IDEIAS 118

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r$ 10,00 nº 118 ano Vi agosto 2011 www.revistaideias.com.br

pRYscila a mulHeR vieiRa De veRDaDe

Entrevista exclusiva com a criadora da Amely e grande novidade do cartum nacional

Política gleisi e Paulo bernardo na mira economia endividados RePoRtagem Depressão infantil




Índic� colunistas Ciro Correia França 12 Posse na oab, ou o garçom patriota luiz Geraldo Mazza 21 a greve dos garis Fábio Campana 26 Mês de cachorro louco rogerio distefano 27 Ficar, verbo intransitivo

nesta ediÇÃo Fora do ninho 14 Fábio Campana um vice tranquilo 18 olavo saniego Gleisi e bernardo na mira 20 Fábio Campana Quando a burocracia impede o flagrante 22 Márcio barros

luiz Fernando Pereira 28 Menos política. bom sinal rubens Campana 35 trajetórias urbanas izabel Campana 46 Maiôs de leopardo e lágrimas de crocodilo solda 54 as namoradinhas do Professor Thimpor Marianna Camargo 56 ode à barbárie

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seÇÕes editorial 05 Curtas 06 Frases 07 Gente Fina 08

luiz Carlos Zanoni 60 um pesadelo chinês

ensaio Fotográfico 48

Caminhos do desenvolvimento 29 aline Presa

Jussara Voss 61 o doce sabor das frutas

isabela França 72

Com dívidas, mas sem crise 30 karen Fukushima

Marcio renato dos santos 62 e la nave va

Moda - tess biscaia 71

Você já levou seu filho ao psiquiatra? 36 sarah Corazza

Carlos alberto Pessôa 64 Grande poesia para você (por que não?)

Pryscila Vieira 82

Crônicas em tirinhas 40 Marianna Camargo

Camilla inojosa 69 Com açúcar, com afeto

Pryscila, a mulher de verdade 42 Marianna Camargo

Claudia Wasilewski 70 Minha fracassada vida de adolescente

a Geração y 66 Marisol Vieira

Jaime lerner 80 o simpósio

20

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Prateleira 58

balacobaco 76

Cartas/expediente 81

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118 Editorial Fábio Campana

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erdemos o Ciro França. Nos últimos meses, ele publicou aqui na Ideias crônicas que provam o seu talento e o admirável humor que ele preservou mesmo no trecho mais difícil de sua caminhada. Deixou-nos boas lembranças e uma crônica que ele havia enviado para a edição de agosto. Na página 12, Ciro descreve uma solene reunião da OAB. Leia. Sua perspicácia e maestria para construir personagens e narrar cenas do cotidiano estão ali, a provocar frouxos de riso e lembrar-nos o quanto a sua inteligência nos fará falta. Ciro França nasceu em Ponta Grossa em 1944, mas viveu desde os três anos em Curitiba, a cidade que amou e por ela foi correspondido. Pode ser uma saudável reação passageira, essa que vemos agora, mas talvez não seja exagero admitir que a civilização esteja dando um passo adiante nestas terras do herói Caramuru e do esquartejado protomártir Tiradentes, aliás, patrono da polícia. O delegado-geral da Polícia Civil Marcus Vinicius Michelloto diz que é mais importante aumentar o contingente do que elaborar projetos para desmontar os entraves na máquina burocrática. Tema do repórter Márcio Barros, que nos conta sobre o absurdo aparato de órgãos e regras que são um transtorno para a polícia e até para os criminosos. Na política, o acontecimento do mês é a saída de Gustavo Fruet do PSDB. Fora do ninho, ele tenta viabilizar a sua candidatura a prefeito com outra turma, mesmo que seja a que ele hostilizava até outro dia como o bando de mensaleiros. A política é assim nestas paragens de clima instável do planeta. O adversário de Fruet é o prefeito Luciano Ducci, todos os demais serão figurantes na eleição de Curitiba no ano que vem. Alegrai-vos. Nem só de crimes e de política é feito este vale de lágrimas. Há humor e o melhor dele é feito por Pryscila Vieira, boneca que criou a Amely, que frequenta Ideias mensalmente. Ou o humor do experimentado Solda, também da casa. Eles estiveram no Gibicon, a primeira convenção internacional de quadrinhos que aconteceu em Curitiba. Pryscila foi entrevistada por Marianna Camargo, que explica por que ela é considerada a grande revelação do humor nacional. É a matéria de capa desta edição de agosto. Dico Kremer mostra a fotografia de Leonid Streliaev. Marisol Vieira conta o que é a geração Y. Sarah Corazza assina reportagem sobre a psiquiatria infantil e os preconceitos que sobrevivem nessa área, o que dificulta e retarda tratamentos necessários que tornariam melhor a vida dos enfermos. Karen Fukushima investigou os motivos do endividamento dos curitibanos. E para saber o que vai pelos salões, leia a coluna obrigatória de Isabela França, a mais informada das colunistas sociais. Ou o Balacobaco de Thaís Kaniak. É tudo isso e mais um tanto, entre outros que fazem de Ideias a revista preferida dos bípedes sem plumas que sobrevivem nesta área do planeta.


Curtas ATENTADO NA NORUEGA

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DOCE E TRÁGICA AMY

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Meditação nas escolas

ALLENDE COMETEU SUICÍDIO

RICARDO NOGUEIRA/FOLHAPRESS

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Exames divulgados dia 19 de julho indicam que o presidente do Chile Salvador Allende cometeu suicídio dentro do palácio presidencial de La Moneda, quando estava cercado por militares no golpe realizado em 11 de setembro de 1973. “Foi suicídio”, disse o diretor do Serviço Médico Legal do país (SML), Patrício Bustos. O resultado foi divulgado 2 meses após a exumação do corpo do presidente, morto em 1973.

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O sonho brasileiro do terceiro título seguido da Copa América acabou com inéditos quatro erros em quatro cobranças de pênalti. Da mesma forma que os ‘hermanos’ argentinos, na véspera, o Brasil foi mais um favorito a cair, contra o Paraguai, no estádio Único, em La Plata, com a derrota nos pênaltis, por 2 a 0, depois de 0 a 0, no tempo normal e na prorrogação.

Censura ao erótico

AP PHOTO, FILE

FIASCO HISTÓRICO

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O extremista norueguês Andres Behring Breivik, responsável pela morte de 93 pessoas, planejou o atentado por 18 meses. A ideia era matar 5 mil pessoas. Além de ter confessado os crimes, ele organizou um “manifesto” de 1.500 páginas, publicado antes da tragédia, em que afi rma pertencer a uma nova Ordem dos Templários, que prega o fundamentalismo católico e teria membros em diversos países da Europa. A tragédia aconteceu no dia 22 de julho, em uma colônia de férias da juventude do Partido Trabalhista (no poder) na ilha de Utoya, 40 km a oeste da capital. Breivik acredita que seus crimes foram “atrocidades, mas necessários” e que não merece nenhum castigo por eles. DIVULGAÇÃO

O deputado federal Alex Canziani (PTB) quer promover um curso de meditação transcendental para os professores das redes estadual e municipal. Para ele, a meditação pode ajudar muito no desempenho dos alunos em sala de aula, e os docentes poderiam se tornar multiplicadores deste processo. As informações são do site do deputado. “Não tenho dúvidas de que a meditação pode ajudar a melhorar a qualidade do ensino oferecido nas escolas. Minha ideia é levar este conceito para dentro das salas de aula”, salienta o parlamentar, ele próprio um meditante.

Amy Winehouse morreu dia 23 de julho, aos 27 anos. Além de ser uma das maiores cantoras do século 21, era ótima compositora e letrista. Amy tinha voz única. Comparada às grandes divas negras como Billie Holiday e Aretha Franklin. Referências absolutas, porém não igual. Judia de voz negra, nascida no subúrbio de Londres, criada em uma família pobre, desentendimentos com o pai, tudo contribuiu para que Amy fosse além. Intensidade, delicadeza, dor e fragilidade eram traduzidas em suas músicas e na sua vida. Amy cantou na música Back to Black como profecia: Nós apenas dissemos adeus com palavras Eu morri umas cem vezes Você volta pra ela E eu volto ao luto

A Câmara analisa o Projeto de Lei 384/11, do deputado Roberto de Lucena (PV-SP), que proíbe os meios de comunicação de veicular reportagens, artigos e informativos com ilustrações de caráter erótico. Pelo texto, esse tipo de material somente será permitido em publicações destinadas exclusivamente ao público adulto. Veículos que desobedecerem à lei ficarão sujeitos a multas de R$ 10 mil a R$ 100 mil.


Frases “Eu corrigi um erro”

“Sei que Curitiba fez mudanças urbanas que influenciaram outras cidades”

Deputado federal Fernando Lúcio Giacobo (PR) sobre o desvio de R$ 35 milhões de Curitiba destinados à Linha Verde, em Curitiba, mas que foram distribuídos por vários municípios do Estado como a correção de um erro.

David Byrne, músico e líder da extinta Talking Heads, ao elogiar Curitiba como exemplo de cidade sustentável e modelo no sistema de transporte coletivo.

“A roda é uma extensão do pé, o livro é uma extensão do olho; a roupa, uma extensão da pele, e a internet, uma extensão do cérebro” O ensaísta canadense Marshall McLuhan formulou esses axiomas há mais de 40 anos, quando nem sinal havia da rede mundial de computadores.

O ex-deputado Gustavo Fruet quando perguntado por Joice Hasselmann, no programa Olho no Olho, da Band News sobre o fato de parecer que caminha sozinho. – “Mas política não se faz em grupo?” E Fruet responde:

“Al Capone também trabalhava em grupo!”

“Sou bagrinho” Ministro das Comunicações Paulo Bernardo diz que toma conhecimento das suspeitas em torno de integrantes do Ministério dos Transportes pela imprensa.

“A gente só não vê, na maneira de dizer, cavalo voar. Mas tem uns potrinhos aí que já estão com penugem” Waldyr Pugliesi, presidente estadual do PMDB, sobre alguns integrantes do partido. E acrescenta:

JACQUES DEQUEKER

ABr

“O partido é um partido partido”

“Para 49 anos, eu me sinto muito bem, não tenho vergonha de me olhar no espelho de calcinha e sutiã ou sem roupa, porque estou consciente de que não tenho mais o tônus muscular nem o frescor da juventude” Luiza Brunet, modelo e empresária, em entrevista à revista Contigo!

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FINA

Olhe a foto. Perceba a luz, o tom de pele, as sombras, a textura da roupa. Agora a modelo. Lindíssima. Beleza nossa. Michele Pickler é de Curitiba, mora em São Paulo e tem os seus melhores registros nas lentes de Pablo Contreras, que a tem como modelo preferida. Essa maravilha prova que quando a modelo é Michele e o fotógrafo é Pablo há uma perfeita conjugação de talentos. Diante e atrás da câmara. Fábio Campana

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Pablo Contreras

Beleza nossa


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FINA

dico kremer

Sarah Coragem

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odelo? Patricinha? Atriz? Devagar com o andor. Esse rosto de ingênua beleza esconde uma fera do novo jornalismo nativo. Sarah Corazza diz que não saberia fazer outra coisa que não fosse jornalismo. Ao contrário do que pretende a maioria das jornalistas de cara bonita, Sarah não quis ser apenas uma apresentadora de televisão para ganhar notoriedade fácil e fugaz. Seu interesse é pela função mais nobre da profissão. É repórter. Vai fundo na investigação de temas polêmicos, o que sempre exige boa dose de coragem. E talento, muito talento, também para escrever. O texto de Sarah costuma ter a leveza de sua expressão, mesmo quando trata dos temas mais brutos. Leia a série de suas matérias publicadas nesta revista Ideias. Você tem muito a aprender com a moça além de admirar-lhe a beleza. Fábio Campana

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FINA Na batucada

com

Luciane Merlin é cantora. Curitibana. Dona de uma voz invejável. Lu é minha primeira amiga da vida. Desde os anos 80 tive a sorte de ouvi-la cantarolar. Época boa. Crescemos. Luciane aperfeiçoou o talento. Agora estreia “Pra cantar a Batucada”, seu primeiro show. Começará com estilo. No Teatro Paiol. Uma homenagem ao centenário do cantor e compositor Assis Valente. O repertório foi escolhido pela cantora. Retrata as fases da carreira do compositor e sua brasilidade. Carmen Miranda, madrinha e musa de Valente, interpretou suas canções. Chegou a vez de Luciane. Luciane começou a cantar aos sete anos de idade por convite do maestro Ailton Fontoura. Ele percebeu o talento da menina que acompanhava os pais nos ensaios da igreja. Não parou mais. Já integrou vários grupos vocais. Está no Grupo de MPB da Universidade Federal do Paraná desde 2003. Já participou de uma das montagens da ópera “Carmen de Bizet” a convite de Carlos Todeschini no Teatro Guaíra. Oficinas e festivais de música também fazem parte de seu currículo. Luciane faz o samba pra gente sambar. Thais Kaniak

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Camila Mayumi Matsuda

Luciane


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Guilherme,

o homem de aço

FINA

Guilherme Valenza Manocchio sempre foi ligado aos esportes. Um pouco pelo temperamento agitado e por isso sempre gostou de correr. Mais tarde veio o triathlon. O grande desafio. O início não foi fácil, mas Guilherme persistiu e os resultados começaram a aparecer. Começou a competir em 2000 como atleta profissional. Demorou seis anos para ganhar a primeira prova. Perdeu inúmeras. Treinou, aperfeiçoou-se, insistiu. Começou a aparecer entre os primeiros. No Ironman Brasil deste ano teve o maior momento da carreira. Conquistou o segundo lugar e quebrou o recorde brasileiro para a distância. Levou 8h17min20seg para cruzar a linha de chegada. Guilherme diz que tem pela frente muito trabalho, mas o importante é persistir. “Não precisa nada além de dedicação e força de vontade. E tentativas. Assim é a roda da vida. Espero agora continuar passando o exemplo que é possível conseguir seus objetivos, sejam físicos, psicológicos ou materiais. Aquele seu emprego dos sonhos, a casa própria, uma família... Se realmente botar toda sua energia nisso e se for algo justo aos olhos de Deus você irá conseguir. Por que não?”. Marianna Camargo

Simpatia do Eliseu

karen fukushima

Eliseu ganharia qualquer concurso de simpatia daqui ao Japão. Paciência de Jó, enorme reserva de atenção e um cuidado extremo para preservar os sabores da cozinha que herdou dos pais e que dirige há mais de 25 anos. A comida é simples, o lugar é simples, tudo é muito simples, mas há fila para fazer o pedido. Vale a pena. Não é sem razão que Eliseu recebe tanta gente, de todas as cataduras, incluídas as de alto coturno, para saborear o que oferece. Além dos pastéis e bolinhos de carne inigualáveis, a refeição completa da tradição brasileira. Salada, arroz, feijão, bife a milanesa, peixe ou bisteca. Ao final, a banana ao forno coberta com canela e açúcar. No Mercado Municipal, no Box do Eliseu. Fábio Campana agosto de 2011 |

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Ciro Correia França

Posse na OAB, ou o garçom patriota

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erreira Gullar bem que poderia ter acrescentado à sua célebre frase que o hino nacional, como notou em relação à crase, também não foi feito para humilhar ninguém... O que me levou a essa divagação foi a lembrança da solenidade de posse da diretoria da OAB-Curitiba, em 2004, em cuja agenda cerimonial constava a vocalização do hino nacional, providência sonora que emprestaria à festividade uma nota cívica. Para comandar o coro estava escalado um cantor que, desgraçadamente, foi barrado na entrada do clube onde ocorreria a cerimônia porque esqueceram de dar-lhe um convite. A defecção só não chegou a ser um problema graças ao patriotismo de um garçom solícito, que ao perceber o impasse, ofereceu-se para substituir o cantor. Estava meio mamado, é verdade, mas nem por isso o oferecimento deixou de ser aceito e nem a nobreza do gesto deixou de ser registrada pela diretoria eleita, para uma futura espórtula em espécie. Anunciado o hino, a atenta comunidade jurídica da terra e seus convidados fizeram um silêncio respeitoso, alguns já em pé e com a mão direita espalmada sobre o peito. Ouviu-se então tremular detrás das cortinas do palco, uma voz tíbia que parecia vir das profundezas abissais de um cânion: — Ouviram do Ipiraanga as margens pláááácidas... Inicialmente, um frisson patriótico percorreu a espinha dorsal de algumas mães, inflando-as de maternal orgulho dos filhos que logo seriam empossados Continuou a voz, num vibrato quase tísico: — de um pooovo heróico o braaado retumbanteee... Alguns dos presentes estranharam a debilidade vocal do artista, mas outros traziam um ar de aprovação no semblante, pensando tratar-se de uma interpretação moderna, que imprimia à simbólica peça musical um efeito técnico oscila-

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tório, como faz, por exemplo, o Caetano Veloso quando canta em falsete. Todavia, ninguém se atreveu a acompanhá-lo, pois o cantor poderia introduzir uma firula vocal qualquer e fazer cair no ridículo quem tentasse segui-lo na bossa... No entanto, é bem mais provável que ele desconhecesse o imperativo legal de que, na adaptação vocal do hino, deve ser mantido o tom em fá maior - estabelecido pelo maestro Alberto Nepomuceno, como está na lei - e que a melodia deve sempre ser executada em andamento metronômico de uma semínima igual a 120, como todos nós estamos carecas de saber, pois não? — E o céu da liberdade em raios fúúúúúlgidos Brilhou no sol da pátria nesse instanteeee... arquejou. Muitos não perceberam a inversão, mas algumas tossidelas soaram e risinhos foram ouvidos em diferentes pontos do ambiente. A mãe do presidente eleito teve um mau pressentimento. Aguçou os ouvidos... — Se o penhoor dessa igualdade Conseguimos conquistar com braço forteeee... Depois de uma pausa exagerada a voz, quase inaudível, trauteou detrás da cortina: — laralalá lararalalá, laralalalalala... a própria morteeee... Um mal-estar generalizado tomou conta do salão. O cantor ad hoc fora acometido de súbito ataque de amnésia. — O sujeito esqueceu a letra do hino - disse uma dama. A mãe do presidente eleito pôs-se a salti-

tar freneticamente, enquanto cantava o hino a plenos pulmões e com os braços levantados conclamava os presentes a entoá-lo também. — Ó pátria amada Idolatrada salve, salveeeeeeee O cantor prosseguiu com voz pífia, mais um lamento fúnebre do que o fervor patriótico que o hino exige. — lalá laralalá, laralalalaláááá... Socando a mesa e exclamando “Vergonha! Vergonha!”, uma outra dama, em estado apoplético, demonstrava com fúria toda a sua indignação. Um cavalheiro que parecia ser o seu consorte tentava fazê-la retomar a razão, sem sucesso. Ao fundo gargalhadas incontidas quebravam o caráter solene da cerimônia. O hino passou a receber o reforço solidário dos convidados que em sua defesa, sob a regência vigorosa da mãe do novo presidente, cantava: — Brasil, um sonho intenso, um raio vívidoooooooo De amor e de esperança à terra desce Mas nem por isso o cantor perdeu o rebolado cívico, e por vezes ouvia-se o seu murmurar: — lalalaralará laralaláálala O clamor de indignação mesclava-se com o uníssono da melodia. Explodiam francas gargalhadas a cada participação do intérprete, que não se dava por vencido... — laralalalalá laralaláaaaalala... E assim foram cantados os versos do velho Duque-Estrada, até que – para alívio de todos – vibrou o que parecia ser o final do hino — Gentil, pátria amada, Brasilllllllllll! Após uma longa pausa, quando ia tomar da palavra o presidente eleito da OAB-Curitiba, a vozinha trêmula recomeçou: — Deitado eternamente em berço esplêndidoooooo...

Ciro Correia França colunista da Revista Ideias.


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Polític�

Fora do ninho FÁBIO CAMPANA

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nfim, Gustavo Fruet deixou o PSDB. Rompeu-se o que já estava roto há muito tempo. Fruet sempre teve projetos pessoais que conflitavam com o dos tucanos estabelecidos há mais tempo no partido. Ele nunca integrou o grupo liderado pelo governador Beto Richa, hegemônico e de consistência granítica desde que conquistou o governo estadual. Fruet sempre esteve mais próximo dos desafetos internos de Richa, entre os quais se destaca a figura emblemática do senador Alvaro Dias, que na disputa do governo apoiou o irmão, Osmar Dias, candidato da oposição. Nesse jogo, sempre valorizou as relações com a cúpula do tucanato nacional, crente de que elas garantiriam suas pretensões aqui na província. Os observadores da cena paranaense lembram acontecimento recente que ilustra bem a atitude de Fruet. Ele foi ao casamento do filho de Beto Richa e nem sequer cumprimentou o governador ou o noivo. Dedicou-se a conversas com os tucanos de alto coturno nacional que compareceram à festa, especialmente o presidente da sigla, senador Sergio Guerra, para articular uma pressão de cima para baixo que pudesse impor sua candidatura a prefeito. A baixa confiança do grupo liderado por Beto Richa se acentuou durante a campanha eleitoral do ano passado. Pois, pois, Fruet lançou-se à disputa do Senado e foi derrotado por pouco pelo combalido Requião, que só se elegeu porque um juiz tirou férias e engavetou as denúncias de maracutaias de seu irmão,

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Por essas atituDes De menosPreZo ao GruPo, Fruet semPre teve DiFicuLDaDes Para FaZer vaLer suas PretensÕes em quaLquer PartiDo Eduardo, no porto de Paranaguá. Mas Requião também foi beneficiado por Fruet, adversário que não teve a ousadia de enfrentá-lo de frente, muito menos de assumir a condição de candidato de uma coalizão e se associar ao pretendente a outra cadeira do Senado, Ricardo Barros, do PP, como aconselhava a inteligência e os acordos partidários. O estilo faz o homem. Por essas pequenas e

grandes atitudes de menosprezo ao grupo, Fruet sempre teve dificuldades para fazer valer suas pretensões em qualquer partido. Por isso saiu do PMDB e pelo mesmo motivo, agora sai do PSDB. Quer ser candidato a prefeito de Curitiba, o atalho político para quem deseja ser governador e até alçar voos mais altos, que o sonho dos políticos nativos do alto ou do baixo clero é chegar à presidência da República. Nem mais, nem menos.

estRanhO nO ninhO Hoje, todas as pesquisas de opinião atribuem a Fruet a condição de queridinho de boa parcela da classe média e esperança dos burgueses e burguesotes de Curitiba. Mas isso não confere força partidária a Fruet. O sucesso nas rodas de café não se repete nos círculos internos do PSDB. Atado a um pequeno grupo de simpatizantes e aprendizes de feiticeiro, Fruet sempre demonstrou absoluta incapacidade para o jogo interno no partido. Confia sempre na indicação partidária por força de sua popularidade. Mas isso não é suficiente, até porque a chance de vitória sempre terá que ser provada nas urnas, e para arrastar a massa partidária, sua candidatura terá que significar a vontade da maioria. O certo é que no ninho dos tucanos Fruet nunca foi unanimidade, nunca teve maioria, nunca foi prioridade para as eleições do ano que vem. Foi-lhe oferecido outro plano de voo: o vice de Ducci, o que aplainaria o terreno para uma candidatura a titular em 2016, com chances de reeleição em 2020, ao mesmo tempo em que se prepararia para suceder Beto Richa em 2018. Belo plano que dificilmente seria recusado pelos


políticos que hoje se aglomeram em torno da liderança do governador. Ora, pois, o projeto a longo prazo não entusiasmou a turma da rua Chile. Fruet tem pressa. Prefere arriscar tudo agora, enquanto os seus índices de popularidade e prestígio estão altos. E não faltam conselheiros de todas as cataduras que o estimulam à aventura. Na verdade, sua candidatura é do interesse de todas as correntes que se opõe à nova hegemonia dos tucanos na política do Paraná. Tem adeptos do PT ao PFL, sem esquecer a geleia geral do PMDB, que em Curitiba volta a ser comandado por Roberto Requião, maior desafeto de Fruet, nem por isso insensível a uma aliança que satisfaça a família e a alcateia que o rodeia. Mas o maior interessado nessa reengenharia da política nativa é, sem dúvida, o PT, que olha para 2014, quando deverá lançar a candidatura da ministra Gleisi Hoffmann para enfrentar a tentativa de reeleição de Beto Richa. Enfraquecer o adversário em sua principal base de apoio, no principal colégio eleitoral do Paraná, é manobra fundamental para a estratégia petista. A absoluta maioria apoia desde já e com entusiasmo a candidatura de Fruet, que até o ano passado era um

Luciano Ducci é um tucano verdadeiro a serviço da causa de Beto Richa no PSB, enquanto Fruet seria o falso tucano que jamais se adaptou ao ninho

dos mais ácidos opositores do governo do PT na Câmara Federal. Macunaíma exulta com essas variações ideológicas ao sabor das conveniências. E ninguém duvida da eficiência da maioria para sufocar os uivos da banda xiita que pede candidatura própria. Nem o deputado Doutor Rosinha, nem o estadual Tadeu Veneri têm densidade eleitoral suficiente para manter a pretensão de surfar em cima da popularidade de Lula e de Dilma Rousseff para ganhar a prefeitura de Curitiba.

O candidato de Richa Fruet exigia do PSDB o apoio exclusivo à sua candidatura, embora soubesse que o principal tucano da praça, o governador Beto Richa, tem compromisso firmado com o prefeito Luciano Ducci, que é do PSB, mas sempre se comportou como tucano e garantiu o apoio não só do PSB, mas de outros partidos, grupos e correntes de opinião. Ou seja, o que se diz no PSDB é que Luciano Ducci é um tucano verdadeiro a serviço da causa de Beto Richa no PSB, enquanto Fruet seria o falso tucano que jamais se adaptou ao ninho e que por isso mesmo agora procura outro abrigo. agosto de 2011 |

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O casal ministerial Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann não esconde seu interesse pelo passe de Gustavo O certo é que eleição majoritária nunca é possível sem o apoio de vários partidos e grupos. Beto Richa considera que a aliança com Luciano Ducci foi fundamental para a sua vitória em 2010. Até os pedregulhos do Centro Cívico sabem que ele vai apoiar a candidatura de Ducci, que, se não é o queridinho do pessoal mais perfumado de cima, é o preferido nas chamadas classes populares, ou seja, a absoluta maioria da população que depende de salários apertados, serviços públicos de transporte, saúde e educação e sonha com a ampliação da oportunidade de empregos. O discurso de Fruet, acentuado pelo moralismo que promete o fim de privilégios e a caça aos corruptos, desperta os sentimentos mais

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primários da pequena-burguesia que ainda acredita que o grande problema econômico do país resulta do desvio de verbas públicas para fins pessoais. Essa linha faz sucesso e consagrou epígonos do Duce italiano por aqui. Requião é o melhor exemplo. O problema de Gustavo Fruet é que os eleitores de Curitiba têm características muito singulares. Não há outra capital do país tão avessa ao populismo barato quanto esta povoada marcada pela tradição de imigrantes desconfiados que dão mais valor à obra que ao discurso. É só olhar para a galeria dos prefeitos eleitos e veremos que, com exceção de Requião, e talvez por isso mesmo, nunca mais Curitiba elegeu um populista de discurso fácil a desfiar teses de oposição e denúncias de corrupção. Dizem os institutos de pesquisa que o curitibano pode votar em alguns desses personagens para cargos legislativos, mas na hora de entregar o executivo e o cofre da prefeitura, fica com o técnico, com o que tem propostas mais consistentes. Luciano Ducci tem a seu favor a exposição como prefeito, que lhe permite mostrar as obras de sua administração. Abençoado pelos principais eleitores da cidade, Beto Richa e Fernanda Richa, será um adversário muito difícil de enfrentar. Mas os “luas pretas” de Gustavo Fruet garantem que as chances de vitória são muitas.

Os nós da candidatura Até aqui, tudo bem. Essa é avaliação dos aliados de Gustavo Fruet que fazem uma leitura positiva de sua saída do PSDB, quando o ex-deputado teria conseguido passar, pelo menos para os mais incautos, a imagem de vítima inocente daqueles que não queriam lhe dar espaço. O problema mais complexo será daqui para frente. Quando Fruet terá de escolher seu novo

grupo político. O desafio é não passar a imagem nem de traidor, nem de oportunista e, menos ainda, de laranja. O temor é de que Fruet passe a sofrer de uma versão política do “Efeito Orloff” (“eu sou você amanhã”). Quem já sofreu esse efeito foi Osmar Dias, que abandonou seus aliados tradicionais e, de crítico, virou bajulador do PT. Depois disso, em 2010, fez menos votos do que havia feito em 2006. Um caso radical do “Efeito Orloff” é o de Rafael Greca. Ex-deputado federal, ex-prefeito de Curitiba, ex-ministro, que abandonou seu grupo político, se juntou a antigos inimigos. Passou de campeão de votos para a condição de político que não consegue se eleger para nada. Ingressar no PT? Nem pensar. Apoio? Claro. É tudo o que Fruet quer e tudo indica que não será difícil obtê-lo. O ministro das comunicações, Paulo Bernardo, hoje um dos nomes mais influentes na política paranaense, está

nem Doutor Rosinha, nem Tadeu Veneri têm densidade eleitoral suficiente para surfar em cima da popularidade de Lula e Dilma


“Fruet quer aliança com aqueles que chamava de mensaleiros...” dispara requião dando a entender que o PT, seu partido, poderia, sim, ter a ganhar com um apoio à candidatura de Gustavo Fruet para a prefeitura de Curitiba em 2012. “Não vou negar que nós estamos olhando com atenção essa situação”, disse o ministro, se referindo à saída de Fruet do PSDB e à possibilidade de ele poder ingressar em um partido que faz parte da base do governo de Dilma Rousseff. Sobre o fato de Fruet ter sido da oposição a Lula no Congresso e de ter feito várias críticas ao PT, Paulo Bernardo afirmou que esse não é um “Fla-Flu”, um “Palmeiras e Corinthians”. Diz mais: “O que nós temos que ver é qual é o plano de Fruet para Curitiba. E ver se isso tem relação com o que o partido pensa para a cidade”, afirma, Além disso, Paulo Bernardo diz que às vezes não ter candidato próprio pode ser positivo para o partido. Como em 2010, quando o PT apoiou Osmar Dias. “Fizemos uma senadora, um deputado federal a mais e um deputado estadual a mais”, diz. No entanto, claro, como bom político, o ministro diz que Tadeu Veneri e Dr. Rosinha têm todo o direito de pleitear a candidatura própria. Esse deboche provoca frouxos de riso nos políticos nativos.

Só Freud explica Conciliar posições ideológicas tão díspares não é tarefa simples. A saída de Gustavo Fruet do PSDB provocou uma marola na modorrenta política paranaense. No PT produziu um conflito intestino entre os defensores da candidatura própria e aqueles que priorizam o projeto de eleger Gleisi Hoffmann governadora em 2014. Os deputados petistas Dr. Rosinha e Tadeu Veneri, que contavam coma possibilidade de sair candidatos a prefeito em 2012 para facilitar a reeleição para a Câmara Federal e Assembleia

Legislativa em 2014 reagem à ideia de apoiar a candidatura de Fruet. Rosinha acusa Fruet de ser frouxo e de oportunismo por pregar mudança. “É muito tarde para Gustavo Fruet pregar renovação” e “mudança” em Curitiba. Ele apoiou todos os últimos prefeitos. Autocrítica tardia ou oportunismo

Rafael Greca Passou de campeão de votos para a condição de político que não consegue se eleger para nada

pré-eleitoral? Fico com a segunda opção.” A hostilidade de petistas devotos, mas ruins de voto, como Veneri e Rosinha, é contrabalançada pelo grande interesse que Fruet desperta no alto clero do partido no Estado. O casal ministerial Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann não esconde seu interesse pelo passe de Gustavo. Ter a prefeitura de Curitiba na mão seria meio caminho andado para emplacar Gleisi no governo em 2014, avaliam. Se necessário, passam como um trator sobre Veneri e Rosinha. Em entrevista Gustavo Fruet não gostou nadinha da declaração dada pelo deputado federal Dr. Rosinha (PT) e mandou o petista se tratar. “Rosinha é um caso para a psicanálise, disse Fruet. A resposta foi dada à provocação que o petista fez na semana passada, logo que o ex-deputado deixou o PSDB. Rosinha declarou que Fruet não enfrenta os problemas, pelo contrário foge deles. “Em 2004, fugiu do PMDB. Agora, do PSDB”, disse o deputado. Para apimentar ainda mais o debate, Requião se descontrola. A saída de Gustavo Fruet do PSDB parece ter liberado os demônios internos do senador Requião. Para combater as pressões daqueles que querem levar o ex-deputado para o PMDB, Requião dispara freneticamente contra Fruet. Entre outros ataques, sugere que ele vai se aliar aos mensaleiros (“Fruet quer aliança com aqueles que chamava de mensaleiros? Santa Periquita da rua Chile, livrai-nos do mal.”) e dispara até contra a comentarista da CBN, Lúcia Hipólito, que elogiou Fruet. Assim caminha a humanidade. O confronto do ano que vem será mesmo entre Gustavo Fruet e o prefeito Luciano Ducci. Todos os demais serão figurantes nessa novela, especialmente o obeso Rafael Greca, que quanto mais pesa, mais votos parece perder. É aguardar. Mas o tempo parece trabalhar contra Fruet. agosto de 2011 |

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Polític�

Um vice tranQuilo OLAVO SANIEGO

F

lávio Arns demonstrou durante os dez dias em que governou o Estado interinamente a total afinidade que tem com Beto Richa. Cumpriu uma extensa agenda de trabalho e deu encaminhamento a diversos temas importantes para os paranaenses. Flávio Arns assumiu o governo do Estado no dia 13 de julho. Completou dez dias no cargo cumprindo uma extensa agenda de atividades administrativas e encaminhamento de assuntos importantes para o Paraná de forma serena, como é sua característica. Dedicou-se ao trabalho de gabinete, despachando com deputados, prefeitos, secretários estaduais, técnicos e assessores. Nas solenidades em que participou, sempre fez questão de destacar as marcas da gestão Beto Richa: diálogo, união e solidariedade. “Foi assim que nos apresentamos aos paranaenses na campanha de 2010 e é dessa forma que vamos administrar o Paraná”, ressaltou ele. Sempre disponível para uma boa conversa, Flávio Arns atendeu trabalhadores rurais sem terra, agricultores, deu

assinou convênio com o Banco Do BrasiL Para Garantir r$ 150 miLhÕes em recursos Para o Financiamento De maquinário através Do ProGrama trator soLiDário 18

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arnaldo alVes / aenotíCias


Ricardo Almeida / AENotícias

atenção a pedidos de homossexuais, encaminhou assuntos relacionados à remuneração de professores e instituiu o Comitê Gestor de Saúde Mental do Estado. “Precisamos desmistificar a doença mental por meio de ações de esclarecimento e da sensibilização da sociedade e também proporcionar o atendimento interdisciplinar ao doente, sua família e comunidade”, disse. Em outro campo, o governador em exercício criou nove Câmaras Temáticas que vão apoiar a execução de projetos públicos e privados para a Copa de 2014. Também assinou decreto que reestrutura o Comitê Estadual Desportivo e Paranadesportivo, cujo trabalho vai se concentrar na implantação de um Centro de Excelência para treinamento de atletas e paratletas em São José dos Pinhais. Assinou convênios com o Banco do Brasil para garantir R$ 150 milhões em recursos para o financiamento de maquinário através do programa Trator Solidário e com a Copel, para a modernização das instalações elétricas das escolas da rede público estadual. Foi a Paranaguá para conhecer os projetos de modernização do Porto. Em Piraquara, entregou carteiras reformadas por detentos da Penitenciária Central para escolas e, em Rio Negro prestigiou encontros de profissionais de educação. Durante a interinidade, o governador em exercício assinou ainda um decreto que cria no Paraná o Grupo Executivo sobre o Trabalho Decente, atendendo compromisso assumido pelo Brasil com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ao longo do tempo em que ficou à frente do governo, Flávio Arns se mostrou discreto e confirmou as palavras de Beto Richa ao lhe transmitir o cargo. “Faço essa transmissão com muita tranquilidade. Porque deixo o governo em boas mãos. Deixo para um companheiro competente e extremamente eficiente na administração de suas tarefas”, afirmou Richa. A interinidade comprovou a boa parceria e entrosamento entre o titular e o vice, que tem demonstrado extrema capacidade de gestão e participado de todas as decisões de governo. “É um secretário competente, eficiente e sensível, como é preciso ser na área de educação e respeitado em todo o Paraná, pela serenidade e equilíbrio”, classificou Richa antes de viajar. De seu lado, Arns cumpriu o que foi dito naquele 13 de julho de 2011, quando assumiu pela primeira vez o governo do Estado dizendo que daria continuidade ao trabalho na ausência de Richa. “A equipe é a mesma, o espírito é o mesmo e vamos dar conta do recado”, declarou ele. Cumpriu o prometido.

Beto Richa transmite o cargo a Flávio Arns

Flávio Arns e Airton Maron, superintendente dos portos de Paranaguá e Antonina

José Fernando Ogura/Vice-Governadoria

Flávio Arns cumprimenta o agricultor John Deividy Costa, de Palmeira, que recebeu o primeiro trator do Programa Trator Solidário de 2011, durante a abertura da XII Feira Sabores do Paraná agosto de 2011 |

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Polític�

Gleisi e Bernardo na mira

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FÁBIO CAMPANA

ó os muito ingênuos imagiO site Contas Abertas revela outras coinaram que a oposição não sas. A campanha de Gleisi Hoffmann emtentaria desgastar os mibolsou um quarto de todas as doações da nistros paranaenses Paulo empreiteira Camargo Corrêa em 2008. Diz Bernardo e Gleisi Hoffmann, o site Contas Abertas: “Em 2008, a consos dois do PT, no rastro do trutora doou apenas R$ 2 milhões para os escândalo que defenestrou o ministro candidatos nas eleições municipais. Um Afredo Nascimento dos Transportes. quarto desse valor foi destinado à candiImediatamente os senadores Roberto data à prefeitura da capital paranaense, Requião, do PMDB, e Alvaro Dias, do Curitiba, Gleisi Helena Hoffmann (PT)”. PSDB, iniciaram fogo cerrado em cima Como se vê, o homem-bomba desse do casal ministerial. imbróglio é Luiz Antonio Pagot, que diAtividade frenética agitou os memrigia o Dnit, departamento que cuida de bros da tropa de choque do senador obras e define de onde vem e para onde Roberto Requião. Loucos para dar um vai a dinheirama dos Transportes. Ele troco em Paulo Bernardo, que levou seu despencou com a cúpula do ministério, “Quando a investigação se aprofundar o casal 20 vai aparecer na foto líder a desembolsar R$ 100 mil por calúsuspeita de propinas, superfaturamento do escândalo”, diz o líder do Psdb alvaro dias nia, reviram os monturos em buscas de e desvios para empresas, inclusive a do evidências de que o casal de ministros filho-prodígio do próprio ministro. está envolvido em escândalos com empreiteiras. ba em 2008. A campanha de Gleisi embolsou Pagot tem subido de tom a cada dia e a cada O senador Alvaro Dias (PSDB) move todos os R$ 500 mil. Foram R$ 150 mil em 30/07/2008; mais nova entrevista. Sua melhor chance de trincar esforços para associar o casal de ministros com R$ 150 mil em 22/08/2008 e mais R$ 200 mil em cristais será na próxima terça, quando depõe o escândalo do Dnit. Espalha aos quatro ventos 29/08/2008. A campanha de Gleisi Hoffmann foi no Congresso. Ao que tudo indica, vai tentar que Paulo e Gleisi são próximos do ex-diretor- a campanha das empreiteiras. tirar a responsabilidade do próprio ombro para -presidente do Dnit, Luiz Antonio Pagot (PT), As construtoras UTC Engenharia S.A.; WTorre jogar no de Bernardo. Na versão de Pagot, era afastado do cargo no escândalo do Ministério Engenharia e Construção S.A.; Construtora OAS ele, Bernardo, quem comandava reuniões com dos Transporte. Ltda.; Construções e Comércio Camargo Corrêa empreiteiras para discutir obras, verba. Alvaro quer porque quer criar uma situação S.A.; Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A.; Já que o mensalão está de volta com o pareque diminua a força dos ministros paranaenses. MasterPav Construtora Ltda.; MRG Construto- cer do procurador-geral da República, Roberto Faz até uma previsão: “Quando a investigação se ra Ltda.; e Alusa Engenharia Ltda., foram res- Gurgel, pedindo a condenação de 36 implicaaprofundar, o casal 20 vai aparecer na foto do ponsáveis por R$ 3,5 milhões em doações para dos, impõe-se uma comparação: Pagot está escândalo”, conclui. a campanha de Gleisi. ensaiando para ser um novo Roberto Jefferson, Além das denúncias do ex-diretor do Dnit, que detonou o esquema, carimbando duas Luiz Antonio Pagot, de que Paulo Bernardo fases tanto do governo Lula quanto do PT: o emitia “ordens superiores” para aditivos em antes e o depois do mensalão. Resta saber se contratos do Ministério dos Transportes e que ele tem bala na agulha, como Jefferson tinha. Gleisi operava tais contratos no Paraná, proPara quem alega que Pagot não tem credicuram ligações da ministra com a Operação bilidade nenhuma, vale lembrar que se dizia Castelo de Areia, aquela desfechada pela Polícia o mesmo de Roberto Jefferson à época. E deu Federal em 2009 e que era protagonizada pela no que deu — e ainda está dando. Construtora Camargo Corrêa. Há, porém, uma diferença importante. Depois de muito cascavilhar, os aliados Enquanto Jefferson foi um franco-atirador, do senador Alvaro Dias apresentaram a seu Pagot parece ser a linha de frente de um líder a seguinte colheita: a Camargo Corexército — o PR. A artilharia pode ser perêa foi a principal doadora da campanha sada, e Dilma deve estar preparada e armada luiz antonio Pagot, ex-diretor do dnit, parece ser a linha de de Gleisi Hoffmann à prefeitura de Curitipara o contra-ataque. frente de um exército — o Pr

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Luiz Geraldo Mazza

A greve dos garis

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entre as muitas cenas de tensão social, de que participei, e não apenas como testemunha, uma das mais tensas e ao mesmo tempo bizarras, foi a de uma greve de garis, aquele tempo um serviço ainda não terceirizado à Terpa-Lipater e depois à Cavo e à Camargo Correa. Houve um tempo em que vivia uma espécie de disponibilidade para esses agitos de rua, ainda que formado em Direito há tempo, mas com aquela visão de que como “vetores da história”, imaginem o exagero, seríamos indispensáveis em todas. Sem nós o mundo sofreria. O vereador Everaldo Silva, que presidia a Associação dos Servidores Municipais, Asmuc, botou a “procissão” nas ruas e pediu meus préstimos: lá estavam os rudes trabalhadores dos que abrem valetas, dos que retificam canais aos que coletavam o lixo. Para começo de conversa, dei uma de maestro decorando palavras de ordem, em duas ou três vozes, com o inevitável “Estamos com fome, estamos com fome”. Saímos da Praça Osório em direção à Universidade e logo nos primeiros passos o impactante desafio, aquele que tirou o Chacrinha do sério no Ginásio do Tarumã olhando o povo como um ser indefinível e que não entrava nos seus apelos do “roda, roda”: na loja da Singer, um colega dos tempos de Universidade, me olhou e com um menear de cabeça, debochando, fez esforço para me devolver à razão e enxergar-me como ridículo. Agitador de rua tem essa mania de “representar” classes oprimidas até usando suas roupas como vi o ex-juiz de Direito, Elísio Marques, vestido de vigilante e invadindo uma agência bancária, ele que já fôra professor, PM, o escambau. Superado o primeiro entrave, sem conseguir dissimular meu constrangimento ante o curitibano empata-foda fomos em frente tentando melhores acordes como se estivéssemos tomados pelo espírito vivo do maestro Karabitchewski.

O mundO aOs pés Habituado aos agitos

Houve um tempo em que vivíamos disponíveis para esses agitos de rua, com aquela visão de que seríamos indispensáveis do “Movimento dos Partidários da Paz” e da “Panela Vazia” sempre achamos que todo o povo estava com a gente, e na maioria dos casos com magotes de 15 a 20 pessoas, todos treinadíssimos para a chegada da polícia e corridas de 200 a mil metros. Foi assim, com o triunfalismo quase religioso dos cruzados da boa causa, como se tivéssemos vencido gladiadores e leões na Arena romana, que entramos no Sindicato dos Comerciários para as liturgias de praxe. De cara vi agentes do SNI na mesa e alguns da DOPS, Delegacia de Ordem Política e Social, no meio dos manifestantes. Aí me escalaram para o discurso e optei pelo tom emocional: olhando nos olhos daquela gente humilde, falei-lhe de suas mãos, essas que limpam detritos, que abrem valetas, que removem entulhos de canais, as mesmas que rezam e creem num amanhã de justiça e fraternidade. Daí pulei para o temerário: um amigo meu, que lá estava destacado para o relatório da DOPS, o Izabelino, ponta direita do Atlético e da Ponte Preta, companheiro de

minhas peladas no Burguel em Campo Comprido e na polaco Kaminski em Vila Isabel dissimulava ser também um sindicalista. Dei tom grave à voz e registrei a presença da polícia, o que deixou os caras do SNI tensos, mas dei um drible: “notei que esse agente policial, um trabalhador como qualquer um de nós, que ele a princípio titubeou em votar com as moções dominantes e que justamente agora, dominado pela justeza da causa, vota com irreprimível convicção”. Que sacanagem! Isabelino, refeito do susto, com um riso mais carioca do que uruguaio, foi bem mais leal do que eu: prometeu com sinal de top-top, a mão direita aberta batendo na esquerda fechada, que iria me entregar, mas foi tão elegante quanto os seus dribles da direita para esquerda em diagonal, sorridente, rumo ao gol. Fez um gol contra na repressão porque para o bom boleiro só o amor constrói.

para terminar De 1964 a 69 mais ou menos, no aguardo do habeas corpus que o Superior Tribunal Militar nos daria vivíamos um drama com filhos pequenos e com os alarmes, o mais das vezes paranoicos, de que a Polícia do Exército nos pegaria. E foi num clima desses (minha mulher já não aguentava a espera desse Godot misterioso e terrível) que bateram na janela da sacada. Era o Sérgio Zacarias, filho do Miguel Zacarias, dirigente da DOPS e que tinha um irmão comuna. Raciocinei: o Miguel sabe que tenho filhas pequenas e mandou o filho para me convocar. Dei uma de frio e corajoso e quis mostrar naturalidade ao abrir-lhe a porta e ao dizer-lhe “eu estava te esperando”. “Pra que me esperando”, disse, “Afinal quero falar com o cara do quarto andar” e mais não disse ao subir as escadas.

luiz geraldo mazza é jornalista.

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Seguranç�

Quando a burocracia impede o flaGrante A burocracia e a falta de efetivo policial atrasam as prisões e aumentam a impunidade MÁRCIO BARROS FOTOS ALIOCHA MAURICIO

H

á um ditado popular que diz: “Tempo é dinheiro”. Pode até ser, mas não é levado a sério pelo poder público. Na área de segurança pública, em Curitiba principalmente, por conta da falta de efetivo e pela burocracia, policiais militares ficam horas aguardando para entregar um flagrante. Essa morosidade em muitos casos contribui com a impunidade, pois é mais prático e rápido o policial militar liberar o autor de um

crime, ou fazer vistas grossas para algum tipo de delito, do que ter que virar a noite aguardando para ser atendido no Centro Integrado de Atendimento ao Cidadão (Ciac), que fica anexo ao 8º distrito policial, no Bairro Portão, e recebe todas as ocorrências policiais que acontecem entre 18h e 7h do dia seguinte, e nos fins de semana e feriados. O atendimento no Ciac é feito por escrivães, investigadores e delegados dos 13 distritos da cidade, que se revezam. Cada equipe cumpre um plantão de 12 horas. Não existe um tem-

po determinado para o atendimento de cada flagrante no Ciac, pois cada caso tem as suas peculiaridades que precisam ser analisadas. Todos os envolvidos precisam ser ouvidos pelo escrivão e em seguida o delegado de plantão decide se o preso será autuado e por qual crime vai responder.

hORa extRa Recentemente três homens e um adolescente invadiram uma casa em Colombo, por volta das 19h. Eles estavam armados e depois de praticarem o assalto, fugiram

Centro integrado de atendimento ao Cidadão – Ciac, recebe todas as ocorrências policiais que acontecem entre 18h e 7h do dia seguinte

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Todos sabem que falta efetivo, tanto na Polícia Militar, quanto na Polícia Civil, o que torna praticamente impossível o atendimento 24h em todas as delegacias levando o carro da vítima. Em menos de uma hora, os marginais foram localizados no Bairro Santa Cândida com o carro e todos os pertences roubados da casa. Eles resistiram à prisão, trocaram tiros com os policiais militares, no entanto, ninguém se feriu e todos foram presos e encaminhados para a delegacia do Alto Maracanã, em Colombo. Os policiais que estavam de plantão na delegacia naquela noite não quiseram receber os assaltantes, pois apesar do crime ter sido praticado na área compreendida pela delegacia, os autores foram detidos em Curitiba. De Colombo, as duas viaturas que levavam os presos tiveram que praticamente atravessar a cidade para ir até o Ciac. Os quatro rapazes foram apresentados para o delegado de plantão, porém, quando estavam sendo identificados, um deles contou que tinha 17 anos de idade, e conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o adolescente em conflito com a lei, que for apreendido em flagrante, tem a prioridade na entrega para a autoridade policial. Os policiais novamente colocaram os presos nas viaturas e seguiram para a Delegacia do Adolescente (DA), no Tarumã. Depois de entregarem o adolescente e preencherem uma série de documentos, os policiais

O Comandante Geral da Polícia Militar, Coronel Marcos Teodoro Scheremeta, argumenta que é muito difícil dar segurança pública sem investimento

foram ouvidos e liberados para levar os presos para o Ciac. Já no início da madrugada, quando chegaram com os três presos, pelo menos outros quatro flagrantes estavam aguardando para serem atendidos. E os policiais tiveram que aguardar, e somente por volta de 5h foram informados de que os flagrantes que haviam chegado antes não seriam concluídos antes das 7h, e que deveriam encaminhar os presos diretamente para a delegacia da área. Policiais cansados desse vaivém, presos cansados de ficarem algemados e indo de um lugar para o outro, novamente tiveram que atravessar a cidade até o 4º Distrito Policial, no Bairro Boa Vista, e pior, o expediente só começou às 9h. Até todos serem ouvidos já era mais de 11h. Esse caso que passou despercebido, provavelmente por fazer parte da rotina de policiais civis e militares, é a maior prova de que se “tempo é dinheiro”, ninguém se importa. Além do desgaste dos policiais que ficaram com a ocorrência por mais de 15 horas, é preciso levar em consideração que duas viaturas ficaram paradas, ou seja, deixaram de atender outras ocorrências. Além disso, os policiais que assumiriam o plantão de manhã tiveram que ficar à toa no quartel, esperando os policiais do turno anterior chegarem com as viaturas.

O que parece é que todo esse transtorno foi provocado pela má vontade de policiais civis, que fizeram corpo mole na hora de receber os presos; no entanto, a história é outra. As delegacias estão lotadas e faltam investigadores, escrivães, delegados e policiais civis, tanto para receber os presos, quanto para cuidar deles depois.

Drogas Em outro caso, um homem foi preso com algumas pedras de crack. Na concepção dos policiais militares, o suspeito deveria ser autuado por tráfico de drogas, no entanto, no entendimento do delegado de plantão, o detido era simplesmente um usuário, e a droga apreendida era para o seu consumo. Os policiais militares entraram na fila do flagrante, e depois de algumas horas conseguiram concluir o procedimento, porém, como o suspeito apenas assinou um termo circunstanciado, por consumo de drogas, ele saiu da delegacia junto com os policiais que o prenderam. Um soldado, que preferiu não se identificar, disse que várias vezes prendeu pessoas com pequena quantidade de drogas, confiscou o entorpecente e mandou o preso embora, sob a ameaça de que se fosse detido novamente, seria levado para a delegacia e autuado por tráfico. “É uma prática ilegal, mas o que é mais importante agosto de 2011 |

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O Ciac é um modelo falido, que funciona mal em todos os sentidos. É ruim para os Policiais Militares, para a Polícia Civil e principalmente para a população O Delegado Geral da Polícia Civil Marcus Vinicius Michelotto afirma: “Não preciso de projetos, preciso de efetivo”

para a população? A viatura patrulhando e evitando que outros crimes aconteçam, ou ficar horas parado na frente do Ciac e depois ainda ver que o preso é liberado junto, e em alguns casos antes da equipe que o prendeu?”, questionou o policial.

Armas Quando acontece a apreensão de uma arma de fogo, o policial que registrou o boletim de ocorrência recebe uma gratificação de R$ 300,00, se for um revólver ou pistola, R$ 600,00 se for uma arma de usos restrito das forças armadas, e ainda, se for uma arma longa, como uma metralhadora ou um fuzil, R$ 900,00. “Já vi colegas guardando a arma na cinta e mandando o preso embora, e tudo fica na informalidade, como se fosse um favor tipo: você perdeu a arma, mas vai embora para não ser preso”, explicou o policial. Segundo ele, apesar da bonificação, muitas das armas apreendidas o policial leva para casa. Denúncias Com frequência policiais militares reclamam da forma de atendimento no Ciac. Denúncias graves como a ligação entre delegados e advogados, onde em alguns casos, o preso não teve contato com ninguém, e mesmo assim, logo depois de chegar ao Ciac, aparece um advogado com o nome dele, e em 24

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alguns casos, com pedido de liberdade provisória prontinho. O Comandante Geral da Polícia Militar, Coronel Marcos Teodoro Scheremeta, disse que a análise que pode ser feita é de que a Secretaria de Segurança Pública não nega que tenha problemas. Todos sabem que falta efetivo, tanto na Polícia Militar, quanto na Polícia Civil, o que torna praticamente impossível o atendimento 24h em todas as delegacias. “Recebemos a determinação do governador para que a criminalidade diminua. Organizamos diversas operações. Uma delas é a Operação Vida, por exemplo, que está prendendo muita gente, mas falta espaço para esse povo”, comentou o comandante. Por outro lado, ele disse que no ato da prisão é fundamental que todos os documentos estejam bem preenchidos, para que posteriormente, se o caso for a julgamento, dê subsídios para o juiz decidir corretamente. Mas se o flagrante é mal feito, o inquérito segue fraco, e vai ser assim até o julgamento. O comandante salientou que esse é um problema do sistema e não de pessoas. “Faltam políticas públicas, falta investimento, e isso é uma coisa histórica. É muito difícil dar segurança pública sem investimento”, contou. Com relação às reclamações dos policiais

militares, o comandante disse que é preciso entender que eles são parte de uma engrenagem e fazem parte de uma máquina que está com problemas. “Todos os envolvidos precisam discutir uma forma de melhorar isso. A Polícia Militar, a Polícia Civil, o Poder Judiciário, Ministério Público, etc. Além disso, o secretário já conversou com o governador e reafirmou a necessidade de que os gastos com segurança pública não sejam entendidos como despesas, e sim, como investimento”, completou o comandante. “Temos alguns concursos sendo preparados, além disso, estamos verificando a possibilidade da revalidação de concurso passados. Mas antes de tudo isso precisamos de orçamento. Não posso contratar 500 policiais se não tiver orçamento para pagar o salário deles”.

Falta de efetivo Esse mesmo problema é vivido pelo Delegado Geral da Polícia Civil Marcus Vinicius Michelotto. A primeira frase da entrevista exclusiva que concedeu foi exatamente essa:“Não preciso de projetos, preciso de efetivo”. Ele afirma sem sombra de dúvidas que o aumento da criminalidade está intimamente ligado à falência da Polícia Civil. Para tentar sanar estes problemas ele já conversou com o


secretário e acertou o projeto de lei que cria o delegado 5ª classe, além da ampliação do quadro de investigadores e escrivães. “Não quero remendo, não quero ficar criando órgãos sem ter condição de implantá-los. O Ciac é um modelo falido, que funciona mal em todos os sentidos. É ruim para os Policiais Militares, para a Polícia Civil e principalmente para a população”. O ideal, segundo o delegado, é todas as delegacias funcionando 24h, atendendo o cidadão perto da casa onde ele mora. “Atualmente, se um comerciante é assaltado e precisa procurar a delegacia, se tiver a sorte de encontrá-la aberta, ainda vai sofrer com a precariedade. O pior é que, na maioria dos casos as vítimas até sabem onde estão os autores dos crimes, mas não há como resolver tudo, e nem é por falta de vontade, e sim, de condições, de estrutura, de efetivo”.

Primo pobre Como um desabafo, o delegado disse que a Polícia Civil é o primo pobre da segurança pública. Para ele, o trabalho da PM é fundamental na prevenção, mas não é onipresente. Não tem como um policial militar imaginar que um assaltante está com a intenção de invadir uma casa e praticar um roubo, ou que ele está armado e vai cometer um crime qualquer. Essas pessoas, bem como as grandes quadrilhas, só são presas com o trabalho de investigação. “O que é melhor, prender pequenos traficantes, que fazem a correria, ou fazer um trabalho de investigação e tirar o grande traficante de circulação? As duas situações são importantes, mas o trabalho do flagrante é o mesmo, portanto, o tempo perdido com um traficante que faz a correria, e que minutos

depois de ser preso vai ser substituído por outro, é como chover no molhado”, argumentou. Ele disse que toda essa discussão esbarra em um único problema, a superlotação das delegacias. Ele deu como exemplo as cadeias de Curitiba que estão com 150, 180 presos em espaços destinados para menos de 30. “Precisamos entender porque a Polícia Civil tem

que ficar com o ônus do processo. Ficamos com presos amontoados, armas, carros, documentos apreen­didos, enquanto tudo isso poderia estar no sistema judiciário. Se isso acontecesse, em vez de carcereiros, teríamos mais investigadores para trabalhar nas ruas, as delegacias poderiam ter plantão 24h e todo mundo seria beneficiado, principalmente o cidadão”, explicou.

a morosidade contribui para a impunidade, pois é mais prático o policial liberar o autor do crime do que virar a noite aguardando no Ciac

Super-herói Michellotto disse que não entende como nos presídios, que custaram milhões para serem construídos, o número de presos é reduzido e existem centenas de agentes carcerários para cuidar dos presos, enquanto nas delegacias, frágeis e com estruturas antigas, centenas de presos ficam amontoados e dois ou três carcereiros cuidam de todos eles. “Será que nossos policiais são super-heróis? Será que têm superpoderes? Claro que não. Eles correm risco de vida por conta de uma questão que não se sabe por que não foi resolvida ainda”, desabafou. “Na minha gestão, vou brigar pela melhoria da instituição. Já temos a expectativa de que mais de 600 policiais serão chamados para a escola de Polícia Civil”, completou. Ele disse também que além desse esforço, o poder judiciário precisa perceber que deve agir, que precisa deixar de fazer vistas grossas para os 15 mil presos que estão amontoados nas delegacias. “Parece que existe uma força oculta que não permite que a lei de execuções penais seja aplicada. Se cada cela do sistema presidiário recebesse um preso que está nas delegacias, o problema seria resolvido. Mas não há boa vontade. Eles ainda não perceberam que a violência das ruas está diretamente ligada a estas questões”, completou.

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Fábio Campana

Mês de cachorro louco

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asci em agosto, mês de cachorro louco. Gosto de acreditar que uma coisa tem a ver com a outra, o que apenas revela um traço de soberba. Presunção diante da grandiosidade dos eventos. Agosto, mês de vacinação contra a raiva dos cães, não teve vacina para a loucura dos homens públicos e para desastres históricos cujas consequências se arrastam por séculos. Getúlio Vargas suicidou-se em agosto. Ditador que foi tarde deixou carta testamento de autoria discutível, enorme crise política e uma herança estatólatra que carregamos até hoje. Agosto é marco de outra tragédia política nacional, a renúncia de Jânio Quadros, que tinha parecença com os cães e com a loucura dos cães. Abriu caminho para a longa noite do regime fardado. Duas décadas infames de ditadura. Não basta? Adolf Hitler assumiu o poder na Alemanha em agosto de 1932. Início de um pesadelo que desaguou na 2ª Guerra Mundial e nos legou a evidência de que a espécie pode chegar a loucuras coletivas e misérias vergonhosas do racismo, dos campos de extermínio, milhões de mortos, a Europa destruída. Insanidade que só terminou em 1945 com outra manifestação de loucura, a explosão de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Ora, pois, eis o suficiente para que o mundo ocidental, cristão e democrático tema o

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mês de agosto para sempre. Mas a superstição também se apoiou em evidências e circunstâncias mais simples. Agosto, mês do frio e das ventanias, provocava sustos na escuridão das noites antigas ao balançar redes, bater janelas e portas e fazer ruídos que a imaginação medrosa transformou em fantasmagorias de almas penadas. Na Idade Moderna fez outros estragos. Meu tio Ramon, que foi mecânico de aviões, me disse alguma vez que agosto era péssimo para a aviação. Mês de contrastes climáticos, de frentes frias de encontro a camadas quentes de ar. Os aviões de motores a explosão subiam no máximo à altura das turbulências. Resultado: muitos despencavam. A bruxa está à solta, anunciavam as manchetes de jornais com a lista das vítimas na primeira página. A implicância com o mês de agosto é bem mais antiga que os aviões. Em Portugal, vem da época das caravelas. Era o mês propício para o início das navegações que duravam meses ou anos. Mulheres portuguesas não casavam em agosto porque corriam o risco de perder o marido em aventura marítima. Essa crença chegou ao Brasil com Pedro Álvares Cabral e o vinho da Cartuxa, acompanhada do ditado “casar em agosto traz desgosto” até hoje respeitado na colônia lusitana. Na França, que tanto nos influenciou quando éramos civilizados, o mês é maldito desde 24 de agosto de 1572, quando Catarina de Médici

ordenou o massacre de São Bartolomeu, que dizimou dezenas de milhares de súditos incréus. Na Polônia, em 14 de agosto de 1831, os poloneses foram derrotados pelos russos na Revolta de Varsóvia, que também matou muita gente. Os polacos trouxeram para cá a sua contribuição para reforçar a ideia da maldição de agosto. Tudo bem, como costumam repetir as almas parvas. Há evidências de que nem tudo em agosto é ruim e que nem todos os nascidos em agosto têm algum desconto na saúde mental. Meu amigo Dico Kremer, tão equilibrado, é prova disso. O Ernani Buchmann nunca deu demonstrações públicas de desvario. E eu conheço loucos de todos os meses e extrações. Dos simpáticos e geniais aos perigosos evitáveis e chatos. É provável que se fizermos um balanço dos acontecimentos tenebrosos de outros meses, encontraremos provas de que a loucura humana não se manifesta apenas em agosto. Nem a dos cães. Mas de qualquer forma, não custa tomar algum cuidado. Sabedoria e evidências tão antigas devem ter alguma verdade que alguns de nós, nascidos em agosto e parceiros dos cães, em noites de lua cheia tentamos decifrar.

Fábio Campana é jornalista e escritor. fabiocampana.com.br


Rogerio Distefano

Ficar, verbo intransitivo

S

enti que o tempo ia fechar na academia quando surgiu aquele “cepo de açougue”. O destinatário não entendeu, nem antes nem depois que tudo foi esclarecido. Cepo de açougue é imagem hoje nada ambiental, mas realidade num Paraná nem tão longínquo, do tempo da economia extrativista, das serrarias que funcionavam sem parar, reduzindo florestas a tábuas e montanhas de serragem. Depois da madeira cortada, sobrava o final dos troncos das árvores, e quanto mais grossos, melhores para uso nos açougues. Ainda lembro do velho Tomasheski em São João do Triunfo, meio boi sobre o cepo sendo picado pela machadinha. O destinatário merecia o rótulo de cepo, ele também nos dias de hoje um crime ambiental: baixinho, não mais que 1,65m, mas bombado, como se diz da turma que engrossa artificialmente os músculos com anabolisantes. Não fossem os músculos anabolisados eu faria um complemento à explicação: sem as bombas o moço seria um toco de amarrar bode. Assim eram chamados os baixinhos entroncados e invocados, pois eram fortes e resistentes à força e irritação dos bodes amarrados. Aquele momento foi para os cinquentões presentes uma epifania — e perdoem o uso da palavra pretensiosa, detestável, porém indispensável. Tivemos a revelação de que somos depositários da memória de uma cultura que se vai conosco; os registros que ficam serão talvez incompreensíveis mesmo para os que forem pesquisá-los nos googles da vida. É que o significado de expressões como cepo de açougue e toco de amarrar bode tem que estar associado a situações de vida, que os registros oficiais dificilmente documentam. Estávamos em maioria diante dos jovens bombados, portanto pudemos exercer a superioridade da memória — que só serve de conso-

lo, pois a juventude sempre se põe superior ao antigo e ao tradicional com sua “superioridade do novo”, que jamais saberá ser um dos predicados do marxismo, hoje a mais superada de todas as antiqualhas. Assim mesmo passamos a brincar com expressões perdidas. Alguém falou do “reclame” do tênis, que para surpresa os jovens descobriram tratar-se de propaganda, não de visita ao Procon. Difícil, quase impossível, foi fazer cepos e tocos entenderem o processo de fixação da “decalcomania”. “Ora, isso é adesivo!”, insistiam, aliviados. Não, era adesivo só em parte, porque antes de chegar lá havia todo um processo, até místico, de molhar o mate-

para mim “ficar” era o verbo auxiliar, sócio de ser, estar e permanecer

rial e delicadamente extrair-lhe algo como uma pele para fixar na superfície sólida. Não nos tomem por saudosistas. Somos em verdade frustrados, invejosos daquilo que os jovens conquistaram sem esforço, transitando sobre nossas costas e ignorando o sofrimento que passamos no adquirir uma experiência que nos serve muito pouco. Inveja, sim, e para demonstrá-la lembro a maior perplexidade pela qual passei num trauma de comunicação, como o do jovem cepo de açougue. Aconteceu na universidade, eu na comissão de inquérito da briga em que um aluno bateu no outro. Ouvíamos um deles, que explicava a causa e indicava o pivô da encrenca: a colega, bonita e perigosa, ficou visível na sua vez no banco das testemunhas. Ela namorava um deles, mas “ficou” com outro durante os três dias de Carnaval mais a quarta-feira de Cinzas. Até aquele momento para mim “ficar” era o verbo auxiliar, sócio de ser, estar e permanecer. Não para os jovens de hoje, incluído o cepo de açougue, para quem “ficar” é verbo intransitivo, não tem objeto, nem auxilia outro verbo. Eles “ficam”, assim, sem compromisso, sem filhos e sem problemas. Nós outros, cinquentões, não ficamos; nós éramos e somos, estivemos e estamos e assim permaneceremos. Não que seja ruim. Nosso “ficar” é verbo auxiliar, e transitivo para a alegria duradoura. Mudaram os tempos e os modos. Das pessoas e dos verbos. “Sem crise”, diria o cepo de açougue. Concordo.

Rogerio Distefano é advogado e colunista da Revista Ideias. Leia mais em: www.maxblog.com.br agosto de 2011 |

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Luiz Fernando Pereira

Menos política. Bom sinal

C

om a reforma política de volta à pauta, sobram os que reclamam do déficit de atenção em relação à matéria. Criticam o desinteresse da juventude por questões políticas. Alguns acham interessante citar Brecht “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, etc.”. Os reducionistas de sempre põem a culpa de todos os males brasileiros na ausência de interesse pela política. Estou em lado oposto. Quanto menos política, melhor. Explico. Vivemos tempos de consensos em torno dos grandes temas. Pouco antes de morrer, Celso Furtado disse que não se fazia política sem ideologia (revista Desafios e Desenvolvimento — outubro de 2004). A lógica de Furtado fez sentido por muitos anos, mas hoje em dia acho que se pode dizer o contrário: a boa política é sem ideologia. E é exatamente aí que reside o motivo (o positivo motivo) do desinteresse na política. Ao contrário do que podemos imaginar, a existência de consensos revela maturidade política. É um sinal positivo. São estes consensos que provocam desinteresse pela política. Sigo explicando.

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No século passado, na era dos extremos (Hobsbawn), o interesse pela política era justificável. Em maio de 1968 o Quartier Latin reuniu os jovens franceses que queriam mudar tudo. Os jovens tchecos liderados por Dubcek fizeram a Primavera de Praga. Aqui no Brasil fazíamos a Passeata dos Cem Mil. Os jovens iranianos invadiam a embaixada americana. Os indianos, antes disso, apoiavam a desobediência civil pela independência. Há duas décadas visitei em São Francisco a City Lights Books e ainda consegui sentir um pouco do hedonismo anarquista da geração beatnik — que também queria mudar tudo (ao estilo da contracultura). A juventude se engajava porque identificava na política a forma de transformar o mundo. Dedicavam a vida a causas. E agora? Os temas fundamentais não estão mais em disputa. Ninguém sério acha que a política seja mesmo um instrumento para mudar tudo e todo mundo. A ideia agora é apenas aperfeiçoar as instituições, melhorar a gestão, incrementar o desenvolvimento sustentável, etc. Ora, alguém lá vai dedicar a vida ao aperfeiçoamento das instituições? Nenhuma pessoa se anima a sair às ruas gritando com cartazes defendendo a

melhora da gestão. Fico imaginando se a Union Nationale des Étudiants de France, em maio de 1968, tivesse a defesa do Prouni como a principal bandeira... A democracia liberal venceu a parada (Fukuyama, lido sem preconceito) e o que sobra para discutir é insuficiente para animar um maior envolvimento político. Sobram apenas manifestações exóticas (liberação da maconha, marcha das vadias). Os políticos não se conformam. É natural. Quem pode aceitar a desimportância de sua própria profissão? Todos devem se reinventar e aceitar, resignados, que a política não é mais instrumento de transformação do mundo. Serve apenas para melhorar a gestão, sem nenhuma opção ideológica. As opções já foram feitas. E muito bem feitas. Agora outros temas devem ocupar nossas atenções, o que — termino aqui minha explicação — é inegavelmente positivo.

luiz Fernando Pereira é advogado.


Cidades

C   A P

A

Avenida Vereador Wadislau Bugalski, que liga o centro da cidade a Curitiba é um dos principais eixos estruturais de Almirante Tamandaré. Revitalizada, a via já não se parece mais com a antiga Estrada do Assunguí, que no início do desenvolvimento histórico do município servia de ligação para tropas no escoamento da produção colonial. Em parceria com o Paraná Cidade, a administração municipal projetou em 2007 a revitalização de toda a via estrutural, com investimentos superiores a 8 milhões de reais de recursos próprios do município de Tamandaré nos mais de 7km e meio de extensão da Avenida. A obra que contempla o alargamento da via com nova pavimentação asfáltica, construção de calçadas, nova iluminação pública, lombadas, travessias elevadas, sinalização horizontal e vertical, cobertura de pontos de ôni-

bus, paisagismo ao longo de toda sua extensão; foi entregue à população na manhã de sábado do dia 16 de julho, totalmente revitalizada. Moradores como Orimis de Mateus da Silva, reconhecem a importância da revitalização da avenida. “É uma obra muito importante que vai trazer muitas melhorias para a nossa região”, diz Silva. “Superamos todos os obstáculos e cumprimos com o nosso compromisso com a população”, afirma o Prefeito Goinski satisfeito com a conclusão das obras que, apesar das dificuldades com as empresas que ganharam a primeira licitação tendo seus contratos rompidos pelo município, já beneficia os mais de 20 mil moradores da região, comerciantes, motoristas e usuários das diversas linhas de ônibus que percorrem o trecho.

CIRCUITO DA NATUREZA Como indica a sinalização da via, a Wadislau Bugalski serve de acesso ao Circuito da Natureza de Tamandaré, apontando para locais como o Clube 21 de Abril, a Estância do Lago, o Restaurante Evíssima, o Refugio do Valle, grutas, o Pesque Pague Parque Aquático Clube de Campos, Águas de Valverde, o Parque Ambiental Aníbal Khury, entre outros. Além disso, a Avenida tem ainda em seu percurso, pontos que preservam a história do município e a memória da população. MEMÓRIA De acordo com o Secretário de Obras, Dilaor Machado, todas as obras da avenida foram executadas preservando o percurso original da antiga Estrada do Assunguí. Nela, próximo a ponte do Taboão, no trecho final da via que divide o município de Curitiba, está localizado um moinho que foi construído em 1892. Segundo a arquiteta Ivilyn Weigert, bisneta de Carlos Weigert, o local foi uma

das primeiras residências da região a ter energia elétrica, sendo produzida pela roda do moinho. Ao lado do moinho, uma ferraria herdada por Edson Antonio Macionk existe há mais de 100 anos. A propriedade de Cesario Casagrande foi construída em 1932 em uma chácara em que os fundos eram de frente para a Rodovia dos Minérios. Boa parte dos produtos ali cultivados eram comercializados na região. No início da avenida está localizado o Seminário e Casa de Retiro Santo Antonio, local em que estão sepultados alguns Freis Capuchinhos. O prédio que começou a ser construído em 1930 e em 1933 foi concluído, hoje recebe jovens e casais em encontros e retiros, mas até o ano passado servia como casa de formação para jovens freis. Segundo os Freis Carlos Roberto Gozzi e Pedro Brondani, que residem no local, ali foi o 1º seminário dos Capuchinhos do Paraná e Santa Catarina. A área oferece ainda um espaço aberto ao público, com águas minerais e churrasqueiras, sendo conhecido como “piscina dos padres”. Ainda nas margens da Avenida Wadislau Bugalski, uma capelinha construída em 1889 preserva a memória dos colonos que ali pediam benção ao protetor das lavouras. Lucia Bernadete Meguer dos Santos, moradora vizinha ao monumento, recorda das histórias que os avós contavam: “Por ser um local sagrado, as pessoas começaram a enterrar as crianças aqui. Como não tinha igreja, era aqui também que as pessoas faziam suas preces”.

DESENVOLVIMENTO Indústrias como a Kabel Chicotes Elétricos, que emprega mais de 1.100 funcionários, empresas como a ORPEC Engenharia Industria e Comércio, estabelecimentos de ensino, como o CMEI Dona Ruth Weigert, a unidade de saúde da Lamenha, comércio e igrejas, se misturam hoje a essa paisagem que guarda aspectos históricos do município e reflete o desenvolvimento da cidade ao longo de uma via que, antes da Rodovia dos Minérios, como retrata o livro “Relatos de um Tamandarense”, servia como principal caminho entre o município e Curitiba – caminho que hoje leva ao desenvolvimento da Almirante Tamandaré. agosto de 2011 |

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Economi�

Com dÍvidas, mas sem crise O cenário atual é de endividamento da população, mas é sazonal e passageiro KAREN FUKUSHIMA

N

os últimos meses fomos bombardeados por uma quantidade enorme de dados econômicos um tanto assustadores. Números que refletiam o aumento do endividamento, aumento da inflação, dos juros, das taxas do cheque especial. A dívida dos brasileiros é recorde e os curitibanos ganharam o título de campeões do endividamento. Mas passada a euforia, há de se analisar estes números. E a conclusão é que há

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muitas dívidas sim a pagar, mas estamos longe de uma crise econômica. Apesar do recorde, a situação não é alarmante. Até o momento, essa alta de gastos é reflexo da melhoria de renda do brasileiro. Caso de Curitiba, considerada pela pesquisa da Fecomercio de São Paulo como a capital dos endividados. Os curitibanos fazem mais dívidas porque sua renda permite. E o cenário da Grande Curitiba, que inclui capital e cidades da região metropolitana, é mais favorável que o do restante do país. Aqui, os índices de inflação são menores e a taxa de desemprego está quase atingindo sua plenitude. Ou seja, quase toda a população da Grande Curitiba está empregada. Os especialistas nos acalmam. As dívidas serão pagas e o cenário tende a se estabilizar até o fim do ano, com os reajustes naturais do salário dos trabalhadores

e a entrada do 13º salário. Para entender melhor toda situação, o porquê desses números e atestar se você, leitor, é um endividado, a IDEIAS ouviu economistas, cobradores e endividados.

Quem É O endividadO Para o professor de economia da Universidade Federal do Paraná, Dr. Luiz Vamberto, considera-se endividada a pessoa que compromete mais de 40% da renda familiar com dívidas. “40% é o limite considerado que não compromete a receita da família e é um valor suficiente para evitar que a pessoa entre no rol dos endividados. Este é o valor que a pessoa poderia assumir empréstimos e financiamentos”. Já o presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), Gilmar Lourenço, é mais cauteloso. Considera que a pessoa que compromete mais de 30% de sua renda com o pagamento de prestações já pode ser considerada um endividado. “Então acende uma luzinha amarela de que, talvez, se ele não fizer um gerenciamento mais adequado das suas outras despesas, ele pode ter dificuldades orçamentárias mais à frente”. Essa luzinha amarela, citada por Lourenço, é que deveria ser mais bem observada pelos consumidores. A partir do momento em que se tem de 30% a 40% da renda comprometida, deve-se frear o consumo e não assumir novos pagamentos, financiamentos e empréstimos. “Muita gente descuida com os imprevistos. As pessoas não se preparam para os imprevistos. É uma batida de carro, uma doença na família, remédios. Então muita gente vai até o limite da sua capacidade de gastos, quando o ideal é deixar uma folga para enfrentar os imprevistos”, explica Vamberto, que faz um paralelo com o setor produtivo. “Se você olhar para o lado do setor produtivo, você nunca identifica uma indústria utilizando 100% de sua capacidade produtiva. Tem sempre uma


O grande problema do Brasil não é o volume, mas sim o preço do crédito

máquina que precisa de revisão, de manutenção. A empresa tem capacidade de produzir 100 mil peças de roupas, mas produz 90 mil por mês, porque uma ou duas máquinas estará sempre em período de revisão”. Caso do projetista, pai de família e caso extremo de endividamento, Dídio Marchesini. Afoito por bons negócios, o projetista não contou com os imprevistos. Hoje, Marchesini possui um déficit mensal. Gasta aproximadamente 10% a mais que sua receita, o que o forçou a adquirir nos últimos meses dois empréstimos para cobrir o saldo devedor acumulado. As contas fixas comprometem 90% de sua renda. Na lista de suas despesas mensais estão dois financiamentos de imóveis usados, dois condomínios, reforma de um dos apartamentos, água, luz, gás, mensalidade de um apartamento na planta, consórcio de imóvel, financiamento de automóvel, dois empréstimos bancários, escola do filho, faculdade, cartão de crédito e mensalidade de um clube de futebol. Marchesini foi além do limite seguro de comprometimento da renda, cerca de 40%, e se viu enrolado quando surgiram os imprevistos. “Na aquisição do último imóvel, a imobiliária me entregou o imóvel com alguns meses de condomínio atrasado, condomínios estes anteriores à minha aquisição. Solicitei a quitação dos mesmos e nada foi feito. A administradora do condomínio me acionou judicialmente para forçar a quitação do débito e fui obrigado a fazer um acordo de quitação”, conta. Dessa forma, desde 2008, Marchesini mantém um rigoroso controle dos gastos considerados desnecessários. Muitas vezes com privações de atividades de lazer em função das dívidas. “Mas não necessariamente deixo de ter um bom padrão de vida. Apenas tenho alguns gastos limitados, o que não me permite esbanjar ou ter excessos”, remedia.

Para o Brasil crescer Para mudar o cenário no Brasil é necessária uma mudança de hábito por parte de todo o sistema financeiro. O presidente do Ipardes, Gilmar Lourenço, lista o passo a passo dessa mudança que levaria o país, impreterivelmente, ao crescimento econômico.

1º Reforma Financeira O Brasil necessariamente precisa de uma reforma financeira que estimule a entrada de mais bancos no país. Hoje, dez representam 90% dos negócios.

2º Redução da taxa Selic Redução do juro que o governo paga para rolar sua dívida. Essa redução não pode acontecer por decreto. Ao invés de ficar rolando a dívida do governo, os bancos poderiam entrar como sócio em projetos estratégicos na área de infraestrutura. Ou financiar grandes empresas para que elas invistam em projetos de maturação de longo prazo, principalmente na infraestrutura de transportes. O Brasil precisa deste tipo de investimento. Para isso, teria que ser feito a seguinte jogada. Teria que reduzir a taxa de juros de curto prazo, que é a taxa Selic, e criar modalidades de aplicações de médio e longo prazo. Nos Estados Unidos, a taxa de curto prazo está em 0,25% ao ano e a taxa de longo prazo está em 3,5% ao ano. Nos Estados Unidos, você é estimulado a investir em longo prazo. Os projetos viram estradas, portos e usinas hidrelétricas. No caso do Brasil, os investidores são estimulados a aplicar em papéis de curtíssimo prazo.

3º Convencer os bancos É possível convencer os banqueiros, basta negociar. No Brasil ganha-se 12,25% ao ano. Nos Estados Unidos esse lucro é 0,2% ao ano. Então aqui é possível lucrar de forma extremamente fácil porque esses papéis têm garantias plenas, não há risco de receber um calote. E se alguém cogitar o calote da dívida, o confisco dos ativos financeiros como houve no governo Collor, por exemplo, basta explicar que isso não é possível no Brasil, por três razões. Primeiro, porque hoje se tem uma rolagem da dívida muito mais previsível do que no governo Collor. A segundo razão é que quando o Collor assumiu, a inflação estava em 81% ao mês, hoje a inflação é de 6,5% ao ano. A terceira razão é que, no Brasil, o Congresso Nacional aprovou em 11 de setembro de 2001 uma emenda constitucional que proíbe o governo de promover confisco de bens tangíveis e de dinheiro por medida provisória. Quando Fernando Collor confiscou os ativos financeiros, foi por meio de medida provisória. Hoje é preciso um projeto de lei para realizar o confisco desses ativos. E a realidade é que, se qualquer pessoa souber que tramita um projeto de lei no Congresso Nacional prevendo a autorização para o governo confiscar 40% do meio circulante, ninguém deixará o dinheiro no banco. E se for com imóveis, todos vão procurar vender. “O Brasil é um terreno fértil. Basta olhar para qualquer lugar para encontrar ao mesmo tempo problema e oportunidade de investiGilmar Lourenço, mento. Um exemplo é o Porto de Paranaguá, que ao mesmo tempo presidente do Ipardes que apresenta problemas, é também um cardápio de investimentos”

Síntese dos Resultados (% em relação ao total de famílias) Total de endividados

Dívidas ou contas em atraso

Não terão condições de pagar

Junho/2010

54,0%

23,5%

7,8%

Junho/2011

64,1%

23,3%

8,4%

fonte: Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) de Junho de 2011, Da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Os dados da PEIC de junho foram coletados em todas capitais dos estados e no distrito federal junto a 17.800 consumidores.

agosto de 2011 |

31


endividados Percentual de Famílias Endividadas (% do total) Entre cheque pré-datado, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimos pessoal, prestações de carro e seguros 70,0% 60,0%

57,7%

59,1%

59,2%

58,6%

jul/10

ago/10

set/10

out/10

59,8%

58,3%

59,4%

dez/10

jan/11

65,3%

64,8%

fev/11

mar/11

62,6%

64,2%

64,1%

mai/11

jun/11

54,0%

50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0%

jun/10

nov/10

abr/11

fonte: PEIC de Junho de 2011

O professor de economia explica que esta é uma situação sazonal e que não deve se manter ao longo do ano. “Ao longo do ano, de um lado as empresas, os credores, vão propor uma renegociação. E do outro lado, os devedores, sabendo que podem pagar aquelas 10 parcelas de R$ 50 por mês, vão propor pagar em 20 parcelas de R$ 25 reais por mês para tentar quitar essa dívida”. De fato. Para os credores é muito melhor receber os pagamentos, mesmo que em um período maior, do que deixar de receber. O gerente geral da recuperadora de crédito Novas Gestões, Willian Moreira, explica que a prioridade do banco é receber do cliente, fazer acordos e renegociações para que o cliente regularize a dívida. Moreira trabalha apenas com cobrança de financiamentos de automóveis do banco Itaú, mas pôde constatar o aumento no número de inadimplentes mês a mês este ano. Só em Curitiba, Moreira constatou um aumento da inadimplência, de maio para junho, de 8%. E assim foi em todos os meses do primeiro semestre. Se continuar nesta crescente, que contraria a previsão dos economistas, a projeção do banco é de que aumente em 22% a inadimplência no segundo semestre.

As causas do endividamento O professor Vamberto explica que o quadro de endividamento começou porque primeiro houve um aumento do nível de emprego. Este aumento 32

| agosto de 2011

gerou um volume maior de salários pagos na economia. Muitas pessoas que estavam fora do mercado de consumo, a partir do benefício do salário, passaram a entrar neste mercado e a assumir compras, algumas à vista, outras a prazo. Um percentual daquilo que era vendido foi feito em prestações. “A tendência daquele que não tem um aprendizado, que não tem uma série de

As pessoas não se preparam para os imprevistos. Vão até o limite da sua capacidade de gastos, quando o ideal é deixar uma folga

cuidados em relação ao uso do dinheiro — e isso é muito comum em quem acessa um nível maior de renda — é gastar sem ter aqueles cuidados de verificar se terá condições de pagar ao longo do tempo”. É uma situação, segundo Vamberto, em que não há estímulo à poupança. “É uma população muito mais disposta a consumir e a gastar, principalmente porque até então não tinha condições de fazer esse tipo de despesa”. Munidos de poder aquisitivo para gastar, o consumidor, principalmente das classes D e E, se descuidou. “É um consumidor com uma grande propensão marginal a consumir, qualquer acréscimo de renda vai para o consumo, não para poupança. Acabam gastando mais do que a sua capacidade de pagamento”, explica Vamberto. Somado ao aumento da renda da população, principalmente das classes C, D e E, há a grande facilidade de se adquirir crédito no país. Mas o problema não é o volume de crédito disponível, explica o presidente do Ipardes, Gilmar Lourenço, e sim o preço deste crédito. Hoje o crédito representa 40% do PIB brasileiro. Nos Estados Unidos o crédito representa 110% do PIB do país. Isso significa dizer que uma economia deve ser movida a crédito. “O grande problema do Brasil não é o volume do crédito, mas sim o preço do crédito. A taxa de juros é muito elevada por “n” razões. A principal delas é que praticamente 45% do crédito que circula no país é absorvido pelo governo. O governo é o maior devedor e paga essa taxa Selic de 12,25% ao ano. É um lucro fácil


Principais Tipos de dívida 71,6% 73,8%

Cartão de Crédito 7,9% 6,5%

Cheque Especial Cheque Pré-datado

3,7% 2,8% 4,1% 4,2%

Crédito Consignado

11,9% 10,8%

Crédito Pessoal Carnês

19,9% 9,6% 10,3%

Financiamento de Carro Financiamento de Casa Outras Dívidas

24,6%

2,5% 3,6% 2,9% 2,6%

Não sabe

0,1% 0,4%

Não respondeu

0,2% 0,5%

jun/10

jun/11

fonte: PEIC de Junho de 2011

para os bancos que financiam o governo. Para os bancos destinarem 45% do que eles captam no mercado para o governo, eles precisam ter uma remuneração” e é aí que está o problema. Uma vez que os bancos separam quase metade do que captam para o governo, sobram 55% para emprestar para o consumidor e para as empresas girarem seus negócios. Como consequência, os bancos aumentam a taxa de juros para lucrar mais com empréstimos. E é um preço alto. No cartão de crédito, a taxa é de 230% ao ano. No cheque especial, 160% ao ano. E a Selic, paga pelo governo, é de 12,25%. A diferença entre a Selic, que o banco cobra do governo e de outros bancos nas suas operações interbancárias, e o juro final, é representada pelo spread que é a taxa de risco. Essa taxa de risco contém todos os custos administrativos do banco. São os custos fiscais, os custos tributários, o risco de inadimplência. O restante é o lucro do banco. E este lucro é de 40%. Disparado, a maior taxa de lucro de qualquer outra atividade registrada. Um estudo do Fundo Monetário Internacional, o FMI, mostrou que o lucro dos bancos no Brasil é o maior do mundo. E é maior, explica Lourenço, porque existe uma relação inversa entre margem de lucro e concorrência. “Quanto maior a concorrência, menor a margem de lucro. Quanto menor a concorrência, maior a margem de lucro. No caso do Brasil, cerca de dez bancos representam 90% dos negócios. Um número

reduzido de bancos que concentram os negócios, logo, eles não precisam concorrer entre si e por isso fixam margens de lucro extremamente elevadas”, analisa o presidente do Ipardes. Nos Estados Unidos, por exemplo, há de 50 a 80 bancos que representam 90% do crédito de varejo. “O crédito lá é extremamente pulveri-

zado. Aqui no Brasil é muito concentrado em função da engenharia financeira que foi montada desde a década de 1970 para os bancos financiarem o governo. É melhor para o governo ter o seu passivo sendo rolado por um número reduzido de bancos. Aí fica mais fácil para o governo fazer as negociações de rolagem da sua

dívida”, compara Lourenço. Com poucas bandeiras de instituições financeiras, taxas de juros maiores, restrição orçamentária por parte do governo — que cortou R$ 50 bilhões do orçamento público no primeiro semestre, a dificuldade de pagamento dos consumidores aumenta em relação à divida assumida. O professor Vamberto, identifica também, além da taxa de juros, a inflação, que foi alta até o mês de maio. “Esta inflação alta foi repassada aos preços e as pessoas não tomaram cuidado”. Na visão do professor e economista, as pessoas poderiam ter esperado para comprar porque estão gastando mais renda para adquirir um produto com carga tributária maior. “Há um esgotamento daquela capacidade de pagamento regular, pelos consumidores das classes C, D e E”.

Casos extremos O exemplo de Marchesini pode ser considerado um caso extremo de endividamento. Os curitibanos que compõem a estatística comprometem aproximadamente 29% de sua renda mensal com prestações. O projetista tem 90% de sua renda comprometida, mas admite conseguir levar essa situação. E quando é impossível contornar o endividamento? Uma sucessão de imprevistos, muitas dívidas em médio prazo e três faturas gordas de cartões de crédito levaram o nome da economista Patrícia Regina Penha de Castro ao SPC/ SERASA. Depois disso, as coisas só pioraram. agosto de 2011 |

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Parcela da Renda comprometida com dívida

Nível de endividamento

Cheque pré-datado, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimos pessoal, prestações de carro e seguros

Cheque pré-datado, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimos pessoal, prestações de carro e seguros

Junho de 2011

Junho de 2011

Faixa

Total

Renda Familiar Mensal Até 10 SM

+ de 10 SM

Menos de 10%

21,5%

21,0%

25,1%

De 11% a 50%

54,9%

54,2%

60,1%

Superior a 50%

17,9%

18,6%

12,4%

Não Sabe / Não Respondeu

5,7%

6,2%

2,5%

29,5%

29,8%

27,7%

Parcela Média fonte: PEIC de Junho de 2011

Em 2004, Patrícia perdeu um emprego que lhe proporcionava uma vida muito confortável, com viagens ao exterior, carro zero e apartamento em bairro nobre da capital. Quando se viu desempregada e com parcelas altas a pagar, veio o desespero. Em um mês, aceitou um cargo que lhe pagava metade do salário anterior. O novo salário não cobria as despesas e o emprego também durou pouco. Após descobrir um esquema de desvio de estoque da loja, procurou concertar a situação e foi vítima da justiça que buscava. Entrou com uma ação trabalhista que só dificultou sua vida no futuro. “Ação Trabalhista só prejudica as pessoas”, concluiu. Pouco depois a empresa fechou todas as franquias na capital. E fecharam-se também todas as portas para Patrícia. Sem trabalho e com seguro-desemprego de um salário mínimo, Patrícia se viu em um beco sem saída. As dívidas atrasaram e em pouco tempo seu nome estava nos órgãos de proteção ao crédito. Com o nome sujo, uma ação trabalhista e a especialidade na área de finanças, a economista só encontrou nãos. “Minha experiência era na área de finanças. Quem daria emprego para uma pessoa com o nome protestado e pivô de uma ação trabalhista?”, questiona. Depois de meses de desemprego, Patricia ainda entrou em uma empresa de móveis, onde o que ganhava mal cobria o deslocamento até o trabalho e uma refeição diária. Foi quando, incentivada pelo irmão, resolveu buscar novos horizontes em outro país. Há seis anos Patrícia está na Nova Zelândia. O começo lá também não foi fácil. Pegou todos os serviços que apareciam, de boia-fria a faxineira. Mas hoje conseguiu vencer no país que a acolheu no momento mais crítico de sua vida. É gerente de um restaurante e está de férias no Brasil, já com passagem marcada para voltar para o emprego, que a aguarda. Claro que a economista e hoje gerente de restaurante não podia prever o desemprego, mas o

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| agosto de 2011

Categoria

Total

Renda Familiar Mensal Até 10 SM

+ de 10 SM

Muito Endividado

16,6%

17,4%

11,7%

Mais ou Menos Endividado

22,6%

23,6%

17,4%

Pouco Endividado

24,9%

24,6%

26,3%

Não Tem Dívidas desse Tipo

35,2%

33,8%

43,8%

Não sabe

0,6%

0,5%

0,7%

Não Respondeu

0,1%

0,1%

0,1%

Famílias Endividadas

64,1%

65,6%

55,3%

fonte: PEIC de Junho de 2011

padrão alto que mantinha com as contas atingindo a tampa, sem respiro e sem poupança, o desemprego desencadeou uma avalanche de dívidas. Não existe fórmula exata de como agir, mas há como se precaver. Planejamento. Esta é a palavra usada pelos especialistas em finanças para evitar o endividamento. Portanto, uma pessoa que planeja seus gastos dificilmente se tornará endividada. E o planejamento necessariamente inclui uma reserva para imprevistos. Porque como vimos, imprevistos realmente acontecem.

Mas tudo passa, tudo passará A regularização das dívidas tende a acontecer neste segundo semestre. Esta é a análise de Vamberto, baseado na tendência normal dos consumidores que estão inadimplentes, ao receberem o 13º salário no fim do ano e aplicarem boa parte deste dinheiro para regularizar as dívidas anteriores. “Há uma expectativa do comércio, dos segmentos produtivos, dessa regularização. E as pessoas que estão em dívida têm a consciência de que não poderão assumir novas dívidas, novas compras a prazo, sem uma regularização de dívidas anteriores na qual estejam inadimplentes”. E a renegociação é o carro-chefe para normalizar o processo. “Na medida em que o cidadão não tem condições de pagar o valor mensal daquelas prestações anteriores, eles fazem uma renegociação. Porque também ao comércio não interessa ter um grupo de consumidores que poderiam fazer compras mas que não as fazem porque estão irregulares com o pagamento da dívida. Com a regularização iniciada, o consumidor adquire condições de fazer novas compras”. No caso de Marchesini, suas contas são de longo prazo, logo, não vai livrar-se delas tão cedo. “Não vejo a possibilidade de reduzir meu custo mensal, me restando a única alternativa a busca

constante em aumentar minhas receitas e em casos extremos me desfazer de alguns dos bens adquiridos”. O cenário atual é de endividamento da população, mas é sazonal e passageiro.

GLOSSÁRIO DE SIGLAS FECOMERCIO: Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Entidade sindical que defende a livre iniciativa, estimula o crescimento empresarial (sobretudo das micro e pequenas empresas), cria e oferece produtos e serviços destinados a gerar negócios em áreas específicas de mercado. IPARDES: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Instituição de pesquisa vinculada à Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (SEPL). Sua função é estudar a realidade econômica e social do Estado para subsidiar a formulação, a execução, o acompanhamento e a avaliação de políticas públicas. PIB: Produto Interno Bruto. Soma de todos os serviços e bens produzidos em um período de uma determinada região. Importante indicador da atividade econômica de uma região, representando o crescimento econômico. SELIC: Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. É a taxa básica utilizada como referência pela política monetária, que agora está em 12,25% ao ano. Os juros que incidem sobre a dívida do governo com os bancos são calculados pela taxa SELIC. SERASA: Empresa privada de serviços especializados em pesquisas, análises e informações econômico-financeiros para apoio a decisões de crédito e negócios. SPC: Serviço de Proteção ao Crédito. Maior banco de dados da América Latina de informações creditícias sobre pessoas físicas e jurídicas, auxiliando na tomada de decisão para concessão de crédito pelas empresas em todo país.


Rubens Campana

Trajetórias urbanas

N

a Índia, em uma cidade que mal existia há duas décadas, hoje existem 26 shoppings, sete campos de golfe, hotéis cinco estrelas, lojas de luxo vendendo produtos Chanel e Louis Vuitton e concessionárias com carros BMW e Mecercedes-Benz. Detalhe: a cidade não tem prefeitura. Em reportagem recente, o New York Times conta como Gurgaon, a uns 30 quilômetros de Nova Déli, parece ter tudo: de arranha-céus residenciais a um centro comercial futurista chamado Cyber City. A cidade de um milhão e meio de habitantes só não tem esgoto, calçadas públicas, estacionamentos planejados, sistema de água e energia confiáveis ou transporte coletivo. Gurgaon era um deserto econômico. Em 1979, o estado de Haryana criou Gurgaon pela divisão de um antigo bairro na periferia de Nova Déli. Metade do novo distrito iria girar em torno da cidade de Faridabad, com um ativo governo municipal, acesso ferroviário direto à capital, terras férteis e larga base industrial. A outra metade, Gurgaon, tinha solo rochoso, nenhum governo local, nenhuma ligação ferroviária e quase nenhuma indústria. Gurgaon venceu. Enquanto Faridabad não conseguiu pegar a onda de modernização na Índia, as desvantagens do vizinho se tornaram vantagens: a ausência de governo significou ausência de burocratas estrangulando o desenvolvimento. Há problemas, é claro, mas em 2009 Gurgaon foi considerada a melhor cidade para se viver e trabalhar na Índia, e sua renda per capita é a terceira maior do país. Na ausência do governo, o setor privado entrou na jogada com empresas de transporte, segurança e vários daqueles serviços que a maioria dos países costuma administrar em nível municipal. Mais de 12 mil seguranças privados trabalham na cidade, alguns desses sendo requisitados até para direcionar o tráfego. Uma única empresa de tecnologia, a Genpact, emprega 350 motoristas que transportam mais de 10 mil de seus funcionários por dia. Para enfrentar as quedas de energia, a Genpact tem geradores a diesel que podem sustentar a eletricidade da sede por cinco dias. Nem tudo funciona bem. A cidade é descrita como uma série de ilhas privativas, pequenos oásis onde a vida é boa, mas com desertos desoladores no meio. Aspectos do lugar são disfuncionais,

como o fato de não haver manutenção das ruas, por exemplo. Além disso, particularidades relacionadas a certos custos iniciais da criação de serviços de energia e esgoto fazem com que sua centralização seja eficiente. Talvez a lição aqui não seja a de que o governo é desnecessário, mas a de que um bom governo pode melhorar nossas vidas. Mas bons governos são tão raros que Gurgaon se sai melhor do que a maioria dos outros lugares. Outra hipótese é a de que os empreendedores originais não foram longe o suficiente. Uma empresa privada começou a construir prédios comerciais e de apartamentos, mas era uma agência estatal que havia ficado encarregada da infraestrutura que coordenaria a cidade. A Haryana Urban Development Authority, autoridade estatal de desenvolvimento urbano, seria responsável por ligar os vários oásis privados e transformá-los em uma cidade funcional, mas o poder público não conseguiu acompanhar o ritmo das outras construções. O governo local ausente permitiu que Gurgaon se tornasse um dos líderes do crescimento indiano, mas essa ausência também causou problemas. Não é possível saber o que teria acontecido se os serviços públicos e as ruas também tivessem sido deixados, desde o começo, sob plena responsabilidade de empresas privadas, com pedágios nas ruas e uma companhia privada de energia elétrica que provavelmente seria um monopólio. De qualquer maneira, uma cidade erguida em algumas poucas décadas e que experimente crescimento tão explosivo sempre vai enfrentar problemas. O fato é que uma urbe moderna foi construída de baixo para cima com base em empreendimentos quase totalmente privados, e essa cidade atrai pessoas e empregos e impulsiona o crescimento indiano. O feito é admirável e surpreendente, ainda mais para quem viveu ou vive em Curitiba, cidade onde a ideia de planejamento urbano racional passou a fazer parte da própria identidade local. Mas não é preciso ir até a Índia para saber que o planejamento urbano nem sempre é o segredo do sucesso. Houston, nos Estados Unidos, por exemplo, não possui nem mesmo leis de zoneamento urbano. A cidade não é um caos, como nossos planejadores urbanos gostariam que acreditássemos. Dallas é um caso similar: possui zoneamento, mas as regras são poucas e simples, e a cidade é conhecida por ter pouquíssimas restrições ao que pode ser construído.

Defensores de um ativo planejamento urbano argumentam que o destino das cidades seria decidido pela realização de projetos de grande escala — a implantação de sistemas eficientes de transporte coletivo, por exemplo. A fixação pela ideia do transporte coletivo como solução de todos os males é antiga e sempre repetida, mas não leva em conta alguns fatos elementares: a prosperidade leva pessoas a comprarem carros, pois este é um meio de transporte que pode levá-las direto da casa para o trabalho, sem viagens adicionais até um ponto coletivo de embarque. Além disso, pessoas não fazem um trajeto de formiga entre moradia e trabalho, mas realizam suas próprias paradas para fazerem compras ou buscarem seus filhos — ou seja, aproveitam toda uma dimensão de liberdades que o transporte de massas não proporciona. Sistemas coletivos substituíram em maior escala o uso de carros em pouquíssimos lugares, sendo Nova York um dos únicos exemplos. Na verdade, de todas as pessoas que vão ao trabalho usando transporte público nos Estados Unidos, quase 40% estão em Nova York. A cidade é a exceção, e não a regra. Considerado por muitos como o maior vilão da vida urbana, o automóvel é uma incrível fonte de bem-estar, eficiência e riqueza. Há algo romântico sobre um imaginário e maravilhoso sistema de trens elétricos, mas acredite: a linha do trem não vai chegar até a porta da sua casa, e um dia você estará voltando do supermercado. Nossa intuição indica que algo tão complexo quanto o funcionamento de uma cidade só é possível quando alguém planeja parte de nossas vidas para nós. Diga isso a um de nós, curitibanos e iremos provavelmente concordar, mas um caso dramático como o de Gurgaon ou um exemplo corriqueiro como o de Houston desafiam essa intuição. Mas talvez o dado mais revelador seja nossa escolha cotidiana de preferência por carros que nos levam exatamente onde queremos ir: quase nada supera as vantagens de planejarmos nossos próprios trajetos. A opinião expressa nos artigos é exclusi­vamente do autor e não reflete a posição do Ministério das Relações Exteriores.

rubens campana é diplomata.

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Reportagem

V       Por falta de informação e diagnósticos corretos, cerca de 80% dos jovens que sofrem transtornos mentais não são tratados S C

A

ndar com as próprias pernas”. Foi isso que assustou a adolescente de 17 anos que prefere não se identificar. Ao mesmo tempo em que se sentia “dona do mundo”, se sentia perdida e angustiada. “Queria ser como minha irmã mais velha, que havia escolhido a carreira que amava e era só motivo de orgulho para os meus pais. Sentia uma pressão enorme com isso, me isolei e comecei a aliviar esse stress com o álcool, depois com a maconha e a cocaína. Quando meus pais descobriram onde e como aliviava meus problemas, já estava no fundo do poço”, relembra a jovem, que há um ano faz tratamento para a dependência de drogas e a depressão. Segundo muitos especialistas, esse relato é cada

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vez mais comum. Depressão, ansiedades e fobias já atingem crianças e adolescentes de todo o mundo. Um projeto recente do Grand Challenges in Global Mental Health (Grandes Desafios de Saúde Mental Global) reuniu 422 pesquisadores das áreas de neurociência, ciência comportamental básica, serviços de saúde mental e epidemologia, que analisaram os transtornos na população de 60 países, e a principal conclusão a que chegaram é que se os cuidados com a saúde mental nos jovens não for intensificada urgentemente, no ano de 2020, 70% dos gastos diretos e indiretos em saúde serão referentes aos transtornos mentais e aos problemas proporcionados por eles. “O grande problema hoje é que os médicos não estão preparados para identificar e diagnosticar as doenças psiquiátricas, principalmente nas crian-

ças. É muito comum que um pediatra termine sua residência sem nunca ter diagnosticado um caso assim. Os profissionais que não têm interesse em fazer psiquiatria acabam marginalizando esta área”, afirma o psiquiatra Lourival Baptista Neto, diretor do setor de clínica psiquiátrica da criança e adolescência da Universidade Columbia. Para se ter uma ideia, a estimativa é de que nos Estados Unidos, 80% das crianças e jovens que apresentam algum tipo de transtorno mental não são tratados pelo simples fato de não serem diagnosticados. “Aqui no Brasil não existem pesquisas específicas nessas áreas, mas acredito que os números sejam bastante parecidos. Por isso a importância de se voltar cada vez mais para este problema, que pode acarretar outros ainda mais sérios se não tratados na infância. O uso de drogas


é o principal deles”, explica o psiquiatra.

Desafio Embora o diagnóstico dos transtornos ainda seja um desafio para a maioria dos especialistas, a maioria afirma que grande parte dos transtornos são facilmente identificados na primeira infância. “Existe uma tendência genética para doenças como a depressão. Pais que já passaram por esse problema devem ficar ainda mais atentos ao comportamento dos filhos”, explica Lourival. Pesquisas americanas apontam ainda que uma em cada quatro visitas que as crianças fazem aos pediatras estão relacionadas a transtornos mentais e emocionais. Embora na maioria das vezes não sejam identificados pelos profissionais. Mas os especialistas apontam alguns sinais que devem ser observados pelos pais, como o excesso de birra, irritação, a falta de prazer nas brincadeiras e a dificuldade para alimentar-se. “Muitas vezes a depressão aparece ainda na infância e depois se confunde com os sintomas normais da adolescência, como a constante mudança de humor. Mas se essa alteração do humor for muito alta e constante, se o jovem apresentar muitos altos e baixos, deve se prestar atenção. A intensidade, frequência e a duração nesses casos é que fazem a diferença” conta o psiquiatra. Já a psiquiatra Sylvia França ressalta a importância de se cuidar no momento do diagnóstico, para não supervalorizar um sintoma comum de todo ser humano, como a tristeza, como um transtorno psicológico. “Os valores mudaram muito nos últimos anos e é importante cuidar para não haver uma supervalorização dos sintomas. É cada vez mais comum olharmos tudo com uma lente de aumento e por isso que temos que ter cuidado no momento de diagnosticar um paciente com um transtorno mental. Os profissionais devem ficar muito atentos para não cair nesse erro. Às vezes uma boa conversa ou uma análise já é suficiente para o tratamento, a tendência em cair no uso de antidepressivos é o que realmente me preocupa”. De acordo com algumas pesquisas, o principal risco do adolescente ter acesso aos medicamentos é quando existe a tendência ao suicídio, por ele ser mais impulsivo do que um adulto. Mas os estudos garantem que, de maneira geral, a rela-

uma em cada quatro visitas que as crianças fazem aos pediatras estão relacionadas a transtornos mentais e emocionais ção dos antidepressivos com os jovens é melhor estabelecida dos que com as crianças.

escola – um importante aliaDo Estima-se que 20% dos jovens em idade escolar apresentam problemas emocionais e comportamentais. Os transtornos de ansiedade e depressão estão entre os principais responsáveis por cerca de 60% dos problemas em escolas. Os profissionais afirmam que o não tratamento pode provocar sérios riscos na adolescência e danos irreversíveis na vida adulta. Os especialistas garantem ainda que a escola deve ser o principal aliado dos pais para identificar mudanças bruscas no comportamento dos filhos e que mudanças no rendimento escolar, dificuldades em trabalho em grupo e o isolamento devem ser comunicados aos pais para que fiquem mais atentos. “É importante que eles relatem para os pais as mudanças de comportamento, mas também é essencial que analisem essa mudança. Muitas escolas não estão preparadas para enfrentar os novos problemas e desafios que os jovens de uma maneira geral apresentam e acabam agindo como se não tivessem responsabilidade. É necessário cuidar para que não haja

a supervalorização, mas também não podemos menosprezar os problemas”, ressalta Sylvia.

tratamento – uma luz na escuriDão “Com o meu filho? Aqui em casa não”. Este foi o primeiro pensamento que M.E., 47 anos, teve quando percebeu os problemas que a filha adolescente enfrentava. “É complicado ver que seu filho sofreu calado e a gente não percebeu. Quando percebi, minha filha já estava viciada em cocaína”, conta a mãe da adolescente do relato do início da matéria. Segundo M.E., a filha sempre foi calma e introspectiva. “Ela nunca me deu problemas. Sempre foi uma aluna mediana e gostava de ficar no seu canto, isolada”. A família nunca percebeu que esse “isolamento” foi aumentando e agravando com o passar dos anos. Os pais, por não notarem ou por, inconscientemente, quererem se enganar, sempre negaram os sintomas da doença, que viam apenas como uma característica da personalidade da filha. “No início do tratamento, percebi que a pergunta importante que deveria fazer e encontrar urgentemente uma resposta era o que havia desencadeado isso na minha filha e não porque ela havia desencadeado esta doença. Mas para tirar a minha filha do sofrimento e do tormento que ela estava vivendo era capaz de tudo, por isso a família toda acabou entrando numa terapia para aprender a melhor maneira de ajudá-la”, relembra. “Foi bem difícil. Sentia que estava causando mais problemas e atrapalhando ainda mais a vida das pessoas que eu amava. Mas agora consigo enxergar as coisas com mais clareza e ver que eles me amam e estou aceitando que não atrapalho a vida deles”, desabafa a filha. “Você nunca atrapalhou, só preencheu ainda mais a nossa vida”, complementa M.E. A adolescente ficou três meses internada em uma clínica de reabilitação e há um ano toma antidepressivos e faz terapias. “Quando via os desenhos sem forma e cores que fazia nas suas sessões na clínica, ficava horrorizada, mas hoje vi que ela virou essa página e está começando uma nova vida. E para uma mãe ver que o filho está conseguindo sair de todo esse sofrimento, é a felicidade”, emociona-se.

impacto dos problemas de saúde mental no mundo países De alta renDa

países De baixa e méDia renDa

transtorno

impacto*, em mi

transtorno

impacto

Depressão Unipolar

10,0

Depressão Unipolar

55,5

Mal de Alzheimer e outras demências

4,4

Alcoolismo e transtornos relacionados

19,5

Alcoolismo e transtornos relacionados

4,2

Esquizofrenia

15,2

Transtornos ligados ao uso de drogas

1,9

Depressão Bipolar

12,9

Esquizofrenia

1,6

Epilepsia

7,3

*Impacto é a soma populacional do número de anos de vida saudável perdidos por cada indivíduo por conta do transtorno. Fonte: OMS, The Global Burden of Disease.

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Cultura

C   O universo das histórias em quadrinhos toma fôlego e ganha espaço na cena cultural M C

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TADEU JUNGLE/DIVULGAÇÃO

M

Lourenço Mutarelli usa suas histórias em quadrinhos como melhor forma de comunicação com o mundo externo

que seria estranha em um texto em prosa”. Autores de histórias em quadrinhos conseguem traduzir, quadro a quadro, com precisão, inteligência e cuidado, emoções. Sejam elas ficcionais, reais, dramáticas, engraçadas, trágicas ou bem-humoradas. Cada quadro é um respiro, uma reflexão, uma angústia, uma dor e uma alegria. A soma dos quadros conta uma história.

SAMURAI DO HQ Curitiba sempre teve grandes artistas ligados aos quadrinhos. Tradição que não é recente e que remonta à obra do cartunista Alceu Chichorro (1896-1977), passando pela geração que, entre as décadas de 1970 e 1980, fomentou os quadrinhos eróticos, de terror e ficção cientifica da editora Grafipar e também a criação da Gibiteca de Curitiba. Um dos mestres foi Claudio Seto. Desenhista, ilustrador e artista plástico. Seto morreu em 2008, vítima de um acidente vascular cerebral. Aos nove anos, foi para o Japão estudar em um templo zen. Nos fins de semana visitava o estúdio de Osamu Tezuka, considerado o “pai” do mangá, os tradicionais quadrinhos japoneses. De volta ao Brasil, oito anos depois, Seto

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inha primeira lembrança de histórias ilustradas é dos livros de medicina de meu avô, médico. Olhava horas sem fim os desenhos daquelas enciclopédias colossais. Depois foi com a obra de Monteiro Lobato, com a qual imaginava as histórias das Reinações de Narizinho pelos desenhos. Passou depois pelos Irmãos Grimm, todos os contos de fada, a turma do Mauricio de Sousa e do Walt Disney. O fantástico Alice no país da Maravilhas. Mais tarde a trinca Angeli, Glauco e Laerte, e claro, Lourenço Mutarelli, autor de obras geniais como a Soma de Tudo, O Cheiro do Ralo, A Caixa de Areia ou Eu Era Dois em Meu Quintal e Transubstanciação. Passei por Robert Crumb, Alex Raymond — criador do maravilhoso álbum de Flash Gordon — e Will Eisner. E ainda Milo Manara, Guido Crepax, Rotundo, os eróticos, incríveis. A narrativa da história em quadrinhos sempre me pareceu uma arte difícil e espetacular. Como contar em quadros ilustrados uma história? Mutarelli, que viveu sérias crises de síndrome do pânico, usa suas histórias em quadrinhos como a melhor forma de comunicação que encontrou com o mundo externo. Foi desenhando que descobriu que as outras pessoas podiam entender o que sentia e como via a vida ao seu redor. A expressividade do preto do nanquim sobre a folha branca do papel (técnica preferida por ele) ampliou o realismo fantástico e sofrido de seus personagens. Joe Sacco, cartunista, nascido em Malta, faz jornalismo em forma de quadrinhos e cobre conflitos do Oriente Árabe. Suas obras mais conhecidas são Palestina: Uma nação ocupada e a segunda parte, Palestina: Na faixa de gaza e Área de Segurança: Gorazde, publicadas no Brasil pela Conrad Editora. Na festa literária de Paraty em julho deste ano, contou de que forma a linguagem da HQ possibilita um jornalismo diferente do tradicional: “Os quadrinhos permitem reunir muita informação visual de uma maneira

foi operário em Votorantim (SP), desenhista publicitário em Lins (SP) e autor de histórias em quadrinhos em São Paulo. Também foi vereador por dois mandatos em Guaiçara, chegando a presidente da Câmara Municipal. Em 1975, Seto se mudou para Curitiba. Trabalhou como pesquisador na Fundação Cultural e no Memorial da Imigração Japonesa, ao mesmo tempo em que manteve sua vasta produção artística.


GIBITECA A Gibiteca completará 30 anos em 2012. Criada pelo arquiteto Key Imaguire, foi o primeiro espaço dedicado a histórias em quadrinhos da América Latina. Seu acervo conta com mais de 25 mil títulos disponíveis para consulta local. A Gibiteca contribuiu para a formação e divulgação de diferentes gerações de autores como o grupo Boca Maldita Comics na década de 1980, o Núcleo de Quadrinhos na década seguinte e, mais recentemente, autores de revistas como Quadrinhópole e Avenida. Nomes como Tako X, Antonio Eder, Clayton Jr, José Aguiar, Fulvio Pacheco e André Caliman são alguns dos muitos artistas e ilustradores cujas histórias se confundem com a da Gibiteca de Curitiba. Grandes nomes da HQ brasileira como Laerte, Angeli, Glauco, Luiz Gê, Primaggio, Malavoglia & Garfunkel, entre outros, estiveram na Gibiteca, trocando informações com a nova geração de cartunistas. Artistas curitibanos também despontaram no cenário nacional e hoje têm seus desenhos e histórias estampados em jornais e revistas de todo o Brasil. PRÉVIA A Gibicon, primeira Convenção Internacional de Quadrinhos, aconteceu em Curitiba entre os dias 15 e 17 de julho. Foi uma prévia às comemorações dos 30 anos da Gibiteca de Curitiba, que acontecerá em 2012. “Os artistas presentes na edição zero da Gibicon fizeram uma amostra do que planejamos para o ano que vem. Agora foi uma convenção curta que fará de Curitiba a capital mundial dos quadrinhos. Buscamos valorizar os artistas locais ao mesmo tempo em que programamos trazer os internacionais, promovendo o intercâmbio profissional e intelectual”, disse o coordenador e curador artístico do evento, José Aguiar. A convenção reuniu vários nomes de quadrinistas, chargistas e escritores de histórias em quadrinhos. Autores nacionais e internacionais participaram do evento. Em Curitiba, a turma é grande e de alto nível. A cidade tem ainda a Itiban, loja especializada em quadrinhos, mangá, álbuns de história em quadrinhos e itens desse universo.

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Seto foi o introdutor no Brasil do estilo mangá e pioneiro nas histórias de ninjas e samurais. Alguns de seus personagens atingiram grande sucesso, como Maria Erótica, que chegou a ter até uma revista própria. Colecionou vários prêmios ao longo de sua carreira artística. Em 1995, foi considerado “Grande Mestre do Quadrinho Brasileiro”. No ano seguinte recebeu homenagem como “Pioneiro e Mestre do Mangá no Brasil”, da Associação Brasileira dos Desenhistas de Mangá e Ilustradores.

Claudio Seto é considerado o “pai” do mangá

O BRASIL É CADA VEZ MAIS RECONHECIDO POR SEUS QUADRINHOS, REFLEXO DO ÓTIMO MATERIAL QUE HÁ AQUI RELEVÂNCIA Nos últimos anos as histórias em quadrinhos têm mostrado cada vez mais sua força como arte e crescido em relevância. Ao reunir artistas de escolas, estilos e idiomas tão diferentes, a Gibicon movimentou a área com discussões, aproximou as histórias em quadrinhos do grande público e fez com que a cidade abraçasse de vez sua vocação como polo produtor e difusor dos quadrinhos brasileiros. Segundo Fabrizio Andriani, que também é curador e coordenador da mostra, a Gibicon nasce para prestigiar os artistas locais, colocando-os no

cenário nacional ao mesmo tempo em que reúne quadrinistas de outros países. “O Brasil é cada vez mais reconhecido nos quadrinhos. Agencio artistas brasileiros para o mercado europeu e eles são muito valorizados. É um reflexo de que há ótimo material humano aqui, mas o que precisa acontecer é que se publiquem mais quadrinhos autorais, que o Brasil volte a ter seus periódicos em quadrinhos como nos anos dourados. Acredito que isso irá em breve acontecer”. A curadoria da Gibicon fez também parceria com o Festival Internacional de Quadrinhos de Roma - Romics.

SERVIÇO Gibiteca de Curitiba Centro Cultural Solar do Barão Rua Carlos Cavalcanti, 533 – Centro 2ª a 6ª (9h-12h e 14h-18h30), sábados (14h-19h) Entrada gratuita Seto - Samurai de Curitiba Centro Cultural Solar do Barão Museu da Fotografia Rua Carlos Cavalcanti, 533 – Centro 3ª a 6ª (8h30-12h e 14h-18h),sábados (14h-18h) Entrada gratuita Até 21 de agosto Itiban Comics Shop Av. Silva Jardim, 845 – (41) 3232-5367 itiban@netpar.com.br agosto de 2011 |

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Entrevista Pryscila Vieira

P,     Pryscila Vieira revela em entrevista exclusiva à Revista Ideias por que é a grande novidade do cartum nacional M C F P C

P

ryscila Vieira é cartunista. Ela não é prata da casa. É ouro. Todo mês na Revista Ideias temos o maior prazer de ter em página exclusiva a Amely, a mulher de verdade, boneca inflável que define perfeitamente o temperamento feminino e, por consequência, o mundo masculino. Coisas que só a Amely faz por você. A personagem, inspirada no samba de Mário Lago, “Ai que saudades da Amélia”, desconstrói o mito da mulher de verdade, pois a boneca inflável fala e pensa, vejam só, e, desse modo, passa de inflável a infalível. Assim, Amely torna-se realmente uma mulher de verdade, como sua criadora. Pryscila não revela a idade nem com cócegas nos pés (o que significa, segundo ela, que já passou dos trinta). Nasceu em Curitiba sob Sol e Lua no difamado signo de Escorpião e sem anjo da guarda cabalístico definido. Por conta dessa conjunção astral, é tomada por uma constante agitação emocional (vulgo TPM) catalisada em ácidas críticas gráficas contra a sociedade. Tão bonita e inteligente quanto alta — e olhe que Pryscila Vieira tem 1,80 m — a cartunista ilustrou as páginas da Gazeta do Povo durante quatro anos, publicou tirinhas diariamente por cinco anos no Metro Internacional e agora está na Folha de São Paulo. Amely concorre ao troféu HQ Mix como melhor tirinha nacional neste ano. Pryscila quebra conceitos. Com seu humor consegue tirar do sério, literalmente, os mais sisudos do planeta e mais, consegue revelar com nitidez particularidades que nem Freud conseguiria. O humor de Pryscila é crítico, inteligente, ácido. Confira na entrevista que Pryscila concedeu à Revista Ideias como pensa uma mulher de verdade.

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Como foi sua infância, o que você gostava de fazer? Gostava do que ainda gosto: desenhar, dormir, ler, escrever, dormir, tocar piano, brincar com cachorros, dormir, tomar Toddynho e tomar vinho... ops... o vinho aprendi a gostar depois dos 18. Já falei dormir?

certA VeZ, quAndo disse que erA cArtunistA, um senhor pediu pArA que eu lesse o futuro dele nAs cArtAs Quando você definiu que seria cartunista? Não defini. As coisas foram acontecendo, como se as cartas já estivessem marcadas. Fui tropeçando num mestre aqui, num prêmio de desenho ali, num trabalho acolá... e aos poucos abri mão da carreira do design gráfico para fazer somente o que eu gostava: criar personagens e dar vazão aos meus mais sórdidos pensamentos. Quando percebi, já estava respondendo “cartunista” nos cadastros que perguntavam profissão. Certa vez,

quando disse que era cartunista, um senhor pediu para que eu lesse o futuro dele nas cartas. Achou que fosse cartomante. Logo previ que o futuro dele não seria muito brilhante. Como foi seu começo? O que você fez, onde trabalhou, como foi para se tornar conhecida em um meio predominantemente masculino? Para tornar-se conhecida num meio predominantemente masculino, basta ser mulher. E eu ainda tenho 1.80 m de altura, característica que infelizmente não me deixa passar despercebida. Mas em qualquer trabalho desconsidero o gênero. Não existe homem ou mulher. O que existe é trabalho bom ou trabalho ruim. Esforço-me por fazer um bom trabalho. Sou extremamente dedicada, perfeccionista, antenada, curiosa e acima de tudo, amo meu ofício. Hoje faço desenhos de toda ordem para publicidade e iniciativa privada. Crio personagens, gibis, livros e participo de projetos voltados para crianças. Sou capaz de fazer uma infinidade de traços diferentes para colocar brioches na mesa. Além disso, também batalho a obra de caráter autoral, em que expresso minhas ideias. Buscando isso, ilustrei páginas da Gazeta do Povo durante quatro anos, publiquei tirinhas diariamente por cinco anos no Metro Internacional e agora estou na Folha de São Paulo. Também sou prata da casa, porque publico tirinhas aqui na última página desta estimada revista que vos informa (caro leitor, por favor, conclua a leitura desta entrevista na qual revelarei o segredo da tatuagem do hipopótamo alado que fui obrigada a fazer na axila, para depois ler os quadrinhos da última página). Deixo aqui registrado que ainda quero publicar no New York Times, no Le Monde e na Tribuna do Paraná.


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dência ou a Autoconfiança? Tão parecidas essas mocinhas...

tudo pode ser contAdo, AnAlisAdo ou criticAdo segundo A óticA dA comédiA Houve preconceito por você ser mulher e bonita? Depois de alguns chopes, cartunistas machos são capazes de cortejar até mesmo samambaias artesanais de garrafa PET. Portanto, desconsidero qualquer investida que tenha evocado algum tipo de preconceito por parte dos “meninos” do grupo de risco. Quanto mais fina a cintura, melhor o jogo de cintura para lidar com adversidades dessa ordem. Geralmente, sempre fui muito bem recebida pelo Clube do Bolinha, ávido por conhecer o trabalho de uma mulher que expressa sua opinião com tanto bom humor quanto crueldade. Mas percebo que ainda é comum que as pessoas esperem resignação feminina e fiquem chocadas com mulheres bem humoradas. São homens e até mulheres machistas que ainda não se acostumaram com fêmeas que falam o que pensam. Geralmente julgam que bom humor, inteligência e beleza não possam compor uma única mulher. A sua escolha profissional não é algo comum e tampouco fácil. Como você encarou isso? A autoconfiança é irmã gêmea da imprudência, por isso nunca sei com qual das duas estou saindo. Se estou diante de uma proposta ousada e que não faço a mínima ideia de como executar, meu ímpeto é o de aceitar e descobrir como resolver, porque confio plenamente no poder da criatividade e do improviso. Sinto que nada é impossível e olho para o lado... será a Impru-

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Curitiba e os curitibanos te influenciam? Como é a sua relação com a cidade? Minha relação com Curitiba é de carinho absoluto. Há uma década tenho a honra de integrar um grupo de risco elitizado (e etilizado...) do qual fazem parte cartunistas atuantes da imprensa nacional como Miran, Paixão, Cesar Marchesini, Tiago Rechia, Marco Jacobsen, Benett e Solda. Sempre nos encontramos para falar bobagem (o que até pode parecer bobagem, mas faz parte do processo de criação) e para trocar experiências peculiares da nossa profissão. Cartunistas são seres raros e, por consequência, profissionalmente solitários. Portanto, fazer parte de um grupo de amigos e admiradores mútuos é uma conquista de vida, além de ser profissionalmente enriquecedor. Também faz parte da minha história a querida Gibiteca de Curitiba, que é o primeiro estabelecimento do gênero da América Latina e uma das mais completas do planeta. Quais são suas referências para criar? O que te inspira? Tudo me inspira. Não há adversidade diante da criatividade nem grades capazes de encarcerar o pensamento. Todas as situações, pessoas, fatos, são potenciais escravos da graça. Tudo pode ser contado, analisado ou criticado segundo a ótica da comédia. Um passeio com seu cão, uma história dramática da vida da sua manicure, um detalhe sórdido comentado por algum desavisado no cafezinho da esquina, a maneira como seu marido corta as unhas sobre seu travesseiro... tudo me parece caricato. E esse meu senso de humor não passa de uma compreensão instintiva e crua das trágicas ironias da vida.

A AutoconfiAnçA é irmã gêmeA dA imprudênciA, por isso nuncA sei com quAl dAs duAs estou sAindo


os quAdrinhos dA Amely trAtAm dos sentimentos e pensAmentos de Alguém que não esperAmos que os tenhA A Amely surgiu como? Amely é uma boneca inflável que foi batizada sob esta graça por conta do samba de Mário Lago intitulado “Ai que saudades da Amélia”. A tal Amélia deixava saudades por ser uma mulher de verdade, ou seja, um exemplo de resignação feminina. Só que Amely destrói o mito de que a “mulher de verdade” deve se anular em prol do seu parceiro. Amely chega por encomenda à casa de seu comprador com dois grandes e irreversíveis “defeitos de fabricação” segundo o público masculino: o primeiro é que ela pensa. O segundo defeito é que ela fala... e muito! Isto a transpõe do patamar de “mulher inflável” para o de “mulher infalível”. Amely torna-se uma mulher de verdade. Adquire vontade, iniciativa e independência, apesar de seus “proprietários” não esperarem nada dela além do que um objeto sexual proporcionaria. Os quadrinhos da Amely tratam dos sentimentos e pensamentos de alguém que não esperamos que os tenha, muito menos que os expresse tão veementemente. Infelizmente, no mundo machista em que vivemos, algumas mulheres ainda se deparam com situações semelhantes na sociedade e no mercado de trabalho. Além de Amely, ainda há outro personagem nas tirinhas, que interpreta o comprador da boneca. Ele resolve adquirir uma mulher inflável exatamente porque desistiu de tentar compreender as mulheres de verdade. O comprador tem a esperança de que Amely será uma mulher perfeita, visto que não tem vontade própria, logo, não tentará julgá-lo. E tudo isso por um preço módico! Mas a solução perfeita para sua crise dura pouco. Para seu desespero, Amely recusa-se a ser um mero objeto sexual. Ela quer ser seduzida, quer preliminares, atenção, amor e carinho como toda mulher, afinal ela é uma mulher de verdade.

Como está Curitiba na cena de quadrinhos? A cidade acaba de sediar a Convenção Internacional de Quadrinhos, a Gibicon (15 a 17 de julho). Que importância isso tem para a cena cultural e para os artistas? Vejo muita gente boa e nova tendo oportunidade e conseguindo se destacar no mercado de trabalho. São os cartunistas “tipo exportação”. Olheiros de grandes editoras estão atentos para esses talentos e estão os contratando a peso de ouro. São garotos que desenham histórias de super heróis ou nerds que modelam e animam em 3D para games e filmes - campos de atuação bem remunerados e carentes de bons profissionais. Ainda existe uma infinidade de outras áreas de atuação no mundo do cartum, como os que se dedicam ao desenho de publicidade e ao meio editorial. Outros, cheios de graça, acabam escrevendo roteiros para famosos programas de humor. E aviso: Curitiba tem tudo isso e muito mais. Não há coordenada geográfica neste país que concentre tantos talentos sequiosos por expressão e trabalho, mas que muitas vezes são obrigados a sair do Brasil para que sejam valorizados. Por isso, é fundamental que tenhamos investimentos em eventos como a Gibicon, para que os talentos da terra sejam absorvidos e projetados pela nossa cidade. Isso gera empregos, mercado, altíssimos níveis de formação e tecnologia. Além, é claro, de agitar a cena cultural com o bom humor que justifica o velho epíteto de “cidade sorriso” que Curitiba ostenta. Tem projetos engatilhados? Quais são os seus próximos trabalhos? Vida de cartunista não é fácil. Só é possível viver do trabalho autoral a partir do momento em que se consegue publicá-lo em muitos jornais. Tal-

vez um dia a Amely será tão publicada quanto o Garfield... aí então, serei encontrada às margens de uma piscina de bolinhas cintilantes, comendo morangos orgânicos e degustando espumantes. Também estão nos meus planos publicar um best seller (pela Travessura dos Editores) com as melhores tiras da Amely e dominar o mundo com a força do pensamento no estado R.E.M. Mas enquanto isso não acontece na velocidade que eu desejo (a da luz), vou fazendo aquelas coisas que mais gosto: desenhar, dormir, ler, escrever, dormir, tocar piano, brincar com cachorros, dormir, tomar Toddynho e tomar muito, muito vinho! Ah... E dormir!

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Izabel Campana

assessoria de iMPrensa da FliP

MaiÔs de leopardo e lÁGrimas de crocodilo

Performance de Zé Celso Martinez na festa literária de Paraty

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oi a primeira vez que fui à Festa Literária de Paraty. A FLIP tem duas faces: é um encontro para o mercado de livros e também um encontro do leitor com os autores. Todos muito contentes, divulgando suas novas obras, distribuindo autógrafos e gentilezas. Dizem que gentileza gera gentileza, só que o resultado às vezes é um pouco chato. A verdade é que o sucesso da festa depende dos grandes nomes que participam do evento e da rasgação de seda em torno deles. E nós, expectadores, vamos lá ouvir o que eles dizem, comprar o livro, quem sabe descolar um autógrafo e um exemplar de jornal grátis. Em Paraty, a literatura é pop, mas há algo de muito estranho nisso tudo. Fiquei hospedada em uma pousada afastada e ao chegar ao centro histórico, onde acontece a festa, a sensação é de estar em um universo paralelo. Festa estranha com gente esquisita, diria Renato Russo. A gente esquisita era eu. Quando saía da pou-

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sada fantasiada de rata de sebo, percebi que os locais me olhavam desconfiados. Entendi aí que a FLIP é isso: uma fantasia. A fantasia de que ali se comemora a literatura. Para chegar a essa constatação, é só dar uma olhada nos pontos altos da festa. Vamos lá: A FLIP tem musa. A escritora argentina Pola Oloixarac foi tratada como uma espécie de Larissa Riquelme do mundo literário. Só que ao invés de celular no sutiã, a onda foi o tal maiô de leopardo. A FLIP tem emoção. Os livros mais vendidos da festa foram conquistados com as lágrimas de um português. Ó festa salgada, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal? Mas não me entenda mal. Acho o cara ótimo. Gostei da carta. O choro foi simpático e sincero. Mas a verdade é que muita gente comprou os livros por causa disso. Só. Tomara que leiam. A FLIP tem barraco. Não me refiro às tendas em que são realizadas as mesas. Falo de barraco na gíria popular. Fuzuê, bate-boca, arranca-rabo. Um dos episódios mais comentados do

pós-festa foi o das grosserias de Claude Lanzmann. A que se sucederam insultos por parte de Manuel da Costa Pinto, curador da festa. Lanzmann se ofendeu ao ser questionado sobre sua relação com os existencialistas franceses. Costa Pinto o acusou de ser nazista por censurar perguntas. Errado o cineasta. Lanzmann achou que estava ali para tratar de sua obra, de seus filmes ou de seu livro. Mas a FLIP não é isso. A FLIP celebra o autor e não a obra. A vida do escritor, envolva ela maiôs de leopardo ou lágrimas de crocodilo, interessa em Paraty. Talvez seja bom lembrar a frase de Oscar Wilde: “Bons artistas existem simplesmente no que fazem e, por consequência, são perfeitamente desinteressantes no que são”.

iZabel camPana é advogada


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Ensai� Fotográfic�

O Sul-Realista DICO KREMER

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onheci Leonid Streliaev e o seu trabalho pelos idos de 70 — século XX. Presenteou-me com uma cópia de uma foto em xerox colorida que desde então faz parte do meu acervo. Na época tinha feito experiências em Nova Iorque com esse processo já existente, mas que o governo militar tinha proibido no Brasil. Mostrou-me também fotografias que tinha feito do ex-governador gaúcho Leonel Brizola, então exilado em Nova Iorque. Tentara vendê-las para alguma revista ou jornal brasileiros, mas era como impingir imagens para uma mesquita. Anos se passaram, voltei ao país, e a ver um house organ da empresa vinícola Miolo, a qualidade das fotografias me chamou a atenção. E no ex-

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pediente: fotografias de Leonid Streliaev. Bem, o trabalho de Leonid muito me impressionou e impressiona: sua vontade de experimentar sua sensibilidade, seu domínio da luz e do enquadramento são perfeitos. Filho de pai russo, é gaúcho de alta estirpe. Como Érico Veríssimo, Mário Quintana, Moacyr Scliar, Dionélio Machado, Flávio Damm. E é do Rio Grande do Sul que extrai a sua arte. A direção da rosa dos ventos por inteira norteia a sua busca para a documentação da sua terra. Palmilhou o grande estado em todas as direções: enfrentou o frio, o calor, o vento, a serra, o pampa, o minuano, a geada, a solidão. Viu casas e casebres, viu ruínas, casarios, viu o nascer e o pôr do sol e a lua e as estrelas, viu os matos, os capões, os campos, as plantações, os açudes, as corridas de cavalo,

a alimária, a charqueada, a morte. Viu mais: a noite, a fogueira, as sombras, a roda de mate, “o truco feito de tempo, não de cobiça”, ouviu a guitarra na vaga fronteira. E viu a essência do gaúcho, o ginete, quase um centauro. (Não confundir o gaúcho com o riograndense do sul). O que o mar era para a Inglaterra e o deserto para o beduíno — no dizer do Coronel T. E. Lawrence — o pampa é para o gaúcho. É a imensidão que não respeita as fronteiras políticas. Argentina, Brasil e Uruguai e um só gaúcho. Da mesma estirpe, da mesma valentia, da mesma coragem, da mesma vida dura e da mesma liberdade. As maravilhosas fotos deste ensaio superam tudo o que se poderia escrever sobre o seu trabalho. Entre aspas uma citação, de “O Gaúcho” de Jorge Luis Borges.


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Solda

A   P T DIANA Conheci Diana na Churrascaria do Julião, ao ser atingido por um cupim mal assado, arremessado por um bêbado atrevido. Diana foi quem segurou o bêbado, pagou a conta e me tornou vegetariano. Hoje passo ao largo quando ouço falar em bife à cavalo. Tudo o que restou do nosso romance foi uma samambaia mal cuidada que enfeita a sala de costura de titia e Júnior, o garoto gordinho que ela insiste que é meu filho, apesar de ele ser japonês, torcedor do Flamengo, ambidestro e vesgo.

ANA Viciada em naftalina. Quando descobri, ela havia enchido todas as minhas gavetas com aquelas bolinhas ridículas. Fui ao cinema com Ana três vezes e em todas elas o filme estava fora de foco, o lanterninha nos retirou do recinto e roubaram nosso pacote de pipocas. Nosso romance terminou quando ela se entregou para um vendedor das Casas Pernambucanas. Atormentada pela traição, Ana fugiu para Alagoas três meses depois. Minha paixão por Ana durou até ela tentar vender minha coleção de figurinhas carimbadas para o dono da bombonière do cinema. Ana era quem pagava as contas do hospital quando nossas brigas descambavam para a pancadaria e ela descia a lenha pra valer.

GILDA Era a única disponível na festa, estava alucinada e não sabia dançar. Mas o sábado foi magnífico, e se não fosse um tango mal acabado, o fim de semana teria sido perfeito.

BEATRIZ Beatriz conquistou meu coração e meu colesterol quando amarrou os cadarços do meu sapato no rabo do gato da nossa família, um felino infeliz que acabou se suicidando num sábado chuvoso, depois de passar semanas internado numa clínica veterinária da cidade. Nossos encontros, a maioria escondidos, se davam sempre na curva do rio, debaixo do pé de eucalipto, quando ambos torcíamos para que o jipe do prefeito não surgisse na estradinha lamacenta e nos desse um flagrante inevitável. Num desses encontros, Beatriz disse que desconfiava do meu amor, que eu não demonstrava uma ponta sequer de paixão, mas eu fiz que não ouvi, peguei minhas roupas e fui embora, sem olhar para trás, tornando as coisas mais difíceis ainda. Assim, Beatriz passou pela minha vida, balançando o meu coreto e devorando todos os sanduíches de nossos piqueniques. CLARA A única dificuldade do nosso namoro foi uma irmã gêmea de Clara, Abigail, com a mesma cara, a mesma persistência e a mesma pinta na coxa esquerda. Quando eu pensava que estava com Clara, estava com Abigail, e vice-versa. Durante todo o tempo eu ficava tentando descobrir com quem estava saindo e nem podia prestar atenção no filme. Acabei descobrindo que Clara era a de voz fanhosa 54

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HORTÊNSIA Ela se recusou a dizer seu nome durante semanas, e foi nesse período que gastei todas as minhas economias em pescarias insossas e pacotes de algodão-doce, sem falar nos pés-de-moleque. Uma paixão passageira, mas gratificante, especialmente quando eu lia trechos da Ilíada pra ela e Hortênsia suspirava profundamente, fingindo entender e simulando orgasmos intermináveis. LÚCIA Apaixonou-se subitamente pelo Caubi Peixoto, arrumou as malas e viajou para Minas, levando parte da minha vida e o dinheiro do aluguel da quitinete. Deixou um bilhete em cima da cômoda, sem nada escrito. MARIA Argentina, Maria Ornitorrinco sumiu quando voltei com os ingressos para o teatro. Quem souber do seu paradeiro é favor avisar que a peça estava ótima e estou disposto a começar tudo de novo, agora sob nova direção. por acaso, ao ser esmurrado violentamente pelo amante de Abigail, um alemão parrudo, com um trinta-e-oito deste tamanho. Desiludido, pedi mais um conhaque e me apaixonei por Diana, a vizinha com as coxas mais exuberantes do bairro.

SOLDA é escritor, humorista e cartunista. cartunistasolda.com.br


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Marianna Camargo

O  

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ão sou adepta dos novos costumes. Vou explicar: não consigo me render aos apelos publicitários, ecológicos, sustentáveis, minimalistas e das novas palavras que viram “conceitos” em modos de vida repletos de regras sem questionamentos. Vou começar pela palavra sustentabilidade. Palavra usada para fins comerciais, tão somente. Enfeita show-rooms decorativos, desfiles de moda, slogans de empresas, e ninguém sabe o por quê de, por exemplo, uma camisa ser “ecologicamente sustentável”. Juro que tentei, mas não consegui entender ainda. Depois vem a palavra do momento. Lúdico. Coqueluche, hit, tendência. Todos a usam para falar sobre qualquer coisa. Desde a arte até a lavoura, passando pelo “aspecto lúdico” também. Aplicado em álgebra, economia, solução para a violência, receita de bolo. Mas até agora, niente. Aí, quando você pensa que não tem mais nada, vem o tal do “praticar o desapego”. Prática que consiste em jogar fora tudo o que você tem de “material”, ou seja, roupas, livros, objetos, bilhetinhos, coisas inúteis que a gente guarda pela vida toda. Eu não consigo. Sou muito apegada a tudo. Não me peçam para jogar fora aquele guardanapo com uma declaração à caneta, nem aquela foto em que temos que usar a imaginação para saber quem são ou muito menos aquele vinil daquela banda

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LEMBREI DE UMA SÉRIE DE PALAVRAS, NORMAS, CONCEITOS, MODOS DE VIDA, HÁBITOS QUE NÃO PASSAM DE DOGMAS DISTORCIDOS

horrível que um dia eu gostei. Não jogo. Esses dias uma pessoa me disse que queimou todas as fotos. Desde a infância até agora. Olhei pasma e ela justificou: “tenho a memória, as lembranças ficam lá”. Não engoli essa. Se confiar na minha memória, perco tudo e não sei mais quem sou. Também não vejo sentido em termos como alta e baixa gastronomia, e a mesma coisa para cultura. Comida é boa ou ruim, cultura você tem ou não tem. Não é mais simples assim? Ora, pois. Lembrei de algumas, mas tem uma série de palavras, normas, conceitos, modos de vida, hábitos que as pessoas estão “aderindo” (outra palavra do momento e ainda no gerúndio), mas que não passam de dogmas distorcidos. Alguém realmente sabe o significado, alguém pratica o que diz, pelo menos? Aposto que não. Dia desses encontrei um amigo, do tempo das cavernas, e questionávamos esses novos comportamentos e frescuras, quando chegamos à conclusão (com alívio) que continuávamos com as mesmas lentes bárbaras sobre o mundo. Aí ele vira e me diz: “somos modernos, não pós-modernos”. E demos uma gargalhada. Matou a charada.

MARIANNA CAMARGO é jornalista. mariannacamargo.blogspot.com


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livROs

Prateleir�

revista Granta

o escritor e insatisfeita seus fantasmas imperatriz

o tratado de hume

Por Fábio Campana

Por Fábio Campana

Por Fábio Campana

Por Fábio Campana

David Hume

Maria Leopoldina, no Brasil, com seus filhos. O mais jovem, em seu colo, é Pedro II

A

revista Granta foi fundada em 1889 por estudantes da universidade de Cambridge. Agora temos a versão brasileira editada pela Alfaguara. Cobre um espaço importante da leitura nesta área do planeta, carente de publicações culturais de qualidade. É organizada por temas. Uma chama-se longe daqui, outra família, outra ambição, outra sexo, a última é dedicada aos novos escritores em língua espanhola. Por aí vai. O formato é de livro, toda texto, foto apenas na capa. A versão inglesa publicou escritos juvenis de autores que se tornaram importantes, como Silvia Plath. Granta autores diversos editora: alfaguara - 2010 208 páginas

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A

o esCritor e seus FantasMas ernesto sabato editora: Companhia das letras tradução de Pedro Maia soares - 248 p.

Meu adorado Pedro Vera Moll editora: bom texto 274 páginas

m dos maiores romancistas da América Latina, o argentino Ernesto Sábato, que faleceu recentemente, faz neste livro O escritor e seus fantasmas uma espécie de diário do escritor. Por que, como e para que se escrevem romances? Qual o papel da literatura e da arte? O autor responde a essas questões com paixão e veemência, contrapondo sua prática de ficcionista a teorias como o existencialismo e a fenomenologia. Para Sábato, o verdadeiro escritor, ao escrever, vai além do passatempo e da diversão: precisa alimentar o fanatismo da escrita. Ao investigar a impureza da vida, o artista oferece um testemunho do mundo e do homem de seu tempo.

s biografias estão em alta. Nem sempre boas. Há autores que costumam difundir versões preconceituosas sobre os personagens quando se trata de retratar figuras públicas, maneira tradicional de conseguir leitores. Vale a leitura de Meu adorado Pedro, de Vera Moll, que constrói, com delicadeza, uma Leopoldina plena de valores clássicos, o retrato de uma mulher capaz de renunciar, de resignar-se e de seguir amando, ainda que carente e e insatisfeita. A biografia revela o amor triste e altruísta de Dona Leopoldina pelo infiel Pedro.

N

este ano comemora-se os 300 anos do nascimento de David Hume. A edição brasileira do ensaio inaugural e definitivo do pensador empirista escocês é contribuição de peso à nossa estante de filosofia. A tradução do Tratado da natureza humana é de Deborah Danowski, da PUC-RJ. Fluente, cuidadosa, trabalho de dedicação intelectual que chama a atenção para o fato de ainda não termos um prêmio para realizações dessa envergadura. Deborah confrontou várias edições, escreveu um breve texto para explicar as decisões que tomou quanto à transposição de algumas palavras. Na ausência de um texto introdutório a Hume, o leitor pode consultar “Diálogos sobre a religião natural”, do próprio Hume, editado pela Martins Fontes, e “Hume em 90 minutos”, de Paul Strathern, da Jorge Zahar Editor.

tratado da natureZa huMana david hume editora: unesp/imprensa oficial 711 páginas


Livro

exposição

filme

A arte de traduzir Lezama

Cidade Luz em preto e branco

“Ovos de Dinossauro na Sala de Estar”

Por Marianna Camargo

25 anos depois da primeira tradução do Paradiso de Lezama Lima (Brasiliense, 1987), a Estação Liberdade lança agora uma segunda versão do monumental romance, também a cargo da poeta Josely Vianna Baptista. A nova tradução partiu do zero, tomando como texto-base a edição crítica coordenada por Cintio Vitier (Colección Archivos, 3, 1988). A tradutora Josely Vianna Baptista explica a aventura. “Deixei totalmente de lado a tradução de 1987 e aventurei-me novamente à selva selvaggia do Paradiso, mas agora com a experiência de mais de 50 obras traduzidas (várias do próprio Lezama) e com a bagagem de duas viagens de prospecção a Cuba de Lezama e a suas eras imaginárias”. Paradiso José Lezama Lima Editora: Estação Liberdade Tradução: Josely Vianna Baptista

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yula Halász, nome de batismo de Brassaï, nasceu na Hungria em 1899. Desde pequeno manifestava o desejo de migrar para a França. Em 1924, finalmente se instala na Cidade Luz e nunca mais retorna ao seu país — ele morreu em 1984. O artista flanou por Paris na década de 30, período marcado pela falta de esperança no futuro. A Primeira Guerra Mundial havia terminado e o ambiente não era dos melhores. Brassaï conviveu com artistas que, como ele, se tornaram famosos, entre os quais Henry Miller, Picasso, Sartre e Albert Camus. Na capital francesa, Brassaï percorreu um percurso particular, e fotografou a vida noturna da cidade. “Nas fotos dessa exposição, é possível perceber que, apesar do ambiente um tanto hostil da década de 30, as pessoas demonstram vontade de viver”, comenta a diretora da Aliança Francesa de Curitiba, Laure Gyselinck. Essa exposição, Paris La Nuit (Paris à Noite), surgiu por iniciativa da Aliança Francesa, da família de Brassaï e de Agnes de Gouvion Saint-Cyr, a curadora. Anteriormente, Paris La Nuit ficou em exposição em Fortaleza e Recife. Depois da temporada no MON segue para Brasília, Campinas e Rio de Janeiro.

Paris La Nuit (Paris à Noite) - 97 fotos de Brassaï Local: Museu Oscar Niemeyer Mais informações: (41) 3350-4400 Horário: de terça a sexta – 10h às 18h Até 22 de agosto Ingressos: R$ 4 e R$ 2 (entrada gratuita no primeiro domingo de cada mês).

A colecionadora Ragnhild Borgomanero

A coordenação geral da 44ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro anunciou a lista dos filmes selecionados para as três categorias de mostras competitivas. Entre os curtasmetragens escolhidos está o paranaense “Ovos de Dinossauro na Sala de Estar”, dirigido por Rafael Urban. Com elementos da linguagem do documentário, o curta-metragem mantém seu foco nas histórias e relatos da alemã Ragnhild Borgomanero, que durante 50 anos adquiriu em viagens pelo Brasil e pelo mundo, junto de seu falecido marido, as peças arqueológicas que hoje constituem a maior coleção particular de fósseis da América Latina, localizado em sua residência, no Centro de Curitiba. “Ovos de Dinossauro na Sala de Estar” foi produzido com incentivo do Edital Filme Digital – Ficção, Documentário e Animação, do Fundo Municipal da Cultura de Curitiba, da Fundação Cultural de Curitiba. Tem produção da Tu i Tam Filmes e distribuição da empresa paranaense Moro Filmes.

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Luiz Carlos Zanoni

Um pesadelo chinês

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unca valeu tanto a máxima que manda preferir, nos anos bons, os vinhos de produtores menores, e, nos maus, fazer o inverso, optar pelos rótulos de maior prestígio. A lógica é simples. Nas colheitas excepcionais, mesmo as vinícolas não coroadas oferecerão excelentes resultados, a preços sempre acessíveis. Já nos anos em que a natureza é madrasta, os grandes produtores — apoiados na excelência dos seus vinhedos e recursos técnicos — manterão a qualidade média, mas tornando mais camaradas os valores das tabelas. Na Vinexpo, a grande feira de vinhos realizada em Bordeaux em fins de junho, essa foi a estratégia seguida pela maioria dos compradores. Tida como histórica, a safra 2009 que começa a chegar às prateleiras alavancou como jamais os grand crus bordaleses. Fica difícil uma garrafa de Latour a U$ 1.470, de Petrus a U$ 2.700, ou de Lafite a U$ 1.630. O jeito é se abraçar nos produtores menos conhecidos, os crus bourgeois e os petits chateaux, que, de resto, constituem a imensa maioria na principal província vitivinícola do planeta. Esse é um nicho repleto de joias que podem ser compradas ao preço de uma garrafa de vinho, não o contrário, a garrafa ao preço de uma joia. A Vinexpo é única na dimensão. Seu pavilhão principal cobre área de 95.000 metros quadrados, divididos entre 2.400 expositores. Não é uma feira exclusiva dos produtores de Bordeaux, embora eles estejam em maio-

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ria. A representação da Borgonha é forte, assim como as de outras regiões francesas. Neste ano, Chile e Argentina ocuparam um bom espaço. Do Brasil, apenas a Miolo, além de um secretário do vizinho município de Colombo, empenhado em sondar mercados para seu projeto de converter em vinicultores um grupo de quatorze donos de parreirais na região. Bianual, a feira é importantíssima para Bordeaux, bela cidade de 250.000 habitantes cuja área central integra o patrimônio histórico da UNESCO. Durante a semana do evento, legiões de negociantes, importadores e pessoal da mídia especializada lotam hotéis e restaurantes. Inútil tentar um lugar sem prévia reserva. E a ação não se limita aos pavilhões. As vinícolas organizam programas paralelos, recebendo, para jantares e degustações, clientes e potenciais compradores. A abertura oficial aconteceu no Château

Haut-Brion. O jantar para 600 convidados, nos jardins da propriedade, foi preparado por renomados chefs de Paris. Ao final, cada conviva recebeu uma caixa da garrafa magnum do Haut-Brion, o que para muitos acabou em decepção: em vez do vinho, o brinde era um decanter com o emblema do château. Já é a terceira Vinexpo da qual participo, sem dúvida a menos concorrida. A crise econômica vivida pelo continente europeu baixou o astral. Mas o balanço foi positivo, sobretudo para as grandes marcas. Os chineses fizeram a diferença. Abarrotados de dólares, receberam tratamento VIP. E pela primeira vez se tornaram, como compradores, os protagonistas principais da feira, respondendo por cerca de 30% dos negócios realizados. Ao contrário dos japoneses, discretos e cuidadosos nas escolhas, os chineses assumem o perfil do emergente. Ruidosos, zero de noção, têm sede, bala na agulha, e, sem intimidade na matéria, miram os rótulos no topo das classificações, Moutons, Romanées-Contis, Ausones. São o pesadelo dos apreciadores de vinhos. A China ainda não entrou pra valer no mercado. Quando o fizer, não vai sobrar pra ninguém.

LUIZ CARLOS ZANONI  é jornalista e apreciador de vinhos


Jussara Voss

Jussara Voss

O doce sabor das frutas

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ndando pelos corredores do supermercado que costumo frequentar atrás de novos produtos, bati o olhar num pequeno vidro de geleia. Era de origem francesa e achei tratar-se de um produto diferenciado. Parei por instantes. No rótulo, um pequeno galho de frutas desenhadas delicadamente parecia sair de um catálogo de ilustrações. Comprei a de figo, que ficou esquecida no armário de casa, esperando por uma oportunidade para degustá-la. Isso acontece às vezes. Agradando os olhos, antes do estômago, acertei na escolha, mas demorei a descobrir. Mais tarde, agarrei a nova chance que foi me dada para prová-la. Inesperadamente, Bernard Le Gulvout, o responsável pela L’Épicurien, a marca da geleia comprada, estava na minha frente. Foi na I Wine Gourmet Show, a feira de enogastromia promovida pelas im-

portadoras Porto a Porto e Casa Flora em algumas capitais recentemente. Parece que o destino queria mesmo me ajudar a encontrar os sabores especiais do mestre artesão que largou a carreira de chef para se dedicar à elaboração dos doces de frutas confitados. Para a sorte de quem aprecia bons produtos, depois de comprar uma pequena loja em Paris, Gulvout mudou-se para o sul da França, na região de Languedoc Roussillon e Provence, atrás de boas matérias-primas para o seu negócio, iniciando a produção que hoje ocupa uma moderna fábrica de mais de dois mil metros quadrados em Le Bosc, perto de Montpellier. As geleias adoçadas são feitas com o método antigo, usando açúcar de cana e cozidas lentamente para preservar aromas, cores e sabores das frutas. Provei todas as apresentadas por Gulvout e caí de amores. Saí de lá sonhando com os campos de frutas e flores francesas e no dia seguinte coloquei

no meu carrinho de compras outros sabores, como o de rosas, com pétalas dentro. O chef separa seus produtos em tradicionais, sabores do Mediterrâneo e os gourmets e ama seu trabalho. Percebe-se. Escrevendo sobre as geleias da L’Épicurien e com o frio do inverno curitibano no seu ápice, pensei em assar um pato lentamente, daqueles capazes de inebriar com seu aroma os moradores da casa na qual é preparado. Corri para a cozinha e dei de cara com o “pato bêbado com laranja”, do sugestivo livro Apetite por Paixão, servido com geleia de laranja, é claro. Quer a receita? Escreva para a revista.

Jussara voss é jornalista agosto de 2011 |

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Marcio Renato dos Santos

E la nave va

Marciel Conrado

— Vamos marcar um encontro pra gente lembrar daquele tempo? — isso é uma voz ao telefone. Estou, agora, na casa de meus avós maternos, tenho 14 anos, o corredor é extenso, da cozinha até a sala há quatro ou cinco portas — são quatro ou cinco quartos. A lâmpada, no teto do corredor, parece inalcançável. Atravessar o corredor leva algum tempo, muitos passos. Mas, quando chego na cozinha e atravesso a porta, há um quintal com árvores, grama verde, um paiol, um muro, e vejo o sol se pôr no fim da tarde. Tudo é possível, eu com 14 anos e os ponteiros do relógio da parede se movem lentamente. — Vamos lá, toda a turma vai estar de novo, será int... — é uma outra voz, desta vez, na minha frente. Caminho, passo seguido de passo, tenho espinhas e sorriso no rosto, 16 anos, e a Catedral de Brasília é infinita por dentro; se eu dissesse que aqui cabe uma multidão, não seria exagero. O sol desta manhã atravessa os vidros, e a luminosidade me faz sorrir ainda mais: a minha oração, aqui, é silêncio. Há uma sensação de que o futuro promete, tudo me espera, as coisas estarão no meu caminho, basta eu seguir, assim, do jeito que eu sei, seguindo. Isso aqui é uma igreja, mas até parece uma nave, e sinto que estou a viajar no tempo. [Numa manhã de névoa, neblina, cerração, eu segui, não enxergava nada e fui, sem conhecer as ruas, apenas a ouvir, e assim atravessei, uma, duas quadras, décadas e quando encontrei um espelho, já havia fios brancos na cabeleira daquele que eu fitava, do outro do espelho, e não sabia quem poderia ser]. — Tem tanta coisa pra te contar, precisamos

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marcar um encontro — insiste uma voz que eu não quero mais escutar. Já tenho, então, trinta e poucos anos e estou, novamente, dentro da Catedral de Brasília. Agora, o teto parece próximo, tenho a sensação de que, se eu esticar os braços, poderei tocar nos vidros através dos quais a luz do dia invade o interior da igreja. Não escuto mais o eco que, na década de 1980, a minha voz fazia aqui dentro. Saí da Catedral porque, há alguns minutos, uns meninos e meninas sorridentes entraram

lá e ficaram a repetir um mantra, que sugeria ser a última oração, e eu não gosto desses meninos e meninas e me recuso a rezar, e a cantar a oração que eles, teletubbies, propõem. Estou na Esplanada dos Ministérios, mas poderia estar em qualquer outra rua e, confesso, há alguns anos, só consigo rezar quando estou a ler Pedro Nava, Drummond, Proust, Reinaldo Moraes, Mirisola, Vieira ou quando ouço Bach, Mozart e Hendrix. — Ei, vamos lá, precisamos nos... — insiste uma voz que já não consegue mais dizer nada para mim. Estou na casa de minha avó materna e, agora, atravesso o corredor com menos de sete passos. Por que isso aqui parecia infinito? Os quartos são menores do que eram há três décadas. Sinto um cheiro, não sei exatamente de quê, mas, a partir desse aroma, retorno a uma daquelas manhãs quando eu saía da cozinha, entrava no quintal e o meu avô ainda estava por ali. Eu dormia sem medo na sala, na mesma sala que, a partir do momento em que ele foi velado, se transformou em um lugar no qual eu não consegui mais fechar os olhos. A casa de minha avó perdeu as cores, e não encontro mais nada lá; o sótão, onde se hospedava uma tia surda e muda, está trancado. O futuro chegou. Olho e a cada passo fica mais evidente: pontes ruíram — não é possível mais pisar naquele jardim.

Marcio Renato dos Santos é escritor. minda-au.blogspot.com


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Carlos Alberto Pessôa

Grande poesia para você (por que não?)

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retrato de Camões por Fernão Gomes, em Cópia de Luís de resende

U

ma noite destas, de insônia, pesadelos, traições, liguei a máquina de fazer ou amansar doidos e dei de cara com senhor feíssimo, mas bem falante, de muitas palavras, de muitas e belas palavras, de eloquentes palavras, de palavras usadas com propriedade, exatidão, brilho. O cavalheiro não era outro senão o poeta Ledo Ivo, o poeta e tradutor Ledo Ivo, o poeta, tradutor e acadêmico Ledo Ivo. Que o nosso saudoso Wilson Martins, na sua monumental “HIstórIa da IntELIgêncIa BrasILEIra”, colocou em lugar talvez mui alto na escala de valores poéticos da língua portuguesa cultivada nos tristes trópicos. Muito bem. Lá pelas tantas a menina que o entrevistava perguntou se invejava alguém. O bom Ledo não deixou a bola cair, respondeu de primeira, alto e bom som: - Invejo, sim! Invejo camões. gostei muito desta resposta, pois camões é mesmo o gênio insuperado e talvez insuperável da inculta e bela. gênio bastante prejudicado por insensíveis professores de Português que o tomam para tortura dos meninos em flor, a quebrar infantis cabeças atrás do sujeito nos soberbos versos camonianos. como se a análise sintática tivesse mais importância e beleza que a sonoridade das estrofes, o inesperado das imagens, a singular sabedoria envolta em tão grande música e tão grande pintura. Muito ignorante fui dos que engrossou o cordão a sustentar: – O grande camões não é o dos Lusíadas, não é o épico! O grande camões é o dos sonetos, o lírico. Ledo engano. Ledo engano. Mas não Ledo Ivo engano... na minha “toilette” mantenho providencial velha 12ª edição de “Os Lusíadas”, obra da Melhoramentos anotada anonimamente pelo excelente Otoniel Mota (liguei pra editora para saber da exemplar autoria). E assim, como quem não quer nada, volta e meia abro a grande obra e leio aqui e ali seus imortais versos. Que suspeito ter aprendido a lê-los: de quatro em quatro versos, pois as es-

trofes são de oito versos, a tomar cada quatro versos como uma unidade. E em voz alta! assim: Comendo alegremente perguntavão Pela arábica lingoa, donde vinhão, quem erão, de que terra, que buscavão, Ou que partes do mar corrido tinhão. (///) Os fortes lusitanos lhe tornavão As discretas respostas que convinhão: Os portugueses somos do ocidente; Himos buscando as terras do oriente. (///)

Para que ao Português se lhe tornasse Em roxo sangue a água que buscasse. Da lua os claros raios rutilavão Pelas argênteas ondas Neptuninas As estrelas os ceos acompanhavão.... Leia esta quadra em voz alta: Matando vão amigos e parentes Do adultero Conde e da Rainha, Com quem sua incontinência desonesta Mais – despois de viúva – manifesta. INCONTINÊNCIA DESONESTA!!!!! (Exclamações minhas, cap) Mais adiante diz: corrompida fama!!! (idem) E este verso: lustram os panos da tecida seda. E estes: Hum barrete vermelho, cor contente. Fui dos filhos aspérrimos da terra. Interpondo tardanças e embaraços. Tinto de ira.

sacou? abaixo amostras do gênio de camões; versos sublinhados ao acaso de jubilosas leituras. droga salutífera e prestante; se fia da infiel e falsa gente; no mar tanta tormenta e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra tanto engano, Tanta necessidade avorrecida! Ó caminho da vida nunca certo, Que aonde a gente põe sua esperança, Tenha a vida tão pouca segurança!

Pra encerrar, a oitava 145, canto décimo: No’mais, Musa, no’mais, que a lyra tenho Destemperada e a voz enrouquecida E não do canto, mas de ver que venho Cantar a gente surda e endurecida. O favor com que mais se acende o engenho, Não no dá a pátria, não, que está metida No gosto da cubiça e na rudeza De hua austera e vil tristeza.

Carlos alberto Pessôa é jornalista e escritor. Escreve diariamente para o site da Revista Ideias. negopessoa.com


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Comportamento

A G Mais do que um grupo de adolescentes, essa geração representa 42 milhões de pessoas no Brasil que, independente da idade, nasceram em meio à tecnologia e estão mudando a forma de consumir, se comunicar, trabalhar e até de votar M V

H

orários flexíveis no trabalho, acesso livre à internet para utilizar MSN e redes sociais, ambiente liberal. Nada disso foi suficiente para que ela se mantivesse satisfeita no emprego. Mesmo trabalhando em um local com perfil mais moderno e permissivo, a ilustradora Caroline Jamhour, 25, desligou-se recentemente da empresa na qual trabalhou por um ano por “insatisfação pessoal”. Ela explica que seu novo emprego precisa também ter esse perfil liberal, já que ela trabalha com criatividade. “Eu preciso de uma boa dose de liberdade, de poder falar com as pessoas, escrever um pensamento no Twitter, ler o que outras pessoas falam, ou de acessar algo que despertou meu interesse”, conta Caroline. “Preciso de dinamismo. Sem isso ficaria entediada e deprimida”, completa. E, assim como ela, a maior parte dos jovens de sua faixa etária está acostumada a realizar várias atividades ao mesmo tempo, é super-habituada à tecnologia e novas mídias, necessita de liberdade para se expressar, mas cansa-se facilmente se o ambiente não acompanha a velocidade de seus pensamentos. É a chamada Geração Y, ou Geração Millennials, que está fazendo uma revolução silenciosa. A insatisfação no trabalho é constante, pois eles colocam os interesses pessoais à frente de qualquer coisa. Uma pesquisa da Fundação Instituto de Administração (FIA/USP) realizada com cerca de 200 jovens de São Paulo revelou que 99% dos nascidos entre 1980 e 1993 só se mantêm envolvidos em atividades de que gostam, e 96% acreditam que o objetivo do trabalho é a realização pessoal.

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NoVa GeRaÇÃo Por se tratar de um conceito sociológico recente, há divergências sobre a definição do que seja a Geração Y. Há autores que a descrevem como os nascidos na década de 1980, outros acreditam que tenham menos de 30 anos de idade, ou jovens entre 21 e 33 anos. O fato é que este grupo de pessoas engloba quase 60 milhões de consumidores nos Estados Unidos, 90 milhões na Europa, e aproximadamente 42 milhões no Brasil. Os jovens representam uma nova forma de comunicar e consumir, e estão posicionados no topo da pirâmide da influência. Eles têm um alto poder de compra, se comparados aos seus pais quando eram jovens (a geração dos Baby Boomers). Os Millennials são o rosto da nova economia, comandada pelo open source, e-commerce e pelas iniciativas independentes que, com o poder da internet, podem ter um impacto imensurável. Segundo a presidente do Grupo Foco, Eline Kullock, considerada uma das maiores especialistas em Geração Y no Brasil, “eles são também conhecidos como a geração do troféu, se beneficiaram de um período economicamente favorecido e tiveram em casa a liberdade que nenhuma outra geração teve”. Ou seja, são jovens multitarefas, muito ligados em tecnologia e novas mídias, que sonham em conciliar lazer e trabalho, e que adoram feedback (tanto em casa quanto no trabalho). O presidente da ADVB-PR, diretor da Drive Digital (empresa especializada em marketing/ projeto digital) e professor de especialização em Marketing Digital e Novas Mídias na PUCPR, Rodrigo Florenzano, 38, também não define essa geração apenas pela faixa etária, mas também pelo comportamento: “Acredito que se trata de


SÃO JOVENS MULTITAREFAS, MUITO LIGADOS EM TECNOLOGIA E NOVAS MÍDIAS

uma geração que já nasceu na época da informática, da tecnologia, e da web. Porque não são simplesmente jovens, é uma questão de comportamento de mídia e de consumo. Eles nasceram multimídia”, afirma Florenzano. Por serem os filhos da Geração X (que pregava liberdade), os Millennials têm muita autonomia dentro de casa, gerando dificuldades em lidar com o autoritarismo e a hierarquia nas empresas. Uma pesquisa recente realizada pela Amcham (Câmara Americana de Comércio) revela que 34,5% das companhias instaladas no Brasil criaram planos de carreira específicos para atender jovens da Geração Y. Para reter esses profissionais, 40% delas oferecem jornada flexível, que é um dos requisitos mais buscados por esse perfil na hora de procurar um emprego. “Não tem como estimular criatividade e boas ideias num ambiente ‘fechado’ demais”, concorda a ilustradora Caroline Jamhour.

coNecTados A internet, os e-mails, as redes de relacionamento e os recursos digitais também fizeram com que a Geração Y fizesse milhares de amigos ao redor do mundo, sem ao menos ter saído da frente de seus computadores. A mobilidade nas comunicações é outra característica associada ao consumo dessa geração. Mas nem sempre é fácil entender o que eles falam, pois se utilizam da linguagem hiperbólica. Suas linhas de pensamento são não-lineares, assim como a linguagem da internet. Com a intenção de fazer com que as redes agreguem algo real aos seus usuários, o empresário Saulo Marti, 24, e seus sócios criaram o Hullabaloon (www.hullabaloon.com), uma rede social com um conceito diferente e que acaba de ser lançada.

Criada em Curitiba, a ideia da rede é que os usuários falem com uma cidade inteira em tempo real para saber, por exemplo, aonde ir, como está o trânsito, em qual restaurante jantar, etc. Tudo isso sob o ponto de vista de pessoas que compartilham suas opiniões e experiências, e têm total controle do que é publicado em cada cidade. “É uma rede social que tira as pessoas da frente do computador e faz com que elas interajam com pessoas e lugares da vida real”, explica Saulo. “Não queremos que o usuário da nossa rede fique o dia inteiro conectado a ela. Com as informações coletadas, ele pode sair e aproveitar a cidade”, completa. O site tem espaço para cidadãos de todas as cidades do mundo, basta se cadastrar para saber o que de mais interessante acontece por aí, de acordo com os conhecedores de cada lugar.

RÉVeILLoN FoRa de Época Atualmente já é possível ter uma comunicação eficaz com alguém somente via redes sociais, ou, por exemplo, organizar um evento de sucesso sem depender de divulgações pagas. É o que aconteceu no mês de março na Praça da Espanha, em Curitiba. O “Réveillon fora de época” foi divulgado (gratuitamente) apenas via Facebook e Tumblr num intervalo de quatro dias, e mesmo assim contou com a presença animada de cerca de oito mil pessoas. O famoso “boca a boca”, agora digital, ganhou proporções inimagináveis há alguns anos. A festa não partiu de nenhuma empresa, instituição ou órgão governamental. Três amigos tiveram a ideia de brincar com o fato de que “o ano só começa depois do carnaval”, segundo o ditado popular, e convidar os amigos e interessados a irem até a Praça da Espanha em agosto de 2011 |

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um dia e horário determinado, cada um com a sua bebida e devidamente caracterizado, para comemorar “o início” de 2011. E a ideia foi postada nas redes já citadas, apenas. Mas, ao que tudo indica, um amigo foi passando a informação para outro, que divulgou para a sua lista de contatos, que convidou mais amigos... e a notícia se espalhou rapidamente. Um dos idealizadores da festa foi o publicitário Iuri Castelo, 28. Iuri explica que eles não imaginavam as proporções que isso tomaria. “Nunca houve no Brasil uma mobilização espontânea desse porte na internet sem fins lucrativos”, admira-se. E a forma como o publicitário vê a internet e as mídias sociais mudou. “A internet agora está mais presente, e as pessoas estão se habituando a usá-la diariamente como um facilitador. As informações divulgadas na rede têm cada vez mais credibilidade e aceitação”, completa. Mas o imediatismo e o excesso de informações das redes sociais também podem trazer malefícios, gerando em seus usuários ansiedade, constante insatisfação, falta de atenção e dificuldade de focar-se em algo importante. O presidente da ADBV-PR alerta: “Isso realmente é um perigo, porque talvez estejamos criando profissionais superficiais”.

TRoca de podeRes De qualquer forma, uma parte do que acontece no mundo virtual está migrando para o mundo real. Os acontecimentos, as informações, os eventos e até os relacionamentos estão com maior aplicabilidade no dia a dia dos internautas. A internet está, aos poucos, mudando as pessoas e a forma como elas se comunicam e se relacionam — mas o oposto também acontece. Eline Kullock vai mais além. “Nos próximos anos, à medida que as redes sociais especializadas se fortaleçam, haverá uma mudança fundamental no conceito de democracia”. Ela explica que a estratificação dos poderes e da chamada opinião pública tende a mudar. Considerando que os três poderes são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e que a imprensa é considerada o quarto poder, antes do surgimento e da democratização das formas de comunicação globalizadas (como a internet e as mídias sociais), os anseios e desejos da sociedade eram oficializados pelos poderes, o que levava um certo tempo e nem sempre correspondia totalmente à realidade. Atualmente, com a possibilidade da 68

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divulgação de ideias na rede, tais anseios são publicados e até atendidos mais rapidamente, e inclusive não partem de nenhum órgão oficial. Sobre a influência das redes sociais, Rodrigo Florenzano completa: “A cada dez pessoas que estão na internet, de sete a oito estão presentes em alguma rede social, de acordo com pesquisas que acompanhamos. Percebemos que a parte mais acessada de um site de notícias é a sessão de comentários. Então os internautas levam em consideração a opinião das pessoas, e com isso voltamos a um comportamento antigo: a indicação. Isso é perceptível também nos sites de compras”.

E assim, as redes sociais têm ganhado cada dia mais usuários. Inclusive empresas, instituições, órgãos oficiais e até políticos (ou candidatos). Nas últimas eleições foi possível perceber um grande número de candidatos utilizando o Twitter, como uma tentativa de comunicar-se com a população. “O grande erro foi o fato dos políticos terem montado uma proposta digital, mas com raciocínio off-line. Tem que ter interação com o internauta. Os candidatos apenas replicavam informações oficiais já divulgadas na grande mídia e para o internauta isso não tem mais valor. Precisa ser exclusivo, inédito e diferenciado”, diz Florenzano.

Revolução duvidosa Que a internet e o avanço da tecnologia trouxeram facilidades para o nosso dia a dia é inegável. Mas a análise deve ser mais profunda, no sentido de que a Geração Y, por exemplo, desfruta das vantagens do mundo moderno ao mesmo tempo em que incorpora seus maiores defeitos. Com tudo estando mais fácil e alcançável, as pessoas têm se tornado mais preguiçosas, narcisistas e superficiais, de acordo com pensadores respeitados da área. Com tanta proximidade, os jovens não conseguem enxergar os problemas de estarem diariamente conectados. O escritor e professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), Nicholas Carr, afirma que ser multitarefa significa fazer várias coisas, porém mal feitas, e que a internet prejudica o cérebro. “Se usarmos constantemente a tecnologia, treinamos nosso cérebro para ser distraído e constantemente interrompido. Perdemos a capacidade de pensar profundamente. Atualmente fala-se com muito mais gente em menos tempo, mas essas conversas têm sido cada vez mais rápidas e superficiais, por meio de troca de mensagens e tweets. Estamos vivendo o crescimento da superficialidade”. Já o cientista da computação, Jaron Lanier, famoso por ser um dos pioneiros da internet e ter criado a ideia de realidade virtual nos anos 1980, preocupa-se com a ideia de liberdade que a nova geração costuma bradar. “O que me deixa mais triste

é quando vejo jovens afirmando que seus ideais são liberais, por usar o Facebook e o Twitter, e eu tenho vontade de dizer: ‘você está repetindo as mesmas ideias que tínhamos há 20 anos como se fossem suas. Você tem que pensar sozinho, não pode assumir a identidade de uma geração que foi transmitida a você por pessoas mais velhas!’”. Lanier também defende que a rede torna as pessoas mais individualistas, uma vez que para fazer parte dela é necessário encaixar-se em uma categoria ou grupo de pessoas com perfis semelhantes ao seu, e isso faz com que o usuário troque informações apenas com quem possui opiniões parecidas. E isso não expande o horizonte em absoluto. E a maior crítica da crescente interatividade, característica mais forte das redes sociais, quando qualquer um pode produzir e divulgar conteúdo, é a falta de credibilidade das informações na internet. O escritor Andrew Keen tem um livro publicado em 2007 chamado The Cult of the Amateur, onde fala sobre o culto ao amadorismo, como no caso dos bloggers, dos comentaristas e de como as informações na internet estão menos confiáveis, a partir do momento em que se perde o papel do repórter profissional e objetivo. “Eu discordo que eliminar a camada intermediária entre o público e o criador da informação é algo bom. Precisamos de mediadores, editores, gramáticos, pessoas que checam a informação”, contesta Keen.


Camilla Inojosa

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eço licença ao autor para roubar o título de sua canção, que hoje me serve para expressá-la. Era assim, feita de açúcar, feita de afeto. Peço licença a vocês leitores, porque hoje acordei com saudades. Saudades do bolo de chocolate da minha avó. Do cheiro da massa. De passar o dedo na panela suja e me lambuzar de doce. Nada melhor reflete a minha avó do que uma cozinha, daquelas encantadas, cheias de cheiros que nos remetem a lembranças. Aqueles chocolates decorados. As inesquecíveis casas de chocolate. O teto é “de comer”? Tudo é de comer. E era assim, eu lambuzada de chocolate, ela lambuzada de farinha. Ela tinha as receitas certas, para as horas perfeitas. Está com um problema minha filha? Nada melhor do que um bolo de chocolate. Tadinha, o que ela tem? Leva um biscoitinho, acabei de fazer. E assim, viveu a D. Lourdes, fazendo biscoitos, cobertos de açúcar, cobertos de afeto. Enquanto eu crescia e tinha conversas imaginárias com Monteiro Lobato e depois com Ma-

chado e Hemingway, ela discutia suas receitas com o Álvaro e a Palmirinha. Brigava com eles na cozinha, pedia dicas, dava sugestões, tudo, no fim, para termos a comida perfeita. Minha filha, escreve uma carta para o Álvaro, aquela receita não está boa. Carta, vó? Pode ser e-mail? Carta é mais seguro, minha filha. Lembro do espanto dela na nossa primeira semana da internet: Você consegue pegar as receitas daí? Todas? Da Palmirinha e do Álvaro? Consigo sim, vó. Que beleza esse negócio! Depois desse dia, uma receita nova toda manhã, e um doce novo toda tarde. Engana-se quem pensa que só de doces vivia a D. Lourdes, fazia uma lasanha de dar inveja a qualquer cozinheiro italiano. Lembro do varal coberto de macarrão, cortados manualmente. Larga isso menina, ainda não tá pronto. Vó, tem certeza que está cru? Está tão bom... Íamos à feira toda quinta-feira. Lá no Pari, em São Paulo. Todo mundo a conhecia. Ela comprava as verduras e entregava os biscoitos. Feitos por ela, para agradecer por terem separado as suas “joias”. Eles guardam os melhores para nós. Sinceramente? Para ganhar aqueles bis-

coitos, eu também guardaria. Ingredientes na cesta, um pastel antes de ir para casa. Rápido, porque o bolo ainda tem que crescer. Ah, vamos comprar o sorvete para acompanhar o doce, né? Ela não falava eu te amo, ela fazia biscoitos, bolos, pavês. E sorria. Fiz só uma coisinha. Era a introdução para um banquete, onde eu me esbaldava e sorria de volta. E essa era a rotina, entre pastéis, lasanhas, sorvetes e doces, muitos doces, a D. Lourdes viveu. Viveu 91 anos bem vividos. E agora a vida está assim, um tanto amarga... Mas passa quando penso em você. Você fez da minha infância, chocolate; das minhas lembranças, brigadeiro. E é por isso que vou sempre lembrar de você assim: Com muito açúcar. Com muito afeto.

CAMILLA INOJOSA é colunista. agosto de 2011 |

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Claudia Wasilewski

Minha fracassada vida de adolescente

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inhas mentiras e planos infalíveis sempre foram uma desgraça. Não tinha um pingo de sorte. Comecei a dirigir muito cedo. Fazia qualquer coisa para dar uma voltinha e sempre era descoberta. O seu Cláudio, porteiro do edifício, muitas vezes levava a mim e um vizinho para a aula antes do seu horário de trabalho. Quando dobrava a esquina, eu assumia o volante. Era um sucesso chegar na escola dirigindo com 15 anos. Por muito tempo fiz o maravilhoso e encantador trajeto da Rua Cândido Lopes até a Ângelo Sampaio. Saboreava cada quadra. Mas no meu caminho havia a Dona Maria, faxineira do edifício. Dedo duro de categoria. Um belo dia, pergunta para a minha mãe: — A Craudinha tem carteira de motorista? E completou: — Quando o seu Cráudio leva os dois para a aula, ela já sai dirigindo da frente da biblioteca. Dali para frente o meu quarto passou a se chamar “inferno”. Assumi totalmente a culpa, e não respingou no seu Cláudio, que é meu amigo querido até hoje. A pior gracinha foi quando peguei o carro e não deixava meu primo entrar. Ia com o carro para frente e para trás. A cada tentativa dele eu morria de rir. Ele cansou e deu um tapa no vidro. Foi de leve, mas moeu. Como o azar era meu companheiro, entrou um caco no meu olho. Rumo ao Hospital Evangélico. Meu primo era estudante de lá e o deixaram passar. Eu berrava mais que a sirene da ambulância. Pode piorar? Claro! Apagou a luz do hospital.

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Até o gerador funcionar passou uma eternidade. Pois bem, chegamos em casa com caras de réus confessos. Depois do interrogatório feito, sobre o vidro quebrado e o tampão no meu olho, meu primo se encheu de razão e explicou tudo: — Tia, nós fomos ao cinema e estava muito frio, quando entramos no carro houve um choque térmico. Depois de minha mãe contar até 100, nos olhou calmamente e dali em diante batizou as desculpas imbecis de ATESTADO DE BURRICE. Nunca consegui ir a uma festa escondida. Mesmo com um plano mirabolante. Existiam apenas três hipóteses de minha mãe passar a noite fora de casa. Viagens, hospitais e velórios. Morava em um apartamento grande e as festas nunca foram proibidas. Mas o que fazer com o prazer da subversão? Então veio a notícia de que uma senhora de muita idade estava com poucos dias de vida. Aquilo causou um alvoroço. Eu e o meu primo bancaríamos uma festa com muita comida e bebida. Nada de “itos” em pacotinhos. Fomos

às compras. Engradados de cerveja, vinhos e muitos quilos de camarão. Tudo mocado pela casa e estrategicamente colocado no freezer. Por duas vezes o estado de saúde da coitada se agravou, minha mãe correu para o hospital e era alarme falso. Na terceira vez minha mãe se foi e não deu notícia. O desafio não era pequeno. A casa teria que ficar limpa. Convidamos umas 30 pessoas. A bebida estava gelada, o camarão descongelando para o meu strogonoff, os convidados por lá, som no último volume. PERFEITO! Toca o interfone é o seu Cláudio desesperado. CORRAM QUE A DONA CARMEN ESTÁ SUBINDO. Foi uma operação concentrada. Todos corriam para a cozinha com copos e garrafas e já iam saindo pela área de serviço. Meu primo me pediu para “distrair” minha mãe. Quando a porta do elevador se abriu, segurei-a pelo ombro e gritava olhando-o fixamente. Quanto mais ela tentava me tirar dali, mais eu gritava. Claro que ela soube o que estava acontecendo, mas achou tudo ridículo. Dois dias depois, a velhinha morreu, a festa saiu, foi ótima e eu fui parar no oftalmo. Por quê? Passei a mão suja de camarão no olho, deu uma megainfecção e confessei tudo. Qualquer hora vem a segunda parte.

Claudia Wasilewski é empresária e cronista da Revista Ideias. claudiawas.blogspot.com


ÚLTIMAS DA MODA

por Tess Biscaia

Selvagem Pola A argentina Pola Oloixarac é escritora, tradutora, cantora, geek e a mais nova musa da literatura latino-americana contemporânea. Participou da Festa Literária de Paraty (Flip), em julho. Seu romance As Teorias Selvagens foi lançado na Argentina em 2008 e no Brasil há alguns meses, pela Benvirá. No evento estava de saia azul royal e autografou todos os livros dos fãs, marcando cada um com os lábios pintados pelo batom vermelho Diva, da MAC. Seu interesse por moda começou quando descobriu que os uniformes do exército nazista foram desenhados por Hugo Boss. Pola já escreveu críticas online para revistas e cita como seus estilistas preferidos Alexander McQueen, que diz ser um gênio, um “historiador visual”, Nicolas Ghesquière, da Balenciaga, e Marc Jacobs. Segundo ela, ler a Vogue Itália é como ler um prodigioso tratado de sociologia, bem mais profundo e inovador do que muitos ensaios por aí. Emenda ainda dizendo ser a moda “a mais vanguardista das artes”, a única que possibilita tantos jogos e brincadeiras, e que leva tudo às últimas consequências, e que só alguém muito ignorante pode considerar isso futilidade. Diz que a mulher que se arruma para si mesma tem isso como uma religião, um ritual que afeta a ela mesma e a todos à sua volta. Para ela, “uma mulher esplêndida muda uma existência toda.” É algo de “importância política”, que se dissemina “como um vírus”, sentencia a bela.

Amy, estilo e subversão Amy Winehouse, morta dia 23 de julho, era extremamente talentosa. Morreu cedo, na enigmática idade de 27 anos, assim como Robert Johnson, Kurt Cobain, Jim Morrison, Janis Joplin e Jimi Hendrix e Brian Jones. Além de ter uma voz impecável, Amy tinha um estilo único, copiado no mundo todo. Karl Lagerfeld, diretor criativo da Chanel, lhe deu a alcunha de “ícone fashion”. Amy foi inspiração para a coleção de pré-inverno da grife francesa em 2007. O cabelo volumoso, estilo anos 60, porém desconstruído, o delineador preto carregado, o batom vermelho, seus vestidos curtos e justíssimos e sua pele carregada de tatuagens fez de sua maneira de se vestir um jeito de ser. O visual foi reproduzido em editoriais de revista mundo afora. Em março de 2010 criou uma coleção de roupas em parceria com a grife Fred Perry. Perry

CAMPANHA Moda e arte. A Campanha da Coleção Inverno 2011 da grife de sapatos Christian Louboutin. O conceito da campanha foi usar obras de artes recriadas com os sapatos e bolsas de Christian Louboutin como parte da obra. As modelos posaram recriando quadros de pinturas de artistas como De La Tour e Nattier para as lentes do fotográfo Peter Lippmann. O resultado é fantástico. Confiram.

O VESTIDO COMO TERNO O estilista taiwanês Jason Wu, 28, é o preferido pela primeira-dama Michelle Obama. Responsável por elogiados looks como o vestido branco de um ombro só (foto) usado no baile de posse do marido. Wu esteve no Brasil para lançar uma parceria com as sandálias Melissa. Em entrevista, o estilista disse que a principal dica para as “mulheres reais” que querem se vestir bem é abusar de alfaiates e costureiros. “Considere o vestido como o seu terno”, disse ele. A ideia não é gastar um monte em roupas feitas sob medida, mas comprar as peças de que gosta nas suas lojas favoritas e levar para um profissional de confiança fazer os ajustes necessários para um caimento perfeito. “Cada corpo é diferente, mesmo aqueles que vestem tamanhos similares”, justificou.

KARL LAGERFELD LANÇA COLEÇÃO FAST FASHION PARA MACY’S O estilista alemão Karl Lagerfeld, diretor criativo da Chanel, criou uma coleção fast fashion dirigida ao público feminino que será vendida exclusivamente na Macy’s a partir de 31 de agosto. “As Macy’s são para mim perfeitas lojas de departamento dos Estados Unidos, onde todo o mundo pode encontrar o que procura sem comprometer seu orçamento. Por isso, estou contente de fazer esta coleção voltada para esse público”, assinalou o designer em comunicado divulgado pela companhia americana. Com preços que vão de US$ 50 e US$ 170, as criações de Lagerfeld estarão disponíveis em 235 lojas americanas da Macy’s, onde os clientes vão encontrar uma coleção Outono-Inverno “sofisticada que mistura tecidos bonitos com corte chique”, assinalou a empresa.

CÓPIA MILIONÁRIA Uma das duas únicas cópias conhecidas do suposto curta-metragem pornô que Marilyn Monroe filmou antes de ficar famosa vai ser leiloado no dia 7 de agosto, em Buenos Aires, com um valor inicial de US$ 500 mil. O responsável pelo evento, no entanto, espera que a produção seja arrematada pelo dobro. Se fosse hoje , talvez a atriz não tivesse dito: “Eu não estou interessada em dinheiro, eu só quero ser maravilhosa. ESTREIA Pela primeira vez, Tom Ford irá desfilar uma coleção da marca que leva seu nome, na semana de moda de Londres. Após sua saída da Gucci, o estilista voltou ao guarda-roupa feminino há duas temporadas e em clima de mistério. Tudo indica que para a temporada de Inverno 2012, o estilista fará um desfile convencional, com imprensa, convidados e fotógrafos, no dia 18 de setembro, às 18h. agosto de 2011 |

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Gerson Lima

ISABELA FRANÇA

EXCESSO A coleção apresentada para as curitibanas em junho pela joalheira Adriana Beigel será mostrada ao mundo na centenária feira de joias Bjorca Eclát de Mode, que acontece no Pavilhão de Exposição de Versailles, nos arredores de Paris, entre 2 e 5 de setembro. Inspirada no excessivo anel de brilhantes da eterna Liz Taylor, Adriana desenhou peças em prata 925 folheadas a ouro rose 18 quilates e ródio negro. Lapidou pedras imensas de quartzos negros, fumês e incolores que deixaram suas clientes encantadas no lançamento que realizou em parceria com Viviane Kaled, da VK Empório.

R$46,3 bi

A burocracia brasileira custa 1,47% do PIB (R$ 46,3 bilhões) por ano aos contribuintes. O número de cargos de confiança em municípios, Estados e União cresceu 32% no país em apenas cinco anos, saltando de 470 mil para 620 mil de 2004 a 2009. Vale a reflexão proposta pelo CRA-PR para o Fórum Paranaense de Administração.

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No dia 2 de julho, a boate do Hotel Bourbon, em Curitiba, reviveu seus momentos de glória. O DJ João Frazão, que junto com a Bourbon Band, fez as melhores noitadas da cidade nos anos 1980 e 1990, assumiu mais uma vez as picapes numa festança de quarentões e cinquentões de fôlego. A Let’s Dance – Festa entre Amigos foi na antiga All Season´s, que fez história nos anos 80 e 90. O repertório de Frazão incluiu boa parte dos hits dos áureos tempos da casa. A balada com mais de 300 pessoas invadiu a madrugada do dia 3. No final do ano Frazão repete a dose.

Champagne no gelo


divulgação

NA ONDA

Em maio, Rebeca e Roger estiveram em Amsterdã e Düsseldorf, conferindo tendências e participando da Interpack, onde receberam o prêmio World Star da WPO – World Packaging Organization pelo projeto Thaty Princess de O Boticário

LA GORDA

www.pr.gov.br

As três casas participam do Vive Le Victor com menus distintos compostos de entrada, prato principal e sobremesa. A sugestão de menu do Bistrô do Victor tem como entrada coquilles St. Jacques, como prato principal camarões com Chartreause de salmão defumado, com cogumelos e molho beurre banc e de sobremesa La Grimole. Já o cardápio do Bar do Victor é composto por Sopa de Cebola com cúpula de massa folhada de entrada, como prato principal camarões à provençal com ratatouille de legumes e de sobremesa Paris Brest. A Petiscaria do Victor tem como entrada Sopa vichyssoise, o prato principal é o mignon Café Paris com batata à la boulangère e para terminar, profiteroles com calda de chocolate de sobremesa.

arquivo pessoal

Vive le Victor De 14 de julho a 26 de agosto, um dos mais saborosos cardápios da cidade está com ares franceses, para deleite dos apreciadores dos frutos do Mar. O Vive le Victor, evento nascido da parceria entre os restaurantes da Família Victor (Bar do Victor, Bistrô do Victor e Petiscaria do Victor) e a Aliança Francesa para promover a cultura do país europeu, traz este ano um menu ainda mais caprichado com a assinatura da chef Eva dos Santos.

A dupla de designers Rebeca Apelbaum e Roger Rieger, da Komm: Design Strategy, participou da 58ª edição do Cannes Lions International Festival of Creativity 2011, o mais importante evento mundial para profissionais criativos dos negócios em Comunicação, entre 19 e 25 de julho, com 57 sessões com líderes e experts em todas as formas de comunicação e pensamento criativo. O tour do casal também incluiu Paris e Londres – onde a KOMM tem filial.

Ela estudou design gráfico na Northeastern University. Ele cursou pós-graduação na Louisiana State University e é professor de Design na PUCPR.

O assunto ainda é extraoficial e restrito a um seleto círculo: o governo do Paraná analisa a possibilidade de recriar uma Loteria Estadual, nos moldes da extinta Lotopar. Se aprovada a ideia, a Secretária de Estado da Família e Desenvolvimento Social, Fernanda Vieira Richa, poderá contar nos próximos anos com um orçamento turbinado, com significativo incremento de recursos a serem aplicados em programas sociais, ampliando os superpoderes da secretária, que na reforma administrativa já abocanhou parte da Secretaria do Trabalho e Emprego. agosto de 2011 |

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ISABELA FRANÇA

Empossado

divulgação

divulgação GCC

Em concorrida e impecável noite black tie, no dia 14 de julho, uma quinta-feira, mais de 300 associados do Graciosa Country Club foram cumprimentar o empresário João Carlos Ribeiro, que assumiu o quarto mandato na presidência do clube. Ao lado da filha Fernanda, João Carlos cantou o “Parabéns pra você”, assoprou as velinhas e brindou com champagne pelos 84 anos do GCC com o casal presidente Larissa e Tobias de Macedo, que encerra seu segundo mandato consecutivo.

Ôôô, pra mim?! divulgação

UFA! O médico angiologista e presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), José Fernando Macedo, tem bons motivos para festejar o final deste primeiro semestre de 2011. No dia 30 de julho, comemorou 63 anos de idade e entrou no último round à frente de seu segundo mandato na presidência da AMP. Sua atuação na entidade, num ano em que se acirra a luta dos médicos pelo reconhecimento da profissão e melhoria dos honorários pagos pelos planos de saúde e pela valorização do profissional médico, é reconhecida pela classe médica do estado como “apaixonada” e “confiante”. O doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná e Vulto Emérito de Curitiba é tido como uma das maiores lideranças da classe médica no País. Na briga contra os planos de saúde por honorários mais dignos, levou o Paraná à frente de muitos importantes estados brasileiros. Integrante do corpo clínico dos Hospitais Evangélico de Curitiba, Santa Cruz, Oswaldo Cruz, Cruz Vermelha, Maternidades Curitiba e Santa Brígida, dr. Macedo é um apaixonado pela profissão e pela vida. Em agosto, prepara-se para entregar a entidade totalmente renovada, no aspecto físico e moral.

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A cantora curitibana Thaís Gulin volta aos holofotes da cena artística este mês por conta do ídolo-mor da MPB, Chico Buarque. Desta vez, é o lançamento do CD “Chico” que traz a bela moça de novo às páginas – de fofocas e de música. Fala-se que a faixa 3, o blues “Essa Pequena”, que canta o romance do homem mais velho com a mulher mais jovem, teria sido composta para ela. “Meu tempo é curto o tempo dela sobra. Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora.” Grande e merecida honraria. Mas, não foi pelo versinho que a dona de uma voz perfeita entrou no CD. Com ela, num dueto, Chico canta a faixa 5, “Se eu soubesse”, uma valsa linda já gravada por Thaís em seu CD “Ôôôô”.


Biografia O advogado e diplomata Fernando Antonio

Kraw Penas

Miranda deverá lançar, ainda este ano, sua biografia. O trabalho de coleta de informações a cargo do jornalista Tomás Barreiros está em fase final. Já ouviu Fernando e agora ouve depoimentos de amigos. Conhecido advogado da área de família, mais jovem presidente da história do Graciosa Country Club, fundador da Associação dos Amigos do Hospital de Clínicas, cônsul honorário do Equador, ex-presidente da Sociedade Consular do Paraná, grande papo e muito mais, Fernando conhece alguns dos mais saborosos segredos da sociedade local. Conhecido na juventude – e depois dela – como charmoso galanteador, certamente suas histórias mais picantes continuarão guardadas para as conversas mais íntimas. Fernando foi advogado e mais tarde noivo de Lisiane Prosdócimo, em sua comentada separação do empresário Sérgio Prosdócimo, nos anos 90.

O grupo O Boticário garante que não, Sílvio Santos também. Mas, corre à boca pequena que a indústria paranaense teria apresentado proposta de compra da marca de cosméticos vendidos de porta em porta. A proposta, estimada em R$ 1 bilhão, compreenderia a marca, produção e distribuição da Jequiti que hoje conta com uma rede de 160 mil revendedoras em todo o País. Quem conta é O Estado de S. Paulo. Mas, aqui, sabe-se que as mudanças na política de mercado do Boticário incluem a entrada de executivos de alto gabarito, com experiência em varejo e novos mercados.

O professor doutor Valentim Gentil Filho, médico psiquiatra e professor da USP, foi o foco das atenções na inauguração da nova unidade de saúde em tratamento de psiquiatria de Curitiba, a UNIICA, no início de julho. Gentil Filho falou sobre o Papel da Internação na psiquiatria atual e foi recepcionado pelo também psiquiatra, Élio Maurer, que vai responder pela gerência médica da nova unidade de saúde.

Gestão

Como pode um governo fazer “choque de gestão” sem profissionais de gestão nos cargos públicos? O questionamento é do presidente do CRA-PR, Conselho Regional de Administração, Gilberto Serpa Griebeler, ao criticar as indicações e nomeações por critérios meramente políticos para titulares das pastas de Administração. O resultado, segundo ele, é bem conhecido: lerdeza burocrática, sobreposição de atividades sem foco, gastança desmedida, desperdícios de toda ordem, serviços públicos de qualidade sofrível, a incompetência e a ineficiência administrativa estampadas diariamente na mídia: estradas destroçadas, hospitais, escolas e polícias desaparelhados para atender à população. Para Griebler, dirigentes despreparados criam práticas erradas de administrar o dinheiro público num país em que a sociedade destina ao Estado quase 40% de tudo o que produz sem que seja elevada a eficiência do gasto governamental. O tema e outros assuntos relacionados estão na pauta do Fórum Paranaense de Administração 2011, que acontece em 31 de agosto em Curitiba, com a participação de especialistas de alto nível para debater as questões mais pungentes da administração contemporânea.

Carol do Valle

Cuca

divulgação CRA-PR

Batom

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BALACOBACO

por Thais Kaniak

A família Biscaia Vianna Baptista

Os convidados do lançamento do livro no Brooklyn Coffee Shop

Longe viagem perto de casa A autora não estava presente. Mas não faltaram representantes de Vera Maria Biscaia Vianna Baptista. A senhora de 83 anos não tem nada a ver com aquela memória lúdica que temos quando pensamos em avós. Vera acabou de lançar um livro. Longe Viagem Perto de Casa.

As irmãs Christine, Vera e Maria Angela Biscaia Vianna Baptista

A veia artística de Vera é herança em quase toda a família. Biscaias, Viannas, Baptistas e amigos lotaram o Brooklyn Coffee Shop no lançamento do livro. Descolados, letrados e interessantes. Todos. Adoro Clarice Lispector. Uma frase dela me lembra Vera. Mesmo não a conhecendo pessoalmente. Só de histórias. Ela para mim é uma personagem, assim como Clarice. “Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever.”

Kelly Knevels

Fábio Campana, Selma Baptista e Nêgo Pessoa

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Em pé: Eduardo e Karina, filho e nora de Paulo Chamecki. Sentados: Solange Glock, Chris e Daniel Glock, filho da Solange.

Sarah Corazza, Paula Baptista, Inajara Constantino, Kelly Knevels, Marianna Camargo e Thais Kaniak


thais@revistaideias.com.br

Durski Restaurante

Bar do Victor Chico Urban e Eva dos Santos. Combinação explosiva. O anfitrião do Bar do Victor e a grand chef da cozinha. Em uma noite em que o inverno deu uma trégua para os habitantes da fria Curitiba, a recepção foi – como de costume – digna. A gentileza de Chico, amparado por sua esposa Janice, deixa até os mais introspectivos à vontade. As delícias do cardápio de Eva, preparado junto com o chef Claudinei de Oliveira, foram motivo daquelas promessas típicas para queimar calorias indesejáveis após tanta fartura. Não é para menos. Entradas, pratos principais e sobremesas de Eva são de deixar qualquer mortal extasiado. A harmonização com espumante e Chateau Reynon branco e tinto, além do Chateau de Tours na sobremesa, também não deixou a desejar. Em forma de agradecimento, Eva ganhou um coro de “Parabéns pra você” dos convidados. Ela é canceriana. Como eu e outras pessoas interessantes que conheço. Os presentes ainda saíram com um baguete que Eva fez questão de entregar em mãos para cada um. Um desses gestos que nos fazem sentir na casa de amigos queridos. Acredito que essa seja mesmo a proposta de Chico. Objetivo que consegue cumprir com simplicidade e leveza.

Gerson Lima

Francisco Urban, proprietário dos restaurantes da Família Victor; chef Eva dos Santos e Marcelo Belotti, sócio-proprietário da Petiscaria do Victor

Guilherme Rodrigues, Kethlen Ribas Durski, Junior Durski e Romain Jousselin (embaixador da marca de champagnes Dom Pérignon no Brasil)

Após dois meses de reforma, o Restaurante Durski reabriu as portas. Convidados seletos tiveram a honra de prestigiar o novo ambiente e saborear o jantar harmonizado. O novo restaurante e o novo menu são dos deuses. Todos os sentidos são atingidos. Visão, paladar, olfato, tato e audição. Poderia gastar caracteres descrevendo todo o esplendor do Durski. Mas prefiro focar nas sensações do paladar. Surreal. É assim que defino a experiência gastronômica que o chef Junior Durski oferece. Do couvert, passando pela entrada, primeiro e segundo pratos à sobremesa. Chef Claudinei de Oliveira e Chef Eva dos Santos Julio Cesar Souza

Um espetáculo a parte é a adega blindada. Mais de duas mil garrafas. Um tesouro: cinco milhões de reais em rótulos. A coleção de 75 safras do melhor vinho de sobremesa do mundo, o Château D´Yquem, além dos rótulos do famoso Romanée Conti e Château Haut-Brion, entre outros. Não é à que tem o título de “Melhor adega de Curitiba” – Veja 2009 e Gazeta do Povo 2010. Além de “Melhor Carta de Vinhos do Brasil” – Revista Prazeres da Mesa 2010 e 2011 e Guia Brasil 4 Rodas 2011. Finesse. Elegânica. Requinte. Tudo sem perder a delicadeza do simples. Ao anunciar o couvert, o anfitrião declara que nada melhor do que um pão fresco com manteiga. Ainda mais se for francesa. Verdade. Concordo. Adoro!

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BALACOBACO

por Thais Kaniak Yury Albrecht com Maria Bond Schwatsburd e Regina Santos (da Decormad)

Edson Marochi entre as arquitetas Danielle Schmaedecke e Viviane Loyola

O casal de publicitários Osmar Correa e Glaci Lakoski

Carla Mattioli e Mauricio Pinheiro Lima

Coquetel Balaroti

Sofisticada Simmetria

Mais uma vez voltei à Casa Cor. Dessa vez para o coquetel do Balaroti, patrocinador do evento. Os convidados se reuniram no lounge que leva o nome da marca. O espaço criado pelo designer Yury Albrecht foi disputado. Tanto para fugir do frio intenso como degustar os comes e bebes.

A Simmetria Ambienti abriu as portas com estilo. Não só pelo coquetel de inauguração que foi na medida certa. Nem demais nem de menos. A loja de móveis de alto padrão também acertou em cheio nos produtos. Uma mistura do clássico com o contemporâneo. Gostei.

O evento foi uma oportunidade para àqueles que ainda não conheciam a Casa Cor desbravarem seus ambientes. Ou simplesmente para fazer parte do burburinho.

Percebi que quase todos os designers que assinam as peças são brasileiros. Gosto da valorização do que é nosso. Sofisticação e qualidade não nos faltam. Ainda bem! As arquitetas Cláudia Pereira e Doriane Wagner

O designer Yury Albrecht e o diretor de marketing e venda do Balaroti, Eduardo Balarotti, comemoram o sucesso. A arquiteta Claudia Guerios e o engenheiro Walter Macioro

O diretor de marketing do Balaroti, Eduardo Balarotti, com Rosangela Pauli, Keyla Kinder e Carla Armstrong

O anfitrião Edson Marochi entre as arquitetas Fernanda Bório e Mariana Stockler As arquitetas Lisie Tavares, Ines Jeiss e Christiani Versan

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Gerson Lima

Diego Pisante

A designer Gisele Busmayer e a arquiteta Renata Pisani

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Edson Marochi entre as arquitetas Sony Luczyszyn e Cristiane Maciel


Glamour do ouro ou de Luiza? Lugar pequeno. Gente demais. O coquetel de lançamento da exposição itinerante do AuDITIONS foi puro frisson. Em Curitiba, o evento foi realizado pela AngloGold Ashanti em parceria com o Provopar e a Associação dos Relojoeiros e Joalheiros do Paraná Várias pessoas prestigiaram o maior concurso de design de joias em ouro do mundo. Mas arrisco em dizer que Luiza Brunet foi o auge da noite. Políticos dividiram o palco com a diva na breve cerimônia de abertura. Enquanto eles falavam, a plateia não se continha na conversa paralela. Na vez de Luiza, o silêncio reinou.

As joias foram expostas em suportes que traziam projeções em vídeos de modelos em movimento. O museu ficou lotado para o evento. Luiza mostrou simpatia na hora do discurso.

É, como já dizia meu poeta preferido, “as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”.

Luiza Brunet com a diretora social do Provopar, Carlise Kwiatkowski, e Tufy Geara, presidente da ARJEP.

A modelo Camila Farinhaqui com a jornalista Juliana Ceccatto e a designer Thayane Carvalho (uma das selecionadas pelo concurso).

A modelo Luiza Brunet, embaixadora da exposição, posou ao lado da Tufy Geara (da ARJEP), Agostinho Marques (vice-presidente da AngloGold) e o secretário da cultura do Paraná, Paulino Viapiana.

Posse de Nova Diretoria e 84º aniversário do Graciosa Country Club

Mauro Campos

Na Sede Social do Graciosa Country Clube aconteceu a posse da nova Diretoria e o jantar em comemoração ao 84º aniversário do clube. O cantor Guilherme Arantes foi a atração musical da noite. O empresário João Carlos Ribeiro assume seu quarto mandato à frente do GCC.

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Jaime Lerner

O Simpósio

C

omeça o seminário, onde todos precisam dizer alguma coisa. Um documento final irá resumir todos os egos. É preciso não esquecer das minorias, e não deixar de pensar nas baleias. E nos caramujos tão marginalizados, bem como nos aposentados que tanto contribuíram, e as formigas, os caracóis e as sereias. Mais tarde o mundo irá agradecer as tais contribuições apresentadas, as quais quase sempre se limitam à redação. Cada um contribui com uma frase para que se tenha o tema mais abrangente possível. Resultado: o resumo é sempre extenso. Deixa de ser conciso para ser um compêndio de considerandos. Os mais espertos esperam a discussão interminável chegar à exaustão, para então incluir outros tópicos que ninguém tem mais saúde para questionar. Na mesa em U todos encaram sua solenidade. Como se julgam importantes esses heróis de seminários. E lá vai o discurso daquele que, em casa, ninguém já lhe dá atenção. Mas de uma coisa todos estão certos: nada vai mudar e pouco contribuirá esta reunião de sábios. Ah, e tem mais: algumas lambisgoias culturais — aquelas que têm uma ideia fora do contexto e pensam que o simpósio é um holofote — para manter o clima e receberem bilhetes e torpedos de intenções safadas. E uma ou outra secretária gostosa que provoca disputas entre velhos galantes com propostas indecorosas. E a tradução simultânea, monocórdica para embalar o sono.

Jaime lerner é arquiteto

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Cartas

Escreva para cartas@revistaideias.com.br REVISTA

NÃO PODE. NÃO FAÇA. NÃO PENSE Claudia Wasilewski

CULPADAS OU INOCENTES? Marianna Camargo e Sarah Corazza Parabéns, a reportagem ficou excelente. As jornalistas ouviram todos os envolvidos e cumpriram com isenção seu papel.

Os reacionários não estão voltando, eles sempre estiveram presentes. Só que agora, passada a ditadura das armas querem nos impor a ditadura do pensamento.

Gustavo Bergman, advogado

Elias Glaucio

NÃO SOU DA COMPANHIA Izabel Campana

A BATALHA DO PARAGUASSU Jaime Lerner

A observações de Jaime Lerner são pertinentes, pois denota uma tendência geral de nossas autoridades mudarem a todo o momento os feitos dos administradores passados... Para mim mais gastos públicos. Em Pato Branco estão retirando da praça central todo o Petit-pavé que dava um ar diferente, bucólico, cultural e bonito para a nossa cidade. Também não querem mais permitir mesas em frente aos bares na cidade. De fato, infelizmente, ainda a falta de cultura e inteligência continua escancarada em nosso país. Fabio Forselini O SERTANEJO DA CIDADE Paula Valeska Ferronato Você escreveu bem. O sertanejo universitário não tem nada de sertanejo. É uma adaptação da Jovem Guarda, agora cantada em terças (1ª e 2ª vozes). As bandas são boas, equipamentos de alta qualidade e bons arranjos. Mas não é música sertaneja. A causa da explosão do “sertanejo” universitário é a decadência do rock romântico. Os roqueiros de hoje acham que os jovens só gostam de música “porrada”. Ledo engano. Todos os grandes roqueiros dos anos 70 e 80 traziam rock pesado, mas também baladas românticas. Assim, os jovens, que são essencialmente românticos, ficaram sem escolha e foram achar refúgio na musica dita sertaneja. Dessa forma, os roqueiros faliram e os ditos sertanejos tornaram-se milionários.

Izabel, fi nalmente encontrei alguém que sente a mesma sensação que minha pessoa ao acordar; Por que eu? E que odeia os sorrisos de bom dia matinais. Incrível, pois você é de uma geração muito longe no tempo da minha. Não se chateie, mas não passa... já lá se vão 70 aninhos. Força, depois das 10 horas a vida melhora.

A cidade de Curitiba está se perdendo no caos de alguma administração castradora. Não é só o “Petit-pavé”, retiraram do largo da Ordem o poema da Helena Kolody e o granito com um bonito texto que ficava ao lado do “cavalo-babão”. Até quando, passarinhos?!

Greta Lorenzi Gostei muito sobre o que você escreveu. Só quem acorda de mau humor sabe como é. Você descreveu muito bem, achei brilhante. Simples, singelo, mas muito legal com senso de humor inclusive, continue. A “fruta não cai longe do pé”. Todos na sua família tem habilidade com a “pena”. Parabéns. Espero outros artigos com a mesma linha.

Jaime Lerner mostra mais uma vez sua visão de grande urbanista. Une a arquitetura com o ser humano. Por favor defenda essa tese. Existem outros locais lindos em Curitiba que estão com a mesma luta. Conheço os proprietários do Paraguassu e sei a luta diária para deixar aquele local, que no passado serviu para drogados, hoje um dos locais mais charmosos de Curitiba. Parabéns!

As iniciativas oriundas do Poder Público, em vez de ajudar, complicam. O que precisamos é de menos Estado, o Estado é grande demais, é oneroso demais. E adora cobrar dos que dele não conseguem escapar, que é o meu caso.

Poty

Agostinho Creplive

Tony

Carlos A VERDADEIRA REFORMA TRIBUTÁRIA (IDEIAS ECONOMIA) Antonio Carlos Mendes Thame

Publicação da Travessa dos Editores ISSN 1679-3501 Edição 118 – R$ 10,00 ideias@revistaideias.com.br revistaideias.com.br facebook.com/revistaideias twitter@revistaideias

EDITOR-CHEFE Fábio Campana CHEFE DE REDAÇÃO Marianna Camargo REDAÇÃO Aline Presa, Karen Fukushima, Márcio Barros, Marisol Vieira, Olavo Saniego, Sarah Corazza, Thais Kaniak COLUNISTAS Carlos Alberto Pessôa, Camilla Inojosa, Ciro Correia França, Claudia Wasilewski, Izabel Campana, Jaime Lerner, Jussara Voss, Luiz Carlos Zanoni, Luiz Fernando Pereira, Luiz Geraldo Mazza, Luiz Solda, Marcio Renato dos Santos, Pryscila Vieira, Rogerio Distefano, Rubens Campana, Tess Biscaia COLABORADORES Aliocha Mauricio, Isabela França, Pablo Contreras DIRETOR DE FOTOGRAFIA Dico Kremer TRATAMENTO DE IMAGEM Carmen Lucia Solheid Kremer FOTO CAPA Pablo Contreras PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Clarissa M. Menini, Katiane Cabral e Luigi Camargo DIRETORA FINANCEIRA Clarissa M. Menini DEPARTAMENTO COMERCIAL Marcelo Espírito Santo Rocha CONSELHO EDITORIAL Aroldo Murá G. Haygert, Belmiro Valverde, Carlos Alberto Pessôa, Denise de Camargo, Fábio Campana, Lucas Leitão, Marianna Camargo, Paola De Orte, Rubens Campana PARA ANUNCIAR comercial@revistaideias.com.br

Orlando Pereira de Sousa

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