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Portugal: crise da representatividade, crise climática e pandemia
Portugal: crise da representatividade, crise climática e pandemia
Pedro de Souza
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Duas questões graves assolam hoje a capacidade de decisão dos nossos dirigentes: a pandemia e o clima, de que, em breve, resultarão a fome, as migrações em massa e catástrofes naturais em série. Para ambos os problemas, há soluções que talvez não sejam as ideais, mas que poderiam mitigar seriamente a sua gravidade: a vacinação em massa, inclusive para evitar novas estirpes do vírus, e a energia alternativa, solar, eólica etc.
Mas ligamos a televisão e o que vemos no telejornal da TV pública portuguesa? Uma entrevista de um político, advogado e homem de negócios chamado Pires de Lima, que resolveu se demitir de um partido, o CDS-PP, que não tem chegado aos 5% nas eleições legislativas. A quem isso interessa?
Nesse meio tempo, a África está praticamente por vacinar, e os países subdesenvolvidos, e alguns outros que passam por desenvolvidos, continuam exportando para os países pobres a sujeira da produção industrial, mandando toneladas de metano para os ares, desmatando, poluindo oceanos. Não há como não concluir que os nossos dirigentes não estão à altura dos problemas com que a humanidade defronta: democracias e ditaduras são, na maioria dos casos, dirigidas por políticos ineptos, quando não criminosos. As ideologias que norteiam a política desde a Revolução Industrial e aqueles que as defendem fazem parte do problema, não da solução. Muito deles estão hoje em Glasgow, depois do G20 em Roma, para mais uma inócua reunião sobre as políticas climáticas. Inócua porque a maioria dos dirigentes, ao sair do avião no seu país de origem, já se esqueceu do que se trata e, sobretudo, dos seus compromissos. Em Glasgow, a organização é falha, e os preços astronômicos. O primeiro-ministro português, António Costa, ficou em casa.
Portugal é um país médio/pequeno no contexto europeu; os seus 10 milhões de habitantes não alcançam a população da Grande S. São Paulo. E um país pobre, sobretudo devido a séculos de analfabetismo promovido pela Igreja Católica, e zelado por 40 anos de salazarismo. Depois do 25 de abril, se conseguiu algumas melhorias sociais, com o auxílio da União Europeia (UE). Hoje o país desenvolveu, sobretudo, a indústria do turismo, que emprega muita mão de obra não especializada e barata, como, por exemplo, a brasileira. E continua na cauda da Europa. É claro que a solução não está em liberalizar a produção, pois poucos pa Duas questões graves assolam hoje a capacidade de decisão dos nossos dirigentes: a pandemia e o clima, de que, em breve, resultarão a fome, as migrações em massa e catástrofes naturais em série. Para ambos os problemas, há soluções que talvez não sejam as ideais, mas que poderiam mitigar seriamente a sua gravidade: a vacinação em massa, inclusive para evitar novas estirpes do vírus, e a energia alternativa, solar, eólica etc.
Mas ligamos a televisão e o que vemos no telejornal da TV pública portuguesa? Uma entrevista de um político, advogado e homem de negócios chamado Pires de Lima, que resolveu se demitir de um partido, o CDS-PP, que não tem chegado aos 5% nas elei-
ções legislativas. A quem isso interessa?
Nesse meio tempo, a África está praticamente por vacinar, e os países subdesenvolvidos, e alguns outros que passam por desenvolvidos, continuam exportando para os países pobres a sujeira da produção industrial, mandando toneladas de metano para os ares, desmatando, poluindo oceanos. Não há como não concluir que os nossos dirigentes não estão à altura dos problemas com que a humanidade defronta: democracias e ditaduras são, na maioria dos casos, dirigidas por políticos ineptos, quando não criminosos. As ideologias que norteiam a política desde a Revolução Industrial e aqueles que as defendem fazem parte do problema, não da solução. Muito deles estão hoje em Glasgow, depois do G20 em Roma, para mais uma inócua reunião sobre as políticas climáticas. Inócua porque a maioria dos dirigentes, ao sair do avião no seu país de origem, já se esqueceu do que se trata e, sobretudo, dos seus compromissos. Em Glasgow, a organização é falha, e os preços astronômicos. O primeiro-ministro português, António Costa, ficou em casa.
Portugal é um país médio/pequeno no contexto europeu; os seus 10 milhões de habitantes não alcançam a população da Grande S. São Paulo. E um país pobre, sobretudo devido a séculos de analfabetismo promovido pela Igreja Católica, e zelado por 40 anos de salazarismo. Depois do 25 de abril, se conseguiu algumas melhorias sociais, com o auxílio da União Europeia (UE). Hoje o país desenvolveu, sobretudo, a indústria do turismo, que emprega muita mão de obra não especializada e barata, como, por exemplo, a brasileira. E continua na cauda da Europa. É claro que a solução não está em liberalizar a produção, pois poucos países liberalizaram e desregulamentaram tanta atividade como Portugal nos últimos 30 anos. Embora os números continuem muito inferiores aos dos países do exbloco comunista (note-se que, no Império Austro-Húngaro, o cuidado com a educação era já muito superior ao equivalente no Império dos Bragança), nos últimos 20 anos Portugal progrediu nitidamente acima desses países no ensino secundário. Mas a base produtiva do bloco do leste continua muito superior à de Portugal, cuja política assentou, tanto nos governos de direita quanto nos socialistas, nos salários baixos (e na consequente emigração). Estamos no país da UE com o mais baixo nível de investimento público em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) — e com uma das mais baixas percentagens do emprego público no emprego total.
Nas eleições legislativas de 2015, o Partido Socialista, embora minoritário, conseguiu formar governo com o apoio parlamentar do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, dois partidos de extrema-esquerda antieuropeus. A governação foi, em geral, positiva, a julgar pela aprovação pelos eleitores nas eleições seguintes, em 2019, quando se repetiu o esquema, a geringonça — conforme ficou conhecida essa aliança informal entre o Partido Socialista (um partido de centro-esquerda), PCP e BE. Apesar da oposição da direita (PSD – CDS-PP – Iniciativa Liberal – Chega) e das ásperas negociações orçamentais, essa aliança sobreviveu até 2019, dada a habilidade do secretário-geral do PS, António Costa, filho de um poeta co-
munista. Há poucos meses, depois de várias rodadas de negociações quanto ao orçamento para 2022, os três partidos se separaram sem acordo sequer na generalidade. O detalhe poderia ser discutido depois na Assembleia. A Constituição Portuguesa é semipresidencialista, e a Assembleia dispõe de amplos poderes. O orçamento para 2022 foi chumbado por todos os partidos com representação parlamentar, salvo o PS, e com a abstenção de alguns independentes. Portugal está sem orçamento para 2022, o que seria grave em qualquer circunstância, mas este ano se revela especialmente preocupante, pois, sem orçamento, não há liberação dos fundos de ajuda da Europa relativos à pandemia, e demais.
O PS fez várias concessões importantes, como a generalização das creches gratuitas. Mas, para os partidos de extrema-esquerda, não foi suficiente. Sobretudo porque medidas votadas em orçamentos anteriores têm sido “cativadas” pelo Ministério das Finanças, ou seja, as respectivas verbas não têm sido liberadas. O Partido Socialista, tal como os partidos de direita, continuam presos às velhas teorias monetárias que insistem que o orçamento de um país deve ser gerido como um orçamento familiar, com o menor déficit possível, teorias impostas ao governo português pelo Banco Central Europeu, visto que Portugal não cunha mais moeda.
Adiantando-se a qualquer outra possível solução (que seria complexa), o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que é de direita e tinha até aí convivido em relativa harmonia com a gerigonça, anunciou que, caso não houvesse acordo, dissolveria a Assembleia da República, uma possibilidade prevista na Constituição, mas não obrigatória nessas circunstâncias. E assim o fez.
O governo não se demitiu, continua em funções, até que seja eleita nova Assembleia, possivelmente no dia 30 de janeiro de 2022. A partir daí, entra-se numa zona de desconhecido. É de opinião mais ou menos geral que o presidente se precipitou. Acontece que, nas eleições locais de 26 de setembro passado, o presidente da Câmara Municipal (prefeito) de Lisboa, o socialista Fernando Medina, sucessor “in pecto” de António Costa, foi derrotado pelo candidato de direita, o ex-comissário europeu Carlos Moedas, do PSD (partido de centro-direita). É possível que essa vitória simbólica (pois os vereadores lisboetas continuam, na maioria, sendo de esquerda) tenha entusiasmado o “povo de direita” e o presidente, que se convenceu de que o mesmo poderia acontecer em eleições legislativas.
Não se pode excluir que isso venha a acontecer, visto que, tradicionalmente, a direita tem mais facilidade em se coligar que a esquerda. Mas a verdade é que os partidos de direita estão divididos por querelas de pessoas e de estratégia, entre os que admitem se coligar com o PS e os que recusam essa alternativa, entre o centro-direita e a direita pura e dura, entre os nacionalistas e os liberais. O único partido de direita certo de ganhar com a situação criada pelo presidente é o Chega, um partido de extrema-direita, equivalente ao Vox espanhol, ou ao Rassemblement National francês, que seduz os desiludidos da democracia, que são numerosos. Na esquerda é de se esperar que ganhe o voto útil, ou seja, que PCP e BE continuem perdendo eleitores, e
que o PS roce a maioria absoluta. Não é impossível que tenha sido esta a intenção do presidente: diminuir o peso do PCP e BE na Assembleia, impedindo uma nova gerigonça. Mentes maquiavélicas sugerem que essa intenção poderia ser também a do secretário-geral do PS. Mas aí entramos no domínio da pura especulação. No entanto, uma nova geringonça se apresenta pouco provável, pelo menos com o Bloco de Esquerda. Os laços de António Costa com o PCP sempre pareceram mais próximos.
Aos dois grandes problemas da atualidade, o clima e a pandemia, os governantes portugueses conseguiram somar um terceiro: uma crise política de que não se vê desfecho que não seja muito próximo ao da situação atual. Na sua raiz, não se trata de um problema novo, mas que se vem agravando: cerca de 50% dos eleitores portugueses não se deslocam mais para votar. A crise da democracia representativa fica patente: é provável que só uma boa dose da democracia participativa no trabalho, seja ele do Estado seja privado, possa destravar esse impasse. Mas as autodenominadas elites farão tudo para que isso não se verifique. Para que a acumulação de capital nos conduza ao desastre.
Pedro de Souza é editor, pesquisador e ex-superintendente executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
Fonte: ladroesdebicicletas.blogspot.com