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de carreira) no jornalismo

Rui Miguel Pereira Caeiro

Baixos salários, excesso de trabalho, declínio de independência editorial e falta de perspectivas profissionais: segundo Camarotto (2019), são esses os principais motivos que, pelo menos desde 2009, têm levado diversos/as jornalistas experientes do Diario e da Folha de Pernambuco – dois dos jornais pernambucanos de maior circulação – a migrar para empregos no governo estadual ou municipal (assessoria, relações públicas etc.). Em que pesem as particularidades de cada contexto, os dados relatados são reflexo de um fenômeno que, não sendo completamente novo – com base em questionários aplicados em 31 países (Brasil incluído) ao longo de 15 anos (1996-2011), Willnat, Weaver e Choi (2013, p. 166) já apontaram a tendência de jovens ingressarem na profissão “para ganhar alguma experiência antes de saírem para empregos mais estáveis e lucrativos em outros campos” –, também não apresenta tendência de inversão: dos 181 indivíduos que, em 2019, trabalhando nas principais empresas de jornalismo no Recife, participaram de estudo sobre condições de trabalho e regulação da mídia (CAEIRO, 2022), apenas um em cada três não pensava abandonar a profissão no prazo de três anos; também nesse caso, o motivo mais vezes mencionado foi a baixa remuneração, seguido da não realização profissional e das insuficientes condições de autonomia profissional. Saídas prematuras, voluntárias ou não, de redações de veículos noticiosos estão, assim, diretamente relacionadas aos elevados índices de precariedade laboral que afetam o setor, não raras vezes bem conhecidos daqueles/as que escolhem a profissão – e, quando não, que deles depressa se tornam próximos/as. É, julgo, essa familiarização – uma socialização na precariedade –, como ela é construída (concretizada e, não menos importante, pensada), que também contribui para a reprodução de tal realidade.

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Por “socialização na precariedade”, faço referência à aprendizagem sobre o ser e se fazer jornalista (e, consequentemente, jornalismo), processo coordenado por, ao menos, dois elementos: a valorização do papel social que é atribuído à profissão (de modo geral, o serviço à população em sociedades democráticas) e a normalização da precariedade laboral (constituída – no seio de relações capitalistas orientadas por uma governabilidade neoliberal – como característica, e não exceção, da profissão). Nesse contexto, uma das principais competências que aspirantes à posição de jornalistas aprendem é a disponibilidade constante, não apenas porque a profissão, como outras que estão orientadas para o serviço público, o “exige”, mas porque a entrada no competitivo mercado de trabalho é assumida como bastante difícil, nunca estando a permanência – muitos menos, a progressão – assegurada. Tal adequação à disponibilidade para o trabalho (precário) começa, se não antes, durante a frequência dos cursos de graduação, período em que a procura de realização de estágios tem início desde cedo – tanto porque são tidos como oportunidades para a conquista de experiência, conhecimentos e contatos profissionais, quanto devido à antecipação do prazer pelo trabalho, onde, para além da construção de relações interpessoais positivas, gostos e competências pessoais que tendem a coordenar a escolha da profissão poderão ser colocados em prática e alcançar maior visibilidade. A centralidade do trabalho-profissão na vida daqueles/ as que optarem e conseguirem permanecer nele será uma constante, aspecto que, frequentemente, tem consequências negativas em outras dimensões, como a da saúde e das relações familiares. Para isso, apontam as entrevistas realizadas com alguns/umas dos/as jornalistas que, em 2019, trabalhavam em veículos com sede no Recife (CAEIRO, 2022): no início da carreira, Elis (os nomes de entrevistados/as são fictícios) foi hospitalizada duas vezes com desidratação porque não se “alimentava, não dormia, só trabalhava [...] foram seis meses assim... mal, por conta dessa dedicação extrema”; outro exemplo é Adriano, que, relembrando um longo período em que, mensalmente, tinha apenas um fim de semana livre para a família, permanecendo na redação, em média, dez horas diárias, questiona:

quando volta [para casa], você acha que consegue fazer mais alguma coisa? Você está tremendo, estressado, morto. Você toma banho, come alguma coisa e só quer... aí não pode nem dormir, porque você precisa ler, precisa se informar, precisa ver todos os telejornais da noite para amanhã às cinco da manhã estar acordado [risos] de novo no batente. Você não tem vida pessoal. Não tem, esqueça.

Entretanto, apesar dos insatisfatórios ganhos materiais e das influências negativas na qualidade de vida, somente seis dos/ as 115 jornalistas no Recife que conjecturavam abandonar a profissão indicaram como motivo o excesso de tempo dedicado ao trabalho, aspecto que pode estar relacionado ao fato de as longas jornadas – durante e após o horário de expediente – nem sempre serem consideradas excessivas, seja porque “o” jornalista, figura profissional idealmente orientada pela constante produção de notícias (em que são invisibilizados outros marcadores e papéis sociais, como os de gênero e parentalidade), não tem períodos de descanso definidos, seja porque os/as jornalistas, trabalhadores/as precarizados/as, antecipam a possibilidade de compensadores ganhos em médio-longo prazo (por exemplo, progressão na carreira) se apresentarem elevado envolvimento com a profissão (CAEIRO, 2022). Tal orientação ajuda a compreender (mas não explica por completo) porque elevados índices de insatisfação laboral e frequentes descumprimentos a direitos trabalhistas (que podem ser comprovados, por exemplo, através dos comunicados emitidos pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco nos últimos anos) não reverberam em majoritárias taxas de sindicalização no país. Para Moreira (2015, p. 111), o que poderia ser compreendido como algo paradoxal é, na verdade, “resultado de uma opção consciente, baseada numa visão identitária que coloca o jornalista como um intelectual, distante, portanto, da realidade plena de dificuldades e de lutas que compõem o universo das demais categorias profissionais”. Ainda que concorde com a hipótese de que o processo histórico da construção da identidade jornalística, mais fortemente ancorada na noção de “profissional” do que de “trabalhador/a”, seja importante variável a ter em conta, julgo que ela não explica por completo o aparente paradoxo: a ela, para além de outras eventuais (como sejam as relações entre instituições – sindicatos, universidades etc. – e indivíduos – jornalistas –, influenciadas por transformações sociais mais abrangentes – a exemplo da reforma trabalhista que, desde o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu direitos e organizações representativas da sociedade civil), é importante considerar as condições materiais que alimentam o ciclo de precarização e individualismo, perceptível nas falas de dois outros jornalistas entrevistados no já citado estudo (CAEIRO, 2022):

existe muito conformismo... todo mundo precisa pagar as suas contas, a gente é trabalhador também... a gente é explorado também. E... somos o elo mais fraco da corrente... temos muito medo de... se envolver em sindicalismo. Lá na redação, tem um sindicalista. A TV não pode demiti-lo. Mas a TV tirou ele do cargo que tinha... e deixou ele na redação, à deriva. Quem quer isso? Pior do que isso, não sei se fica, era melhor pedir demissão. Mas o cara tem família (EMANUEL). hoje, infelizmente, a grande preocupação do jornalista é: manter o emprego... e ter sanidade [risos] para conseguir estar nesse emprego, sabe? Você tem pouco tempo para cuidar de si... e menos tempo ainda para se engajar em causas de melhoria da categoria (ELAINE).

Ponto importante: a precariedade no jornalismo – como em outros campos – não afeta apenas aqueles/as que desenvolvem, ou prematuramente abandonam, esse trabalho-profissão. Demissões, juvenilização, rebaixamento salarial, contratos precários, densificação do trabalho, elevados níveis de adoecimento físico e mental, bem como incertezas sobre o futuro, são aspectos que têm influência direta sobre a autono-

mia profissional e qualidade das produções jornalísticas, fundamentais, como tantas vezes já demonstrado na história do país, ao desenvolvimento e aprimoramento (ou o contrário) de uma sociedade democrática. Nesse trajeto, nunca finalizado, resta a abertura para a crítica e o diálogo, a construção de alianças solidárias e identificação de afastamentos necessários, a recusa de precárias soluções individuais para problemas coletivos que, ainda na atualidade, são alimentados pela pretensa inevitabilidade de um destino sem histórias ou sujeitos.

Referências

CAEIRO, Rui. Relações que moldam o

campo jornalístico: estudo com foco nas percepções de jornalistas sobre condições de trabalho e regulação da

mídia. Tese de doutorado. Recife e Covilhã: doutoramento em Comunicação. Universidade Federal de Pernambuco e Universidade da Beira Interior, 2022, 361f. CAMAROTTO, Murillo. Local media in Bra-

zil: draining the newsrooms in the

country’s poorest region. Oxford: Reuters Institute for the study of Journalism, 2019. MOREIRA, Manoel. Do partidarismo à in-

formação: as mudanças estruturais no jornalismo brasileiro e a formação

dos impérios midiáticos. Tese de doutorado. Brasília: doutoramento em Comunicação. Universidade de Brasília, 2015, 214f. WILLNAT, Lars; WEAVER, David; CHOI, Jihyang. The global journalist in the twenty-first century, a cross-national study of journalistic competencies. Journalism Practice, v.7, n.2, 2013, p.163-183.

Luciana Ferreira é Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade da Bira Interior e Pesquisadora associada ao LabCom.UBI.PT.

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