtividade” aparece apenas duas vezes na Constituição e “eficiência”, só uma. Já “direitos” foi impressa 76 vezes na Carta Magna aprovada em 1988. O secretário de Administração e Finanças da CUT, Quintino Severo, vê raízes históricas e culturais para as dificuldades de evolução das relações trabalhistas. “Tem origem na escravidão, no Estado autoritário, no capitalismo radical. Aqui está tudo mais explicitado. Poucos setores aperfeiçoam o instrumento de negociação coletiva”, avalia. Assim, em
RENATO ALVES/MTE
PRÁTICA E TEORIA O ministro do Trabalho, Brizola Neto, discursa na abertura da conferência. Na antevéspera, cinco operários saíram feridos das obras do Mané Garrincha
vez do diálogo, empresários ainda preferem adotar mecanismos como o interdito proibitório. “É uma visão de evitar o conflito pelo Judiciário, o que acirra mais o conflito.” A secretária de Direitos Humanos da Força Sindical, Ruth Coelho Monteiro, observa em artigo que o processo de negociação vai continuar, conforme afirmaram os próprios empresários. “Ao retirar-se da plenária final, a bancada dos empregadores não rompeu com o processo de diálogo social, apenas re-
conheceu sua derrota numérica naquele instante e as diferenças setoriais que os dividiam, impedindo de avançar mais nos consensos.” Para ela, algumas mudanças não se resolvem pela negociação e vão exigir ajustes no modelo econômico e social brasileiro. Representante da bancada patronal, o vice-presidente da Federação do Comércio (Fecomercio) de São Paulo, Ivo Dall’Acqua Júnior, disse que além de problemas na organização o governo não agiu como mediador. “Ele mostrou lado no debate, e isso contaminou o clima. Nós nos sentimos desprestigiados”, afirmou, minutos depois de subir ao palco, ao lado de outros integrantes da bancada, para informar que os empregadores tinham decidido “suspender” sua participação na conferência – a leitura do comunicado foi feita sob vaias. “Ninguém deve negociar com a faca no pescoço. Então optamos pelo ato heroico. Tínhamos minimamente de marcar posição. As ideias são livres”, comentou Dall’Acqua ao sair. A diretora da OIT no Brasil, Laís Abramo, destaca a importância de todas as etapas percorridas para chegar à conferência nacional, com 270 eventos em estados e municípios ao longo de 2011. “Isso já foi um processo extraordinário. Eu diria que foi um ganho enorme, tanto no sentido de ampliar os espaços de diálogo social como de inserir essa discussão no país. Os problemas têm justamente a ver com a magnitude da discussão. O temário é complexo e envolve questões muito polêmicas”, avalia. As propostas aprovadas na plenária final – inclusive a de apoio à redução da jornada, contestada pelos empresários – serão analisadas por grupos tripartite (ou seja, também com os empresários) e poderão fazer parte de uma política nacional de trabalho decente. Se os temas serão implementados na vida real, vai depender da disposição das partes. Isso mostrará quem realmente quer negociar.
Leia no site
Tensão entre trabalhadores e empresários marca a conferência. Evento pode definir opção pelo século 21 ou volta ao 19. http://bit.ly/rba_decente REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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SEGURANÇA
Em busca de uma polícia cidadã
O desafio de encontrar um modelo de policiamento adequado a tempos democráticos esbarra na herança autoritária e numa cultura de elitismo, racismo e violência desmedida Por Joana Moncau e Spensy Pimentel
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a noite de 18 de julho, em um bairro rico de São Paulo, um grupo de policiais militares abordou um carro que fugira de bloqueio montado por eles e acabou matando o publicitário Ricardo Prudente de Aquino, 39 anos. Os PMs alegaram ter confundido o celular que a vítima portava com uma arma. A morte provocou debate na imprensa sobre o despreparo e os eventuais erros dos policiais envolvidos. O comandante interino, coronel Hudson Camilli, pediu desculpas pelo ocorrido e um representante da corporação foi à residência da família, para lamentar o episódio. 14
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Os responsáveis pela morte foram imediatamente presos. Poucos dias depois, a PM declarou que estuda conceder gratificações a policiais com bom desempenho – o que inclui a criação de um “índice de integridade” –, conforme já ocorre em outros estados brasileiros. “Pediram desculpas porque era uma pessoa de classe média alta. Quando é uma pessoa pobre, de periferia, dificilmente isso acontece”, critica Débora da Silva Maria, ativista do grupo Mães de Maio, rede criada para fortalecer a luta de familiares de vítimas de ações policiais, a partir da iniciativa de mães de jovens alvejados pela polícia paulista durante os conflitos com a or-
ganização criminosa Primeiro Comando da Capital, em maio de 2006. “Entre os casos que acompanhamos, nunca tinha ouvido falar de uma história em que houvesse esse tipo de pedido.” O filho de Débora, Edson Rogério, foi um dos mais de 600 mortos à época, segundo pesquisa da ONG Justiça Global e da Universidade Harvard nos Estados Unidos – ou um dos 493, de acordo com a Ouvidoria da Polícia de São Paulo. Em boa parte dos casos, a suposta ligação com o crime organizado que justificaria os “confrontos” com policiais não encontra respaldo nos fatos, como alegam familiares e grupos de direitos humanos.
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dos brasileiros concordam com a ideia de que os policiais no país tratam as pessoas com preconceito e %
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DISTINÇÃO Mães de Maio: polícia só pede desculpas quando vítima é de classe média alta
O contraste nessas situações é só um dos inúmeros exemplos de que algo está errado na polícia brasileira. “A segurança deve ser uma política como qualquer outra, como a saúde, como a educação”, diz a secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki (leia entrevista nesta edição). O maior problema de um mau policial, enquanto servidor público, é que, se ele lhe presta um mau serviço, pode ser que você morra. No período de 2006 a 2010, enquanto as forças policiais dos Estados Unidos mataram 1.963 civis, de acordo com dados do FBI (a polícia federal americana), a polícia do estado de São Paulo matou 2.442 e a do Rio de Janeiro, 5.328 civis. Passaram-se dois anos e mais mil mortes pela polícia paulista entre o recente episódio com o publicitário e o registro anterior de um pedido público de desculpas da PM pela morte de um civil, em abril de 2010. Na ocasião, o motoboy Eduardo Pinheiro dos Santos foi espancado até a morte dentro de um quartel da PM na zona norte, depois de ser detido por uma discussão de rua. Será que a PM tem mesmo razão em todos os demais casos em que alguém foi morto? De acordo com levantamento do Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em julho, 65,3% dos brasileiros concordam com a ideia de que os policiais no país tratam as pessoas com preconceito e 53,5% acham que eles não respeitam os direitos dos cidadãos. A confiança na polícia diminui entre os mais jovens. Declararam não confiar ou confiar pouco na Polícia Militar 65,6% dos jovens entre 18 e 24 anos. A PM só tem a confiança de uma maioria na faixa acima de 64 anos (54,9%). Outra pesquisa, da ONG Instituto Sou da Paz, baseada em dados da Secretaria de Saúde da cidade de São Paulo, mostrou que 60% dos mortos pela polícia na década passada eram jovens, de 15 a 24 anos, e 54%, negros – com o agravante de que estes correm duas vezes mais risco de ser mortos em situações de suposto confronto com a PM. A pesquisa verificou, ainda, que 93% residiam na periferia e metade tinha até sete anos de escolaridade. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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O que surpreende é episódios de violência serem considerados marcos históricos, como se fossem motivo de orgulho. No site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), lê-se que, entre as 18 estrelas bordadas no brasão de armas da PM paulista, várias lembram a repressão armada a movimentos populares como a Guerra de Canudos (1897) e a Greve Operária de 1917. A 18ª estrela faz menção à “Revolução de Março” de 1964. De fato, o tributo prestado pela derradeira estrela no brasão da PM paulista faz sentido: as Polícias Militares, com esse nome, foram criadas no auge da ditadura, em 1969, como resultado, em cada estado, da unificação da Guarda Civil com a Força Pública – instituições que, anteriormente, cumpriam a função de fazer policiamento ostensivo nas ruas. Mas não é apenas a estrutura que as PMs devem à ditadura. “Em 1969, a Polícia Militar recebeu uma enxurrada de coronéis, comandantes, secretários de segurança que vieram do Exército. Isso militarizou ainda mais a polícia”, explica Guaracy Mingardi, pesquisador da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas. Em sua opinião, ainda hoje o país sofre efeitos dessa herança. “A sociedade e a democracia evoluíram mais que a polícia. A polícia tem de acompanhar os novos tempos.” “Paisano é bom, mas tem muito.” Esse ditado, ainda usado por alguns PMs, dá o tom da filosofia que prevalece na instituição. “Há uma grande separação entre os militares e os paisanos, os cidadãos. Ou seja, o policial não se vê como cidadão”, diz Mingardi. “Esses jovens, a partir de 17 anos, são separados aos poucos do resto da população, treinados para aprender a ser militares, mais que policiais. Você ensina que ele é diferente do resto da sociedade e põe uma arma na cintura dele.” Para o cientista político, essa organização acaba formando, entre os PMs, a visão de que são uma espécie de casta. “Eles passam a fazer parte de uma corporação fechada: seus amigos estão lá dentro, andam fardados, casam-se com filhas de policiais.” Em 2010, o país somava, ao todo, 375 mil policiais militares – o número de policiais civis não chega a 109 mil. 16
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“O natural seria que, quando saíssemos do serviço, nos desprendêssemos da função de PM e procurássemos viver como cidadãos. Mas não, mesmo fora da farda não nos desprendemos da função”, afirma o subtenente da PM baiana Valdo Silva Santos, há 19 anos na instituição. Os poucos números disponíveis também evidenciam outro dos principais efeitos da cultura militar: o emprego generalizado de violência letal. “A história do policiamento ostensivo feito por uma instituição militar tem como referência a repressão. É uma instituição formada para isso”, diz Benedito Mariano, secretário de Segurança Urbana em São Bernardo do Campo (SP). “O profissional de segurança pública ainda é tratado como soldado. É como se trabalhássemos com inimigos de guerra, não com cidadãos”, endossa o subtenente Valdo Santos. Mariano lembra que o Brasil tem o maior índice de violência letal no mundo por ação da polícia. “É uma polícia criada para fazer o controle social de pobre, não segurança pública. A polícia foi criada para atuar na criminalidade visível, que não é a do grande crime. A repressão recai na criminalidade comum, e os policiais já chegam com o estereótipo de que o pobre é potencialmente marginal”, afirma o secretário de São Bernardo – primeira autoridade da área no Brasil a ocupar o cargo de ouvidor da Polícia de São Paulo, em 1995. O preconceito contra o setor da população majoritariamente vítima das ações letais da polícia, entretanto, não é exclusividade dessa instituição. “Nossa própria sociedade diz: ‘Morreu alguém na favela? Tinha de morrer, era bandido’”, aponta, indignada, Patrícia de Oliveira da Silva, da Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência, criada por familiares de vítimas da violência policial no Rio de Janeiro. “A cultura que inspirou as hoje Polícias Militares é a do ‘capitão do mato’. Essa cultura de repressão é a mais difícil de terminar. A violência policial tem cor”, critica Benedito Mariano.
Política do controle
A menção a essa linhagem que leva dos capitães do mato à PM, enquanto organismos de controle dos pobres e negros, leva a
1.963
civis foram mortos em ações policiais nos EUA entre 2006 e 2010. No mesmo período,
2.442
foram mortos pela polícia do estado de São Paulo e outros
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pela do Rio de Janeiro
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Do que se orgulham
outros problemas: o envolvimento de policiais com grupos de extermínio e milícias. Os dados nunca são exatos, mas indícios saltam por todos os lados. O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo encontrou, entre 1981 e 2010, notícias sobre grupos de extermínio formados por policiais paulistas envolvidos em ao menos 141 casos, com 337 vítimas. Em Pernambuco, em 2007, um relator da ONU se espantou com a estimativa de que 70% dos homicídios de todo o estado eram cometidos por esquadrões da morte formados por policiais. Um relatório da organização internacional Human Rights Watch de 2009 destacou o intrigante fato de que, entre 2004 e 2008, a Rota, a “tropa de elite” da PM de São Paulo, matou durante “combate” 305 pessoas e deixou apenas 20 feridos.
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No Rio de Janeiro também existe a atuação de grupos de extermínio, mas o mapa de homicídios se sobrepõe principalmente ao mapa das milícias. O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) explica que as milícias – hoje mais de 300 no Rio, segundo ele – são uma espécie de institucionalização desses grupos que originalmente se envolviam com o extermínio. “Conforme vai crescendo, a organização vai subindo. O vínculo passa a ser lá no alto com o Executivo, Legislativo, Judiciário”, aponta Mingardi, da FGV. “O que levava o Rio a ter a prática das milícias não era um problema estrutural exclusivo: tinha uma polícia muito mal remunerada e muito mal controlada. Tem evoluído muito esse quadro de expansão das milícias no país. Esse é um debate nacional, hoje. A relação entre crime, política e polícia é tão forte nas grandes cidades
em geral que é muito difícil separar uma coisa da outra”, complementa Freixo.
Valores distorcidos
Segundo Mingardi, outro problema é que determinadas ideias disseminadas ainda durante a ditadura permanecem vivas, transmitidas por gerações dentro da instituição. “Por que a Rota é a que mais mata em SP? Porque há uma ‘ética’ que vai passando dos mais velhos para os mais novos”, diz. “A violência policial letal diminui quando a estrutura policial estabelece outros valores para a atividade policial. Isso passa pela determinação política de reformar a polícia e criar uma nova cultura interna”, afirma Mariano. O comportamento violento parece ser respaldado pelos regulamentos disciplinares da PM. Seguindo o modelo militar, eles costumam ser mais rigorosos quanto
às questões disciplinares internas do que quanto à atuação dos policiais na sociedade. “Observamos que, quando os militares eram julgados por delitos ou crimes praticados na ação de polícia, como abuso de autoridade, homicídio ou tortura, eram majoritariamente absolvidos. Mas a Justiça Militar era rigorosa pelas questões internas de quartel, como o não respeito à hierarquia, à estética, ou chegar atrasado no serviço”, compara Mariano, referindo-se aos cinco anos em que esteve à frente da Ouvidoria da Polícia de São Paulo. De acordo com esse órgão, dos mais de 21 mil policiais militares denunciados entre 1998 e 2011, apenas 20% receberam algum tipo de punição. Mesmo quando um policial chega a ser punido com prisão, o tratamento que recebe é diferenciado. “Preso normal é vagabundo, policial é ex-servidor público, coREVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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das mortes de policiais militares registradas entre 2001 e 2009 ocorreram fora do serviço, de acordo com balanço feito pela Ouvidoria paulista meteu um deslize. Mesmo preso, ainda se considera polícia. Preso normal apanha, come comida com bicho. Já eles são protegidos pela direção de unidade”, denuncia Patrícia, da Rede contra a Violência. O status diferenciado dos PMs se volta contra eles quando se trata de reivindicar melhores condições de trabalho e maior remuneração. Apesar de o direito de greve dos servidores públicos ainda não ter sido regulamentado pelo Congresso, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou pela ilegalidade de greve da categoria, justamente por sua condição de militares. Uma Proposta de Emenda Constitucional para estabelecer um piso nacional para as PMs tramita na Câmara desde 2008. Os baixos salários levam a base da PM de todo o Brasil a buscar formas de complementar a renda, seja com horas extras, seja com “bicos”, sem mencionar a corrupção. De acordo com balanço feito pela Ouvidoria paulista, de 2001 a 2009, 71,4% das mortes de policiais militares ocorreram fora do serviço, provavelmente em “bicos” em empresas de segurança privada. 18
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Esses extras não são o único fator que provoca mais óbitos de policiais do que o cotidiano de trabalho. Impressionam os dados levantados pela mesma Ouvidoria segundo os quais, entre 1990 e 2000, o número de policiais militares mortos por suicídio foi maior que o de mortos em combate: 238 contra 153. Novamente, trata-se de um dado que deixou de ser divulgado nos últimos anos, apesar da força que teria para ativar um debate sobre as péssimas condições de vida que enfrentam os policiais. Entre 2001 e 2002, Benedito Mariano foi um dos coordenadores de uma série de debates com especialistas de todo o país que gerou o Projeto Segurança Pública, documento incorporado ao programa de governo do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Dez anos depois, na avaliação do ex-ouvidor, pouca coisa foi feita na construção de uma nova polícia no país. “Ainda hoje, nenhum ponto do projeto avançou em termos de reformas da polícia”, lamenta. Em 2009, o país teve, pela primeira vez em sua história, uma Conferência Na-
cional de Segurança Pública (Conseg), num processo participativo que envolveu mais de 500 mil pessoas. Para que se tenha ideia da falta de amadurecimento do debate nessa área, em 2011 ocorreu a 14ª Conferência Nacional de Saúde – numa série iniciada em 1941. A previsão é que a 2ª Conseg seja realizada em 2013. Enquanto o debate sobre a segurança como uma política pública ainda engatinha, o uso da polícia como fonte de capital político se amplia a olhos vistos. Como mostrou recente levantamento da Rede Brasil Atual, passou de 21 para 42, nesta eleição municipal, o número de candidatos a vereador na cidade de São Paulo ligados, de alguma forma, às forças de segurança – uma expressão local de um fenômeno cada vez mais generalizado: o uso da visibilidade concedida pelo trabalho policial como forma de ganhar votos (algo que, no Rio, está fortemente associado às milícias). Atualmente, 30 das 31 subprefeituras da c apital paulista estão sob o comando de coronéis reformados da PM.
ENTREVISTA
Polícia que não deve não teme a
TRANSPARÊNCIA Regina Miki, secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, admite necessidade de reforma da polícia e cobra coerência e disposição da sociedade para debater o tema Por Spensy Pimentel
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De tempos em tempos aparece a discussão sobre o modelo de polícia surgido duran te o regime autoritário e a necessidade de mudanças, como a desmilitarização. Qual avaliação a senhora faz desse debate?
Política de segurança não se faz somente com polícia, se faz com o Estado presente nas mais diversas ações
AUGUSTO COELHO/RBA
rimeira mulher a tornar-se secretária nacional de Segurança Pública, a advogada Regina Miki chegou ao cargo no início do governo Dilma com uma credencial de peso. Entre 2001 e 2008, durante sua gestão como secretária de Defesa Social de Diadema, na Grande São Paulo, a cidade deixou de ser conhecida como a mais violenta do Brasil e tornou-se referência internacional em segurança. Com ousadia, a secretária conduziu uma experiência pioneira de “lei seca”, que determina o fechamento dos bares às 23h – dos cerca de 5 mil estabelecimentos da cidade, apenas 32 têm licença especial para funcionar depois do horário. A taxa anual de homicídios caiu de 102,8 para cada 100 mil habitantes no início da década passada para 9,5 em 2011. No plano nacional, Regina enfrenta temas espinhosos, como a construção de uma estratégia de segurança para os grandes eventos que o país vai sediar nos próximos anos ou a implementação de políticas públicas para combater a disseminação do crack pelo país. A reforma das polícias é um tema que segue em discussão, mas, na visão da secretária, ainda falta um amadurecimento da sociedade brasileira a respeito do papel das polícias. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida por telefone.
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ENTREVISTA
Nós passamos por uma fase de transição. E muitas polícias no país hoje já têm independência política. Algumas já totalmente, outras engatinhando. Tenho receio de que se traga de novo uma discussão sobre a quem compete a segurança pública no país. Isso para mim era uma página virada no capítulo da nossa história: segurança pública é das polícias, e defesa, das Forças Armadas. Depois que tivemos alguns episódios por aí, esse diálogo com a sociedade pode ressurgir. E não é raro a sociedade admitir o uso exacerbado da força para conter a criminalidade. Então, é preciso cautela. Defendo uma polícia independente, autônoma, e defendo a polícia – e não os bandidos que vão para dentro das nossas instituições e se travestem de polícia. Só há Estado democrático de direito garantido com uma polícia fortalecida.
A própria sociedade cobra às vezes da polícia que ela seja a vingadora, quando a polícia não é isso. A polícia é a garantidora dos direitos fundamentais que estão na nossa Constituição
A questão da reforma das polícias integrou um documento que foi incorporado ao progra ma de governo do candidato Lula. Houve uma série de debates em torno do tema entre 2001 e 2002. Como prosseguiu essa discussão?
Acredito que precisamos passar por uma reforma. O grande problema é que precisamos saber da sociedade qual a polícia que ela deseja e saber da própria polícia aquilo que ela quer ser. Temos, dentro das próprias polícias, algumas pessoas que não avançaram, não se ativeram à sociedade brasileira, que hoje é outra, completamente diferente. Ao mesmo tempo, a própria sociedade cobra às vezes da polícia que ela seja a vingadora, quando a polícia não é isso. A polícia é a garantidora dos direitos fundamentais que estão na nossa Constituição. Houve um erro na Constituição de 1988 ao não enfrentarmos essa mudança, que deixamos passar porque não tinha ambiência, já que havíamos recém-saído da ditadura. Esse ranço permanece: da polícia com a sociedade e da sociedade com a polícia. A 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (2009) ouviu cerca de 530 mil pessoas. Lá não ficou claro, nas prioridades, a polícia que a gente quer nem se a gente quer mudança. Existe espaço para discutir uma desmilitari zação da polícia?
O Conselho Nacional de Segurança Pública promoveu há poucos dias uma audiência pública para discutir desmilitarização. No relatório há um equívoco total sobre o que é desmilitarização. Uns acham que é deixar de ser a PM força auxiliar do Exército, passar a ser uma força reserva e ser chamada somente em momentos de crise. Outros acham que essa polícia deveria estar desmilitarizada simplesmente ao estar na rua sem uniforme. Outros acham que os regimes disciplinares dessas polícias devem ser alterados – mas 20
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a maioria dos regimes disciplinares dos estados já se alterou. Então é meio confuso, confundem hierarquia e disciplina com ditadura, com regime de exceção. Isso não é verdade, toda sociedade que se preza, e até a célula menor da nossa sociedade, que é nossa família, tem uma hierarquia. Então, não podemos simplesmente jogar fora a água do banho com a criança junto. Há muitas reivindicações por melhores con dições de trabalho por parte dos policiais...
Não sou contra manifestação por melhoria de salário, de condições de trabalho. Das pessoas uniformizadas, porém, que defendem a sociedade identificadas, a sociedade cobra uma conduta. São servidores diferenciados, sim. Por isso, defendo aposentadoria diferenciada, especial, defendo uma mudança na escala de trabalho dos policiais. Por que policial tem de trabalhar 24 horas? Ninguém trabalha 24 horas. Defendo uma melhor capacitação. Não sei se resolveríamos o problema com um piso nacional, mas é preciso um plano de cargos e carreira, porque o piso nacional poderia trazer uma circunstância de ganhar R$ 3 mil de salário e aposentar com R$ 3.100, se não se tem um plano de carreira aliado ao piso. O governo tem um plano para induzir o ama durecimento desse debate?
Estamos aqui fazendo nossa parte: abrindo campo de debate para que a sociedade nos apresente o modelo de polícia que ela quer. O Congresso tem a Comissão Especial de Segurança Pública, nós temos espaços abertos, o Conselho Nacional de Segurança Pública é subvencionado pelo governo federal para discutir políticas de segurança pública. Qual é o nosso papel? Induzir a política e capacitar esses policiais para o diferente. Temos dado capacitação, treinamento permanente em policiamento comunitário, lançamos mão de uma portaria que obriga as polícias ao uso diferenciado da força, à menor letalidade, queremos trazer uma maior democracia. Temos de ter corregedorias independentes, autônomas, a fiscalização maior do próprio Ministério Público sobre essas polícias. Estamos instituindo o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública (Senaf), que passa por número de efetivo, horário de trabalho, distribuição desse efetivo. Há um campo fértil para amadurecer ideias. Agora, seria prematuro dizer que estamos preparados para ir ao Congresso e mudar isso. Como a senhora avalia a receptividade dos es tados às mudanças? Qual a situação de São Paulo, por exemplo, que tem o maior efetivo policial, com um número enorme de mortes cometidas todo ano?
ENTREVISTA
É muito preocupante. O papel da polícia, volto a dizer, é de garantidor dos direitos das pessoas. E inclua a polícia entre esses que têm de ter seus direitos garantidos. Erroneamente se dizia no país, ou se diz ainda, que direitos humanos são direito de bandido. Isso é errôneo na medida em que a própria polícia exige seus direitos de moradia, de qualificação. É preocupante a posição de uma polícia que realmente não cumpre com seus deveres. Temos de nos ater às regras e punir os desvios e as exceções. Temos de estar atentos a isso. Sou defensora do registro de homicídio com a apuração, investigação, da ilicitude do ato no que se chama auto de resistência (Resistência Seguida de Morte, em São Paulo). O registro é de homicídio e, quando o registro é de homicídio, eu não estou atribuindo culpa ou dolo, estou dizendo que há alguém morto, artigo 121 do Código Penal. O registro deve ser feito sob as especificações do Código Penal. A ilicitude do ato pode ser discutida. A Resistência Seguida de Morte é causa de ilicitude da punibilidade, mas não que deixe de haver homicídio. Mas, de qualquer forma, esses números de homicídios, seja lá quem estiver morrendo, são preocupantes.
Por isso é que a nossa primeira ação aqui na secretaria, junto com o ministro da Justiça, foi a criação do Sinesp. O estado que não alimentar esse sistema não poderá receber orçamento do governo federal para segurança pública e, o que é mais grave, aqueles estados que dizem que não precisam do nosso orçamento não poderão consultar os dados de segurança pública. Então, não é um estado que atingiu um orçamento excelente que vai poder dizer “aqui eu faço como eu quero, eu registro como eu quero”, não é bem assim. Tenho plena convicção de que transparência total é a melhor forma de agir. Estamos com um programa em Alagoas (piloto do programa Brasil Seguro) e estamos sendo transparentes ao extremo. Todos os dias se noticia o número de homicídios naquela localidade, mais precisamente em Maceió e Arapiraca. Se não tiver nenhum homicídio, batemos palma. Se houver um homicídio, vamos noticiar e dizer onde foi e qual providência a polícia está tomando. Estamos lá com 70% de autoria conhecida nos inquéritos. Isso, sim, vai trazer credibilidade à polícia, não é esconder números, é transparência e resultado.
Os casos de homicídio praticados por policiais parecem, ainda, ser tratados de forma dife rente, conforme a classe social e a raça da ví tima. Como enfrentar isso?
Em tempos de eleições municipais, como a se nhora vê essa relação entre segurança pública e política, e ao que deve estar atento o eleitor preocupado com esse tema?
Acho que uma das formas melhores de enfrentar isso é com a própria imprensa, dando a mesma ênfase tanto aos casos de publicitários quanto a casos das periferias. Isso hoje não acontece. A sociedade brasileira é elitista. Temos, também, no país, uma perícia de excelência, mas elitista. Uma perícia bem-feita nos leva à conclusão de que não houve Resistência Seguida de Morte atribuída a esse publicitário. E será que uma perícia bem-feita na periferia, em uma pessoa que foi encontrada, um cadáver com dois tiros pelas costas, será que isso também não poderia me traduzir que não é uma resistência? Agora, enquanto está se matando na periferia, enquanto é o jovem, negro da periferia, a própria imprensa não dá tanta ênfase. E aí, como é escondido, ele fica entre esses números de ‘resistência’, ou ‘encontro de cadáver’, ou ‘morte a esclarecer’. Seria o caso desse publicitário também, se nada tivesse sido divulgado. Tem de haver um controle externo da sociedade sobre a polícia. É papel do Ministério Público com o controle atribuído a ele, pela própria Constituição, sobre a polícia. E digo uma coisa: o bom policial não tem medo de comando, não tem medo de regulamento disciplinar. Aqueles que começam a chiar é porque querem contraverter as ordens.
A política de segurança deve ser uma política como qualquer outra, como a saúde, como a educação. Ela tem de ser uma política ampla, com continuidade, e jamais ser usada como algo que foi trazido como um benefício, ela é uma obrigação. Ela é obrigação de qualquer dirigente. Eu fui secretária em Diadema por oito anos. Saí e a política permaneceu, porque nós instituímos uma política de Estado, e não uma política de governo. Política de segurança não se faz somente com polícia, se faz numa integração das diversas áreas, e isso não seria possível com uma única pessoa ou com uma única polícia. A política de segurança é feita com o Estado presente nas mais diversas ações.
FOTOS AUGUSTO COELHO
O acesso a dados da segurança pública é pre cário, não? Como exercer controle social?
Enquanto se está matando o jovem, negro da periferia, a própria imprensa não dá ênfase. Como é escondido, o crime fica entre esses números de ‘resistência’, ou ‘encontro de cadáver’, ou ‘morte a esclarecer’
Certa vez, alguém, na Baixada Fluminense, afirmou que ganha a eleição quem “mata mas faz”, em alusão à ligação de políticos com gru pos de extermínio...
Isso é um horror. As pessoas, para assumir um cargo público, deveriam ler a Constituição e, ao fazer isso, se ater ao fato de que o maior bem tutelado pela Constituição é a vida. E essa vida não é a vida deste ou daquele, é a vida do cidadão brasileiro. Colaborou Joana Moncau
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SAÚDE
PREVENÇÃO Em Betim, Tiago pratica Lian Gong numa UBS
Na sua cidade é assim? Quando a gestão pública prioriza programas preventivos de saúde, melhora a qualidade de vida e diminui a necessidade de despesas com construção e custeio de hospitais Por Cida de Oliveira 22
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oda semana, o aposentado Geraldo Cristino Assunção, 63 anos, mais conhecido como Tiago, junta-se a outros usuários de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no bairro Cruzeiro do Sul, em Betim (MG), para aprender técnicas de Lian Gong, ginástica chinesa famosa por proporcionar relaxamento e melhorar a concentração. “Aqui a gente trata doenças e aprende a manter a saúde”, diz. Tiago utiliza outros serviços es-
SAÚDE
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é o número de equipes do Programa Saúde da Família em Betim, mais as 26 de saúde bucal. O serviço alcança %
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RAFAEL MOTTA/NITRO
da população
pecializados oferecidos na cidade, como oftalmologia, onde controla o glaucoma descoberto há três meses. E faz parte da ampla maioria da população de Betim que tem no atendimento público o seu “convênio médico”. Para o aposentado, ainda há muito a ser melhorado, como o tempo de espera por consultas e exames de rotina, que demo-
ra de um a dois meses. Mas os avanços já são sentidos. Um deles é o controle social da saúde. Integrante do Conselho Municipal de Saúde, Tiago conta que depois de muito tempo o órgão finalmente passou a exercer sua função consultiva e deliberativa. Outro avanço é mais objetivo: a redução na taxa de mortalidade infantil. De 2009 para 2011, o número de óbitos de crianças com menos de 1 ano, para cada mil nascidas vivas, caiu de 13,8 para 10,2. A média brasileira é 15,6, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A queda resultou de diversas ações integradas a estratégias da saúde da família”, resume o fisioterapeuta Wendel Teodoro, coordenador do Serviço Municipal de Atenção Básica. Há três anos a cidade tinha 39 equipes do Programa Saúde da Família (PSF). Hoje são 66, mais as 26 equipes de saúde bucal. O serviço alcança 60% da população. A meta, segundo ele, é 100%. Os mais de 800 agentes comunitários de saúde, todos concursados e vinculados diretamente à administração pública, são apoiados por médicos e profissionais de enfermagem das 34 UBS e por psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, fonoaudiólogos e educadores físicos dos quatro Núcleos de Atenção à Saúde da Família (Nasf), como preconiza o Ministério da Saúde (MS). Esses agentes acompanham de perto idosos, crianças, gestantes, pessoas com doenças crônicas, como diabetes e pressão alta, e atuam na prevenção e no combate a problemas como a obesidade, especialmente na infância, para evitar as sérias complicações, como as cardíacas. A monitoração da saúde mental também tem a ajuda do PSF, que segue diretrizes de psiquiatras e psicólogos de UBS de referência. A ideia é administrar no âmbito do posto de saúde os casos menos complexos para não sobrecarregar os centros especializados, que devem estar desafogados para agir adequadamente nas situações mais críticas. O trabalho está articulado aos demais serviços de atendimento especializado de médias e altas complexidades em quatro Unidades de Atendimento Imediato (UAI) – que
funcionam nos moldes de Unidades de Pronto Atendimento (UPA) –, um centro de referência em reabilitação física com mais de 300 atendimentos diários, pronto-socorro em saúde bucal 24 horas, um hospital, que atende toda a região, e uma maternidade. Está prevista a construção de um novo hospital com recursos municipais e do Ministério da Saúde. Para reduzir a fila para cirurgias mais comuns, o município firmou convênio emergencial com unidades particulares, cujos procedimentos são autorizados e supervisionados pela Secretaria de Saúde. E, por meio do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Médio Paraopeba, a cidade aumentou o atendimento e cirurgias oftalmológicas.
Antecipar-se às emergências
Vencedora do prêmio InovaSUS, de valorização de boas práticas e inovação na gestão do trabalho na saúde, Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é uma das cidades brasileiras que priorizam a atenção básica para melhorar a saúde como um todo. Segundo especialistas, a prioridade é acertada porque, além de mais barato, esse nível de atendimento permite a educação em saúde para a prevenção e o tratamento e controle de 90% dos problemas mais comuns, como pressão alta, diabetes e distúrbios respiratórios. Se não forem combatidos no início, trarão complicações que vão sobrecarregar os serviços destinados a casos mais complexos, como infarto, acidentes graves e outras emergências. “Infelizmente muitos profissionais e gestores ainda não valorizam esses procedimentos aparentemente simples, mas capazes de promover grandes mudanças na saúde de toda a população”, aponta a médica Ana Maria Costa, presidenta do Centro Brasileiro de Pesquisa de Saúde (Cebes). Indicadores do quanto ainda é preciso avançar em atenção básica vêm do Ministério da Saúde. O Brasil tem 31 mil equipes de Saúde da Família, 234 mil agentes comunitários e 19 mil equipes de saúde bucal. No entanto, nos cerca de 5 mil municípios que oferecem o serviço, só metade da população é beneficiada. Além disso, um levantamento do REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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SAÚDE
MS mostra que, entre todos os prédios das UBS do país, 65% estão totalmente inadequados. “Base do atendimento à população, onde são aplicadas vacinas e feitas consultas, inclusive de pré-natal, esses espaços deveriam também ser mais bem-cuidados, mais bonitos”, avalia Aparecida Linhares Pimenta, vice-presidenta do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Ana Maria Costa ressalta que, de maneira complementar a esse atendimento básico, os municípios devem manter um conjunto de ações e de profissionais mais especializados. “Uma pessoa que es24
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FOTOS DANILO RAMOS/RBA
AQUI TEM UBS Jardim ABC, em Diadema: 75% das gestantes da cidade fazem mais de sete consultas de pré-natal, conforme recomenda a Organização Mundial da Saúde e 97% da população é coberta pelo Programa Saúde da Família
tá sendo monitorada pelo Saúde da Família e tem o diabete descompensado, por exemplo, necessita dos cuidados de um cardiologista, um endocrinologista e um oftalmologista, que vão acompanhar as complicações que agora deixaram de ser responsabilidade da atenção primária”, aponta a presidenta do Cebes. Para casos de doenças do coração, câncer, entre outros mais complexos, é necessária uma retaguarda de hospitais equipados para procedimentos mais sofisticados. E, mediando tudo isso, serviços de urgências e emergências, ou seja, que respondem pelo atendimento imediato. “O resultado de um exame pedido
pelo médico não pode demorar três meses para ficar pronto. A doença avança, a situação piora”, diz Ana Maria. “É o mesmo caso de uma pessoa que tem a pressão sanguínea descontrolada. Ela não pode esperar dois meses por uma consulta. Tem de ser no dia seguinte, ou no mesmo, de preferência.”
Médicos em falta
No entanto, a saúde de qualidade à qual a população tem direito depende da solução de problemas nem sempre fáceis de resolver. Um deles é a falta de médicos – mal comum em todos os municípios, inclusive naqueles que priorizam o setor
SAÚDE
–, que na maioria das vezes está por trás das longas filas para o atendimento. Em Diadema (SP), 97% da população é coberta pelo PSF, 75% das gestantes fazem mais de sete consultas de pré-natal, conforme recomenda a Organização Mundial da Saúde, e há programa reconhecido externamente pelo combate à tuberculose. Para isso o município reserva o dobro do percentual determinado por lei para investimento no setor. Um dos gargalos ali é justamente a falta de médicos. “A disputa por esses profissionais, pelas redes pública e particular, explica a dificuldade para contratá-los, especialmente para atender em postos de saúde e prontos-socorros das periferias das grandes cidades e de regiões longínquas”, explica Aparecida Pimenta, que é também gestora da saúde em Diadema. Segundo ela, em outros países com sistema universal como o brasileiro há três médicos para mil habitantes. No Brasil, a proporção é de 1,8. “Sem médicos na atenção básica, a população acaba sobrecarregando as UPA, onde eles também são insuficientes. Isso aumenta ainda mais o tempo de espera.” O problema é tão sério que o governo federal estuda medidas para atrair mais profissionais para o sistema público, como flexibilização das regras para a revalidação de diplomas de médicos formados em outros países e incentivos no custeio da graduação para aqueles que forem tra-
A DOENÇA AVANÇA, A SITUAÇÃO PIORA Ana Maria: “O resultado de um exame pedido pelo médico não pode demorar três meses para ficar pronto”
balhar no SUS depois de formados. Ana Maria, do Cebes, diz que muitos municípios, para conseguir contratar, oferecem altos salários e benefícios. “Isso leva à falta de vínculos permanentes, sem nenhuma vantagem para a população atendida.”
Financiamento
Os gestores da saúde convivem ainda com outro mal, crônico: o subfinanciamento do setor. Pela lei, os estados devem investir no mínimo 12%, e os municípios, pelo menos 15%. Já a União, conforme regulamentação recente, o montante aplicado no ano anterior mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB). Em percen-
tuais, isso equivale a 3,8% do PIB, muito aquém dos 10% pleiteados pelos movimentos em defesa da saúde pública. Tão insuficiente quanto o investimento federal é o estadual. No caso de Diadema, corresponde a 1% do que a cidade gasta para compra de medicamentos. “Os estados não aplicam os 12%. Em geral, cobrem as despesas da rede própria de hospitais e não investem em novas construções”, diz Aparecida. A superlotação de hospitais referência no tratamento de doenças complexas, como Hospital das Clínicas, Dante Pazzanese, Instituto do Coração e Hospital São Paulo, na capital paulista, evidencia a necessidade de novas unidades semelhantes em outras regiões carentes de atendimento. O financiamento insuficiente, como lembra Ana Maria Costa, é agravado por políticas equivocadas que dão votos, mas não compreendem a saúde como fator de desenvolvimento. Como diz, o cidadão deve refletir sobre os compromissos do seu candidato. “Se ele prometer pintar o centro de saúde, dar convênio privado aos servidores, criar fundação para modernizar a gestão de hospitais, na verdade ele nada entende das necessidades da saúde pública”, diz. “Se entendesse, defenderia a ampliação do acesso de todos a todos os serviços, mais profissionais para a área, maior participação popular na gestão do sistema e, principalmente, recursos financeiros.”
Controle social faz bem à saúde Propor, discutir, acompanhar, deliberar, avaliar e fiscalizar políticas e ações no setor são atribuições dos conselhos municipais, estaduais e nacional de saúde. Sua composição deve respeitar a proporção de 50% de representantes dos usuários do sistema, 25% de trabalhadores de saúde e 25% de gestores e prestadores de serviços privados conveniados. Caso contrário, estados e municípios não poderão
receber repasses do Ministério da Saúde, conforme determina o Tribunal de Contas da União. “Os conselhos são importantes porque integram gestores, usuários e trabalhadores no planejamento e gestão da saúde pública”, diz o conselheiro nacional Abrahão Nunes da Silva, integrante da Central de Movimentos Populares e representante dos usuários no Conselho Nacional de Saúde (CNS). “Isso é excelente, mas
os conselheiros não estão preparados como deveriam e são pressionados por gestores, planos de saúde e outros setores, deixando de cumprir seu papel de defender o interesse dos usuários, em especial os mais pobres.” Além do pleno exercício de suas atribuições, os conselheiros lutam por mais recursos para a saúde. Junto com outros segmentos em defesa do setor, os conselhos estão envolvidos numa campanha nacional
de coleta de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que obriga a União a investir 10% do PIB no Sistema Único de Saúde. O percentual era fixado pela lei complementar 141, mas foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff. Existem hoje no país 5.565 conselhos municipais, 26 estaduais, um do Distrito Federal e 36 distritais de saúde indígena – ou seja, um para cada município e outro para cada unidade federativa. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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EDUCAÇÃO
Para andar mais rápido A educação tem alcançado avanços, mas ainda faltam recursos, gestão e controle social para acelerar a qualidade e corrigir a defasagem. Governo federal e estados têm de ser cobrados. E sua cidade também Por Cida de Oliveira
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ogo que souberam que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de Aquidabã (SE) colocava a cidade na quarta pior colocação em todo o país, as equipes escolares e gestores se mobilizaram. “Entre as medidas, o acompanhamento individual dos alunos em sala de aula, a valorização do papel do professor e o convite à participação da comunidade”, lembra Maria de Salete Silva, coordenadora de programas de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Isso foi em 2006, quando o Ministério da Educação 26
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(MEC) divulgou as médias da avaliação realizada um ano antes. A cidade obteve 1,0. Em 2007, o rendimento das escolas mantidas pela prefeitura da cidadezinha localizada a 98 quilômetros de Aracaju subiu para 3,0 e em 2009, para 3,3. A nota 3,5 obtida em 2011, divulgada agora em agosto, estava prevista para ser alcançada em 2019. O professor Joselito Alves dos Santos, secretário de Educação de Aquidabã, entende que a melhora dos índices a cada ano aponta o acerto nas medidas tomadas. “Com o resultado da avaliação percebemos também que havia grande dis-
tância entre professores, pais e técnicos da rede. Estabelecemos calendário de reuniões, inclusive com os pais, nas quais pudemos ouvir reclamações, sugestões e discutir ações”, conta. Para melhorar o trabalho pedagógico, técnicos e professores priorizaram os programas da secretaria estadual e do MEC de formação continuada para professores, a serem implementados, e intensificaram aulas de reforço também para reduzir a defasagem dos alunos em relação à idade e série. “O trabalho, que não é fácil, continua sendo feito e a perspectiva é sua ampliação, para continuarmos melhorando”, diz o gestor.
EDUCAÇÃO
mais de 4 mil que fizeram o último Ideb, 34 são de lá. O destaque vem desde 2005, quando a cidade obteve 4,0, e se supera a cada prova. Os resultados, porém, nem sempre foram positivos. O secretário municipal de ensino, professor Júlio César da Costa Alexandre, conta que em 2000 um diagnóstico mostrou que 48% das crianças da antiga 4ª série não sabiam ler. “Era preciso urgência na reformulação da rede. Aqui não concordamos com o discurso de que criança pobre ou filho de trabalhador não consegue aprender”, diz. Os professores passaram a ser capacitados de forma contínua, não faltaram substitutos e a gestão escolar foi fortalecida. Diretores e supervisores começaram a ser contratados em processos criteriosos, e não mais por meio de indicações políticas. Hoje 30% das crianças frequentam escolas com jornada ampliada e, entre todas aquelas com 7 anos, 97% estão alfabetizadas. Como garante o gestor, a cidade continua aplicando os mesmos 26% da arrecadação que sempre investiu.
LINEU KOHATSU/OLHAR IMAGEM
Tirar o atraso
8 anos
é a idade de a criança já saber ler e escrever um bilhete e fazer contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir
Maria de Salete, do Unicef, conhece de perto a realidade da educação brasileira. Entre 2006 e 2008, a pedagoga percorreu todo o país para ouvir a opinião das comunidades sobre o que pode ser feito para assegurar a toda criança o direito de aprender. Os relatos foram compilados em livros. Caminhos do Direito de Aprender, o mais recente, publicado em 2010, reúne boas práticas de 26 municípios que vêm aos poucos melhorando a
qualidade do serviço que oferecem. De suas andanças, ela guarda lembranças de muitas outras cidades que se empenharam nesse objetivo. Entre elas Sobral, no Ceará. O município obteve média 7,3 no Ideb 2011, bem acima da média nacional de 5,0, e deixou para trás cidades ricas como São Paulo, que obteve 4,8; Barueri (SP), com 5,9; e São Caetano, no ABC Paulista, com 6,4. Da lista das 100 melhores escolas entre as
Histórias como essas, na avaliação de Maria de Salete, são exemplos de avanços na educação brasileira. Mas o país não melhora com a velocidade que deveria. “Do jeito que vai, não vamos conseguir resolver o problema de quem está em desvantagem, que está ficando para trás”, diz. “Pouco adianta discutirmos ensino médio quando 40% dos jovens de 15 a 17 anos – e estou falando de 1,5 milhão de estudantes – estão retidos no ensino fundamental, sérios candidatos à evasão”, alerta a especialista do Unicef. Para acelerar, ela acredita que é preciso começar pela solução de problemas básicos que impedem o exercício do direito de aprender: colocar na escola todas as crianças e adolescentes, sem deixar nenhuma de fora, e oferecer condições dignas para a aprendizagem. Como ela conta, existem 15 mil escolas sem água nem banheiro no semiárido, região que inclui todos os estados nordestinos mais o norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. “Como a sexta economia do mundo ainda permite que os alunos passem quatro REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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EDUCAÇÃO
PARA COPIAR Relatos de municípios que vêm melhorando a qualidade do serviço que oferecem. Disponível em www.unicef.org/ brazil/pt/ br_caminhos_ livro.pdf
horas sem ter água para beber ou lugar para fazer xixi?”, questiona. Em julho, o governo federal assinou termo de compromisso para levar abastecimento a esses estabelecimentos. Para especialistas, entretanto, muitas outras ações são necessárias para que a escola cumpra seu papel de ensinar e garantir que os alunos aprendam. Um ponto de partida é a participação dos pais na vida escolar dos filhos. “Toda criança, aos 8 anos de idade, deve saber ler e escrever um bilhete e fazer contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir”, afirma Cleuza Repulho, presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretária de Educação em São Bernardo do Campo. “Se aos 10 anos não sabe nada disso é porque a escola não cumpriu sua obrigação. Os pais têm de ir lá reclamar, porque o Brasil tem de garantir que todas as crianças aprendam, incluindo aquelas com dificuldade de aprendizagem, que são minoria.” E a escola, na sua concepção, precisa ser um espaço instigante para a criança, agradável, bem equipada, segura para o trabalho de professores bem formados e oferecer boa merenda.
5% é muito; 10% é pouco
Outra ação que deve ser cobrada pela sociedade – e garantida por estados e municípios – é a ampliação do acesso a todas as etapas. O Brasil se orgulha de ter colocado 95% das crianças no ensino fundamental. Pelo tamanho da população brasileira, porém, os 5% que faltam representam muita gente. Grande parcela de excluídos é de negros e de comunidades quilombolas, que nem sempre têm escola perto de casa ou transporte escolar, uma obrigação das prefeituras, 28
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que contam com ajuda do MEC para isso. Há ainda grande demanda reprimida por creches. Dever exclusivo dos gestores municipais, a oferta é um dos grandes desafios. Segundo o Anuário das Mulheres Brasileiras 2011, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2009 apenas 18% das crianças até 3 anos tinham vagas em creches e 74,8% na pré-escola. Uma das metas do último Plano Nacional de Educação é a construção de mais de 6 mil
creches até 2014, mas até agora nem 500 estão funcionando, de acordo com a organização Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A falta de oferta é explicada, em parte, porque apenas em 1996, com a entrada em vigor da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), essa etapa foi incluída no rol das políticas educacionais. Antes, era serviço assistencial com o único objetivo de cuidar da criança enquanto a mãe trabalhava fora. Só que a LDB não previa financiamento para o ensino infantil nem para a Educa-
De quem cobrar A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, determina que os municípios garantam o ensino infantil (creches e pré-escolas) e, com prioridade, o ensino fundamental (1º ao 9° ano). Por isso, a falta de vagas e outros problemas nesse segmento devem ser reclamados na Secretaria de Educação da sua prefeitura. Aos estados cabe assegurar também o ensino fundamental, e priorizar o ensino médio. Na prática, estados e prefeituras compartilham o antigo pri-
meiro grau e o colegial é competência estadual. Queixas a essas séries devem ser levadas às Delegacias Estaduais de Ensino. Os estados, aliás, devem responder pelo desempenho sofrível do ensino médio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Segundo o Ministério da Educação, as médias de 2011, comparadas com as de 2009, caíram em nove estados e em cinco, apesar de não caírem, elas ficaram abaixo da meta estabelecida para o ano.
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SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE AQUIDABÃ
do PIB permitiria oferecer educação digna, remunerar decentemente os professores e construir boas escolas
FOTOS LUIZ QUEIROZ/ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO/PREFEITURA DE SOBRAL
EDUCAÇÃO
PARTICIPAÇÃO Em Aquidabã (SE), famílias integradas aos rumos da escola
ção de Jovens e Adultos (EJA), ainda essencial. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha, em 2009, 58 milhões de pessoas com mais de 18 anos fora da escola e sem o ensino fundamental completo. “Só com os debates para a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que reúne recursos municipais, estaduais e da União para financiar a educação pública) é que se abriu a possibilidade de ampliar o atendimento infantil, ainda insuficiente”, explica Deni-
EXEMPLO Sobral, no Ceará, teve média 7,3 no Ideb 2011, bem acima da média nacional, (5,0) e deixou para trás cidades ricas como São Paulo, com 4,8; e São Caetano, com 6,4
se Carreira, coordenadora da ONG Ação Educativa. Segundo ela, só mais recentemente, com o programa Proinfância, que entre outras ações repassa recursos para a construção de creches, é que o governo federal passou a dar atenção ao segmento. Além de vagas, faltam estrutura adequada e professores preparados. Embora muitas prefeituras tenham encontrado caminhos para começar a revolucionar a educação mesmo sem ampliar os recursos, militantes da área entendem ser praticamente impossível melhorar a qualidade com o atual padrão de financiamento. “Em muitas cidades pobres, com pequena arrecadação, nem a complementação do Fundeb é suficiente para igualar o investimento ao de localidades mais ricas. E o direito das crianças brasileiras é igual, independentemente de estarem em municípios pobres ou não”, aponta Cleuza Repulho. Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara defende o aumento da fatia da União no financiamento para o setor. Segundo ele, 10% do valor do Produto Interno Bruto (PIB) permitiria oferecer educação digna, remunerar decentemente os professores e construir boas escolas. “O percentual não é uma bandeira política, é fruto de muitas contas”, afirma. Em agosto, para decepção de gestores e movimentos sociais, o governo federal entrou com recurso questionando a decisão da
comissão especial criada na Câmara para analisar o ponto da proposta de Plano Nacional de Educação que fixa o percentual de 10% do PIB. Com isso, a tramitação e a definição das metas podem ser atrasadas. A notícia é péssima porque a proposta de plano reúne muitos pontos que, ao começarem a ser implementados, podem trazer avanços à educação pública. Um deles é prever a aprovação de lei de responsabilidade educacional que pretende aumentar e aprimorar o controle social sobre o financiamento. “A gestão dos recursos, fundamental para melhorar a qualidade do ensino, é um dos gargalos nos municípios”, aponta Cleuza Repulho, da Undime. “Nem todos os gestores dos recursos são da área. Muitas vezes é o secretário de Finanças, que acaba tirando do ensino e colocando em outros setores.” Outro ponto positivo é determinar a participação popular nas discussões para elaboração dos planos municipais de educação, documentos importantes que estabelecem metas de médio e longo prazo e garantem a continuidade dos projetos e políticas independentemente do partido que venha a ocupar a prefeitura. Além disso, orientam o planejamento das ações que os cidadãos priorizam. Assim, esses planos devem contemplar os desafios de determinados contextos, as desigualdades e as potencialidades locais. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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CULTURA
Se chover, não tem espetáculo A lógica dos grandes eventos e do mercado da arte ainda move as políticas municipais de cultura. Mas muitos grupos apostam no poder transformador social da arte em sua comunidade. Feliz a cidade que os descobre e os apoia Por Gisele Brito e Guilherme Bryan 30
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potencial artístico brasileiro é rico e diversificado, mas as minguadas políticas públicas para o setor, salvo exceções movidas a uma visão que reduz a “indústria” cultural à promoção de grandes espetáculos e eventos, demonstram que essa riqueza ainda é subestimada. Em todo o país, iniciativas à margem do financiamento público e do patrocínio privado têm sua potencialidade reduzida. Artistas e produtores excluídos desse “mercado” são, também salvo raras exceções, condenados a ter sua obra ou atividade não difundida, relegada à eterna condição de sonho ou anonimato. Além da insuficiência da oferta de recursos, a lógica de consumo é por si só um atentado ao entendimento da cultura como ferramenta de expressão da identidade de uma comunidade.
FOTOS DANILO RAMOS/RBA
CULTURA
TEATRO DE RESISTÊNCIA Encenação de Hospital da Gente, do grupo Clariô, de Taboão da Serra: ocupando espaços que o poder público não preenche
Em São Paulo, por exemplo, a maior parte do orçamento destinado à programação da prefeitura é consumida em um único evento, a Virada Cultural. “Não é que a gente não goste da Virada. Mas é a única ocasião em que o metrô fica aberto a noite toda e todo o aparato estatal se mobiliza para um dia de diversão”, pondera Lucas Pretti, um dos organizadores do Baixo Centro, coletivo autofinanciado criado em 2011, com atuação predominante na região central. Tampouco há uma política que fomente teatro, dança, música e outras coisas pelos bairros. Com o mote “as ruas são para dançar”, o Baixo Centro se formou pelo fato de seus criadores enxergarem a cultura tratada como “exceção” na cidade. “No dia seguinte à Virada, acabou. É impensável que uma das maiores metrópoles do mundo tenha isso como principal.” Para Pretti, um exemplo alternativo a essa lógica é a Lei de Fomento ao Teatro de São Paulo, de 2003. Graças a ela, diversos grupos e espaços de encenação ganharam força. A lei surgiu a partir de uma crítica ao modelo dominante de financiamento por meio de incentivos fiscais, que, na prática, transfere à iniciativa privada a responsabilidade de gerir a produção teatral. Com ela, o dinheiro público é repassado diretamente aos produtores, embora o ativista já observe sinais de insuficiência: “Quinhentos grupos se inscrevem, mas só 16 ganham. Quer dizer, tem outros gargalos”. Luiz Carlos Moreira, autor da lei e diretor do grupo Engenho Teatral, acredita que, apesar da sua importância histórica, ela não passa de uma experiência. “A
mentalidade predominante entre os burocratas na gestão do Estado é mercantil. Estamos falando de política pública. A política de saúde é para gerar emprego para médico e enfermeira? Não. Então por que a política de cultura tem de ser para gerar emprego para ator? Política pública é outra coisa.” Moreira aposta em brechas para conseguir concessões. “Arrancamos uma migalha da prefeitura para buscar uma forma de produção teatral mais democrática que a mercantil”, acrescenta.
Persistência premiada
Em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o grupo Clariô de Teatro não tem acesso nem a “essas migalhas”. A trupe foi formada em 2002 graças ao que chama de “sopro”, com a promoção de apresentações teatrais e de oficinas nas escolas da cidade. Tornou-se referência produzindo seu “teatro de resistência” e abrindo espaço para outras manifestações culturais, lacuna não preenchida pela prefeitura – Taboão não tem leis de incentivo nem espaços de apresentação. “Não tem um teatro, uma casa de cultura”, lamenta a atriz Martinha Soares. O grupo se apresenta em um bairro residencial e pobre e faz vaquinha para pagar o aluguel da casa. Os artistas mantêm outros trabalhos para garantir seu sustento. Na primeira temporada de Hospital da Gente, montagem premiada duas vezes pela Cooperativa Paulista de Teatro, o cartaz avisava: “Se chover não haverá espetáculo”. Além do risco de enchente, metade da peça era encenada ao relento. A situação só mudou recentemente, depois da reforma do espaço, também bancada pelo próprio Clariô. “Se o teatro fosse em São Paulo, do outro lado da rua, teríamos direito ao fomento. Estamos aqui (em Taboão) porque somos daqui. Fazemos isso pela cidade”, afirma a atriz Naloana Lima. O Clariô também não acredita em chances de receber incentivo privado, já que adota uma postura crítica, feita na periferia para a periferia. Atualmente, um incentivo federal patrocina dois eventos, um com o repertório do grupo e a 4ª Mostra Teatro do Gueto, programada para este ano. Duas edições anteriores foram bancadas pela própria trupe. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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FOTOS LUCAS PRETTI/BAIXO CENTRO
CULTURA
“NO DIA SEGUINTE À VIRADA, ACABOU” Baixo Centro: a cultura é encarada como “exceção” na cidade, onde prevalece a visão mercantil
Cultura no ponto
Felipe Altenfelder, da Rede Fora do Eixo, concorda que a situação no país é precária. “Não se compreende a cultura como área estratégica e vital para o município. As principais ações estão ligadas a eventos como shows e festas, importantes, mas insuficientes”, afirma. A Rede Fora do Eixo foi criada em 2005 para incentivar uma cena independente de música, além do eixo Rio-São Paulo, que sempre concentrou investimentos da iniciativa privada. Reúne quase 2 mil produtores de diversas manifestações culturais. Pablo Ortellado, coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), também considera tímidas as políticas municipais para resgatar a diversidade cultural brasileira. “É preciso melhorar a atuação do Estado, com ações sistemáticas e amplas, ao contrário das ações pontuais e esparsas”, avalia. O professor vê no Cultura Viva uma iniciativa relevante. Desde 2004 o programa federal vem apoiando o reconhecimento de Pontos de Cultura, priorizando a celebração de convênios com estados e municípios por meio de “chamada pública”. Isto é, para uma determinada atividade 32
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ser reconhecida e receber recursos, precisa preencher requisitos, especificados em editais do Ministério da Cultura (MinC), comprovando a promoção de ações de arte, educação, cidadania e economia solidária. Ortellado considera essa política ambiciosa e importante, mas pondera. “Houve problemas de implementação, sobretudo no que diz respeito à prestação de contas. Precisa se municipalizar mais, já que as ações fomentadas pelo Cultura Viva podem ser detectadas mais facilmente pelo nível local de governo”, defende. Altenfelder concorda: “Ponto de Cultura é ‘status social’ que todo e qualquer grupo cultural que se relacione com seu território pode reivindicar e utilizar para se conectar com mais empreendimentos, estimular redes e se organizar na perspectiva de um movimento social das culturas”. É o que acontece com a Escola de Dança e Integração Social para Crianças e Adolescentes (Edisca), que surgiu em 1991, fruto do trabalho da coreógrafa Dora Andrade, incomodada com a exposição dos menores a situações de risco e sem acesso a saúde e educação, em Fortaleza. A escola atende 200 meninos e meninas da periferia da capital cearense. No aterro sanitário de Jangurussu, eles se reúnem diariamente para as aulas comple-
mentares à escola formal, de dança, matemática e língua portuguesa, além de participar de ações de incentivo à leitura, escrita e pesquisa. O projeto oferece ainda atendimento médico. “Tivemos e temos a felicidade de assistir a pequenas revoluções na vida dos jovens que por aqui passaram. Cerca de 50 ex-alunos conseguiram ingressar na universidade pública, verdadeira quebra de paradigma quando comparamos com o nível de escolaridade de seus pais, que têm, em média, seis anos de estudo”, comemora Andréa de Souza Soares, responsável pela elaboração de projetos e relatórios da Edisca, premiada por organismos internacionais como Unesco e Unicef. “Há ex-alunos atuando como empreendedores sociais. Alguns criaram o próprio grupo de dança, veiculando trabalhos autorais além de nosso estado. Outros atuam na gestão de projetos sociais e equipamentos culturais. Essas pequenas revoluções fazem grande diferença em função do poder multiplicador alcançado pelo exemplo e pela ação desses jovens.” O Imagens Faladas, em Porto Alegre, é um dos cerca de 30 Pontos de Cultura existentes atualmente na capital gaúcha. Os fotógrafos Eduardo Seidl e Leandro Anton realizavam, desde 2008, oficinas para o público adolescente e pré-adolescente, na região do Cristal. “Era uma área rural até sofrer toda sorte de ocupações nas décadas de 1950-60. São comunidades que passaram por um longo processo de desrespeitos, desatenções e remoções”, diz Eduardo. “Essa população precisava ter consciência do seu mapa, da sua cara
CULTURA
FOTOS MILA PETRILLO
CORPO E MENTE A Edisca atende 200 crianças da periferia de Fortaleza com aulas complementares à escola formal, de dança, matemática e língua portuguesa
e identidade. E a fotografia foi apresentada como ferramenta para isso”, relata. Para ele, o principal resultado do projeto, que participou de um edital lançado em 2009 pela Fundação Nacional das Artes (Funarte) e hoje atua dentro do Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, foi fazer crianças se tornarem “repórteres fotográficos populares”, protagonistas descobrindo as próprias histórias. “Quando a gurizada olhava essas fotografias nos negativos, em papel ou publicadas no blog (projetoimagensfaladas.wordpress.com) durante o projeto, percebíamos que eles podiam ser responsáveis pela documentação jornalística e antropológica da história da própria comunidade.”
Eduardo sente falta de mais editais de incentivo por parte da Funarte e do Ministério da Cultura, uma vez que dificilmente os Pontos de Cultura conseguem se emancipar do financiamento público. “O governo do Rio Grande do Sul está lançando editais, ainda em prospecção, mas, no âmbito municipal, me parece que as iniciativas culturais são muito reduzidas a um público artístico”, avalia. A Funarte atua no sentido de ampliar e descentralizar o acesso aos programas com financiamento público, lançando editais voltados para diversos segmentos, com inscrições abertas em todo o território nacional. Um exemplo é o programa em andamento Mais Cultura – MicroproLaboratório de ampliação
EDUARDO SEIDL
LEANDRO ANTON
Casa de Manoel, no Cristal, em Porto Alegre: com câmera feita de caixa de fósforos
jetos Rio São Francisco, que conta com investimento de R$ 16 milhões, vindos do Fundo Nacional de Cultura do MinC, que contemplou 1.050 projetos artísticos e culturais de baixo orçamento em 500 municípios de seis estados. Uma das condições para um empreendimento ser atendido pelo Mais Cultura é oferecer, por meio de atividades culturais, potencial de geração de renda para a mão de obra local. Para Luiz Carlos Moreira, as reivindicações dentro do sistema que vê a cultura como mercadoria fazem parte de um processo legítimo, porém insuficiente para garantir mudanças. “Só vamos poder falar em política pública, que atenda aos interesses da sociedade, quando tivermos uma nova sociedade. O que a gente faz é levar esse dilema e essa contradição para dentro do Estado. Eles não dizem que a cultura é um direito, eles não prometem? Que o poder público é neutro? Então, queremos cultura. E cobramos. Chega uma hora, eles são obrigados a ceder. E daí cobramos mais.”
REVELAÇÕES O Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo transformou os jovens em repórteres fotográficos da comunidade, discutindo a linguagem e ensinando as técnicas da foto pré-era digital REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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COMPORTAMENTO
Fé
e consciência
Evangélicos recusam rótulo de curral eleitoral e avisam a candidatos que é preciso muito mais do que ser “irmão” para ganhar o voto Por Marcelo Santos 34
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E
vangélica e nordestina, como se apresenta, Franqueline Terto dos Santos, de 31 anos, garante: na hora de votar, faz o que manda sua consciência, não os pastores ou lideranças de sua igreja, a Batista do Pinheiro, em Maceió. Ela lembra que em 2010, a poucos dias das eleições, o líder máximo de sua igreja no Brasil, o pastor Paschoal Piragine Junior, tentou desancar os candidatos da esquerda por meio de um vídeo que se
tornou viral na internet. No episódio, Piragine Junior orientava os crentes a não votar em candidatos do PT, classificava posições do então governo federal sobre aborto e homoafetividade como “iniquidade institucionalizada” e dizia que, caso os cristãos não se posicionassem nas urnas, “Deus iria julgar a Terra”. Franqueline, ativista de movimentos sociais como o MST em Alagoas, não entrou na do pastor. E diz conhecer muitos evangélicos como ela que tam-
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nal, composta por 70 deputados federais e três senadores, cresceu 50% em relação à legislatura anterior. “Desde a redemocratização, as lideranças passaram a trabalhar junto aos fiéis para que essa ‘tradução’ ocorresse. As elites evangélicas agiram no sentido de conquistar eleitores dentro de suas igrejas”, observa o cientista político Tiago Daher Padovezi Borges, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo Borges, embora os evangélicos não se alinhem com uma visão comum de economia ou política, as lideranças conseguem mobilizar eleitores por meio de visitas às igrejas e da influência dos pastores. “A relação entre pastor e fiel existe, mas não é imediata. Os fiéis não votam de uma maneira cega com o pastor”, acredita. Ainda assim, a atuação parlamentar dos evangélicos tem sido contestada. Dados organizados pela ONG Transparência Brasil revelam que 32 deputados federais da Frente Parlamentar Evangélica, ou seja, quase metade, sofrem processos de sonegação fiscal, formação de quadrilha, peculato, corrupção eleitoral, improbidade administrativa e rejeição das contas de campanha. Nesse caso, justiça seja feita, o percentual é elevado, mas ainda abaixo da média do Congresso, onde 63% dos parlamentares estão em litígio com os Tribunais Regionais Eleitorais.
Elienai já vivenciou a estranha relação entre igrejas e parlamentares. Na década de 1990 trabalhou no escritório do deputado distrital Peniel Pacheco (PDT-DF). Evangélico e próximo às lideranças de diversas igrejas, o político era constantemente procurado para as mais diversas solicitações. “Pediam cópias de cartazes para eventos, camisetas, lotes de terreno e até pão e salsicha para as festas das igrejas. Sempre dizíamos que o gabinete não dispunha de verbas para esses fins, o que contrariava bastante pastores e líderes”, conta. Numa dessas ocasiões um pastor de uma grande igreja de Taguatinga, cidade-satélite de Brasília, procurou o gabinete em busca de passagens aéreas para um congresso religioso. Como não conseguiu, conforme lembra Elienai, o líder se indignou e foi atrás de outros deputados distritais. “Pouco tempo depois ele passou novamente exibindo os talões e disparando ameaças, tais como ‘o deputado não quer mais ser eleito, é isso?’” Para o pastor da Igreja Betesda, trata-se de um “mau exemplo” em que os próprios evangélicos atuam para corromper os políticos. “Muitos pastores não têm uma visão política decente. Para eles o parlamentar é um despachante avançado da instituição.”
bém ignoraram os arroubos partidários do líder religioso. O resultado eleitoral todos sabem. Mas o voto dos fiéis é cada vez mais alvo da sanha política. Principalmente após recente divulgação do Censo 2010: eles já somam 22% da população no país, um expressivo contingente de 42 milhões de pessoas. Os números podem ser medidos por meio do crescimento da participação na política partidária. A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacio-
Na opinião de Elienai Cabral Junior, liderança da igreja evangélica Betesda e pastor na zona leste de São Paulo, o pastoreio não combina com política partidária, já que instrumentaliza um valor que não é inerente a outras forças políticas. “O líder religioso possui uma aura mística que lhe é dada pela comunidade. Sua palavra tem um peso revestido de sacralidade. Se ele a usa para outros fins que não o sacerdócio, corrompe sua vocação, que é desinteressada. O sacerdócio tem de ser um exercício desprovido de qualquer troca”, sustenta.
FERNANDA SALVIANO
VOCAÇÃO CORROMPIDA Elienai: “Muitos pastores não têm uma visão política decente. Para eles o parlamentar é um despachante avançado da instituição
GERARDO LAZZARI/RBA
Relação perigosa
FORMAÇÃO E INFORMAÇÃO Levi: debate políticoeleitoral questionou a máxima “irmão vota em irmão” REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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COMPORTAMENTO
Filho de metalúrgico e nascido em Santo André, o pastor Levi Correa de Araújo sente falta da época em que sua antiga igreja organizava debates com políticos e gestores públicos no ABC Paulista. “Foi uma extraordinária experiência pedagógica, de formação e informação sobre política, política partidária e políticas públicas.” Era 2002 e Levi, então envolvido na organização das Conferências de Direitos Humanos de Santo André, atuava na Primeira Igreja Batista da cidade. O que começou como um protesto contra o antigo vício de uso do ambiente religioso como curral eleitoral, questionando a máxima “irmão vota em irmão”, transformou-se em espaço em que representan-
tes do poder público prestavam esclarecimentos dentro da nave da igreja. Com a proximidade das eleições, Levi teve a ideia de convidar candidatos ao governo estadual e os presidenciáveis. O então candidato Luiz Inácio Lula da Silva esteve por lá, acompanhado à época pelo senador norte-americano e ativista pelos direitos humanos Jesse Jackson e por intelectuais como o teólogo Leonardo Boff. A organização de debates e outras atividades de reflexão continuou por mais um ano, quando Levi, por motivos pessoais, deixou o pastoreio daquela igreja. Em 2003, ele levou famílias de militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto para uma refeição no templo. Depois, na madrugada, seguiram em di-
APOIO AOS SEM-TETO Hélio e a ocupação na Vila Ferrazópolis em 2003: “Fazíamos cultos todos os dias, participando inclusive das assembleias”
ARQUIVO PESSOAL
Debates no templo
ARQUIVO PESSOAL
PENSAMENTO LIVRE A alagoana Franqueline: na hora de votar faz o que manda sua consciência, e não o que o pastor orienta
‘Cabra marcado’ lia a Bíblia e também jornais
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O líder camponês foi morto numa emboscada a caminho de sua casa. Antes, já havia sofrido diversas ameaças de morte por latifundiários. Na ocasião, o movimento dos trabalhadores de Sapé já contava com 10 mil associados. “Foi alguém que entregou a vida pela convicção de que lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela reforma agrária era cumprir sua vocação cristã e evangélica sem se acovardar”, define o antropólogo Flávio Conrado, pesquisador associado do Instituto de Estudos da Religião, do Rio de Janeiro.
João e a família
REPRODUÇÃO
Um dos principais líderes camponeses do país, João Pedro Teixeira, fundador da Liga Campesina de Sapé, na Paraíba, foi assassinado no dia 2 de abril de 1962. Sua história de luta pela reforma agrária ficou conhecida dentro e fora do país por meio do documentário Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho. João Pedro Teixeira começou sua luta sindical nos anos 1950, quando se converteu ao protestantismo na Igreja Presbiteriana. Lia a Bíblia e também os jornais, e não se conformava com o flagelo da população do campo.
JUCA VARELLA/FOLHAPRESS/2003
COMPORTAMENTO
reção a um terreno que estava sob controle da empresa Volkswagen, na Vila Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo. Junto dele estava o militante, professor universitário e pastor presbiteriano Hélio Sales Rios. “Ocupamos aquela área e fazíamos cultos todos os dias, participando inclusive das assembleias”, relembra. Em pouco tempo Hélio, que também é diretor no Sindicato dos Professores do ABC, foi “despojado administrativamente”, eufemismo para exclusão do ofício pastoral. “Disseram-me que a igreja não concordava com minha atuação junto aos movimentos sociais.” Um preconceito que nunca abalou a fé do pastor. “Minha opção pela esquerda, pelo socialismo e pela revolução veio da consciência cristã e bíblica. Foi a minha espiritualidade que me levou para os movimentos sociais.” Hélio lamenta que muitos evangélicos estejam “alienados” diante dos acontecimentos. “Assim como toda a sociedade, os crentes também ‘bebem’ as informações vindas de Veja, Globo, SBT, Bandeirantes, Estadão, e por aí vai. Tenho certeza que quando um cristão conhece a luta dos movimentos sociais e dos trabalhadores não tem como ficar indiferente.”
Bancada heterodoxa A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) é conhecida por obstruir o debate de temas como a descriminalização do aborto e das drogas, a educação religiosa nas escolas públicas e a criminalização da homofobia. Esses parlamentares também monitoram o que consideram “perigos” iminentes a suas igrejas, como a intenção declarada do governo de vetar o arrendamento de horários na TV aberta. Formada por membros de diversas igrejas e partidos, a bancada corresponde a pouco menos de 14% dos deputados federais e de 4% do número de senadores – em que pese sua representação na sociedade ter chegado, segundo o IBGE,
a 22% da população. De acordo com Eduardo Lopes Cabral Maia, doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e professor na Universidade Federal de Santa Maria (RS), é difícil medir o quanto a atuação religiosa no Congresso reforça ou fragiliza o amadurecimento da democracia. Para Maia, o barulho das bancadas religiosas em temas polêmicos é maior do que seu tamanho efetivo permitiria. “Os evangélicos não têm capacidade de determinar os processos políticos. Dependem da mobilização de outras forças, como os próprios católicos”, explica. Em sua tese de doutorado, o professor mapeou 944 pro-
Visão ampliada Proposições dos parlamentares evangélicos durante a legislatura 2007-2010 no Congresso 66,7% área social 10,4%
economia
7,5%
direitos do consumidor
3,9%
interesses religiosos
posições dos parlamentares evangélicos durante a legislatura 2007-2010. Separou as ações por temas e concluiu que apenas 3,9% correspondiam exclusivamente aos
interesses religiosos. A maior parte dos esforços foi para a área social (66,7%), econômica (10,4%) e de direito do consumidor (7,5%). Seu interesse nos evangélicos surgiu quando ainda era estudante da Universidade de Brasília (UnB), em 1998, e assistiu ao duelo entre Cristovam Buarque e Joaquim Roriz pelo governo do Distrito Federal. “Roriz atacava Buarque, classificando-o como um comunista ateu. Mais tarde obteve o apoio do candidato evangélico Benedito Domingos. O peso político religioso foi determinante para a vitória de Roriz”, relembra. “Aquilo aguçou em mim o desejo de observar a força política dos evangélicos.”
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ESPORTE
O tatame
do mundo é ali Ela neutralizou cinco adversários e foi parar no topo, em Londres. Agora, enquanto treina para o Mundial, Sarah Menezes faz planos para as crianças de sua terra. Ela quer Teresina capital nacional do judô Por Mayara Bastos
O Sarah também conta com o apoio do BolsaAtleta, do Ministério do Esporte, desde 2004. Começou na categoria Nacional do programa e em 2009 entrou para a categoria Olímpica 38
movimento não para na casa 10 do conjunto Bela Vista, bairro de classe média da zona sul de Teresina. As pessoas querem se aproximar um pouco da campeã, até então só conhecida de alguns piauienses e mídia especializada. A própria Sarah Menezes recebe os jornalistas, atenciosa, com seu jeito simples e sereno. Na sala principal de sua casa, tenta prever como será sua vida daqui para a frente, após a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, em Londres. “Essa medalha muda tudo. Mas vou continuar treinando para me classificar novamente para a Olimpíada, me manter bem ranqueada e conquistar mais uma em 2016”, resume. A declaração representa uma projeção para melhores dias nas finanças e no reconhecimento como atleta. E vem com a mesma convicção mostrada nas cinco lutas que a levaram ao topo do pódio olímpico na categoria 48 kg. O segredo do triunfo: “Treinar golpes, todo mundo treina. Mas o que faz a diferença é a cabeça”, ensina. Aos 22 anos, a piauiense interrompeu ainda um jejum de 20 anos sem ouros do país no tatame – Rogério Sampaio foi o último, em 1992. Sarah Menezes foi a primeira medalha de ouro nos Jogos de 2012 e a primeira judoca brasileira a recebê-la. Estratégia e convicção a garota exibe desde quando começou a praticar o esporte, aos 9 anos, a contragosto dos pais, que o achavam masculino demais. Às propostas para treinar fora de Teresina, onde nasceu, ela sempre disse não, obrigada. “Há 12 anos ela se dedica ao judô. O treinamento foi sempre em Teresina, nunca precisou sair daqui para ganhar título. Ela provou isso para o mundo inteiro. A Sarah não teve infância, foi tudo
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dedicado ao judô”, diz dona Olindinha Menezes. O pai também recorda o início da carreira, quando a menina dava trabalho: “Eu queria que ela estudasse, mas ela fugia para treinar judô”. A menina de ouro do esporte nacional não abre mão de seguir sob o comando do técnico da infância, Expedito Falcão, sempre presente. Nem sempre, porém, o caminho de Sarah foi de conquistas e reconhecimentos. As dificuldades financeiras quase a fizeram desistir. Quando ela teve a oportunidade de viajar pela primeira vez para competir no exterior, com pouco mais de 12 anos, Expedito Falcão tirou do bolso o valor de R$ 5 mil das passagens de ambos até Laz Paz, na Bolívia. Aos 16, precisou contar mais uma vez com o apoio do treinador e amigo para seguir em frente nos treinos. “Teve um momento em que eu quis desistir. Não tinha sonho olímpico. Não tinha mais gosto pelos treinos. Mas o Expedido sempre acreditou que eu fosse chegar à seleção e à Olimpíada”, conta. Ele, claro, não se arrepende de nada. “Sempre fomos muito cúmplices, parceiros. Nunca deixamos a peteca cair”, confirma Falcão. “Ficávamos tristes com a falta de apoio, de grana, mas é um problema que afeta o esporte brasileiro como um todo.” Para continuar treinando no Piauí, Sarah recebe ajuda de custo da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) e recentemente obteve do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) tatames para montar uma Associação de Judô na sua cidade natal. Também conta com o apoio do Bolsa-Atleta, do Ministério do Esporte, desde 2004. Começou na categoria Nacional do programa e no ano seguinte passou para a Inter-
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nacional, na qual permaneceu até 2008. A partir daí, a bolsa migrou para a categoria Olímpica, seguindo a evolução da carreira da judoca, vencedora do Prêmio Brasil Olímpico de melhor atleta brasileira em 2009. O Bolsa-Atleta, que garante uma manutenção pessoal mínima aos atletas de alto rendimento para que possam se dedicar ao treinamento esportivo, viabilizou sua persistência no esporte e nos estudos. “Tem sido uma ajuda importante. Veio para amenizar. Houve casos em que eu treinava sem saber se iria ou não viajar para a competição, porque não é todo dia que você tem o dinheiro. Se eu tinha o recurso do Bolsa-Atleta, ficava mais tranquila para viajar”, lembra. E completa: “A ajuda foi um meio para que eu pudesse até me alimentar bem, comprar meu quimono, me manter mesmo como atleta”.
Treinar golpes, todo mundo treina. Mas o que faz a diferença é a cabeça
BENONIAS CARDOSO/PIAUIIMAGENS
Sem ressaca
Mesmo ainda saboreando o gosto da vitória olímpica, Sarah Menezes não descansará por muito tempo. A menina de ouro volta aos treinos agora em setembro, com outro objetivo: o Campeonato Mundial por Equipes, em Salvador, na Bahia, entre 26 e 28 de outubro. Realizado pela primeira vez nas Américas, o torneio deve reunir cerca de mil atletas de 16 países. “Vou continuar treinando. É preciso completar o ciclo para chegar a 2016”, diz. E, para completar esse ciclo, o treinador Expedito Falcão lembra que resta um caminho a ser percorrido. A convocação da seleção brasileira pela CBJ será em 28 de setembro. O time feminino terá a missão de subir ao pódio pela primeira vez num Mundial por Equipes. “Já tivemos apoio, mas esse apoio precisa aumentar. Precisamos viabilizar a vinda de alguns atletas para treinar com a Sarah. Vamos planejar e depois sentar com alguns gestores para conseguir fazer tudo isso. E que nós possamos ter esse novo ciclo, um ciclo de alegrias”, afirma Falcão. Mesmo com foco em outras competições, Sarah já retomou o curso de Educação Física e pretende ainda começar aulas de inglês. Mas o sonho maior para o futuro próximo é que sua história se repita – com novos personagens. A campeã olímpica já deu início ao projeto Superação, que atende hoje 70 crianças. A meta é chegar a 500. O projeto funciona a partir da adoção de um atleta através de um contrato de dois anos com a empresa ou pessoa que se interessa em apoiar um grupo REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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JAILSON SOARES
ESPORTE
TÉCNICO E INCENTIVADOR Quando Sarah teve a oportunidade de viajar pela primeira vez para competir no exterior, com pouco mais de 12 anos, Expedito Falcão tirou do bolso o valor de R$ 5 mil das passagens de ambos até Laz Paz, na Bolívia
de crianças. O custo de cada uma é R$ 50. “Eu vejo a minha história. Da mesma maneira que comecei, quero para as outras crianças. Sempre gostei. Desde pequena eu ia para a casa de vizinhos cuidar dos menores. Vamos investir em atletas de base. Não adianta apenas quando a pessoa chega no topo. Quero ver outras Sarahs no futuro”, afirma. O treinador lamenta, entretanto, que essas iniciativas ainda não sejam vistas como deveriam. “Não se constrói um atleta de alto nível em quatro anos. Isso é um trabalho longo, duradouro. Não pensem que em 2016 vamos ter 500 piauienses participando da Olimpíada. Esse trabalho não foi feito antes, por isso temos de trabalhar para 2020”, analisa. Com a visibilidade trazida pela conquista olímpica, Expedito busca através do Superação tornar o judô o principal esporte do Piauí. “Estamos tendo uma oportunidade de alavancar o judô no estado. E vamos fazer isso descobrindo
talentos, o que só é possível com os treinos. Além disso, oferecer judô a crianças e adolescentes é uma forma de inclusão social”, diz. Esse trabalho social aos poucos ganha adeptos. O Movimento pela Paz na Periferia (MP3), conhecido por desenvolver ações de inclusão digital, arte e cultura dirigidas a jovens em Teresina, garantiu a doação de um prédio, que seria destinado à expansão dos trabalhos do grupo, para que a campeã olímpica realize o que diz ser seu sonho: instalar um centro de treinamento de judô para crianças da periferia. O prédio, no centro da cidade, pertence à Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e foi posto à disposição do MP3 em regime de comodato, pelo prazo de 30 anos. Atualmente, o Centro de Treinamento Sarah Menezes funciona em um imóvel cujo aluguel é pago pelo governo do estado, e o tatame, no padrão das competições mundiais, foi cedido pela CBJ, também em comodato. Em nota à imprensa, o MP3 informou que a doação tem a ver com a dedicação de Sarah a crianças da periferia. “O local iria abrigar um projeto de expansão dos nossos telecentros, mas, vislumbrando a possibilidade de transformar o Piauí em uma potência no judô e acreditando que o público da periferia, foco do MP3, será um dos maiores contemplados com um centro de treinamento, decidimos disponibilizá-lo para Sarah Menezes”, diz o texto. “Todo apoio é bem-vindo. O que a gente precisa é ter sede própria, porque o local é alugado, e precisamos manter: pagar luz, água, lanches para as crianças, uniforme, o quimono, e tudo isso nós estamos precisando”, declarou a judoca. E reforçou sua missão como atleta ao desenvolver esse trabalho social: “A medalha me dá uma responsabilidade maior não só como atleta, mas como cidadã. Muitas crianças se espelham em mim. Daí vem minha responsabilidade”.
Carreira vitoriosa Ter paciência, perseverar e fazer o certo na hora certa. Sarah Menezes seguiu tudo isso para se firmar como uma das principais atletas do mundo. Superou barreiras e marcou sua carreira esportiva pelo pioneirismo. O Brasil jamais havia classificado uma mulher para a final do judô olímpico. O melhor resultado era o bronze de Ketleyn Quadros, em 2008, nos Jogos de Pequim. No mesmo ano, Sarah Menezes foi a primeira piauiense a competir em 40
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uma Olimpíada e a primeira brasileira a conquistar ouro no Mundial Sub-20, em Amsterdã – dois anos antes, havia sido eliminada na primeira luta. Em 2009, levou o bicampeonato, em Paris, a única do Brasil com tal feito na categoria de base. Foi também medalha de ouro na temporada de 2009 nas Copas do Mundo de Madri e Lisboa – nesta última venceu todas as lutas por ippon; medalha de prata no Mundial de 2012,
em Paris; bronze no Mundial de 2010, em Tóquio; quinta colocada no Mundial Sênior de 2009, em Amsterdã; e quarta no Grand Slam de Tóquio, em 2009. Em todos os campeonatos brasileiros que disputou, a piauiense só não foi ouro em 2008, justamente em Teresina. Mas não perdeu o reconhecimento de sua torcida. No ano seguinte, faturou o Prêmio Brasil Olímpico de melhor atleta do ano, com ajuda da votação maciça dos conterrâneos na internet.
ENQUETE
HANDOUT/REUTERS
JORGE ADORNO/REUTERS
Saldanha (1917-1990). Foi um jornalista apaixonado por futebol, pelo Botafogo e pelas causas sociais. Sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) é apontada como motivo de sua demissão como técnico da seleção brasileira, um ano antes da Copa de 1970.
João Havelange
ARQUIVO/AGE
João Saldanha
Havelange, 96 anos. Presidiu a antiga CBD (1956-1974). No período, o Brasil ganhou as Copas de 1958, 1962 e 1970. Em 1969, demitiu Saldanha. Foi presidente da Fifa (1974-1978). De acordo a Justiça da Suíça, recebeu subornos de R$ 3 milhões de empresa de marketing
Movimento no Rio de Janeiro defende a mudança do nome do Engenhão. O que você acha?
Para qual João você torce?
A
comprovação pela Suprema Corte da Suíça de que o ex-presidente da Fifa João Havelange e o então presidente da CBF, seu ex-genro Ricardo Teixeira, receberam propina da empresa suíça de marketing esportivo ISL para facilitar a aquisição de direitos de transmissão de partidas, constrangeu ainda mais os cariocas. Especialmente os botafoguenses, que viram o Engenhão, estádio do qual o time da estrela solitária é concessionário, ser batizado com o nome de Havelange – denunciado por ter recebido 1,5 milhão de francos suíços “por fora”. Algumas organizações começaram a defender a troca de nome do Engenhão para Estádio Olímpico João Saldanha. O Núcleo de Estudos e Projetos de Esporte e Cidadania lançou um abaixo-assinado na internet para pedir à Prefeitura do Rio de Janeiro a mudança. Até o final de agosto, o endereço www.peticaopublica.com. br/PeticaoListaSignatarios.aspx?pi=P2012N26720 tinha alcançado 5.700 assinaturas. Para o biógrafo André Iki Siqueira, autor de João Saldanha –
Uma Vida em Jogo e do elogiado documentário João, Saldanha agrada a todas as torcidas: “O Engenhão é do Rio e de todas as torcidas. Saldanha era Botafogo e de todas as torcidas”. O jornalista não gostava de Havelange desde os anos 1940. O cartola era um tricolor infiltrado – jogava polo no clube de regatas do Botafogo porque o Fluminense não tinha esportes aquáticos. Quando presidia a Confederação Brasileira de Desportos, Havelange o contratou como técnico para recuperar a seleção do vexame de 1966 e blindá-la de críticas da imprensa. Mas o demitiu antes da Copa de 1970. Nas eliminatórias, Saldanha classificou o time com 100% de aproveitamento.
Mande sua opinião para carta@revistadobrasil.net.
Os melhores argumentos, selecionados pela redação, concorrerão a uma assinatura da RdB (se já for assinante, para presentear alguém), ou à biografia João Saldanha, de João Máximo, ou ao livro Jogo Sujo – O Mundo Secreto da Fifa, de Andrew Jennings, repórter da rede britânica BBC. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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VIAGEM
Sob a batuta da
Quem imagina o socialismo venezuelano como o bicho-papão pintado pela imprensa brasileira se surpreenderá se vir de perto as conquistas alcançadas pelo país vizinho na última década Por Igor Fuser
A
Virada Cultural, em Caracas, se chama Rota Noturna e ocorre uma vez por mês. Em julho, bandas de rock, reggae, salsa e outros ritmos embalaram milhares de jovens em pontos espalhados por todo o centro histórico, numa festa que só terminou ao amanhecer. Na edição seguinte, em agosto, a virada caraquenha teve como foco os museus, que ficaram abertos a noite inteira, oferecendo a um público de todas as idades recitais de música e poesia. Para o visitante brasileiro, submetido ao 42
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CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
MUDANÇA bombardeio de grande parte da imprensa comercial sobre os horrores da “ditadura chavista”, Caracas é uma agradável surpresa. A população desfruta como nunca do espaço urbano, que vem sendo recuperado depois de décadas de abandono. Como em qualquer metrópole da América Latina, o contraste social na capital venezuelana é dramático. Situada num estreito vale, com 20 quilômetros no sentido leste-oeste e apenas 4 no eixo norte-sul, a cidade é rodeada por favelas. Nos bairros chiques há mansões suntuosas, várias delas com campos particulares
de golfe, luxo incomum no Brasil. Lá moram os donos das fortunas acumuladas graças à renda do petróleo – uma riqueza fabulosa, da qual o povo até recentemente só recebeu as migalhas. Com a chegada de Hugo Chávez à presidência, no final de 1998, as regras do jogo mudaram. Um gigantesco pacote de programas sociais fez cair o índice de pobreza de 70% para 28%. “Se temos a sorte de ter petróleo, que seja usado em favor do povo”, defende Gustavo Borges, coordenador de uma rede de rádios comunitárias em 23 de Enero, bairro popular
Caracas
Venezuela
VIAGEM
MAESTRO POP Dudamel conduz a Sinfônica de Caracas na comunidade de La Vega
JORGE SILVA/REUTERS
CRISTÓBAL ALVARADO MINIC/FLICKR/CREATIVE COMMONS
ENCURTANDO DISTÂNCIAS Os teleféricos da montanhosa Caracas facilitam a locomoção de quem mora nas favelas
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FOTOS AGÊNCIA VENEZUELANA DE NOTÍCIAS
VIAGEM
que está sendo urbanizado com a instalação de escolas, clínicas de saúde, quadras esportivas e iluminação pública. No ano passado, em viagem ao Brasil, Borges visitou a favela carioca de Rio das Pedras, e se diz chocado com o que viu: “No seu país, a população mais pobre vive em condições abaixo da dignidade humana”. A melhora da realidade social venezuelana é, de fato, impressionante. Em Caracas, dois teleféricos recém-inaugurados levam favelados até o alto dos morros. Nas ruas, não se enxerga uma única criança pedindo esmolas ou em situação de risco. Ninguém dormindo na calçada por falta de abrigo. O que mais se destaca na paisagem urbana são os canteiros de obras da Misión Vivienda, projeto governamental que pretende erguer em dois anos 350 mil casas ou apartamentos (mais de 90% já entregues) para a população sem teto ou precariamente instalada, no país inteiro. As moradias populares são espaçosas, construídas com material de qualidade e bem localizadas. Muitos projetos habitacionais destinados aos mais pobres se situam em bairros 44
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de classe média, rompendo a segregação social no espaço urbano. Nem sempre os recém-chegados são recebidos com simpatia. “Existem pessoas de classe média que não aceitam viver ao lado dos pobres”, constata o arquiteto Francisco Farruco, um dos coordenadores da Misión Vivienda. “Eles consideram o nível de educação dos novos moradores inferior, ou inadequado seu comportamento, o que é muito discutível.” Para Farruco, esses conflitos são inevitáveis em um país que está reduzindo a desigualdade. Nas suas palavras: “O sonho de transformar Caracas passa por integração. Estamos construindo uma cidade que rompa com barreiras sociais”.
Erudição popular
Os sinais dessa mudança são muito claros. Como jornalista, viajei a Caracas várias vezes na década de 1990. Minha lembrança é de um lugar decadente e perigoso. Agora me surpreendi ao caminhar pela Sábana Grande, o centro comercial da cidade, limpo, bem iluminado e seguro. Numa esquina, um mágico reúne a seu redor dezenas de curiosos. Ali
ROMPENDO A SEGREGAÇÃO Destaque nos redutos da classe média, os novos prédios do projeto Misión Vivienda dão moradia para a população sem teto ou precariamente instalada
perto, crianças se divertem nos equipamentos recreativos instalados pela estatal Petróleos de Venezuela. A reurbanização daquela área faz parte de um imenso projeto de recuperação do espaço urbano, o que inclui teatros, centros esportivos, praças e monumentos históricos. Entre os investimentos públicos, a ênfase à cultura chama atenção. Não por acaso, nos trens do metrô de Caracas se ouve música clássica o dia inteiro. É comum a presença de jovens carregando instrumentos. São alunos do Sistema Venezuelano de Orquestras, uma referência internacional. O país é, talvez, o único do mundo em que um maestro – Gustavo Dudamel, da Orquestra Sinfônica de Caracas – é um ídolo de massas. A paisagem remodelada tem como pano de fundo uma transformação social mais profunda, que inclui a elevação da renda dos trabalhadores. Em 2011, a remuneração média teve um aumento real de 8,5% e o novo salário mínimo, anunciado em maio deste ano, um reajuste de 33,5%. A inflação, porém, é muito alta, 27% em 2011. O congelamento dos pre-
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ços de 19 produtos essenciais garante uma relativa proteção ao poder de compra. E uma gigantesca rede de mercados e feiras livres estatais (a Mercal) oferece todos os itens da cesta básica pela metade dos preços do comércio privado.
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“SEMEIE SOCIALISMO” Os venezuelanos estão constantemente lembrando que há alternativas
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Sem surpresas
ESPAÇO VITAL Antes abandonada e perigosa, Sábana Grande, região central de Caracas, virou sinônimo de vida cultural intensa
A legislação trabalhista que entrou em vigor em maio amplia direitos dos assalariados em uma escala sem paralelo em qualquer outro país. O benefício em caso de demissão sem justa causa equivale à remuneração de 105 dias por ano de serviço. A trabalhadora que dá à luz ganha seis meses e meio de licença e tem garantia de emprego por dois anos. Ainda assim, a parcela da mão de obra com carteira assinada tem aumentado, e o desemprego se situa atualmente em 7,5%, um índice próximo ao brasileiro. O “socialismo do século 21”, como Chávez batizou seu projeto político, convive com um setor privado que controla 70% da economia e garante gordos lucros aos empresários, graças à elevação do consumo popular. Do outro lado, as empresas operadas diretamente pelos trabalhadores crescem na preferência dos consumidores, com produtos como os laticínios Los Andes (vendidos até mesmo nas padarias dos bairros ricos) e o café La Fama de América, exportado para Europa e Estados Unidos. Na embalagem, essas mercadorias trazem sempre uma pequena frase, rodeada pelo desenho de um coração: Hecho em Socialismo. Há ainda conquistas extraordinárias – que não caberão neste espaço – em educação, saúde e na participação política dos cidadãos, que se organizam em conselhos comunitários (mais de 40 mil, em todo o país) para fiscalizar as autoridades e definir investimentos públicos para as regiões onde moram. Como nada disso é divulgado na imprensa brasileira, na qual Chávez é apontado diariamente como tirano grotesco, imagino a dificuldade dos leitores em entender o fato de ele liderar as pesquisas para as eleições de outubro com uma vantagem de 15% a 25% sobre seu adversário direitista. Para quem conhece a verdadeira face da Venezuela, não há nisso surpresa alguma. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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CURTA ESSA DICA
Por Xandra Stefanel Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar
PRISCILA PRADE/DIVULGAÇÃO
Camila Pitanga como Lavínia
Devastadores Corpo, olhar e palavra são os três
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RMN (MUSÉE D’ORSAY)/HERVÉ LEWANDOWSKI
Quando o filme Yellow Submarine foi lançado, em 1968, foi logo reconhecido como revolucionário por integrar o desenho livre às inovações técnicas da animação. E, claro, por transbordar as mensagens de paz e amor, tão presentes nas músicas dos Beatles. O longa, dirigido por George Dunning, estava até então fora do mercado, mas chegou às lojas em agosto restaurado digitalmente para DVD e Blu-Ray. Como o original foi todo desenhado à mão, a digitalização, feita por Paul Rutan Jr., seguiu os mesmos moldes, frame a frame feito manualmente. Nos bônus, um minidocumentário making of chamado Mod Odyssey, o trailer original, sequências do storyboard, desenhos a lápis, comentários dos produtores e fotos de bastidores. O lançamento inclui um CD resmasterizado com a trilha sonora do filme. CD R$ 35, DVD R$ 50 e Blu-Ray R$ 85, na média.
Salão de Dança (1888), Van Gogh
RMN (MUSÉE D’ORSAY)/HERVÉ LEWANDOWSKI
De volta ao submarino
vértices do filme Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, baseado no livro homônimo de Marçal Aquino (2005, Cia. das Letras). Em sua passagem pelo interior do Pará, o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado) se apaixona pela linda e instável Lavínia (Camila Pitanga), que é casada com o influente pastor Ernani (Zecarlos Machado). A delicadeza do romance contrasta com a brutalidade e a devastação natural de uma região voltada para o garimpo. Essa história de amor, de intimidade entre os personagens, permeada pela violência e com questões políticas como pano fundo, foi finamente costurada pelos diretores Beto Brant e Renato Ciasca. Um filme forte e com atuação marcante de Camila Pitanga. Em DVD.
Lago das Ninfeias, Harmonia Verde (1899), Claude Monet
Viagem dos impressionistas Em agosto passado aterrissaram no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo 85 obras-primas vindas do Museu d’Orsay, na capital francesa. Impressionismo: Paris e a Modernidade é dividida em módulos temáticos e ocupa todos os espaços do CCBB com telas de Claude Monet, Edgar Degas, Edouard Manet, Henri Toulouse-Lautrec, Paul Cézanne, Paul Gauguin, Pierre-Auguste Renoir, Vincent van Gogh, Camille Pissarro, entre outros. É a primeira vez que algumas das obras saem de Paris. Em São Paulo, ficam expostas até 7 de outubro. De terça a quinta-feira, das 10h às 22h, sexta, das 10h às 23h, e no fim de semana, das 8h às 23h. Rua Álvares Penteado, 112, no Centro. Grátis.
Cuca
Causos e folclore
Curupira
Uma infância não terá sido completa sem que se tenha tremido de medo das traquinagens do saci, das ameaças de Iara, dos castigos do curupira, da vingança do caipora, do boitatá, do lobisomem, da cuca ou da mula sem cabeça. Os personagens do folclore brasileiro, além de ricos para a imaginação das crianças, estão estreitamente ligados à proteção da natureza, mesmo aqueles que são originalmente “importados”, como o lobisomem, a cuca e a mula sem cabeça – tão adaptados às nossas histórias que até parecem nativos. É sobre eles a série Mitologia Brasílica, de Mouzar Benedito e ilustração de Ohi, ambos do time de colaboradores desta Revista do Brasil. Lançada em agosto pela Liz Editora, a coleção que resgata a história desses personagens vem com seis volumes e, apesar de voltada para o público infanto-juvenil, com certeza vai agradar a pais e professores. Compõem a série: Saci – Guardião da Floresta; Iara – Encanto das Águas; O Curupira – Nosso Gênio das Matas; O Caipora – Amigo dos Bichos; O Boitatá – Esse Mito É Fogo; e Lobisomem, Cuca e Mula sem Cabeça – Importados e Naturalizados. Além das histórias dos mitos, habitat, influências, curiosidades, causos e questões relacionadas ao meio ambiente, os livros têm contos protagonizados por duas crianças curiosas, Aimberê e Aninha, e por seu tio-bisavô, Nicodemos, geógrafo e grande conhecedor da cultura brasileira. Juntos, os três conversam e refletem sobre o futuro desses personagens. Com a destruição das florestas, a poluição das águas, o desequilíbrio ecológico, será que esses seres mágicos vão sobreviver? No conto “Amigos”, Nicodemos relata às crianças como conheceu o saci, mostra um Brasil de décadas atrás, relembra a língua falada pelo traquina e explica como esse mito se espalhou pelo país. Com comentários históricos sobre os chamados Sete Povos de Missões, o volume do saci é o único que é uma reedição revisada. Os demais, são todos inéditos. Como de costume, o texto de Mouzar é leve e cheio de graça e as ilustrações de Ohi são de encher os olhos. O preço sugerido da série completa é R$ 150, mas os livros podem ser comprados separadamente por R$ 30 cada um.
Saci
Iara
Caipora
O bem, de graça
Na recente Bienal do Livro de São Paulo, realizada em meados de agosto, a Primavera Editorial lançou seu primeiro livro digital, Escritores do Bem, uma proposta de ativismo literário associada ao movimento colaborativo Corrente do Bem. Com o engajamento de autores nacionais na produção de textos sobre ONGs atuantes no Brasil, a obra mostra histórias de personagens reais que ajudam a mudar para melhor a vida de milhares de pessoas em situação de risco social. A coletânea pode ser baixada gratuitamente no site do projeto: http://escritoresdobem.com.br. REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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CRÔNICA
Por Fernando Evangelista
A maconha
DA LATA
— Se existisse a possibilidade de viajar no tempo... — Já existe – ele interrompeu. — Existindo a possibilidade de viajar no tempo, para onde o senhor iria?
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á passava das 10 da noite e ninguém arredava o pé do auditório da faculdade. Todos os lugares, os oficiais e os de improviso, estavam ocupados. Cada um se virava como podia, dando e recebendo mochiladas involuntárias. O nobre cientista, doutor honoris causa em diversas universidades, com seus quase 80 anos, mais lúcido do que nunca e bem-humorado como sempre, deu uma resposta surpreendente: “Se pudesse viajar no tempo, eu iria para o Rio de Janeiro em 1987”. 48
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Antes que ele pudesse explicar, alguém fez outra pergunta e a história da viagem no tempo perdeu-se para todo o sempre. Ou quase, porque anos depois, numa outra palestra, também lotada, eu questionei o velho cientista sobre aquela data e lugar. Ele explicou. E fez a alegria da plateia. Em setembro de 1987, tripulantes do Solana Star, barco pesqueiro de bandeira panamenha que navegava próximo à costa brasileira, despejaram 22 toneladas de maconha no mar. A maconha estava em latas de alumínio, parecidas com latas de leite em pó, cada uma de um quilo e meio. Os tripulantes livraram-se da droga porque descobriram que a Polícia Federal brasileira, alertada pelo DEA – órgão de combate às drogas da Polícia Federal americana –, já sabia do carregamento. Para evitar o flagrante, jogaram tudo no mar.
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A peripécia do Solana Star – e de seus sete tripulantes, quase todos americanos – começa na Austrália, passa por Cingapura, onde permanece alguns dias e onde teria sido abastecido com as latas, e segue em direção ao Brasil. O plano era repassar a maconha para duas outras embarcações menores no Rio e levá-la para Miami, o destino final. Não deu certo. Os traficantes, porém, não se desesperaram. Com o barco “limpo”, fundearam calmamente no porto do Rio e, sem ser incomodados, saíram do país para nunca mais voltar. Ficou só o cozinheiro, o único tripulante preso nessa história. Condenado em primeira instância a 20 anos de prisão, foi absolvido por falta de provas pelo Tribunal Federal de Recursos. E assim, como por encanto, 15 mil latas chegaram às praias brasileiras, concentrando-se em São Paulo e no Rio de Janei-
ro. Tanto do lado policial quanto do lado dos apreciadores da erva, foi um deus nos acuda – não só pela quantidade, mas também pela qualidade da maconha. Qualidade jamais vista na história deste país – extremamente pura e potente. No recém-lançado Verão da Lata, do jornalista Wilson Aquino, editora Leya, o delegado Antônio Royal resume o inusitado da situação: “Imagine o sujeito que é usuário de droga, está na praia, vê uma lata boiando, abre e está cheia de maconha. Quer dizer, isso é como a lâmpada do Aladim! Onde já se viu maconha boiando de graça?” Nunca ninguém tinha visto, nem boiando, nem de graça. Nem mesmo o experiente pescador Messias, entrevistado por Aquino: “Por causa da força da situação, eu experimentei. Fiz um charuto numa folha de banana, fiz um charutão. Dei uma, duas e não consegui dar a terceira tragada. Comecei a rir sem parar. Chamei a minha mulher, ela experimentou e aconteceu a mesma coisa: caiu na risada. A gente ficou muito louco”. Loucos ficaram também os traficantes locais, que viram os clientes minguar. Ninguém precisava comprar porque todo mundo tinha, da melhor e de graça. A turma do fumacê ficou feliz da vida, os policiais furiosos, e o fato entrou para a história da cultura underground brasileira. Muitas pessoas, é bom lembrar, resgataram quantidades significativas de latas e as entregaram às autoridades. Multiplicaram-se surfistas e pescadores e o desafio policial era diferenciar quem eram os “do bem” e “do mal”. Um delegado adotou uma solução curiosa: quem fosse pego com um abridor de latas, flanando serelepe pela praia com cara de felicidade, seria sumariamente levado para a delegacia. Segundo testemunhas oculares, o verão carioca de 1987-1988 foi o mais festivo, pacífico e divertido da década. Pesquisas, realizadas por maconheiros profissionais e ocasionais, apontam que nos meses seguintes ao milagre da multiplicação das latas o índice de crimes violentos caiu drasticamente. Nunca se foi tanto à praia, nunca se matou tanta aula chata e tanto trabalho inútil. Paz e amor REVISTA DO BRASIL SETEMBRO 2012
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na sua versão completa, sob a proteção do Cristo Redentor. Depois de contar essa história, o velhinho cientista concluiu: “Naquele momento, o Brasil perdeu uma grande chance de discutir aberta e profundamente a questão das drogas. Ainda hoje, boa parte das pessoas não sabe diferenciar as drogas pesadas das drogas leves e coloca tudo no mesmo saco furado. Isso é uma tragédia”. Numa das centenas de reportagens publicadas sobre o caso, uma é especialmente reveladora, quando um delegado caçador de latas, com o cigarro nas mãos, afirma: “As drogas são o mal do mundo”. A cena seguinte é de um promotor, entrevistado em casa, dizendo que quem for pego com as latas será severamente punido. Atrás do digníssimo promotor, uma estante de bebidas alcoólicas de todos os tipos. Em novembro de 2011, psiquiatras, psicólogos e outros especialistas debateram a 50
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questão das drogas no Senado Federal. Todos, sem exceção, afirmaram: a droga que mais causa dano à sociedade é o álcool. Estudo publicado na revista inglesa The Lancet, medindo os danos à sociedade e ao usuário, coloca o álcool no topo da lista. Em segundo e terceiro lugar, estão a heroína e o crack. De acordo com o estudo, o tabaco é mais prejudicial do que a maconha. As drogas, sejam quais forem, lícitas ou não, se parecem muito com o mar, o mesmo que acolheu e distribuiu as “latas da alegria”. Drogas consideradas leves, como a maconha, lembram um mar calmo, mais receptivo e menos ameaçador. As drogas pesadas, como a cocaína, são como um mar em tempo de ressaca. Ambos os mares são extramente perigosos para quem os menospreza, para quem acha que pode tirar de letra e nadar de volta na hora que quiser. Muita gente se afoga antes de alcançar a terra firme. Por isso, o velho cientista tem razão ao afirmar: “Só o conhecimento pode nos salvar”. O conhecimento e um pouco de bom humor, que não faz mal a ninguém, não tem contraindicações nem causa dependência. Fernando Evangelista é jornalista, diretor da Doc Dois Filmes e mantém a coluna Revoltas Cotidianas no blog Nota de Rodapé, onde este texto foi publicado originalmente (www.notaderodape.com.br)
Programe no seu dial: de segunda a sexta-feira, das 7h às 9h 98,9 FM Grande São Paulo 93,3 FM Litoral paulista 102,7 FM Noroeste paulista Aqui, o ouvinte fica por dentro da política, e não alheio. Economia é para entender, e não temer. Movimento social faz história, e não baderna. Trabalho decente é objetivo, e não custo. Cultura é expressão do talento, da diversidade e da identidade, e não mercadoria. Democracia é o direito de todos de buscar o exercício pleno da cidadania. E liberdade de imprensa é ferramenta para construção de um mundo melhor.
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