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Editorial

Por Heitor Rocha

Foram necessárias mais de 400 mil mortes de brasileiros para que a consciência nacional assumisse o seu direito de questionar a responsabilidade das autoridades na tragédia que vem se constituindo a pandemia da Covid 19 para a sociedade brasileira. Neste sentido, podemos saudar como motivo de esperança a iniciativa da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as ações e omissões dos governantes diante da ameaça da Covid 19, o que parecia, até há pouco tempo, inimaginável, diante do espetáculo macabro cotidiano da besta líder da barbárie estimulando o povo à desobediência das medidas de prevenção contra a contaminação do vírus com aglomerações, negligência com o uso de máscaras, menosprezo e descrença pelas vacinas e falta de contratação de imunizantes, o que retardou o início da vacinação, como se estivesse acima da lei, como um monarca absolutista medieval. Assim, a CPI pode resgatar a plenitude republicana, exigindo dos representantes respeito pelos representados.

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Desde o golpe de 2016, com a cumplicidade da grande mídia, foi implantado um regime de submissão acelerada do país aos interesses do capital financeiro, especialmente internacional, com um calendário de “reformas” conservadoras para ampliar a acumulação da riqueza dos donos do dinheiro, ao tempo em que era precarizado o trabalho e se expoliava o poder aquisitivo da esmagadora maioria da sociedade. Estatísticas recentes dão conta que cerca de 60% da população brasileira sofre “insegurança alimentar”. O que quer dizer isso? Senão que mais da metade dos brasileiros está passando FOME! Uma palavra muito agressiva que o véu da ideologia do “homem cordial”, insensível ao sofrimento desse contingente de seres humanos, classifica como desagradável.

Dada a condição crescentemente majoritária de pessoas na condição de vítimas dessa fome que vem se generalizando, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, recentemente, advertiu que esse não é um fenômeno natural, como a decorrente da má colheita na economia medieval, pois é a fome que é produzida pelo sistema econômico, que nega às pessoas o direito de comer. Por isso, advertiu: “Digo para os meus amigos do mercado financeiro: ‘Olha, vocês tomem cuidado porque da próxima vez a guilhotina não vai ser no rei, não. Vai ser no reinado do mercado financeiro. É o que está aparecendo no mundo inteiro: a disfuncionalidade, a crueldade do mercado financeiro”.

Para Belluzzo, essa situação é insustentável, com a valorização da riqueza financeira en1unto a economia da produção e do emprego é encolhida devido a disfunção existente nos mercados financeiros. E reportou-se aos sites acadêmicos onde há uma crítica recorrente à financeirização, para diagnosticar que essa não é já anomalia do capitalismo, mas um problema que evidencia “o déficit de ação política das classes que deveriam estar incumbidas de enfrentar esse problema. Brasil não tem elite, só ricos primitivos”.

Atualmente, o economista vê o Brasil na contramão do mundo, pois, nos EUA, Biden vem realizando uma rápida campanha de vacinação em massa, ao mesmo tempo em que está tocando dois programas: um programa de sustentação da renda das famílias, de 1,9 trilhão de dólares; e outro de dois trilhões de dólares para investimento em infraestrutura, ciência, tecnologia, na reconstrução da infraestrutura norte-americana. O economista também destacou que, como em outros países do primeiro mundo, os EUA estão discutindo o aumento dos impostos sobre os ganhos de capital e das grandes fortunas; o que não vem sendo admitido no Brasil.

Outra novidade positiva é a decisão do Senado de quebrar as patentes das vacinas contra a Covid, que vêm possibilitando às empresas farmacêuticas bilhões de lucro com a doença. Segundo o professor e pesquisador Leonardo Foletto, “isso se deve em grande parte a um sistema, perverso em sua origem, que concentra a capacidade de produção na mão de poucos – sejam empresas ou Estados – o que intensifica e produz novas desigualdades na distribuição e consumo desses produtos”. O professor salienta ainda que a indústria farmacêutica recebe subsídios governamentais para desenvolver medicamentos e, em seguida, obtém lucros exorbitantes especulando sobre a vida e a morte das pessoas, em detrimento dos países pobres do terceiro mundo.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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