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Sem índios, sem floresta. E agora?

Por Mônica de Lourdes Neves Santana

INTRODUÇÃO

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Há muito sabemos que a apropriação da terra, em sua dimensão econômica e política, gera disputas, invejas e conflitos armados. Esse histórico se arrasta desde a época do sistema colonial, este, por sinal, um grande vetor da expansão comercial e militar europeia, que garantiu a ocupação, dominação e aquisição de grandes propriedades nas mãos dos senhores elitizados. Foi um confronto das forças internas e externas nas metrópoles, nas colônias, nos protetorados, nos entrepostos, nos enclaves e nas nações dependentes (IANNI, 2001, p. 29).

Subjacente ao interesse detentor do poder soberano, temos, na contramão, as minorias indígenas, marcadas por uma homogeneização cultural e religiosa, o que Rouland (2004) chama de fenômeno minoritário. Uma categoria que recebeu representações identitárias negativas e baseadas na dicotomia civilizado/selvagem, como a negação da humanidade, fazendo desses povos grupos invisíveis. Dito isso, apesar de oferecer um texto limitado, temos o objetivo de evidenciar o tratamento de respeito que os índios oferecem às questões ambientais, que são fundamentais em suas agendas, e, em seguida, elencar essas ações. Acreditamos ser importante entender essa relação benéfica que acontece ao longo dos anos para que possamos tomar medidas de aprendizado e amenizar os riscos que estão se acumulando. Assim, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, apesar de serem apenas 5% da população mundial (ONU 2019), os índios são gestores da floresta. O modo de vida desses povos pode nos ensinar como preservar, suprir e cultivar alimentos de maneira sustentável.

Em relação a essas minorias, os Estados nacionais pouco têm feito quanto às políticas e leis que combatam a exclusão e que tragam respostas aos males causados pelo avanço do poder do Estado. Convém ressaltar que, apesar da diversidade étnica e cultural, muitas vezes não reconhecida e silenciada, durante a construção dos direitos humanos, tais grupos foram locados à condição de figura jurídica da incapacidade civil, sendo necessária a tutela estatal a fim de protegê-los (PUÍG, 2006).

Segundo o Greenpeace (2019), existe uma pequena tribo denominada Karipunas, que habita o norte do Amapá, nas áreas de Galibi, Uaçá e Juminá, e, dentre eles, apenas oito resistiram e sobreviveram à aproximação com a sociedade urbana nos anos 70. Trocando em miúdos, foram quatro crianças e quatro adultos. E essa invasão continua! Os sobreviventes não conseguem mais colher castanhas. Já a tribo Awá foi devastada pelo programa Carajás, que, por sua vez, foi financiado pelo Banco Mundial. Um exemplo que serve de alerta. Sem índios, sem florestas e, então, quem irá cuidar de nossas matas? Segundo o advogado Oliveira (2011, p. 144), a aplicação dos direitos humanos dos indígenas deve levar em consideração a organização, o uso, as tradições e a natureza coletiva dos bens que formam seu patrimônio. Mas será que existe esse reconhecimento? E aí vem a pergunta que incomoda a muitos poderosos: O Brasil tem colocado em prática os compromissos que foram firmados internacionalmente? O Estado brasileiro tem protegido a Amazônia e seus legítimos moradores, os índios? Não é preciso pensar muito para termos as respostas.

O governo está cansado de saber que a Amazônia está sendo destruída, quase 20% já foi desmatada, e, em breve, a situação será irreversível, mas o governo mantém um discurso vazio (GREENPEACE, 2019). Difícil entender essa posição de alienação! O governo ignora alertas do Deter e elabora um pacote para regularizar as invasões de terras públicas. Para agravar o que já é grave, houve também a ampliação das invasões das terras indígenas bem como das áreas de proteção ambiental, com aumento expressivo da violência contra os povos indígenas. Todas as áreas que são desmatadas geram consequências em forma de cascata: desequilibram a disponibilidade de água doce, o clima, a alimentação e a vida.

Mediante esse cenário, a situação é tão grave que o governo brasileiro se mancou e criou um Grupo Interministerial para combater o desmatamento e identificar soluções para minimizar os efeitos. Enquanto a taxa de desmatamento cresce, a economia não. Os estados que lideraram o desmatamento no primeiro trimestre de 2020 foram o Mato Grosso, com 267,07 km², e o Pará, com 267,24 km², em destaque o município de Altamira (MENEGASI, 2020). Segundo o Jornal Nacional (2020), mais de 42.679 hectares foram destruídos em 2019, duas vezes o tamanho do Recife. Adicionado a isso, um estudo do Instituto Socioambiental concluiu que a destruição da Floresta Amazônica aumentou de forma a destruir 115 terras indígenas em 2019 (PRODES). Isso sem falar nos povos isolados, que vivem

sem contato com a sociedade. O relatório vem acusando o governo de contribuir para o quadro emergencial, além de fragilizar as políticas de controle ambiental. Afetando-se as multas, aumenta-se o desmatamento e a violação dos direitos dos povos indígenas. O instituto também enfatiza a autorização do governo para mineração em terras indígenas (SILVA, 2018).

Enquanto isso, o lado bom é que pesquisas recentes mostram que os povos indígenas tiveram papel preponderante na biodiversidade encontrada na América do Sul, distribuída pelo cerrado, pelos pampas, pela Mata Atlântica, pela caatinga e pelo Pantanal. Exemplos disso são as castanheiras, a pupunha, o cacau, o babaçu, a mandioca e a araucária. Deveríamos aprender com os indígenas a desenvolver o manejo e utilizar os recursos sem danificar o ecossistema e ainda transformar o solo pobre em fértil. Eles são a chave para a conservação das florestas do mundo (RAYGORODETSKY, 2020).

Em um estudo sobre a natureza, o cientista Daniel Nepstad descreveu as terras indígenas como sendo o melhor obstáculo contra o desmatamento da Amazônia, e o diretor do Survival International Stephen Corry disse que os especialistas, até os mais céticos, finalmente reconhecem que defender os direitos dos povos indígenas em suas terras será a melhor maneira de garantir a preservação da floresta.

É da floresta que os índios obtêm o que precisam para sua vida, como o material para a caça, alimentos, remédios, utensílios. Não são ambiciosos, compartilham o habitat com outros animais e aprendem, desde cedo, o valor da terra, da mata. Os índios valorizam e respeitam a mãe terra mesmo não sendo ecologistas. Eles têm consciência da sua dependência. Na cultura local, a natureza representa o apoio da vida interligada.

Os povos indígenas estão ajudando nessa luta da seguinte forma: 1) as técnicas agrícolas adaptadas ao clima ajudam a evitar a erosão; 2) conservam e restauram os recursos naturais: no caso da Amazônia, o ecossistema melhora com a presença deles; 3) os alimentos podem expandir as nossas dietas; 4) supervisionam a biodiversidade. Como vivem de forma sustentável, eles ajudam a preservar a biodiversidade de plantas e animais.

Finalmente, o que quero chamar atenção neste artigo é que vivemos um momento dramático na história do Brasil, que necessita de boa vontade política. O capitalismo em que vivemos gera o individualismo e a cegueira sobre a catástrofe avisada que se aproxima a destruição total de nossas matas.

REFERÊNCIAS

IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

GREENPEACE Brasil (2019). Sem floresta, sem vida! Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/sem-floresta-sem-vida/.

MENEGASI, Duda. Desmatamento na Amazônia atinge nível recorde no primeiro trimestre de 2020. Disponível em: https://www.oeco.org. br/noticias/desmatamento-na-amazonia-atinge-nivel-recorde-no-primeiro-trimestre-de-2020/.

OLIVEIRA, Paulo Celso de. Os povos indígenas e o direito internacional dos direitos humanos. 2011.

ONU News. Perspectiva global - Reportagens humanas. Disponível em: https://news.un.org/ pt/story/2019/08/1683741.

PUÍG, Salvador Marti. Sobre la emergencia y el impacto de los movimientos indígenas em las arenas políticas de América Latina. Algunas claves interpretativas desde lo local y lo global. Barcelona: Fundación CIDOB, 2004.

RAYGORODETSKY, Gleb. Populações indígenas defendem a biodiversidade do planeta, mas estão em perigo. National Geographic. Nov. 2020.

ROULAND, Norbert. Direito das minorias e dos povos autóctones. Brasília: UnB, 2004

SILVA, Elizângela C. de A. Povos indígenas e o direito à terra na realidade brasileira. Serviço Social. São Paulo, nº 133, p. 480-500. Set./dez. 2018.

Terras indígenas protegem a floresta. Terras indígenas no Brasil. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/.

Aumenta o desmatamento em terras indígenas, diz estudo. Jornal Nacional 02/03/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/02/aumenta-o-desmatamento-em-terras-indigenas-diz-estudo.ghtml.

Mônica de Lourdes Neves Santana é professora doutora em Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba. Atualmente, faz seu pós-doutorado com o Prof. Marcos Costa Lima, em Ciência Política, pela Universidade Federal de Pernambuco.

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