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Mulheres escritoras de livros-reporta- gem: expansão e novos olhares
Por Alexandre Zarate Maciel
Mulheres escritoras de livros-reportagem: expansão e novos olhares
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Quando o autor desta coluna desenvolveu a sua tese de doutorado “Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil”, entre os anos de 2014 e 2018, percebeu que a participação das jornalistas mulheres no universo editorial do livro-reportagem ainda era tímida. Tanto que dentre os 10 jornalistas escritores que entrevistou em 2016, sendo alguns de renome, como Ruy Castro, Fernando Morais e Zuenir Ventura, ouviu apenas duas mulheres: Daniela Arbex e Adriana Carranca. A primeira havia surpreendido o mercado editorial com o livro “Holocausto brasileiro”, lançado em 2013, e que, até a ocasião da entrevista, já estava próximo das 300 mil cópias vendidas, mesmo tratando de um tema árido, como a morte por descaso e abandono dos internos em um hospital psiquiátrico clássico de Minas Gerais.
Já Adriana Carranca encontrava mais projeção como escritora em 2016, no seu terceiro livro, “Malala: a menina que queria ir para a escola”, do ano anterior, marcado pela experiência de uma narrativa de não ficção elaborada para leitores e leitoras crianças e adolescentes. Outra jornalista de destaque no período, que vinha reunindo reportagens em livros desde o início dos anos 2000, era Eliane Brum, com obras como “A vida que ninguém vê” (2006) e “O olho da rua” (2008). O trabalho de Eliane, marcado por um exercício de olhar subjetivo, humanizado e narrativa elaborada de forma cuidadosa, inclusive chama bastante atenção do campo acadêmico de estudos da área de jornalismo literário, com dezenas de artigos científicos esquadrinhando os seus métodos.
No Brasil, é perceptível uma atenção maior à publicação de livros-reportagem de jornalistas escritoras a partir do prêmio Nobel de literatura concedido à jornalista bielorrussa Svetlana Alexiévitch, em 2015, o que levou a Companhia das Letras a publicar, em português, as suas principais obras, como “Vozes de Tchernóbil”, “A guerra não tem nome de mulher” e “O fim do homem soviético”. O estilo de Svetlana é singular: ela faz longas entrevistas com os seus personagens, como sobreviventes de guerras e acidentes nucleares e organiza um mosaico, ou coro de vozes que se amalgamam, dando tom dinâmico à narrativa.
Fonte: Amazom.com.br
Mulheres jornalistas biógrafas e no campo do jornalismo político e econômico
Em artigo publicado em 2021 na revista científica de comunicação Lumina, os pesquisadores Felipe Adam e Antonio Holfeldt apresentam um estudo preliminar, proveniente da tese de dou-
torado que o primeiro está desenvolvendo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), a respeito da presença tanto de jornalistas biógrafas quanto mulheres biografadas. Eles concentraram o olhar de pesquisadores sobre as duas maiores editoras que publicam obras do gênero no Brasil: Companhia das Letras e Editora Record, especificamente sobre o catálogo de livros lançados entre 1990 e 2020. Entre os personagens biografados na Companhia das Letras, “o número de homens é cinco vezes maior (38 mulheres contra 201 homens); já na Record, o valor é quase o triplo (54 mulheres versus 152 homens)” (ADAM & HOLFELDT, 2021, p. 65-67).
Outro dado curioso apontado pelos pesquisadores é que “no Grupo Companhia das Letras, dos 51 livros em que mulheres assinam sozinhas narrativas biográficas, somente em 17 (33,3%) delas os protagonistas também são mulheres”. Enquanto no Grupo Editorial Record, “das 76 obras biográficas cujas mulheres são autoras exclusivas, 32 (42,10%) delas também tratam de mulheres”.No campo biográfico brasileiro, três mulheres vêm se destacando. Adriana Negreiros mergulhou em arquivos históricos e depoimentos para trazer uma perspectiva feminina do universo dos cangaceiros na obra “Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço” (2018). A vida e obra de Jorge Amado foi investigada e narrada com detalhes por Josélia Aguiar no livro “Jorge Amado - uma biografia” (2018), que venceu o prêmio Jabuti de Biografia, Documentário e Reportagem do ano seguinte. Em “Samuel Wainer, o homem que estava lá” (2020), a jornalista Karla Monteiro apresenta, com detalhes, a trajetória de um dos jornalistas mais importantes do Brasil em sua época.
Destaque para as mulheres escritoras, também, no jornalismo político. Thaís Oyama disseca o primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, encontrando um adjetivo apropriado para o título, em “Tormenta - o governo Bolsonaro” (2020). E Patrícia Campos Melo, no mesmo ano, trouxe à tona o didático e assustador “A máquina do ódio: Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”, sobre a disseminação criminosa de notícias falsas e a própria história da jornalista, vítima de uma campanha de difamação virtual após denunciar o esquema, a princípio, no jornal em que trabalha, a Folha de S. Paulo. Essas produções mais recentes indicam que as jornalistas escritoras buscam descortinar os mais variados temas com responsabilidade e ética.
O olhar das jornalistas escritoras: um toque feminino?
A leitura mais atenta de livros-reportagem escritos por jornalistas mulheres aponta reflexões sobre o olhar feminino como uma peculiaridade do fazer jornalístico. Daniela Arbex, em entrevista ao autor desta coluna (MACIEL, 2018) acredita que existe até mesmo um jeito feminino de narrar, que transparece na escolha dos temas, das abordagens, do olhar e na forma como os personagens aparecem no livro-reportagem: “Tem coisas... Por exemplo: no caso do Holocausto brasileiro, o que mais me tocou? As mães que não puderam alimentar seus filhos. Porque eu estava amamentando o meu. E eu chegava em casa e ficava: ‘Meu Deus, como se arranca isso de uma mãe?’”.
Especializada em coberturas sobre a situação da mulher no Oriente Médio, Adriana Carranca, por sua vez, acredita que quanto mais a jornalista convive com uma realidade diferente da sua, “mais pautas você derruba”. Ela exemplifica que é fácil “apontar o dedo, falar das mulheres oprimidas do Afeganistão”. Mas, quando ouve um depoimento de uma delas dizendo que não quer tirar a burca, mesmo com a insistência
do marido, que não quer vê-la vestida assim, percebe que é importante ficar cada vez mais nos ambientes para derrubar o que o olhar mais apressado pode sugerir. Mesmo em biografias sobre homens, como a de Jorge Amado, por exemplo, percebe-se que a jornalista Josélia Aguiar tenta contrabalancear a importância da esposa e também escritora Zélia Gattai para a vida e carreira do escritor baiano. Karka Monteiro, por sua vez, lança luzes sensíveis ao papel da primeira esposa de Samuel Wainer, Bluma, e também dedica várias páginas ao papel crucial da segunda mulher, Danuza Leão, na trajetória do jornalista e empresário. Cabem, enfim, mais pesquisas acadêmicas sobre o papel mais recente das jornalistas escritoras no universo dos livros-reportagem brasileiros contemporâneos.
Referências
ADAM, Felipe; HOLFELDT, Antonio. A memória do feminino: um esboço do catálogo biográfico da Companhia das Letras e Record (1990-2020). Lumina – Revista do programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora: PPGCOM UFJF, v. 15, n. 2, p. 55-71, mai./ago. 2021.
MACIEL, Alexandre Zarate. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife, 2018. Tese (Doutorado em Comunicação)-Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz e doutor em Comunicação pela UFPE, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.