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epidemia
Princípios e movimentos determinantes da epidemia
Por Pedro Rafael Lapa
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Para desvendar a realidade contemporânea, convém recorrer a princípios que orientem o desafio de vislumbrar quais são os elementos determinantes da epidemia que a humanidade enfrenta desde 2020, e que se inscreve como uma das principais crises sanitárias da história.
PRINCÍPIOS
O “pensamento liberal” é portador do princípio que constitui a violência fundadora do sistema capitalista. Ele reserva ao mercado o papel de provedor exclusivo de todos os elementos fundamentais à vida humana.
O ‘princípio do mercado autorregulado” aprofunda tal concepção. Além de provedor, o mercado deve ter a prerrogativa exclusiva de estabelecer em que condições os elementos fundamentais à vida humana serão oferecidos.
Os referidos princípios organizaram o funcionamento da estrutura política, social e econômica no ocidente e foram elementos determinantes da Crise de 1929.
Uma época marcada por crise econômica, guerras mundiais e gripe espanhola levou a humanidade a buscar alternativas ao colapso conceitual e material observado no início do Século XX.
Entrou em cena o “princípio do socialismo”, com destaque para a Rússia em 1917, China em 1949 e Cuba em 1959, e também entrou em cena o “princípio do bem-estar social”, principalmente na Europa, após a II Guerra Mundial, e, como arremedo, no Brasil, na década de 1950.
A partir da década de 1970, o “pensamento liberal”, em uma versão rasa e radicalizada, em função da proeminência do capital financeiro, iniciou uma escalada e voltou a exercer o papel de pensamento dominante em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
O referido pensamento ganhou força no Brasil na década de 1990, adquirindo caráter dominante nos negócios, na política, na imprensa corporativa e na academia.
No Século XXI, após quatro décadas de orientação que combina o “pensamento liberal” com o ‘princípio do mercado autorregulado”, o mundo voltou a enfrentar uma crise econômica estrutural, em 2008.
Diferentemente do que ocorreu na primeira metade do Século XX, a Crise de 2008 não representou ameaça ao domínio do “princípio conservador liberal” nem interrompeu o “desmonte do Estado”, ou um arremedo dele, onde existia.
Foi dessa maneira que vários países se prepararam para recepcionar a epidemia, e é neles que a epidemia vem provocando maior número de óbitos e adoecimentos graves. As evidências sugerem ser possível classificar o “princípio conservador liberal” como um “princípio de extermínio”.
MOVIMENTOS
Em princípio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerava a hipótese de que a fase aguda da epidemia seria superada em 2021, e então o número de mortes e adoecimentos graves declinaria, mas uma combinação de elementos levou a Organização a abandonar tal hipótese: - A vacinação não vem ocorrendo como desejada e necessária; - A adoção de medidas de controle do contagio não vem acontecendo como desejada e necessária; - O retardamento da vacinação e das medidas de controle do contágio favoreceu o surgimento de variantes de maior contágio e letalidade, que podem alterar a eficácia das vacinas; - A capacidade instalada de produção de vacinas e de insumos necessários à produção de vacinas tem limites e cronograma de produção definidos, o que aponta para o “prognóstico de que não tem vacinas para todos”.
Agravam o quadro de falta e retardamento de acesso às vacinas os acordos entre países ricos e grandes corporações farmacêuticas, que estão levando países ricos a adquirir volume de vacinas até cinco vezes maior que o necessário, como é o caso dos Estados Unidos.
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Não é de hoje que podemos encontrar políticas de Relações internacionais bem definidas e antagônicas, e manifestações concretas que corroboram referidas políticas.
Os Estados Unidos adotam o princípio de “Estados Unidos em primeiro lugar”, e sua política de aquisição de vacinas impede muitos países de ter acesso a elas.
Cuba e Venezuela adotam o princípio da “solidariedade e cooperação”, e constitui exemplo desse princípio o gesto da Venezuela de socorrer a população de Manaus com médicos e oxigênio, quando o sistema de saúde dessa cidade, recentemente, entrou em colapso.
A China adota o princípio da “cooperação com benefício mútuo”, e sua política de cooperação vem tendo importante papel no suprimento de insumos, no fornecimento de vacinas e na transferência de tecnologia que caracteriza uma política sanitária de escala mundial.
BRASIL
Embora a prerrogativa de definir, implantar e coordenar a política sanitária seja do Governo Federal, desde o golpe de 2016 e das eleições de 2018 o País vem sendo conduzido por uma “aliança conservadora liberal”, condução que tem o protagonismo dos atores principais da referida aliança: - Detentores de Mandato; - Ricos; - Empresários; - Forças Armadas; - Imprensa Corporativa.
A parte mais visível dos movimentos da “aliança conservadora liberal” se expressa através do Estado, com destaque para a narrativa e as atitudes do presidente da República.
OS MOVIMENTOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA: - Declara-se contra as medidas de controle do contágio e obstrui iniciativas dos governadores; - Participa de aglomerações e não utiliza máscara; - Recusa ofertas de vacinas e defende aquisição de imunizantes por empresas comerciais; - Abandonou o Programa Nacional de Imunização (PNI); - Apoia atitude do Ministério das Relações Exteriores de hostilizar a China, importante fonte de insumos e vacinas; - Apoia atitude da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que retarda autorização de utilização de vacinas já autorizadas em outros países e pela própria OMS; - Apoia a atitude do Ministério da Saúde, que não foi capaz de formular um Plano Nacional de Vacinação e um Plano Nacional de Suprimento de Insumos Hospitalares.
Sincronizando princípios e movimentos que promovem a epidemia, o Estado brasileiro se tornou uma ameaça ao povo brasileiro, à América Latina e ao mundo.
REFERÊNCIAS
- www.valor.com.br, 29/03/2021, pag. 6, Entrevista com Mariângela Simão, Diretora da OMS.
- 2000, Karl, Polanyi, A GRANDE TRANSFORMAÇÃO, As Origens da Nossa Época.
- https://aterraeredonda.com.br/dois-anos-de-desgovern0-tres-vezes-destruicao/, Leda Maria Paulani.
Pedro Rafael Lapa é economista aposentado do Banco Central, Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e foi diretor do Banco do Nordeste no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.