Antissemitismo
SHAKESPEARE E OS JUDEUS POR ZEVI GHIVELDER
ESTA INCURSÃO NUMA POLÊMICA QUE ATRAVESSA SÉCULOS PODERIA SER INTITULADA “SHAKESPEARE E UM JUDEU”, SENDO ESTE JUDEU O PERSONAGEM SHYLOCK NA PEÇA “O MERCADOR DE VENEZA”. ESTUDIOSOS APONTAM NESTA OBRA UMA NÍTIDA POSTURA ANTISSEMITA, ENQUANTO HÁ QUEM TENHA UMA VISÃO MAIS INDULGENTE SOBRE O DITO JUDEU. EMBORA ASSINALADA COMO COMÉDIA, A PEÇA TEM UM DESFECHO DESONROSO PARA SHYLOCK E SUA FÉ.
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té o final do século 15, os poucos judeus, na realidade, conversos1, que viviam na Inglaterra, além de esconder suas práticas religiosas, começaram a acolher moderada quantidade de irmãos de fé que haviam sido expulsos da Espanha e Portugal. Os conversos ocultavam suas origens, conservando nas sombras, na medida do possível, seu Judaísmo, suas leis e tradições. Durante o reinado de Henrique VIII (1491-1547) esses conversos viviam com relativa tranquilidade em Londres e Bristol devido à influência da família Mendes junto ao trono real. Os Mendes, conversos portugueses, controlavam grande império comercial e inclusive haviam concedido um vultoso empréstimo ao soberano. Um dos mais destacados membros da comunidade era o médico e comerciante Heitor Nunes, em cuja residência funcionava em sigilo uma sinagoga. Outro famoso converso foi Rodrigo Lopes, que se estabeleceu em Londres, fugitivo
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da Inquisição em Portugal. Ele foi alçado à condição de médico particular da rainha Elisabeth I. Em 1594, vítima de intrigas políticas e palacianas, foi acusado de tentar envenenar a rainha. Foi preso, julgado e condenado à morte. O trágico destino de Lopes fez com que muitos conversos deixassem a Inglaterra. William Shakespeare nasceu em 1564 em Stratfordupon-Avon, a cerca de 150 quilômetros de Londres. Tinha, portanto, 30 anos de idade quando Lopes foi executado. Em função do contexto histórico da época, é pouco provável que o dramaturgo tivesse conhecido algum judeu, a não ser que frequentasse a chamada “casa dos conversos”, existente em Londres, local destinado aos procedimentos litúrgicos pelos quais, em caráter formal, os judeus se convertiam ao Cristianismo. Em nenhuma das muitas biografias de Shakespeare há qualquer alusão à sua eventual passagem ou presença naquele lugar. Ademais, o fato de ter escolhido o inusitado nome Shylock2 para seu personagem, indica que não tinha contato com nomes usuais dos judeus provenientes da Europa Central.
Desde a expulsão dos judeus em 1290, pelo rei Eduardo I, era proibido aos judeus praticantes viver na Inglaterra; quem lá queria permanecer devia se converter ao Cristianismo. Shylock teve sua figura de judeu pintada com cores tão fortemente antissemitas, que esta palavra, na língua inglesa, entrou para o seu dicionário com o significado de agiota, usurário.
Por que, então, o jovem William Shakespeare fez avultar a figura de um judeu, o vilão Shylock, na peça O Mercador de Veneza, que escreveu entre 1596 e 1598? 30