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A Opção pelo Esquecimento

Marcos Costa Lima

Em geral tem-se falado em Neurologia cognitiva quando aparece como uma anormalidade a dimensão do esquecimento, da perda de memória, do alzeheimer, entre outros sintomas vinculados ao esquecimento e a perda de memória.

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Mas o que quero tratar aqui é da preocupação quando se trata de fenômeno coletivo, nas esferas de governo, nas instituições e em escala midiática global. Evitar o medo, ou pior, o pânico. E aqui vale o adágio popular “o pior cego é aquele que não quer ver”, porque dessa forma ele se torna conivente com os males que afligem a sociedade e protege os que oprimem.

No caso, a dimensão ambiental, e mais, a emergência ambiental que vem nos batendo a porta, já desde os anos 1970, que não tem tido uma preocupação a altura por parte dos governantes. Quando pensamos em governos europeus, estes têm uma preocupação nos próprios territórios, muitas vezes invejável, mas em função de práticas coloniais ainda bem vivas, suas multinacionais são amplamente desrespeitosas nas casas alheias.

Este breve artigo tem por objetivo evidenciar os alertas apresentados pela comunidade científica e pela própria ONU, através da realização das COPs anuais, que tem afinado seus instrumentos de medida e aferição do aquecimento global. O mais chocante, além da inércia dos poderes governamentais, é fazer de um fenômeno que está a ameaçar a civilização humana no planeta como se fosse algo facilmente tratado pela ciência. O que é falso, e a discussão teórica sobre o Antropoceno nos diz a respeito: as épocas geológicas foram definidas no século XIX, embora na época não fosse possível prever quanto o desenvolvimento tecnológico nos permitiria voltar no tempo. Especificamente, com a descoberta da datação radiométrica no início do século XX, a história geológica do nosso planeta tornou-se muito mais longa, estendendo-se a 4,5 bilhões de anos atrás. No entanto, continua sendo difícil definir com precisão em que época geológica estamos vivendo hoje; melhor: a resposta não é uma só (Vybarr Cregan-Reid, de Primate Change: How the world we made is remaking us, 2018 Octopus Publishing Ltda).

A primeira resposta, mais tradicional, é que, desde o final da última era glacial, cerca de 11.700 anos atrás, estamos vivendo no Holoceno. Esta época é uma fase relativamente estável e quente da história da Terra, que se seguiu a um período glacial que, como Vybarr Cregan-Reid aponta, durou 100.000 anos. Um dos elementos que precisa ser entendido é que, por Holoceno, entende-se um período de tempo relativamente breve; a era anterior, o Pleistoceno, durou 2,5 milhões de anos. O autor destaca como, em particular, a última glaciação teve significativos efeitos no corpo humano: houve pelo menos vinte ciclos de congelamento e aquecimento e, em média, as temperaturas globais foram cinco graus mais baixas que as atuais. O planeta era mais árido e havia muito menos água na atmosfera, pois a maioria estaria presa nas espessas calotas polares. Era um ambiente difícil para o Homo sapiens e, se não fosse por essas condições, talvez ainda existissem no planeta hoje outras espécies humanas diferentes da nossa.

A segunda resposta possível é que estamos vivendo no Antropoceno (do grego anthropos, “humano” e kainos, “recente” ou “novo”). O termo foi cunhado pelo ganhador do Nobel Paul Jozef Crutzen, químico atmosférico (Paul J. Crutzen, Benvenuti nell’Antropocene. L’uomo ha cambiato il clima, la Terra entra in una nuova era. Sagrate. Mondadori. 2005). O nome está a um passo do reconhecimento oficial. Os estudiosos que determinam que tempos e nomes devem ser admitidos são os membros da International Union of Geological Sciences (IUGS), fundada em 1961, com o objetivo de iniciar a cooperação internacional no campo da geologia (“A humanidade já ultrapassou os limites da resiliência do Planeta, artigo de José Eustáquio Diniz Alves,” in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 3/10/2018, https:// www.ecodebate.com.br/2018/10/03/a-humanidade-ja-ultrapassou-os-limites-da-resiliencia-do-planeta-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.)

O peso das atividades antrópicas já ultrapassou os limites da resiliência da Terra,

como nos diz o demógrafo José Eustaquio Diniz. O crescimento do consumo é apenas um lado da equação. Não se pode ignorar o outro lado da equação que é o crescimento populacional. O déficit ambiental nacional ocorre quando a multiplicação do padrão de consumo (pegada ecológica) pelo volume da população excede a biocapacidade do país. Globalmente o déficit estava em 70% em 2014 e crescendo. O sucesso do progresso humano se deu às custas do retrocesso ambiental.

O principal recado, mais uma vez, do sexto Relatório de Análise (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), teve seu terceiro e último fascículo publicado no início desta semana, 4 de abril. Os dois primeiros blocos (divulgados em agosto de 2021 e fevereiro de 2022) trataram das evidências científicas do aquecimento global, das suas consequências para o clima do planeta e para a espécie humana, e da necessidade urgente de preparação e adaptação a essas mudanças. Já este terceiro fascículo descreve o que é necessário fazer para impedir que a situação piore ainda mais daqui para frente — as chamadas “medidas de mitigação”. E atenção: o cenário não é nada bom (Escobar, 2022 in https://jornal.usp.br/ciencias/emergencia-climatica-solucoes-existem-mas-e-preciso-agir-agora/ acesso em 21/04/2022).

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, chegou a classificar o relatório como um “arquivo da vergonha”, elencando todas as “promessas vazias que nos colocam firmemente no caminho para um mundo inabitável”. “Estamos em um caminho rápido para o desastre climático”, sentenciou ele, em um duro discurso no dia 4.

Os números assustam: as emissões globais de gases de efeito estufa (GEEs) na década de 2010 a 2019 foram as maiores de todos os tempos. Ou seja, a espécie humana nunca jogou tanto gás carbônico na atmosfera como agora, apesar de todos os alertas, desastres e acordos climáticos das últimas décadas. A média no período foi de 56 bilhões de toneladas lançados na atmosfera por ano; 9 bilhões a mais por ano do que na década anterior (2000-2009) e bem mais do que em qualquer outro período da história humana.

Ainda mais certeza, pois cerca de dois terços dessas emissões, segundo o relatório, são de dióxido de carbono (CO2) gerado pela queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) na indústria, principalmente para a geração de energia e transportes. As emissões de CO2 oriundas das chamadas “mudanças de uso do solo e florestas” são 11% do total, enquanto que as de metano (CH4) respondem por 18%, segundo o relatório. É nessas duas últimas categorias que o Brasil dá sua maior contribuição para o aquecimento do planeta, por meio do desmatamento (que libera quantidades enormes de CO2 para a atmosfera) e da agropecuária (que é uma grande fonte de CH4), como mostra o último relatório do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima.

Para que tenhamos uma chance razoável (acima de 50%) de manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC — que é o “limite de segurança” estipulado pela ciência e definido como meta pelo Acordo de Paris — as emissões globais de GEE precisam parar de subir até 2025, no máximo, e depois cair

43% até 2030, segundo o relatório. Para um limite de 2ºC, essa redução precisa ser de 25%.

“Mais do que qualquer outro relatório lançado (até agora), este aponta a necessidade da urgência de redução de emissões”, disse o pesquisador Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, sobre o tema, organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “O relatório fala que nós precisamos agir já”, completou ele, ressaltando que as mudanças climáticas não são mais uma preocupação do futuro, mas “uma questão do presente”.

Chega de Oblivion. A sociedade Civil mundial tem que se planejar para uma agenda efetiva e bem estruturada, inclusive ampliar suas exigências sobre a ineficácia dos governos.

Marcos Costa Lima é Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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