EMPODERARVoce v
discutindo questões de gênero
“Não devemos naturalizar o feminicídio”
entrevista com a estudante de artes visuais Yasmin Formiga
EDIÇÃO #1
Edit Ori al
A revista “empoderar você” está em sua primeira edição e é toda voltada para discussões de gêneros e luta pelos direitos iguais. Cheia de referências, trouxemos indicação de série, explicamos termos que muitas pessoas desconhecem e duas entrevistas que vão te prender do começo ao fim. É importante ressaltar que nosso objetivo principal é abordar o feminismo de forma clara e objetiva, mostrando a importância de debater o assunto, além de trazer informações sobre temas relevantes para a sociedade. Boa leitura!
Quem somos?
Raquel Duarte
Nathália Cruz
- Jornalista; - 21 anos; - Canceriana; - Paraibana arretada; - Viciada em Grey’s Anatomy; - Muito dançarina de funk; - Feminista; - Tentando finalizar todos os livros de Dan Brown; - Fã da DC e da Marvel.
- Jornalista; - 21 anos; - Ariana; - Paraibana; - Fanática pelo Twitter; - Katycat; - Feminista; - Cultura Pop; - Humilde nem se fala, transparece no meu rosto.
EXPEDIENTE IdealizadorAs Nathália Cruz
FotógrafAs Nathália Cruz
Raquel Duarte
REPÓRTERES Nathália Cruz
Raquel Duarte
Raquel Duarte
orientação Kaline Vieira
Bruno Ribeiro
EDITOR Lucas Campos GRÁFICO
SUMÁRIO
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Imagem: Wired
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(DES)ENCANTO: dos contos da era MEDIEVAL para o feminismo atual TEXTO: NATHÁLIA CRUZ
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Imagem: NMe
COMÉDIA, AVENTURA E FANTASIA Série de animação da Netflix discute gênero no contexto da Idade Média com bom humor
Visto como uma mistura de
Game of Trones e Futurama, a série criada por Matt Groening (o mesmo criador dos Simpsons), (Des)Encanto conta a história de Bean, uma princesa rebelde que no auge de sua adolescência não quer se envolver com confronto político nem seguir uma vida padrão de princesas como seu pai tanto sonha. A libertinagem da princesa vai além quando ela encontra o demônio Luci, e um elfo, que após enfrentar alguns perigos vai parar no castelo de Dreamland. Junto a eles, Bean vai curtir a vida do jeito que sempre quis. Apesar de ser numa era medieval imaginária, a série traz bons questionamentos, não só vindo da personagem principal como dos personagens secundários, questões como machismo, política e religião são abordadas em vários momentos da série, essenciais não só para aquela época, mas como os dias atuais. Além de tudo, Bean é uma mu-
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lher feminista e confiante, rebate as críticas e ofensas de seu pai, adora paquerar e questiona sobre seus direitos. Outro ponto positivo da série é a dublagem fantástica, tanto para quem gosta de assistir com áudio original, quanto para quem gosta da animação dublada. (Des)Encanto é um mistura de comédia, aventura e fantasia que discute sobre temas relevantes sem perder o humor e naturalidade, a genialidade do diretor de destruir o arquétipo de princesa de modo sútil prende quem assiste. O nome da animação já é bem sugestivo e faz jus aos episódios, pois mostra um outro lado não tão encantado dos príncipes e precisas. A série está disponível na Netflix com 10 episódios totais. E é uma ótima opção para quem gosta da temática e para quem quer se desmistificar desse mundo mais príncipe, princesa e um felizes para sempre.
CENTRO DA MULHER 8 DE MARÇO: 28 anos garantindo direitos e a equidade de gênero TEXTO: NATHÁLIA CRUZ E RAQUEL DUARTE
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feminismo sempre fez e refez sua história, buscando igualdade de gênero e procurando conquistar espaço de fala para quem antes não tinha. Alguns estudiosos dividem o feminismo em três fases, cada uma delas contendo sua particularidade. A primeira fase se evidenciou no final do século XIX, consagrando as lutas em busca de direitos iguais, e indo contra os casamentos arranjados da época. A segunda fase traz uma preocupação maior na descriminação e evidencia ainda mais a luta da igualdade dos direitos entre homem e mulher. Os anos 90, intitulados como a terceira fase, são considerados a volta para um movimento que visa preencher as lacunas e as falhas deixadas anteriormente. Mesmo após conquistar espaços, a luta dos anos 90 ainda era por garantias que ficaram incertas nas lutas passadas. Um dos pontos mais significativos dessa luta foi o destaque da mulher negra,
Fotos: Nathália Cruz
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que buscava derrubar a discriminação racial da época. Desde a escravidão, as mulheres negras já lutavam pelo seu espaço na sociedade, uma vez que não tinham direitos e sofriam abusos, além de serem banalizadas pela sua cor e serem vistas como objeto sexual. A partir deste momento, o feminismo então passou a ser feito para todas, e não apenas para as brancas. Os anos 90 se tornaram então um marco importante no ativismo. O machismo ainda era consistente e a mulher, que sempre teve seu papel direcionado para o lar, continuou na prática de submissão imposto pela sociedade. As leis ainda eram poucas, e as políticas voltadas para as mulheres mal existiam. Foi assistindo toda essa exclusão da voz feminina, e sentindo as dores dessas mulheres que perdiam cada vez mais o espaço conquistado, que professoras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), junto a mulheres que lutavam pela causa feminista,
resolveram criar o Centro da Mulher 8 de Março (CM8M), Org. Não Governamental (ONG), que busca ajudar mulheres, crianças e adolescentes, vítimas de qualquer tipo de violência, garantindo seus direitos, e defendendo a equidade de gênero. Completando 28 anos de criação em 2018, o CM8M esteve presente em conquistas importantes no estado da Paraíba. Apesar da primeira Delegacia da Mulher no estado estar na ativa há 31 anos, nos anos 90 ainda não existia especialização suficiente para atender os casos, como hoje. Por isso, conquistas como essas tiveram a ‘mão de obra’ das mulheres responsáveis pela luta no Centro. A advogada Laryna Larceda, que é articuladora e ouvidora na Ong, está há 5 anos contribuindo no desenvolvimento e militâncias, trabalhando diretamente com palestras em escolas, universidades e outros eventos. Além de tentar expandir esse trabalho para as redes sociais, que vem sendo o maior meio de comunicação para
Laryna Lacerda é ouvidora e articuladora do Centro da Mulher 8 de Março.
informar as mulheres da existência de movimentos e principalmente dos seus direitos como mulher. Segundo ela, um ponto bastante importante na criação da Ong foi à falta de estrutura nas diretrizes voltadas para a política da mulher. A área que se encontrava mais avançada e com melhor estrutura era a saúde da mulher, porém, ainda não o suficiente para a grande taxa de violência da época. “Foi através da Lei Maria da Penha que veio o aparato necessário”, enfatizou Laryna diversas vezes. A Lei Maria da Penha foi decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006, entrando em vigor no dia 22 de setembro de 2006. Com o crescimento da Ong e com a expansão da pauta feminista, muitas mulheres passaram a procurar o espaço, que
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fica localizado no Centro de João Pessoa, em busca de apoio e entendimento sobre o que verdadeiramente estava acontecendo. “Fazíamos todo esse atendimento, juntávamos forças na época, fazíamos acolhimento, fomos até uma espécie de abrigo para essas mulheres, que não tinham onde ficar, para onde buscar ajuda”, complementou Laryna, que também falou sobre as parcerias que começaram a surgir e que foram importantes para dar um maior suporte ás mulheres vítimas de violência. Hoje, o Centro da Mulher 8 de Março está sob Coordenação Geral de Irene Marinheiro, que foi uma das fundadoras, e atualmente trabalha junto com mais cinco mulheres, que auxiliam voluntariamente a Ong na expansão da luta diária contra o machismo.
“Foi através da Lei Maria da Penha que veio o aparato necessário”
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Segundo a advogada, o estado da Paraíba se encontra atualmente com 13 delegacias capacitadas, que possuem psicólogos e juizado na área da assistência, frutos de uma longa jornada do CM8M, que sempre esteve à frente nas campanhas de incentivo a essas criações. Mais que uma conquista, esse número se torna um marco comparado há 20 anos, quando existia apenas uma. Além das novas delegacias, a Organização conta com a parceria da Defensoria Especializada na área da mulher, do Juizado de Violência Doméstica, e dos Centros de Referência da mulher que tem uma política voltada através de outros municípios no sentido jurídico, que acolhe não só as vítimas, com tratamento con-
tinuado, como também da assistência as suas famílias. Para o Centro da Mulher 8 de Março, é fundamental ensinar as crianças e adolescentes à respeitarem as mulheres desde cedo. Com convites de escolas e universidades, o projeto é levado não só para os estudantes, mas para os pais e funcionários. “Quando nós fazemos grandes eventos, é para fazer entender que essa violência doméstica está inserida na infância e adolescência, tanto no momento em que ela está vivenciando a violência, com a própria mãe, ou outro familiar, como sendo vítima da violência”, disse Laryna. Além das palestras e oficinas, a Ong também trabalha com panfletagens, intervenções e tenta levar essas ações para todo o estado. Eventos culturais e parcerias nas redes sociais são outros meios usados para divulgar e sustentar o CM8M. Para Laryna, muitos casos chamaram atenção, como por exemplo, a barbárie da Cidade de Queimadas, onde cinco mulheres foram estupradas e duas delas mortas. Outro caso de grande repercussão foi o das duas mulheres dos Bancários, bairro localizado em João Pessoa, que foram sequestradas, abusadas e uma delas morta. Existem também os casos menores, e que não vem a público, como a exemplo de Dona Maria, que não conhecia o termo ‘relacionamento abusivo’, e não conseguia se enxergar nesse tipo de relação. Depois de muito conhecimento adquirido sobre o assunto e de conversas com a equipe, conseguiu se separar dos abusos do companheiro e hoje atua na militância direta
sobre o assunto, relatando sua história de vida para outras mulheres. O CM8M acompanha todos esses casos de perto, junto aos delegados, à família e a vítima. Elas estão presentes nos julgamentos de mulheres que passaram por algum tipo de violência e denunciaram. Alguns professores, junto com a Ong, criaram um banco de dados, que funciona como um mentor de contagem da taxa de feminicídios e violências domésticas, que dão para elas periodicidade e conhecimento desses acontecimentos no Estado. Esse banco de dados funciona como um suporte, através de um site que faz por mês alguns recortes de casos de violência doméstica contra a mulher, de abuso e de exploração de crianças e adolescentes. Essa pesquisa serve até mesmo para a Ong poder trabalhar a prevenção e ver o quanto isso é importante. Laryna finalizou expressando sobre a importância de divulgar todas essas taxas, e de como o jornalismo é importante para o conhecimento da população a respeito da realidade do feminicídio. “Por isso, toda luta, em qualquer espaço, é de extrema importância, e não devemos nos calar diante dessas situações, e lembrar que em briga de marido e mulher se mete sim a colher”, concluiu. CONTATOS ÚTEIS
* Centro da Mulher 8 de Março: (83) 3241.8001 * Secretaria de Políticas para as Mulheres: 180 * Central de Polícia Civil (JP): (83) 3218.5307 * Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher: (83) 3218.5317 * Mulheres por Direito: @mulherespordireito
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Protesto realizado em virtude das eleiçþes 2018 pela estudante Yasmin Formiga.
Fotos: Arquivo pessoal
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“Minha arte é uma forma de denúncia” TEXTO: RAQUEL DUARTE
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arte sempre esteve presente na sociedade, seja no desenho, na pintura, no cabelo ou nas eras antigas, ela sempre foi levada para transmitir algo. Hoje, a tatuagem, por exemplo, se tornou símbolo de representação. De eternizar o que marcou. Também representa luta, de marcar a resistência do que lutou. Já a pintura no corpo é usada para fins artísticos, políticos ou culturais, mas sempre priorizando a mensagem passada através dela. Militante ativa nas redes sociais, Yasmin Formiga, de 21 anos, é o símbolo de proclamação da arte, na luta pela desconstrução do machismo e desmistificação da nudez. Estudante de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Yasmin veio lá do Sertão Paraibano de Santa Luzia, para aprofundar o que já acreditava desde antes. Foi através do Instagram, que começou a aclamar seus ideais e combater os principais preconceitos recorrentes na sociedade. Feminista assumida, acredita que o protesto é válido independentemente da forma que seja feito. Acredita ainda que quanto mais voz, mais som poderá ser ouvido pelas minorias que clamam por socorro. Nessa entrevista, Yasmin conta um pouco da sua história de militância e sobre como o feminismo foi importante para dar voz a quem ela é; EV: Quando começou seu amor pela arte?
Sempre fui de produzir, desenhava muito desde criança e tenho uma tia que é artista e isso abriu um campo maior para entrar no mundo da arte, a cada dia fui tendo conhecimento e desenhando mais, só que meu foco sempre foi desenhar. Quando entrei no meu curso foi que esse universo da arte abriu portas para eu usar arte como ferramenta de denúncia, crítica.
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Comecei a fazer essas denúncias a partir de quando percebi que fui abusada sexualmente, e as pessoas veem abuso sexual como algo normal que acontece no cotidiano das mulheres e acabam naturalizando, qualquer tipo de violência contra a mulher. Então se naturalizam o abuso também vão naturalizar o feminicidio. Todo dia vai aparecer no jornal uma manchete que uma mulher foi assassinada, mas vai ser vista como mais uma notícia, como se fosse o assalto ao banco ou desvio de dinheiro, não vai ter um foco maior, por que isso já está sendo naturalizando. EV: O que você busca com esse tipo de trabalho?
No meu trabalho busco que as pessoas reflitam isso, que o feminicídio não é um crime passional, feminicídio é o assassinato de uma mulher, apenas por você ser mulher ou se tornado. Eu quero usar a arte como política porque a arte não é só pra gente se inspirar, é pra gente refletir sobre o que está acontecendo. EV: Foi depois do abuso que você começou a conhecer o feminismo e a pensar como uma mulher feminista?
EV: E seu instagram?
Comecei fazendo pintura corporal como uma coisa bem simples, algo para ser apenas bonito, mas me distanciei disso porque vi que a arte não é apenas no belo, então queria usar a arte para gritar o que acontecia no cotidiano. Daí veio as redes sociais. EV: Você se considera uma mulher feminista?
Sim, sou uma mulher feminista e ativista também, minha arte é uma forma de denúncia. EV: Quando você começou a usar a
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arte como protesto?
Desde criança tinha muita coisa que eu não entendia, não aceitava, como o azul ser cor pra menino e rosa pra menina, então eu já fazia esses questionamentos quando pequena. Quando a professora pedia pra cruzar as pernas quando sentava. Então pra nadar contra essa construção social é muito difícil, e aos poucos fui percebendo que eu lutava contra o sexismo, sem perceber. Quando eu tinha 16 anos eu ficava lendo sobre a luta das mulheres, e conheci o feminismo o sufrágio, quando as mulheres na década de 20 tomaram partido pra ter direito ao voto pela primeira vez, mas que ninguém fala sobre. Se eu estou aqui hoje foi por causa dessas mulheres desde antes que a gente nunca nem ouviu falar no nome delas. Então a partir disso eu fui me considerando feminista, fui vendo que a cada dia eu queria lutar mais pela igualdade dos gêneros.
VOCÊ SABE O QUE É MANTERRUPTING? TEXTO: RAQUEL DUARTE
Foto: Woman Interrupted App
A palavra pode soar um pouco infamiliar, desconhecida, mas seu significado é comum para explicar uma situação bastante frequente. Derivada do inglês, manterrupting é a junção de man (homem) e interrupting (interrupção). Termo utilizado para esclarecer situações em que um ou mais homens interrompem a fala de uma mulher, impossibilitando que a mesma conclua o que estava falando. Foi um artigo publicado no The New York Times, em 2015, escrito por Sheryl Sandberg e Adam Grant, que trouxe mais evidência para esse tipo de acontecimento. Estamos tão acomodados com práticas como essas, que nem conseguimos perceber o nível de gravidade que ela traz na vida de uma mulher. Quando essas práticas se tornam costumeiras, as ações de fala de um homem passam despercebidas, excluindo qualquer tipo de voz feminina naquele ambiente. Primeiro é preciso entender que não é normal, e que a exclusão de fala da mulher principalmente em seu espaço profissional, traz consequências como a sensação de falta de propriedade na fala dela, o afastamento de ideias que ela possivelmente teria caso fosse ouvida, e o esquecimento dos demais com ela,
que por consequência estarão priorizando a fala daquele que tomou seu lugar. Segundo é preciso dizer que esse termo além de comum, e estar em diversos espaços onde a presença masculina e feminina seja frequente, desencadeia outro tipo de situação, o “bropriting”, que é quando um homem se apropria da mesma ideia já expressa por outra mulher, levando os créditos por ela. Em 2016, nas eleições para presidência dos Estados Unidos, um exemplo de manterrupting foi praticado de forma bem clara, durante os debates entre os candidatos à presidência Donald Trump e Hillary Clinton. O site “vox” fez um levantamento e contabilizou 25 intromissões fora do momento em 26 minutos, totalizando 35 interferências do Republicado, contra 4 da candidata ao todo, mostrando diretamente a frequência desse ato que muitas mulheres passam, mas poucas conhecem de fato a significação. É preciso entender que todos nós devemos ter nosso momento de dizer e ouvir, e que há sempre espaço para todos; e não é normal ser interrompida nem desmerecida pelo sexo oposto, principalmente quando temos o mesmo posto profissional e mesmo local de voz.
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SÍMBOLO DA RESISTÊNCIA FEMINISTA