Revista Fadesp / 2 ed. - 2021

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Negacionismo e Desenvolvimento Sustentável Por Ricardo Galvão*

No Editorial do primeiro número da Revista FADESP, o Professor Roberto Barreto explicita sua indignação com a “onda de negação da ciência e tecnologia que estamos vivenciando no Brasil”, que pode seriamente minar nosso desenvolvimento econômico e social. De fato, o desenvolvimento sustentável, socialmente justo e globalmente equânime da humanidade só será viável através de políticas públicas solidamente ancoradas no conhecimento científico moderno. Infelizmente, o Governo Federal e boa parte de nossas lideranças políticas não têm essa percepção, continuando a defender o desenvolvimento econômico baseado na exploração capitalista predatória da natureza. Para realçar o desesperador contraste entre a visão retrógrada do atual governo com as de líderes bem mais lúcidos de outros países, nada mais apropriado do que ler um artigo de Angela Merkel, publicado na Revista Science, em 1998, quando ainda era Ministra do Meio Ambiente da República Federal da Alemanha [Science, 281, p.336 (1998)]. Nesse trabalho, ela chama atenção para os enormes desafios para a humanidade causados pelas mudanças globais e conclui: “O desenvolvimento sustentável só pode ter sucesso se todas as áreas do setor político, da sociedade e da ciência, aceitarem o conceito e trabalharem juntas para implementá-lo”. Uma das ferramentas mais eficazes utilizadas por aqueles que são contrários a esse entendimento é o negacionismo. O conceito de negacionismo científico ainda não está bem definido.

Muitos o confundem com obscurantismo, que está mais apropriadamente ligado a posicionamentos religiosos extremistas, que buscam negar resultados científicos que aparentemente se opõem a “verdades reveladas” em seus livros sagrados. Um exemplo bastante conhecido é a forte oposição à teoria da evolução, por alguns grupos cristãos mais fundamentalistas. O negacionismo científico moderno não está necessariamente acoplado a crenças religiosas. É uma forma de pseudociência baseada na persistente construção de falsas controversas sobre modelos e resultados científicos que ameaçam interesses econômicos, ideologias políticas ou situação de conforto de grupos poderosos. As redes sociais tornaram-se uma ferramenta extremamente poderosa na estratégia negacionista, porque, com sua superficialidade, dificultam a contra-argumentação mais aprofundada, característica da metodologia científica. Por isso, o negacionismo científico está se configurando como uma séria ameaça para o desenvolvimento sustentável da humanidade, como argumenta o Professor Sven Hanson [Studies in History and Philosofy of Science 63, p. 19 (2017)]. Um exemplo calamitoso desse negacionismo científico está relacionado à questão de mudanças climáticas e aquecimento global. A partir do trabalho seminal, de 1896, do prêmio Nobel de química Svante Arrhenius [Philosophical Magazine and Journal of Science 41, p.237 (1896)], seguido de um grande número de observações

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foto: acervo pessoal

OPINIÃO

experimentais e resultados de modelos climáticos bastante complexos, existe substancial evidência científica de que o aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera provoca um aumento da temperatura média da Terra muitíssimo mais rápido que o historicamente observado devido a efeitos naturais. A partir da revolução industrial, a concentração de gás carbônico na atmosfera aumentou de cerca de 290ppm, em 1880, para 400ppm, em 2020, e a temperatura média da Terra aumentou cerca de 1ºC no mesmo período, com uma taxa de 0,18ºC por década, a partir de 1970. A ferramenta que dispõe a humanidade para evitar essa catástrofe anunciada é reduzir substancialmente a emissão antrópica de gases do efeito estufa, como declarado em recente manifesto de cerca de 11.000 cientistas especializados [BioScience 70, p. 8 (2020)]. Mas essa estratégia contraria interesses políticos e interfere nos negócios e estilos de vida baseados na filosofia reacionária “business as usual”. Os grupos afetados então reagem através do negacionismo científico. Adepto do modelo de >>>


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