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Urge Repensar a Formação Profissional do Jornalista
Lílian Márcia Chein Féres
Notícia, segundo a definição do Dicionário de Comunicação (RABAÇA; BARBOSA, 1987), é o relato de fatos ou acontecimentos atuais, de interesse ou importância para a comunidade, e capaz de ser compreendido pelo público. Celso Kelly acrescenta que “o que é matéria-prima do jornalista não é palavra, é notícia: esta é a matéria-prima com que se constrói o jornal”. Para Fraser Bond, “a notícia não é um acontecimento, ainda que assombroso, mas a narração desse acontecimento”.
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Já os editores da revista Colliers Weekly, definem notícia: como tudo o que o público necessita saber; tudo aquilo que o público deseja falar; quanto mais comentário suscite, maior é o seu valor; é a informação exata e oportuna dos acontecimentos, descobrimentos, opiniões e assuntos de todas as categorias que interessam aos leitores; são os fatos essenciais de tudo o que aconteceu, acontecimento ou ideia, que têm interesse humano. A notícia se funda, pois, no público, e deve-se avaliar seu interesse apreciando nela o que interessa ao público. A essência, pois, da notícia, está determinada pelo interesse público. (RABAÇA; BARBOSA, 1987, p. 7)
Ampliando a discussão para o âmbito da informação em geral, afinal, o que é informação? Notícia é informação. Recorrendo à definição de informação, no Dicionário de Comunicação encontramos que é o ato ou efeito de emitir ou de receber mensagens. Para Wiener, “a informação está sempre ligada a uma função”. Ela só é retida por um organismo se lhe for significativa. Portanto, os homens e os animais – sim, também os animais – só absorvem a informação de que necessitam e/ou que lhes seja inteligível.
Acrescentemos que informação é a medida de uma possibilidade de escolha, na seleção de uma mensagem. Tudo o que reduz a incerteza, eliminando certas possibilidades, é dotado de informação. Assim, a informação de um evento depende de sua probabilidade e não de si mesma. Conforme o próprio Umberto Eco afirmou, “a informação não é tanto o que é dito, mas o que pode ser dito”: uma mensagem computável num bit (a escolha entre duas possibilidades equiprováveis) e uma computável em 3 bits (a escolha entre oito possibilidades equiprováveis) distinguem-se pelo número maior de escolhas possíveis que a segunda situação apresentava – na fonte – em relação à primeira. No segundo caso, a mensagem informa mais, porque – na fonte – havia mais incerteza acerca da escolha que iria ser feita. A informação representa a liberdade de escolha que se tem ao construir uma mensagem, e deve, portanto, ser considerada como uma propriedade estatística da nascente das mensagens. Em outras palavras, a informação é aquele valor de equiprobabilidade entre muitos elementos combináveis, valor esse tanto maior quanto mais numerosas forem as possibilidades de escolha. (RABAÇA; BARBOSA, 1987, p. 7)
No que concerne à informática, informação é uma coleção de fatos ou outros dados fornecidos à máquina com a finalidade de se objetivar um processamento (RABAÇA; BARBOSA, 1987, p. 4). Porém, aqui, as informações são sempre codificadas para uma linguagem que a máquina consegue compreender para que possa executar as tarefas solicitadas pelo homem – a linguagem de máquina. Esta, binária, compõe o software (construídos a partir de algoritmos) com o objetivo de capacitar o computador a identificar a informação através de sua restrita e elementar (mas fundamental) capacidade de distinguir entre dois estados. Como assim?! Algo está imantado num sentido ou no sentido oposto. A uma destas opções, o computador associa o valor 1, e à outra, o valor 0. Por meio de uma
combinação de bits, através de um código, evidentemente, pode-se chegar a representações variadas. Num código desses, as letras e símbolos especiais poderão ter, também, suas representações e características individuais. Vale salientar que os elementos necessários ao processamento das informações estão sistematicamente organizados na memória, sendo que quanto maior ela for maior será sua capacidade de armazenar informações.
Consoante nos mostrou Umberto Eco, temos informação onde há opção de escolha. Então, entremos no mundo das tecnologias, especificamente na internet, para encontrarmos a informação em seu sentido mais latu. Uma informação, hoje “controlada” e “pautada” pelos algoritmos – sim, àqueles que antes serviam à construção lógica dos mais variados software. Onde isso nos leva? Nesta sociedade da (des)informação, alicerçada nos algoritmos e na “fácil” captação de informação, urge repensar a formação do profissional de jornalismo para então, sim, reencontrar o modelo de negócio, seja ele qual for, para os jornais e demais meios de comunicação que “sobrevivem” do jornalismo. O jornalista precisa passar por uma radical mudança no que tange às suas técnicas de apuração e redação dos fatos. Apesar da tecnologia ser ligada à tecnicidade, ao abandonar o lado humano dos acontecimentos, é possível resgatar o valor humano nesta sociedade tão tecnocrática.
A virada que ocorre na era tecnológica é radical, ao instalar-se uma grande indústria de produção e divulgação de informações, que já não têm mais nada a ver com aquela oferta multivariada de pequenos jornais. Não é apenas uma mudança no volume da produção jornalística. Ocorre aqui uma alteração na qualidade de produto cultural, a saber, o que se tem aqui é uma indústria cujo resultado é a desinformação provocada pelo excesso. A marca da imprensa, na sociedade tecnológica, é a da produção em alta escala de informações, repercutidas em todos os jornais, rádios, estações de televisão, no país e no exterior, de tal maneira que esse volume, essa intensidade provocam a redundância, que leva ao desinteresse, à apatia, `a desinformação, em última análise. (MARCONDES FILHO, 1993, p. 124-125)
Para Marcondes, a partir de um certo ponto, o processo informativo, devido ao excesso, passa a girar em alta escala repetidamente, viciosamente, sem produzir mais nenhum efeito, tornando-se ritualístico, circular. Ocorre um processo de negação do caráter informativo da informação e, não por acaso, atualmente a primeira pergunta que surge ao ler uma notícia: “é fake news?”, dando margem à criação de uma suposta nova área denominada fact checking. Mas é pressuposto que esta verificação de factos anteceda a publicação da notícia e não, como atualmente, que sucede. O excesso, a embriaguez com a coisa se esvaziam. Assim acontece com uma série de processos sociais, assim acontece com o jornalismo na sociedade tecnológica. Atuar na imprensa significa lubrificar regularmente esta máquina para a produção do mesmo todos os dias, apesar da aparente novidade ou necessidade de o jornalismo trazer sempre fatos novos. (MARCONDES FILHO, 1993, p. 126)
A missão do jornalista não pode ser tão reducionista e técnica ao ponto de se restringir à mera coleta e transcrição de dados. Com o apoio das novas tecnologias, o trabalho jornalístico deverá ir além. Para Cremilda Medina, o jornalista precisa ter uma postura aberta à construção de categorias de análise, emersas do objeto de leitura e da intimidade com ele.
Se os jornalistas montassem um projeto de pesquisa de linguagem e estudassem os escritores contemporâneos bem como os clássicos, seriam narradores mais eficientes e expressivos. A partir da leitura cultural da literatura, assim como a partir da leitura cultural das vivências de
reportagem, os mediadores da informação coletiva, poderiam incorporar as seguintes competências: a) percepção e observação do real disciplinadas para a narrativa da complexidade, neutralizando o comodismo simplificado das fórmulas de trabalho (do tipo responder esquematicamente ao quem, o quê, onde, quando, como e por que); b) enriquecimento do repertório de informações, conceitos e situações socioculturais, a fim de se operacionalizar a interpretação e a inter-relação dos dados; c) armazenamento de opções para colocá-las em prática no discurso da ruptura: do monólogo do poder ao triálogo inter-regulador da mediação social; da palavra burocrática à palavra reveladora; da descrição pretensamente objetiva dos fatos à narração viva da cena social; do narrador autocrático ao narrador mediador e mutante, sutil e discreto, democrático e polifônico; da retórica pseudo referencial à expressão sintético-analítica do fato social. (MEDINA, s.d.)
Na sociedade telemática ou sociedade da informação (pós-industrial), mais do que na industrial, faz-se necessário o jornalista reconhecer que seu papel de colher informações e declarações no real imediato não se restringe à objetivação da entrevista, mas principalmente à subjetivação da interação humana ali representada. Para MEDINA: “se o mediador procura vozes pluralistas – dos anônimos oscilantes, aos portadores do discurso do poder e àqueles críticos, que lhe fazem oposição – e as faz representar nas suas reportagens, processa-se, pela mediação do discurso do jornalismo, a comunicação trialética: emissor de mensagens, mediação social e recepção, que se interagem alimentadas pelo tônus participativo”. Esta comunicação urge ser posta em prática, antes do processo de degenerescência total de uma sociedade que, caminha a passos largos, para a falta de diálogo (comunicação e entendimento), onde tudo se revolve pelo “berro” esquizofrênico. CAMARÃO, Paulo César Bhering. Glossário de Informática. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora, 1989. MARCONDES FILHO, Ciro. Jornalismo fin-de-siècle. São Paulo. Scritta Editorial, 1993. MEDINA, Cremilda de Araújo. Povo e personagem. São Paulo, USP, tese de livre-docência. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. São Paulo, Editora Ática, 1987.
Lílian Márcia Chein Féres é Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, bacharel em Comunicação Social pela FACOM/UFJF, membro do LabCom da Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior, doutoranda em Ciências da Comunicação pela UBI/Portugal e empresária (www.parakalo.pt).