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Livro-reportagem como TCC: para começar, muita leitura
Por Alexandre Zarate Maciel | Coluna Prosa Real
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Nesta e nas próximas duas edições da coluna Prosa Real vamos organizar uma série de recomendações, dicas e reflexões sobre o livro-reportagem como um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). A intenção é ser o mais didático possível, tratando de todos os aspectos necessários para um estudante de jornalismo lançar-se nesse desafio, que proporciona vários benefícios de aprendizado, mas também múltiplos dilemas. Em primeiro lugar, é preciso alertar que a decisão de fazer um livro como produto é algo que deve ser amadurecido desde meados do curso, já que o processo costuma ser mais demorado do que o de uma monografia. Tenha em mente que, ao preparar um livro-reportagem como projeto experimental, você estará treinando várias modalidades do jornalismo: pesquisa documental, entrevistas variadas e em profundidade, edição criativa de grandes massas de texto, seleção de imagens e narração. Portanto, sua experiência em disciplinas como Técnicas de Reportagem, Redação Jornalística e mesmo no jornal-laboratório será essencial para aguçar o espírito de repórter. Para fazer um bom livro-reportagem você precisará, em primeiro lugar, ler obras deste tipo. Comece com os clássicos consagrados do gênero, aqueles que conjugam apuração de excelência com texto atraente e sedutor, além de terem encampado temas de compromisso social e ético. Recomenda-se, por exemplo, a leitura de A sangue frio, de Truman Capote, uma aula de apuração jornalística e de como narrar uma história de um crime real e suas consequências, com muito suspense. Ou obras de um dos maiores jornalistas vivos, Gay Talese, mestre das investigações minuciosas e em desvendar grandes panoramas, como a sexualidade norte-americana, em A mulher do próximo. Entre os autores nacionais, relatos como Olga e Chatô, de Fernando Moraes, são exemplos primorosos de como engendrar biografias que também trazem vastos panoramas históricos de épocas importantes da história brasileira. Ou aqueles livros com cunho de denúncia social, como Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex, e os mergulhos do arguto repórter Caco Barcellos no universo da polícia que mata, em Rota 66. Ao ler essas obras, o estudante pode adotar uma postura de estudo mais profundo, percebendo como o escritor apurou as suas informações, como encadeia os discursos apurados e os documentos desvendados em uma narrativa atraente, além dos métodos para estruturar os capítulos e todas as partes do livro-reportagem.
Pensando no tema: abrangência, contextualização e perenidade
Pensar em um tema que renda uma reportagem de fôlego, que não perca a atualidade dentro de alguns meses, permita acesso a vários entrevistados e também a uma pesquisa documental sólida, é o ponto de partida essencial para elaborar um livro-reportagem como TCC. Primeiro é preciso ter em mente que tipo de livro-reportagem você pretende elaborar. Na obra Páginas Ampliadas, o professor e pesquisador do campo do livro-reportagem Edvaldo Pereira Lima, classifica várias modalidades. As mais comuns são o perfil biográfico e a biografia, quando se escolhe um personagem central de relevância e narra-se a sua trajetória ou parte dela, bem como o pano de fundo social, cultural e político por ele vivenciado. Também pode-se optar por um livro-reportagem mais próximo do olhar jor-
nalístico sobre a história, investigando e narrando um determinado acontecimento de impacto e com certa distância no tempo. Outra opção é dos livros de cunho mais humanístico, que tragam, por exemplo, depoimentos de grupos de pessoas que vivenciam alguma problemática, como jovens com depressão, ou gravidez na adolescência. Ou mais calcados na observação geográfica e social, focando em determinado espaço da cidade que sofreu modificações ao longo do tempo ou foi palco de manifestações e transformações urbanas cruciais. Também pode-se optar pela radiografia de algum movimento cultural, como a história das nações de maracatu ou a trajetória do bumba meu boi no Maranhão. É crucial que, ao pensar no tema do seu livro-reportagem, o estudante tenha em mente que a sua própria cidade pode guardar várias histórias e personagens de grande interesse, que talvez não tenham sido narrados pelo jornalismo factual tradicional e mereçam tratamento em livro. O importante é que o tema seja amplo o suficiente para ser explorado em uma grande reportagem de, no mínimo, 50 páginas, que seja de certa forma atemporal, na medida do possível, tenha relevância social e, um detalhe importante: desperte a paixão do repórter para cada vez se surpreender e se empolgar com novas descobertas que encontrará no caminho.
Roteiro: preparando um sumário comentado
Os procedimentos variam em cada universidade, mas com certeza o estudante terá que elaborar em algum momento um projeto de pesquisa para embasar a sua proposta de livro-reportagem como projeto experimental de fim de curso de jornalismo. Esta é a hora de aproveitar para traçar todos os rumos que a sua pesquisa irá tomar. Em primeiro lugar, é preciso pensar na contextualização do seu tema, explicando, já no corpo do projeto, tudo o que já foi apresentado ao público sobre determinado personagem escolhido para uma biografia ou assunto pensado para um livro-reportagem. Busque, então, responder às perguntas: de que forma um livro-reportagem pode ajudar a lançar novas luzes sobre esse determinado tema ou personagem? Que técnicas de reportagem e narração jornalística utilizarei em todo o processo? Quais serão as possíveis fontes documentais que eu consultarei? E a lista prévia de entrevistados que atenderiam quais demandas de informação? Por fim, mas como medida crucial, vale a pena pensar como o livro seria dividido em capítulos, que aspectos serão tratados em cada parte, o chamado sumário comentado. Assim estará traçado o roteiro para se lançar na aventura da produção. No próximo número, trataremos da importância da pesquisa documental, das formas de entrevista e também sobre a organização de todo o material coletado. REFERÊNCIAS:
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. São Paulo: Record, 1992.
CAPOTE, Truman. A sangue frio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: livro-reportagem como extensão do jornalismo. 4. Ed. São Paulo: Manole, 2009.
MORAIS, Fernando. Olga: a vida de Olga Benário Prestes, judia comunista entregue a Hitler pelo governo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
________. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
TALESE, Gay. A mulher do próximo. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz e doutor em Comunicação pela UFPE, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.