Revista Morashá - ed 111

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ANO XXVIII - Junho 2021 - Nº 111 Shulchan Lechem HaPanim (Mesa dos Pães da Proposição)

Coordenação Editorial: Vicky Safra Assistentes de Coordenação: Clairy Dayan Fortuna Djmal Revisão e tradução de texto: Lilia Wachsmann Assessora Internacional: Muriel Sutt Seligson Supervisão Religiosa: Rabino Y. David Weitman Rabino Efraim Laniado Rabino Avraham Cohen Jornalista Responsável: Desirée Nacson Suslick MTb 13603 Colaboradores especiais: André Lajst Eduardo Shor Jaime Spitzcovsky Maria Luiza Tucci Carneiro Tev Djmal Zevi Ghivelder Consultor: Marcello Augusto Pinto Coordenação de Marketing: Ronaldo Mauro Erlichman Thais Sznajdleder Simeliovich Produção Gráfica: Joel Rechtman JR Graphiks - Tel: 3873 0300 Projeto Gráfico: LEN - Tel: 3815 7393 Serviços Gráficos: C&D Editora e Gráfica - Tel: 3862 8417 Tiragem: 28.750 exemplares

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Carta ao leitor Em Tisha b’Av, dia nacional de luto do Povo Judeu, lamentamos a queda de Jerusalém e dos seus Templos Sagrados. Após a destruição do Segundo Templo, o Povo Judeu foi exilado da Terra de Israel e, por quase 2.000 anos, foi impedido de retornar à sua Terra pelas nações que a ocuparam. Onde quer que vivesse, nosso povo sofria perseguição e discriminação, humilhações e pogroms. Impedido de seguir sua fé, foi alvo de expulsões, conversões forçadas e tortura pela Inquisição. E a culminação de dois mil anos de antissemitismo foi o Holocausto, quando quase sete milhões de judeus foram assassinados. Por trás de todo esse ódio gratuito estavam as inúmeras calúnias disseminadas, ao longo de milênios, sobre o Povo de Israel. Acreditava-se que a forma de pôr um fim ao antissemitismo seria o retorno do Povo de Israel à Terra de Israel e a fundação de um Estado Judeu. Mas, infelizmente, as antigas inverdades e calúnias disseminadas, ao longo dos milênios, sobre nosso povo hoje são atribuídas ao Estado Judeu. O Estado de Israel é a única democracia no Oriente Médio. É um dos países mais livres e avançados do mundo. É um pioneiro na área de Tecnologia e Saúde. Tem uma imprensa livre e todos os seus cidadãos têm direito ao voto. No Knesset – o Parlamento israelense –, há partidos de direita, centro e esquerda, religiosos e laicos, e até mesmo partidos árabes que se opõem à própria existência do Estado de Israel. Como escreveu o Dr. Tawfik Hamid, escritor egípcio e muçulmano: “É preciso confessar honestamente que Israel é o único farol de democracia, civilização e direitos humanos em todo o Oriente Médio”. Infelizmente, esse “farol” é o país que mais sofre condenações nas Nações Unidas. Além disso, é alvo de ataques de políticos e celebridades e de alguns segmentos da imprensa internacional - que comparam Israel aos regimes mais hediondos já conhecidos pelo homem. Essas calúnias são particularmente perigosas porque fomentam o antissemitismo. A afirmação de que antissionismo não é antissemitismo provou ser uma fachada para que “antissemitas politicamente corretos” incentivem o ódio contra o Povo Judeu. Em maio deste ano, foram lançados mais de 4.000 mísseis contra as principais cidades de Israel, inclusive Jerusalém – atingindo sua população civil.

Quando Israel respondeu com ataques precisos para se defender e neutralizar esses lançamentos, foi acusado de crimes de guerra. Tais acusações, injustas, atiçam o antissemitismo mundo afora. Hoje, os judeus estão sendo atacados na Europa e nos Estados Unidos e as agressões gratuitas e antissemitas povoam as redes sociais. Felizmente, o Povo Judeu tem, hoje, seu país e seu exército, que irá defender seus cidadãos e zelar por nós, judeus da Diáspora. O Estado de Israel não acabou com o antissemitismo, como era esperado, mas continuará sendo um baluarte de defesa para nosso povo. Quanto às afirmações falsas e injustas ditas sobre Israel, o que podemos dizer é que mentiras a respeito do Povo Judeu são disseminadas, há milênios. E nós já as conhecemos... É importante ressaltar que o Povo Judeu conta com o apoio de inúmeros países, inclusive na Europa, que nos têm manifestado seu apoio de várias formas. Inúmeros são os líderes, jornalistas e pessoas influentes que nos têm apoiado, bem como nossos amigos cristãos – evangélicos e católicos – que sabem que o retorno do Povo de Israel à sua Terra é a realização de profecias bíblicas. Tanto nossos Sábios como a própria História nos ensinam que as tragédias sofridas por nosso povo ocorreram quando havia falta de união entre nós. Unidos somos mais fortes. Foi assim que sobrevivemos às longas dispersões e sobreviremos agora. Não podemos deixar que a ameaça de violência nos faça furtar-nos à nossa identidade judaica. No dia de Tisha b’Av, ao refletir sobre as tragédias de nosso passado, refletiremos, também, sobre os triunfos de nossa gente. E, vamos seguir adiante na tarefa que D’us nos ordenou: tornar este mundo um lugar melhor para todos, ajudando a que se cumpra a visão do Profeta Isaías, de que virá o dia em que “...cada nação não levantará contra outra sua espada, e não aprenderão mais a arte da guerra”.


ÍNDICE

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03 carta ao leitor

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06 nossas LEIS

POR ZEVI GHIVELDER

Um comentário

sobre o Shemá Israel

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CAPA

O Shulchan e o Pão da Proposição

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JUDAÍSMO

Tishá b’Av e o retorno à Jerusalém

HISTÓRIA

Herzl depois de Herzl

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ATUALIDADE

Israel e a calúnia do apartheid por andré Lajst

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COMUNIDADES

Um ABC Paulista e judaico

por EDUARDO SHOR

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06

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nossos sábios

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Rabino Dr. Twerski, ZT”L

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brasil

Valorizando vidas

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destaque

arte

Lasar Segall: artista-símbolo dos judeus na Diáspora

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israel

Cuidando dos filhos de Israel

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shoá

por maria luiza tucci carneiro

Reuven Rivlin, o presidente do diálogo

Oculta sob os holofotes

75

POR jaime spitzcovsky

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cartas junho 2021


nossas LEIS

Um comentário sobre o Shemá Israel O Shemá Israel consiste de três passagens da Torá – Deuteronômio 6:4-9 e 11:13-21, e Números 15:37-41. Há uma obrigação que recai sobre todos os homens judeus, ordenando-lhes dizer o Shemá Israel duas vezes ao dia – uma após o anoitecer e outra pela manhã. Segundo a maioria das opiniões (Talmud Bavli, Berachot 21a), essa obrigação é um mandamento da Torá e não uma lei rabínica. Essa é, pois, uma das razões para o Shemá Israel ser parte integral de nossas orações matutinas e vespertinas.

A

importância da recitação do Shemá Israel é destacada pelo fato de que as leis de como cumprir adequadamente esse mandamento constituem o primeiro assunto discutido pela Torá Oral, isto é, a Mishná e a Guemará (Talmud). As primeiras palavras do primeiro tratado do Talmud são “Acerca de quando podemos recitar o Shemá ao entardecer?” (Mishná, Tratado Berachot, capítulo 1).

A afirmação de que “o Eterno é Um” é a rejeição do politeísmo, dualismo e trindade, e de qualquer outra concepção de D’us contrária à da Torá. A Unicidade de D’us também significa que apenas a Sua Existência é absoluta e incondicional, atemporal e eterna. Comparada à verdade da Existência Divina, nenhuma outra realidade é absoluta: a existência de tudo além de D’us é condicional e tênue. O conceito de que somente a existência Divina é absoluta é encontrado em um versículo da Torá que faz parte do Aleinu LeShabeach, que recitamos ao término de todas as nossas orações: “...o Eterno é D’us, acima nos Céus e embaixo, na Terra; não há nada (além d’Ele)” (Deuteronômio 4:39). Isso significa que nos Céus e mesmo na Terra, somente D’us existe verdadeiramente: a existência de tudo o mais é condicional, pois é absolutamente dependente d’Ele. Em outras palavras, enquanto D’us é atemporal e eterno, a criação – que teve um início – existe apenas pelo fato de que D’us a sustém, continuamente.

Apesar de ser relativamente curto, o Shemá Israel sintetiza os principais temas do Judaísmo. Nosso propósito com este trabalho é dar aos leitores uma tradução1 e uma breve, mas relevante, elucidação do Shemá Israel, para que possam recitá-lo com mais compreensão.

Primeira porção do Shemá Israel (Deuteronômio 6:4-9) Ouça, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um. O primeiro versículo do Shemá Israel é uma proclamação do princípio fundamental do Judaísmo – o monoteísmo absoluto. O conceito da Unicidade de D’us, de Sua Unidade e Singularidade, é a essência da Torá.

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É importante observar que qualquer tradução é, em si, uma interpretação. Traduzimos aqui o texto do Shemá Israel da forma como o interpretaram nossos Sábios.


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OUÇA Ó ISRAEL, 1910-1915. ÓLEO SOBRE TELA. ISIDOR KAUFMANN

A Unidade e Unicidade de D’us é a base do Judaísmo, um assunto de tal profundidade e grandiosidade que seu escopo em muito extrapola este trabalho. Escrevemos um artigo sobre o tema, “A Unicidade de D’us”, publicado em Morashá (Edição 60, abril de 2008), mas recomendamos a nossos leitores o estudo do trabalho Derech Hashem (O Caminho de D’us), do Rabi Moshe Chaim Luzzatto2, e Shaar HaYichud ve’HaEmuná (O Portal da Unidade e da Fé), do Rabi Shneur Zalman de Liadi3. Bendito seja o nome de Seu glorioso Reino por toda a eternidade.

A frase Baruch shem kevod malchuto le’olam va’ed era recitada no Templo Sagrado de Jerusalém como resposta – semelhante ao nosso “Amén” sempre que o Tetragrama Divino era pronunciado em uma prece. Era também recitada em Yom Kipur quando o Sumo Sacerdote, o Cohen Gadol, mencionava o Nome de D’us no Templo Sagrado.

MEZUZÁ ANTIGA EM PRATA

Após pronunciar o primeiro versículo do Shemá Israel, há o costume de

dizer, em voz baixa, Baruch shem kevod malchuto le’olam va’ed (Bendito seja o nome de Seu glorioso Reino por toda a eternidade).

Conhecido como o Ramchal. 3 O Baal HaTanya, o autor do Tanya, Rebe fundador da Dinastia Chassídica ChabadLubavitch.

Como essa frase não faz parte da Torá, ela é sussurrada – exceto em Yom Kipur, quando é recitada em voz alta.

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Os Sábios dão duas razões para o fato de recitarmos esse versículo em voz baixa. Segundo a tradição, no leito de morte de nosso terceiro Patriarca, Yaacov, seus filhos afirmaram sua lealdade a D’us com a proclamação do primeiro versículo do Shemá Israel. O Patriarca respondeu com as palavras Baruch shem kevod malchuto le’olam va’ed. Nossos Sábios ensinam: “Devemos dizer essas palavras em nossas orações porque nosso Patriarca JUNHO 2021


NOSSAS LEIS

Divina significa que nada realmente existe além de D’us, é possível que nosso mundo seja uma mera ilusão? Será todo o universo - que é finito nulo e inexistente perante a Infinitude de D’us? Vários místicos orientais assim o creem. Mas a Torá nos ensina o contrário. E, portanto, imediatamente após proclamar que D’us é Um, recitamos – ainda que em sussurros – “Bendito o Nome de Seu glorioso reino por toda a eternidade”, declarando assim que o mundo – o reino de D’us – realmente existe: não é uma ilusão e tudo o que fazemos em nossa vida tem profundas consequências.

Yaacov o fez? Sim, devemos. Mas, por outro lado, essa frase não está na Torá. Portanto, devemos pronunciá-la em voz baixa” (Talmud Bavli, Pessachim 56a). A outra razão por que não recitamos essa frase em voz alta é porque Moshé a ouviu da boca dos anjos – e ele a ensinou aos Filhos de Israel. E nós não ousamos repeti-la em voz alta pois não somos dignos de usar uma frase angelical. Em Yom Kipur, no entanto, quando o Povo Judeu se eleva ao nível espiritual dos anjos, podemos proclamá-la em voz alta (Midrash, Devarim Rabbah 2:36). A frase “Bendito é o nome de Seu glorioso reino por toda a eternidade” complementa a proclamação “Ouça, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um”. O primeiro versículo do Shemá Israel declara a Unicidade de D’us de forma que nega a existência do mundo, pois, como

explicamos acima, a Torá nos ensina que “o Eterno é D’us, acima nos Céus e embaixo, na Terra; não há nada” além d’Ele. No entanto, essa afirmação levanta uma premente questão teológica: se a Unicidade

Colocação do Tefilin do braço

E amarás ao Eterno, teu D’us, com todo o teu coração e com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Rashi, autor do comentário clássico sobre a Torá, elucida esse versículo da seguinte maneira: “Cumpra Seus mandamentos por amor, não por temor, pois aquele que serve levado pelo amor é incomparavelmente superior àquele que serve por temor. Isto porque no caso de quem serve seu mestre levado pelo medo, se o mestre exigir muito dele, ele o deixará e partirá”. Mas surge a pergunta óbvia: Como o amor é uma questão de emoção humana, como é possível ditar leis sobre o amor se o indivíduo não pode suscitar esses sentimentos? Maimônides, o Rambam, explica de que maneira a Torá pode compelir o homem a amar a D’us: “Ao contemplar a grandeza Divina, a complexidade de Sua criação e Sua

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simultânea preocupação com o bemestar de todas as criaturas, por mais insignificantes que sejam, é possível condicionar-se a amar a seu Criador” (Yesodei HaTorah 2:1-2). Há ainda outra maneira pela qual o ser humano pode chegar a amar a D’us: contemplando sua própria vida e existência. Como está escrito na Torá: “Pois Ele é a tua vida” (Deuteronômio 30:20). A percepção de que D’us é a essência da vida; de que Ele é a fonte da vida – e não apenas do universo como um todo, mas também de nossa própria existência – leva muitos seres humanos a ansiar por D’us com toda a sua força e energia. No Livro de Isaías, há um versículo que diz: “Minha alma Te tem buscado a cada noite” (Isaías 26:9). O Zohar, obra fundamental da Cabalá, explica o significado mais profundo desse versículo: “Tu, que és verdadeiramente minh’alma, origem verdadeira da minha vida – a Ti almejo, por Ti anseio em meio à noite, na escuridão e no ocultamento da existência” (Zohar III, 67a). A percepção de que D’us não é apenas quem dá a vida, mas que Ele é a nossa própria vida, faz despertar e revelar um amor infinito por Ele – o desejo de O alcançar, de estar próximo a Ele, de com Ele sempre estar. Haláchico: relacionado à Halachá – a lei religiosa judaica. 5 A etimologia da palavra Totafot é obscura. Onkelos e Rashi a traduzem como o Tefilin da cabeça. A palavra Totafot está no plural porque o Tefilin que é colocado na cabeça, diferentemente do Tefilin que é amarrado no braço, contém quatro compartimentos. 6 No Judaísmo, um menino de 13 anos é considerado homem e, portanto, obrigado a cumprir os mandamentos da Torá. Com essa idade ele celebra o seu Bar-Mitzvá, e se torna, como diz o significado literal da expressão, “filho de uma mitzvá”. 4

NUMA SINAGOGA CHASSÍDICA. YOSEF SCHNEIDER (1848-1893). SEGUNDA METADE DO SÉCULO 19. ÓLEO SOBRE TELA

Em seu Sefer HaMitzvot, o Rambam explica que o mandamento de amor a D’us também compreende a obrigação de conclamar toda a humanidade para servir a D’us e n’Ele crer, assim como o fez nosso Patriarca Avraham.

incorporar em nossa alma. Rashi o explica: nosso tópico principal de conversa devem ser palavras de Torá – não as devemos relegar a um lugar de menor importância. Suas palavras devem ser tópico de vivo interesse, de manhã e à noite, em casa e fora dela.

Que estas palavras que hoje te ordeno, fiquem gravadas em teu coração. Ensina-as repetidamente a teus filhos, falando sobre elas em tua casa, ao andares, ao te deitares e ao te levantares.

As palavras “ao te deitares e ao te levantares” são a base para o preceito haláchico4 sobre os momentos em que devemos recitar o Shemá Israel: à noite e pela primeira parte da manhã.

Rashi explica que o mandamento que diz “ensina-as (referindose aos ensinamentos da Torá) repetidamente a teus filhos” também se refere aos alunos de um mestre, pois, segundo a Torá, um mestre é como um pai, e seu aluno, como seu filho. A frase “que estas palavras ... fiquem gravadas em teu coração” significa que a Torá é algo que devemos 9

E amarra-as como um sinal em teu braço e servirão de Totafot5 entre teus olhos. Esse versículo nos ordena o cumprimento de um dos principais mandamentos do Judaísmo, obrigatório a todos os homens judeus6 - a colocação diária dos Tefilin. Interessante notar que esse versículo é uma clara indicação da existência e JUNHO 2021


NOSSAS LEIS

necessidade da Torá Oral, pois sem ela, o versículo é incompreensível. O que significa “amarra-as como um sinal em teu braço”? O que significa a palavra Totafot? Na Torá Oral temos a explicação de que esse versículo se refere ao mandamento de colocar Tefilin – no braço e na cabeça. E escreva-as nas Mezuzot (umbrais das portas) de tua casa e nos teus portões. A Torá Oral explica que essa frase se refere a outro mandamento central do Judaísmo: a colocação de uma Mezuzá em cada um dos umbrais de nossos lares e ambientes de trabalho. A Mezuzá é um pergaminho sagrado que contém os dois primeiros parágrafos do Shemá Israel. Ao tocar na Mezuzá a cada vez em que entram em seu lar ou local de trabalho, os judeus expressam seu amor a D’us e sua fé e aderência às palavras do Shemá Israel inscritas na Mezuzá.

Árvore de romã, rimon, em hebraico, comum em Eretz Israel

Segunda Porção do Shemá Israel (Deuteronômio 11:13-21) De modo diferente da primeira porção do Shemá Israel, que é dirigida individualmente a cada um dos judeus, grande parte da segunda porção é dirigida ao Povo Judeu, coletivamente. E acontecerá - se ouvires diligentemente os Meus mandamentos que Eu vos ordeno neste dia, para amar o Eterno, vosso D’us, e O servir com todo o vosso coração e com toda a vossa alma…

Mezuzá em prata, 13,5cm. Séc. 18

Esse versículo ordena ao Povo Judeu servir a D’us “com todo o vosso coração e com toda a vossa alma”. Como fazê-lo? O Talmud Babilônico (Talmud Bavli, Taanit 2a) ensina que “o serviço do coração” se refere à oração. O Rambam interpreta essa passagem como sendo uma obrigação de servir a D’us diariamente por meio da oração. Como “oração” é definida 10

pelo Talmud como o ato de servir a D’us com todo o nosso coração e com toda a nossa alma, fica evidente que rezar significa se dirigir a D’us com plena consciência, concentração e devoção. Pronunciar palavras sem intenção ou sinceridade não constitui a verdadeira oração. ... então darei a chuva para a vossa terra a seu tempo, a chuva precoce e a chuva tardia; colherás teu grão, teu mosto e teu azeite. Para quem trabalha a terra, além da quantidade anual de chuva, é muito importante a sua distribuição precisa ao longo do ano produtivo. Isto porque se as chuvas não vierem no tempo certo, ficará reduzida a fertilidade da terra e ainda que cresçam as plantas e as árvores, o curso de seu desenvolvimento será muito prejudicado. Darei erva em teu campo para teu gado, e comerás e te saciarás. Rashi explica o significado desse versículo: “Dispensarei uma bênção


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escrito: ‘Se fostes justo, o que destes a Ele? Se pecaste, como O afetaste?’ ( Jó 35:6-7).” O que esses versículos do Shemá Israel ensinam é que quando os seres humanos se distanciam da Origem de toda a vida e de toda a bênção, o resultado inevitável é nefasto, inclusive no âmbito físico. Assim como há leis naturais neste nosso mundo, também há leis espirituais, que o homem pode ignorar por sua própria conta e risco. A Torá nos alerta que a idolatria, que é a negação da Realidade Suprema, é extremamente nociva, especialmente porque trai o vínculo supremo existente entre o D’us de Israel e Seu Povo, o Povo de Israel. sobre o pão em teu estômago”. Isso significa que as pessoas se saciarão com o que ingerirem. Uma ideia semelhante se encontra na oração da Amidá, na bênção que pede prosperidade, quando pedimos a D’us: “Sacia-nos com Tua bondade”. A Torá nos ensina que o que traz a felicidade não é a riqueza, propriamente dita, mas sim, a capacidade de desfrutar do que ela nos proporciona. O ser humano pode ser coberto de bênçãos – pode alcançar todos os seus desejos materiais – e continuar a se sentir insatisfeito e infeliz. A verdadeira bênção é aquela que nos traz realização interior, felicidade, satisfação e gratidão. Talmud Yerushalmi, Peah 8b. 8 É importante observar que a abundância cedeu espaço à fome quando o Rei Achav menosprezou a Torá ao dizer que, apesar de sua geração praticar a idolatria, ela foi abençoada com chuva. Esta sua fala herética foi o que levou o Profeta Elias (Eliahu HaNavi) a decretar uma seca que duraria três anos (v. Livro dos Reis, capítulo 17). 7

Guardai-vos para que vosso coração não seja seduzido e vos desvieis e sirvais aos deuses dos outros e vos curvais perante eles. Pois então, a ira do Eterno se inflamará contra vós. Ele fechará os céus para que não haja chuva e a terra não dará seu fruto. Quando este versículo fala da ira Divina, está utilizando uma linguagem antropomórfica. Como ensina o Talmud: a Torá fala na linguagem do ser humano. Sendo assim, é errôneo e pueril pensar em D’us como sendo um Ser vingativo que “acerta as contas” com os seres humanos. O Talmud de Jerusalém ensina que D’us Infinito não é afetado, de forma alguma, por nossas ações. Mas sim, é o homem que colhe o que plantou – e, mais cedo ou mais tarde, – recebe de volta sua retidão ou sua iniquidade. Nas palavras do Talmud Yerushalmi (Nedarim 30b): “O ser humano compreende que (ao seguir os mandamentos do Altíssimo) ele está apenas se beneficiando. Pois está 11

Contudo, é importante observar que na época do Rei Achav, de Israel, reinava a idolatria e, ainda assim, seu reino gozou de prosperidade e saiu vitorioso em suas campanhas militares7. Nossos Sábios explicam a razão pela qual D’us não suspendeu as chuvas do Reino de Israel apesar de tão desenfreada idolatria: foi porque as pessoas daquela geração se amavam e se respeitavam, mutuamente, não havendo caluniadores em seu meio8. O amor e a união genuínos entre o Povo Judeu podem afastar as consequências extremamente prejudiciais de um pecado tão grave quanto a idolatria. Então, perecereis e sereis rapidamente banidos da boa terra que o Eterno vos dá. A Terra de Israel é diferente de todas as demais. Ainda que D’us seja o Criador e Mestre do universo inteiro e preencha e transcenda toda a existência, Ele escolheu a Terra de Israel como Sua Morada terrestre. Essa terra é imbuída de Divindade e o privilégio de nela viver está JUNHO 2021


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condicionado a um comportamento condizente com o que seu Dono e Senhor espera de nós. É importante observar que em diferentes períodos da História, a Terra de Israel esteve devastada – não apenas pelo fato de os judeus dela terem sido banidos, mas também porque seus conquistadores a julgaram não habitável9. Após a destruição do segundo Templo Sagrado de Jerusalém – ocorrida há quase dois mil anos – nação alguma conseguiu nela fincar suas raízes. As que tentaram se instalar na Terra de Israel, após a expulsão dos judeus, não foram capazes de fazê-

sua soberania sobre ela, com a fundação do Estado de Israel. Colocai estas Minhas palavras sobre vosso coração e sobre vossa alma; amarrai-as como um sinal em vosso braço e elas servirão de Totafot entre vossos olhos. O mandamento dos Tefilin, mencionado na primeira parte do Shemá Israel, também consta nesta segunda parte, destacando a centralidade dessa mitzvá. Ainda que o Pirkei Avot (2:1) nos ensine a não fazer distinção entre os mandamentos da Torá – já que todos têm origem Divina – não há dúvida

tefilin do braço coberto por uma caixa protetora prateada

la florescer. Segundo nossos Sábios, a razão para tal foi que a Terra de Israel se recusou a ser colonizada e a dar frutos a qualquer nação que não o seu povo, Am Israel, o Povo de Israel. De fato, a Terra de Israel, que esteve devastada por quase dois mil anos, somente começou a florir quando o Povo Judeu reestabeleceu 9

Levítico 26:32 - Parashat Bechukotai

de que a colocação dos Tefilin é um dos mais importantes no Judaísmo. A importância fundamental desse mandamento é evidenciada pelo fato de que o Shemá Israel o descreve como um “sinal” entre o Povo de Israel e D’us. Os Tefilin são objetos sagrados. A mitzvá de sua colocação diária (excetuando-se o Shabat e as Festas Judaicas) constitui uma fonte de extraordinárias bênçãos físicas e 12

espirituais. Basta que um único judeu, apenas, coloque os Tefilin, para que ele atraia as bênçãos e a proteção Divinas não apenas sobre ele próprio, mas sobre todos os judeus, em todos os cantos, dentro e fora da Terra de Israel. Ensina-as a teus filhos, e fala a respeito delas, estando em tua casa e andando por teu caminho, e ao te deitares e ao te levantares. O mandamento de estudar e ensinar a Torá aparece também nesta segunda parte do Shemá Israel, da mesma maneira como consta na primeira parte. A razão para o Shemá Israel enfatizar o estudo da Torá reside no fato de ser o mandamento central do Judaísmo. Isto porque, para poder cumprir os mandamentos Divinos, é necessário estudá-los. Mas estudamos a Torá não apenas por razões práticas. Na verdade, muitos dos assuntos que constam em nossos livros sagrados, particularmente no Talmud, não têm nenhuma aplicação prática, especialmente na ausência do Templo Sagrado de Jerusalém. Estudamos a Torá principalmente por razões místicas. Ensina a Cabalá que o estudo da Torá constitui uma ponte metafísica entre o homem e D’us. Mediante o estudo da Torá – e por meio de sua constante presença em nossas conversas e pensamentos - podemos nos vincular a D’us continuamente. Como nos ensina o Pirkei Avot (3:6), ainda que um único judeu, sozinho, estude a Torá, a Shechiná – a Presença Divina – paira sobre ele. Ademais, quando um único judeu estuda a Torá, ele fortalece não apenas a sua alma, mas a de todos os judeus - tanto os que estão neste mundo como os que já passaram por ele e agora se encontram no Mundo das Almas.


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O estudo da Torá é tão interligado com o Povo Judeu que somos conhecidos como o “Povo do Livro”. Somos uma nação que produziu muitos profetas, sábios, eruditos e filósofos, pois, ao longo de milhares de anos, o Povo Judeu se dedicou ao estudo da Torá. Como ensina o Talmud, “Se as crianças não estudarem a Torá, não haverá eruditos. Sem eruditos, não haverá profetas. Sem profetas, a Presença Divina não habitará entre o Povo de Israel” (Talmud Bavli, Sanhedrin 103b). Hecateus, geógrafo grego durante o reino de Alexandre, o Grande, escreveu sobre países remotos que começaram a se tornar conhecidos à época. Comentou em seus trabalhos que ouvira falar de um povo interessante que vivia ao sul da Síria, todos filósofos – ou seja, pessoas que faziam todo tipo de questionamentos e eram interessadas

Atzei Chayim (Árvores da Vida) - hastes de madeira em torno das quais é enrolado o pergaminho da Torá

“Se as crianças não estudarem a Torá, não haverá eruditos. Sem eruditos, não haverá profetas. Sem profetas, a Presença Divina não habitará entre o Povo de Israel” (Talmud Bavli, Sanhedrin 103b).

na sabedoria por amor à própria sabedoria. Esse foi um grande elogio ao nosso povo. E, de fato, o estudo da Torá, particularmente do Talmud, deveria inspirar todos os judeus a almejarem atingir o nível de sábios – pensadores, eruditos e filósofos de grande profundidade. E as escreverás nas Mezuzot (umbrais das portas) de tua casa e de teus portões.

Mezuzá afixada ao umbral da entrada de uma sinagoga

Ao longo da literatura talmúdica, cabalista e rabínica, encontramos várias referências ao fato de que as palavras sagradas da Mezuzá têm um místico poder protetor de afastar o mal do lar onde está afixada e, consequentemente, de seus ocupantes. 13

O Talmud Yerushalmi (Peah 7b) relata a seguinte história. O último Rei dos Partos, Artabanus IV (também conhecido como Ardavan), enviou uma pérola preciosa para o Rabi Yehudá HaNassi (também conhecido como Rabi), pedindo: “Envie-me algo que seja de valor comparável”. Rabi Yehudá HaNassi, que, como o Rei Ardavan, era possuidor de incrível fortuna, enviou-lhe uma Mezuzá, ao que o Rei lhe respondeu: “Enviei-lhe algo de valor inestimável, e você me manda algo de ínfimo valor?” E Rabi lhe respondeu: “Você me enviou algo que eu tenho que guardar e proteger. Mas eu lhe mandei algo que mesmo que você esteja dormindo, irá guardá-lo e protegê-lo”. JUNHO 2021


NOSSAS LEIS

A fim de prolongar vossos dias e os dias de vossos filhos sobre a terra que o Eterno jurou a vossos antepassados que lhes daria, como os dias dos Céus sobre a Terra. Esse versículo nos faz lembrar, a cada vez que recitamos o Shemá Israel, que D’us prometeu a Terra de Israel a nossos antepassados - os três Patriarcas, Avraham, Itzhak e Yaacov – e a seus descendentes, a nós, o Povo de Israel. A frase “como os dias dos Céus sobre a Terra” é uma forma poética de dizer “para todo o sempre”, pois os Céus sempre permanecerão em seu lugar, sobre a Terra, enquanto existir o universo. Isso significa que a Terra de Israel é a herança eterna, dada por D’us, ao Povo de Israel. Essa verdade foi eloquentemente expressa pelo Arcebispo de Viena, Cardeal Christoph Schönborn: “Uma única vez na história humana D’us escolheu uma terra como legado e a ofertou a Seu povo escolhido”. O Cardeal declarou também que a obrigação que recai sobre os judeus de viverem na Terra de Israel continua válida até os dias de hoje. Vimos acima que a Terra de Israel se recusou a ser habitável, permanecendo inóspita para todas as demais nações que não os Filhos de Israel. É curioso que, ao longo da História, essa Terra tenha sido conquistada por impérios grandiosos, mas somente se tenha tornado um país independente quando esteve sob soberania judaica – em tempos bíblicos e em nossos dias, com a criação do Estado de Israel. De modo semelhante, Jerusalém foi conquistada dezenas

o Êxodo do Egito – um evento que a Torá nos obriga a recordar todos os dias de nossa vida (Deuteronômio 16:3) – ao nos deitarmos, bem como ao nos levantarmos, que é exatamente quando somos obrigados a recitar o Shemá Israel. Apesar de outros trechos da Torá também mencionarem o Êxodo, apenas este foi selecionado para ser incluído no Shemá Israel pelo fato de conter, no total, cinco mandamentos – e não apenas a menção ao Êxodo (Talmud Bavli, Berachot 12b). E o Eterno disse a Moshé: “Fala aos Filhos de Israel e dize-lhes que façam para si Tzitzit (franjas) nos cantos de suas vestimentas, por todas as gerações”. de vezes, mas apesar de ser considerada a Cidade Sagrada, foi e é capital apenas da Nação Judaica. Nos quase 2000 anos em que os Filhos de Israel estiveram exilados de sua pátria ancestral, eles oravam, dia após dia, no mínimo três vezes ao dia, pedindo por seu retorno à Terra de Israel e pela reconstrução de Jerusalém. Sempre houve uma comunidade judaica na Terra de Israel e os judeus que viviam na Diáspora sempre sonharam com seu retorno à sua terra. O vínculo eterno do Povo de Israel e a Terra de Israel sempre foi intocável. E o continua sendo.

Terceira Parte do Shemá Israel (Números 15: 37-41) O motivo pelo qual este trecho da Torá foi designado como parte do Shemá Israel é o fato de mencionar 14

A palavra Tzitzit significa “franjas” e se refere aos cordões presos nos cantos do Talit – o xale de orações judaico – e do Talit Katán – uma vestimenta de quatro pontas usada sob a camisa, ao longo do dia. O Midrash observa que todos os momentos e todas as atividades na vida dos Filhos de Israel são potencializados e regulados por algum tipo de mandamento Divino. Por meio dos Tzitzit, o próprio ato de se vestir constitui o cumprimento de uma mitzvá - um mandamento Divino que liga o homem a D’us. E eles devem colocar nos Tzitzit de cada canto um fio de Techelet. Serão para vós Tzitzit - para que o vejais e recordeis de todos os mandamentos do Eterno e os cumprais; Techelet se refere à lã tingida com a cor azul celeste proveniente de uma


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espécie rara de criatura aquática, conhecida como Chilazon. Sua identidade exata é atualmente desconhecida. Presume-se que seja um invertebrado da família das lesmas, tão raro que só aparecia uma vez a cada 70 anos (Talmud Bavli, Menachot 44a). Mesmo na época talmúdica era raro encontrar-se o Techelet. Há muitos séculos, a identidade do Chilazon permanece incerta. Portanto, atualmente, nossos Tzitzit não contêm o fio de Techelet. Contudo, a mitzvá do Tzitzit – mesmo sem os fios azuis celestes – continua obrigatória. ... e não seguireis atrás de vosso coração e atrás de vossos olhos, por meio dos quais vos desviareis. Esse versículo menciona o coração antes dos olhos pois nem sempre nossas percepções sensoriais causam

o despertar dos desejos do coração. Quase sempre ocorre o contrário – o desejo vem antes e quando vemos o objeto do nosso desejo, a luxúria que existe em nosso coração aumenta e nos leva a agir. Assim sendo, aquele que logo consegue domar os desejos de seu coração, terá menos probabilidade de ser levado – por seus olhos – a praticar atos proibidos. Para que vos lembreis e cumprais todos os Meus mandamentos; e então sejais sagrados para o Eterno, vosso D’us. Além de constituir uma importante mitzvá, os Tzitzit servem como lembrete para que os judeus cumpram os mandamentos da Torá. Eu sou o Eterno, vosso D’us, que vos tirou da terra do Egito para ser vosso D’us. Eu sou o Eterno, vosso D’us. 15

Um dos maiores comentaristas da Torá, o Rabi Ovadia ben Yaacov Sforno, escreveu que por meio da redenção dos judeus da escravidão no Egito, D’us os colocou sob a guarda de Sua especial Providência. A continuidade de nossa existência, a eternidade do Povo de Israel, está sob a própria garantia Divina.

BIBLIOGRAFIA

Shema Yisrael – Three Portions of the Shema – Rabbi Meir Zlotowitz - Artscroll Mesorah Series The Portion of Shema (Deuteronomy 6:4-8) – Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz https://steinsaltz.org/essay/shema/ What Is Tzitzit (and Tallit)? https:// www.chabad.org/library/article_cdo/ aid/537949/jewish/What-Is-Tzitzit-andTallit.htm Curious Jews – Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz – The Times of Israel - https:// blogs.timesofisrael.com/curious-jews/ The Steinsaltz Humash – Commentary by Rabbi Adin Even-Israel Steinsaltz – Koren Publishers Jerusalem

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CAPA

O Shulchan e o Pão da Proposição Localizado, a princípio, na antecâmara do Tabernáculo e, posteriormente, na do Templo Sagrado de Jerusalém, o Shulchan era uma mesa de quatro pernas, de madeira de acácia, revestida EM ouro, sobre a qual repousavam, ininterruptamente, doze pães assados - os Lechem HaPanim, os Pães da Proposição.

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nsina o Zohar, obra fundamental da Cabalá, que o Shulchan constituía o veículo material que trazia a bênção divina do sustento para o mundo todo. A Torá se refere ao Pão da Proposição como uma “aliança eterna” (Levítico 24: 8). Assim, compara o Lechem HaPanim ao Shabat, que também é chamado de aliança eterna entre D’us e o Povo de Israel (Êxodo 31:16). O Pão da Proposição e o Shabat possuem uma mensagem semelhante. A aliança do Shabat proíbe o trabalho e ordena que a pessoa se alimente bem, sem se preocupar de onde virá seu futuro sustento, porque o Shabat traz seu próprio estoque de bênçãos para a semana seguinte. Da mesma forma, o Pão da Proposição simboliza que é D’us quem fornece o sustento e a prosperidade.

e a prosperidade de sua nação, o Povo Judeu também desfrutaria da prosperidade graças ao mérito do Shulchan. Em hebraico, o Pão da Proposição é chamado de Lechem Hapanim, que se traduz literalmente como “pão da face”. O Talmud ensina que levava esse nome porque tinha muitas “faces”, ou seja, muitos lados. Há outra explicação para esse nome, segundo um dos maiores Sábios do Talmud, o Rabi Yonatan ben Uziel: os Pães da Proposição são assim chamados porque se encontravam dentro (“p’nim”, em hebraico) do Sagrado - o Santuário - tanto o do Tabernáculo, construído no deserto sob a liderança de Moshé, quanto o do primeiro e do segundo Templos de Jerusalém.

O Mishkan e o Shulchan

O Shulchan simbolizava o ensinamento da Torá de que D’us é o Provedor - a Fonte de todas as bênçãos materiais. A Mesa era um lembrete contínuo de que nosso sustento advém apenas d’Ele. Assim como a Arca Sagrada, o Shulchan possuía uma “coroa” - uma borda dourada. Mas enquanto a borda dourada da Arca Sagrada simbolizava a “coroa da Torá”, a do Shulchan representava a “coroa da realeza”. Da mesma forma como é responsabilidade do rei garantir a segurança

Depois de Se revelar no Monte Sinai a todo o Povo de Israel, D’us ordenou a Moshé que construísse o Mishkan - o Tabernáculo (literalmente, “lugar de habitação”): um santuário portátil que serviria como um centro espiritual no meio do deserto. O Mishkan - o mini Templo portátil que foi o predecessor do Templo Sagrado de Jerusalém - foi construído um ano após o êxodo do Egito, e, assim como o Templo de Jerusalém, era o lugar onde o Povo 16


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Ilustração reproduzindo o Templo Sagrado de Jerusalém

de Israel levava seus sacrifícios para expiar seus pecados ou para expressar gratidão ao Altíssimo. Era também o lugar onde D’us Infinito se comunicava com Moshé.

Uma colher grande contendo um punhado de Levoná (olíbano - uma resina extraída da árvore Boswellia sacra) era colocada em cada uma das duas pilhas dos Pães da Proposição.

O interior do Tabernáculo e do Templo Sagrado de Jerusalém era dividido em duas câmaras. A sala mais interna, chamada de Kodesh HaKodashim (o Sagrado dos Sagrados), continha a Arca Sagrada, que abrigava as Tábuas e outros itens sagrados. A outra câmara, a antessala, era conhecida como o Kodesh - o Sagrado. Continha o Altar de Ouro, sobre o qual o incenso era oferecido duas vezes ao dia. Em seu lado sul estava a Menorá feita de ouro, o candelabro cujos sete braços eram acesos diariamente pelos Cohanim (sacerdotes). Perto da parede norte do Kodesh ficava o Shulchan, a mesa de acácia revestida em folha de ouro,

O arranjo dos Pães da Proposição no Shulchan era um ritual realizado semanalmente. Assados na ​​ sexta-feira, no dia seguinte, Shabat, os pães eram colocados no Shulchan, onde permaneciam por uma semana inteira - de um Shabat ao outro.

sobre a qual os Cohanim colocavam os Pães da Proposição - doze pães assados - em duas pilhas de seis pães cada. 17

No Shabat da semana seguinte, à tarde, após o sacrifício de Minchá, os doze pães eram removidos da Mesa, sendo simultaneamente substituídos por um novo lote de Lechem HaPanim, já que o Shulchan não podia ficar em momento algum sem pão. Os pães removidos eram então distribuídos entre os Cohanim que estavam servindo no Tabernáculo naquele Shabat, que os comiam. JUNHO 2021


CAPA

Os Pães da Proposição não eram oferecidos no Mizbeach (Altar). Em vez disso, queimava-se no Altar a Levoná (o olíbano) contida nas colheres assentadas sobre as duas pilhas do Lechem HaPanim. Os Cohanim comiam os Pães da Proposição no Pátio do Tabernáculo e, posteriormente, no Pátio do Templo Sagrado de Jerusalém. Esses pães tinham formato e espessura únicos e deveriam permanecer inteiros e intactos durante e após o assamento. Os pães eram grandes, pesando cada um deles quase cinco quilos. O Lechem HaPanim é chamado de pão, mas era, na verdade, Matzá - pão sem fermento -, que tinha de ser assado rapidamente para não fermentar e se tornar Chametz. O Talmud ensina que os Pães da Proposição, que permaneciam no Shulchan por uma semana inteira, eram retirados da Mesa no mesmo estado em que haviam sido colocados. Os Sábios do Talmud discordam entre si sobre o que

isso significa: alguns afirmam que o Lechem HaPanim permanecia quente enquanto outros dizem que permanecia macio durante toda a semana. Mas todos os Sábios concordam que o pão milagrosamente se mantinha fresco: apesar de permanecer ao ar livre por uma semana inteira, o Lechem HaPanim não envelhecia. O Talmud nos conta que havia uma família, de nome Garmu, que era especialista em preparar o Lechem HaPanim. Os Sábios pediram-lhes que ensinassem a outras pessoas os segredos da preparação dos Pães da Proposição, mas os Garmu se recusaram e, consequentemente, foram despedidos. Padeiros especializados foram trazidos de Alexandria, Egito, mas não sabiam tirar os pães do forno tão bem quanto os Garmu; e, apesar de muitas tentativas, seus pães ficavam mofados. Os Garmu foram então chamados de volta ao trabalho. Quando lhes perguntaram por que se recusaram a revelar os segredos de como fazer

Interior do Santuário. Cortina que separaVA os dois recintos: o Kodesh (Sagrado) e o Kodesh HaKodashim (Sagrado dos Sagrados)

o Lechem HaPanim a outras pessoas, disseram: “Sabemos que o Templo Sagrado de Jerusalém será destruído e receamos que um homem indigno aprenda a assar os Pães da Proposição e os use para servir a um ídolo.” Além de serem especialistas, os membros da família Garmu eram indiscutivelmente honestos. O Lechem HaPanim era feito de farinha fina, peneirada várias vezes. A família Garmu nunca comia pão de farinha fina - apenas pão simples e áspero - para que ninguém suspeitasse que usassem a farinha dos Pães da Proposição para as suas próprias refeições.

O que nos ensinam o Shulchan e o Pão da Proposição O Talmud ensina: “Se uma pessoa quer ficar rica, deve apontar os pés para o norte quando reza” (Talmud Bavli, Bava Batra 25a). A razão para isso é que o Shulchan se encontrava no lado norte do Santuário, e os Pães da Proposição eram uma lembrança perpétua da generosidade de D’us e constituíam um canal para a abundância e a prosperidade. Como mencionado anteriormente, o Lechem HaPanim era Matzá. Como nos ensina a festa de Pessach, a Matzá representa a humildade, enquanto o Chametz simboliza o ego e a arrogância. Os Pães da Proposição eram ázimos, simbolizando a humildade, para nos transmitir que devemos sempre nos lembrar de que nossa riqueza advém de D’us e, assim, prevenir que caiamos na armadilha de acreditar que somos os únicos responsáveis ​​por nossas realizações pessoais. Até mesmo o formato do Pão da Proposição - suas pontas voltadas uma para a outra - transmite uma lição: simboliza o amor por outros seres humanos. A Torá nos ensina que a generosidade

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Nachmânides (o Ramban), Cabalista e um dos maiores comentaristas da Torá de todos os tempos, explica que o Shulchan representa o milagre da prosperidade. Ele escreve que desde o momento em que D’us trouxe o

Colher a ser assentada sobre uma das pilhas do Lechem HaPanim E que continha a Levoná (o olíbano)

* As imagens desta página foram extraídas do livro: The Mishkan / Tabernacle por Rabbi Avrohom Biderman, com permissão dos detentores dos direitos autorais, ArtScroll / Mesorah Publications, Ltd. A obra está disponível em inglês e hebraico.

direitos autorias da Art/Scroll Mesorah Publications

e a preocupação com as outras pessoas - especialmente com os mais vulneráveis ​​da sociedade - são a maneira mais segura de invocar a misericórdia de D’us e Suas bênçãos, tanto materiais quanto espirituais. Três vezes por ano, quando os Bnei Israel, os Filhos de Israel, faziam a peregrinação ao Templo Sagrado de Jerusalém - em Pessach, Shavuot e Sucot -, os Cohanim removiam o Shulchan do Kodesh, mostravam aos Filhos de Israel os Pães da Proposição - que se tinham mantido frescos por uma semana inteira - e lhes diziam: “Vejam como vocês são amados por D’us!” O Lechem HaPanim simbolizava o ensinamento de que é a bênção de D’us que traz e preserva a riqueza (Provérbios 10:21). O milagre desses Pães, que não envelheciam, era uma demonstração da generosidade de D’us, e tinha como objetivo inspirar os seres humanos a fazer o mesmo: compartilhar o seu pão com os famintos (Isaías, capítulo 58).

o Shulchan possuía uma “coroa” - uma borda dourada

universo à existência a partir de um vácuo absoluto, Ele não criou mais nada ex-nihilo - a partir do nada. Em vez disso, quando D’us deseja produzir um aumento milagroso, Ele faz com que flua de algo que já existe, como encontramos no caso do profeta Elisha, que fez com que um único jarro de azeite gerasse um fluxo incessante de azeite - contanto que houvesse jarros vazios para serem enchidos (II Reis 17:16). Assim era com o Shulchan, explica o Ramban. O Pão da Proposição, que era colocado sobre a Mesa semanalmente, tinha a virtude de fazer fluir a prosperidade para o Povo Judeu e para todo o mundo. Em outra manifestação ainda mais visível desse milagre, o Talmud ensina que um Cohen que comesse um pedacinho sequer do Lechem HaPanim, ficaria totalmente satisfeito. Na linguagem dos Sábios: “o Pão da Proposição se tornava abençoado nas próprias entranhas do Cohen” (Talmud Bavli, Yoma 39a). Há uma lição que aprendemos com a localização do Shulchan no 19

Santuário. Essa Mesa era colocada perto da parede norte do Kodesh, em frente à Menorá, que simbolizava a iluminação do intelecto. A Arca Sagrada, localizada no Sagrado dos Sagrados - a câmara mais interior do Tabernáculo e do Templo Sagrado - era equidistante de ambos. Assim, a Arca Sagrada, contendo a palavra de D’us - pois abrigava as Tábuas que D’us deu a Moshé no Sinai lançava suas emanações espirituais, por assim dizer, sobre a Menorá e o Shulchan, que representavam, respectivamente, a realização intelectual e a prosperidade material. Isso nos ensina que tanto nossa vida espiritual como a material devem ser guiadas pela Palavra de D’us. BIBLIOGRAFIA

Zichron Meir Edition of Targum Onkelos ArtScroll Mesorah Publications The Showbread: The How and Why of the Temple Bread Offering - Mendy Kaminker - https://www.chabad.org/ library/article_cdo/aid/2974301/jewish/ The-Showbread-The-How-and-Why-ofthe-Temple-Bread-Offering.htm JUNHO 2021


JUDAÍSMO

Tishá b’Av e o Retorno à Jerusalém Tishá b’Av, o nono dia do mês de Av, foi a data em que tombaram o primeiro e o segundo Templo de Jerusalém. Por 2.000 anos, o Povo Judeu orou pelo rápido cumprimento das palavras dos Profetas, que profetizaram nosso retorno à Terra de Israel e Jerusalém. Hoje, essas profecias não mais constituem um sonho, MAS uma realidade.

O

Talmud (Talmud Bavli, Makot 24b) conta a seguinte história: certa vez, após a destruição do Segundo Templo Sagrado, quatro de nossos maiores Sábios - Raban Gamliel, Rabi Elazar ben Azariá, Rabi Yehoshua e Rabi Akiva - foram a Jerusalém. Quando chegaram ao Monte do Templo, viram uma raposa emergindo do local que costumava ser o Kodesh HaKodashim - a câmara mais sagrada do Templo - onde apenas o Cohen Gadol podia adentrar e apenas em Yom Kipur.

raposas rondam por ele! Como podemos não chorar?” Rabi Akiva respondeu-lhes: “É por isso mesmo que estou sorrindo”, e explicou: “Está escrito, (Isaías 8:2), ‘Eu (D’us) convocarei testemunhas confiáveis ​​para Mim, (os dois profetas) Uriá, o Cohen, e Zechariahu ben Yeverechiahu’. Agora, que ligação Uriá tem com Zechariahu? Uriá profetizou durante a era do Primeiro Templo enquanto Zechariahu foi um profeta durante a época do Segundo Templo. Por que então eles são mencionados juntos? Porque nossas Escrituras tornaram a profecia de Zechariahu dependente da profecia de Uriá. Na profecia de Uriá, está escrito: ‘Tsion será arado como um campo; Jerusalém se tornará um monte de escombros e o Monte do Templo se tornará um monte de pedras na floresta’. Já na profecia de Zechariahu, está escrito: ‘Idosos e idosas vão mais uma vez sentar-se nas ruas de Jerusalém’ ”1. Rabi Akiva concluiu: “Enquanto a profecia de Uriá não havia se cumprido, eu temia que a profecia de Zechariahu não se cumpriria. Agora que a profecia de Uriá se cumpriu - e Jerusalém e o Monte do Templo estão totalmente desolados -, é certo que a profecia de Zechariahu se cumprirá”. Os outros três Sábios se voltaram para Rabi Akiva e disseram: “Akiva, você nos consolou. Akiva, você nos consolou”.

Ao testemunhar essa cena, Raban Gamliel, Rabi Elazar ben Azariá e Rabi Yehoshua começaram a chorar, ao passo que Rabi Akiva sorria. Perplexos com sua reação, perguntaram-lhe: “Por que motivo você está sorrindo?” Ele respondeu: “Por que razão vocês estão chorando? Eles disseram a Rabi Akiva: “Este era um lugar no qual ninguém, exceto o Cohen Gadol, podia entrar, e agora as

Zecharihu 8:4. Esta passagem descreve o retorno do Povo de Israel a Jerusalém - uma época de paz e tranquilidade em que a cidade estará repleta de pessoas - tanto idosos sentados nos bancos da cidade como crianças brincando nas ruas.

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ARCO DE TITO, EM ROMA, RETRATANDO O SAQUE DA MENORÁ DO TEMPLO DE JERUSALÉM, LEVADA PARA O FÓRUM ROMANO. FOI ERGUIDO EM 81 E.C. HOMENAGEANDO A CONQUISTA DE JERUSALÉM E A DESTRUIÇÃO DO TEMPLO SAGRADO

Essa história constitui uma das mais importantes passagens em todo o Talmud. Transmite lições valiosas e particularmente relevantes para o dia de Tishá b’Av - a data em que tanto o primeiro como o segundo Templo Sagrado de Jerusalém foram destruídos. No nono dia do mês de Menachem Av - dia nacional de luto do Povo Judeu - lembramos e lamentamos a queda de Jerusalém, a destruição do Templo Sagrado e o exílio de nosso povo por quase 2.000 anos.

realizasse, um dia. Por 2.000 anos, os Filhos de Israel sonharam em retornar a Jerusalém. Hoje isso não é mais apenas um sonho, mas uma realidade. Hoje vemos que a profecia de Zechariahu se realizou. Embora o Povo Judeu ainda observe o dia 9 do mês de Av - porque o Templo Sagrado não foi reconstruído e a paz ainda não chegou ao mundo hoje, “idosos e idosas sentam-se nas

Durante 2.000 anos, ano após ano em Tishá b’Av, o Povo Judeu - espalhado pelos quatro cantos do mundo – jejuou e chorou pela perda do Templo Sagrado e o exílio da Terra de Israel. Por 2.000 anos, nosso povo lamentou que a profecia de Uriá se houvesse concretizado, ansiando para que a profecia de Zechariahu também se 21

ruas de Jerusalém” e crianças judias falam a mesma língua que falavam nossos profetas. O retorno do Povo Judeu à sua Pátria ancestral - à Terra de Israel - e à sua capital eterna Jerusalém - é o desdobramento de profecias proferidas há milênios. Nossa geração tem o privilégio de ver essas profecias se realizarem diante de nossos olhos. A história do Talmud sobre a reação de Rabi Akiva ao testemunhar uma calamidade é uma lição de vida não apenas para o Povo Judeu, mas para toda a humanidade: constitui um ensinamento muito relevante para os nossos dias. Rabi Akiva vislumbrava as sementes do renascimento onde outros viam apenas destruição. A visão singular de Rabi Akiva de que a escuridão é, em muitos casos, um prelúdio necessário para a deflagração de muita luz - foi o que carregou nosso povo por um JUNHO 2021


JUDAÍSMO

PORTÃO DE DAMASCO, CIDADE VELHA DE JERUSALÉm

exílio longo e, muitas vezes, cruel. Foi o que lhes deu resiliência para sobreviver ao Holocausto e, apenas alguns anos depois, realizar um sonho de 2.000 anos: reerguer seu país em sua pátria ancestral. Na verdade, o mundo só pode se maravilhar com a fé e resiliência do Povo Judeu, que apenas três anos depois de “caminhar pelo vale da sombra da morte”, levantou-se das cinzas para assegurar um futuro judaico e construir um Estado Judeu. Durante a Inquisição, os pogroms, as expulsões, os guetos e, especialmente, os campos de extermínio, o Povo Judeu sobreviveu porque se agarrou a uma antiga promessa - de que D’us “nunca os abandonaria ou os desampararia” e que Ele os conduziria de volta à terra que jurou dar aos nossos antepassados. E assim, hoje, ao testemunharmos a força, a resiliência e a fé em D’us do Povo Judeu, também testemunhamos a fidelidade de D’us ao Povo Judeu. Em Tishá b’Av deste ano, faremos o que temos feito há 2.0000 anos: jejuaremos, lamentaremos pela ausência do Templo Sagrado e

Trecho adicional recitado na oração da Amidá durante a reza da tarde (Minchá) em Tishá b’Av .

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recitaremos o livro de Eichá, que fala da queda de Jerusalém. Mas hoje, diferentemente do passado não tão distante, podemos celebrar o cumprimento da profecia de Zechariahu: Jerusalém não mais está “se lamentando por estar privada de seus filhos, arruinada de suas moradias, desprezada pela perda de sua glória, desolada sem habitantes”2. Em vez disso, hoje, Jerusalém irradia alegria porque, após 2.000 anos de ausência, seus filhos finalmente retornaram a ela. Um exemplo vivo do laço eterno de amor entre o Povo Judeu e Jerusalém: dois anos atrás - antes do início da pandemia - 1,5 milhão de judeus visitaram o Kotel, o Muro Ocidental, antes das Grandes Festas, e 100.000 judeus se reuniram lá para as orações de Selichot. Jerusalém - uma cidade que foi conquistada dezenas de vezes, mas que nunca foi capital de nenhuma nação exceto o Povo de Israel - voltou às mãos de seus filhos após dois milênios. Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, a quem o presidente Barack Obama chamou de “a consciência do mundo”, testemunhou o milagre ocorrido naquele dia glorioso de junho de 1967 em que a cidade de Jerusalém foi finalmente reunificada e o Kotel devolvido às 22

nossas mãos: “O combate ainda perdurava em várias frentes..., mas isso não impediu que as pessoas, num êxtase místico, corressem em direção à Cidade Velha, que estivera inacessível a todos os judeus durante o domínio jordaniano... sobreviventes de todo tipo de inferno, rostos de todo tipo de destino - vi-os correndo, ofegantes, voando quase... correndo para tocar o Muro. E lá chegando, incrédulos e estupefatos, como crianças que temem o despertar por não querer o fim do sonho, detêm-se, de súbito. Eis que se ouve um choro convulsivo, preces sendo entoadas, enquanto outros dançam, dando vazão à emoção. O país inteiro dançou. A história judaica dançou. Explodindo de júbilo e gratidão pelo privilégio de testemunhar aquele momento, pensei: ‘É isto, Jerusalém, o lugar que atrai e irmana todos os judeus, a verdadeira cidade da saudade e promessa eternas’”. O retorno definitivo do Povo de Israel à Terra de Israel e à cidade de Jerusalém é a realização das palavras de nossos profetas. Depois de um exílio de 2.000 anos, as palavras do profeta Ezequiel se concretizaram: “Eles habitarão na terra que dei ao Meu servo, a Jacob, na qual habitaram vossos pais. Eles habitarão nela, eles e seus filhos e os filhos de seus filhos, para sempre” (Ezequiel 37:25). A volta dos filhos de nosso Patriarca Jacob - cujo nome também é Israel - à sua pátria ancestral culminará com o restabelecimento do Templo Sagrado de Jerusalém. O dia em que for erguido o Terceiro Templo inaugurará uma nova era - não apenas para o Povo Judeu, mas para toda a humanidade - na qual o sofrimento e a morte serão eliminados por toda a eternidade e o mundo inteiro se encherá de luz, paz, prosperidade e alegria.


HISTÓRIA

HERZL DEPOIS DE HERZL Por ZEVI GHIVELDER

Algumas biografias de Theodor Herzl se circunscrevem à sua trajetória desde a publicação de “O Estado Judeu” até a realização do Primeiro Congresso Sionista Mundial. No entanto, foi depois do Congresso que sua atuação política assumiu uma proporção caudalosa e sua vida pessoal avultou como um enigma.

E

m agosto de 1897, quando, depois de três dias de intensas sessões, o Primeiro Congresso Sionista Mundial terminou, na Basileia, Suíça, o jovem Theodor Herzl embarcou num trem rumo a Viena, onde residia. Ele tinha sido o inspirador e realizador do mais extraordinário evento até então vivido pelo povo judeu em dois mil anos de dispersão. Estava atordoado com o êxito alcançado por seu inusitado e inesperado empreendimento, muito bem-sucedido a despeito de todos os obstáculos que havia transposto. Ainda sentia a vibração dos aplausos que recebera desde o início até o encerramento do Congresso e, sobretudo, pelo eco de uma voz feminina, que não sabia de onde havia partido, dentre os duzentos delegados: “Temos um rei!”.

Ele mesmo se assombrava com os acontecimentos que haviam norteado sua vida nos últimos meses. Mas, quando olhava para trás, não precisava alongar demais a visão. Desde a publicação de O Estado Judeu, um livro de leitura concisa e árida que havia despertado os anseios das massas judaicas na Europa, apenas dois anos tinham transcorrido. Não há na história da humanidade o registro de algum líder de um movimento nacional que tenha alcançado tanto em tão ínfimo espaço de tempo. Em meros dois anos, de 1895 a 1897, ele conseguiu atrair as atenções das poderosas famílias de filantropos judeus europeus, que a princípio o desprezaram. O mesmo aconteceu por parte da intelectualidade judaica da época, que muito relutou até dar crédito às suas ideias, tidas como utópicas e, portanto, descartáveis.

Theodor Herzl, ou Binyamin Zeev, em hebraico, como alguns de seus seguidores preferiam chamá-lo, tinha, então, 37 anos de idade, porém dava a impressão de ser mais velho por causa de sua volumosa barba negra.

Na manhã do primeiro dia de setembro, quando deixava a Basileia, Herzl escreveu em seu diário que ali mesmo, naquela pequena cidade suíça, tinha fundado o Estado Judeu. Não teve o receio de ser visto como um sonhador 23

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HISTÓRIA

THEODOR HERZL, NA BASILÉIA, NA VARANDA DO HOTEL THREE KINGS, EM 1897, DURANTE O PRIMEIRO CONGRESSO SIONISTA

inconsequente ou um profeta arrogante, acrescentando que o dito estado seria uma realidade, talvez não em cinco anos, mas com certeza em cinquenta. Durante o Congresso, Herzl havia criado uma atmosfera de tal maneira eletrizante, que os delegados chegaram a se sentir elevados à condição de participantes de uma assembleia nacional de um país judaico soberano. O país era inexistente naquele momento, mas decerto algum dia se concretizaria. Um dos delegados lhe entregara uma carta, guardada para ler no trem. O texto dizia que o congresso havia colocado o sionismo em sua verdadeira dimensão e proporção, que seu ideal havia mobilizado os rabinos, os pensadores e milhões de judeus anônimos que doravante podiam se julgar pertencentes a uma só comunidade internacional.

A rigor, essa radical transformação também se tinha estendido ao próprio Herzl. Meses depois de retornar a Viena, escreveu um conto publicado no jornal Die Welt, que reflete seu estado de espírito no final daquele ano. O conto tem o título

SELO DO ESTADO DE ISRAEL POR OCASIÃO DO CINQUENTENÁRIO DE SUA MORTE. 1954

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A Menorá (tradicional candelabro com sete braços) e conta a história de um jovem artista que havia ignorado sua raiz judaica, mas, à certa altura, tendo a consciência despertada pelo sofrimento do povo judeu, lhe vem à memória seu tempo de criança com a celebração da festividade de Chanucá (a vitória dos Macabeus contra os invasores gregos no templo de Jerusalém). O artista compra uma menorá e acende, conforme o ritual, a primeira vela num ambiente ainda sombrio; porém, a cada dia, a cada vela que acende, passa a enxergar tudo com mais clareza porque ele mesmo se sente interiormente iluminado. Atrai, então, a seu redor, levas de pessoas que prezam a justiça, a verdade, a liberdade, o progresso e a beleza da humanidade. Historiadores e pesquisadores veem neste conto uma autêntica


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manifestação autobiográfica de Herzl, uma revelação do caminho por ele próprio percorrido, até encontrar sua verdadeira identidade. Sentia-se como um novo judeu depois de anos de assimilação aos costumes laicos de Viena. A propósito do conto A Menorá, em correspondência para Jacob de Haas, delegado ao congresso e pioneiro do sionismo nos Estados Unidos, escreveu: “Na luz emanada das velas eu avisto a radiosa luminosidade de Jerusalém”. Os historiadores judeus e não-judeus afirmam com frequência que a ideia central de Theodor Herzl, voltada para a necessidade da criação de um estado judeu, não era uma ideia original. Na verdade, ele mesmo reconheceu isso logo nas primeiras linhas de seu livro revolucionário, ao expor um conceito mais poético do que político: “Se quiserem, não será uma lenda”. (No original em alemão, usa o equivalente a “sonho”, e a tradução para o hebraico usa o termo agadá, correspondente a lenda ou narrativa). Conforme acentua o historiador americano

THEODOR HERZL, DE FRAQUE E CARTOLA, TRAJE ESCOLHIDO PARA O SEGUNDO CONGRESSO SIONISTA. BASILEIA, AGOSTO 1898

Rick Richman, num magnífico ensaio, Herzl concentra na essência de seu pensamento a certeza de que antes de possuírem uma nação, os judeus deveriam se empenhar por uma profunda transformação, algo semelhante ao que havia ocorrido com a geração nascida durante a peregrinação de quarenta anos pelo deserto até chegar à Terra Prometida. Seu segundo conceito, igualmente incisivo, e desta vez

objetivo, sustentava que os judeus deveriam esquecer os imaginários benefícios resultantes de ações das grandes famílias filantrópicas judaicas, como os Rothschild e os Hirsch, uma experiência adversa que ele mesmo tinha experimentado ao iniciar sua atividade cívica. Insistiu que a chamada questão judaica só se encaminharia para um roteiro produtivo na medida em que essa questão se libertasse de sua letargia e se inserisse no âmbito das inquietações internacionais. Herzl estava em Viena, depois do Primeiro Congresso, quando chegou a seu conhecimento um panfleto assinado por Ahad Haam, um dos mais importantes pensadores e ativistas judeus do século 19. Nascido na Ucrânia, Haam era o fundador do movimento présionista Hovevei Tsion (Amantes de Sião) que contava com expressivo número de apoiadores. Haam tinha participado do congresso na Basileia, mas não ficou impressionado, pelo contrário. No texto que escreveu, minimizou a figura de Herzl e argumentou que a criação de um estado judeu na Palestina Otomana

THEODOR HERZL FALA AOS DELEGADOS DO SEGUNDO CONGRESSO SIONISTA. BASILEIA, 28-31 AGOSTO 1898

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HISTÓRIA

era uma ideia próxima da loucura. Enfatizou que os judeus poderiam, sim, se radicar na Palestina Otomana para ali estabelecer um “centro de espiritualidade que levaria novo alento para a Diáspora”. Outras vozes se opuseram ao sionismo, fazendo com que Herzl passasse das palavras à ação. Em primeiro lugar, criou um fundo destinado a gerir as atividades financeiras do movimento. Em 1898, teve ciência de que o Kaiser Guilherme II, da Alemanha, faria uma viagem ao Oriente Médio, com a Palestina Otomana na agenda. Como já tinha tentado uma audiência com o Kaiser, em Berlim, sem obter retorno favorável, decidiu que iria ao seu encontro na Palestina Otomana, onde seria mais provável uma abordagem. Comprou uma passagem do próprio bolso e acompanhado por alguns amigos próximos zarpou para o porto de Jaffa. Ali os judeus correspondiam a apenas dez por cento da população. Em seguida, fez uma breve escala na então aldeia de Rehovot, onde ficou profundamente emocionado no contato com uma comunidade de agricultores judeus que, se valendo de técnicas de irrigação, davam nova feição à aridez da terra em que trabalhavam. Esse encontro reforçou sua opinião, com boa dose de ingenuidade, de que os árabes da Palestina Otomana aceitariam de bom grado a imigração dos judeus porque estes trariam incremento econômico e progresso em diversos setores, contribuindo de forma significativa para a melhoria de seu padrão de vida e para a valorização de suas propriedades. Contudo, não avaliava a dimensão da opressão turca no Oriente Médio que, na década seguinte, resultaria no despertar armado do nacionalismo

VISITA DO KAISER GUILHERME II À ENTÃO PALESTINA OTOMANA. C. 1898

árabe. Embarcou num trem, no dia 27 de outubro, sexta-feira, com destino a Jerusalém. O comboio deveria chegar ao destino duas horas antes do Shabat, mas estava atrasado. Herzl começou a sentir febre e anotou no seu diário: “Minha temperatura aumenta enquanto o Shabat de aproxima”. Já escurecia quando o trem chegou a Jerusalém e ele ficou feliz por estar na Cidade Santa justamente O IMPERADOR ALEMÃO, GUILHERME II, NO CENTRO, VISiTA A Palestina Otomana, C. 1898

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naquela hora. Anos depois, um de seus acompanhantes, chamado David Shuv, relembrou: “Dava para perceber que ele estava fraco e doente. O hotel era longe e eu sugeri que pegássemos uma carruagem, mas Theodor recusou. Disse que fazia questão de respeitar o Shabat”. Herzl tornou a se emocionar quando viu pessoas saindo de uma sinagoga e, ao passarem por ele, desejaram Shabat Shalom. A caminhada terminou no Hotel Kamnitz, porém os três quartos que havia reservado se encontravam indisponíveis porque o hotel estava superlotado com autoridades turcas e alemãs em função da visita do Kaiser. Outro companheiro de viagem, Aron Hayut, disse numa entrevista anos mais tarde: “Eu me lembro como se fosse ontem. Ele se sentou num degrau da escada em frente ao hotel, cansado, silencioso e febril. Parecia que todos os sofrimentos de dois mil anos do povo judeu estavam estampados na sua face”. O pequeno grupo de judeus vienenses teve que se acomodar numa pensão. Herzl ardia de tanta febre.


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Foi com a saúde fragilizada que Herzl pôde falar duas vezes com o Kaiser, de maneira informal. Na primeira oportunidade, pediu sua interferência junto ao sultão Abdul Hamid, do Império Otomano, para a implantação de um território autônomo judaico na Palestina Otomana. O sultão deveria levar em conta que um maior desenvolvimento econômico lhe geraria a cobrança de mais impostos. Na segunda vez, para obter a boa vontade do Kaiser, sugeriu que se o mencionado território viesse a ser autônomo, poderia tornar-se um protetorado alemão. Entretanto, seu esforço resultou num enorme fiasco. O Kaiser mais ouviu do que falou e, quando falou, limitou-se a evasivas. Na viagem de volta, Herzl parou em Constantinopla1 (atual Istambul), onde, com grande poder de persuasão, acabou sendo recebido também duas vezes pelo sultão Hamid. Mais uma vez teve que se conformar com polidas evasivas. No regresso a Viena, depois de uma audiência com o presidente do Parlamento austríaco, se debruçou na organização de novo congresso na Basileia. A conferência programada para 1900 teve outro endereço, Londres. Foi um lance estratégico, visando o engajamento das autoridades britânicas à causa sionista. Nesse sentido, pouco alcançou, mas foi convidado a regressar a Londres dois anos depois, na qualidade de consultor junto à Real Comissão de Imigração Estrangeira. Os ingleses estavam 1

Em 1453, quando Constantinopla se tornou a nova capital otomana, passou a ser chamada de Istambul; mas até 1930, ambos os nomes Constantinopla e Istambul eram usados, sendo que os ocidentais invariavelmente usavam o nome Constantinopla.

THEODOR HERZL NA ENTÃO Palestina Otomana. NOVEMBRO 1898

preocupados com o enorme fluxo de imigrantes oriundos da Rússia e da Romênia, principalmente porque a comunidade judaica da Grã-Bretanha já contava mais de 100 mil almas. Antes de cumprir sua função oficial, Herzl dialogou com Lorde Nathaniel Mayer Rothschild. Este queria que Herzl, em seu depoimento, declarasse que os judeus acolhidos na Inglaterra declarariam estar submissos unicamente à condição de súditos fiéis de Sua Majestade. Herzl recusou.

Ao comparecer perante a Real Comissão, enfatizou que os judeus na Inglaterra viviam em extrema pobreza, “muito pior do que quando escrevi meu panfleto, sete anos atrás, e eles aqui vão morrer em números assustadores se não for aberta uma porta de saída para uma pátria que lhes pertença”. Lorde Rothschild então pediu que Herzl lhe definisse o conteúdo do sionismo: se era a implantação de um estado judaico na então Palestina Otomana ou a cessão de um território em alguma parte do mundo a ser habitado exclusivamente por judeus. Respondeu: “Uma junção das duas hipóteses”. Dois meses depois da estada em Londres, Herzl foi convidado a retornar para uma reunião com Joseph Chamberlain (pai do futuro primeiro-ministro Neville), Secretário Colonial e um dos políticos mais influentes do Império Britânico. Foi uma longa e surpreendente conversa. Chamberlain disse que entendia a causa sionista e sugeriu a concessão de um território na ilha de Chipre ou em EL Arish, na costa do Egito.

THEODOR HERZL, NO CENTRO, COM UMA DELEGAÇÃO SIONISTA. JERUSALÉM, 1898

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HISTÓRIA

Herzl optou por El Arish, em razão da proximidade com a Palestina. O assunto foi levado à avaliação do alto comissário britânico no Cairo. Este apontou uma série de dificuldades para a execução da proposta e a descartou.

FOTO DE HERZL PARA O 19º CONGRESSO SIONISTA. PRAGA, 1933

A desistência por El Arish coincidiu com o pogrom (massacre) de judeus, homens, mulheres e crianças, na cidade de Kishinev (atual Chisinau, Moldávia), perpetrado por militares

HERZL EM SEU GABINETE. VIENA, C. 1900

da Rússia czarista nos dias 6 e 7 de abril de 1903, vésperas da realização do sexto Congresso Sionista Mundial na Basileia.

RESIDÊNCIA DE HERZL. VIENA, ÁUSTRIA

No dia 8 de maio, Herzl escreveu um artigo para o Die Welt: “O que aconteceu com nossos irmãos na Bessarábia não será esquecido e, ao contrário dos pogroms anteriores, este terá uma resposta efetiva, além da simpatia pública”. Tal resposta era alusiva ao fato de, em função do massacre, ter solicitado uma audiência com Vyacheslav Plehve, poderoso ministro da justiça 28

do czar, algo que há seis anos vinha tentando e sendo sempre repelido. Plehve era um notório antissemita, razão pela qual muitos companheiros de Herzl arguiram que ele não deveria se encontrar com uma pessoa tão odiosa. Respondeu: “Nós temos um ponto em comum: ele tem horror à presença de judeus na Rússia e eu quero que eles saiam de lá”. Para isso, pediria ao ministro que intercedesse junto ao sultão otomano para que aceitasse as demandas sionistas. A audiência aconteceu no dia 8 de agosto. O ministro prometeu se reunir com o sultão e também permitir atividades sionistas até então reprimidas no império. Dias depois, afirmou numa carta: “A Rússia vê de modo favorável a criação de um estado judaico na Palestina”. Herzl exultou. Era a primeira vez que uma potência mundial fazia uma declaração de natureza tão objetiva, o que concorreria para facilitar novas iniciativas diplomáticas. No dia 14 de agosto de 1903, o governo britânico, talvez impressionado com a tragédia de Kishinev, emitiu uma declaração na qual oferecia ao movimento sionista um território dentro do território de sua colônia Uganda, na África, para o estabelecimento de um estado judeu com o possível nome de Nova Palestina. Emocionado, Herzl escreveu ao filósofo Max Nordau, seu apoiador desde o Primeiro Congresso: “Temos como aliada uma nação gigantesca, que reconhece nosso direito a uma pátria”. O sexto Congresso Sionista Mundial, aberto dias depois, contou com a presença de 592 delegados, para os quais Herzl pronunciou um comovente discurso inaugural, no qual expôs o oferecimento na África e enfatizou que a causa sionista doravante tinha a seu lado dois grandes impérios, o russo e o britânico.


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Ele esperava receber uma aclamação, mas ficou estarrecido com a reação dos delegados russos. Inflamados ao extremo, argumentaram que a proposta britânica era um diversionismo para que os judeus esquecessem a Palestina e chegaram a acusar seu líder e guia, Theodor Herzl, de cometer uma traição contra a Terra Prometida. Os protestos continuaram, embora Max Nordau tentasse aplacar os russos, argumentando que o território na África seria apenas temporário. Em vão. Os russos se retiraram do plenário e só voltaram após uma hábil negociação costurada por Herzl. Enfim, os delegados decidiram enviar uma comissão a Uganda, encarregada de fazer um levantamento do local, com bela extensão, designado pelos ingleses. Após seu relatório a discussão seria retomada no próximo congresso. No encerramento, Herzl optou por um tom conciliador. Concluiu seu pronunciamento com um inesperado gesto teatral. Levantou o braço e recitou o Salmo 137 em hebraico: “Se eu te esquecer, ó Jerusalém, que a minha mão direita perca a sua destreza”.

COM SEUS FILHOS, PAULINE (À DIR.), HANS E MARGARETHE. C. 1900

alcançado em sua breve trajetória transbordante de idealismo. Por que ele tinha alcançado tamanho êxito, enquanto uma importante obra anterior à sua, detentora de uma ideia similar, tinha fracassado? Porque Herzl, antes de tudo, viu no povo judeu um potencial oprimido, porém capaz de ser despertado, capaz de transpor muros de

Mesmo assim, a oposição a Uganda não arrefeceu. Um jornal de Varsóvia editado em hebraico publicou: “O senhor Herzl é menos um nacionalista e mais um empreendedor de projetos”. O artigo trazia a assinatura de um jovem ativista sionista, nascido na Rússia e radicado em Londres, chamado Chaim Weizmann. Herzl deixou a Basileia, rumo a Viena, exausto e deprimido. Anotou em seu diário: “De fato, a Palestina é o único lugar onde o nosso povo poderá encontrar um refúgio”. Apesar de todos os embates, se sentia gratificado por tudo já

PÔSTER COMEMORATIVO DO JUBILEU DA ORGANIZAÇÃO SIONISTA. EM HEBRAICO: “OS JUDEUS QUE O DESEJAREM, TERÃO SEU ESTADO”

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guetos e de superar a discriminação com vontade sólida, uma vontade tão determinada que o próprio povo ignorava possuir. Depois da publicação de O Estado Judeu, ele admitiu que talvez não tivesse exposto sua convicção pela consecução de uma pátria judaica se soubesse da existência de um livro consistente de Leon Pinsker, publicado em 1882, portanto treze anos antes do seu, que preferia chamar de panfleto. A obra de Pinsker era intitulada Autoemancipação: o apelo de um judeu para seu povo. Nascido na Polônia e radicado em Odessa, Pinsker viajou para a Alemanha com a finalidade de tentar o apoio para sua ideia junto a filantropos judeus, mas regressou desiludido e de mãos vazias para a Rússia. Ao contrário de Herzl, lhe faltava, em primeiro lugar, um componente essencial: carisma. Em segundo, também ao contrário de Herzl, pragmatismo. Por fim, mais uma vez em contraposição a Herzl, não via o povo judeu como uma só grande nação. A par do carisma, Theodor Herzl era um homem alto (1,81m) com feição muito bonita, sua barba negra, espessa e longa, lhe conferia um ar de austeridade JUNHO 2021


HISTÓRIA

e maturidade. Ele impressionava as plateias e interlocutores por sua elegância natural e também por sempre se apresentar com um vestuário refinado e impecável.

concordar com a primazia da Palestina e assim concluiu: “Nos últimos seis anos devotei minhas modestas energias para o despertar do nosso povo.

CÉDULA ANTIGA DE 100 LIRAS ISRAELENSES, COM A EFÍGIE DE THEODOR HERZL

Em novembro de 1903, ainda muito abatido, decidiu renunciar à presidência da Organização Sionista Mundial. Escreveu uma “Carta Aberta ao Povo Judeu”, acentuando

Não me recolho com amargura ou insatisfeito. Fui amplamente recompensado pelo amor que recebi do povo judeu, um bom povo, porém infeliz. Que D’us

Centro Azrieli, Tel Aviv: a modernidade sonhada por Herzl

continue a ampará-lo”. Esta “Carta” jamais chegou a ser divulgada. Foi encontrada entre seus papéis, meses depois de sua morte, no dia 3 de julho do ano seguinte. O sucesso público de Herzl e sua vida afetiva configuram um contraste dilacerante, pontuado por um casamento muito infeliz. Theodor Herzl e Julie Naschauer se casaram no dia 25 de junho de 1889 em Reichenau, pequena ilha turística localizada no lago Constança, no sul da Alemanha. Ele era um jornalista promissor com 29 anos de idade que trabalhava no jornal austríaco Neue Freie Presse, um dos mais prestigiados da Europa, e autor teatral que começava a ter suas peças encenadas em Viena. Ela, com 21 anos, filha de um rico comerciante de Budapeste. Os biógrafos de Herzl destacam que os dois apresentavam temperamentos incompatíveis desde o início. Enquanto ele tinha um comportamento solene e comedido, ela era uma jovem efervescente e dada a injustificados rompantes de ciúmes. Poucos meses depois de celebrado, já era evidente o fracasso daquela união que conseguia manter a aparência, porém constantemente assinalada por tormentas e apatias. O escritor Ernst Pawel, no livro pouco documentado que escreveu sobre a vida íntima de Herzl, sustenta uma especulação segundo a qual Herzl de tal maneira dependia emocionalmente da mãe que, após o casamento, alugou um apartamento próximo ao dos pais para a ela recorrer sempre que havia um problema com Julie. Entretanto, no extenso diário ao qual se dedicou anos a fio de forma metódica, não é possível detectar razões para a alegada dependência.

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A primeira filha do casal, Pauline, nasceu exatamente nove meses depois do casamento. (Quando Herzl estava na Palestina, mandou para a filha, então com oito anos de idade, uma série de afetuosos cartões postais, enviados de Jerusalém e Constantinopla, porém nenhum para a mulher). Em junho do ano seguinte nasceu o filho, Hans. A anotação no diário, quando o bebê fez um ano é divertida: “Hans puxou minha barba com tanta força, que chegou a doer”. Trude nasceu em Paris, em 1893, quando Herzl era correspondente do Neue Freie Presse, ganhando apreciável salário e fazendo sucesso com suas matérias, sobretudo as que focalizavam o julgamento do capitão judeu Alfred Dreyfus, ardilosamente acusado de espionagem. Foram reportagens marcadas por indignação em face da injustiça contra Dreyfus e permeadas de revolta pelo antissemitismo existente no alto comando do exército francês. A moldura contendo a aparência da família Herzl escondia o péssimo relacionamento do casal. Ao mesmo tempo, a saúde de ambos se fragilizava: ele sofria de insônia e palpitações; um médico já lhe havia advertido sobre a existência de um incipiente problema cardíaco, que escondia de todos. Ela dava indícios de desordem mental e começava a se viciar com drogas, com intervalos para reabilitações. O casamento de Theodor e Julie foi tão mal sucedido e corrosivo que gerou uma série de infelicidades para toda a família. Julie, viciada em drogas, morreu em 1907, após sucessivas internações em instituições para doenças mentais. Hans, acometido de esquizofrenia, suicidou-se em 1930, no mesmo dia do funeral de sua irmã, Pauline,

NÃO FOI UMA LENDA...

40 anos, morta por causa de uma overdose de heroína. Trude, que também sofria de distúrbios mentais e não se relacionava com os irmãos, morreu junto com o marido, Richard Neumann, no campo de concentração de Theresienstadt, em 1943. O único filho do casal, Stephan Theodor, sobreviveu porque seu pai, já temeroso com a ascensão nazista, pediu à Organização Mundial Sionista, em Viena, que cuidasse do acolhimento do filho, então com 17 anos, por alguma uma família judaica em Londres. Em 1945, logo depois da guerra, durante a qual chegou a capitão da Real Artilharia Britânica, Stephan, autodenominado Stephen, fez uma viagem à Palestina, onde foi calorosamente recebido pelos dirigentes da Agência Judaica. No ano seguinte foi transferido para os Estados Unidos, a fim de trabalhar no escritório do adido militar inglês. Com 29 anos de idade, por motivo rigorosamente desconhecido, suicidou-se, saltando de 30 metros de uma altura na ponte do parque Rock 31

Creek, em Washington. Depois da independência de Israel, os restos mortais de toda a família foram transferidos para Jerusalém. Repousam no Monte Herzl, junto de seu patriarca. O túmulo de Binyamin Zeev Herzl, no alto da Cidade Santa, é simples e eloquente: um enorme bloco de granito negro com seu sobrenome inscrito. Assim como Moisés, ele não chegou com vida à Terra Prometida. Porém, a exemplo do profeta, tinha conduzido seu povo através de um majestoso e glorioso percurso até a vitória da liberdade. Bibliografia

Richman, Rick, The Mistery of Theodor Herzl, Mosaic Magazine, janeiro, 2021, EUA. Pawel, Ernst, Labyrinth of Exile: A Life of Theodor Herzl, Farrar, Strauss & Giroux, 1989, EUA. Kornberg, Jacques, Theodor Herzl: From Assimilation to Zionism, Indiana University Press, 1983, EUA.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.

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atualidade

ISRAEL E A CALÚNIA DO APARTHEID Por André Lajst

Muitas são as provas de que a democracia israelense não admite segregação racial. Nomes como Salim Joubran, que foi juiz da Suprema Corte de Israel, e Mansour Abbas, membro da Knesset que recentemente foi alçado à integrante da coalizão que pode iniciar um novo governo, ajudam a desmantelar o argumento do apartheid, tantas vezes usado por grupos que desejam colocar em xeque o direito de Israel existir.

E

m 1991, estive em Israel pela primeira vez. Meus pais, meu irmão e eu nos mudamos para o país em setembro, após o fim da Guerra do Golfo. Eu era criança, porém me lembro de certa vez estar em um escritório do Ministério do Interior com minha família, onde brinquei com a bengala de um senhor árabe muito simpático que aguardava sua vez nas cadeiras do salão principal. Em algum momento, escutei gritos do lado de fora. Um israelense gritava por algum motivo, que pode ou não estar relacionado com o fato de o senhor árabe estar dentro do recinto. De repente, o israelense quebrou o vidro que separava esse salão e a calçada. Em três minutos, ele foi preso e levado pela polícia. Por diferentes razões, não permaneci em Israel e, em 2003, retornei a Israel, dessa vez como estudante do Ensino Médio. Era o auge da Segunda Intifada, quando os atentados suicidas ocorriam quase que semanalmente em bares, restaurantes, ônibus e locais públicos. Lembro-me bem que toda vez que ia entrar em locais públicos, estações de ônibus ou trem, passava por controle de raio X, detectores de metal e perguntas dos seguranças.

servi à Inteligência da Força Aérea por dois anos e me tornei um israelense. Os controles de segurança sempre estiveram presentes para todos, sem exceção. Em determinados casos, os seguranças eram árabes, beduínos ou drusos, de religião islâmica ou cristã. Esses três episódios em que contei experiências pessoais, servem para concluir o óbvio. Israel se preocupa com a segurança de seus cidadãos e utiliza formas preventivas e ferramentas de tecnologia conhecidas no mundo todo para proteção contra ações violentas. Quem revista ou quem é revistado não está baseado em etnia, raça ou religião. Diga-se de passagem, quem revista, quando está de folga, também é revistado. A acusação de que Israel comete o crime de apartheid é mais uma forma de tentar deslegitimar o país. A lógica é clara: Quanto mais crimes contra a humanidade forem atribuídos a Israel, mais pessoas começarão a condenar a existência do país e questionar sua legitimidade, pressionando governos a mudarem suas posições, isolando Israel e, consequentemente, enfraquecendo-o. Apesar das acusações e protestos e da campanha global por boicote, Israel possui um crescimento considerável em sua economia, foi reconhecido por mais quatro nações árabes e está longe de estar isolado como nação.

Em 2006, voltei como cidadão do país. Morei em Israel por 10 anos. Nesse tempo, aprendi hebraico fluente, 32


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Modernos edifícios na cidade de Ramallah, na Cisjordânia

Em outras palavras, mesmo que haja acusações vindas de diversas frentes, a verdade fala por si, e países e populações inteiras não podem ser enganados o tempo todo. Uma vez estando clara essa situação e frisando-se o caráter democrático e igualitário de todos os cidadãos de Israel perante a Lei, independente de religião, raça, sexo, cor ou etnia, devemos também endereçar a situação na Judeia e Samaria (Cisjordânia). Desde que Israel conquistou a região em 1967 em uma guerra defensiva de agressão, o controle militar israelense é justificado pela Lei Internacional. A construção de assentamentos neste território, onde israelenses podem viver, é motivo de disputa judicial e as opiniões de juristas variam, de lado a lado. Para justificar a construção destes

assentamentos, na década de 1970, os israelenses encontraram uma brecha em uma lei otomana, que dizia que um território mais distante que três quilômetros do centro de um vilarejo, que não estivesse sendo utilizado pelo proprietário ou não tivesse dono, poderia ser usado pelo império. Essa lei deu uma base jurídica argumentativa para que

SALIM JUBRAN, ÁRABE-ISRAELENSE, FOI JUIZ DA SUPREMA CORTE DE ISRAEL

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israelenses pudessem justificar na Suprema Corte de Israel, que, a partir de 1967, o “império” era Israel. A partir desse momento, começou a construção de comunidades israelenses na Cisjordânia. Como a Jordânia ocupou a região entre 1949 e 1967 e, exceto a Inglaterra e o Paquistão, nenhum outro país do mundo reconheceu a soberania da Jordânia na Cisjordânia, Israel considera o território, ainda hoje, como em disputa, e não ocupado, pois uma ocupação se dá apenas em territórios de outra nação soberana, algo que não existia na Cisjordânia quando a mesma foi conquistada por Israel. Portanto, a situação legal da região é muito complexa, e não há consenso entre juristas. Os Acordos de Oslo 1, em 1993, quando o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, apertou a JUNHO 2021


atualidade

Naftali Bennett, Yair Lapid E Mansour Abbas ASSINAM O ACORDO DE COALIZÃO

mão de Yasser Arafat, deram início à criação de um governo autônomo palestino. Em outras palavras, Israel não iria mais governar os palestinos e um governo criado e administrado por eles assumiria tal responsabilidade. Após os Acordos de Oslo 2, em 1995, a região foi dividida em três partes, A, B e C, sendo a Zona ‘A’ de controle total dos palestinos, onde estão localizadas as principais cidades palestinas e 95% da população; zona ‘B’, de controle civil da Autoridade Palestina e controle de segurança parcial dos palestinos em cooperação com Israel e, por fim, a zona ‘C’, equivalente a cerca de 50% do território da Cisjordânia, onde estão todos os assentamentos israelenses, os quais somam apenas 2% do território, bem como as fronteiras da região com Israel e a fronteira com a Jordânia. Quando o acordo foi firmado, em 1995, não havia muitas restrições de segurança. Porém, com a crescente onda de atentados na década de 1990 e com a Segunda Intifada, entre 2000 e 2005, Israel se viu obrigado a implementar mais de 500 checkpoints e a construir uma barreira de segurança entre a Cisjordânia e Israel, para impedir atentados e movimentação de armas entre cidades palestinas. Essas

implantações são baseadas em uma necessidade de segurança, e não em uma política segregacionista. Muitos soldados que cuidavam desses checkpoints eram árabes drusos ou árabes cristãos e até mesmo árabes muçulmanos – com esse último exemplo apenas, a acusação de apartheid cai por terra. Em outras palavras, para que um sistema de apartheid se estabeleça, a discriminação precisa ser fundamentada em motivos raciais, étnicos e ser praticada contra a população do mesmo país. O caso de Israel na Cisjordânia não se encaixa em nenhuma das três possibilidades. As implementações de segurança de Israel na Cisjordânia, de fato, afetam os palestinos, que tiveram suas vidas parcialmente alteradas pelas decisões de grupos terroristas ou do próprio governo palestino e sua inabilidade em conter a violência. De 2005 para cá, entretanto, o número de checkpoints caiu 90% e centenas de milhares de palestinos entram diariamente da Cisjordânia em Israel para trabalhar. Ou seja, não há qualquer discriminação e, sim, uma questão de segurança nacional para evitar atentados; uma vez que eles diminuíram, os postos de checagem diminuíram também. 34

Por último, vale ressaltar e contextualizar mais um argumento usado por aqueles que acusam Israel de apartheid. Dizem que existem estradas apenas para judeus e outras apenas para palestinos dentro da Cisjordânia. Na verdade, não é bem assim: existem estradas onde ocorreram diversos atentados, nos últimos vinte anos, e, novamente, por causa da segurança, nessas estradas, que não são muitas, e estão na parte C da Cisjordânia, e são controladas por Israel, os palestinos não podem circular com seus carros, mas apenas os israelenses. Vale ressaltar que todos os israelenses podem usar essa estrada, isso inclui judeus, árabes, drusos, beduínos etc. Ou seja, a decisão não é baseada em etnia ou raça ou cor, mas em nacionalidade e cidadania, uma vez que por motivos de segurança, foram impostas limitações de trânsito. Além de todos os fatos técnicos explicados acima, vale salientar que Mansour Abbas, líder do partido Raam, braço político do movimento islâmico do sul de Israel, não apenas é um membro pleno do parlamento israelense, mas acaba de assinar um acordo com Yair Lapid para compor a coalizão do novo governo. É a primeira vez na história de Israel que um partido árabe israelense participa de forma ativa na formação de um governo. Abbas tem-se encontrado com todas as lideranças do país, de esquerda à direita, religiosos e laicos. Isso sugere uma lição para as democracias do mundo todo, de que diferenças ideológicas podem ser colocadas de lado, almejando o bem geral do país. Case Closed. André Lajst, 35, brasileiro e israelense é cientista político, mestre em Contraterrorismo pela Universidade IDC Herzlyia, doutorando em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Córdoba, na Espanha, e diretor executivo da StandWithUs Brasil.


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Objetivando deslegitimar o direito de existência de um Estado Judeu, há QUEM ACUSE o Estado de Israel de praticar o apartheid. VALE REVISITAR O que foi o apartheid na África do Sul.

Palavra africâner que literalmente significa “separação”, o termo Apartheid é usado para descrever o sistema político e econômico discriminatório de segregação racial que vigorava na África do Sul, que a minoria branca - que representava menos de 20% da população - impôs aos não-brancos do país. O apartheid foi implementado pelo Partido Nacional da África do Sul, de 1948 a 1994. A segregação por raça existia na África do Sul desde 1806. Mas foi muito ampliada com a Lei de Registro da População, de 1950, que dividiu os sul-africanos em quatro categorias: bantus (negros), mestiços, brancos e asiáticos (indianos e paquistaneses). A lei foi projetada visando a preservar a supremacia branca no país. Os efeitos do apartheid afetaram todos os aspectos da vida diária na África do Sul. Foram proibidos o casamento e as relações sexuais entre sul-africanos brancos e não brancos. Mesmo casamento interraciais realizados em outros países eram “ilegais”. Mais de 80% das terras do país foram reservadas para a minoria branca, que representava menos de 20% da população do país. Homens e mulheres negros foram forçados a viver nas chamadas “pátrias negras”. Para viver e trabalhar em “áreas brancas” designadas, exigiam-se licenças para os não brancos. A participação destes no governo, no sistema judicial e nos sindicatos era proibida. Hospitais, ambulâncias, ônibus e instalações públicas eram segregados e os destinados à população não branca eram de qualidade inferior. Um negro não podia ser tratado em um hospital para brancos,

assim como um médico negro não podia tratar um paciente banco. As leis do apartheid concederam a entidades públicas e privadas o direito de separar ou reservar para uso exclusivo dos brancos “quaisquer locais públicos” - incluindo banheiros, bancos, parques, praias, salões de igrejas, prefeituras, cinemas, teatros, cafés, restaurantes, hotéis, escolas e universidades - ou “qualquer veículo público” - táxis, ônibus, bondes, trens e ambulâncias. Havia bancos de praça onde apenas brancos podiam se sentar e até as entradas dos metrôs eram segregadas. Os sinais do apartheid eram comuns em todas as cidades da África do Sul. Os não brancos não podiam frequentar as mesmas escolas que a população branca do país. A educação na África do Sul foi segregada pela Lei de Educação Bantu de 1953, que elaborou um sistema separado de educação para estudantes negros sul-africanos, projetado para preparar os negros para a vida como uma classe trabalhadora. Em 1959, também foram criadas universidades separadas para negros, mestiços e indianos. As universidades existentes foram proibidas de aceitar novos alunos negros. Foi terrível o impacto do apartheid na população não branca da África do Sul. As famílias eram frequentemente separadas pelas próprias leis raciais. Se os pais fossem negros e brancos, seus filhos eram classificados como “de cor” e, entre 1961 e 1994, 3,5 milhões de pessoas foram removidas à força de suas casas. Suas terras foram vendidas por uma fração de seu preço, mergulhando os não brancos em extrema pobreza e desespero. 35

Os sul-africanos que desobedecessem às leis do apartheid podiam ser multados, presos, encarcerados ou chicoteados, enquanto os suspeitos de ter um “relacionamento racialmente misto” eram perseguidos e aprisionados. Para ajudar a impor a segregação das raças e evitar que os negros “invadissem” as áreas brancas, o governo sul-africano fortaleceu as chamadas Leis de Passe, que exigiam que os não brancos portassem documentos autorizando sua presença em áreas restritas. Outras leis proibiam a maioria dos contatos sociais entre as raças. Além disso, o apartheid restringia certos tipos de empregos às diferentes raças, e restringia a formação de sindicatos de trabalhadores não brancos e, como vimos acima, negava a participação destes no governo nacional. Se homens ou mulheres negros fossem encontrados sem seus “dompas” - um passaporte contendo impressões digitais, fotografia, detalhes pessoais de emprego e permissão do governo para estar em áreas do país restritas aos brancos - poderiam ser presos. Mais de 250.000 sul-africanos negros eram presos anualmente devido às Leis de Passe. Milhares de pessoas morreram presas, após terem sido submetidas a atos horríveis de tortura. Os que eram levados a julgamento eram condenados à morte, banidos ou condenados à prisão perpétua.

Mais informações sobre as leis do apartheid podem ser encontradas no site: South African History Online Apartheid Legislation 1850s-1970s. https://www.sahistory.org.za/article/ apartheid-legislation-1850s-1970s

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comunidades

Um ABC Paulista e judaico POR Eduardo Shor

Sem temer as dificuldades DE uma terra nova, em tudo diferente de suas aldeias na Europa, os judeus enfrentaram a distância, reinventaram-se e estabeleceram suas comunidades, desbravando cidades do interior de São Paulo, para onde os levava a linha férrea do estado. Dessa época são as comunidades judaicas de Santo André, São Bernardo e São Caetano, de onde provêm tantos homens e mulheres que se destacaram em vários campos da vida brasileira.

O

ABC Paulista entrou para a história do Brasil como um importante polo industrial, com destaque para o setor automobilístico. Quem vive fora do Estado de São Paulo talvez não o associe prontamente, mas a sigla ABC se refere às cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul, onde nos anos 19601970 a comunidade judaica chegou a cerca de 300 famílias.

saíam de casa e as moradias ficavam distantes do comércio diversificado, muitos lares eram abastecidos dessa forma.

Os judeus começaram a se estabelecer no ABC Paulista no fim da década de 1920, e a maioria seguiu um destino comum aos imigrantes judeus de outras terras: adotou a profissão de clientelchik, no iídiche, ou, em bom português, mascate. Inicialmente, os mascates do ABC se movimentavam de bonde para vender suas mercadorias porta a porta.

No ABC Paulista, não foram poucos os judeus que alcançaram esse feito. Na década de 1950, em Santo André, onde mais de 30 famílias judaicas estavam ligadas ao comércio, o dia do Yom Kipur era facilmente percebido pelas lojas fechadas em ruas tradicionais do Centro, como General Glicério e Oliveira Lima. Santo André e São Caetano sempre tiveram uma comunidade maior do que São Bernardo por um motivo simples: suas estações de trem.

Logo que obtinham um sucesso inicial, os mascates compravam cavalos e charretes para transportar os produtos – lençóis, roupas, toalhas, panelas e outros itens. Um dos maiores símbolos de sua ascensão era quando o mascate se fixava em um endereço e abria a própria loja.

Esses profissionais são considerados os introdutores da compra a crédito no Brasil. Anotavam o nome dos clientes no caderno, um cadastro com o endereço, os produtos adquiridos e o valor das prestações. Voltavam todo mês para recolher a quantia correspondente à parcela e, se houvesse oportunidade, fazer novas vendas. Em um cenário em que as mulheres em geral pouco

Os trilhos desempenharam um papel fundamental na imigração em São Paulo. A partir da Estação da Luz, os imigrantes chegavam ao interior, atraídos pelas oportunidades em fábricas e pequenos negócios abertos no entorno da linha férrea. Esse vaivém dos 36


REVISTA MORASHÁ i 111 FOTO: NIELS ANDREAS

keter torá do shil de santo andré, BELAS COROAS DA TORÁ DA SINAGOGA DE SANTO ANDRÉ

passageiros e o estabelecimento de novos moradores para atender à indústria embrionária favoreciam o comércio – e aqueciam as vendas dos mascates. Tanto que há registros da presença judaica em pelo menos 35 municípios do interior paulista em meados do século 20, a maioria deles muito bem servidos pelo trem.

Esses pioneiros também se preocupavam com a forma de manter seu judaísmo. Uma das

foto Alberto Murayama

A formação de uma comunidade Em 1928, a luz elétrica ainda era de certa forma novidade no ABC. Predominavam as ruas de terra e as mais modernas eram pavimentadas com paralelepípedos. Os imigrantes do Leste Europeu e de países árabes desembarcavam ao lado de espanhóis, italianos, portugueses e outras nacionalidades que vislumbravam uma sorte melhor no Brasil. As famílias judaicas nem sempre vinham completas.

primeiras iniciativas dos imigrantes em Santo André foi a organização de um Cabalat Shabat. Na época em que não havia uma sinagoga, as cerimônias eram realizadas a cada semana na residência de um outro integrante do grupo.

Era comum os homens chegarem sozinhos, arrumarem casa, trabalho e se adaptarem ao novo país para aí então trazerem mulher e filhos.

Chanukiá próxima ao Paço Municipal em Santo André

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Quando os recém-chegados conseguiram homens suficientes para formar um minyan, compraram um Sêfer Torá. Os rolos sagrados ficavam guardados – e bem protegidos – no armário da casa de um dos participantes do minyan e eram retirados apenas para a leitura no Shabat. Nas Grandes Festas, a solução era se deslocar até as sinagogas da capital. Muitos se hospedavam na casa de parentes para não depender do carro ou do trem. Com o tempo, o número de judeus cresceu e a construção de uma JUNHO 2021


comunidades

Um dos fatos mais curiosos na história da sinagoga ocorreu durante as campanhas de nacionalização do Governo Vargas. Entre a série de medidas que buscavam estimular a cultura nacional e reduzir a influência externa, foram proibidas publicações e aulas em idiomas estrangeiros. Os nomes de clubes, associações e outras entidades também foram afetados e invariavelmente precisavam ser substituídos. Até mesmo as conversas em “línguas diferentes” poderiam sofrer punições.

Inauguração da primeira sinagoga de Santo André, nos anos 1940

sinagoga se tornou urgente. O prédio erguido na década de 1940, com projeto do arquiteto Vittorio Corinaldi, foi fruto de uma grande mobilização da comunidade judaica andreense. Houve quem tivesse tomado empréstimos na Cooperativa de Crédito Popular do Bom Retiro para investir na ideia e até caminhado de Santo André à Lapa recolhendo donativos. Há testemunhos de que um dos membros da comunidade literalmente pôs as mãos à obra. Sem maiores somas para contribuir, foi encontrado passando tijolos aos pedreiros. Esse homem participara, alguns anos antes, como operário na construção do Grande Templo, na rua Martinho Prado, atual Museu Judaico de São Paulo.

Foi assim que durante uma aula de Bar-Mitzvá alguém do lado de fora da sinagoga escutou a cantoria do professor e dos alunos, e correu para denunciar o uso de idioma estrangeiro à polícia. A turma foi surpreendida pelos agentes que bateram à porta para investigar o “crime”. Quem acabou responsabilizado foi o então presidente da comunidade e, a partir daí, a história tem duas versões. Em uma delas, ele foi levado à delegacia, onde passou 24 horas na prisão, sendo libertado por interferência de representantes das instituições judaicas de São Paulo. A outra versão diz que o presidente da comunidade teria subido no telhado até que os policiais cansados de procurar o responsável pelas aulas tivessem decidido ir embora.

A comunidade que salvou um Sêfer Torá Quase todos os judeus que procuraram o ABC Paulista vieram da Europa, poucos do Oriente Médio. Algumas famílias antes de chegarem ao ABC passaram por outras regiões do Brasil, como cidades do próprio interior de São Paulo. 38

Em Bauru (SP), por exemplo, onde existia um encontro de linhas férreas, estabeleceu-se uma comunidade. Uma das famílias que se transferiu de Bauru para Santo André veio inicialmente do vilarejo de Trochenbrod, atual Ucrânia. Quando começaram as perseguições aos judeus com a participação dos cossacos, o patriarca da família correu até a sinagoga de Trochenbrod para resgatar o Sêfer Torá, que corria o risco de ser atingido em meio aos ataques. No início da década de 1930, o Sêfer Torá de Trochenbrod atravessou o Atlântico de navio dentro da mala da família, passou pelo Rio de Janeiro e a capital paulista até chegar em segurança a Bauru. Com o passar dos anos e a mudança de seus integrantes para outras cidades, a comunidade judaica de Bauru se esvaziou. O Sêfer Torá de Trochenbrod, porém, não foi esquecido. Como boa parte dessa comunidade se fixou no ABC, foi levado para a sinagoga de Santo André. Outro ponto de passagem de alguns dos judeus que chegaram ao ABC Paulista foram as colônias do Rio Grande do Sul. É o caso da família do premiado cineasta Aron Feldman (1919-1993), que nasceu na colônia de Quatro Irmãos. Mas, se houve uma cidade mais bem representada nesse mosaico de múltiplas origens, foi a vila de Rozyszcze (pronuncia-se Rogisque). Em Santo André, pouco mais de uma dezena das famílias veio desse povoado pertencente à Ucrânia, que já foi parte da Rússia e da Polônia. No fim do século 19, Rozyszcze tinha uma população de 5 mil pessoas, 70% judaica. Seus antigos moradores sempre foram zelosos em guardar


suas memórias. Em Israel, existe um comitê especialmente criado para preservar a história do local, com livros, monumentos, viagens e outras iniciativas. No ABC, embora não tenha sido criada uma entidade oficial para isso, as famílias de Rozyszcze que lá se estabeleceram sempre fizeram questão de lembrar suas origens, apesar de construírem fortes laços de amizade com o restante da comunidade. A pequena cidade foi muito atingida por ataques nazistas durante a 2ª Guerra Mundial.

A força feminina na construção do ABC judaico O engajamento das mulheres no crescimento da comunidade judaica local se tornou formalmente estruturado em 1946, quando começaram as reuniões da Women International Zionist Organization (Wizo), em Santo André. Poucos anos após a inauguração da Wizo, as atividades femininas duplicaram, com a abertura de uma unidade da então Organização das Pioneiras, hoje Na’amat Pioneiras. Entre as atividades desses grupos, eram organizados debates, palestras, eventos de música e até a visita de personalidades brasileiras e internacionais. Consta nas atas da Wizo que um de seus convidados foi Dom Jorge Marcos de Oliveira. Nomeado primeiro bispo de Santo André nos anos 1950, Dom Jorge era pleno conhecedor da cultura judaica e amigo da comunidade, sendo reconhecido por sua atuação em prol dos Direitos Humanos durante o regime militar no Brasil.

foto Alberto Murayama

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Leitura da Torá em Santo André

E fez questão de compartilhar uma visita sua a Israel na entidade. A primeira missão da Wizo foi reunir condições para a inauguração de uma escola judaica. Uma das estratégias para concretizar o projeto foi realizar jantares e outros eventos de arrecadação de fundos. Como muitas das famílias eram recém-chegadas e desembarcaram no Brasil com poucos recursos, obter contribuições nem sempre era fácil. Mesmo assim, a cultura de ajuda aos mais necessitados sempre foi uma constante entre os recém-chegados. No caso da escola, motivada pela possibilidade de reunir os alunos judeus que se espalhavam por

Centro Comunitário Itzhak Rabin

instituições de ensino públicas e creches da região. Até então, os pais que desejassem oferecer uma educação judaica dependiam majoritariamente de professores particulares contratados em São Paulo. Assim nasceu o Externato Hebreu Brasileiro Chaim Weizmann, nomeado em homenagem ao primeiro presidente de Israel. A primeira reunião para a criação da escola foi realizada em 1953 e teve registro em uma ata em iídiche. No documento, os participantes destacam que, por mais ousado que fosse o orçamento, tratava-se de um custo pequeno se comparado aos grandes resultados previstos.

Festa de Simchat Torá na sinagoga de São Caetano do Sul

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onde os jovens concluiriam o novo Ensino Fundamental.

E os esforços para a manutenção de uma instituição judaica desse porte no ABC não foram poucos. Uma das dificuldades vivenciadas logo de início foi que nem sempre os pais e mães conseguiam buscar os filhos na hora em que as aulas acabavam. Para evitar que as crianças ingressassem em outras escolas, houve professores que se prontificaram a levar os alunos para a própria casa, dar almoço e lanche, oferecer um espaço para brincadeiras, até que os responsáveis conseguissem sair do trabalho e buscar seus filhos. Quando o número de crianças matriculadas cresceu, a escola ganhou uma estrutura maior, em outro endereço. Houve ainda uma segunda mudança, quando passou a ocupar um imóvel próprio, na rua Onze de Junho, 172. Nos anos 1960, o Externato viveu o seu auge, alcançando mais de 100 alunos, sendo cerca de 40 apenas no Jardim de Infância. Em 1972, a escola sentiu o impacto de uma medida que não estava em seus planos. Foi obrigada a se adequar à nova legislação federal, que criava o Ensino Fundamental de oito anos.

Vidros da fachada da nova sinagoga de Santo André formam a palavra Chai - Vida

De repente, o Externato com uma professora para o jardim, um professor de hebraico e quatro professores – um para cada classe – precisou passar para o novo regime, contratando mestres para diversas disciplinas, que atendessem a uma grade muito mais ampla. As dificuldades aumentaram de tal forma que pais e professores viramse obrigados a pedir a transferência dos estudantes para outras escolas,

Alunos do Externato Hebreu Brasileiro Chaim Weizmann, na década de 1950

O plano de transferência não foi adiante por uma razão principal: os alunos organizaram passeatas e protestos. Carregando faixas e cartazes, pediram a permanência das atividades na escola, que a partir das transformações implementadas mudou seu nome para Externato Oswaldo Aranha. Além da contratação dos professores, foi necessário adaptar o prédio para aumentar as turmas, reformar o pátio para as aulas de Educação Física, multiplicar as reuniões de diretoria, entre outras ações. Nos anos 1970, diante das dificuldades financeiras, os funcionários da escola de Santo André deram um importante exemplo de dedicação à educação judaica no município. Professores abriram mão dos aumentos de salário para que a quantia fosse investida em infraestrutura para os alunos. Também uma diretora pagou transporte a estudantes que moravam em bairros mais afastados, para que mantivessem seus vínculos diários com o Externato. Ao longo do tempo, a situação se tornou insustentável, agravada pela redução no número de alunos e classes muito pequenas. Quando já se previa o fechamento, a diretoria orientou os pais e preparou os estudantes, buscando amenizar os possíveis impactos das mudanças. Depois de quase 35 anos, em dezembro de 1987, a escola encerrou suas atividades. O imóvel onde o Externato funcionava, porém, não ficou inativo por muito tempo. Em 1995, com a demolição da construção e após nove meses de obras, foi erguido o Centro

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Comunitário Itzhak Rabin, sede da Associação Religiosa Israelita de Santo André (Arisa), para onde foi transferida também a sinagoga da cidade. Além das atividades religiosas, o Centro possui uma mikvê, dá espaço a um coral e oferece cursos diversos de música, dança, culinária e outros temas da cultura judaica.

São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul Os primeiros registros da chegada de imigrantes judeus a São Bernardo do Campo datam dos anos 1940. O número de famílias na cidade nunca ultrapassou duas dezenas e a união à comunidade de Santo André foi um caminho natural. Havia inclusive um revezamento de pais e mães para levar e trazer os filhos matriculados no Externato Oswaldo Aranha. Os próprios nomes das famílias de São Bernardo apareciam com frequência nas listas de doadores das campanhas beneficentes realizadas na cidade vizinha. Em São Caetano, os imigrantes judeus começaram a se estabelecer em meados dos anos 1920 e uma estrutura organizada de comunidade foi registrada em 1948, com o lançamento da pedra fundamental da Sociedade Religiosa Israelita de São Caetano do Sul (SRISCS). A primeira providência tomada pelos membros da entidade, que funciona até hoje no mesmo endereço, foi a aquisição de um Sêfer Torá. Em 1950, a comunidade construiu sua sinagoga, com pinturas que retratam cenas bíblicas, feitas por um artista israelense. O prédio, completamente restaurado em 2014, é reconhecido pela prefeitura de São Caetano na lista de patrimônios culturais da cidade.

aron hakodesh, ARCA SAGRADA DA SINAGOGA de santo andré

Em conjunto com os moradores de São Bernardo e Santo André, os jovens do município frequentavam movimentos como Dror e Hashomer Hatzair. O grupo de judeus de São Caetano chegou a vivenciar uma intensa atividade cultural, recebendo conferencistas e grupos de teatro argentinos, que apresentavam peças dos grandes escritores em língua iídiche. A cidade também serviu de base para uma unidade da Na’amat Pioneiras, que esteve ativa por quase meio século. Ao longo dos anos, as atividades dos judeus de forma geral foram mudando. Se de início predominavam os comerciantes, as novas gerações diversificaram suas ocupações. Tornaram-se administradores, advogados, artistas, cineastas, engenheiros, escritores, jornalistas, médicos. Alguns até com participação política no ABC. A região assistiu também ao deslocamento de dezenas de famílias judaicas principalmente para São Paulo, motivadas por casamentos 41

ou exigências profissionais, e para Israel. A comunidade de São Caetano, que chegou a contar 100 famílias, abriga hoje em torno de 30. Em Santo André, que mantém uma chanukiá próximo ao Paço Municipal, passou de 180 famílias para cerca de 100, constituindo uma presença que ainda hoje contribui para a construção de uma identidade judaica e o desenvolvimento do ABC Paulista. Eduardo Shor é jornalista e escritor. Autor de biografias e livros institucionais.

BIBLIOGRAFIA

Gedankien, Anna; Glezer, Raquel; Shor, Eduardo. Coragem, Trabalho e Fé. A história da comunidade judaica na região do ABC Paulista. Santo André, 2019. Gedankien, Anna; Gedankien, Dan Iosef; Polesi, Alexandre; Polesi, Odete. A comunidade israelita do ABC. Revista Brasil-Israel, São Paulo, número 204, pgs. 34-39. Jan/fev/mar 1981. Jovanovic, Aleksandar. Os filhos de Israel nas terras do Tijuaçu. Revista Raízes, Fundação Pró-Memória, São Caetano do Sul, 22, 1992, pgs 26-33. Rozyszczer Comittee in Israel. http://www.rozyszcze.org/ JUNHO 2021


NOSSOS SÁBIOS

RabiNO Dr. Twerski, ZT”L O Rabi Dr. Abraham Twerski foi rabino e psiquiatra de renome internacional. Era uma importante autoridade no tratamento da dependência a drogas e outras substâncias. E nessa função ele pessoalmente salvou e transformou a vida de dezenas de milhares de seres humanos. Com suas instituições, palestras e artigos, o bem que ele fez neste mundo é imensurável.

E

m fevereiro de 2001, o Rabino Dr. Twerski veio a São Paulo a convite do Projeto Morashá e da J.A.C.S. ( Judeus em Recuperação de Álcool, Comprometidos com Drogas, e Seus Familiares e Amigos), com o apoio da Hebraica. Durante sua estada, ministrou cursos gratuitos e palestras na Sinagoga Beit Yaacov, na Escola Paulista de Medicina, no SESC e na Hebraica. Foi um privilégio e uma honra poder ouvir seus ensinamentos e conhecer seus atos de bondade.

Torá e Talmud. Essa rara combinação o tornava único. Igualmente respeitado pela comunidade ultraortodoxa e o mundo secular, ele não via contradição entre sua fé ortodoxa e suas atividades científicas. Quem teve a felicidade de conhecê-lo ou ouvi-lo falar, pôde sentir o calor, a compaixão, a sensibilidade, a gentileza e a emoção que formavam a sua pessoa. Era fácil achegar-se a ele e, ao fazê-lo, sentia-se sua personalidade fácil e bem-humorada.

Ele será lembrado como um Tzadik, uma pessoa justa, título que justificadamente mereceu por sua história de vida. A comunidade judaica e a comunidade maior perderam uma de suas principais forças na luta em prol daqueles que tanto sofrem.

Para ele, todas as pessoas mereciam ser ajudadas – e ele punha em prática essa ideia. Era psicólogo e amigo de milhares de alcoólatras e viciados a quem tratou ao longo de sua vida. Muitos deles, por sua insistência, chamavam-no de “Abe” (diminutivo de Abraham). Não de rabino, não de doutor – “apenas me chame de Abe”, era comum ouvi-lo dizer.

O Rabino Twerski tinha um intelecto poderoso, sendo considerado um dos psiquiatras mais destacados de sua geração. Era uma autoridade reconhecida no tratamento da dependência e do vício. Com formação em Medicina e especialização em Psiquiatria, ele era também rabino ortodoxo, descendente de várias dinastias chassídicas. Combinava um profundo conhecimento secular com igual conhecimento religioso: um vasto domínio sobre saúde mental, aliado a uma ilimitada maestria em

Era um brilhante erudito em Torá. Usava barba e dava palestras em conferências acadêmicas vestido nos trajes típicos chassídicos, sua roupa de todo dia. Tinha plena consciência de que como judeu chassídico, sua vida tinha que refletir integridade e bondade. Autor de mais de 85 livros, milhares de artigos e conferências mundo afora, 42


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Rabino Dr. Twerski em palestra na Sinagoga Beit Yaacov. Fevereiro de 2001

próximos, mas foi transmitido ao vivo para milhares de pessoas.

ele tinha a capacidade magistral de se comunicar tanto por escrito quanto oralmente. Grande parte de seus ensinamentos focalizam o aperfeiçoamento pessoal e a importância da autoestima. Era também músico – tinha uma bela voz e compunha lindas músicas, que cantava em ocasiões festivas. Uma destas se tornou internacionalmente conhecida na comunidade ortodoxa – a inspiradora Oshiach et Amecha. Ele dizia que a música era a chave de acesso à alma. O Rabino também tocava piano e soprava lindos sons no shofar.

Em seu testamento, o Rabino havia especificado que, quando de seu passamento, os enlutados não fizessem discursos fúnebres. Mas pedia que, pelo contrário, cantassem Oshiach et Amecha, melodia que compôs há décadas para as palavras do Salmo 28:9 — “Salva Teu povo e abençoa Tua herança, sê Tu o seu pastor e enaltece-o para sempre”. O Rabino e psiquiatra, ainda jovem

O Rabi Abraham J. Twerski nos deixou em 31 de janeiro deste ano de 2021 (18 de Shevat de 5781).

Estava internado no Centro Médico Hadassa, em Jerusalém. Aos 90 anos, sua alma subiu aos Céus após uma luta de algumas semanas contra a Covid-19.

Nome em iídiche de uma conceituada dinastia chassídica de Hornosteipel, cidade na hoje Ucrânia.

Seu funeral foi limitado a poucas pessoas, seus familiares mais

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Deixa esposa (a segunda), Gail Bessler-Twerski, psicóloga, e quatro filhos de seu primeiro casamento: Yitzchak Meyer Twerski, Benzion Yehuda Leib Twerski, Shlomo Chaim Twerski e Sara Reizel Miriam Twerski; e dois irmãos, Aaron, professor na Faculdade de Direito de Brooklyn, e Michel, rabino chefe da dinastia dos Chassidim de Hornosteipler1, junho 2021


NOSSOS SÁBIOS

na cidade de Milwaukee. Deixa também 28 netos e inúmeros bisnetos. Sua primeira esposa, Goldie Twerski, faleceu de câncer em 1995.

Sua Vida Abraham Joshua Heschel Twerski nasceu em 6 de outubro de 1930, em Milwaukee, no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos. Seus pais eram imigrantes russos chegados aos Estados Unidos em 1927.

seu Judaísmo. Não havia contradição entre estudos judaicos e estudos seculares. Num sentido mais amplo, todos eles eram Torá. Como explicava o Rabino Dr. Twerski: “Sabíamos, por exemplo, que um de nossos maiores sábios – o Gaon de Vilna – havia escrito um livro sobre Geometria. Dizia um dos alunos do Gaon que este último teria dito que ‘Se falta a uma pessoa conhecimento das Ciências, falta-lhe, dez vezes mais, conhecimento de Torá’”.

O sobrenome Twerski nos remete a uma verdadeira dinastia de rabinos chassídicos. Seu pai, Yaacov, descendia do Rebbe Yaakov Twerski, de Hornosteipel. Rebe Yaakov, por sua vez, era neto do Rebe Menachem Nachum Twerski, aluno do Baal Shem Tov e fundador da dinastia chassídica de Chernobyl. Sua mãe, Dvorah Leah (Halberstam) Twerski, era filha do Rebe de Bobov, uma das maiores dinastias chassídicas. Seu pai era o rabino da Sinagoga Beth Jehudah, em Milwaukee, onde serviu como orientador de inúmeras pessoas e famílias. Abraham era o terceiro de cinco irmãos, cada um dos quais foi ordenado rabino, tendo recebido, todos eles, também uma avançada educação secular, com títulos de graduação e pós-graduação. Na casa de seu pai nunca houve a preocupação de que os estudos seculares os desencaminhassem de

Mohel é o homem especializado em realizar a cerimônia de Brit Milá, a circuncisão, nos meninos judeus, aos oito dias de nascido. 3 Schochet é o indivíduo que abate os animais de acordo com a Halachá; magarefe. 2

O Rabino Twerski frequentou escolas públicas em Milwaukee; à época não havia escolas judaicas. Nas entrevistas que deu, sempre dizia que isso havia sido uma ótima experiência, acrescentando que não tivera sequer um amigo judeu praticante de sua idade, quando criança. E considerava que tivera a vantagem de ser diferente num mundo em que todos a seu redor tentavam estar em conformidade com os demais. Seus pais sempre enfatizaram a sua herança, fazendo-os nunca esquecerem suas origens. 44

Ele gostava de contar que certa vez alguém perguntara a seu pai como ele pudera criar, em Milwaukee, filhos que cumpriam os mandamentos da Torá. Ao que o pai respondera: “Em Milwaukee??? Mas eu nunca saí de Hornosteipel”... O iídiche foi a primeira língua de Abraham. Até entrar na 1a série ele não falava uma palavra sequer em inglês. Na 3ª série, Abraham atuou numa peça de Natal, com os colegas de classe. Uma semana depois sua mãe ligou para a professora, que pensou que a ligação fosse para reclamar. Mas não; era para perguntar a ela se seu filho estava se sentindo inferior aos coleguinhas devido à sua baixa estatura. A professora respondeu que pensara que a ligação seria uma reclamação sobre uma criança judia participar de uma peça de Natal. Para sua surpresa, a mãe disse que se a educação judaica de seu filho não conseguisse suportar o tema de uma pecinha infantil de 3ª série primária, era porque ela e o marido haviam falhado na educação do menino... O pai tinha uma enorme biblioteca e Abraham lia tudo o que lhe caísse às mãos. Destacava-se no colégio e fora dele, ao ponto de pular duas séries. Ademais, aos nove anos, já era um prodígio no xadrez. Depois de terminar o Ensino Médio, ele passou um ano estudando Torá com seu tio, o Rebe de Bobov, e mais um ano estudando Halachá – a Lei Judaica – com seu irmão mais velho, que era rabino em Denver. Em 1951, aos 21 anos, Abraham Twerski recebeu sua ordenação rabínica do Hebrew Theological College de Chicago. Além de rabino, era também mohel2 e shochet3. Em 1951, casou-se, pela primeira vez, com Golda (Goldie) Flusberg.


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Apesar das exigências de sua carreira, o Rabino Dr. Twerski encontrava tempo para contribuir à vida judaica em Pittsburgh, onde viviam. Foi um dos fundadores e vice-presidente do Colel - Centro de Estudos Judaicos e vice-presidente do Centro Lubavitch nessa cidade. Todas as manhãs ia à sinagoga para rezar e estudar.

Queria fazer o mesmo tipo de trabalho que seu pai. Não se via como um executor de rituais, um rabino que ocupava um púlpito. Após a 2a Guerra Mundial a Psicologia e a Psiquiatria tiveram um desenvolvimento incrível e ele sentia que a próxima geração iria buscar ajuda profissional. Por isso, Abraham decidiu que se queria ser um rabino semelhante a seu pai, ele teria que se profissionalizar. O pai deu-lhe todo o apoio, orgulhoso da decisão do filho.

Sua neta, Chaya Ruchie Twerski, tem lindas recordações de crescer ao lado de seu amado Zeide4. “Meu avô costumava rezar, nas manhãs de sábado, no Chabad; e, no caminho da sinagoga até nossa casa, todos os Shabes era a mesma coisa: os carros passavam buzinando, as pessoas abriam as janelas e gritavam: ‘Receba nosso amor’, ou ‘Cinco anos limpo, Dr. T.! ’”... Em 1995, sua mulher Goldie falece de câncer. Casados durante 43 anos, ela tinha sido um de seus poucos confidentes. Twerski conheceu sua segunda mulher, a Dra. Gail Bessler-Twerski, num congresso de psicoterapeutas judeus ortodoxos. Sua especialidade são os distúrbios sexuais na comunidade ortodoxa, tratando de casos de abuso sexual, abuso de menores e incesto. Suas palestras versam sobre prevenção, detecção precoce, proteção à criança e ao adolescente, e tratamento. Durante vários anos o Rabino Twerski dividiu o seu tempo entre Israel e os Estados Unidos, até cinco anos atrás, quando ele fez Aliá. Vivia em Jerusalém.

Caminho até se tornar Médico Em 1951, o Rabino Abraham Twerski recebeu sua ordenação Zeide, avô em iídiche.

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Jovem ainda, exercendo a profissão de médico

rabínica, passando a trabalhar com seu pai como Rabino-assistente. Seu pai havia construído a congregação e sinagoga em Milwaukee e queria que seu filho Abraham assumisse esse púlpito quando ele se aposentasse. Ele era o filho predileto do pai. Abraham via o gabinete do pai sempre repleto de pessoas em busca de seus conselhos, e isso ia até as 2-3 da madrugada. Ele descrevia seu pai como um psicoterapeuta intuitivo, incrivelmente perspicaz. 45

Em 1953, o Rabino Abraham Twerski se matriculou na Marquette University, em Milwaukee, uma instituição de ensino da ordem dos Jesuítas, de onde recebeu seu diploma de médico, em 1959, e onde fez um ano de residência em Medicina Geral. Durante a faculdade de Medicina, o Rabino Twerski teve medo de ter que abandonar os estudos por razões financeiras. Sua família com Goldie, sua mulher, já estava crescendo, e mesmo com a ajuda dos membros JUNHO 2021


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de sua congregação ele estava atrasado com as mensalidades. Mas a bondade de um estranho o salvou, permitindo-lhe terminar a faculdade e se formar. Quando o ator Danny Thomas, católico praticante, soube, durante um almoço com os diretores da Universidade Marquette, que um aluno que era rabino ortodoxo precisava de US$ 4.000 para terminar seus estudos de Medicina, ele disse aos diretores: “Problema resolvido”, e cumpriu sua promessa.

pudesse se dar ao luxo de perder essas aulas. Como sua barba preta, cheia, requeria máscaras cirúrgicas especiais e como seus Tzizits5 tinham que ser feitos de algodão, não de lã – a lã é inflamável e apresenta um risco de incêndio no Centro Cirúrgico. Isso para mencionar apenas algumas situações... Em 1960, a família Twerski se mudou para Pittsburgh. Nessa cidade o Rabino terminou sua

Rabino Twerski jogando ping pong

Após se formar, em 1959, a história do Rabino Dr. Twerski foi publicada na revista Time sob o título “O Rabino de Jaleco Branco”. Na matéria estão relatados alguns dos obstáculos que o Rabino teve que enfrentar. Como ele tinha que faltar as aulas nos sábados e feriados judaicos quando o trabalho era proibido. Como teve que estudar sozinho, com antecedência, para que Tzizit – nome dado ao conjunto de franjas do Talit, o xale de orações judaico. Serve como meio de lembrança ao homem acerca dos mandamentos de D’us.

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Residência em Psiquiatria na Universidade de Pittsburgh.

Um Expert no Tratamento do Vício e da Dependência Química Rabino Twerski nunca pensou que se tornaria um expert em dependências químicas. Durante a Faculdade de Medicina e em seus três anos de especialização em Psiquiatria nunca houve uma palestra ou aula sobre alcoolismo ou adição química. Quando começou a trabalhar com viciados, percebeu que se alguém se consultava com um psiquiatra, muito 46

provavelmente os conhecimentos do médico sobre adição seriam limitados. Mas o que o levou a começar a tratar desses problemas? O Rabino Twerski conta a história de uma mulher, que mudaria o curso de sua vida. Ele já havia completado o curso da faculdade e estava no 2º ano da especialização em Psiquiatria. Estava de plantão na Emergência quando entra uma mulher que alegava estar em uma situação de emergência psiquiátrica. Seu nome era Isabelle. E ela lhe contou a seguinte história: Era filha de um padre da Igreja Episcopal. Aos 20 anos, já era alcoólatra. Casou-se, teve um filho, mas um dia o marido lhe deu um ultimato: a família ou a bebida. Como não conseguia largar o vício, divorciou-se. Era muito bonita e montou um serviço de acompanhantes para homens da elite social de Pittsburg. Tinha a seu dispor um belo apartamento com todos os luxos e toda a bebida que quisesse. Após cinco anos, o álcool começou a fazer efeito e os clientes não queriam mais ser vistos em sua companhia. A situação começou a se deteriorar rapidamente e, de repente, Isabelle morava em hoteizinhos baratos, prostituindo-se e bebendo. Com frequência perdia os sentidos e era levada aos hospitais. Ela se desintoxicava, mas começava tudo de novo… Quando chegou aos 56 anos, Isabelle contatou um advogado e lhe pediu que a internasse judicialmente em um hospital estadual por um ano. Mas os hospitais estaduais não eram brincadeira, definitivamente não era um local de férias. O dia em que teve alta, estava sóbria há um ano. Começou a frequentar as reuniões dos Alcoólatras Anônimos (AA) e arrumou um emprego.


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Era a primeira vez que o Rabino Dr. Twerski ouvia falar em Alcoólicos Anônimos. Atualmente a AA é uma organização conhecida, mas, em 1961, não era. Ao ouvir a história de Isabelle, o Rabino entendeu que acontecia algo nas tais reuniões que a mantinha sóbria. E ele quis saber o que era.

O Rabi Dr. Twerski se recorda de dizer às freiras: “Não estamos ajudando essas pessoas. Não lhes estamos dando ferramentas para permanecerem sóbrios. A meu ver, necessitamos de um centro residencial de tratamento. Temos que construir um lugar onde eles possam ficar por algumas semanas, após a desintoxicação. Assim lhes daríamos um impulso inicial na manutenção de sua sobriedade”. Buscando romper o ciclo dos tratamentos curtos e das recaídas, ele e as Irmãs franciscanas se empenharam em criar o primeiro Centro Gateway de tratamento residencial de longo prazo.

Através dela, o Rabino Twerski começou seu aprendizado sobre o alcoolismo. Ele pediu para Isabelle o levar para uma reunião dos AA. Logo percebeu que o programa fazia algo que a Psiquiatria não havia conseguido fazer. Após aquela primeira consulta, o rabino psiquiatra passou a atender Isabelle uma vez por semana, durante 13 anos. Contudo, nunca descobriu por que razão ela havia ido àquele dia a sala de emergência, no hospital... “Por que ela teria vindo naquele dia em que eu estava de plantão? Quem a tinha enviado? ”, ele se perguntava. “Porque foi Isabelle quem me apresentou ao programa. E ela é a responsável por termos construído os Centros de Reabilitação Gateway e por todo o restante de meu trabalho. No meu entender, Isabelle foi um mensageiro, uma agente de D’us para me fazer entender algo sobre alcoolismo e dependência química, e tentar ajudar algumas pessoas vítimas dessas dependências”.

à Psiquiatria – e era dirigido pelas Irmãs franciscanas. Também foi Professor Associado em Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburg. O Hospital St. Francis tinha uma unidade de desintoxicação para alcoólatras, mas era uma verdadeira porta giratória. Os pacientes entravam, ficavam de 4 a 6 dias, desintoxicavam e iam embora. E acabavam voltando. Isabelle, por exemplo, apenas nesse hospital passou por 69 desintoxicações!

Era um empenho de grande complexidade, mas em 1972, eles inauguraram o Centro de Reabilitação Gateway, com 100 leitos para tratamento com internação. Desde então, Gateway é um dos centros de tratamento para dependentes químicos mais renomados dos Estados Unidos. O Rabino Dr. Twerski se tornou seu Diretor Médico, e depois Diretor Emérito, até seu falecimento. Atualmente, o Centro de Reabilitação Gateway se expandiu por 22 localidades na Pensilvânia e em Ohio, atendendo cerca de 1.700 pacientes/dia, segundo consta em seu site.

A Construção do Gateway Pouco depois de terminar sua Residência, o Rabino Twerski foi nomeado diretor de Psiquiatria do Hospital St. Francis, em Pittsburgh, onde trabalharia durante 20 anos. Era um grande hospital católico – 750 leitos, 300 dos quais dedicados 47

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também adotaram os 12 Passos. Esses passos falam de espiritualidade, crescimento e entrega perante D’us.

O Rabino, as Freiras e o Papa Durante décadas, o Rabino Twerski trabalhou muito próximo às Irmãs franciscanas. Ele era visto, com frequência, caminhando pela cidade de Pittsburg acompanhado das freiras. E desenvolveu uma longa amizade com as freiras, padres, bispos e um cardeal. Alguns deles chegavam até a pedir sua bênção. Era comum o Rabino Twerski contar uma de suas inúmeras histórias bonitas de como eles todos, juntos, ajudavam tantas pessoas. No St. Francis, ele se lembrava de um padre jovem que havia sido internado na UTI devido ao alcoolismo, tendo quase ido a óbito. Quando se recuperou, o Rabino Twerski quis lhe prescrever uma medicação que o impediria de voltar a beber. Bastava uma gota de álcool para que adoecesse gravemente. O padre recusou-se a tomar a medicação pois tinha que rezar a missa e, para fazê-lo, teria que tomar um gole de vinho. Para um alcoólatra em remissão, qualquer contato com o álcool poderia criar problemas sérios. Querendo ajudar o jovem padre, o Rabino Twerski contatou o Cardeal Wright, seu amigo, para que este último desse uma dispensa ao padre para não precisar tomar o vinha na missa. O Cardeal lhe respondeu: “Rabino, levarei esse assunto pessoalmente ao nosso Santo Padre”. Vinte e quatro horas depois, o Cardeal lhe telefonou, avisando que o Papa Paulo VI havia emitido uma dispensa para todos os padres alcoólatras durante o cerimonial. Eles poderiam beber suco de uva no lugar do vinho tradicional.

O casal Twerski

Em um de seus inúmeros livros, “The Rabbi & the Nuns” (O Rabino e as Freiras, em tradução livre), de 2013, o Rabino Dr. Twerski relata seus 20 anos de trabalho com as freiras.

O Programa dos 12 Passos O Rabino Dr. Twerski confiava firmemente no Programa de 12 Passos dos Alcóolicos Anônimos. Posteriormente, outros grupos de recuperação de dependências

Em seu trabalho, o Rabino Twerski mesclava o programa dos 12 Passos dos AA com ensinamentos de Torá e Ética Judaica. Não via contradição alguma entre ambos. Apesar de o programa dos 12 Passos ter sido criado por um cristão, de nome Bill Wilson, e as reuniões dos AA serem, frequentemente, em recintos de igrejas, o Rabino Twerski costumava dizer: “Os 12 Passos são um programa muito judaico. Se eu tivesse que escrever um programa contra a adição baseado nos trabalhos da Torá, o resultado seria, palavra por palavra, igual aos 12 Passos. Nem um pingo diferente”. Segundo ele, esses passos de recuperação eram um modelo excelente que se estende bem além de manter as pessoas longe do álcool, drogas, jogo ou outra forma qualquer de adição. Dizia que o programa dá ferramentas para o desenvolvimento pessoal e espiritual. Ajuda as pessoas a se livrarem de traços negativos de sua personalidade, promovendo mudanças significativas em suas vidas.

Rabino Dr. Twerski e as Irmãs franciscanas, 2010

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Todos os passos dedicam-se a fazer da pessoa alguém melhor, mediante a identificação de seus defeitos e a admissão de suas falhas, para depois pedir o perdão das pessoas prejudicadas.

como o fato de termos uma avaliação verdadeira e precisa de nós mesmos, bem como uma conscientização verdadeira e precisa de nossas aptidões, capacidades e limitações. Em seu entender, a baixa autoestima era consequência da concepção errônea da realidade – isto é, as pessoas geralmente não se veem como realmente são. Essa concepção errônea do nosso ser faz com que nos sintamos inferiores, inadequados e indesejados.

O Rabino Dr. Twerski acreditava que as pessoas que conseguiam se modificar e vencer o vício eram altamente espiritualizadas. Elas haviam entregue sua vontade e sua vida a D’us, haviam feito um levantamento moral de sua vida, enfrentado os defeitos de seu caráter e reparado os danos causados. Ainda que não fosse viciado, o Rabino se sentia atraído pela sinceridade que pairava nas reuniões dos AA. Ele costumava frequentar as reuniões, procurou um padrinho para si e passou a vida cumprindo os 12 passos. Acreditava que o cumprimento dos 12 passos o ajudavam a melhorar, significativamente, os defeitos de sua própria personalidade.

Pessoas são Diamantes Ele estimava que, pessoalmente, ao longo de sua carreira, havia ajudado mais de 40.000 pessoas a se recuperarem do abuso de substâncias. Em seu entender, muito humano, todas as pessoas, mesmo o ladrão e o viciado, eram um diamante que necessitava ser lapidado. E ele jamais dava as costas a qualquer um de seus diamantes. Um de seus companheiros de trabalho no Centro Gateway contou que “via motoqueiros tatuados, usuários de heroína, soluçando em seus braços”. O Rabino Twerski dizialhes: “A recuperação é um centro de polimento de diamantes. Todos nós somos diamantes, mas não sabemos que o diamante está dentro de nós”.

Costumava dizer a seus pacientes: “Você sabe como são os diamantes, quando saem das minas? Um especialista sabe que aquele pedaço de vidro sujo vale milhões. Eu sou esse entendedor. E vou lhe mostrar a beleza que você traz dentro de si”. Ele tinha uma genuína confiança na resiliência das pessoas e em sua capacidade de mudar de vida, reconhecendo que alguns necessitam mais ajuda do que outros. Com raríssimas exceções, ele acreditava na bondade inerente a cada ser humano. E ajudou pessoas de todos os estratos sociais e estilos de vida.

Autoestima

Ele costumava dizer que não existe forma de se ajustar à realidade se a pessoa não tiver uma percepção correta dessa realidade. “A razão para a autoestima ser tão importante é o fato de que o meu eu é a minha realidade. E se eu tiver uma concepção errada sobre a minha pessoa, estarei interpretando erroneamente a realidade”. “Se eu me vir de forma negativa, automaticamente julgarei que todos me veem dessa forma negativa. É fácil se imaginar que estragos essa forma de pensar fará com os relacionamentos, com os casamentos, com o relacionamento pais-filhos. Portanto, é por essa razão que uma autoestima correta é a coisa mais importante que há”, dizia o Rabino Dr. Abraham Twerski.

O Rabino Twerski costumava dizer que todos os seus livros giravam em torno do tema da autoestima, de uma maneira ou de outra. Acreditava que no cerne de qualquer problema psicológico estava a baixa autoestima. “É epidêmico”, costumava dizer.

Em seu entender, as pessoas costumam atribuir questões de autoestima a uma infância ruim, a pais ruins ou a algum trauma. Mas ele dizia que a pessoa pode não ter tido nenhum desses problemas e ainda assim ter baixa autoestima. E usava o exemplo de sua própria vivência.

Segundo ele, uma boa autoestima e uma percepção equilibrada de nosso ser são cruciais para uma vida saudável. E definia a autoestima

Dizia que apesar de ter tido pais muito amorosos, ter sido ótimo aluno e ter tido sucesso profissional, sem ter tido trauma algum, ele

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padecia de falta de autoestima. Durante anos ele se sentiu inamável – e foi muito difícil conviver com esse sentimento. Em suas palestras sobre autoestima, o Dr. Twerski costumava contar a história de como ele havia percebido que não gostava de estar consigo mesmo e que não tinha autoestima. Foi só então que ele começou a trabalhar para fazer uma avaliação correta sobre sua pessoa.

Sobre Violência Doméstica Em 1996, o Rabino Dr. Twerski escreveu um livro sobre abuso conjugal, intitulado “A Vergonha Suportada em Silêncio: Violência Conjugal na Comunidade Judaica”. Ele foi um dos primeiros grandes líderes ortodoxos a falar publicamente sobre a violência doméstica e outras formas de abuso na comunidade judaica ortodoxa. Sua franqueza audaciosa de tocar nesse assunto, entre vários outros, mostrava sua coragem e seu compromisso na luta a favor de cada uma das pessoas que precisavam de ajuda. O assunto era verdadeiro tabu na época. Hoje as comunidades judaicas pelo mundo e no Brasil agem nesse sentido e fornecem ajuda jurídica e psicológica a mulheres e familiares vitimados pela violência doméstica.

Na Sinagoga Beit Yaacov, São Paulo, recebido por Vicky Safra

ex-condenados um programa intensivo de tratamento antidrogas. O programa foi criado para ajudar os viciados em drogas a se recuperar após deixarem a prisão. Na comunidade ortodoxa, o Rabino Twerski foi cofundador do programa Nefesh, em 1992. O Nefesh foi fundado para reunir os profissionais judeus ortodoxos, atuantes na área de saúde mental, e os rabinos com o intuito de abordar e lidar com os problemas de saúde mental na comunidade judaica. Implícita em todas as suas realizações e instituições, estava a crença intrínseca do Rabino Twerski no valor do ser humano.

Livros e Palestras

Suas outras organizações

O Rabino Twerski foi um escritor prolífico. Seu estilo direto e envolvente traduzia suas ideias profundas com extrema simplicidade.

O Rabino Twerski também fundou outras organizações, como o Centro de Reabilitação Shaar Hatikvah (“Portal da Esperança”), para prisioneiros, em Beersheva, Israel. Shaar Hatikva oferece aos

Ele escreveu mais de 85 livros, alguns para públicos judeus e alguns para o público em geral. Escreveu comentários sobre textos e a lei judaicos. Escreveu vários livros sobre saúde mental, 50

o vício e o pensamento aditivo, em seu conjunto, enriqueceram sua reputação internacional como autoridade em adição. Tem livros sobre a felicidade, o estresse, a autoestima, a educação positiva, a violência doméstica e problemas conjugais – entre outros tópicos variados. Era comum ouvi-lo dizer que não havia escrito 85 livros – mas um livro de 85 maneiras diferentes. Em seu entender, eram todos sobre autoestima, sobre conhecer a verdade sobre si próprio e não se deixar cegar por seu próprio sentimento de inferioridade. Deixou, também, milhares de artigos de sua autoria e ainda escrevia uma coluna de aconselhamento em um jornal judaico. Diariamente, o Rabino passava horas respondendo e-mails e telefonemas sobre os mais diversos problemas. E sempre dizia: “Sou um consultor gratuito. E meus dias são muitos longos. Mas eu faço exatamente o que meu pai fazia”. Seu primeiro livro, “Like yourself and others will too” (Goste de si mesmo


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“a recuperação é um centro de polimento de diamantes. Todos nós somos diamantes, mas não sabemos que o diamante está dentro de nós” e os outros também gostarão, em tradução livre), foi recusado por 17 editoras. A 18ª o publicou. Era um grande fã da história em quadrinhos “Peanuts” (o Charlie Brown) e escreveu livros com seu criador, Charles Schultz. Não cansava de se maravilhar com a capacidade de Schultz de traduzir profundos insights psicológicos em seus quadrinhos.

nosso patriarca Avraham Avinu; ninguém santificou o Nome de D’us e implorou pelos seres humanos, ajudando-os, como ele o fez. E o Rabino Twerski foi o Avraham Avinu de nossa geração. Verdadeiro Tzadik, ele era, nas palavras do Talmud, “bom para D’us e bom para os homens”. Assim como nosso primeiro Patriarca, cujo nome ele portava, ele era a

personificação da bondade, gentileza e generosidade. E dedicou sua vida a curar e salvar aqueles que mais sofriam. “Aquele que salva uma vida, é como se tivesse salvo o mundo todo”, ensina o Talmud. O Rabino Dr. Abraham J. Twerski salvou centenas de milhares de mundos. Que a memória deste Tzadik seja uma fonte de inspiração e bênção para todos nós.

Ele fez incontáveis palestras, mundo afora, sobre dependência química e outros temas, como autoestima, estresse e espiritualidade.

Considerações Finais Certamente não é coincidência o fato de a Divina Providência ter levado os pais do Rabino Twerski a dar-lhe o nome de Abraham. Nossos sábios nos ensinam que nosso Avraham Avinu, o primeiro Patriarca judeu, era a personificação da Sefirá de Chessed, o Atributo Divino da bondade, generosidade e benevolência. Ninguém na história humana amava D’us e os homens mais do que

Joseph Safra, z”l, e sua esposa recepcionam o Rabino Dr. Avraham Twerski, ZT”L, e esposa

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BRASIL

Valorizando Vidas A instituição Or Avrohom (ORAM) luta, há anos, pela preservação da vida e da saúde mental das pessoas. Neste momento turbulento em que muitos têm dificuldades de lidar com suas próprias emoções, ansiedades e inseguranças, a ORAM recebe a todos de portas abertas, de forma sigilosa, com muito respeito e dignidade, prestando atendimento e acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

A

idealização da Or Avrohom – luz de Avraham - teve início quando, em fevereiro de 2001, a convite do Projeto Morashá e da J.A.C.S., o Rabino Dr. Abraham Twerski ZT”L veio ao Brasil. O conhecido Rabino era uma das maiores autoridades psiquiátricas no tratamento do alcoolismo, dependência química e vício. Essa visita e os resultados do trabalho do Rabino Dr. Twerski inspiraram o Rabino Shie Pasternak.

Conta também com a participação de terapeutas ocupacionais e orientadores familiares. Para conseguir atender milhares de pessoas anualmente, depende da participação de profissionais que doam seu tempo, graciosamente. Em seu trabalho, conta com voluntários e colaboradores e também com pessoas que fazem contribuições financeiras, imprescindíveis para que a organização tenha os recursos necessários para atender as milhares de pessoas que batem às suas portas.

Assim, em 2001, foi fundada em São Paulo a organização beneficente Or Avrohom (ORAM). Atua principalmente na área da saúde mental e no combate à dependência química e de outros vícios. Cada ser humano é único em suas necessidades e emoções e é dessa forma que todos são acolhidos pela ORAM.

Liderada pelo seu fundador, o Rabino Shie Pasternak, e sob a direção do filho deste, o Rabino Itche Pasternak, a ORAM se tornou conhecida por ajudar e empoderar indivíduos e suas famílias a superarem seus momentos mais desafiadores. A organização adotou a filosofia de vida do Rabino Dr. Twerski: ninguém é julgado, ninguém é “descartado” e cada vida é valorizada.

A instituição realiza, em média, 3.800 atendimentos mensais. Conta com uma equipe de profissionais e voluntários, todos altamente capacitados – 42 psicólogos, três psiquiatras e dois mediadores.

Com o agravamento da saúde mental devido à pandemia, a organização tem sido um alento para milhares de pessoas. 52


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que sofrem de outros vícios, sejam eles alimentares, jogos, Internet e pornografia; vítimas de bullying, violência doméstica ou algum outro trauma. Atende também pessoas com transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, bem como comportamento compulsivo ou suicidas. Ademais, atua na resolução de conflitos entre casais, oferecendo orientação familiar e auxiliando crianças com dificuldades de aprendizado.

O início do Projeto Logo após a vinda do Rabino Dr. Twerski ao Brasil, a ORAM começou a trabalhar com dependentes químicos em uma pequena sala de 28 metros quadrados, em Higienópolis. A instituição foi crescendo e expandindo suas áreas de atuação à medida que as pessoas começaram a falar do projeto. E esse crescimento se deve, em boa parte, à confiança que as pessoas têm no fato de a organização agir com absoluto sigilo, respeitando a privacidade de todos aqueles a quem ajuda.

Áreas de Atuação A ORAM atua buscando suprir as diferentes necessidades psicológicas das pessoas atendidas por meio do seu principal projeto, denominado

O Rabino Dr. Avraham Twerski, à dir., com o Rabino Itche Pasternak, NOS ESTADOS UNIDOS

Derech. Nele são tratadas depressão, ansiedade, bipolaridade, bem como outros quadros ligados à saúde mental. A organização atende dependentes químicos e pessoas 53

Assim como o Rabino Dr. Twerski fazia nos Estados Unidos, a ORAM ajuda a conscientizar a comunidade judaica do Brasil de que problemas com álcool e drogas são reais, ocorrem também nas comunidades judaicas e precisam ser tratados e, quando possível, prevenidos. A organização ministra palestras sobre prevenção em escolas para os alunos, pais e educadores. JUNHO 2021


BRASIL

Funciona também como uma sede para grupos de Narcóticos Anônimos (NA), Alcoólicos Anônimos (AA) e Jogadores Anônimos ( JA), promovendo reuniões semanais acompanhadas por profissionais da área de saúde. Os grupos seguem o programa dos 12 Passos, criado inicialmente para os Alcoólicos Anônimos. Todos os grupos são reconhecidos nacional e internacionalmente pelas respectivas organizações. Os grupos são abertos a todos - judeus e não judeus.

Como funciona o atendimento da ORAM? O primeiro contato é feito com o Rabino Shie Pasternak, que atua como conselheiro de indivíduos e famílias que buscam a ORAM. Quando o problema pode ser resolvido por um rabino, ele próprio busca resolvê-lo – como, por exemplo, intermediar um problema familiar. Contudo, quando as pessoas que buscam a ORAM necessitam de ajuda profissional, o Rabino Shie Pasternak e o Rabino Itche as encaminham para o psicólogo-chefe. Este decidirá qual o profissional mais adequado para ajudar a pessoa. Nenhum assunto é tabu para os rabinos e eles mesmos acompanham o tratamento e fornecem apoio às famílias, quando necessário.

à comunidade judaica. Contudo, a organização também atende pessoas que não fazem parte da comunidade.

O Rabino Dr. Twerski, ladeado pelos rabinos Shie e Itche Pasternak

instituição. A organização não deixa de atender pessoa alguma pelo fato de estar passando por dificuldades financeiras, não podendo contribuir. De forma ágil e organizada, ORAM atende a todos com eficiência e presteza. O atendimento psicológico da ORAM é voltado principalmente

Os tratamentos e acompanhamentos psicológicos ou psiquiátricos podem ser pontuais ou levar um ou dois anos. A ORAM, por meio de seu projeto Derech, cobra um valor reduzido pelos serviços que presta. Em certos casos, a ORAM pede que seja feito apenas um pagamento simbólico, para aqueles que no momento não possuem recursos para colaborar de forma contínua. Eles passam a ser pacientes subsidiados pela

O Rabino Shie Pasternak e o Rabino Itche, que o acompanha com dedicação há anos, fazem questão de explicar que a ORAM não segue nenhuma linha religiosa específica nem impõe qualquer obrigação religiosa às pessoas que a procuram. O Rabino Shie explica: “Na ORAM, não trabalhamos com religião, mas sim, com espiritualidade. O grau de religiosidade e a forma de ver a religião são opções individuais, que não estão na pauta de discussão. Nosso objetivo é ajudar as pessoas a se encontrarem, a se conectarem consigo mesmas e a resolverem suas questões internas e externas na busca de uma vida plena, com o apoio de uma equipe de profissionais”.

Projeto Shemá - Hotline A ORAM visa a dar suporte psicológico e emocional às pessoas nas mais diversas situações. O Projeto Shemá, uma das várias atividades da ORAM, constitui um serviço telefônico – uma hotline – e é voltado para pessoas que buscam apoio emocional. A ideia é que a pessoa não se sinta tão sozinha. A hotline conta com voluntários – não profissionais – que são treinados para prestar esse tipo de serviço. Os voluntários passam por aulas e participam de reuniões mensais em que se discute a forma ideal de lidar com as diversas situações. Os voluntários são orientados a ouvir - não a falar, pois a filosofia do Projeto Shemá é que as pessoas que ligam precisam ser ouvidas. Elas não telefonam para a hotline buscando ouvir conselhos de quem está do

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outro lado da linha; geralmente já estão cansadas de ouvir pessoas dando opiniões. Esse projeto conta com o apoio de um grupo de 30 voluntários. “É preciso acolher as pessoas em sua dor, em seu desespero, em seu sofrimento. Às vezes, uma conversa faz toda a diferença e abre novos caminhos”, diz o Rabino Shie Pasternak. O serviço funciona das oito da manhã às dez da noite. O sigilo é absoluto. Nenhuma ligação recebida é registrada e quem liga não precisa se identificar.

Outros Projetos Entre outros projetos da entidade estão o Chazak (força, em hebraico), que empresta materiais hospitalares, como bengalas, muletas, andadores, cadeiras de rodas/higiene, botas ortopédicas, aparelhos respiratórios, entre outros e o Tomchim, que conta com 22 voluntários e presta assistência à Chevra Kadisha em todo o Brasil.

as escolas não autorizam a realização de atividades extracurriculares presenciais.

Palavras Finais A Or Avrohom ajuda indivíduos e famílias que se encontram em situações difíceis e desafiadoras. Funciona como um porto seguro,

A ORAM conta também com dois novo projetos, o Caminhando pela Arte e o Caminhando pela Música, que vem, desde 2019, trabalhando em parceria com escolas públicas de São Paulo, levando atividades que expressam o autoconhecimento, a autoestima e as relações entre os alunos, professores e a escola. Os projetos fazem com que através da arte, da cultura e da música, os jovens e as crianças possam desenvolver novas habilidades, criar novos caminhos e construir novas escolhas. Apesar das atividades ao vivo terem sido interrompidas devido a pandemia, a pedido das escolas os projetos não pararam, e realizam atividades online enquanto

para onde a pessoa pode ir, encontrar ajuda e saber que tudo será feito sob sigilo. A procura por ajuda tem de partir da própria pessoa. Contudo, ao chegar à ORAM, encontrará a empatia e os recursos para obter o suporte que necessita. Aqueles que se encontram em situação emergencial são atendidos imediatamente. Em situações menos graves, pode existir uma lista de espera. Contudo, os Rabinos e sua equipe trabalham incessantemente para que todos recebam a ajuda que precisam. A ORAM é um local no qual o ser humano é acolhido, compreendido em sua dor e apoiado na busca de um caminho para uma vida mais saudável e feliz. “Quem somos nós para julgar quem está numa determinada situação? O que sabemos de sua história, de seus medos, de suas frustrações? Não temos o direito de julgar; temos, sim, o dever de ajudar da melhor forma que podemos”, diz o Rabino Shie, “O Judaísmo não nos ensina que quem salva uma vida, salva o mundo todo? Temos a obrigação de fazer a nossa parte pelo próximo”, conclui o Rabino.

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DESTAQUE

Reuven Rivlin, o presidente do diálogo POR JAIME SPITZCOVSKY

Reuven Rivlin encerra seus sete anos de mandato como presidente de Israel sem abrir mão de uma característica a moldar sua trajetória política: a conciliação. Ao ser eleito, definiu-se como representante de “todos os cidadãos de Israel – judeus, árabes, drusos, ricos, pobres, religiosos e menos religiosos”.

C

om a voz embargada, continuou o discurso da vitória: “A partir deste momento, não sou mais um homem de partido, mas um homem de todos, um homem de todo o povo”. Reuven Rivlin, antes de chegar à presidência, construiu uma longa e sólida carreira política no Likud, com posições firmes e de acordo com cartilhas direitistas, mas sempre aberto ao diálogo democrático com seus adversários.

likudista, declarou: “Ele é um democrata exemplar, honesto e incorruptível, modesto em seus modos pessoais e age como um estadista em suas concepções e conduta pública”. A adversária política prosseguiu: “Não é necessário especular como ele vai se comportar no cargo de presidente. Mesmo como alguém da direita e cujas opiniões são frequentemente contrárias às minhas, ele é aprovado, permanecendo como uma rocha sólida na defesa da democracia”.

No sistema parlamentarista de Israel, o cargo de presidente corresponde ao de chefe de Estado, com funções eminentemente cerimoniais, embora guarde algumas tarefas políticas importantes. O chefe de governo, a quem cabe dirigir o poder executivo, corresponde ao primeiro-ministro, líder da coalizão partidária com maioria no Knesset (Parlamento).

Apoiador decidido das teses da direita e do movimento de assentamentos judaicos, Rivlin sempre buscou diálogo com a comunidade árabe-israelense. Manteve canais abertos sobretudo nos dois períodos em que presidiu o Knesset (2003-2006 e 2009-13), e, em sua primeira viagem no cargo, foi à cidade de Umm al-Fahm, considerada um foco tradicional de grupos com atividades anti-israelenses. Acompanharam-no naquela visita os deputados Uri Orbach, do direitista A Casa Judaica, e Afu Agbaruyah, do comunista Hadash.

Também é função dos 120 deputados eleger o presidente. Ex-parlamentar que chegou a presidir o Knesset e lá demonstrou credenciais democráticas, de diálogo e de conciliação, Rivlin conquistou a presidência ao conseguir também votos da esquerda e de partidos árabes, além do apoio de seus tradicionais aliados da direita. A trabalhista Shelley Yachimovich, ao anunciar a opção pelo candidato

Desde o início do mandato como chefe de Estado, Reuven Rivlin priorizou, em suas atividades e cerimoniais, o universo doméstico da sociedade israelense, sem 56


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abandonar temas internacionais, assuntos prediletos de seu antecessor: “(Shimon) Peres foi um presidente orientado à política externa. Reuven Rivlin se concentrará em Israel, e será um presidente para o povo, a sociedade”, afirmou à época da eleição Reuven Hazan, cientista político da Universidade Hebraica de Jerusalém. A diferença de focos e a origem em campos ideológicos distintos não impediram o direitista Rivlin e o centro-esquerdista Peres de, por exemplo, assinarem um texto em conjunto, no diário Yediot Ahronot, com apelos ao fim de ciclos de violência na região. “O derramamento de sangue terminará apenas quando todos nós entendermos que não é um destino infeliz viver lado a lado, mas é sim nosso destino a construir”, escreveram.

Embora buscasse priorizar temas domésticos, Rivlin não se furtou a importantes iniciativas internacionais, em particular num momento histórico como o da assinatura, em 2020, dos Acordos de Abraão, nome utilizado para descrever os tratados de

normalização de relações com quatro países árabes: Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos. Em uma ocasião, o presidente conversou ao telefone com o rei bareinita, Hamad bin Isa Al Khalifa, para parabenizá-lo pelo dia nacional da nação do golfo Pérsico. “Esse dia nacional marca um ano de desdobramentos históricos entre Israel e Bahrein e os Emirados Árabes Unidos”, afirmou Rivlin. “O avanço em nossas relações não poderia ter acontecido sem a decisão corajosa e histórica de Sua Majestade Rei Hamad, de estabelecer uma paz calorosa com Israel”.

BINYAMIN NETANYAHU E RIVLIN

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Na conversa telefônica, o presidente israelense afirmou esperar que a paz alcançada nos Acordos de Abraão sirva de modelo a outros países da região e destacou, ainda, o fato de JUNHO 2021


DESTAQUE

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1. COM ANGELA MERKEL, 2015 2. COM BARAK OBAMA, 2015 3. COM JOE BIDEN, 2016

a cooperação bilateral começar em áreas como economia, inovação e saúde. “Estamos cheios de esperança de que os palestinos também tomem iniciativas para construir confiança mútua, cooperação e paz”, acrescentou Rivlin. O diálogo, no entanto, não foi o primeiro com uma autoridade bareinita. O ministro da Relações Exteriores, Abdullatif bin Rashid al-Zayani, havia visitado Rivlin em Jerusalém, quando o líder israelense formalizou um convite ao rei Hamad Al Khalifa para visitar Israel. Como representante da nação israelense, Rivlin também abriu amplo espaço em sua agenda para recepcionar visitantes dos países árabes que assinaram acordos de paz com Israel. Certa feita, encontrou-se com uma delegação de representantes da sociedade civil de Bahrein e Emirados Árabes Unidos. “Paz é feita entre povos e nações”, discursou então o presidente, que acrescentou: “Sua visita aqui é mais um passo na direção da construção de relações calorosas entre nossos países”. Em documento divulgado após o encontro, consta uma declaração de Mashaal a-Shamri, de Bahrein: “Como uma mulher bareinita visitando Israel, é uma grande honra para mim reunir-me com o presidente. Vemos Israel como um local de paz, sucesso e coexistência”.

Reuven Rivlin também se dedicou às relações com as comunidades judaicas na diáspora. Na mensagem do último Yom Haatzmaut de seu mandato, ele enfatizou a ideia do “destino compartilhado”. “Devemos lembrar que somos uma forte, grande e diversificada família. Temos um destino em comum. Uma nova esperança israelense e judaica deve ser baseada na unidade e na diversidade, no entendimento mútuo e no compartilhamento de experiências”, sustentou a mensagem presidencial. No plano pessoal, Rivlin enfrentou, na época do mandato, momento trágico, com o falecimento, em 2019, de sua esposa, Nechama, que havia trabalhado muitos anos na Universidade Hebraica de Jerusalém, cidade onde nasceu o presidente, em 1939.

no Wolfson Medical Center. Holon, Israel. 2019

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A família Rivlin conta com raízes profundas e antigas na capital de Israel. Lá, Reuven construiu sua vida política, foi vereador e vice do prefeito Teddy Kollek. Também ocupou o cargo de ministro das comunicações entre 2001 e 2003, no governo de Ariel Sharon. Nos planos pós-presidência – o mandato termina em julho –, Rivlin incluiu o aluguel de um apartamento na rua King David e justificou a escolha do local: proximidade dos nove netos. Argumentou, em entrevista ao site Ynetnews, que vai sempre consultá-los sobre seus planos futuros. O mandato de Reuven Rivlin chegou ao fim no começo de junho, quando o Knesset elegeu seu sucessor. Com 87 votos, foi escolhido Yitzhak Herzog, liderança com densa trajetória política e profissional e filho de Chaim Herzog, que presidiu Israel entre 1983 e 1993. Ligado ao Partido Trabalhista, Yitzhak, conhecido como “Bougie” Herzog, exerceu cargos de parlamentar e de ministro em várias pastas, como Bem-Estar Social e Turismo. Ao se candidatar à presidência, ocupava a chefia da Agência Judaica.

Jaime Spitzcovsky COLUNISTA DA “FOLHA DE S.PAULO”, FOI CORRESPONDENTE DO JORNAL EM MOSCOU E EM PEQUIM.


arte

Lasar Segall: artista-símbolo dos judeus na Diáspora POR Maria Luiza Tucci Carneiro

Meu olhar de historiadora sobre Lasar Segall e sua obra é múltiplo por reunir os elementos necessários para um estudo aprofundado sobre a imigração, os imigrantes no Brasil e o legado de um imigrante-artista para a cultura brasileira. Enquanto pesquisadora dedicada aos estudos sobre antissemitismo, Holocausto e Segunda Guerra Mundial, encontrei na sua trajetória e produção artística um conjunto de informações que considero únicas por trazerem mensagens universais.

c

onsidero Lasar Segall um dos mais expressivos artistas-símbolos dos judeus na Diáspora e um dos mais importantes críticos da intolerância nos anos de 1939 a 1957. Suas obras podem ser “lidas” enquanto registros de protesto contra a degradação da retórica política, a injustiça e o genocídio. É nesta direção que tenho utilizado o conjunto de suas obras produzidas entre 1936-1947 como um marco na história da arte moderna brasileira. Entre os artistas estrangeiros radicados no Brasil na primeira metade do século 20 é o único que conseguiu expressar em suas telas a brutalidade sistemática praticada pelos regimes totalitários e reconstituir o drama da travessia dos imigrantes, apátridas, refugiados e exilados.

refugiados judeus. Enfim, a metáfora do sofrimento se transformou na força motriz da criação segalliana que, ao alertar a sociedade para a degradação humana, cumpriu seu papel revolucionário. Nascido em Vilna em 1891, Segall fixou-se definitivamente em São Paulo em novembro de 1923, vindo a ocupar destacada posição no cenário da arte moderna brasileira. Foram suas andanças pelos tempos sombrios de Berlim, Dresden e Paris, assim como seu retorno a Vilna, que lhe aguçaram a sensibilidade para os temas judaicos, as utopias expressionistas e as concepções de uma arte engajada. Enquanto cidadão russo movido por sua alma judaica Segall abordou a questão dos imigrantes, dos refugiados, do antissemitismo e da barbárie nazista contra os judeus. Sua opção por uma série de temas representativos da memória coletiva judaica (campos de concentração, pogroms, refugiados, guerras, massacres etc.) expressa a aplicação do seu conceito de revolução espiritual através da arte.

O mais incrível: retratou o Holocausto, a guerra e o extermínio de milhões de judeus, sem estar in loco, inspirando-se na dor da morte, no terror à violência e no significado da perda da dignidade. Se algumas telas de Segall reconstituem imagens da morte em massa, outras retratam as estratégias de sobrevivência adotadas pelas minorias oprimidas expressas (sutilmente) no caminhar exausto do “judeu errante”, no gesto impetuoso de angústia e do medo, na resignação e apatia dos

Em meus estudos sobre intolerância e arte política, analiso as obras de Lasar Segall enquanto fonte de crítica social sob múltiplas vertentes: psicológica, histórica, artística e política. O compromisso que mantém com 59

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arte

Guerra, 1942

suas origens judaicas aparece cunhado pela sua vivência no gueto de Vilna e pela prática do antissemitismo na Rússia czarista nas primeiras décadas do século passado. Apresenta-se como um pintor engajado com as concepções e utopias expressionistas em circulação no período entre-guerras, na Alemanha, ao mesmo tempo em que mantém sua postura entre dois mundos: o da ortodoxia e o da modernidade. Não ficou inerte diante da ascensão do nacionalsocialismo na Alemanha e das práticas genocidas arquitetadas pelo Terceiro Reich, sendo ele mesmo vítima do antissemitismo.

lasar segall, dresden, 1919

Ao retratar os desastres da guerra e o caminhar errante dos refugiados do nazifascismo, estava criando uma arte engajada com os movimentos de resistência na Europa ocupada. Haja visto seu contato com 60

renomados artistas e intelectuais identificados com os movimentos da vanguarda artística e de combate ao totalitarismo. Valendo-se da sua fama de artista renomado usou seus contatos para tentar salvar amigos judeus presos em campos de concentração ou refugiados do terror nazista. O período de 1909 e 1912 foi avaliado pelo próprio Segall como uma “época de grande inquietude artística, de fermentação e de transformação”. Os múltiplos retornos a Vilna em distintos momentos de sua formação artística (1910, 1911, 1917/1918), o despertaram para as recordações de sua infância no gueto judeu levando-o a reavaliar sua identidade judaica. Aproximou-se dos valores do judaísmo russo sem se deixar sensibilizar pelas propostas de renovação artística sustentadas


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pelos movimentos nacionalistas judaicos, que, tanto na Rússia como na Alemanha, congregavam um grande número de defensores do renascimento de uma arte tipicamente judaica. Conflitos de identidade marcavam a postura destes artistas judeus russos atraídos pela possibilidade de romper com a rigidez das tradições e visualizar um mundo novo. Podemos considerar que foi o crescente desejo de mudança o que contribuiu para o florescimento de vanguardas russas no mundo das Artes e das Letras. Na década de 1920, Segall já havia optado por dar às suas obras um caráter universal, sem abrir mão de

artista e judeu, Segall viveu o impacto de ser “um estranho no ninho” ao experimentar a sensação de ser tratado como “o outro”. Entre 1910-1912, como aluno da Academia de Dresden, foi “riscado” da lista de Gotthard Kuehl por “ser russo” (Gestrischen weil Russe) e “judeu-oriental” (Ostjude) que, na década de 1920, seria visto como uma ameaça à superioridade cultural do “judeu alemão”. Entre 19141916, Segall testemunhou psicoses coletivas da Europa em guerra, vivenciou o isolamento dos amigos, enfrentou o medo e dificuldades financeiras. Daí os registros de memória que, anos mais tarde,

meu pai, 1917

Ao longo de sua trajetória em Dresden e, posteriormente, no Brasil, Segall sempre se destacou por um tipo especial de judaicidade, plena de sígnos judaicos. Teve a sensibilidade – a partir dos fundamentos do Judaísmo – para retratar o mundo dos aflitos e da aflição, da vida e da morte, dos gestos e dos murmúrios secretos. Daí sua produção estar impregnada de experiência histórica rolo de torá, c. 1933

eternos caminhantes, 1919

sua identidade judaica, o que explica a presença de questões étnicas em muitas de suas obras. Ao adotar os imigrantes e os personagens judeus como matrizes para sua criação, Segall (re)definiu seu território simbólico dando visibilidade as suas tradições culturais. Como imigrante,

somaram-se a outras tantas imagens de humilhação e degradação dos judeus na Alemanha, cenas assimiladas de fotografias que se prestaram como matrizes de criação para as séries Pogroms, Campos de Concentração, Visões de Guerra, Êxodo, Emigrantes e Navio dos Emigrantes. 61

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arte

interior a que se entregara Segall no decorrer dos anos de 1930.

refugiados, 1922

A partir de 1930, Segall retomou a figura do emigrante transfigurado na imagem do refugiado cujo drama social se fazia, desta vez, limitado pelo espectro nazista que dominava as terras do Velho Mundo. Cenas da emigração forçada emergem como reflexo de um longo e contínuo movimento voluntário de emigração

pogrom, 1937

(memória e registro) e cunhada pela presença do ser humano magoado, maltratado e humilhado. Ainda que em formas geométricas animadas, seus personagens se impõem através dos olhos que, segundo Segall, são as “janelas da alma”.

navio de emigrantes, 1939-41

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Reformulou seus cenários e resgatou personagens-símbolos do cotidiano da intolerância, da guerra e da paz, ora realidade ora utopia. Segall transferiu para suas telas a dor, o sofrimento e a angústia daqueles que, por serem judeus, haviam sido transformados pelo Estado nazista em subhomens (Untermenschen). Foi neste intervalo, de ascensão e queda do nacional-socialismo na Europa, que Segall produziu alguns dos seus monumentais “folhetins de crítica social” onde a figura do judeu humilhado simboliza o sofrimento de outros tantos povos perseguidos, ora sobreviventes, ora caminhantes sem-pátria. É neste contexto que devemos avaliar Navio dos Emigrantes: enquanto um navio que não tem direção definida. Um clima de dormência, desânimo e apatia paira sobre aqueles “passageiros


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sem classe” estirados pelo convés do navio. O nazismo lhes havia tirado tudo. Restava-lhes apenas a dignidade, a vontade de recomeçar e o calor humano. No Navio todos se aconchegam e se consolam manifestando um raro sentimento de fraternidade, tal como Lessing o entendia no século 18, a dizer:

inauguração da exposição de lasar segall no palace hotel. 7 de julho de 1928, rio DE janeiro

o apego fraternal a outros seres humanos que brota do ódio ao mundo onde os homens são tratados “inumanamente”.

os condenados, 1950

Foi como cidadão identificado com o sofrimento dos “párias” e dos “miseráveis” que Segall tentou chamar a atenção do mundo para a catástrofe vivenciada pelos judeus na Europa. Sem poder alterar o mundo real criado pelo nazismo, Segall transformou suas telas em folhetins de denúncia social. Mas o mundo estava cego e surdo.

interior de pobres, 1921

Ciente de que vivia num país sob a égide do autoritarismo varguista, Segall optou pelo lado da resistência diluindo, através de suas mensagens humanitárias, a crítica de que sua postura artística era “burguesa”. Mesmo assim, tentou prever a paz como forma de “reencantamento do mundo” inspirando-se no cotidiano da vida no shtetl e nos cenários tropicais da natureza brasileira. O “ato revolucionário” de sua produção está no fato dela desencadear no espectador o sentimento de fraternidade. Na sua essência, suas obras nos remetem a imagens análogas correspondentes às antíteses Inferno/Purgatório, Purgatório/Paraíso, Ruptura/ Continuidade, Vida/Morte e Guerra/Paz. Se avaliada sobre este prisma, a arte de Segall pode ser interpretada como um sinal preventivo para os descaminhos do totalitarismo.

Maria Luiza Tucci Carneiro é historiadora e professora do Departamento de História, FFLCHUniversidade de São Paulo. Autora dos livros: Cidadão do Mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo (Perspectiva, 2020); Dez mitos sobre os Judeus (Ateliê Editorial, 2ed. 2020); Judeus e Judaísmo na obra de Lasar Segall, em coautoria com Celso Lafer (Ateliê Editorial, 2004), dentre outros.

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ISRAEL

Cuidando dos filhos de Israel A organização Beit Halochem foi criada em 1949 sob o lema “Os feridos da TZAHAL são os filhos de todo o povo judeu”. O intuito da organização é ajudar a reabilitação e reintegração de soldados feridos em combates, e nos últimos anos passou a atender também as vítimas dos atos de terror. No momento, há mais de 50 mil veteranos em tratamento nas várias instalações do Beit Halochem.

E

m 2014, o governo de Israel determinou a criação do Dia Oficial de Reconhecimento aos Soldados Feridos nas Guerras e às Vítimas do Terror, a ser lembrado, anualmente, no mês de dezembro. A proposta foi apresentada pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Em hebraico Yom Haokará, a data tem como objetivo reverenciar aqueles que pagaram um alto preço em defesa da pátria. Em um país com dezenas de milhares de feridos nas guerras travadas com seus vizinhos e em atos de terrorismo desde a luta por sua independência, esse dia assume uma importância singular.

A preocupação com os feridos nas lutas de Israel pela sua existência é muito anterior a 2014. Entrou na pauta nacional em 1949, logo após a Guerra da Independência, quando foi criada a organização Beit Halochem de Veteranos de Guerra de Israel (Zahal Disabled Veterans Organization-ZDVO), com o objetivo de atender os 3.400 soldados que, então, necessitavam de reabilitação ampla. Ao longo dos anos, a ZDVO criou uma infraestrutura voltada a oferecer o que há de mais avançado para a recuperação e readaptação das vítimas e seus familiares. Logrou-se conseguir bons resultados com o uso de modernos equipamentos e equipes multidisciplinares, como que a demonstrar que a Tzahal – denominação em hebraico das Forças de Defesa de Israel (FDI) – é a própria sociedade civil israelense.

Na ocasião da aprovação do Yom Haokará, Netanyahu afirmou que esta é uma forma de Israel reconhecer os veteranos feridos nas Guerras e civis feridos durante os ataques terroristas, trazendo a público suas histórias pessoais e de suas famílias, sua luta diária para se reconstruir e readaptar a uma nova situação diante dos desafios impostos pelas suas cicatrizes físicas e emocionais. “Eu sei que vocês lidam, diariamente, com as feridas de seus corpos e de suas almas. Mas saibam que não estão sozinhos. Sintam-se abraçados por todos os cidadãos de Israel, que têm consciência do preço que vocês pagaram por cada um de nós.”

“Este ponto é fundamental”, diz Avi Gelberg, presidente da Associação dos Amigos do Beit Halochem São Paulo. É o que torna o Exército israelense singular. “Se houver uma guerra, quem vai para a frente de combate são nossos filhos, por isso, o Estado e a sociedade sentem-se responsáveis pela recuperação e reintegração dos soldados feridos. Eles arriscam 64


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O Centro do Beit Halochem em Jerusalém, inaugurado em 1994, atende cerca de nove mil membros com suas famílias

a vida protegendo o país e seus habitantes. Esta foi a razão da criação do Beit Halochem, para ser o lar daqueles que precisam de acolhimento e de ajuda para reconstruir sua vida.” Em Israel, todo jovem, ao completar 18 anos, deve se alistar nas FDI, diferentemente da maior parte dos países do mundo, nos quais, com esta idade, os jovens estão se preparando para entrar nas universidades. O serviço militar para os homens tem a duração de três anos e para as mulheres, dois. Em momentos de guerra, eles são os primeiros a entrar em combates. São a linha de frente na defesa do Estado Judeu. Assim tem sido desde a luta pela independência. A realidade de Israel está ligada a guerras e à incansável luta por sua existência e segurança. Com o decorrer dos anos diminuíram as

guerras tradicionais, aumentaram os atentados terroristas e os ataques com mísseis nas fronteiras sul e norte do país. Os civis também passaram a fazer parte dessa linha de frente, levando ao aumento do número de feridos e somando-se aos soldados atingidos durante o serviço militar ativo ou da reserva. O Beit Halochem possui atualmente cinco centros de reabilitação em 65

Israel, em terrenos que variam de 5.500 a 10 mil metros quadrados, instalados em Jerusalém, Tel Aviv, Beer Sheva, Nahariya e Haifa. Em breve será inaugurada mais uma unidade em Ashdod com capacidade para 6.700 veteranos. Todos os núcleos possuem instalações adaptadas para as mais diferentes necessidades físicas e psicológicas dos pacientes, incluindo ginásios poliesportivos, piscinas olímpicas, auditórios, salas para terapia ocupacional, fisioterapia e outros. O Ministério de Defesa é parceiro do Beit Halochem há mais de 70 anos e contribui para a assistência médica, indenização e moradia das vítimas. A completa reabilitação física, mental e social, no entanto, é fundamental para o sucesso desse longo processo de reconstrução da vida. Apoiar os soldados durante este processo é prioridade para JUNHO 2021


ISRAEL

aqueles, geralmente jovens, que pensam ter perdido suas chances de uma vida plena tanto em termos pessoais como profissionais.

Inaugurado em 2011, o centro de Beersheva possui 5.500 metros quadrados de área construída

a sociedade israelense, pois nem sempre a luta acaba no campo de batalha, há um longo caminho pela frente. Centenas de pessoas procuram as diferentes unidades anualmente. Como disse um veterano, “é uma das poucas organizações que reza para que não aumente o número de seus membros”. A organização atua no sentido de incentivar os feridos a retomar uma vida normal e reinseri-los na sociedade através de programas terapêuticos, esportivos, recreativos e artísticos. Protege os direitos legais dos soldados feridos e promove seus interesses através de medidas econômicas e sociais; incentiva a descoberta de novas habilidades, competências e atividades que promovam a autoestima e a capacidade de superação pessoal e profissional. Estimula o convívio familiar através de atividades e celebrações coletivas, além de encontros entre feridos de gerações de veteranos para a troca de experiências. Promove, ainda, uma série de atividades nas escolas, movimentos juvenis e outros núcleos no intuito de aproximar a realidade dos veteranos da sociedade como um todo.

Ao longo dos anos, as unidades do Beit Halochem tornaram-se tão essenciais para o processo de reabilitação que, muitas vezes, os pacientes após tratamentos iniciais e cirurgias, são enviados diretamente dos hospitais para um dos centros para que possam dar início à sua recuperação, assim como à adaptação de suas famílias à nova realidade. Além dos profissionais, cada unidade do Beit Halochem conta com voluntários veteranos, muitos deles ex-pacientes, que procuram fazer de sua experiência um estímulo para

São também organizadas excursões, além de atividades que conectam grupos de veteranos aposentados com os mais jovens. O senso de comunidade é palpável. Muitos dos que estão em tratamento trazem seus filhos ou netos, que podem usufruir da creche enquanto eles são atendidos. Ninguém, no entanto, pernoita nos centros, pois o objetivo principal do Beit Halochem é reintroduzir os veteranos feridos na sociedade e encorajá-los a fortalecer seus vínculos sociais e familiares. A única exceção é o Beit Kay Nahariya, construído em 1958 em um terreno doado por Vera Weizmann, que funciona como um Centro de Repouso e Recreação para os veteranos feridos e suas famílias. As unidades não são abertas ao público em geral, apenas para os atendidos e seus familiares. “Eu me sinto em casa, pois aqui não recebo olhares espantados ou de piedade. Sinto-me igual a todos e isto me faz renascer dentro de minhas possibilidades”, relata um veterano.

Reaprendendo a viver

Anat Yahalom e seu marido Rafi: sem jamais desistir

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Anat Yahalom era comandante de uma unidade no Deserto do Sinai até 6 de outubro de 1973, no início da Guerra de Yom Kipur, quando aviões egípcios sobrevoaram o Canal de Suez, bombardeando sua base. Tudo colapsou. Ela foi ferida gravemente e os médicos tiveram que ressuscitá-la duas vezes, enquanto era levada de helicóptero para o hospital. Declarada morta durante o trajeto, ela foi trazida de volta mais uma vez à vida.


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Sua perna esquerda precisou ser amputada até a altura do joelho e substituída por uma sofisticada prótese. Passou dez dias em uma Unidade de Terapia Intensiva e, em alguns momentos, os médicos não acreditavam que fosse sobreviver. Ao acordar soube que o comandante de sua unidade e todos seus amigos da base estavam mortos. Ela conta que seus primeiros pensamentos foram: “Perdi parte de meu corpo, perdi meus amigos... Por que eu deveria lutar pela minha vida? Por que devo viver? Quero apenas morrer em paz como meus amigos”. Anat passou um ano no hospital, enfrentou várias cirurgias nos Estados Unidos, algumas sem sucesso – no total, foram 27 operações ao longo de anos. Ao receber a primeira alta, os médicos lhe entregaram uma cadeira de rodas e disseram: “É sua. Eu entendi exatamente o que eles queriam me dizer. Esta cadeira é onde você passará o resto de sua vida”. No entanto, sua grande fé em D’us fez com que acreditasse que não lhe cabia decidir se viveria ou morreria. Quando lhe disseram que ela nunca mais andaria e nunca teria filhos, disse a si mesma: “Eu sei que vou dançar novamente”. Anat lembra nitidamente o dia em que retornou de uma cirurgia nos EUA. Chegou em Israel acompanhada por uma equipe médica que iria levá-la ao hospital. Seu namorado, Rafi, foi buscá-la no aeroporto. Rafi viu os médicos e perguntou onde estava Anat, pois ela estava sendo esperada para um casamento. Os médicos lhe disseram que Anat deveria ir imediatamente para o hospital. Rafi então respondeu que a levaria

As unidades de reabilitação são consideradas pelos veteranos como uma “segunda casa”

depois, pois o casamento seria o deles. Os médicos lhe perguntaram se ele sabia que as chances de sobrevivência de sua futura esposa eram mínimas e ela precisaria de cuidados especiais pelo resto da vida, não podendo inclusive ter filhos. Rafi apenas lhes disse que eles não conheciam Anat, não sabiam de sua determinação e do que ela seria capaz de superar. Após seu casamento, Anat retornou ao hospital. Anat não esquece o dia em que uma amiga lhe falou, pela primeira vez, sobre a existência de Beit Halochem. Era uma veterana

que também perdera um de seus membros. Quando chegaram à unidade, ela se sentou à beira da piscina e, olhando para a água cristalina, começou a chorar, pois, com uma perna apenas, não poderia nadar, algo que tanto amava. Outra veterana que também estava na piscina, ao vê-la chorar, disse-lhe que ela precisava nadar e acrescentou: “Pois, se precisa chorar, então chore na água. Ninguém vai perceber. Ali você pode gritar e chorar, mas também pode cantar”. Ela então comprou um maiô e levou sua tristeza para a água. A partir de então, tudo começou a mudar em sua vida. A veterana que

Em fase final de construção, em Ashdod, o quinto centro de reabilitação poderá atender quase sete mil veteranos e seus familiares

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ISRAEL

a aconselhara, que também perdera uma perna, tornou-se campeã paraolímpica de corrida. Anat contradisse todas as expectativas dos médicos. Casou-se com seu namorado de juventude e teve três filhos. Nada regularmente e, depois de dois anos, já andava de muletas, inicialmente com a ajuda de seu marido. Atualmente, ela anda sozinha e ninguém, ao vê-la nadando, caminhando e proferindo palestras em Israel e no exterior, pode imaginar os dez anos de agonia e imobilidade que enfrentou para chegar onde está. Foi representante da Agência Judaica na África do Sul, criou vários programas para jovens e é professora de arte na Galileia, entre outras atividades. Anat começou a praticar ciclismo em equipamentos adaptados e criou um grupo para mulheres com necessidades especiais, completando o percurso desta modalidade na maratona em Nova York. Repete sempre que grande parte de sua recuperação se deve ao apoio que recebeu da comunidade de veteranos. “Juntos nós podemos enfrentar e

Em 1986 foi inaugurada a unidade em Haifa, ocupando uma área de 7.500 metros quadrados

vencer qualquer desafio. Se você se isola, então fica para trás e sua vida não avança. Neste processo de reabilitação e reintegração, o Beit Halochem é um pilar central, principalmente pelos vínculos criados entre as pessoas nos centros de tratamento. Se você falta alguns dias, rapidamente alguém lhe telefona perguntando, ‘onde você está, o que houve? por que não veio hoje? Venha, vamos fazer algo juntos’. O isolamento é muito nocivo e depressivo para quem precisa se recuperar”. A história de Anat, sua determinação em não se

Projetos arquitetônicos das unidades buscam integração com a natureza

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entregar ao desespero, acreditar em si mesma e sua espiritualidade fizeram com que ela recebesse um prêmio do governo israelense como exemplo de sucesso em reabilitação. Em dezembro de 2020 Anat participou de uma live organizada pela Associação dos Amigos do Beit Halochem São Paulo para marcar o Dia Oficial de Reconhecimento aos Soldados Feridos nas Guerras e Vítimas do Terror, ao lado da exministra da Justiça de Israel, Ayelet Shaked. Como entrevistador, ao lado de Avi Gelberg, André Lajst, diretor da ONG Stand With Us. A história do Beit Halochem está sendo escrita e reescrita diariamente através da trajetória de todos que passam pelas suas unidades e que fazem de sua própria experiência um incentivo para os que, por trágicas circunstâncias, precisam da organização. O trabalho realizado pela instituição conta com o apoio de diversas associações de Amigos do Beit Halochem no mundo, visando conscientizar a Diáspora da importância de sua existência e do papel que desempenha na sociedade. A organização é chamada também de “Startup da Reabilitação”.


SHOÁ

Oculta sob os holofotes Durante a 2ª Guerra Mundial, enquanto Paris estava em mãos do Terceiro Reich, vários oficiais nazistas podiam ser vistos entre o público que assistia Florence Waren dançar. Eles jamais desconfiaram que se tratava de uma jovem judia. “Oculta sob os holofotes”, como ela costumava dizer, passou a ajudar judeus e a Resistência francesa

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lorence Waren nasceu Sadie Rigal, em Joanesburgo, África do Sul, em 28 de março de 1917. Ela mudaria o nome, já adulta, em Paris, ao abraçar a carreira artística. Filha de David Rigal e Gertrude Woolf Rigal, Florence teve seis irmãos.

Sem recursos financeiros, depois do casamento dos irmãos mais velhos, Florence e seu pai se mudaram para uma pensão no centro de Joanesburgo. Ainda criança, após assistir a apresentação do Les Ballets Russes1, uma das mais famosas companhias de balé do mundo, Florence decidiu que queria ser bailarina.

O casal se definia como “judeus relativamente observantes”. O pai era um caixeiro viajante para a loja de departamentos Jagger e a mãe tinha sido professora em Nova York. Após a morte de seu irmão caçula em 1919, durante a epidemia da Gripe Espanhola, sua mãe, Gertrude, sofreu um colapso nervoso, sendo internada em uma instituição psiquiátrica na África do Sul. Seu pai, então, assumiu a responsabilidade pela criação dos filhos.

Naquela época, uma prima sua dirigia uma pequena escola de dança e, em troca de ajuda no local, ministroulhe gratuitamente aulas durante anos. Florence nunca concluiu o Ensino Médio, mas tinha absoluta dedicação a suas aulas de dança. A dança era sua vida e ela progrediu rapidamente, chegando a vencer diversas competições na África do Sul. Seu sonho era ser uma das bailarinas do Ballet Russes de Monte Carlo, como passou a ser chamada essa companhia de balé nos anos de 1930. Assim, em 1938, aos 21 anos, contando com a ajuda de familiares e amigos, mudou-se para Londres e, em seguida, para Paris, sonhando com uma carreira no balé.

Les Ballets Russes foi uma companhia de balé itinerante, em Paris, que se apresentou em toda a Europa entre 1909 e 1929 e em turnês pela América do Norte e do Sul, sem nunca, no entanto, se ter apresentado na Rússia. Originalmente concebida por Sergei Diaghilev, Les Ballets Russes é considerada a companhia de balé mais influente do século 20. Os nomes Ballet Russe de Monte Carlo e The Original Ballet Russe (no singular) referem-se a companhias formadas após a morte de Diaghilev, em 1929.

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Precisando encontrar um meio de se sustentar, ela participou de uma audição no importante cabaret Bal Tabarin, sendo prontamente aceita. 69

junho 2021


SHOÁ

COMPANHIA DE CANTORES E DANÇARINOS FRANCESES DIANTE DO PORTÃO DE BRANDENBURGO, EM BERLIM, DURANTE UMA TURNÊ PELA ALEMANHA. NO CENTRO, FLORENCE WAREN, QUE OCULTAVA SEU JUDAÍSMO. NA EXTREMA ESQUERDA, SEU PARCEIRO DE DANÇA, FREDERIC APCAR. EDITH PIAF É A TERCEIRA A PARTIR DA DIREITA

Localizado no no 36 da Rue Victor-Massé, no 9o Arrondissement, o cabaré foi inaugurado em 1904 pelo compositor e líder de orquestra Auguste Bosc (1868–1945). O sucesso não se fez esperar. Em 1928, Pierre Dubout e Pierre Sandrini, diretor artístico do Moulin Rouge e filho da primeira bailarina Emma Sandrini, assumiram o Bal Tabarin. Sandrini introduziu números de balé em seus espetáculos, e guardaroupa e cenários magistralmente desenhados pelo famoso Erté, conceituado artista russo radicado em Paris, mestre par excellence da Art Déco. Os shows eram renovados anualmente, sempre com um tema diferente, como Os Planetas ou A Sinfonia, enquanto outros eram inspirados em figuras históricas como Cleópatra ou Madame de

sonhara, mas aquele emprego permitia que ela tivesse dinheiro suficiente para pagar aulas de dança e o aluguel de um apartamento que dividia com outra moça. Nessa época decide adotar o nome artístico de Florence Waren.

FLORENCE AINDA NA ÁFRICA DO SUL, COM OS IRMÃOS DOROTHY E IRENE

Pompadour. Após a Guerra, o Bal Tabarin foi comprado pelos donos do Moulin Rouge, que o fecharam em 1953. Apresentar-se no cabaré Bal Tabarin certamente não era o que Florence 70

Na capital francesa, ela teve aulas com professores russos famosos, sempre extremamente severos com seus alunos. Florence era uma jovem de caráter forte e quando um deles bateu-lhe com um batôn na panturrilha, ela reagiu impetuosamente, quebrando-o. Viuse obrigada a comprar outra varinha, caso contrário o professor não lhe permitiria voltar às aulas. No verão de 1939, incentivada por Pierre Sandrini, Florence foi a Londres para participar de uma audição para uma vaga no Ballet Russes de Monte Carlo, um


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Programa oficial do Ballets Russes

Roupa magistralmente desenhada pelo famoso Erté

Croquis feito por Erté de traje para o Bal Tabarin

desdobramento da companhia que tanto a inspirara a princípio. Ela conseguiu a vaga de seus sonhos e sua estreia nos palcos do Ballet Russe seria em dezembro de 1939. Mas, em setembro daquele ano, eclode a 2ª Guerra Mundial, e Florence viu seu sonho ruir.

Hitler. A batalha pela França durara apenas 46 dias. O país é, então, dividido – o norte e a costa do Atlântico ficam sob ocupação nazista, enquanto o sul e o sudeste passam a ter um governo leal à Alemanha, o Regime de Vichy.

identificar como judia perante as autoridades alemãs no controle da cidade.

Seu pai queria que ela retornasse para a África do Sul, onde estaria em segurança. Mas ela respondeu que não voltaria, pois não queria desistir de sua carreira artística.

De volta a Paris, Florence segue a recomendação de Pierre Sandrini, um dos donos do Bal Tabarin que se tornara um grande amigo, de não se

Mas, sendo cidadã britânica, ela não estava totalmente a salvo, pois os alemães passam a aprisionar civis aliados em campos de internação, por considerá-los “inimigos estrangeiros”. Cerca de quatro mil cidadãos britânicos residentes na França são detidos

Em maio de 1940, os exércitos alemães atacam a Holanda, Bélgica e França. Quando as tropas alemãs se aproximam de Paris, Florence e uma amiga deixam a cidade em busca de refúgio em um pequeno vilarejo. No entanto as duas moças são expulsas da cidade a pedradas, pois tendo nascido na África do Sul, Florence era cidadã britânica e o sentimento antibritânico era muito forte na região. São obrigadas, portanto, a voltar para Paris. Em junho, a França capitula diante do exército alemão e assina um armistício com a Alemanha de

SOLDADOS ALEMÃES DESFILAM PELO CHAMPS ÉLYSÉES EM 14 DE JUNHO DE 1940

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Tropas e veículos da 2a Divisão de Blindados francesa desfilam pelo Champs-Élysées, Paris, 26 agosto 1944

pelos alemães e levados de trem para um campo de internamento (Konzentrationslager), em Besançon, próximo à fronteira alemã. Entre eles, estava Florence. Ela ficou meses presa em Besançon. As condições do campo eram duras, tendo centenas de pessoas morrido de pneumonia, diarreia, intoxicação, disenteria e ulcerações causadas pelo frio intenso.

ficava deserta, às escuras. Mas à medida que Florence foi se tornando conhecida e uma artista de sucesso, ela consegue um passe que lhe

permitia circular à noite. E com essa permissão, ela começa a acompanhar os judeus que se viam obrigados a mudar de um esconderijo a outro. Foi no Bal Tabarin que ela conheceu Frederic Apcar, também dançarino com quem manteve um relacionamento inicialmente profissional, mas que se transformou em um vínculo afetivo. Conhecidos como “Florence et Frederic”, se tornaram rapidamente uma das duplas de dançarinos de salão mais famosas da França e essa parceria duraria mais do que seu relacionamento afetivo. Florence dizia que estava “se escondendo sob os holofotes”, dançando e se apresentando na França e na Alemanha. O luxo marcava os trajes da dupla. Para a linda dançarina, maravilhosos vestidos bordados, com joias e flores na cabeça; para ele, elegantes fraques. Juntos deslizavam pelo palco transbordando

No início de 1941, Florence foi libertada e autorizada a retornar a Paris, com a obrigação de se apresentar diariamente na delegacia local e sem poder deixar a cidade. Florence volta a dançar no Bal Tabarin, que passou a ser o cabaré preferido dos oficiais nazistas do Terceiro Reich. Após seu retorno, a princípio Florence dormia nos camarins, pois não tinha autorização para sair à noite. O toque de recolher ia das 21 às 5:00 da manhã, enquanto Paris 72


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glamour. Na maioria das fotos, ela dava a impressão de estar flutuando nos braços dele. Fora dos palcos, Florence mantinha amizade com membros da Resistência e os ajudava ativamente, escondendo e transportando armas e pessoas. Ao lado de cantores como Charles Trenet, Edith Piaf e Maurice Chevalier, “Florence et Frederic” foram em turnê a quatro campos de prisioneiros de guerra franceses, na Alemanha. Ela retornou trazendo uma mala de cartas, obviamente ilegais, dos soldados para suas famílias. Florence escondeu seus correligionários judeus, ajudando a encontrarem moradias seguras, que iam trocando com frequência. Alguns deles eram amigos do mundo dos Music Halls, como o compositor Maurice Lebovici. Pessoas como Maurice eram “transferidas” e escondidas através de uma rede informal de artistas e seus amigos, muitos dos quais, como Florence, tinham seus contatos na Resistência. Certo dia, enquanto Florence abrigava duas irmãs judias que haviam fugido de um campo de internamento, um policial a seguiu após ela ter-se apresentado, como era obrigada a fazer todos os dias, à delegacia. Ele a abordou em uma ponte sobre o Rio Sena, disse-lhe para não se assustar, permanecer em silêncio sem se virar para ver seu rosto. Revelou-lhe, então, que sua senhoria a havia delatado alertando as autoridades sobre o fato de que ela escondia judeus. E lhe avisou que seu apartamento seria revistado. “Você precisa tirá-las de lá esta noite”, afirmou. Naquela mesma noite, então, ela acompanhou pelas ruas escuras até um convento,

FLORENCE WAREN E FREDERIC APCAR LADEANDO EDITH PIAF. PARIS, 1943

as duas jovens judias que escondia. No trajeto, viu nazistas invadindo um orfanato e atirando crianças judias pelas janelas dos andares altos. As duas irmãs judias que ela abrigara conseguiram escapar para a costa sul da França e a visitaram em 1948, quando ela se apresentava em Nova York. Reconhecendo-a em um cartaz, correram para ver o seu show.

“Imagino que ela estivesse constantemente com medo, mas não acho que era algo sobre o qual ela pensasse muito. Era o que se fazia, na época”

Tempos mais tarde, o mesmo policial alertou Florence uma segunda vez, na época em que ela escondia armas em seu apartamento. Anos mais tarde, em uma entrevista publicada no jornal New Times, seu filho Mark Waren falou sobre a participação de Florence na Resistência: “Imagino que ela estivesse constantemente com medo, mas não acho que era algo sobre o qual ela pensasse muito. Era o que se fazia, na época”. Já perto do fim da ocupação, em 1944, logo após seu retorno de uma viagem a Berlim, Fred Apcar foi informado de que Florence seria presa por suas atividades clandestinas. Imediatamente, 73

FLORENCE WAREN COM FREDERIC APCAR E UM CASAL

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ele alugou uma casa em um subúrbio de Paris, onde abrigou Florence e outros artistas judeus. Mesmo vivendo na clandestinidade, ainda assim ela continuou a ajudar a Resistência. Ela ajudou Gilbert Doukan, um judeu herói da Resistência que havia escapado de Drancy, a passar por um grupo de policiais e soldados em uma estação de trem, usando um disfarce, como se fosse sua linda esposa francesa. Quando o viu novamente, já durante um desfile na Libertação de Paris, Doukan usava o uniforme de oficial francês. Certa manhã, soldados norteamericanos passaram em um tanque e pediram a Florence e Frederic orientação de como chegar a Paris. Florence e Frederic foram então à capital francesa para assistir “de camarote” a libertação da cidade pelos Aliados. “Oculta sob os Holofotes” foi a própria forma de sobrevivência encontrada por Florence, mas ela não conseguiu isso sozinha. Sem o apoio das pessoas ao seu redor, a dançarina não teria escapado dos nazistas. Infelizmente, a maioria dos judeus na Europa não conseguiram encontrar amigos tão leais quanto ela.

Três dançarinas em Paris. No centro, Florence Waren

a uma delicatessen e entabulou uma discussão tão acalorada que acabaram ambos sendo expulsos do local. Florence decidiu abandonar a turnê, seu par Frederic e permanecer em Nova York com Waren, com quem se casou em 1949. Aos 42 anos, deu à luz seu único filho, Mark. Ela continuou sua

Seu grande amigo e parceiro de dança Frederic faleceu em 2008, em Las Vegas, após uma longa carreira como produtor de shows no Hotel e Cassino Dunes. Florence Waren faleceu aos 95 anos, no dia 12 de julho de 2012, em sua residência, em Manhattan, deixando marido, filho e neta. “Dancing Lessons” é o título do documentário que seu filho produziu sobre sua vida.

Vida pós-guerra Ao término da 2ª Guerra Mundial, o governo francês declarou Florence Waren uma “residente privilegiada”. Em 1948, “Florence et Frederic” fizeram uma turnê pelos Estados Unidos, apresentando-se no famoso nightclub Copacabana, em Nova York. Lá ela conheceu Stanley Waren, um jovem ator, diretor e professor, por quem ela se apaixonaria. Em seu primeiro encontro, o casal foi

carreira, fazendo apresentações na Broadway e apareceu no famoso Ed Sullivan Show. Foi diretora do Departamento de Dança e Teatro do City College, trabalhando ainda como coreógrafa com seu marido nos espetáculos que ele dirigiu na África, China e em Taiwan.

BIBLIOGRAFIA

FLORENCE WAREN COM FREDERIC APCAR, SEU AMIGO E PARCEIRO DE DANÇA

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Florence Waren Hid From the Nazis by Dancing for Them, artigo publicado em 27 de março de 2017 no site https://usholocaust-museum.medium.com/dancingfor-her-life-a-story-of-survival Florence Waren, jewish dancer who resisted nazis, dies at 95, artigo publicado em 4 de Agosto de 2012 no jornal The New York Times


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Morashá é maravilhosa como sempre! O artigo sobre nosso querido José Z”L me emocionou demais! As fotos me levaram a um passado que está tão recente nas minhas lembranças! É um artigo que temos que guardar para a posteridade! Josette Lisbona São Paulo – SP

Desejo congratular a Revista Morashá pela maravilhosa matéria sobre a história da Família Safra e principalmente com o enfoque para Joseph Safra. É um orgulho para toda nossa comunidade. Anita Kaufmann São Paulo - SP

As “Cartas ao Leitor” da Morashá nos trazem cultura, respeito por nossa história, despertam nosso interesse de protegê-la no presente e fortalecê-la para gerações futuras. Estou na estrada dos meus 97 anos, as Cartas iluminam o caminho do meu retorno... são tal qual uma bela ópera, tem o início, o meio e o fim. Parabéns à Diretoria! Parabéns a toda equipe da Morashá! Leão Milnitsky Porto Alegre - RS

Fiquei emocionado com a reportagem biográfica do Sr. Joseph Safra, relatando a sua impressionante e bem sucedida trajetória pessoal e empresarial, onde se constituiu num poderoso alicerce em todos os aspectos da comunidade, assim como na vida pessoal, familiar e como banqueiro... certamente um exemplo a ser seguido. Me orgulho de ter trabalhado no Banco Safra por 35 anos, sua presença marcante foi decisiva em minha formação como homem e profissional. Henrique Machado São Paulo – SP

Adorei ler a Edição nº 110 da revista Morashá. Todos os artigos são excelentes, principalmente sobre o grande benfeitor comunitário José Safra Z”L. Está magnifico o texto sobre o Rabino Adin Steinsaltz. Parabéns a todos os envolvidos. Clara Levi

Rio de Janeiro - RJ Recebi e li com muito interesse e proveito o nº 110, da Revista Morashá, de março de 2021, da qual tenho a alegria de ser assinante. Parabéns! Muito bons todos os artigos, sobretudo o excelente artigo sobre o Rabino Adin Even-Israel Steinsaltz, e o referente às muitas realizações de Joseph Safra, falecido em dezembro de 2020. Um grande exemplo de vida. Zolferino Tonon São Paulo - SP

O artigo do Rabino Gabriel Aboutboul sobre “A Reencarnação e as Viagens da Alma” versa sobre um assunto muito difícil e polêmico, sobre o qual ele foi extremamente claro e didático. Seu grande conhecimento foi traduzido em um texto de fácil compreensão, com extensa literatura, e nos conduz pelos caminhos que certamente já percorremos, e iremos percorrer, mostrando como o judaísmo encara este tema, inclusive com os cuidados que devemos ter em relação à popularização e desvirtualização do assunto. Excelente escolha da Revista Morashá, tanto do tema como do autor. Morashá sempre nos brinda com textos e temas de relevância e qualidade dentro do judaísmo e para a nossa vidas. Rosa Borrás São Paulo - SP

Gostaria de parabenizar toda a equipe responsável pelas edições da revista Morashá pelo fantástico trabalho que vem sendo desenvolvido. Estudei em uma escola judaica durante minha infância e adolescência e sempre tive muita curiosidade sobre a cultura do nosso povo. É impressionante como estou aprendendo com os artigos publicados, conhecendo mais a fundo nossas tradições, as comunidades espalhadas pelos quatro cantos do mundo, bem como as personalidades do passado e presente que nos fazem sentir orgulho de ser judeus.

A Revista Morashá foi a fonte de onde bebi para ganhar alguns detalhes da grandiosa obra que o Senhor Joseph Safra nos deixa. Penso que ele é o que podemos chamar de um Justo. A reluzente obra que ele nos lega, seja no desenvolvimento econômico de nosso país e de tantos outros, o apoio na educação de crianças da comunidade judaica e fora dela, o incentivo nas áreas da ciência, da arte, da cultura e outras mais, em lugares diversos do planeta, é exemplo a ser seguido por muitos. Conhecer um pouco sobre esse homem gigante foi uma benção para mim.

Perola Kottler Rio de Janeiro - RJ

João de D. Fonseca Salvador – BA

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