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Energia eólica: omissão e conivência dos órgãos ambientais
Heitor Scalambrini Costa
Nosso país possui um enorme potencial em energias renováveis, em particular a energia dos ventos (energia eólica) na região Nordeste, com a qual poderá gerar energia para as atuais e futuras gerações, e, assim, contribuir no enfrentamento às mudanças climáticas, com a redução da emissão de gases de efeito estufa.
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Todavia, o atual crescimento vertiginoso das instalações dos parques eólicos, nos estados nordestinos, e em Pernambuco em particular, está assentado em um modelo de expansão predatório, que não respeita o homem do campo e a natureza que o rodeia, assim contribuindo para inúmeros conflitos e impactos socioambientais.
Os órgãos do governo federal, estadual e municipal, que deveriam zelar e proteger o ambiente e as pessoas (segundo a Constituição Federal), se omitem, e, muitas vezes, são coniventes com situações que privilegiam os interesses econômicos dos empreendimentos, sem levar em conta as questões socioambientais. Locais de nascentes de água, resquícios de Mata Atlântica (“ilhas”), áreas costeiras, vegetação do bioma Caatinga, brejos de altitude, têm sido ameaçados e impactados pelos “negócios do vento”.
Não se pode aceitar que o poder econômico dos grupos empresariais que estão à frente dos “negócios do vento” um total controle das decisões, em nome de prometerem “energia limpa”, emprego e renda. No campo, verifica-se que não são cumpridas as boas práticas socioambientais nem são levadas em conta questões fundamentais relacionadas aos direitos humanos, como a saúde, o bem-estar dos moradores das áreas rurais, e os direitos da natureza, com sua proteção e conservação ambiental, respeitando seus limites.
Não somos contrários à energia eólica nem a outras fontes renováveis de energia, mas é necessária uma maior transparência nas relações que envolvem o arrendamento e a compra da terra, o respeito à legislação vigente, a proteção e conservação ambiental nas fases de implantação dos empreendimentos. Importante não é somente garantir uma maior segurança energética, mas também respeitar o modo de vida das populações rurais e a saúde ambiental.
Pernambuco, assim como outros estados nordestinos, tem dado um péssimo exemplo de como não se deve proceder com relação à utilização das fontes renováveis de energia, chegando, assim, a comprometer as excelentes vantagens intrínsecas dessas fontes energéticas (Sol e vento).
É a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco (Semas) que tem a missão institucional de “assegurar a realização de políticas públicas ambientais e sustentabilidade, defendendo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e equânime, promovendo a preservação, conservação, recuperação dos ecossistemas e qualidade de vida para todas as gerações”.
A essa secretaria cabe, entre suas competências, executar as atribuições do Estado relativas ao licenciamento e à fiscalização ambiental. Um dos lamentáveis equívocos cometidos no processo de licenciamento ambiental para complexos eólicos (e também usinas solares) é considerar que as fontes renováveis de energia são “limpas” (https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576649-energia-eolica-nao-e-limpa) e, assim, de baixo impacto ambiental. Dessa forma, acabam isentando o empreendedor de apresentar avaliações mais pormenorizadas sobre a intensidade e dimensão do impacto no meio ambiente provocado pelo empreendimento. A exigência atual é o Relatório Ambiental Simplificado (RAS) para a implantação de parques eólicos, que é insuficiente para atender aos requisitos dos projetos eólicos.
Pesquisas e estudos realizados nos últimos anos pelas universidades públicas nordestinas (em especial, UFC, UFPE, UFCG, UFBA e UFRN), pelos centros de pesquisas, pelo Observatório da Energia Eólica da UFC, por organizações não governamentais e por dioceses têm apontado vários impactos provocados no meio ambiente e que afetam as pessoas que vivem próximas aos empreendimentos.
Em Pernambuco, no bioma Caatinga, é onde se localizam as pessoas mais atingidas diretamente pelos “negócios do vento”, é onde vivem os agricultores familiares e as populações originárias. Todavia, tais
impactos têm uma abrangência global. Por exemplo, o desmatamento para instalação dos equipamentos/aerogeradores e para a construção de estradas de acesso afeta o aquecimento global e, assim, todo o planeta.
Recentemente, por sugestão da representação da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (Fetape) no Conselho Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (Consema-PE), foi criado um Grupo de Trabalho (GT) cujo objetivo é o de avaliar o cenário da geração eólica em Pernambuco, sob o aspecto da conservação ambiental de áreas protegidas, e a proteção das condições de vida dos trabalhadores rurais.
Lamentavelmente, houve um desvirtuamento dos objetivos do GT, transformando as reuniões em espaços para justificar tais empreendimentos sob a ótica econômica, como uma atividade essencial para a economia pernambucana. Sem, ao menos, levar em conta, a proposta original para criação do GT, que foi a de avaliar os impactos socioambientais dos complexos eólicos instalados.
Tal situação na condução do GT, de forma unilateral, ignorando as ponderações para que os aspectos socioambientais fossem levados em conta no licenciamento e na fiscalização dos parques eólicos, motivou o envio de uma carta assinada por membros desse Conselho para o secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, presidente do Consema-PE, exigindo a retomada do objetivo que motivou a criação do GT.
Uma das principais formas de controle ambiental e social dos impactos de empreendimentos é o licenciamento ambiental. Essa obrigatoriedade, com regras e etapas para avaliação dos estudos ambientais, que auxiliam na tomada de decisão acerca da autorização ou não de atividades impactantes, está prevista na Resolução 01/1986 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
Com relação à postura da presidência do Consema-PE de se negar a ouvir e atender os movimentos sociais, fica evidente que esta atitude revela o lado autoritário, o desprezo pela ciência e a total subserviência a outros interesses que não o do meio ambiente e o de cuidar das pessoas.
Exigimos a abertura de diálogo sobre os impactos socioambientais da instalação de parques eólicos (usinas solares). Exigimos que o poder público exerça seu papel de regular, fiscalizar e punir os excessos cometidos; que a lei seja cumprida. Exigimos respeito ao homem do campo e seus modos de vida. Exigimos políticas públicas que venham responder às demandas dessa população, assim como proteger o bioma Caatinga.
Sem dúvida, exigir o Relatório de Impacto do Meio Ambiente (Rima) e o Estudo do Impacto Ambiental (EIA), para empreendimentos de larga escala com fontes renováveis de energia, é nada mais do que seguir o que a ciência ensina a partir dos fatos revelados ao longo dos últimos 10 anos e o que a legislação determina.
Heitor Scalambrini Costa é professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco.