ANO XXII - edição 86
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CAPA Chanuquiá em liga de cobre, Estampada com molde. Traz uma imagem de Aharon acendendo as luzes da Menorá do Tabernáculo. Ze’ev Raban, Escola de Bezalel, Jerusalém, início da déc. de 1920
Carta ao leitor A festa de Chanucá é um mandamento respeitado por milhares de judeus, que durante os oito dias da festividade, tanto em Israel como na Diáspora, cumprem a mitzvá de acender velas.
Essas luzes lembram os milagres Divinos que permitiram que os Macabeus derrotassem as poderosas forças sírio-gregas que ocupavam a Terra de Israel e visavam extirpar o Judaísmo. Simbolizam o triunfo do bem sobre o mal, da luz sobre as trevas, da liberdade sobre a tirania. Lembram-nos que o objetivo central da vida é gerar mais luz no mundo. Isso se realiza à medida que vivemos de acordo com os princípios e as ideias simbolizadas pela luz: sabedoria, verdade, conhecimento, integridade e generosidade.
Qual a forma correta de cumprir o mandamento de acender as luzes de Chanucá? Na primeira noite da festa, acende-se uma vela. E depois, dia após dia, acrescenta-se uma vela, até que, na oitava e última noite, acendem-se todas as oito velas da Chanuquiá. Essa progressão culmina na oitava e última noite da festa, com todas as oito velas acesas. A Chanuquiá deve ser colocada perto de uma janela, para que as luzes sejam vistas por aqueles que não estão em casa. As velas devem iluminar não apenas o interior de um lar, mas também o domínio público.
Esses dois aspectos do acendimento da Chanuquiá transmitem lições valiosas para todos os seres humanos. A progressão no número de velas acesas nos ensina que devemos sempre nos esforçar para melhorar.
Hoje, graças à tecnologia, quase tudo é instantâneo. Isso leva muitas pessoas a acreditar que grandes feitos podem ser realizados em pouquíssimo tempo. O Judaísmo, por outro lado, ensina que grandes realizações advêm de anos de esforço. Ninguém jamais adquiriu grande sabedoria, conhecimento ou espiritualidade em poucas semanas ou meses. Tudo que é adquirido sem esforço não dura muito ou não é valorizado. As luzes de Chanucá nos ensinam que D’us não espera que sejamos perfeitos, mas exige que o ser humano se empenhe em melhorar, não medindo esforços na busca do auto-aperfeiçoamento. A melhoria constante é fundamental. Todos os seres humanos têm a obrigação
de evoluir. O que o Judaísmo rejeita não é a imperfeição, e sim, a regressão e a falta de progresso. O segundo aspecto das luzes de Chanucá – o fato de que devem estar posicionadas em direção ao domínio público – ensina que não é suficiente que o homem gere luz apenas para si próprio, deve também compartilhá-la. Uma pessoa pode ser uma grande fonte de luz, mas se não a utilizar para abrilhantar o mundo, não terá cumprido sua missão na Terra. As duas lições de Chanucá – o auto-aperfeiçoamento ininterrupto e a responsabilidade com os outros – estão entrelaçadas. Quanto mais luz se compartilha com o mundo, mais luz se consegue gerar para si próprio.
A humanidade hoje enfrenta grandes desafios. Há muita violência, caos, novas epidemias no mundo e ameaças de terrorismo. Há certos momentos de profunda escuridão quando são cometidos atos terríveis. A alma do Povo Judeu foi mais uma vez atingida pelo ataque perpetrado por terroristas, em novembro último, numa sinagoga em Jerusalém, enquanto os fiéis rezavam. Um ato de covardia absolutamente deplorável onde quer e contra quem fosse. O Mundo Judeu está revoltado. Não obstante, o Judaísmo nos ensina a enfrentar tragédias e desafios com coragem. Devemos difundir ainda mais luz e incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo. A luz, simbolizada pelas luzes de Chanucá, é a solução para essa época turbulenta pela qual passamos.
Toda vez que um ser humano acende uma vela, realiza um ato de bondade, sabedoria ou santidade, está ajudando a iluminar o mundo. Quando uma quantidade suficiente de velas for acesa, iniciar-se-á uma nova era: um novo mundo emergirá – um mundo em que haverá paz e prosperidade para todas as nações e seres humanos. CHANUCÁ SAMEACH!
NOSSAS FESTAS
Milagres Divinos e Triunfos Humanos “quando o reinado perverso da Grécia se levantou contra Teu povo Israel para fazê-los esquecer Tua Torá e forçá-los a transgredir os decretos de Tua vontade; e Tu, em Tua abundante misericórdia, Te ergueste por eles na hora de tribulação, Tu lutaste seu combate, Tu julgaste sua causa, Tu vingaste sua vingança, Tu entregaste os fortes nas mãos dos fracos...” (Trecho da benção de “Al Hanissim” recitada em Chanucá)
a
festa de Chanucá celebra dois milagres ocorridos durante o 2º século antes da Era Comum. O primeiro deles, a vitória de um exército pequeno de judeus, em inferioridade numérica e de munição, conhecidos como os Macabeus, sobre o exército sírio-grego – a superpotência à época – que ocupava a Terra de Israel. A revolta dos Macabeus foi uma resposta à tirania sírio-grega, a seus decretos malévolos e à tentativa de forçar o Povo Judeu a abandonar o judaísmo. O segundo milagre: o acendimento da Menorá com óleo de oliva era um importante componente do serviço diário no Templo Sagrado de Jerusalém. Quando os Macabeus o libertaram das mãos dos sírios-gregos, eles se depararam com apenas um pequeno jarro de óleo de oliva ritualmente puro, não profanado pelos opressores. O jarro continha óleo suficiente para apenas um dia e levaria oito dias para se produzir novo óleo de oliva ritualmente puro. Os judeus acenderam o jarro e testemunharam um milagre: o suprimento que daria para um só dia ardeu durante oito dias – o tempo suficiente para que se produzisse óleo de oliva novo, ritualmente puro. 6
Há mais de dois milênios o Povo Judeu celebra esses dois milagres de Chanucá. O mandamento básico dessa festividade de oito dias é o acender da Chanuquiá – a Menorá de oito braços – com óleo de oliva ou velas, em recordação ao milagre do óleo que ardeu durante oito dias. É importante observar, contudo, que a bênção recitada antes do acendimento da Chanuquiá, bem como as passagens adicionais recitadas durante os oito dias de Chanucá na Amidá (Shemonê Esrê) e no Bircat Hamazón (Bênção após as refeições), enfatizam o triunfo militar dos judeus sobre seus oponentes. A razão para tal é que a vitória militar dos Macabeus foi um milagre muito mais significativo do que o fenômeno sobrenatural do óleo que durou oito dias em vez de um. Na verdade, não fosse a vitória militar dos judeus, o milagre do azeite teria sido uma ocorrência sobrenatural, mas despida de grande importância, pois os judeus poderiam ter acendido a Menorá com óleo de oliva impuro, de acordo ao ritual. O milagre do azeite deu-lhes tempo suficiente para produzir azeite ritualmente puro. Assim, puderam dedicar novamente o Templo Sagrado e voltar a oficiar o serviço da Menorá sem ter que recorrer a práticas não ideais do uso de azeite impuro. Isso era, obviamente, uma demonstração de favorecimento Divino, mas, na ausência de uma vitória militar, será que teria garantido a
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“Acendendo as luzes de Chanucá”, óleo sobre tela, Moritz Daniel Oppenheim, 1880
perpetuação de uma festividade que vem sendo celebrada há mais de dois milênios? O significado do milagre do azeite não foi tanto uma questão de pureza ritual, mas sim a mensagem Divina que transmitiu aos Macabeus, bem como àquela geração de judeus e a todas as que vieram a seguir: o óleo da pequena jarra ardeu durante oito dias – um número que, segundo o misticismo judaico, simboliza o sobrenatural – para lhes revelar que sua vitória militar tinha sido um milagre. Eles venceram não só porque lutaram com bravura e ímpeto, mas porque a Divina Providência havia decretado que eles triunfariam sobre seus opressores. Se D’us não tivesse lutado ao lado deles, provavelmente teriam perdido a guerra. Porque, afinal, eles eram apenas um grupo de guerreiros travando uma guerra contra uma
superpotência. O resultado da guerra poderia ter sido drasticamente diferente: os judeus poderiam ter perdido, como ocorreu dois séculos depois contra Roma. Os síriogregos poderiam ter vencido os Macabeus, destruído o Templo e então massacrado milhões de judeus, como fizeram os romanos. O Povo Judeu venceu a Guerra por causa de seus valentes soldados, mas também por causa “das salvações, dos milagres e das maravilhas que Tu realizaste para nossos antepassados, nestes dias, naquela época”.
Definindo Milagres Como o judaísmo define milagres? Na oração da Amidá (Shemonê Esrê), que recitamos todos os dias, agradecemos a D’us “por Teus milagres que estão conosco todos os dias, e por Tuas contínuas maravilhas e beneficências”. Já o 7
Talmud nos ensina que o homem nunca deve confiar em milagres, pois estes raramente ocorrem. Como conciliar essas duas ideias? Serão os milagres eventos diários, comuns, ou ocorrências raras e incomuns? Depende de como definimos “milagre”. A maioria das pessoas define os milagres como uma ocorrência sobrenatural. De fato, segundo o judaísmo, o milagre é um desvio das leis da natureza: D’us criou e continuamente sustenta o mundo por meio das leis da natureza, mas em ocasiões raras e muito especiais, Ele rompe algumas dessas leis em nosso benefício. Exemplificando: Poderia D’us mudar o curso da Terra e do Sol? É óbvio que sim. D’us criou o Universo todo e tudo o que contém. Para um Ser Infinito, criar e administrar um Universo finito não requer nenhum esforço. DEZEMBRO 2014
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O Tanach relata que D’us o fez, uma vez: Ele adiou o pôr-do-sol, em uma sexta-feira, permitindo, assim, que os judeus continuassem a lutar contra seus inimigos sem ter que violar o Shabat. Portanto, está escrito no Livro de Yehoshua ( Josué): “Então Yehoshua falou ao Eterno, no dia em que o Eterno deu os Emoreus (derrotados) diante dos Filhos de Israel, e disse aos olhos de Israel: “Sol, detém-te em Givon, e Lua, no Vale de Ayalon!” – e o sol se deteve, e a lua parou até que o povo se vingou de seus inimigos... E não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, em que o Eterno tivesse atendido à voz de um homem – porque o Eterno guerreava por Israel!” (Yehoshua 10: 12-14). Essa passagem do Livro de Yeshoshua transmite a definição de milagre sobrenatural. D’us pode mudar a órbita dos corpos celestiais para atender os desejos de um ser humano. Um Ser Onipotente pode fazer qualquer coisa. A questão não é se D’us pode realizar milagres – Ele obviamente pode –, mas sim, por que Ele deveria fazê-lo. Quando os seres humanos oram pedindo um milagre, eles estão rogando, como na passagem citada de Yehoshua, que D’us atente para a voz do homem e Se desvie da forma como Ele rege Seu Universo – ou seja, que quebre uma de Suas leis que Ele próprio estabeleceu e implementa, continuamente.
yehudá, o macabeu. detalhe da coleção rothschild. ferrara, circa 1470
D’us quebra, sim, Suas leis em ocasiões raras e extraordinárias. Os milagres lembram ao mundo que D’us é invisível, mas não ausente. Os milagres nos despertam para o fato de que existe muito mais no mundo do que o pouco que nossos cinco sentidos percebem. D’us também pode realizar milagres sobrenaturais em benefício de um ser humano extraordinário – 8
alguém como Moshé e Yehoshua – ou se muitas pessoas pedirem Sua ajuda. Essa é a razão para a reza comunitária ser tão importante: quanto mais pessoas pedirem por milagres e maravilhas, maior a chance de que D’us atenda seu pedido. Como essa definição de milagres se adequa ao conceito, mencionado na oração da Amidá, de que D’us realiza milagres todos os dias e o dia todo? Esses milagres são milagres ocultos – eventos inesperados e felizes: milagres que ocorrem sem que as leis da natureza sejam quebradas. Por exemplo: supondo-se que alguém necessite desesperadamente de 1.000 reais e não tenha a quem pedir. De repente, inesperadamente, alguém o contrata para realizar um trabalho por exatamente 1.000 reais – nem um centavo a mais nem a menos. Muitos podem dizer que é mera coincidência, ou pura sorte. O judaísmo chamaria isso de um milagre dentro da natureza. A Divina Providência veio socorrer essa pessoa sem quebrar as leis da natureza. O dinheiro caiu do céu? Não. E se materializou do ar? Também não. A pessoa teve que trabalhar para ganhar a soma. Um emprego e um empregador: uma fonte humana. Contudo, trata-se de um evento inesperado e fortuito: um ser humano teve a oportunidade de ganhar a soma exata que ele necessitava, quando o necessitava. Quando esses eventos inesperados e felizes acontecem conosco – e se expandíssemos nossa consciência, perceberíamos que eles ocorrem com frequência –, eles nos lembram que D’us é um Ser presente que cuida de cada um de nós, o tempo todo. A isso nossos Sábios chamam de Divina Providência. A maioria de nós não
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escola bezalel, jerusalém, 1908-29. em hebraico: chanucá: “essas luzes são sagradas”
percebe como a Divina Providência modela até os menores eventos de nossa vida. Como nos ensina o Talmud, não temos consciência da enormidade de milagres que D’us realiza para cada um de nós, a cada dia de nossa vida. É importante enfatizar que mesmo quando D’us realiza um milagre aberto, quebrando as leis da natureza, Ele não as descarta inteiramente. Os melhores exemplos de milagres abertos foram as Dez Pragas que resultaram no êxodo dos judeus do Egito: a água virou sangue, granizo contendo fogo caiu dos céus, etc. No entanto, mesmo esses milagres permaneceram de alguma forma conectados às leis da natureza. As águas que viraram sangue – um líquido que se transformou em outro; a água não virou fogo. O granizo que caiu dos Céus continha fogo, mas caiu do céu, como cai o granizo; não foi da Terra para os Céus. D’us poderia
certamente ter transformado as águas do Nilo em fogo, mas não era necessário quebrar as leis da natureza a tal ponto. Mesmo o maior dos milagres não acarreta uma completa suspensão das leis da natureza. Há que haver uma explicação natural – ainda que
altamente improvável – para explicar até mesmo os milagres abertos. Senão, a Divina Revelação seria tão grandiosa que negaria o mundo: o finito cessaria de existir dentro do Infinito, como uma vela acesa dentro do sol. D’us quebra as leis da natureza, mas Ele não as repele completamente. Se D’us anulasse totalmente as leis da natureza, a realidade como a conhecemos cessaria de existir – ou, no mínimo, deixaria de fazer sentido. D’us pode certamente suspender Suas leis e fazer qualquer coisa, mas Ele opta por não o fazer.
Os milagres de Chanucá
sevivon. polônia, séc. 18
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O milagre do óleo celebrado na festividade de Chanucá foi um milagre aberto. Talvez não tenha sido tão dramático como as águas do Egito que viraram sangue – mas não deixou de ser um fenômeno sobrenatural. Vencer um exército altamente superior, em uma guerra, DEZEMBRO 2014
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pode ser algo altamente improvável, mas não é uma suspensão das leis da natureza. Como nos mostrou a história, o resultado de uma guerra pode variar. Nem sempre é o exército mais forte o vencedor de uma confrontação militar. Não fosse pelo milagre do óleo, os judeus poderiam ter atribuído a vitória a seu poderio e genialidade militar. O milagre, portanto, transmitiu aos judeus a lição de que a Divina Providência lhes dera a vitória. Um milagre aberto – o do óleo – ocorreu para lhes indicar que sua vitória também tinha sido um milagre, ainda que contido dentro das leis da natureza. Contudo, como mencionamos acima, as bênçãos e orações recitadas em Chanucá enfatizam o milagre do triunfo militar, não do óleo. Ironicamente, o milagre aberto teve significado menos impactante do que o oculto.
Há uma clara diferença entre os milagres ocorridos no Egito – quando Moshé liderava o Povo Judeu – e o milagre da vitória dos Macabeus sobre as forças síriogregas. No Egito, os milagres vieram dos Céus: não envolveram muita participação humana. Moshé, o maior de todos os profetas, que falou face a face com D’us, não teve que fazer esforços extraordinários para vencer o Faraó: tudo o que precisou fazer foi cumprir as instruções Divinas, como a confrontação com o Rei egípcio e o uso de seu cajado para fazer acontecerem as pragas. Já com os Macabeus, não houve Moshé algum. Eles tiverem que lutar para vencer. Eles foram à guerra sem que D’us lhes tivesse dito o que fazer e sem lhes garantir que eles prevaleceriam. Ademais, essa guerra durou vários anos. Não foi um conflito rápido, muito menos fácil, e certamente houve muitas
acendendo a chanuquiá. guache e pastel sobre papel. k. felsenhardt, 1893
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baixas judias. Diferentemente das Dez Pragas que se abateram sobre o Egito, o milagre de Chanucá, a vitória dos Macabeus, não foi um milagre aberto, e, portanto, exigiu um enorme esforço humano. Não tivessem eles lutado tão intensamente por tanto tempo, não teriam vencido a guerra. Ao mesmo tempo, não fora pela interferência Divina, eles não teriam triunfado, apesar de seus enormes esforços.
A Parceria entre D’us e o Homem A história e os milagres de Chanucá servem como manual de como o homem deve viver sua vida para que tenha sucesso em seus empreendimentos. Essa festa nos ensina que o sucesso depende tanto do empenho humano quanto da ajuda Divina. Algumas pessoas creem que já que a Providência guia o
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mundo – já que os milagres Divinos ocorrem por toda parte e a toda hora, como recitamos diariamente na Amidá – o homem não precisa fazer esforços na vida. “Que será, será”, diz a canção. Não precisamos trabalhar – D’us proverá, como fez para os judeus comandados por Moshé no deserto de Sinai. Não precisamos lutar em nossa própria defesa – D’us lutará contra nossos inimigos como fez contra os egípcios. Essa é uma linha de pensamento muito perigosa – é uma interpretação gravemente errônea do judaísmo –, que, em geral, leva à destituição e à derrota e, em última instância, ao desapontamento e à perda da fé. O nível da Providência Divina que cuida dos seres humanos sem a necessidade do empenho humano só se aplica a pessoas do calibre de Moshé ou de Rabi Shimon Bar Yochai. A maioria das pessoas, até mesmo os verdadeiramente justos, precisam esforçar-se para ter sucesso. Se isso foi válido para os Macabeus – eles tiveram que lutar durante longo tempo e empenhar-se para vencer – certamente é valido para nós. Contudo, há quem creia que o sucesso e o fracasso dependem unicamente do empenho humano – do trabalho duro, do talento e da genialidade. O judaísmo condena essa filosofia de vida. Qualquer ser humano sensato deve perceber que por mais que tentemos controlar o mundo e os eventos de nossa vida, nós temos muito pouco controle do que quer que seja. O imprevisível sempre pode ocorrer. Sem a ajuda de D’us, até as iniciativas mais promissoras podem dar errado; até as situações mais favoráveis e simples podem tomar um rumo errado. O homem precisar esforçar-se muito, mas não pode esquecer-se de que, para ter sucesso, a ajuda e bênção Divinas são sempre indispensáveis.
chanuquiá, europa oriental. séc. 19
O mundo pode seguir um caminho um tanto previsível – ao que chamamos de leis da natureza – mas sempre há espaço para o inesperado – seja positivo seja negativo. O Rei Salomão, o mais sábio de todos os homens, ensinou que “O orgulho precede a queda” (Provérbios, 16:18). As pessoas orgulhosas, que acreditam que são donos de sua sorte e destino, com frequência sofrem reveses que lhes fazem recordar que há um único Mestre do Universo. Um sábio, certa vez, deu o seguinte conselho de como viver a vida: “Trabalhe como se tudo dependesse de você e ore como se tudo dependesse de D’us”. Esse é o caminho defendido pelo judaísmo 11
e que leva a uma vida de conteúdo e de sucesso. A Torá nos ensina que D’us espera que tenhamos uma vida plena de esforços, mas não podemos esquecer jamais da Origem de nossa vida e de tudo o que possuímos e conquistamos. A festa de Chanucá nos ensina muitas lições valiosas. Uma das mais importantes – universais e atemporais – é que se queremos viver uma vida de milagres, não precisamos ser um Moshé nem esperar milagres como os ocorridos no Egito. Basta expandir nossa consciência, tornar-nos mais conscientes dos eventos inesperados e felizes ao nosso redor e apreciar a constante supervisão e bondade Divinas conosco. DEZEMBRO 2014
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CELEBRANDO CHANUCÁ ANO APÓS ANO, à ÉPOCA DE CHANUCÁ, AS LUZES SÃO ACESAS EM TODOS OS LARES JUDAICOS PARA CELEBRAr OS ACONTECIMENTOS “DAQUELES DIAS”, COM CÂNTICOS DE LOUVOR A D’US. ASSIM, OS CAMINHOS DE ISRAEL SÃO ILUMINADOS PELA MENSAGEM ETERNA: “A LUZ ESPIRITUAL DE ISRAEL NUNCA SERÁ APAGADA”.
a
festa de Chanucá inicia-se no dia 25 de Kislev, este ano em 16 de dezembro, à noite, e o acendimento das velas vai até 1º de Tevet – 23 de dezembro, à noite. Desde a histórica vitória dos macabeus sobre os assírios, ocorrida em 165 a.E.C., os judeus celebram Chanucá durante oito dias. A festividade comemora a preservação do espírito de Israel. Assim sendo, celebrase Chanucá apenas espiritualmente, não havendo outros mandamentos a respeito. Além disso, durante os oito dias da festa, é proibido qualquer forma de luto público ou jejum, podendo-se, no entanto, trabalhar. A Chanuquiá – candelabro de oito braços especial da festividade – deve ser acesa diariamente após o aparecimento das estrelas, com exceção da véspera do Shabat, quando deve ser acesa antes do pôr-do-sol. Qualquer material incandescente pode ser usado para acendê-la, mas deve-se preferir a luz intensa do azeite ou de velas de cera ou parafina, grandes o bastante para permanecer ardendo no mínimo por meia hora. Por isso, se uma vela apagar durante esse tempo – com exceção da noite de Shabat, recomenda-se reacendê-la. Num lugar de destaque, no candelabro, há uma outra vela auxiliar, de preferência de cera, chamada shamash. 12
Algumas comunidades usam o shamash para acender as demais velas; outras, uma vela adicional. Na sexta-feira à noite, véspera do Shabat, as velas devem ser acesas antes do pôr-do-sol e antes das velas de Shabat. Nesse dia devem ser usadas velas maiores, para que ardam até meia-hora após o início do Shabat. Na noite seguinte, as velas de Chanucá só podem ser preparadas e acesas após o término do Shabat e da Havdalá. Na primeira noite, acende-se a vela da extrema direita e, em cada noite subseqüente, acrescenta-se uma nova do lado esquerdo à primeira e, assim, sucessivamente. A 1ª vela a ser acesa é sempre a nova, procedendo-se da esquerda para a direita. Na segunda noite, por exemplo, acendem-se duas. A primeira vela deve ser colocada do lado direito da chanuquiá e a segunda é adicionada à esquerda da primeira. Durante os oito dias, uma nova luz é adicionada, noite após noite, até completar as oito. Por ter um propósito sagrado, a luz da chanuquiá não poderá ser usada para nenhum outro fim, como trabalho ou leitura. Todos os membros da família devem estar presentes
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na hora do acendimento das velas. Desde que possam segurar as velas com segurança, as crianças têm o mérito de participar, acendendo-as após ter sido acesa a primeira vela da noite. As mulheres têm a mesma obrigação; portanto, em um lugar onde só haja mulheres ou se o marido estiver viajando ou chegar tarde demais, cabe a elas acender as velas e pronunciar as bênçãos. Nossos sábios enfatizavam a importância da participação feminina na cerimônia, pois grande parte da milagrosa vitória militar dos judeus sobre seus inimigos se deve a Yehudit. Rabi Yehoshua Ben-Levi diz: “As mulheres são obrigadas a cumprir a mitzvá de Chanucá, pois elas também são parte do milagre”. Quando o povo de Israel não vivia disperso, as luzes eram acesas na
parte externa das casas, à esquerda de quem entra, ou seja, em frente à mezuzá. Atualmente, há vários costumes sobre onde colocar a chanuquiá. Alguns a colocam sobre uma mesa, na janela que dá para a via pública, ou no lado esquerdo da porta de entrada, em frente à mezuzá. Outros a colocam em lugar especial, na sala. Deve ser colocada em uma altura entre três e dez palmos do chão, porém não a mais de 9,6 metros, em lugar especial, isolado e de destaque. Nas sinagogas, onde também se acendem as velas para disseminar as lições do milagre, a chanuquiá deve estar na mesma posição do candelabro do Templo de Jerusalém. Mas o acender das velas na Casa de Orações não nos exime da obrigação de acendê-las em casa. 13
chanuquiá em prata, sinagoga beit yaacov
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acendendo a chanuquiá Todas as noites, acende-se primeiro o shamash, depois pronunciam-se as seguintes bênçãos:
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Mêlech haolam, asher kideshánu bemitsvotav, vetsivánu lehadlic ner Chanucá.
A cada noite, após recitar as bênçãos, acendem-se as velas da chanuquiá com o shamash, que é colocado na chanuquiá de modo a ficar mais alto do que as demais chamas. Após acender as velas, recita-se em seguida Hanerot halálu:
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que fizeste milagres para nossos antepassados, naqueles dias, nesta época. Apenas na primeira noite, depois de recitar as duas bênçãos, recita-se o shehecheyánu:
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Mêlech haolam, shehecheyánu vekiyemánu vehiguiyánu lazeman hazê.
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos deste vida, nos mantiveste e nos fizeste chegar até a presente época.
1ª noite 25 de Kislev Terça-feira, 16 de dezembro, às 20:20 horas 2ª noite 26 de Kislev Quarta-feira, 17 de dezembro, a partir de 20:20 horas
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos, e nos ordenaste acender a vela de Chanucá.
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Mêlech haolam, sheassá nissim laavotênu, bayamim hahêm, bazeman hazê.
Costuma-se colocar a chanuquiá sobre uma mesa no lado esquerdo da porta de entrada, em frente à mezuzá, ou na janela que dá para a via pública.
3ª noite 27 de Kislev Quinta-feira, 18 de dezembro, a partir de 20:20 horas
Hanerot halálu ánu madlikim, al hanissim veal hapurkan, veal haguevurot veal hateshuot, veal haniflaot, sheassita laavotênu, bayamim hahêm, bazeman hazê, al yedê cohanêcha hakedoshim. Vechol shemonat yemê Chanucá, hanerot halálu côdesh hem, veen lánu reshut lehishtamesh bahem êla lir’otan bilvad, kedê lehodot lishmêcha, al nissêcha, veal nifleotêcha, veal yeshuotêcha.
Acendemos estas luzes em virtude dos milagres, redenções, bravuras, salvações, feitos maravilhosos e auxílios que realizaste para nossos antepassados, naqueles dias, nesta época, por intermédio de Teus sagrados sacerdotes. Durante todos os oito dias de Chanucá, estas luzes são sagradas, não nos sendo permitido fazer qualquer uso delas, apenas mirálas, a fim de que possamos agradecer e louvar Teu grande nome, por Teus milagres, Teus feitos maravilhosos e Tuas salvações. 14
4ª noite 28 de Kislev Sexta-feira, 19 de dezembro, às 19:30 horas, antes de acender as velas de Shabat
5ª noite 29 de Kislev Sábado, 20 de dezembro, a partir de 20:30 horas, após a Havdalá 6ª noite 30 de Kislev Domingo, 21 de dezembro, a partir de 20:23 horas 7ª noite 1 de Tevet Segunda-feira, 22 de dezembro, a partir de 20:23 horas 8ª noite 2 de Tevet terça-feira, 23 de dezembro, às 20:23 horas
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O moderno Haman e o novo antissemitismo “Disse, então, Haman ao rei Achashverosh: “Existe um povo, espalhado e disperso, dentre os demais povos de todas as províncias de teu reino, cujas leis são diferentes de qualquer outro povo, e que não cumpre as leis do rei; pelo que não convém ao rei conservá-lo”. (Meguilat Esther 3:8)
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m dos mandamentos da festa de Purim é a leitura da Meguilat Esther, que relata como Mordechai e Esther frustraram o plano diabólico de Haman de exterminar o Povo Judeu. Ensina o Talmud: “Quem lê a Meguilá de trás para frente não cumpre sua obrigação”. Nossos Sábios explicam que não devemos considerar essa proibição apenas literalmente. Ler a Meguilat Esther de trás para frente não significa apenas ler a história de maneira desordenada. Significa, também, lê-la como um relato histórico – uma história que ocorreu no passado distante e que não é relevante no presente. Fazê-lo é não captar a ideia do mandamento. A cada ano, em Purim, ouvimos a leitura da Meguilá não apenas para cumprir a Vontade de D’us e celebrar a salvação de nosso povo, mas também porque sua história e inúmeras lições são relevantes a cada geração de judeus. A história contada pela Meguilat Esther é de extrema relevância para nossa geração – a cada um de nós – tanto em Israel quanto na Diáspora. A Meguilá relata um episódio na História Judaica que ocorreu há dois milênios aproximadamente, na antiga Pérsia – o Irã de nossos dias. Haman, descendente
de Amalek – arqui-inimigo histórico do Povo Judeu e a personificação do mal -, repentinamente se torna Primeiro-ministro do Rei Achashverosh. Haman pede e recebe permissão do rei persa para exterminar o Povo Judeu inteiro – homens, mulheres e crianças. Como todos os judeus viviam sob o domínio do Rei Achashverosh, o triunfo de Haman representaria a “Solução Final da Questão Judaica”. Por que Haman odeia com tanta intensidade o Povo Judeu? Por que essa obsessão diabólica de aniquilá-los? A razão oficial de Haman para odiar os judeus – seu líder, Mordechai, recusara-se a se curvar perante ele – é um mero pretexto. Ninguém decide exterminar todo um povo ainda que despreze seu líder. A razão real para Haman querer exterminar nosso povo é o fato de sermos a luz e ele e seus filhos e simpatizantes, a escuridão. E a escuridão não pode coexistir em presença da luz. A guerra cósmica entre o bem e o mal – entre Israel e Amalek – personificados na história de Purim por Mordechai e Haman – ocorre em todas as gerações. Os nomes, locais e datas podem mudar, mas o tema geral continua o mesmo. Nos últimos anos, a história de Purim se tornou particularmente relevante, talvez mais do que em
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qualquer época desde o final da 2ª Guerra Mundial. Haman não é apenas um diabólico antissemita que viveu há 2.000 anos, na Pérsia. Ele é uma força do mal presente em cada geração – e, com certeza, na nossa. Há boas razões para crer que Haman retornou a seu antigo país – o Irã de nossos dias – mas seus filhos, que fiel e incansavelmente põem em prática sua vontade – estão em toda parte. Eles estão no Oriente Médio, na Europa, na América Latina e, mesmo, nos Estados Unidos. Os filhos espirituais de Haman dirigem muitos governos e organismos internacionais, controlam grande parte da mídia e possuem um suprimento quase sem fim de riquezas e recursos. Como na história de Purim, Haman e seus filhos têm um objetivo principal: aniquilar o Povo Judeu por completo. Haman e seus filhos são, por vezes, facilmente identificáveis – como no caso de Hitler e seus carrascos -, mas em outras, não. Haman, em geral, muda de local e mesmo sofre mutações. Para vencê-los, primeiro temos que identificá-los. A Meguilat Esther e certos eventos decisivos na História Judaica, especialmente o Holocausto, ajudam-nos a identificar seus padrões de comportamento. Quem é Haman? Ele é o mais cruel dos malfeitores e um mestre em maquinações do mal. Ele não mente sobre seus objetivos – é muito honesto sobre sua ideologia e missão. Faz publicidade sobre as mesmas para fazer contato com seus filhos espirituais e recrutá-los, a fim de que o ajudem a executar seus planos. Ao mesmo tempo, está constantemente enganando o mundo e disseminando mentiras sobre aqueles a quem odeia – especialmente os judeus. Em seus primeiros quatro anos como governante absoluto da Alemanha, Hitler falava de paz enquanto se
armava para a guerra. Como Hitler, o Haman de cada geração está constantemente enganando o mundo. Ele blefa e redobra o engodo. Ele distorce a realidade, alegando ser vítima e descrevendo suas vítimas como infratores. Sorri e fala de paz e respeito mútuo e necessidade de negociações enquanto orquestra planos satânicos. Haman e seus filhos são mestres no engodo e criaturas despidas de consciência. Uma segunda marca de Haman é seu insaciável desejo de poder. Ele destrói qualquer um que esteja em seu caminho. Ele proclama amar o povo que representa, mas não hesita em sacrificar quantos deles for necessário para atingir seus objetivos. Um milhão de civis alemães morreram na 2ª Guerra Mundial. Pode-se ter certeza de que Hitler teria sacrificado outros tantos milhões mais se isso significasse vencer a guerra e exterminar o Povo Judeu. Para ele, a vida humana nada vale. Além de ser um assassino em massa, ele é sádico: emprega o terror, violência, assassinato e tortura para subjugar e destruir as pessoas – e gosta de fazê-lo. Uma terceira marca de Haman, ainda mais reveladora, é um ódio violento e obsessivo pelos judeus. É um ódio que o consome. Muitos filhos de Haman nunca conheceram um judeu em sua vida. No entanto, vivem e respiram antissemitismo. Quem é Haman, hoje? Como está armando contra nosso povo? Como podemos nós, judeus, frustrar seus esforços?
O que o Holocausto ensinou ao Povo Judeu Na esteira da 2a Guerra Mundial, depois que o mundo ficou sabendo sobre o Holocausto e seus horrores, o antissemitismo saiu de moda – 16
temporariamente. Durante a guerra, Haman e seus filhos mataram quase sete milhões de judeus – dois terços do judaísmo europeu. Hitler chegou perto de realizar o que Haman tentara, mas fracassou. O Holocausto – maior catástrofe na História Judaica – ensinou muitas lições ao Povo Judeu. A primeira e mais importante: os judeus somente podem confiar sua segurança e bem-estar a outros judeus. Hoje, o Povo Judeu e o Estado de Israel têm muitos amigos e admiradores, mas o mundo permaneceu em silêncio enquanto os nazistas exterminavam milhões dos nossos. O mundo não mexeu um dedo sequer para nos salvar: quase todos os países até se recusaram a absorver imigrantes judeus em fuga para salvar sua vida. O Holocausto nos ensinou que o Povo Judeu não pode confiar seu futuro e segurança a nenhum outro país ou nação. Uma segunda lição que tiramos do Holocausto foi que nunca devemos subestimar a capacidade de Haman para a maldade. Se ele pudesse, teria exterminado todos os judeus – e da maneira mais horrenda possível. Hitler não mediu esforços para aniquilar nosso povo. Ele teria tido uma chance melhor de ganhar a Guerra se não tivesse gasto tantos recursos tentando exterminar-nos. De fato, podemos supor que diante da escolha – ganhar a Guerra ou apagar os judeus da face da Terra – ele teria escolhido a segunda opção. Esse ódio obsessivo e essa capacidade de maldade são, felizmente, incompreensíveis para a maioria dos seres humanos, mas são o que Haman personifica. Uma terceira lição do Holocausto é que a campanha de demonização é o
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meguilat esther com iluminuras. norte da itália, meados séc. 18
precursor da tentativa de genocídio. Se alguém se perguntar por que os nazistas conseguiram exterminar quase sete milhões de judeus enquanto o mundo ficava calado – por que praticamente ninguém protestou, e, de fato, muitos até ajudaram a executar a monstruosa campanha – a resposta é que nós, o Povo Judeu, fomos demonizados por milhares de anos. Os antissemitas fabricaram e disseminaram as piores mentiras sobre nosso povo. Basta demonizar uma nação por milhares de anos – dizer a seus filhos e dizerlhes que digam a seus próprios filhos que um certo povo é mau e que é a raiz de tudo o que há de errado no mundo – e ninguém moverá um dedo se alguém surgir e decidir exterminá-los.
incitamento. Durante milhares de anos, o Haman de cada geração preparou o terreno para nossa destruição. Ele, que é um mestre e manipulador da propaganda enganosa – vemos na história de Purim quão facilmente ele convence o Rei Achashverosh a lhe permitir que aniquilasse os judeus –, manipulou o mundo todo a odiar o Povo Judeu. Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, fez uma famosa declaração de que se uma mentira é contada com frequência, as pessoas acabam aceitando-a como verdade. Amalek, Haman e seus descendentes disseram tantas mentiras sobre nosso povo, com tanta frequência e durante tanto tempo, que o mundo veio a aceitar tais calúnias como verdadeiras.
O Holocausto não se iniciou com os campos de morte e as câmaras de gás, mas com mentiras e
Durante 2 mil anos, estivemos à mercê de Amalek e Haman. Desde a queda do Antigo Israel e 17
de nossa dispersão entre as nações, fomos expulsos de mais de 100 lugares. Onde quer que os judeus vivessem, sofriam perseguição e discriminação, constantes humilhações, conversões forçadas, inquisições e pogroms. O Holocausto foi a culminação de 2 mil anos de violento antissemitismo. Após esse longo período de insuportável sofrimento, o Povo Judeu decidiu que retornaria à sua Pátria ancestral. O objetivo central do Sionismo – o restabelecimento de um país judaico soberano na Terra de Israel – era libertar o Povo Judeu do jugo maldoso do antissemitismo. A fundação do Estado de Israel, maior pesadelo de Hitler, libertou o Povo Judeu de uma posição de fraqueza. Com o estabelecimento de um Estado Judeu, os judeus não mais estavam sujeitos DEZEMBRO 2014
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ao mando de líderes como o Rei Achashverosh, que, estimulados pelo Haman de cada geração, poderiam expulsar-nos, torturar-nos e exterminar-nos. O nascimento de um Estado Judeu, nosso, significava que não mais éramos um povo sem terra e sem defesa. Agora tínhamos um país, um exército e um lar nacional que receberia, de braços abertos, qualquer judeu que desejasse voltar a seu Lar. Os judeus não mais seriam pegos na armadilha de Haman. A derrota nazista em 1945 e a fundação do Estado de Israel três
anos depois apresentaram vários problemas a Haman. À medida que o mundo ficou sabendo dos horrores do Holocausto, o antissemitismo aberto se tornou muito incorreto, politicamente. Ademais, os judeus, que há 2 mil anos tinham vivido sob a sombra do terror de Haman, construíram um país seu e um dos exércitos mais potentes do mundo.
Antissionismo: o novo Antissemitismo Após o Holocausto, Haman percebeu que o mundo deixara de ser receptivo a sua diatribe antissemita, 18
como antes. Ele não mais podia falar abertamente contra os judeus. Ele teria que esperar até que o mundo começasse a negar ou se esquecer do Holocausto. E, até então, como iria lutar contra os judeus? Haman e seus filhos perceberam que era necessário uma mudança de tática e de semântica. Surgiu-lhes uma ideia – óbvia e simples, mas eficaz. Já não mais se definiriam como antissemitas. Iriam se autodenominar antissionistas. Iriam mesmo jurar que não tinham nada contra o Povo Judeu. De fato, eles alegariam ter vários colegas e amigos judeus. Explicariam
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que se opunham aos sionistas e a seu Estado, não aos judeus. Para justificar seu “antissionismo”, eles alegariam que os sionistas fundaram um estado em um território que não lhes pertencia. Acusariam Israel de ser um país imperialista, racista e opressivo – um satélite dos Estados Unidos no Oriente Médio. Para provar que ser antissionista e antissemita eram duas coisas bem diferentes, eles iriam mencionar que há judeus que se opõem ao Estado de Israel. Se alguém pode ser judeu e antissionista, pode-se muito bem ser contra o Estado de Israel e não ser antissemita. Esperta, essa estratégia... Os argumentos apresentados pelos antissionistas influenciaram e enganaram muita gente no mundo todo, mas não conseguem enganar nenhum judeu que se preze. O antissionismo é apenas mais um nome para o antissemitismo. Na verdade, pode-se argumentar que o antissionismo é pior que o antissemitismo. Ninguém é obrigado a gostar de judeus ou de qualquer outra nação na face da Terra. Todos têm direito à sua própria opinião. No entanto, ninguém pode negar ao Povo Judeu o direito à sua própria terra natal. Os americanos e os russos e os iranianos têm seu próprio país. Os árabes têm 22 países. Nós, judeus, temos direito a nosso próprio país – em nossa terra ancestral, que nunca se tornou um estado independente desde a queda do Antigo Israel, há 2 mil anos. Afirmar que não se é antissemita, mas apenas contra a pátria judaica não é diferente do que alegar que não se tem nada contra os americanos, mas se acredita que os Estados Unidos deveriam ser destruídos por seus inimigos e que a população do país deveria procurar abrigo em outra
parte – isto é, desde que os outros países lhe dessem guarida... O Sionismo significa o retorno a Sion, que é outro nome para Jerusalém – nosso lar eterno. Sionismo significa soberania e liberdade judaicas: ter nosso próprio lar nacional, onde falamos nosso idioma, praticamos livremente nossa religião e preservamos nossas tradições, nossa cultura e nossos valores. Apoiar a destruição ou a dissolução de Israel – que significaria que os milhões de judeus que lá vivem seriam exterminados ou enviados de volta à Diáspora – é tão racista e condenável quanto alegar que todos os negros que vivem no Brasil deveriam ser assassinados ou enviados de volta à escravidão. Haman odeia o Estado de Israel não apenas porque ser antissemita não é politicamente correto. Haman detesta Israel não apenas porque é o lar do Povo Judeu, mas também porque representa sua força e seu futuro. Se alguém se perguntar a razão para o antissemitismo estar relativamente fraco na maioria dos países, desde a criação do Estado de Israel – no mínimo até recentemente
–, não é apenas porque o mundo se sentia culpado pelo Holocausto. É também porque a assimilação está realizando o trabalho de Haman em seu lugar – de modo muitíssimo eficaz. Ele já não necessita sujar suas mãos lutando contra os judeus na Diáspora – pois a assimilação está rapidamente aniquilando o Povo Judeu fora de Israel. Em certos lugares, a taxa de assimilação está perto de 90%. Nesse ritmo, em mais algumas gerações, já não haverá judeus fora de Israel, excetuando-se os ultra-ortodoxos. Por outro lado, a assimilação é muito baixa em Israel, por razões óbvias. Ademais, ano após anos, cada vez mais judeus fazem Aliá. A população judaica do país está constantemente crescendo. Willie Sutton Jr, um notório ladrão de bancos americano declarou que roubava os bancos “porque é lá que se encontra o dinheiro”. De modo semelhante, Haman odeia Israel porque é lá que se encontram os judeus. Desde a fundação do Estado de Israel, Haman e seus filhos alegam não ter nada contra os judeus – apenas contra os “sionistas”. Alegam serem humanistas, combatentes da liberdade, defensores dos fracos e
Imagem que se tornou ícone do Levante de VarsÓvia, abril de 1943. Nazistas levam os sobreviventes para campos de morte onde serão assasSinados.
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indefesos – de mulheres e crianças. Eles alegam serem liberais que abominam o antissemitismo e qualquer forma de preconceito. No entanto, às vezes, Haman e seus filhos deixam cair a máscara – seu antissemitismo é tão intenso e profundo que nem eles mesmos conseguem reprimilo. Ocasionalmente, quando estão inflamados, eles usam o termo adequado para descrever os “sionistas” – judeus. Às vezes, até expressam, como ocorreu recentemente na guerra em Gaza, que “Hitler estava certo”. Às vezes, eles revertem a seus antigos hábitos – insultam e atacam os judeus nas ruas e destroem sinagogas, lojas e cemitérios – e justificam a sua violência como vingança pelas operações militares de Israel, ainda que vêm declarando, há décadas, não ter problema algum com os judeus, mas apenas com os “sionistas”. Se alguém pensa que aqueles que lutam contra Israel não são tão antissemitas quanto Haman ou Hitler, essa pessoa deveria ler algumas das declarações feitas pelos
Reco-reco (ra’ashan) em prata em formato de uma Estrela de David. Bukhara- Séc. 20
líderes das organizações terroristas que controlam Gaza, Líbano e vários outros países da região. A Cartamagna da organização terrorista que controla Gaza determina o seguinte: “ ‘O Dia do Julgamento não virá até que os muçulmanos lutem contra os judeus e os aniquilem. Então, os judeus se esconderão atrás das rochas e árvores, e as rochas e árvores gritarão: ‘Ó, muçulmanos, há um judeu se escondendo atrás de mim, vinde e o matai’ ” (Artigo da Carta Magna do Hamas). O líder da organização terrorista que controla o Líbano, que é um satélite do Irã e que possui 150 mil mísseis direcionados a Israel, fez a seguinte declaração: “Se eles (os judeus) todos se reunirem em Israel, isso nos poupará o trabalho de ter que ir atrás deles, mundo afora”. Essa afirmação, inequivocamente, revela que o propósito final das organizações terroristas que lutam contra Israel é realizar o que Hitler tentou e não conseguiu: exterminar todo o Povo Judeu. Quanto ao Irã – lar ancestral e atual do próprio Haman – seus líderes negam o Holocausto enquanto prometem lançar um novo. O país está desenvolvendo armas nucleares – falando de paz, enquanto se arma para a guerra, como fez Hitler durante seus primeiros anos no poder. Só que o Irã não fez segredo sobre quem eles planejam ter como alvo com o armamento nuclear que tentam construir... Hoje, Haman e seus filhos lutam contra os judeus assim como o fizeram no passado: com violência e mentiras. Por um lado, empregam o terrorismo e lançam milhares de mísseis contra Israel e tentam se 20
tornar uma potência nuclear. Por outro, armam uma trama de mentiras sobre o Estado Judeu. Assim como Haman disseminou inverdades sobre o Povo Judeu para demonizá-lo – criando a atmosfera necessária para a execução da “Solução Final” – assim, também, hoje ele conta mentiras sobre o Estado de Israel. Seu objetivo é fazer de Israel um pária entre as nações. Como as Forças de Defesa de Israel são as melhores forças armadas no mundo, Haman decidiu ir atrás de seu último recurso: uma guerra nuclear, mesmo se significar a destruição mútua. Nesse meio tempo, ele e seus inúmeros filhos tentam enfraquecer Israel, tentando isolálo do restante do mundo. Haman conspira para influenciar o mundo a forçar Israel a se retirar de partes de seu território, para que deixe de ter fronteiras seguras. Ele espera que se Israel reduzir consideravelmente seu território, um ataque surpresa, como o que ocorreu em Yom Kipur de 1973, destrua o Estado. Se Israel não se retirar para o que Abba Eban chamou de “fronteiras de Auschwitz”, Haman tentará convencer o mundo a impor sanções e embargos esmagadores sobre Israel, para que o país imploda economicamente e não tenha outra opção a não ser fazer concessões territoriais que comprometam a segurança de todos os seus cidadãos. Temos que levar muito a sério a campanha de demonização de Haman contra Israel. Ele está virando o mundo contra o Estado Judeu, assim como costumava envenenar as nações contra os judeus que viviam na Diáspora. Pensemos juntos: Há poucos meses, Israel lutou uma Guerra contra uma organização terrorista que prega ideias similares às de Hitler e que lançou milhares de
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mísseis contra as principais cidades de Israel, direcionando-os a milhões de seus civis. Essa organização comete crimes de Guerra não apenas contra Israel, mas também contra sua própria população civil, inclusive suas crianças, ao usá-la como escudos humanos para proteger os locais de onde lançam os mísseis. Poderse-ia pensar que todo o mundo iria ficar ao lado de Israel contra esses terroristas e criminosos de guerra. Pelo contrário, muitos governos e a maior parte da mídia condenou a campanha militar de Israel em defesa de seus cidadãos. Nem importou que Israel fizesse todo o possível – sacrificando, mesmo, a vida de seus soldados – para evitar mortes de civis em Gaza. Haman influenciou, com sucesso, grande parte do mundo, fazendo-os crer que os judeus sempre são culpados, independentemente dos fatos – independentemente de quem, como e por que estão lutando. Como mencionamos acima, Haman espalhou as mais absurdas mentiras sobre o Povo Judeu enquanto vivíamos na Diáspora. Hoje essas mentiras dizem respeito ao Estado de Israel. O único estado democrático no Oriente Médio – um país tão democrático que em seu Parlamento há membros de partidos árabes que se opõem
à própria existência do Estado Judeu – é rotulado de estado racista. Israel luta contra uma organização terrorista fanática que lançou mais de 4.000 mísseis contra suas cidades e é acusado de genocídio. Israel foi até mesmo chamado de estado apartheid e estado nazista! Como explicar a demonização de Israel? Não é muito difícil de entender. Haman e seus filhos empreenderam uma brilhante campanha de propaganda contra o Estado Judeu: lançaram a vítima como o algoz. Que melhor maneira de fazer o mundo se esquecer sobre o Holocausto do que alegar que os judeus são tão perversos quanto os nazistas? Que melhor maneira de tentar isolar e sufocar o Estado Judeu do que compará-lo com a África do Sul, país racista? Grande parte do mundo, especialmente a mídia, sofreu tanta lavagem cerebral por parte de Haman que mesmo nós, judeus, caímos em sua armadilha ao não reagirmos de forma eficaz às mentiras que ele dissemina sobre Israel. Durante a Guerra em Gaza, muitos judeus perguntavam: ‘Por que o mundo está tão preocupado com Israel e não com a Síria e o Iraque?’. O que se deduz dessa pergunta é: 21
Sim, nós admitimos que somos maus, mas o mundo não deveria estar mais preocupado com aqueles que são piores do que nós? Haman e seus filhos se regozijam cada vez que fazemos essas perguntas; elas são uma admissão implícita de culpa. Devíamos contar ao mundo a verdade: Israel está na dianteira da guerra contra o terrorismo, que ameaça todas as nações, inclusive o mundo árabe. Israel está lutando contra um inimigo cuja ideologia é semelhante à nazista. Como Hitler, eles almejam exterminar o Povo Judeu, eles se deleitam com a violência e o terror, têm ambições megalomaníacas e estão prontos a sacrificar seu próprio povo para alcançar seus objetivos. Se o mundo não nos crê, deveria, no mínimo, crer nos terroristas de Gaza, que transmitiram a seguinte mensagem para Israel: “Das Brigadas Al-Qassam para os Soldados Sionistas: As Brigadas Al-Qassam amam a morte mais do que vocês amam a vida”. Defender Israel, portanto, é defender a vida e a liberdade; opor-se a Israel é defender a morte e a tirania. Condenar Israel e expressar simpatia pelos terroristas equivale a apoiar os nazistas e condenar as Forças Aliadas que os combateram e venceram na 2ª Guerra Mundial. DEZEMBRO 2014
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vocês tentaram exterminar nosso povo de uma maneira muito covarde: assassinaram milhões de judeus – mulheres, crianças e idosos. Vocês atacaram um povo indefeso e amante da paz; a maioria deles eram pobres e religiosos e jamais haviam portado uma arma. Hoje, já não somos um povo destituído de um lar nacional e indefeso. Israel tem a melhor força aérea e serviço secreto no mundo e as mais bem treinadas forças armadas. meguilat esther. pune, índia. início do séc. 20
Entre as inúmeras mentiras contadas por Haman e seus filhos, há uma particularmente perversa e traiçoeira: que se não fosse pelo Estado de Israel, não haveria antissemitismo no mundo. Somente o maior dos tolos pode crer nisso. É difícil argumentar com 2 mil anos de história – com as expulsões, a perseguição, a Inquisição, os pogroms, os expurgos soviéticos e, acima de tudo, com o Holocausto. Haman quer que os judeus deixem Israel para que eles voltem a cair nessa armadilha. Cada judeu deve entender que a alternativa ao Estado de Israel é Auschwitz. É viver sob o domínio de Haman e seus filhos – sem exército algum que nos defenda. Que ninguém se iluda sobre as seguintes verdades: o Holocausto não expurgou o antissemitismo do mundo: apenas o encobriu – temporariamente. O antissionismo não é um fenômeno novo – é uma forma inteligente, eficaz e covarde de antissemitismo. As pessoas que odeiam o Estado de Israel, que conclamam ao seu boicote – ou pior, à sua destruição – são o pior tipo de antissemitas que existem. O autor gostaria de concluir transmitindo duas mensagens.
A primeira é dirigida a todas as pessoas ou organizações, especialmente às de mídia, que “compraram” a propaganda “antissionista” de Haman. Entendam uma coisa: Haman não é amigo de ninguém. Não é apenas Israel que ele deseja destruir, mas toda a civilização. A Alemanha elegeu Hitler e o mundo o apaziguou, e os resultados foram catastróficos – não apenas para os judeus, mas para o mundo inteiro. Tivesse a Alemanha ou uma força externa o detido no início de sua carreira, os anos mais sanguinários, mais terríveis da história do mundo não teriam ocorrido. O mundo não pode permitir-se cometer o mesmo erro novamente. Portanto, quando nós, judeus, alertamos acerca de um novo Haman no horizonte, o mundo deve prestar atenção a nosso alerta. A segunda mensagem do autor é dirigida a Haman e seus filhos. Sabemos quem vocês são e o que estão tentando fazer. Vocês podem enganar o mundo, mas não a nós. Nós os conhecemos há mais de 2 mil anos e conhecemos seu antepassado, Amalek, desde o início dos tempos. Há uma geração, 22
Hoje, podemos vencê-lo e a seus filhos – não apenas moral, espiritual e intelectualmente, como sempre o fizemos – mas agora, também, militarmente. Somos um povo eterno e voltamos à nossa terra ancestral para nunca mais sermos removidos de lá. Se vocês se levantarem novamente contra nós, o farão por sua própria conta e risco. A Meguilat Esther conta que Haman e seus 10 filhos foram enforcados nas forcas que ele construiu para enforcar Mordechai. Hitler, covardemente, escolheu sua forma de morrer – suicidou-se após ter trazido a catástrofe ao mundo e a seu povo –, mas seus 10 filhos foram enforcados em Nuremberg. Na verdade, as forcas são o destino inevitável de Haman e seus filhos. Como promete a Torá, o nome e a memória de Amalek e de todos os seus descendentes serão obliterados. Quando isso acontecer – e que seja a Vontade de D’us que isso aconteça em breve – “haverá para os judeus, luz, felicidade, júbilo e honra” (Meguilat Esther, 8:16). Amén, ken yehi ratsón. Obs: O título e algumas ideias deste artigo foram tirados de um discurso no Knesset feito pelo Primeiro Ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, então líder da Oposição, na esteira da Segunda Guerra do Líbano (2006). http:// www.youtube.com/watch?v=4EnwfNl2Ixg
ISRAEL
Massacre na sinagoga de Har Nof em jerusalém Eram sete horas da manhã do dia 18 de novembro de 2014 quando dois homens irromperam na sinagoga da comunidade de Har Nof, bairro ultra-ortodoxo situado ao noroeste de Jerusalém. Com exclamações histéricas, gritando em árabe Allah Akbar, atacaram os judeus que, envoltos em talitim e com tefilins na testa e no braço, silenciosamente rezavam a Amidá do Shacharit, primeira reza da manhã.
P
ortando uma arma de fogo, facas e um machado, os dois palestinos se lançaram sobre os devotos. Seis ficaram feridos e quatro faleceram. Os atacantes afligiram-lhes mortes horríveis e covardes. Foram encontrados deitados em poças de sangue, seus talitim e livros de orações encharcados de sangue no chão da sinagoga. As quatro vítimas fatais foram os Rabino Moshe Twersky, 59, Rabino Aryeh Kopinsky, 43, Rabino Avraham Shmuel Goldberg, 68, e o Rabino Calman Levine, 55. Vinte e seis crianças ficaram órfãs. O que aconteceu em seguida está registrado nos relatórios criminais, dando conta de que a polícia israelense chegou rapidamente e os dois assassinos foram mortos em um tiroteio. Dois oficiais israelenses foram feridos. Um deles, Zidan Saif, druso, morreu em consequência de seus ferimentos, na noite do ataque. Ele tinha sido o primeiro a chegar ao local do massacre e se colocara entre os terroristas e os fiéis. O ataque, o mais sério atentado contra judeus em Jerusalém desde 2008, foi reivindicado pelas Brigadas Ali Abu Mustafa, braço armado da radical Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP).
Resta pouco a acrescentar, mas muito para refletir. Como escreveu o Rabino Benjamin Blech em carta aberta, “A morte é um infortúnio. O assassinato é bem mais terrível de se suportar. E quando se trata de um massacre, choca-nos e torna-se um sofrimento difícil de ser mitigado. Mas o ataque terrorista em Israel, teve algo mais. Ocorreu na cidade sagrada de Jerusalém, um lugar onde devemos sentir a proximidade a D’us. Ocorreu em uma sinagoga frequentada por fiéis madrugadores que ali estavam apenas diante da presença do Todo Poderoso, em total devoção perante o Criador do Universo”. O que mais nos comove, o que mais nos espanta e indigna não foram apenas as imagens dos rabinos assassinados. Comovente é a mensagem das quatro viúvas, que, em meio ao horrível pesadelo, estendem a mão para alcançar o mundo judaico com sua mensagem de união e esperança no Todo Poderoso. Espantosa e indignante é a resposta do mundo árabe. São as imagens, captadas logo após o morticínio, de homens, mulheres e crianças, agitando flores, bandeiras e lenços nas ruas de Gaza para celebrar o feito alcançado em Har Nof. São as demonstrações de júbilo e de aprovação nos 23
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quatro cantos do mundo árabe. São as vozes de milhares, que louvam nas ruas a ação dos “mártires gloriosos”, perpetradores do massacre. O assassinato de inocentes não precisa nenhuma justificação quando é feito em nome de suas crenças religiosas; mas quando as vítimas são judias, a hora é de regozijo. É a atitude do líder palestino, Mahmoud Abbas, que condenou proforma o massacre para o Ocidente, o mundo de língua inglesa – enquanto, ao mesmo tempo, elogiava para seu próprio povo aqueles que realizaram a violência contra os judeus, condizente com o que vem incentivando, de forma ruidosa, nos últimos meses.
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Carta das viúvas dos rabinos assassinados
A verdade é que os assassinos dos rabinos não agiram por impulso. Seu ato covarde é apenas a ponta visível de uma longa série de acontecimentos que os levaram àquela insanidade, incentivada constantemente por seus líderes. É um complemento para os recentes, sucessivos e propositais atropelamentos de judeus em Jerusalém perpetrados por palestinos.
“Em lágrimas e com o coração partido pelo sangue que foi derramado, o sangue de pessoas santificadas, nossos maridos, chefes de nossas famílias (Hy’d), dirigimo-nos a nossos irmãos e irmãs, a todos da Casa de Israel, onde quer que estejam, para que fiquem unidos para merecer a compaixão e a misericórdia do Altíssimo. Devemos aceitar sobre nós a responsabilidade de aumentar o amor e a afeição uns pelos outros, quer seja entre uma pessoa e seu semelhante, quer seja entre irmãos de diferentes comunidades dentro do Povo Judeu. Rogamos a vocês que cada um aceite sobre si a responsabilidade, na hora do recebimento do Shabat, para que este Shabat, Shabat Parashat Toldot, seja um dia no qual expressemos nosso amor uns pelos outros, um dia em que nos abstenhamos de falar de forma a criar discórdia ou de crítica aos outros. E assim, estaremos fazendo-o em grande mérito pelas almas de nossos maridos, assassinados em nome de D’us. D’us nos vê do Alto e vê nossa dor, e Ele enxugará nossas lágrimas e declarará: ‘Basta de toda a dor e sofrimento’. E nós teremos o mérito de testemunhar a vinda daquele que foi Ungido, dentro em breve, em nossos dias, Amén, Amén. Chaya Levine, Breine Goldberg, Yakova Kupinsky, Bashi Twersky e suas famílias”.
Deixa-nos perplexos, porém não surpreende a resposta dos que estão na vanguarda da crítica de Israel; daqueles que estão pedindo o boicote do Estado judeu; daqueles que marcham nas ruas da Europa, os que afirmam não poder ficar calados diante da situação dos palestinos. Os horrendos assassinatos não provocaram demonstrações, não inspiraram repugnância, não levaram os governos a denunciar, aberta e firmemente, o terror árabe. Fazemos nossas as palavras do Rabino Blech: “O resultado da carnificina me faz chorar mais do que tudo – chorar por um mundo que ainda não entendeu que – ao não lamentar adequadamente pelos judeus assassinados – está lançando as sementes de sua própria destruição”. 25
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NOSSOS SÁBIOS
O REBE DE LUBAVITCH Transcorreram 20 anos desde o falecimento do Rabi Menachem Mendel Schneerson, o Lubavitcher Rebbe – o sétimo e último líder de uma prestigiosa dinastia chassídica. Neste pequeno tributo, desejamos celebrar o permanente legado do Rebe: não como o Tzadik, o Sábio e o fazedor de milagres que ele foi, mas como o estadista judeu cuja influência mudou o mundo judaico de uma forma sem precedentes.
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uito se tem dito e muito se tem escrito sobre o Rebe. As pessoas que o conheceram, judeus e não judeus, tinham certeza de que ele era um ser humano extraordinário – uma alma especial, um verdadeiro Tzadik, um Sábio, um erudito em Torá fora de série, um visionário e um ser humano que possuía habilidades sobrenaturais. Aqueles que apreciam a sabedoria, falam de sua sabedoria; aqueles que estão profundamente imersos no estudo da Torá falam de sua erudição; aqueles que são líderes, falam de sua liderança, e aqueles fascinados com o sobrenatural, falam dos milagres e maravilhas que realizou. Mas qual foi o legado do Rebe? O que as pessoas falarão sobre ele daqui a cem anos, daqui a mil anos? Mais provavelmente, referir-se-ão a ele como o homem que mudou a face do Judaísmo – um homem que fez ressuscitar espiritualmente o Povo Judeu após o Holocausto. A História Judaica testemunhou inúmeros líderes, muitos sábios, até mesmo muitos milagreiros, mas, pouquíssimos homens mudaram a face do Judaísmo como o fez o Rebe. Se há uma declaração que resume seu legado, seria esta: o ex-Rabino Chefe da Grã Bretanha, Lord Jonathan Sacks, afirmou: “Durante o Holocausto, os judeus foram caçados por ódio. O Rebe resolveu 26
procurá-los movido por puro amor”. Essa foi sua missão principal e permanente: estender a mão e ajudar os judeus, física e materialmente. Entre outros, ele expandiu a chamada outreach campaign, uma campanha mundial que chega até os judeus, atraindo-os ao estudo e à prática do judaísmo, iniciada por seu sogro, o Rabi Yosef Yitzchak Schneerson, sexto Rebe de Lubavitch. O Rebe definiu que o objetivo do movimento ChabadLubabitch seria o de abraçar os judeus de todo o mundo. Cada um dos indivíduos era importante para ele. O Rebe era um homem de extraordinárias qualidades – é raro encontrar-se uma única pessoa com tantas – mas também uma mistura de opostos. No ano passado, dois influentes rabinos – o Rabi Adin (Even Israel) Steinsaltz e o Rabi Joseph Telushkin – escreveram novos livros sobre ele. Cada um celebra de uma forma diferente a vida desse homem tão extraordinário. Contrastando com sua enorme imagem pública, ele era um homem muito discreto em sua vida privada. Pronunciou e escreveu milhões de palavras, mas raramente falava de si próprio ou de seus próprios sentimentos. Quando jovem, era muito introvertido, mas como “o Rebe”, tornou-se um desembaraçado
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embaixador global do Judaísmo, que recebia pessoas sem fim – judeus ou não – que vinham em busca de seus conselhos e de suas bênçãos. Após se tornar “o Rebe”, nunca deixou Nova York, mas enviava centenas de seus emissários a quase todos os países onde havia judeus. Possuía um conhecimento enciclopédico sobre assuntos judaicos e seculares – era mestre nas facetas reveladas e nas ocultas da Torá, a Halachá e a Cabalá – e também era poliglota e dominava a Física e a Matemática, além de apreciar a Literatura Russa. Chefiava uma organização mundial com um orçamento anual na casa dos bilhões de dólares, mas vivia na maior modéstia e morreu praticamente sem nada. Já em idade avançada e após sofrer um ataque cardíaco de grande extensão, o Rebe ainda tinha o vigor para reuniões privadas que duravam a noite toda, aconselhando e abençoando pessoas que vinham em busca de sua orientação. Ficava de pé durante horas, todo domingo, para dar a milhares de pessoas, uma de cada vez, sua bênção tão especial e tão pessoal. Ele nunca tirou um único dia de folga nos 40 anos em que liderou a maior organização judaica do mundo. Reis e presidentes tiram férias; o Rebe nunca o fez. Ele adquiriu grande poder e influência, mas nunca perdeu sua simplicidade
e modéstia. Nunca se beneficiou pessoalmente de sua posição. Presidentes e governadores o homenageavam; membros do Congresso e Senado dos Estados Unidos consultavam-no e os primeiros ministros de Israel o visitavam, pedindo sua bênção e sua orientação. A revista Newsweek chegou mesmo a rotulá-lo como “o judeu mais influente do mundo”. Contudo, ele nunca mudou; continuou humilde, dedicado a servir a D’us e aos homens – judeus e não judeus. O Rebe foi uma figura monumental que via além das fronteiras convencionais. Quando assumiu a liderança do movimento Chabad-Lubavitch, este era um prestigioso grupo chassídico, mas relativamente pequeno, a quem os nazistas e os comunistas estiveram perto de exterminar. Quando seu sogro, o Rabi Yosef Yitzchak Schneerson, sexto Rebe de Lubavitch, chegou aos Estados Unidos, logo estabeleceu a sede do movimento ChabadLubavitch no Brooklyn. Quando o Rebe Menachem Mendel o assumiu, transformou-o em um império de âmbito mundial, com influência superior a seus números. Sob sua liderança, o Chabad-Lubavitch tornou-se o maior e mais influente movimento religioso judaico no mundo. Atualmente, sua influência global vai muito 27
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além do que a de qualquer outra instituição judaica na história. Praticamente em todos os lugares, no mundo, onde há uma comunidade judaica, há uma Chabad House em locais afastados entre si, como Congo, Guatemala, Marrocos ou Moscou. Há cerca de 4.000 “casais Chabad” em pelo menos 80 países através do globo.
Sua vida O Rabi Menachem Mendel Schneerson nasceu em uma família judia ilustre, em 18 de abril de 1902 (11 de Nissan de 5762), em Nikolaev, pequena cidade na Ucrânia. Ele recebeu o nome de seu bisavô paterno, o terceiro Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch. Seu pai, o Rabi Levi-Yitzhak Schneerson, foi um grande erudito em Torá e um respeitado cabalista. Sua mãe, Rebetzin Chanah, também vinha de prestigiosa família de rabinos. Quando Menachem Mendel tinha cinco anos de idade, mudou-se com seus pais para a cidade de Yekatrinislav (hoje, Dnieperpetrovsk), onde seu pai foi nomeado Rabino Chefe. Desde pequeno, o Rebe foi reconhecido pelos professores como uma mente singular, um verdadeiro prodígio em sua erudição sobre a Torá. Rapidamente superou a educação formal judaica e passou a ter aulas com seu pai e professores particulares. Contudo, seu conhecimento
logo ultrapassou o dos professores. Na adolescência, já se correspondia com vários renomados eruditos sobre assuntos sagrados. O jovem Menachem Mendel e sua família sofreram sob o comunismo à medida que o clima social e político se deteriorava, na Rússia. Após a Revolução Bolchevique, em 1917, os comunistas assumiram o controle do país e iniciaram um brutal ataque contra as religiões, particularmente o judaísmo, fechando escolas e sinagogas. Sem qualquer motivo, o governo aprisionava e, às vezes, executava a liderança judaica. Correndo um grande risco, seu futuro sogro, o Rabi Yosef Yitzchak Schneerson, abria escolas clandestinas e fornecia recursos financeiros e alimentos casher à população judaica. Em 1923, o Rabi Menachem Mendel encontrou-se com o Rabi Yosef Yitzchak pela primeira vez, juntando-se a ele em sua missão. Foi quando este último o escolheu como marido adequado para sua filha, Chaya Mushka. Eles eram primos distantes. Em 1928, Menachem Mendel deixa a então União Soviética com seu futuro sogro. No ano seguinte, ele se casa com Chaya Mushka, em Varsóvia. O Rabi Yosef Yitzchak tinha três filhas, mas nenhum filho homem. Ele considerava o genro um verdadeiro “Gaon”, palavra hebraica para gênio. Pouco depois do casamento, o casal se mudou para Berlim. Menachem Mendel era também um grande estudioso do Talmud e do misticismo judaico. Ele estudava a Cabalá e estava profundamente imerso nas leis da Chassidut. No entanto, sempre se tinha interessado por Ciências e Física e, em paralelo, adquiriu uma vasta educação secular. Era também fluente em várias línguas. Enquanto vivia em Berlim, Menachem Mendel estudou Matemática, Filosofia e Física Teórica na Universidade de Berlim, com professores vencedores do Prêmio Nobel, tais como Walther Nernst e Erwin Schrödinger.
O Rebe observa o seu sogro rabi Yosef Yitzchak Schneerson
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Quando os nazistas subiram ao poder, em 1933, o casal mudou-se para Paris. Nessa cidade Rabi Menachem Mendel continuou seus estudos seculares e, em 1937, formou-se em Engenharia Mecânica e Elétrica na prestigiosa École Spéciale des Travaux Publiques, em Paris. Ele também cursou algumas matérias na Sorbonne. Em 1941, três dias antes de Paris cair em mãos dos nazistas, o Rabi Menachem Mendel e sua mulher fugiram para Vichy e, a seguir, para Nice. No mesmo ano,
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o casal emigrou para os Estados Unidos. Com a esposa, ele se estabeleceu no Brooklyn, em Nova York, a alguns quarteirões da nova sede do Chabad-Lubavitch, em 770 Eastern Parkway.
Nada o detinha. Em 1978, sofreu um infarto de grandes proporções. Contra a vontade de seu médico, após poucas semanas voltou ao trabalho com a mesma intensidade de antes.
Ao chegar a Nova York, seu sogro o nomeou diretor da divisão educacional do Chabad, Merkos L’Inyonei Chinuch, bem como da organização beneficente Machne Israel e da Kehot, a editora do movimento. Estar à frente dessas três importantes organizações, tornou-o uma figura chave no movimento Chabad.
Em 1986, iniciou uma tradição dominical de encontros com quem o quisesse ver. Ele entregaria notas de 1 dólar,
Em 1950, em 10 de Shevat de 5710, falece o Rabi Yossef Yitzhak. O sexto Rebe de Lubavitch não havia indicado seu sucessor, mas criava vulto uma campanha internacional para que seu genro, Rabi Menachem Mendel, se tornasse o sétimo Rebe da dinastia ChabadLubavitch. Ele nunca cobiçara a posição do sogro, mas entendeu que o futuro do movimento dependia de sua alçada à liderança. Aceitou a nomeação com relutância em 17 de janeiro de 1951, ao se completar um ano do falecimento de seu sogro. Nas décadas seguintes, o Rebe liderou e fomentou uma expansão sem precedentes do movimento. Ele iniciou uma verdadeira revolução, expandindo a prática do sogro de enviar emissários, os “shluchim,” em volta do mundo, para conter a onda de assimilação que surgia. Trabalhava incansavelmente – por vezes, durante as 24 horas do dia – e nunca tirou um dia de descanso.
o Rebe e o rabino Noach Gansburg
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Menachem Mendel Schneerson, acelerou-se o crescimento do movimento de maneira sem precedentes. E continua crescendo, com grande ímpeto, ano após ano.
Alcançando todos os judeus O Povo Judeu estava destroçado após o Holocausto e muitos dos sobreviventes escondiam sua identidade judaica. Os nazistas haviam conseguido caçar a maioria dos judeus europeus, assassinando quase 7 milhões dos nossos. Mas, seu objetivo final ia muito além: queriam garantir que não sobrasse nenhum judeu vivo na face da Terra. A missão do Rebe em vida foi a antítese da dos nazistas. Eles não pouparam esforços para nos aniquilar. O Rebe não poupou esforços para nos salvar. Os nazistas tentaram cobrir o mundo de maldade e escuridão. O Rebe, com luz e bondade.
que serviriam como um meio físico de transmitir suas bênçãos. A cada domingo, milhares de pessoas, judias ou não, receberiam uma nota de 1 dólar e uma bênção do Rebe. Desta forma, ele esperava encorajar os outros a dar tzedacá e a fazer trabalho beneficente. “Quando duas pessoas se encontram, algo de bom deve resultar em prol de um terceiro”, costumava dizer, citando o sogro. Em 1988, no dia 22 do mês judaico de Shevat, falece sua mulher, a Rebetzin Chaya Mushka. Durante 60 anos, ela fora sua companheira de vida e sua única confidente. A partir de então, o Rebe passa cada vez mais tempo sozinho em seu gabinete, na sede mundial do Chabad, no 770, em Nova York, e dentro de dois anos, ele praticamente já não mora em sua casa. No dia 2 de março de 1992, enquanto orava no túmulo de seu sogro, ele sofreu um derrame que paralisou seu lado direito e, ainda mais devastador, lhe roubou a fala. Dois anos e três meses depois, o Rebe ascendeu aos Céus, aos 92 anos de idade, nas primeiras horas da manhã do dia 3 de Tamuz, 12 de junho de 1994. Ele não tinha filhos e não nomeou nenhum sucessor. Muitos haviam previsto que o movimento ChabadLubavitch não sobreviveria sem o Rebe. Estavam totalmente errados. Após o falecimento do Rabi
Rabi Telushkin escreve em seu livro “Rebbe” que o envio de emissários em busca dos judeus “é reconhecido como a realização mais revolucionária e talvez mais duradoura do Rebe”. Seus “shluchim”, mensageiros que ele enviava para servir os judeus e as comunidades judaicas nos quatro cantos do mundo, ajudaram imensamente a revitalizar o judaísmo pós-Holocausto. “O Rebe lançou o primeiro esforço conhecido, na História Judaica, para atingir cada comunidade judaica e cada judeu no mundo”, disse o autor. Hoje, há centenas de cidades, tanto nos Estados Unidos como em outros países, onde há apenas um rabino – um emissário do Rebe. Hoje, há centros do Chabad em 48 dos 50 estados dos Estados Unidos e em 80 países. O objetivo do movimento é atender todas as comunidades judaicas do mundo. O Rebe também elevou o status das mulheres no mundo dos ultra-ortodoxos – gesto sem precedentes. E o conseguiu fazendo as esposas dos emissários parte ativa da shlichut – da missão sagrada – de seus maridos. O Rebe também insistia para que as meninas também aparecessem na capa da revista juvenil do Chabad, juntamente com os rapazes.
“Outreach”: Alcançando os judeus em todo o mundo Da Rússia para Israel para os pontos mais distantes do mundo, o Rebe tocava o coração das comunidades e dos
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judeus, individualmente. A missão de sua vida era trazer os judeus para mais perto do judaísmo e de D’us. Considerava todos os judeus seus filhos. Este homem que não teve filhos, na realidade, teve milhões deles. Abraçava-os todos, independentemente de sua idade, gênero, status social ou comprometimento religioso. Para ele, não havia judeus religiosos ou seculares, chassidim, ortodoxos, conservadores ou reformistas. Não fazia distinções entre eles. Seu braço e seu coração chegavam até todos. Amava-os com igual intensidade. Ninguém ficava fora de seu radar. O Instituto Aleph, organização filiada ao Chabad, por exemplo, atende milhares de judeus que cumprem sentenças nas prisões e ajuda esses indivíduos a cumprir nossos mandamentos e tradições. O Rebe estimulava mulheres e meninas judias a acender as velas de Shabat; os homens, a colocar Tefilin diariamente e a estudar obras e textos da Torá. Influenciou um número sem fim de judeus a cumprir o máximo possível de Mitzvot, Mandamentos Divinos. Sua mensagem era de amor: ele destacava o grande mérito de realizar qualquer mandamento – ainda que apenas um e uma única vez. Ele não julgava, não criticava nem
condenava. Para ele, o judaísmo não era uma forma de vida de tudo ou nada. Dizia que se um judeu cumpria uma Mitzvá – apenas uma e mesmo que uma única vez – já era motivo de celebração. Evidentemente, ele esperava que o cumprimento de um Mandamento Divino levasse ao cumprimento de outro e mais outro e mais outro... Esperava que todas as pessoas, judeus ou não, vivessem intensamente, crescendo sempre, espiritual e materialmente, de igual maneira. Contudo, ele incentivava as pessoas com amor – e não com severidade. Ele acreditava que os indivíduos eram capazes de muito mais do que pensavam. Contava com o melhor de cada um deles porque acreditava neles e os amava, do fundo do seu coração. A tecnologia desempenhou um importante papel no programa de outreach do Rebe. Desde cedo, ele percebeu o poder desse veículo e estimulava seu uso para difundir o judaísmo e alcançar o maior número de judeus possível. Já em 1960, ele começou a valerse de transmissões por rádio para ensinar Torá. Na década de 1970, suas conferências eram transmitidas por telefone aos principais centros Chabad no mundo. Nos anos de 1980, valia-se da televisão a cabo. Com o avanço da computação, o Chabad Lubavitch estabeleceu 31
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uma presença na Internet, com milhares de páginas de conteúdo sobre judaísmo, informações sobre como encontrar uma sede do movimento, quando acender as velas de Shabat e um guia para os dias sagrados judaicos, entre inúmeras outras. Em 1974, ele idealizou uma nova forma de outreach. Vans conhecidas como “Mitzva Tanks” passeavam por Manhattan, tocando conhecidas melodias religiosas para atrair judeus. Voluntários do movimento se aproximavam das pessoas nas calçadas e lhes perguntavam se eram judeus. Convidavam os homens judeus a colocar Tefilin e entregavam às mulheres um folheto e velas com instruções para o acendimento das velas de Shabat. Antes de sua “Campanha da Mitzvá”, o cumprimento de uma Mitzvá era um ato privado, realizado em casa ou na sinagoga. O Rebe mudou isso. O judaísmo se tornou algo público, orgulhoso de si. Ele defendia as demonstrações públicas de nossos rituais religiosos mesmo em locais majoritariamente não judeus. O Rebe concebeu e implementou a ideia das Chanuquiot em praças públicas, servindo para levar a mensagem das luzes de Chanucá a todos, judeus e não judeus, indistintamente.
Mensagem Sentado em seu modesto escritório, o Rebe introduzia uma nova maneira de viver. Estimulava as pessoas de todas as crenças a praticar boas ações. Acreditava ser responsabilidade de cada membro da sociedade dar continuamente de si próprio e de seus bens à caridade, chegando mesmo a defender que os empresários acrescentassem um dólar em espécie a cada contracheque para os funcionários darem a terceiros. Para o Rabi Telushkin, a qualidade mais impressionante do Rebe era o amor incondicional que ele estava sempre disposto a dar – e parte de sua grandeza era não julgar ninguém por sua aparência. Tratava a todos com respeito e dignidade. Ela tinha a capacidade de discordar dos outros sem se distanciar de outras pessoas, defendendo argumentos que considerava moralmente importantes para a sociedade, sem, no entanto, afastar os que estavam em desacordo. É digno de nota o fato de que, apesar de ter aproximado tantos judeus ao judaísmo, ele se opunha ao conceito de kiruv rechokim (a aproximação de um judeu afastado a D’us). Disse, certa vez, que não podemos classificar ninguém como “afastado” de D’us, complementado: “Quem somos nós para determinar quem está distante e quem está próximo a D’us? Todos estamos próximos a D’us. Não devemos julgar o outro, apenas amá-lo e envolvê-lo, incondicionalmente”. Ele acreditava que quando um judeu cumpre uma Mitzvá, ele se iguala à pessoa mais sagrada do mundo, pois o cumprimento de um Mandamento Divino cria um elo entre o ser humano e D’us. O Rabino Benjamin Blech declarou, certa vez: “O Rebe explicou-me que para ser um bom judeu é tão importante ter fé em D’us quanto nos nossos semelhantes, judeus. E me disse, também, que sem o amor da Torá e de nossos semelhantes, o amor de D’us não duraria”. Talvez sua frase mais famosa seja “Dizem que tempo é dinheiro; eu digo que tempo é vida”. O Rebe insistia que as boas ações não devem ser postergadas, mas feitas imediatamente. Conhecemos, também, a expressão “Se você for gastar seu tempo fazendo algo, faça-o da melhor maneira possível”. O Rabino Telushkin explica que a capacidade do Rebe de conseguir tudo o que conseguiu emana de um princípio ligeiramente diferente: “Tudo o que vale a pena fazer, faça-o já”. O Rabi Menachem Mendel incansavelmente falava em otimismo e na linguagem otimista. Por exemplo, ele não
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1. O Rebe com o então Presidente de Israel Zalman Shazar. 2. Com Ariel Sharon. 3. Com Binyamin Netanyahu. 4. Com o então Primeiro-Ministro Menachem Begin.
usava a expressão beit cholim para se referir ao hospital porque não achava construtivo chamá-lo de “casa dos doentes”. Usava a expressão “casa de cura”, beit refuá. Alguns exemplos de seu otimismo podem ser vistos nas frases em iídiche que usava com tanto gosto: “Tracht gut un vet zein gut” (Pense positivo que dará certo) e sua substituição do conhecido “S’iz shver tzu zein a Yid” (É duro ser judeu) por “S’iz gut tzu zein a Yid” (É bom ser judeu).
Os visitantes do Rebe
consultas individuais que se estendiam noite adentro. E, como vimos acima, todas as tardes de domingo, desde 1986 até adoecer em 1993, o Rebe ficava de pé, na porta de seu gabinete, no 2o andar do 770 Eastern Parkway, em Brooklyn – às vezes durante 6 horas ou mais – recebendo milhares de pessoas, que, quando chegava sua vez, pediam sua bênção e conselho. Durante anos, levas de pessoas vinham – homens, mulheres, crianças; judeus e não judeus de todas as camadas sociais.
Ele parecia encontrar tempo para todos. Segundo o Rabino Telushkin, o Rebe Anterior disse certa vez: “Às 4 da manhã, Menachem Mendel está-se levantando ou indo dormir”.
A lista de personalidades que foram até o Rebe inclui, entre outros, os prefeitos David Dinkins e Rudy Giuliani, de Nova York; Elie Wiesel; o Primeiro Ministro Binyamin Netanyahu; e Shirley Chisholm, primeira mulher negra eleita para o Congresso americano; os exPrimeiro Ministros Menachem Begin e Ariel Sharon – todos em busca de seu aconselhamento, assim como Bob Dylan, que o visitou em Crown Heights mais de seis vezes. Este último retornou ao judaísmo graças ao Rebe. Generais israelenses e outros discutiam estratégias com ele, e ele também interagia e influenciava líderes mundiais como Ronald Reagan e Robert F. Kennedy.
Era generoso com seu tempo. Além de construir uma organização internacional, ensinar, escrever, supervisionar e envolver-se em volumosa correspondência, ele passava horas e mais horas em
Após sua vitória, nas eleições de 1977, já Primeiro Ministro de Israel, Menachem Begin declarou, ao visitálo: “Vim, esta noite, ao nosso grande mestre e rabino, pedir sua bênção antes de meu encontro, em Washington,
A influência do Rebe se origina de sua liderança e seus ensinamentos, bem como de sua interação com multidões de pessoas. A quantidade de tempo que ele dedicava aos outros era impressionante. Dormia pouco, mas tinha a energia e a perseverança para dedicar muito tempo aos outros, dias e noites sem fim.
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com o Presidente Carter… Suas bênçãos são muito importantes para mim”.
Governo dos EUA O Rebe recebeu as Medalhas do Congresso e da Presidência dos EUA, as mais altas condecorações civis do país. Presidentes americanos, como Richard Nixon, Gerald Ford, Bill Clinton e Barack Obama o homenagearam, destacando suas valiosas contribuições ao país. A deputada Shirley Crisholm, representante de Brooklyn no Congresso, creditou ao Rebe sua inspiração de trabalhar para expandir o programa de “food stamps” (“vale alimento”), que atende milhões de americanos. Ela também ajudou a criar o programa de suplementos alimentares para mulheres grávidas e crianças. “Se os neonatos carentes têm leite e as crianças pobres têm alimento, isso se deve à visão do Rabino de Crown Heights”, disse anos mais tarde. O Rebe estimulou os sistemas educacionais a prestarem atenção especial ao desenvolvimento da personalidade, enfatizando os valores positivos. Conclamou os governos mundiais a exercerem sua influência para melhorar os padrões educacionais, morais e éticos. Em 1978, em meio a seus esforços para revitalizar o amplo foco na educação, ele declarou o ano de 5738 (1977 - 1978) como Ano da
Educação. Convocou o Congresso para estabelecer um “Dia da Educação” no calendário do país. O Rebe sentia que isso podia levar a um novo significado às antigas tradições americanas. O Senado e Câmara do país atenderam o chamado do Rebe e declaram 1977 como o Ano Nacional da Educação. Em abril do ano seguinte, o Congresso reconheceu o empenho do Rebe e aprovou uma resolução conjunta, proclamando seu 76º aniversário como o Dia da Educação nos EUA. O Presidente Jimmy Carter assinou a proclamação tornando-a lei e o Dia da Educação se tornou, desde então, uma tradição anual no país. Em reconhecimento por seu trabalho e realizações, o dia de seu 80º aniversário foi designado, pelo Presidente Ronald Reagan, “Dia Nacional da Reflexão”. Reagan também organizou um Pergaminho Nacional de Honra que foi entregue ao Rebe, assinado pelo Presidente, pelo Vice-Presidente George Bush e por todos os senadores e deputados.
Judeus soviéticos O Rebe esteve à frente do trabalho clandestino em prol dos judeus perseguidos na antiga União Soviética. Desde o início da opressão comunista aos judeus, o movimento Chabad-Lubavitch manteve acesa a chama da vida judaica naqueles países. O ex-Primeiro Ministro Yitzhak Shamir, que, durante anos trabalhara no Mossad – serviço secreto de Israel – declarou, em 1994: “Na década de 1950, quando começamos a mandar nossos agentes à Rússia, descobrimos uma rede secreta que chegava a todas às comunidades judaicas, operada pelo Lubavitcher Rebbe”. Os israelenses e os emissários do Chabad trabalharam lado a lado, durante muitos anos, na ex-URSS. O Rebe esteve profundamente envolvido, nos bastidores, nas negociações entre Ronald Reagan e Michael Gorbachev, numa iniciativa que muitos creem tenha pavimentado o caminho para que os judeus deixassem a ex-URSS.
Seu legado permanente Quantas vidas terá o Rebe tocado? Quantos judeus, em todo o mundo – em Israel e na Diáspora – se aproximaram do estudo e da prática do judaísmo por sua causa? Quantos judeus ele salvou da assimilação, do desespero, de uma vida sem propósito? Não o sabemos. Mas sabemos que, não fora por ele, o Povo Judeu, o judaísmo e o mundo todo seriam, hoje, um lugar muito diferente. O Rebe tocou a vida de inúmeros judeus – direta ou indiretamente, quer o percebam ou não. 34
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reuniÃo anual dos shluchim do Chabad de todas as partes do mundo, no Brooklyn
O Rebe não deixou apenas um legado – deixou vários. Sua influência foi tão grande que podemos ter certeza de que nosso povo jamais o esquecerá. Daqui a mil anos, os judeus ainda contarão suas histórias. Contarão a seus filhos que após a grande catástrofe que se abateu sobre nosso povo, um homem, sozinho, reacendeu a alma de todo o Povo Judeu.
Bibliografia
Rabi Telushkin, Joseph, Rebbe: The Life and Teachings of Menachem M. Schneerson, the Most Influential Rabbi in Modern History, Editora HarperWave, 2014 Rabi Steinsaltz , Adin (Even Israel), My Rebbe, Editora Maggid , 2014
O Rebe ensinou ao Povo Judeu que a pessoa pode ser religiosa e cumprir os mandamentos e, ao mesmo tempo, um homem do mundo. Ele nos ensinou que não é um anacronismo o cumprir dos mandamentos – que não importa o quanto progrida o mundo, os mandamentos e os valores do Judaísmo continuam relevantes para todos nós. O Rebe nos ensinou que um judeu pode cumprir todos os Mandamentos da Torá e, ainda assim, participar e mesmo conduzir uma empresa, uma cidade, ou até um país. Muito se tem dito e escrito sobre ele. Cada um de nós se relaciona com ele à sua maneira. Pergunte a 10 judeus qual foi o legado do Rebe e, com certeza, ouvirá 10 respostas diferentes. Mas, provavelmente, seu maior legado foi ser uma fonte de luz para muitas velas que, por sua vez, acenderam outras tantas velas. O resultado foi um efeito multiplicador extraordinário. 35
Dia após dia, um número maior de velas ilumina o mundo. O Rebe influenciou um judeu, que influenciou outro, que influenciou outro, indefinidamente. Ele influenciou pais que influenciaram seus filhos e influenciou filhos que influenciaram seus pais. Há 20 anos o Rebe deixou fisicamente este mundo. Estadista, cientista, sábio, erudito, mestre chassídico, cabalista e milagreiro, o Rebe foi um verdadeiro homem de D’us, um verdadeiro homem da Torá e um verdadeiro líder e amante de seu povo. Foi um verdadeiro Tzadik e, portanto, ele continua espiritualmente entre nós. O Zohar, obra fundamental da Cabalá, ensina que um Tzadik se torna muito mais poderoso após seu falecimento porque não mais está restrito às limitações deste mundo físico. Passados 20 anos desde seu falecimento, sua luz se recusa a se apagar. Pelo contrário, fica mais forte a cada dia, brilhando com mais intensidade, iluminando o mundo todo e ajudando a trazer o dia em que tudo será Luz. “Zecher Tzadik Le’Vrachá”. Que sua memória seja uma fonte perpétua de luz e proteção para o Povo Judeu e para toda a humanidade. dezembro 2014
HISTÓRIA
O Machzor itinerante de Jenny Teich POR Sergio D. Simon
Quando minha tia Hilde Simon faleceu, aos 93 anos de idade, em maio de 2010, encerrou-se um capítulo importante na história de minha família: o dos sobreviventes do Holocausto. Tia Hilde nunca nos contara muitos detalhes de sua vida durante a Guerra, e tudo o que soubemos sobre ela vinha aos poucos, em pequenas doses.
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uando, semanas depois de sua morte, minha prima Ilona cumpria a triste tarefa de desmontar o apartamento de sua mãe, ela encontrou, num armário da biblioteca, alguns livros de reza bastante antigos. Folheando-os no silêncio do apartamento vazio, Ilona deparou-se com o nome “Jenny Teich, Blankenfeldstrasse 14, Berlin” escrito a mão ou carimbado em quatro machzorim. Ilona jamais ouvira falar nessa senhora. Quem seria Jenny Teich, a proprietária original desses livros? Por que tia Hilde nunca a havia mencionado para a própria filha? Ilona buscou o nome no livro de endereços de Berlim que sua mãe mantinha, com o nome de seus amigos alemães. Não havia menção a Jenny Teich. Ilona decidiu ir atrás dessa senhora para saber sua identidade.
Hilde e Arno Simon casaram-se em janeiro de 1939 em Berlim, oito meses antes do início da Guerra. Ela viera de Beuthen, uma pequena cidade na Silésia, para a capital, a fim de buscar emprego naqueles anos difíceis. Berlim era uma cidade efervescente, cheia de cultura, teatros, cafés, cabarés e uma vida noturna que a tornara famosa em todo o mundo. Ali, acreditavam muitos judeus de cidades menores, era mais fácil passar despercebido e ser menos discriminado. Em Berlim, Hilde trabalhou como assistente de vendas em uma loja de meias de senhoras, emprego modesto, mas que garantira sua sobrevivência até então. Ela e meu tio Arno se conheceram num dos muitos salões de dança pelos quais Berlim era famosa, e o casamento foi uma forma de dar mais segurança aos dois jovens judeus vivendo numa cidade tão perigosa para ambos. Meu pai, 36
Siegbert Simon, irmão de Arno, conseguira sair de Berlim em 1936, tendo vindo para o Brasil, onde se estabelecera como representante comercial. Sua decisão de sair de Berlim fora muito criticada por meus avós, que ainda não viam motivos para se deixar a Alemanha, apesar das dificuldades pelas quais os judeus já passavam em 1936. Foi somente após a Noite dos Cristais, em novembro de 1938, que meus avós escreveram para o Brasil, implorando que meu pai lhes conseguisse um visto de saída porque a situação tornara-se intolerável para os judeus. Apesar das dificuldades impostas pelo Itamaraty, na época, meu pai conseguiu um visto de imigração para meus avós, já após o início da guerra, e eles finalmente chegaram a Santos em fevereiro de 1940. Arno e Hilde, entretanto, não podiam se
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Arno e Hilde Simon em Berlim, 1947, com Ilona no colo
beneficiar desse visto e terminaram por ficar em Berlim durante toda a guerra. Inicialmente, ambos foram poupados de serem mandados para os campos de concentração, mas foram, como inúmeros judeus, submetidos a um regime de trabalhos forçados em fábricas do esforço de guerra. Ele era operário numa indústria têxtil que fabricava uniformes de guerra e ela trabalhava numa fábrica de baterias. Assim sobreviveram até o fim de 1942, bastante precariamente. Em janeiro de 1943 o capataz de Hilde, na fábrica de baterias, avisoulhe que, no dia seguinte, a Gestapo viria buscar os últimos judeus para a deportação e seria melhor que ela não aparecesse mais para trabalhar. Assim, Hilde e Arno mergulharam na anonimidade da cidade grande em guerra, tentando sobreviver como possível.
O casal foi ajudado por uma família cristã que trabalhara com meu avô. Este casal possuía uma pequena casa de campo em Hönow, um bairro distante do centro de Berlim. Mesmo sabendo dos riscos que isso envolvia, decidiram ceder as chaves do casebre para que meus tios lá se refugiassem. Eles conseguiram documentos falsos, como se fossem empregados do Hospital Charité, um dos maiores de Berlim. Diariamente, saíam da casa com os papéis falsos, perambulavam pelas ruas da cidade em guerra e eventualmente faziam trabalho caseiro para alguma família. À noite, voltavam para a casinha em Hönow. Este ritual era um disfarce para que os vizinhos não percebessem que estavam desempregados. E assim, até o fim da guerra, quando Berlim estava totalmente destruída pelo bombardeio aliado, Hilde e Arno Simon lutaram por sua sobrevivência 37
em condições difíceis de descrever ou mesmo imaginar. Em maio de 1945 o casal percebeu que os bombardeios haviam cessado: a cidade havia sido invadida pelos russos e pelas forças aliadas. Logo que se sentiram seguros, saíram de seu esconderijo e se dirigiram, com muita dificuldade, entre as ruínas da cidade e suas pontes destruídas, para a sinagoga da Oranienburger Strasse, um dos raros edifícios que milagrosamente sobrara, pelo menos parcialmente, de pé, no centro de Berlim. Uma bomba atingira a parte central da grande sinagoga, mas o edifício e sua imponente torre ainda estavam lá e era para lá que convergiam os poucos sobreviventes judeus que haviam restado na cidade. Lá, meus tios foram recebidos por tropas americanas responsáveis pelas pessoas deslocadas de guerra e foram imediatamente acolhidos DEZEMBRO 2014
HISTÓRIA
em uma casa onde havia comida, aquecimento, roupa de cama e todo o conforto que lhes fora negado durante tantos anos. A casa pertencera até a véspera a um graduado oficial alemão. Arno acabou por amealhar um patrimônio importante no pós-guerra em Berlim, atuando no negócio de carnes e frios. Ele foi o proprietário da Fleischerei Arno Simon, o primeiro açougue casher de Berlim no pós-guerra. Este havia sido seu ramo de negócios junto com meu avô, até o início da guerra. Minha prima Ilona nasceu logo após, em 1947, ainda em Berlim. Em 1954 Hilde, Arno e Ilona acabaram por emigrar para o Brasil para se juntar ao resto da família. Aqui meu tio fundou o Frigorífico Simon, na época uma empresa de bom porte e que lhes garantiu uma vida de bastante conforto. Mas como vieram parar nas mãos de meus tios os livros de reza de Jenny Teich? Quem era ela?
A resiliência do povo Judeu Intrigada, Ilona entrou em contato com o International Tracing
jenny teich e sua mãe
Services (ITS) em Bad Arolsen, um centro de documentação do governo alemão que tem os registros das pessoas mortas na guerra. De lá recebeu a seguinte informação: “Jenny Henriette Teich, nascida em 26/12/1871, foi transportada em 24/08/1942 de Berlim para Terezin e, em 26/09/1942, de Terezin para Treblinka, onde foi imediatamente assassinada”. Seguiam dados sobre o número do comboio do transporte para os campos de concentração. Ilona soube, então, que em 1945 os livros de oração dos judeus mortos na guerra foram distribuídos entre os judeus sobreviventes, e sua mãe, Hilde, recebera os livros dessa Sra. Jenny Teich.
sinagoga da Oranienburger Strasse
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Ilona decidiu que os machzorim, como todo livro de reza judaico, deveriam ter um fim digno. Assim, levou-os em 2012, em uma de suas viagens à Alemanha, para o Zentrum Judaicum, que por coincidência funciona na mesma sinagoga da Oranienburger Strasse onde seus pais haviam sido acolhidos no fim da guerra. Lá, entregou-os para que fossem enterrados na Guenizá, segundo a tradição judaica. Com isso, pensava ela, encerrava-se a história de Jenny Teich, mais um dos 6 milhões de mártires judeus cuja identidade se perdera na torrente da trágica história do Holocausto. Mas a história não acabou por aí. Em fevereiro de 2014, Ilona recebe um e-mail do International Tracing Service indagando se poderiam passar seu e-mail para uma pessoa que se dizia parente de Jenny Teich. Ilona concordou e, dois dias depois, num alemão infantil e cheio de erros, mas absolutamente compreensível, chegava a seguinte mensagem: “Prezada Sra. Simon: meu nome é Suzy Ehrmann e moro em Melbourne, Austrália. Nasci em Berlim, de onde saí ainda criança, em 1938, fugindo com meus pais. Mas guardo ternas lembranças de minha avó, a Sra. Jenny Teich, a quem chamávamos carinhosamente de Mama. Era na casa dela que costumava passar os feriados religiosos judaicos e dela guardo as melhores recordações de minha infância. Ela, com seu rosto sorridente, enrugado, com seus cabelos brancos, nos acolhia com muito chocolate e muita ternura. Quando saímos de Berlim, em 1938, minha avó disse que estava muito idosa para sair e que confiava que tudo iria terminar bem para os judeus. Minha avó foi tão importante em minha vida que dei o seu nome à
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minha filha, Jenny Ehrmann, nascida aqui na Austrália. Minha Jenny acabou por tornar-se uma judia religiosa e hoje vive em Jerusalém. Fui informada pelo ITS que os livros de reza de minha avó Jenny Teich encontram-se em sua posse, e gostaria, se possível, de comprá-los. Minha filha Jenny, criada escutando durante toda sua vida falar de sua bisavó, gostaria de rezar em Jerusalém com os livros que estão em sua posse, em memória da alma de sua bisavó, Jenny Teich. Agradeceria o seu contato o mais rápido possivel. Atenciosamente, Suzy Ehrmann, Melbourne, Austrália”. Atônita, no primeiro momento, Ilona apressou-se em responder: “Prezada Sra. Ehrmann. Li com emoção sua mensagem sobre sua avó, Jenny HenrietteTeich, cujos livros de reza foram utilizados por muitos anos, aqui no Brasil, por minha mãe, Hilde Simon, que os recebeu na sinagoga em Berlim no pós-guerra. Eu os cederia de muito bom grado à sua família, mas infelizmente os livros foram enterrados em Berlim, há cerca de 2 anos e, portanto, não existem mais. Espero que, mesmo assim, a memória de Jenny Teich continue viva entre vocês. Atenciosamente, Ilona Simon, São Paulo, Brasil”. Dias depois, minha prima Ilona comentou comigo, ainda emocionada, esta história bizarra, que quase tivera um final feliz. Fiquei inconformado com este final quase perfeito da história, a ponto de não conseguir dormir à noite. De manhã cedo liguei para minha prima: “Ilona, você pensou em consultar o Zentrum Judaicum em Berlim para se certificar se os machzorim foram realmente enterrados? Talvez não tenham sido...”, disse eu, com uma ponta de esperança, “quem sabe
susie ehrmann, neta de jenny teich E A bisNEta, jenny ehrmann
ainda estejam por lá. Estou indo para Berlim dentro de 15 dias e, se estiverem lá, posso trazê-los de volta para o Brasil e poderemos retornálos a seus donos originais”. Ilona, conhecedora da tradicional eficiência alemã e descrente da possibilidade de sucesso, mesmo assim escreveu para o Diretor do Zentrum Judaicum perguntando pelos livros. Ele não se lembrava da doação e lhe pediu alguns dias para tentar saber qual tinha sido o fim dos mesmos. E dentro de uma semana chega a mensagem: “Os livros de Jenny Teich ainda estão aqui e não foram enterrados!” Assim, numa manhã gélida de março de 2014, dirigi-me a pé de meu hotel para a Oranienburger Strasse, onde recebi, pálido de emoção, os livros perfeitamente embalados e conservados de Jenny Teich. Estavam na mesma sinagoga que meu pai frequentara na sua adolescência, que escapara do fogo na Kristallnacht, que sobrevivera aos bombardeios aliados que quase a destruíram e que servira de abrigo para meus tios no pós-guerra. 39
Poucos dias depois, estavam de volta ao Brasil, nas mãos de Ilona. Por mais uma coincidência, o neto de Ilona realizaria seu Bar-mitzvá em Jerusalém em julho, e toda a família viajou para Israel. Finalmente, no dia 28 de junho de 2014, Ilona encontrou-se com Jenny Ehrmann, a bisneta de Jenny Teich, em Jerusalém, e entregou-lhe os livros que haviam dado a volta ao mundo. Emocionada, Jenny leu o Shechecheianu do próprio livro de sua bisavó, morta em Treblinka em 1942. Assim, setenta e dois anos após sua trágica morte, Jenny Teich foi relembrada de maneira especial, através de seus livros de reza, nas mãos de sua bisneta, em Jerusalém. A história do machzor de Jenny Teich levou décadas para se completar, atravessou continentes várias vezes, ligou corajosas mulheres judias de várias gerações, e mostrou, mais uma vez, a força da tradição e a resiliência do povo judeu na adversidade de nossa História. Sergio D. Simon é médico e presidente do Museu Judaico de São Paulo.
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LIVROS
A Sinagoga Bait lançou uma nova tradução do Chumash , os Cinco Livros da Torá acompanhada das explicações do clássico comentarista Rashi conforme interpretadas pelo Rebe de Lubavitch. Por meio das ricas e profundas explicações e elucidações do Rebe, os comentários de Rashi sobre a Torá se tornam acessíveis mesmo àqueles que nunca antes estudaram a Torá. Nessa nova tradução da Torá, os comentários de Rashi estão interpolados no próprio texto. Isso proporciona uma leitura fluente, facilitando o entendimento tanto do texto quanto dos comentários. Ao longo da história judaica, muitos Sábios e místicos escreveram comentários sobre o os Cinco Livros da Torá mas nenhum alcançou a importância e imortalidade de Rashi. De fato, até hoje, é raro alguém estudar o Chumash sem consultá-los. Desde que Rashi publicou seus comentários, praticamente todos os Chumashim os trazem impressos. Estes se tornaram inseparáveis do Texto sagrado: não se estuda simplesmente a Torá; estuda-se a Torá com Rashi. Os comentários de Rashi foram traduzidos para várias línguas. Contudo, uma mera tradução de sua obra não é o suficie te, pois, por sua vez, estas exigem explicações para que sejam devidamente compreendidos. A nova tradução do Chumash realizada pela sinagoga Bait – um projeto que envolveu uma logística complexa entre equipes localizadas em diversos países – é a primeira obra a tornar os comentários de Rashi acessíveis aos leitores de língua portuguesa. A primeira edição da obra foi dividida em cinco livros, que correspondem aos Cinco Livros da Torá. Já foram impressos os primeiros dois volumes, Gênesis e Êxodo. Os outros três serão lançados em breve. A tradução foi feita por Claudia Malbergier Caon e o coordenador editorial foi o Rabino Aron Meir Shloush. Informações no site http://www.bait.org.br/, pelo email bait@bait.org.br ou pelo telefone 011.3663.2838.
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boas pessoas
Nir Baran Editora Alfaguara / Objetiva Boas Pessoas, de autoria do israelense Nir Baram e lançado em março de 2014 no Brasil pela editora Alfaguara/Objetiva, é um romance sobre culpa e moral situado na Europa durante a 2ª Guerra Mundial. Num dos momentos mais terríveis da história, enfrentando as dúvidas morais num mundo que desmorona, os protagonistas Thomas e Aleksandra decidem sobreviver a qualquer preço. Thomas Heiselberg, forçado a abandonar sua carreira de publicitário, colocara seus talentos a serviço dos nazistas. Aleksandra Vaisberg, filha de intelectuais judeus, após ver seus pais serem condenados pelos soviéticos como “inimigos do povo”, sabe que, para salvar seus irmãos, precisa se aliar ao regime . Às vésperas da invasão da ex-União Soviética pelos alemães, os dois arquitetam um elaborado plano que pode marcar o rumo de suas vidas, e mudar o curso da história. Boas Pessoas tem tradução de Nancy Rozenchan. Nir Baram nasceu em Jerusalém em 1976. Logo após servir nas Forças de Defesa de Israel, publicou seu primeiro romance, Purple Love Story, que foi recebido com entusiasmo pela crítica e pelos leitores de sua geração. Como colaborador do jornal israelense Maariv, o autor escreve sobre política, crítica literária e análise cultural. Ele também edita uma série de livros de não fic ão e outra de clássicos. Baran esteve em novembro no Brasil para participar da Feira do Livro de POA e de um colóquio de Linguagens do Oriente, organizado pela USP e lançar seu livro no Instituto Goethe.
dez mitos sobre os judeus Maria Luiza Tucci Carneiro Ateliê Editorial
Fantasma de impressionante resiliência, o antissemitismo atravessa séculos e desafia os esforços contra uma das mais longevas versões de racismo. Assim como em outras formas de preconceitos atrasados e medievais, dirigidos a variados grupos étnicos, religiosos ou de outra natureza, o sentimento antijudaico se assenta sobre mitos e sua perpetuação, fenômeno abordado de forma densa e clara neste livro. Estudiosa de diversas minorias, a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro oferece um estudo de relevância ímpar. Com precisão cirúrgica, destrincha raízes do antissemitismo e, mais importante, expõe os preconceitos à luz do mundo contemporâneo. (Jaime Spitzcovsky) Tucci Carneiro é uma historiadora, com graduação e pós-graduação em História pela USP. Tanto no Mestrado como no Doutorado tem o racismo como objeto de estudo. Tucci Carneiro desenvolve pesquisas sobre a questão dos direitos humanos, intolerância, anti-semitismo, etnicidade, escravidão, censura, nazismo e imigração judaica para o Brasil. 41
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PERSONALIDADE
Patrick Modiano recebe o Nobel de Literatura de 2014 Poucos escritores europeus da atualidade têm sido mais assombrados pela história da França durante a 2ª Guerra Mundial - e principalmente a dos judeus que viviam no país - do que o escritor francês Patrick Modiano. Aos 69 anos, ele é o 15º francês a ganhar o Nobel de Literatura.
e
m seus livros, Modiano aborda com frequência um lado negro da história da França com o qual muitos franceses lidam com dificuldade e desconforto: o papel desempenhado pelos franceses durante o Holocausto, inclusive sua participação na deportação de judeus para campos de concentração nazistas. A ocupação nazista, a vida judaica sob o regime colaboracionista de Vichy e a perda de identidade são temas recorrentes nas obras de Modiano. Para ele, escrever sobre esse período e o colaboracionismo francês não é mero interesse histórico ou filosófico, mas uma forma de lidar com seu legado familiar, de digerir o passado sombrio de sua família, pois seu pai, Albert Modiano, judeu de origem sefaradita, sobrevivera à Guerra e ao Holocausto atuando no
mercado negro e negociando com os nazistas. Ao anunciar o nome de Patrick Modiano como o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2014, em Estocolmo (Suécia), Peter Englund, secretário permanente da Academia Nobel, afirmou que a Academia escolhera o escritor “pela arte da memória com a qual evocou os destinos humanos mais incompreensíveis e descortinou ao mundo a vida sob a Ocupação”.
O peso de uma herança sombria Considerado por alguns críticos o mais importante escritor francês vivo, Patrick Modiano nasceu em Boulogne-Billancourt, nos arredores de Paris, em 1945. Seu pai, Albert Modiano, era um homem de negócios oriundo de uma família sefaradita, vinda de Salônica. A mãe, a atriz belga Louise Colpeyn 46
– futura intérprete de filmes de Becker, Autant-Lara e Goddard –, trabalhava como tradutora na Paris ocupada pelos nazistas quando conheceu Albert. O casal se divorciou quando ele ainda era criança. Muitas das informações que temos sobre o pai e a família do escritor estão em sua obra, principalmente através da mais autobiográfica de todas, Un Pedigree (2004). Durante a ocupação, Albert não se registrou como judeu e se recusava a usar a Estrela de David obrigatória para toda a população judaica. Acabou sendo preso pela polícia francesa, que trabalhava em estreita parceria com a Gestapo, mas graças à influência de um francês que colaborava com os nazistas e atuava no mercado negro, foi solto logo em seguida.
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Este episódio aparece, sob diferentes ângulos, em inúmeras obras de Modiano. Trabalhando com o setor de compras da Gestapo na França, o pai do escritor, que sobreviveu à Guerra sob a falsa identidade de Henri Lagroux, conseguiu acumular uma fortuna.
Na realidade, Patrick via muito pouco os pais – o pai, levando sua vida bem escusa e a mãe, atriz, geralmente em turnês, fora de casa. A quase total ausência da mãe na sua infância e adolescência o aproximou ainda mais do irmão Rudy, dois anos mais novo.
A sombra de um passado indigno, vergonhoso, esteve presente durante toda a infância e adolescência do escritor. Aos 13, Modiano lembra que vivia em um apartamento que pertencera a pessoas detidas e, provavelmente, mortas nos campos nazistas. Um dos moradores anteriores fora o escritor François Vernet (nascido Albert Sciaky, de uma família de Tessalônica), que teria sido assassinado em Dachau; e Maurice Sachs, um escritor judeu francês colaborador dos nazistas que se tornou protagonista de um de seus livros.
A morte deste último, com apenas seis anos, afetou-o profundamente. Tendo que se virar praticamente sozinho, era enviado de um internato deplorável a outro. Mais velho, porém, frequentou o ginásio mais conceituado da França e, por fim, a Sorbonne. Na sua conturbada adolescência, ele encontrara um apoio fundamental num amigo da mãe, o célebre escritor Raymond Queneau, que, entre outros, dava-lhe aulas particulares. A literatura foi sua salvação e foi Queneau, então membro do conselho da mais conceituada 47
editora do país, a Gallimard, quem o introduziu no mundo das letras.
Sua obra Ocupação, abandono, perda, solidão, ausência de raízes, pais ausentes, Paris, tudo isso Modiano colocou em seus livros. Suas obras são sobre a vida sem pontos fixos, na qual os personagens de sua literatura de ficção vez por outra têm que recorrer a velhas agendas telefônicas para confirmar a existência e os endereços de pessoas que conheceram no passado. Os principais personagens são, muitas vezes, jovens sós no mundo, que estão sob a proteção de pessoas mais velhas, com fonte de renda e passado misterioso. O personagem central geralmente está em busca de pessoas que fizeram parte de seu passado e se perderam no tempo. DEZEMBRO 2014
PERSONALIDADE
1. modiano com françoise hardy, no bois de boulogne, em 1969 La Place De L’Etoile, em 1968
2. o escritor recebeu o prêmio Roger Minier pelo romance
Mas, não há duvida de que a obra de Patrick foi profundamente marcada pelo colaboracionismo de seu pai, as ambiguidades e a degradação daquele estilo de vida. Em várias entrevistas que concedeu, o escritor costuma dizer que sua memória começou antes de seu nascimento, diretamente ligada à história de seus pais, que se conheceram durante a ocupação nazista da França, e aos fatos vividos por ambos. Não por acaso seu primeiro romance, La Place de L’Étoile, de 1967, tem como um de seus personagens principais Maurice Sachs, judeu colaboracionista, simpatizante da Gestapo morto a tiros pelos nazistas quando estava sendo evacuado do campo ao qual havia sido finalmente enviado.
exibindo o prêmio goncourt, em 1978
O título da obra se refere a uma piada praticamente intraduzível: Um transeunte em Paris pergunta a um judeu onde fica a Place de l’Étoile (uma das mais célebres praças europeias); e o judeu aponta a seu peito, entendendo “place de l’étoile” como sendo o lugar de 48
colocação da Estrela de David que os judeus eram obrigados a usar em suas roupas – e não a grande intersecção viária em Paris. Essa referência à estrela amarela que os judeus eram obrigados a usar durante a ocupação nazista tem um significado doloroso para Modiano. Seu primeiro conto, que escreveu aos 21 anos, fala de um campo de concentração no qual jovens na década de 1960 (denominados “children of Himmler and Coca-Cola” – filhos de Himmler e Coca-Cola) são, supostamente, presos por “kapos charmosos”, incluindo cantores populares como Mireille Mathieu e Françoise Hardy. Nos últimos anos, alguns autores franceses abordaram em sua obra a questão do colaboracionismo e a obra de Modiano. No início de 2014 foi lançado pelo advogado e escritor, Christian Gury, o livro “The Bloody Barge: Violette Morris, Cocteau, Modiano” (A Barcaça Sangrenta: Violette Morris, Cocteau, Modiano), que aborda diretamente a questão do colaboracionismo.
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Em seu livro, Gury analisa os dois notórios colaboradores nazistas (Morris e Cocteau), que aparecem em vários romances de Modiano. Em Under the Skin of Patrick Modiano (Sob a pele de Patrick Modiano), o jornalista Denis Cosnard mostra como a ocupação francesa durante a 2ª Guerra afetou a criação literária de Modiano. Para Cosnard, o fato do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura desse ano de 2014 ter muitas vezes mentido sobre a data de seu nascimento – dizendo ter sido em 1947 e não em 1945 – foi uma tentativa de se afastar da “pilha de cadáveres e ruínas” da guerra. Em entrevista concedida em 2007, o vencedor do Nobel confessou que se sentia “estressado e atormentado” por ter nascido em 1945. Em outra entrevista, em 2010, referiu-se a si mesmo como “um produto do estrume da Ocupação, um tempo bizarro quando pessoas que nunca deveriam ter-se encontrado se encontraram e, por acaso, geraram um filho”.
Nos dias de hoje Em 1972, Modiano casou-se com Dominique Zehrfuss, filha do arquiteto Bernard Zehrfuss, com quem tem duas filhas, a produtora de cinema Zina Modiano e a cantora e escritora Marie Modiano. O escritor vive em Paris, cidade que serve de cenário a quase todos os seus trabalhos. É muito popular na França, sendo considerado por alguns críticos o mais importante escritor francês vivo. Em 1972, Modiano recebeu o Grande Prêmio de Romance da Academia Francesa com Les Boulevards de Ceinture e, em 1978, o prestigiado Goncourt, principal prêmio literário do país.
Ele recebeu o prêmio pelo livro Rue des Boutiques Obscures, lançado no Brasil como “Uma Rua de Roma”. Esta obra conta a história de um detetive que perdeu a memória e precisa descobrir quem realmente é. Em junho deste ano de 2014 ele ganhou o prestigiado Prêmio da Biblioteca Nacional da França pelo conjunto de sua obra. Seu portfólio de sucessos de público e de crítica é amplo; Modiano escreveu cerca de 30 livros, sendo a maioria romances. Entre outros a “Vila Triste”, “Meninos Valentes”, “Ronda da Noite” e “Do Mais Longe do Esquecimento”, lançados no Brasil. A maioria de seus livros são obras muito curtas que se constituem de “variações de um mesmo tema, a lembrança da perda, a relação entre identidade e memória”, disse o escritor e historiador sueco Peter Englund, secretário da Academia Sueca, em entrevista após o anúncio do prêmio. 49
A literatura não é o único talento de Modiano, que também se aventurou pelo universo do cinema, tendo feito o roteiro de filmes como “Viagem do Coração” (2003), de Jean-Paul Rappeneau, “Lacombe Lucien” (1974), de Louis Malle, “Le Parfum d’Yvonne” (1994), de Patrice Leconte, e “Une Jeunesse (1983”), de Moshé Mizrahi, os dois últimos adaptados de obras suas. Atuou, também, como ator, ao lado de Catherine Deneuve, em “Genealogias de um Crime” (1997), de Raoul Ruiz. A escolha de Modiano surpreendeu o mundo da literatura, pois seu nome não fazia parte da lista de candidatos favoritos ao Nobel deste ano. Surpreendeu o próprio escritor que, em sua primeira entrevista após a divulgação do prêmio, concedida ao site da Academia Sueca, contou que estava na rua quando soube da novidade. Modiano revelou, ainda, “Nunca pensei que isto me pudesse acontecer, estou muito tocado, cheio de emoções”. DEZEMBRO 2014
ARTE
NOTA DEZ PARA ZERO mostel POR ZEVI GHIVELDER
DEPOIS DA 2ª GUERRA, OS ESTADOS UNIDOS FORAM IMPREGNADOS PELO MACARTISMO, AS PERSEGUIÇÕES DIRIGIDAS A DEZENAS DE SUPOSTOS COMUNISTAS QUE ATUAVAM NOS MAIS DIVERSOS SEGMENTOS DA COMUNIDADE ARTÍSTICA AMERICANA.
C
omo consequência, uma implacável lista negra incluiu atores, diretores, autores e produtores de Hollywood e um número um pouco menor da Broadway, entre os quais um ator judeu genial, chamado Zero Mostel, que celebra seu centenário de nascimento em 2015. Assim como muitos outros, Mostel, por sua inclinação para a esquerda, foi intimado a depor perante o Comitê do Senado Sobre Atividades Anti-Americanas, ou HUAC, conforme a sigla ficou conhecida. Ao ser inquirido para que estúdio trabalhava, respondeu: “Sou contratado da 20th Century Fox ou será que é a 18th Century Fox?” Samuel Joel Mostel, filho de um casal de judeus ortodoxos oriundos da Europa Oriental, nasceu no Brooklyn no dia 28 de fevereiro de 1915. Seu pai, Israel, era um erudito em matéria de judaísmo e fluente em sete idiomas. No início de sua carreira num clube noturno, por sugestão de um empresário, o jovem Sammy adotou o nome artístico de Zero, “porque era por onde eu estava começando, do zero”. Numa época em que os reis da comédia, os Irmãos Marx, tinham nomes bizarros como Groucho, Chico e Harpo, Zero parecia um pseudônimo bastante apropriado. 50
Desde cedo, as artes plásticas eram o principal interesse de Mostel. Por volta dos 15 anos de idade, costumava ir diariamente ao museu Metropolitan, na Quinta Avenida, onde copiava a lápis num caderno de folhas grandes as obras dos grandes mestres. Tal era a sua habilidade que os visitantes do museu faziam um círculo a seu redor para vê-lo desenhar. Talvez tenha sido nessa circunstância que Zero começou a gostar de se sentir a atração do público. Tanto assim, que seu passo seguinte foi atuar como guia voluntário do museu, fazendo considerações e dando informações sobre as obras expostas. Logo passou a inserir piadas e trocadilhos em suas dissertações. Certa ocasião, um dos ouvintes lhe disse: “Rapaz, você tem que largar isso e ser comediante”. Mesmo assim, preferiu continuar a frequentar cursos de arte e fazer palestras em museus e galerias de Nova York. Suas apresentações no circuito das artes, sempre enriquecidas com incomparável verve e comicidade, se tornaram conhecidas e ele começou a ser convidado para festas particulares nas quais divertia os convidados. Seus cachês giravam em torno de 5 dólares, mas ele impunha uma condição: ao fim de cada show deveria receber uma batelada de sanduíches de pastrami.
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Em 1941, após completar um de seus divertidos monólogos numa pequena boate, foi procurado por um empresário da noite que lhe disse: “Você é fantástico! Aonde mais está trabalhando?” Respondeu: “No estúdio”. O homem insistiu: “Qual estúdio, Paramount ou Fox?” Mostel: “No meu estúdio de pinturas”. O sujeito ficou de lhe obter um trabalho na boate Café Society, mas a boa intenção gorou. O dono do lugar, o astuto Barney Josephson, queria apresentar cantores e não comediantes. Eis que, em novembro daquele mesmo ano, ocorre o ataque japonês a Pearl Harbour. Na percepção de Josephson, o que público então preferia era dar boas risadas como forma de escapismo para uma guerra de sombrias previsões. Josephson voltou a procurar o jovem comediante Sam Mostel e lhe ofereceu um emprego
permanente: “Quanto você quer ganhar?” Mostel: “Quero mil dólares por semana”. O outro: “Eu estava pensando algo em torno de 25 dólares”. Acabaram fechando por 40, mais os sanduíches de pastrami. Na mesma ocasião, acertaram que doravante seu nome artístico seria Zero Mostel, com estreia marcada para o dia 16 de fevereiro de 1942, pouco antes que completasse 27 anos de idade. O sucesso na boate foi imediato, principalmente por causa das imitações que Mostel fazia, além de debochar de si mesmo por conta de seu gordo corpanzil. Certa noite, anunciou ao público que faria a imitação de uma azeitona grega com sotaque turco. Um jornalista escreveu: “Por incrível que pareça, o rapaz fica mesmo com cara de azeitona”. Seu melhor amigo, naquela época, era o ator Sam Jaffe que viria 51
a trabalhar em dezenas de filmes de Hollywood. Jaffe estava no elenco de uma peça, Café Crown, encenada na Broadway. A peça era uma referência ao Café Royale, situado na Rua 12, perto da Segunda Avenida, em frente ao Yiddish Art Theatre, onde todas as noites se reuniam os artistas judeus para comer, beber e jogar cartas. Mostel fazia duas apresentações por noite na boate. Entre uma e outra, ia até o teatro onde estava sendo representada Café Crown. Entrava pelos bastidores e invadia o cenário, sentava-se à mesa e começava a jogar cartas com os demais atores, improvisando falas que nada tinham a ver com a peça. Algo semelhante jamais tinha sido visto no teatro americano. Ao longo de toda a vida, Zero sempre acentuou que devia seu estilo ao teatro judaico de Nova York. Que estilo era esse? O historiador DEZEMBRO 2014
ARTE
zero mostel, o primeiro à dir., como pseudolus, em “um escravo das arábias em roma”, filme de 1966
Irving Howe escreveu que os grandes atores judeus se caracterizavam por serem pessoas dotadas de vitalidade e grandiosidade, acostumadas a ocupar todos os espaços do palco. Em síntese, assim pode ser descrita a qualidade artística de Zero Mostel, que sempre foi reverente aos famosos atores judeus que assistiu nos palcos, entre os quais Boris Tomachefsky, Jacob Adler e Maurice Schwarz. Além disso, ele e o irmão, Aron, quando adolescentes, faziam figurações em representações do teatro em iídiche para ganhar um ou dois dólares. O ano de 1943 foi particularmente generoso com Zero Mostel, que passou a integrar o elenco do programa de rádio Chamber Music Society of Lower Basin, transmitido de costa a costa dos Estados Unidos. Seu êxito foi tão extraordinário que foi eleito pelos colunistas especializados como o maior astro do ano. Logo ganhou seu próprio programa, The Zero Mostel Hour, com material que lhe era fornecido por Alan Jay Lerner, o futuro autor das letras das canções de My Fair
Lady. Foi então chamado pela Metro que lhe ofereceu um longo contrato e, de início, um papel no filme DuBarry Was a Lady (DuBarry Era um Pedaço) ao lado de Gene Kelly e Lucille Ball. Entretanto, a participação de Mostel se resumiu a nada mais do que uma abreviada repetição dos monólogos que fazia nas boates. As cenas não agradaram aos produtores e a maior parte delas foi cortada na edição final. Ao mesmo tempo, a Metro estava rodando um filme chamado Tennessee Johnson, biografia do presidente americano Andrew Johnson. Ao lado de um grupo de funcionários da Metro, Mostel assinou uma petição contra a exibição do filme sob o argumento de que Johnson era uma escravocrata e reacionário e que o filme era uma distorção da história. Como consequência, a Metro cancelou seu contrato. Foi um dos primeiros embates políticos que Zero ainda travaria na indústria do cinema. Embora o macartismo ainda não estivesse em curso, foi apontado como comunista. Negou, afirmando que seu credo era a liberal democracia, embora, nos 52
anos seguintes, viesse a participar de inúmeras manifestações da esquerda americana. Voltou para Nova York e começou a se apresentar na boate La Martinique, quando foi convocado para o exército. Contudo, não chegou aos campos de batalha. Serviu três anos como soldado raso em Camp Croft, na Carolina do Sul, com a missão de vigiar os prisioneiros de guerra alemães trazidos da Europa. Daquele tempo guardou uma recordação: “Eu ficava com muita raiva porque os malditos alemães ganhavam mais comida do que eu”. Seus contemporâneos do exército lembram que Mostel costumava entreter os companheiros de farda com engraçadíssimos monólogos, um gênero que depois viria a ser rotulado pela mídia como stand up comedy, até hoje em voga. Sua fama de comediante chegou aos altos escalões e ele foi enviado para a Europa, onde se juntou a outros famosos artistas de Hollywood, todos designados para entreter as tropas aliadas. De volta aos Estados Unidos, passou a frequentar os círculos socialistas constituídos na maioria por jovens judeus. Há inúmeras controvérsias quanto ao seu engajamento com o comunismo. A atriz Madeline Gilford, sua amiga de infância e mulher do ator Jack Gilford, disse numa entrevista que “Zero não era uma pessoa capaz de repetir o chavão de que só acreditava na paz e na democracia; seu pensamento era bem mais sofisticado no sentido de julgar que o capitalismo correspondia a um sistema que pouco poderia fazer pelas artes”. De um modo geral, Mostel tinha o hábito de levar a comicidade também para fora dos palcos, a ponto de ser evitado pelos amigos em lugares públicos. Certa ocasião, andava pela Quinta Avenida quando avistou, vindo a seu encontro, a aclamada professora Stella Adler,
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idealizadora e fundadora do Actor’s Studio. Parou na frente dela e pôs-se a gritar tal como Marlon Brando numa celebérrima cena da peça e do filme Um Bonde Chamado Desejo: “Steeellaaa!”. Um artista plástico que mantinha um estúdio perto do estúdio de Zero e frequentemente o encontrava na rua, revelou que “por trás de tanta palhaçada, foi uma das pessoas mais sérias que conheci em toda a minha vida”. Numa entrevista, Mostel disse: “A verdade é que eu não me levo muito a sério. Todo o mundo, no mundo todo, se leva a sério. Um eletricista acha que está salvando a humanidade quando troca uma lâmpada. O que eu não gosto, mesmo, é de demonstrações de riqueza. Outro dia minha mulher me arrastou para um almoço na casa de um pessoal muito rico. Cheguei lá e pedi um suco de tomate. Disseram que só tinha champanhe. Aí eu pedi um alka seltzer. Novamente disseram que só tinha champanhe. Respondi, então, que ia morrer de sede com a maior dignidade”. Em 1944, depois de um primeiro casamento que pouco durou, Zero começou um romance com Kathryn Harkin, uma das famosas “roquetes” da casa de espetáculos Radio City. Seus amigos entraram em pânico. Os pais de Mostel jamais aprovaram. Na verdade, foi um casamento tumultuado que se estendeu por 33 anos com sucessivos altos e baixos. Eles mal conseguiam viver juntos, mas também não conseguiam viver separados. Tiveram dois filhos: Josh, nascido em 1946, e Tobias, nascido em 1949.
com woody allen em “testa de ferro por acaso”, de 1976
1948, chegou à televisão como protagonista do programa Off the Record que fracassou e só foi ao ar uma vez. De fato, a televisão não lhe era o veículo de comunicação mais apropriado. Mostel só tinha graça perante um público ao vivo e que pudesse interagir com sua espontânea comicidade. Dois anos
Depois de integrar os elencos de algumas peças de pouca repercussão em Nova York, Mostel voltou ao circuito das boates apresentandose em Chicago, Hollywood e no célebre Palladium de Londres. Em
antes, os eleitores do estado de Wisconsin haviam eleito para o cargo de senador um político até então inexpressivo chamado Joseph McCarthy. Em 1950, durante um discurso pronunciado em West Virginia, o senador anunciou que tinha coletado os nomes de “mais de duzentos comunistas ‘de carteirinha’ que têm a intenção de cometer atos de traição contra os Estados Unidos”. Estava plantada a semente do macartimso cuja paranoia tomou conta do país. Havia, porém, graves antecedentes. Em outubro de 1947 o HUAC intimou uma série de profissionais da indústria cinematográfica para comparecerem perante o Comitê em face da suspeita de que havia propaganda comunista infiltrada nas produções dos grandes estúdios. Assim, foi elaborada a tristemente famosa lista dos “Dez de Hollywood”, que incluía nomes conhecidos como o do roteirista Dalton Trumbo e do escritor Ring Lardner Jr. As oitivas começaram com depoimentos de Walt Disney e Ronald Reagan, então presidente
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do sindicato dos atores. Disney confirmou que a ameaça comunista era de fato muito séria. Reagan revelou os nomes de diversos membros do sindicato que ele julgava serem comunistas. Como protesto, alguns dos mais consagrados astros de Hollywood, como o diretor John Huston, Humphrey Bogart, Lauren Bacall e Danny Kaye organizaram o Comitê Pela Primeira Emenda, ou seja, aquela que garantia no país a plena liberdade de expressão, inclusive tendo feito uma manifestação em frente ao Congresso americano. A mídia, porém, disse de forma quase unânime que se tratava de um movimento ingênuo e sem possibilidade de êxito, como de fato aconteceu. Os chamados “Dez de Hollywood” se recusaram a comparecer perante o HUAC e foram todos incriminados e sentenciados por desacato a um ano de prisão. A realidade é que o HUAC provocou um terremoto de
em uma loja no lower east side, então reduto judaico novaiorquino
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imensas proporções na comunidade artística dos Estados Unidos. A primeira pergunta dos senadores aos depoentes era sempre a seguinte: “O senhor é atualmente ou já foi membro do partido comunista?” Em seguida, os inquisidores insistiam para que as testemunhas citassem os nomes dos comunistas de que tinham conhecimento. Alguns artistas, como o diretor Elia Kazan, apontaram nomes, o que lhe valeu o rompimento com um de seus melhores amigos, o dramaturgo Arthur Miller. Outros optaram pela sustentação da Quinta Emenda, que não obriga qualquer pessoa a se autoincriminar, conforme a lei americana. Dentre os que citaram nomes de comunistas, estava o coreógrafo Jerome Robbins (verdadeiro nome Rabinovitch) que incluiu Zero Mostel em sua lista, sem ter qualquer prova do que dizia, mas por ouvir falar. O depoimento de Mostel foi marcado para o dia 14 de outubro de 1955, sob a presidência do senador Clyde Doyle. Embora Mostel tivesse se comprometido com seu advogado a manter um ar solene durante a inquirição, Mostel transformou seu testemunho num verdadeiro circo. Quando lhe perguntaram se era ou tinha sido membro do partido comunista, esticou os braços num gesto como se fosse estrangular o senador e gritou: “Socorro! Este homem está me chamando de comunista!” O recinto explodiu com gargalhadas. Em seguida, quando fêz referência à “18th Century Fox”, outro senador, Frank Taverner, disse que não aceitava tal resposta e Mostel aparteou: “Então pode corrigir para 19th Century Fox”. Taverner continuou: “Seu nome é Samuel, mas o senhor também é conhecido pelo pseudônimo de Zero. Posso saber o motivo?” Mostel: “É por causa da minha situação financeira”. Taverner:
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“O senhor compareceu a dezenas de eventos promovidos por dezenas de organizações, todas filiadas ao partido comunista. Não é verdade?” Mostel: “Correto. Compareci a eventos em benefício de doentes de câncer, do coração e até mesmo de gripes”. Taverner: “Outra testemunha aqui afirmou que o senhor compareceu a uma reunião do partido comunista em Hollywood, em 1938”. Mostel: “Sinto muito, mas eu só cheguei a Hollywood em 1942”. O senador resolveu ser mais incisivo: “Ivan Black, responsável pela publicidade do Café Society era comunista”? Mostel: “Opto pela Quinta Emenda”. E acrescentou: “Minhas convicções religiosas impedem que eu seja um delator”. Volta o senador Doyle: “Por que o senhor não se distancia dessa atmosfera de subversão? O público americano vai lhe admirar muito mais se o senhor deixar bem claro que não há o mais leve resquício de comunismo em suas posições”. Mostel: “Meu caro amigo, eu sou adepto da antiquada ideia de que um artista exerce sua profissão a partir de seu talento e não de seu pensamento político”. O historiador inglês Michael Freedland sustenta que toda a atuação do HUAC foi, na verdade, uma orquestrada ação antissemita. Como os donos dos maiores estúdios de Hollywood eram judeus, a verdadeira intenção do macartismo era atingi-los e prejudicar seus vultosos lucros, além de minar sua influência. Na Câmara dos Representantes, o deputado John Rankin fez um discurso em apoio do HUAC, enfatizando: “Não se esqueçam que o verdadeiro nome de Danny Kaye é Daniel Kaminsky; Eddie Cantor se chama Isic Iskopwitz; Edward G. Robinson se chama Emmanuel Goldenberg e Melvyn Douglas é
ZERO MOSTEL No papel de Tevye, o leiteiro, com Maria Karnilova, na versão da Broadway do musical “Violinista no Telhado”, 1964
Melvyn Hesselberg”. A pressão sobre os donos dos estúdios foi de tal natureza que, acovardados, emitiram o que chamaram de Declaração Waldorf, documento segundo a qual se comprometiam a jamais dar emprego a um comunista. O único que se recusou a assinar foi Samuel Goldwyn, (verdadeiro nome Shmuel Gelbfisch), que declarou: “Ninguém vai me ensinar a dirigir o meu próprio negócio”. A lista negra começou a se diluir quando o ator Kirk Douglas (verdadeiro nome Issur Danielovich) chamou Dalton Trumbo para escrever o roteiro do filme Spartacus e fez questão que ele assinasse o trabalho com seu próprio nome e não com um nome de fantasia como era costume entre os perseguidos pelo macartismo. Há pouco, Douglas declarou numa entrevista: “Eu trabalho em Hollywood há 60 anos e atuei em 85 filmes. Mas, o que mais me orgulha é ter acabado com a lista negra”. O fato é que depois do depoimento no HUAC, Zero Mostel foi 55
incluído na lista negra, ou seja, estava impedido de exercer sua profissão. Para sustentar a família, passou a vender os quadros que pintava, embora não merecesse grandes elogios por parte da crítica especializada em artes plásticas. Um fiel retrato do que foi o flagelo do macartismo pode ser visto no filme The Front (Testa de Ferro por Acaso), de 1976, com Woody Allen no principal papel. Conta a história de um roteirista sem talento que vende às televisões, sob seu nome, os trabalhos de profissionais listados, de modo a garantir-lhes a sobrevivência. No filme, Mostel interpreta um ator listado que, levado ao desespero, acaba se suicidando no quarto de um hotel em Nova York. O personagem foi inspirado na trágica e verdadeira história do ator Philip Loeb, incluído na lista negra, que assim deu fim à vida. A rigor, a dita lista era mais voltada para o cinema do que para o teatro. No ano seguinte, Zero pôde fazer um pequeno papel numa peça de Brecht encenada fora da Broadway. DEZEMBRO 2014
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como convidado do programa nº 202 de “os muppets”, que foi transmitido nos eua três meses após sua morte, em set. 1977
Em 1958, através de seu grande amigo, o ator Burgess Meredith, ficou com o principal papel em Ulysses, peça baseada no décimo quinto episódio do romance de James Joyce. O sucesso foi espetacular e Mostel, além de receber o prêmio Obie, dedicado às peças produzidas fora do circuito tradicional da Broadway, levou o espetáculo a Londres e Paris. Em 1960, obteve outro grande êxito, desta vez na Broadway, e um prêmio Tony, com a peça Rinoceronte, de Ionesco. Em seguida, outro sucesso na televisão, com o programa especial O Mundo de Sholem Aleichem. No mesmo ano, foi atropelado por um ônibus em Nova York, o que o obrigou a uma permanência de cinco meses no hospital. Por sorte e muita habilidade dos médicos, não perdeu a perna esquerda. Recuperado, foi escalado para o principal papel do musical Something Funny Happened on the Way to the Forum (Um Escravo das Arábias em Roma, título do filme subsequente). Houve, porém, antes dos ensaios, algo que poderia provocar um obstáculo
intransponível. O diretor Hal Prince fazia questão de que a coreografia coubesse a Jerome Robbins. Com muito tato e receio foi conversar a respeito com Zero e deu-se o seguinte diálogo. Zero: “Eu vou ter que jantar ou almoçar com ele?” Prince: “Não, apenas trabalhar”. Zero: “Então diga a ele que nós, da esquerda, não temos lista negra”. No primeiro dia em que os dois se encontraram no palco, o elenco todo ficou em suspense para ver o que ia acontecer. Robbins caminhou até Mostel e estendeu-lhe a mão. Zero retribuiu e exclamou: “Fala, boca mole!” Entretanto, seu grande triunfo, o ponto mais alto, o momento culminante de sua carreira, o cume da glória ainda estava por vir: a encenação do musical Violinista no Telhado, no qual interpretou o personagem Tevye, doce criação do escritor Sholem Aleichem, novamente com coreografia de Jerome Robbins. O espetáculo ficou em cartaz de 22 de setembro de 1964 a 2 de julho de 1972, com um total de 3.242 representações. Para que se tenha uma ideia do sucesso de 56
Fiddler, contava-se no meio teatral americano uma anedota segundo a qual, certa noite, havia um lugar vago na quinta fila, no centro do teatro, e uma senhora idosa ao lado. Alguém lhe perguntou: “Desculpe, mas como se explica este lugar vazio?” A mulher respondeu: “É que eu e meu marido compramos os ingressos quatro meses atrás e nesse meio tempo ele faleceu”. A pessoa insistiu: “Mas não tinha ninguém da sua família para lhe acompanhar ao teatro?” Ela: “Está todo o mundo no velório”. Mostel foi colocado nas nuvens pela crítica, tendo ele e o espetáculo recebido uma enxurrada de prêmios. Com efeito, o Tevye de Mostel está para a história do teatro musical americano assim como a Teoria da Relatividade está para Einstein.. O indomável Samuel Joel Mostel faleceu no dia 8 de setembro de 1977, vítima de um aneurisma da aorta, com apenas 62 anos de idade. Dizem que ninguém é insubstituível. Zero Mostel é. Ele costumava contar o que apontava como o fato mais intrigante de sua carreira e que jamais conseguiu compreender. Certa noite, depois de uma apresentação de O Doente Imaginário, de Molière, uma senhora foi ao seu camarim e lhe disse: “Parabéns, o senhor é um ator excepcional. Pena que essa obraprima não tenha sido representada no original, no idioma francês”. Mostel indagou: “A senhora fala francês?” E ela: “Não, nem uma palavra”. BIBLIOGRAFIA
Zero Mostel: A Biography, de Jared Brown, editora Atheneum, EUA, 1989. Fontes da internet:IMDB e IDBD. zevi ghivelder é escritor e jornalista.
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ATUAÇÕES DE ZERO MOSTEL
Zero Mostel em várias de suas performances
CINEMA E TELEVISÃO • The Electric Company (série de TV) • The Little Drummer Boy Book (curta para TV) • Mastermind • Journey Into Fear ( Jornada do Pavor) • Foreplay • Once upon a Scoundrel • Rhinoceros • Old Faithful (filme para TV) • Marco • Saga of Sonora (filme para TV) • The Hot Rock (Os Quatro Picaretas) • The Angel Levine (O Anjo Levine) • The Great Train Robbery (O Grande Roubo do Trem)
• Great Catherine (Catarina da Rússia) • Children of the Exodus (curta) • Monsieur Lecocq • The Producers (Primavera Para Hitler) • A Funny Thing Happened on the Way to the Forum (Um Escravo das Arábias em Roma) • The World of Sholem Aleichem (filme para TV) • The Model and the Marriage Broker • The Guy Who Came Back (O Último Jogo) • Mr. Belvedere Rings the Bell (Belvedere, o Gênio do Asilo) • Sirocco • The Enforcer (Um Preço Para Cada crime) • Panic in the Streets (Pânico nas Ruas)
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• DuBarry Was a Lady (DuBarry Era um Pedaço)
TEATRO NA BROADWAY • • • • • • • • • • • • •
Café Crown (Substituição) Keep’em Laughing Top Notchers Concert Varieties Beggar’s Holiday Flight Into Egypt Lunatics and Lovers (Substituição) The Good Woman of Setzuan Good as Gold The Good Soup Rhinoceros A Funny Thing Happened on the Way to the Forum Fiddler on the Roof
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HISTÓRIA
MISTÉRIO DA TORÁ DE SALAMANCA POR ARNALDO NISKIER exclusivo para morashá
“Minhas relações com as colônias sefaraditas de todo o mundo permitiram conhecer os sentimentos que perduravam na maioria dos judeus espanhóis, depois de 400 anos do seu desterro. Conservavam o castelhano como idioma vernáculo, um tesouro, que chamavam de maternal. Era um delicioso castelhano do século 15, cuja fonética os espanhóis tinham esquecido”. - D. Ángel Pulido Fernández
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vida nos proporciona certos mistérios que são, na verdade, instigantes. Foi com o que nos deparamos na visita feita à Universidade de Salamanca, na Espanha, para realizar uma conferência sobre o poeta brasileiro Manuel Bandeira e sua importância para o modernismo. Mesmo sendo uma das mais antigas instituições universitárias do mundo (data de 1218), seus dirigentes e professores têm um especial carinho pela cultura brasileira. Mas não reside aí o mistério. Depois da palestra, levados pelo professor Manuel Portillo Rubio, fomos conhecer a incrível Biblioteca Nacional, onde se encontram inúmeras raridades bibliográficas, uma delas a que mais nos surpreendeu: uma Torá em perfeitas
condições, elaborada por escribas altamente especializados, que desenharam de forma competente as suas 305 mil palavras. Fomos alertados de que, ao penetrar naquele imenso cofre, guardada com mil cuidados, encontraríamos uma preciosidade do século 16: uma Torá, com toda a sua imensa riqueza, e que não poderia ser tocada nem retratada de perto. Ao ser aberta pelo diretor da Biblioteca, Eduardo Hernández, pudemos observar a absoluta integridade do seu conteúdo, sem que ninguém soubesse como havia sido conduzida até lá. E preservada totalmente, com todos os seus ensinamentos, como os elementos jurídicos que estipulam as relações entre os cidadãos, o direito agrário, comercial, familiar, o de sucessão, o penal. Este último destinava-se a 58
ser aplicado tanto a infrações contra D’us como contra o próximo. A Torá é a primeira Constituição escrita. Seus 613 artigos, preceitos ou mandamentos estão divididos em duas categorias: os positivos e os negativos. Os primeiros em número de 248, para a contínua elevação em direção a D’us. Os 365 restantes referem-se a proibições, que devem ser respeitadas durante todo o ano. Estando na Espanha, é natural que se fizesse referência a Maimônides, que organizou esse legado, no século 12. Grande pensador na época da dominação árabe sobre a Península Ibérica, Rabi Moisés ben Maimon (1135-1204) ficou famoso com o nome de Maimônides ou pela abreviação de Rambam. Logo foi lembrado que ele nasceu em Córdoba, na Andaluzia, tendo
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arnaldo niskier na biblioteca nacional de salamanca
sido filósofo, místico, matemático, médico (de grande prestígio em todo o país), e que aliava a todos esses predicados um grande talento literário. Foi o único filósofo da Idade Média que influenciou pensadores cristãos e muçulmanos. Aproximou a filosofia de Aristóteles das leis fundamentais da Torá. Maimônides visitou Eretz Israel e se estabeleceu no Egito, onde se tornou médico da corte do vizir e, depois, do famoso sultão Saladino. Sua grande satisfação era o estudo da Torá. Explicamos aos nossos interlocutores que basicamente o homem se inclina para o bem. É com essa visão que estávamos diante da Torá que enriquece a Biblioteca Nacional. Quem teria recolhido essa preciosidade e levado à entidade oficial? Mistério!
Os judeus foram expulsos da Espanha (ou das Espanhas) pelos reis católicos Fernando e Isabel, no século 15. Como poderia ter sido produzida uma Torá depois dessa expulsão, quando, em teoria, não havia nenhum judeu vivendo na Espanha? Deve ter sido um trabalho clandestino. Na época, as sinagogas também foram sacrificadas, o que leva a crer que a Torá de Salamanca teria sido guardada com muito cuidado, a fim de que fosse inteiramente preservada a sua integridade. Quem sabe, foi parar na Biblioteca Nacional porque não havia sinagoga para recebêla, nos tempos conturbados das perseguições religiosas, promovidas pela Inquisição, sendo mais provável que tenha sido confiscada ou roubada. Foi mais de 1.000 anos a presença judaica em território espanhol 59
(Sefarad). Durante esse período, nem sempre houve tranquilidade, apesar da reconhecida contribuição dos judeus à ciência e à economia da região. Veja-se o que diz o estudioso Luís Garcia Moreno a propósito desses tempos: “No ano de 693 tivemos a afirmação explícita por parte do rei Egica, da existência de uma proibição escrita das sinagogas, que haviam sido submetidas a uma destruição sistemática”. Essas perseguições se tornaram mais claras a partir de 1391, até a medida extrema tomada pelos reis católicos.
a espanha sempre lembrada Para muitos estudiosos, o berço da hispanidade estaria na síntese das três grandes religiões: a católica, a muçulmana e a judaica, está DEZEMBRO 2014
HISTÓRIA
presente, sobretudo, na Espanha medieval. O florescimento cultural dos judeus tornou-se realidade na Espanha sob os reinados benevolentes de califas de Córdoba (terra de Maimônides) e soberanos cristãos como Alfonso, o Sábio. Depois vieram as perseguições, o drama dos conversos, até chegar à rainha Isabel II, a Católica, responsável pela Real Cédula de 1492, quando os judeus foram expulsos, com incríveis repercussões. Hoje se pode afirmar que esse ato foi um erro de grandes proporções, pelo que os judeus representavam para a economia e a cultura da Espanha, que se busca hoje reparar devolvendo a cidadania a todos os descendentes dos sefaraditas que assim o desejarem. A Inquisição foi uma triste página de perseguições e mortes, como se pode registrar nos cenários da Praça Mayor de Madri, onde se realizavam os autos de fé. Sofrimentos e torturas não foram suficientes para abafar o nascimento, entre os marranos, de escritores como Fernando de Rojas e talvez o próprio Cervantes. Tinham necessidade de ocultar sua ascendência, devido à síndrome da limpeza do sangue. Muitos dos pensadores e escritores do Renascimento espanhol ocultavam suas origens. Só com a chegada de Napoleão é que o Tribunal da Inquisição deixou de funcionar. O curioso é que, apesar dos cinco séculos de diáspora sefaradita, os marranos demonstraram sempre fidelidade à pátria que os expulsara, guardando seu idioma, sua cultura, a música e até a gastronomia, como um precioso e inesquecível tesouro.
No tempo de Alfonso VII os judeus dos guetos (aljamas) da região sul peninsular sentiam-se ameaçados e buscaram refúgio entre os amigos cristãos de Madri, Toledo e outras cidades castelhanas. Por várias décadas, árabes, cristãos, judeus e muçulmanos conviveram em paz na Espanha, como aconteceu durante muitos anos também em Portugal. É um registro histórico que convém sempre ressaltar, para evitar o pensamento de que isso é uma realidade impossível de existir. Os hispano-judeus viveram entre as outras duas religiões mais jovens.
O BRILHO DE TOLEDO O movimento cultural que ocorreu na cidade de Toledo revela um dado de grande valor: sábios linguistas e eruditos cristãos, hebreus e muçulmanos, na Escola de Tradutores de Toledo, traduziram para o latim douto (idioma da alta
o casal ruth e arnaldo niskier em salamanca
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cultura cristã e europeia), obras de grande saber nos campos da Medicina e da Astronomia, livros de clássicos gregos e a própria Torá. Mesmo depois de morto, o médico e filósofo Maimônides continuou a influenciar, com suas ideias, a cultura dos judeus espanhóis, que tinham seus bairros principais na Castilla conquistada. Pode-se afirmar que a síntese integradora do espanhol provém exatamente dessas três culturas peninsulares da Idade Média. Os judeus toledanos chamavam o espanhol de “língua materna” para se opor ao latim, que eles detestavam por ser romano. Consideravam o reinado de Alfonso X (o Rei Sábio) como o início de uma Nova Era. Queriam despertar no Rei a inclinação para ler numa nova língua, acessível a todos. E assim foram feitas as traduções dos livros sagrados do Pentateuco. Isso explica a decisão do Rei Sábio em vulgarizar e não latinizar a História, o Direito e a Ciência, que, até então, se expressavam somente em latim (até meados do século13). Os judeus doutos de Toledo eram muito apreciados pelo Rei Sábio. Exerceram até postos políticos e na administração por força dessa influência. A perseguição antijudaica iniciou-se em Sevilha e se estendeu depois a toda a península, entre os anos de 1391 e 1412. Algumas sinagogas toledanas foram destruídas e outras transformadas em igrejas católicas, como tivemos oportunidade de observar, em visita recente à cidade. Em uma mesma antiga sinagoga conviviam sinais claros de que ela havia sido transformada em igreja católica.
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1. o casal niskier examina o rolo da torá 2. niskier e o diretor eduardo hernÁndez 3. na biblioteca nacional de salamanca, manuel rubio, eduardo hernÁndez e o casal niskier
A rebelião contra os judeus, na verdade, disfarçava o desejo de se apoderarem de suas riquezas. Os então malfeitores não tinham realizado esses estragos apenas por ódio religioso, mas principalmente pelo afã de levar vantagem e confiados na impunidade que era geral. Houve uma grande matança de judeus em 1391.
A EXPULSÃO
BIBLIOGRAFIA
Ray, Jonathan – La Frontera – Alianza Editorial, Madrid, 2006. Cabezas, Juan Antonio – Madrid y sus judíos – Ediciones La Librería, Madrid, 2007. Morashá, Revista – Instituto Morashá de Cultura, São Paulo – coleção, 2010 a 2014.
A Inquisição acusou o cristão converso padre Serrano de “ler em casa de judeus a Bíblia romanceada dos judeus”. Criou-se um clima desfavorável aos judeus, daí as matanças em 1389 em Andaluzia e Castilla.
Niskier, Arnaldo – O Iluminismo Judaico – Altadena, Rio, 2010.
Antes e durante o reinado dos Reis Católicos, Fernando e Isabel, foi-se criando um clima antijudaico, jamais conhecido, o Américo Castro assim o ressalta:
Román, Fernando García – Madrid judío – Travesías Ediciones – Casa Sefarad Israel, Madrid, 2010.
“A história da Espanha entre os séculos X e XV foi um contexto cristão-
Moreno, Luís A. García – Los judíos de la España antigua – Rialp, Madrid, 2005.
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islâmico-hebraico que não é possível fragmentar, porque cada um dos três grupos sociais e religiosos estava imbricado existencialmente nos outros dois, devido a um longo período de convivência em paz e tolerância”. Quando Isabel, a Católica, tinha apenas 13 anos (1464), começaram as perseguições inquisitoriais contra os conversos de Madri, Toledo e Castilla. Depois, houve um ensaio de expulsão dos que viveram desde tempos imemoriais nas principais cidades da Andaluzia: Sevilha e Córdoba. Surgiu frei Tomás de Torquemada, que anulou as ações de Roma em favor dos conversos. O frei reorganizou os Tribunais do Santo Ofício, realizando uma violenta campanha para exterminar o judaísmo. Criou-se assim um ambiente propício à expulsão, de que hoje as autoridades da Espanha ostensivamente se arrependem.
Arnaldo Niskier é membro da Academia Brasileira de Letras
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DESTAQUE
Reuven Rivlin, décimo presidente de Israel POR jaime spitzcovsky
Apesar de um cargo essencialmente cerimonial, a Presidência do Estado de Israel costuma projetar uma função política relevante, de esteio para fortalecer uma sociedade com desafios gigantescos e intenso debate ideológico. Em julho passado, o Knesset elegeu Reuven Rivlin como 10o presidente do país, na sucessão de uma das figuras mais marcantes da história contemporânea: Shimon Peres.
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seu mandato, de sete anos. Para diversos analistas, o novo mandatário vai preservar o caráter mais cerimonial e simbólico do cargo, que tem atribuições como conceder perdão a prisioneiros e indicar o deputado mais apto a formar um novo gabinete, após eleições no jogo parlamentarista israelense.
e início, o likudista Reuven Rivlin carrega a responsabilidade de suceder um ícone da trajetória israelense, responsável pela carreira política mais longeva do país. Prêmio Nobel da Paz e com projeção internacional ímpar, Shimon Peres, nascido a 2 de agosto de 1923, acumulou 48 anos de história no Knesset, o cargo de primeiro-ministro, o comando de pastas como Defesa e Relações Exteriores, além de participações em 12 gabinetes. Uma biografia sem paralelo a pairar sobre o novo presidente.
“Peres era um presidente voltado à política externa”, afirmou Reuven Hazan, cientista político da Universidade Hebraica de Jerusalém, em entrevista ao site da alemã Deutsche Welle. “Reuven Rivlin vai se concentrar em Israel, e ele será um presidente para o povo, a sociedade, os israelenses – alguém que vai criar pontes entre os israelenses judeus e árabes”.
Embora sem o robusto currículo do antecessor, Reuven Rivlin também é um veterano do Knesset, onde ocupou uma cadeira desde 1988. Presidiu o Parlamento em duas oportunidades: 2003 a 2006 e 2009 a 2013. A carreira sólida lhe permitiu granjear apoio entre deputados de diversos matizes ideológicos, e alcançou, num segundo turno, 63 dos 119 votos, ao derrotar Meir Sheetrit, do partido Hatnua, que amealhou apoio de 53 parlamentares. O fato de não contar com o peso histórico e internacional de Shimon Peres leva “Rubi” Rivlin a mudar o foco de 62
Rivlin domina a língua árabe com fluência. Seu pai, Yossef Yoel, pesquisava idiomas semitas. E, apesar de suas credenciais históricas como um político de direita, sempre manteve relações frutíferas, no Knesset, com parlamentares árabes e de esquerda. O likudista se apresenta como intransigente defensor da democracia israelense, com atuação destacada na defesa dos direitos de minorias e muitas vezes embaralhando divisões maniqueístas no tabuleiro da política.
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Reuven Rivlin: responsabilidade de suceder um ícone da trajetória israelense
Sobre Rivlin, escreveu o jornalista Liel Leibovitz, no site judaico Tablet: “Ele personifica um compromisso firme com os ensinamentos de Zeev Jabotinsky, que enfatizava na mesma medida uma dedicação à Terra de Israel e aos valores da democracia liberal”. O novo presidente defende a ampliação de construção de assentamentos na Cisjordânia e rejeita a ideia de um Estado palestino em territórios conquistados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Defende um Estado Judeu no qual minorias continuem a ter amplos direitos políticos. A personalidade do afável político direitista, um ex-ministro das Comunicações no governo de Ariel Sharon, confunde jornalistas e comentaristas habituados a comparar “falcões” da política israelense a lideranças que projetam força e inflexibilidade. Rivlin é um
vegetariano que chora com facilidade. Derramou lágrimas ao receber o voto de 104 deputados para presidir o Parlamento, em fevereiro de 2003. Emocionado, prometeu ser “o presidente do Knesset de todos”. No cargo de Presidente do país, já protagonizou, por exemplo, iniciativa com o deputado árabe Ahmed Tibi para construir pontes. Reuniu-se com judeus e árabes para um jogo de futebol em Shefayim. Convidou para a residência presidencial um menino de 11 anos que havia postado um vídeo sobre o bullying que sofria na escola. O filme-resposta, gravado por iniciativa de Rivlin e com mensagem contra violência e hostilidade, foi divulgado às vésperas de Yom Kipur. Suas posições lhe renderam elogios de adversários ideológicos. Ilan Gilon, deputado do esquerdista Meretz, acenou com apoio ao 63
reuven rivlin e sua esposa Nechama
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DESTAQUE
Com o Primeiro Ministro Bibi Netaniahu
parlamentar do Likud na corrida presidencial, apesar da firme oposição de seus correligionários no Knesset. O Partido Trabalhista também mostrou simpatia. A deputada Shelly Yachimovich declarou:
“Ele é um democrata exemplar, honesto e incorruptível, modesto em seu comportamento pessoal e tem o perfil de um estadista em suas concepções e conduta pública. Ninguém precisa especular sobre como ele vai-se comportar no cargo
de presidente. Mesmo como alguém do campo da direita, cujas opiniões frequentemente são o oposto das minhas, ele passou pelo teste, permanecendo como uma rocha sólida em defesa da democracia”. A guerra em Gaza, contra o Hamas, em julho e agosto, ofuscou a cerimônia de posse de Rivlin. O primeiro mês na nova função concentrou-se em visitas a famílias de soldados mortos em combate e a militares hospitalizados. O presidente discursou num dos momentos mais trágicos da crise para a sociedade israelense: a morte de Daniel Tragerman, de 4 anos, atingido por um foguete disparado a partir de Gaza. Rivlin cultiva uma relação especial com crianças, e, ao lado da esposa Nechama, criou um jardim voltado a iniciativas educacionais dentro
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1. rivlin no kotel 2. com O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, out. de 2014 3. Rivlin e o Presid. da Agência Judaica, Natan Sharansky recebem centenas de novos imigrantes 4. Cumprimentando novos imigrantes dos EUA e Canadá 5. com shimon peres 6. Rivlin visitou as FDI em 31 de julho para se reunir com o Centro de Comando e inteirar-se da Operação Margem Protetora com o Chefe do Estado-Maior, Gal. de Divisão Benny Gantz.
JAIME SPTIZCOVSKY, foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.
do complexo presidencial. O público infantil aprende sobre o mundo das plantas e pode “adotar” um pedaço de terra para cuidar. No começo do ano, o então deputado declarou: “Não há um dia sequer em que não vejo um de meus netos. Estar com eles, é uma necessidade; algo que não suporto pensar é que possa viver uma hora sem eles. Sou um avô muito melhor do que fui pai”.
Ao recebê-las, e comentando sobre linhas religiosas, afirmou: “Não podemos concordar em tudo, mas somos irmãos e somos uma grande e única família”. O presidente também observou, em encontro recente: “Também posso dizer, a todos vocês, que somos uma família e a conexão entre todos os judeus, em todo o mundo, é muito importante para o Estado de Israel”.
Laços familiares sempre guardaram lugar especial na vida do advogado formado pela Universidade Hebraica de Jerusalém, onde nasceu a 9 de setembro de 1939. Os Rivlin contabilizam, ao redor do mundo, cerca de 50 mil integrantes, a maioria deles em Israel. A visitantes, o presidente se anima ao relatar a história de sua família, que chegou à capital de Israel em 1809, vinda da Lituânia. A árvore genealógica remete ao Gaon de Vilna, rabino e sábio do século 18.
Embora oriundos de campos ideológicos distintos, Reuven Rivlin e Shimon Peres colecionam diversos pontos em comum. Um deles, fora do campo político, é a paixão pelo futebol. O décimo presidente de Israel é um torcedor fanático do Betar Jerusalém, onde trabalhou em cargos de direção na década de 1960. Assistiu ao primeiro jogo em 1946 e nunca mais abandonou o time. Nos últimos tempos, engajou-se numa causa política nos estádios: combater a intolerância demonstrada por torcedores da sua equipe de coração. O novo presidente evidencia, em início de mandato, energia de sobra para enfrentar diversos desafios.
O conceito de família também contaminou algumas de suas conversas recentes com lideranças de comunidades norte-americanas. 65
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AS MENINAS DO “QUARTO 28” POR REUVEN FAINGOLD
O que vem à mente quando se ouve falar da 2ª Guerra Mundial? Um nome com certeza: Anne Frank. Mas existem outras tantas vítimas do Holocausto com nomes e histórias que ainda precisamos desvendar. Nada sabemos, por exemplo, dos sobreviventes de Theresienstadt. O episódio protagonizado pelas meninas do “Quarto 28” é, certamente, um excelente exemplo de “resistência cultural”.
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erto de Praga, uma elite intelectual é usada como forma de propaganda nazista para mostrar ao mundo que os judeus têm uma bela cidade administrada com autonomia cultural, política e social. Ricos judeus são “convidados” a ir para essa cidade judaica, abrindo mão de seus bens em favor do governo alemão. Mas na realidade, aquilo não passava de uma encenação, sendo uma cidade de lojas sem mercadorias, uma escola sem alunos e até um banco sem clientes. No entanto, apesar das agruras, medo e sofrimento, lá também floresceram talentos artísticos. Entre 1942-1944 sessenta moças judias habitaram o “Quarto 28” do gueto de Theresienstadt. Todas tinham personalidades diferentes e contrastantes, mas entenderam que
precisariam conviver e se aceitar para sobreviver às adversidades. Esta é uma história sobre a perda da infância, mas também a reconquista da juventude por meio da amizade mantida viva por um punhado de jovens, através do amor e empenho das cuidadoras e professoras, da esperança num futuro melhor e do temor de um desfecho trágico . Atualmente, são poucas as sobreviventes do Quarto 28.
Theresienstadt – Fortaleza nazista A invasão alemã da Tchecoslováquia, em 1939, fechou o cerco aos judeus que ainda viviam no país. Iniciou-se uma perseguição com a deportação para guetos e campos. Theresienstadt era uma fortaleza construída, em 1780, pelo Imperador Josef II. Localizada a 60 km de Praga, lá foi estabelecido um gueto e um “campo 66
de concentração para casos especiais”, pois abrigaria artistas famosos, conhecidos cientistas, músicos virtuosos e outros judeus de talento. O campo de Theresienstadt tem a forma geométrica de uma estrela de várias pontas. Sua topografia de altos bastiões, fortes muralhas, alinhamento de ruas e casas e uma praça central com Igreja, fizeram do local um espaço fácil de ser transformado em gueto isolado e campo modelo. Judeus proeminentes de renome internacional foram “convidados” pelo 3º Reich para habitar em uma cidade aprazível sob a proteção do Führer. Ali teriam alojamento, alimentação e cuidados médicos, desde que assinassem um termo cedendo todos seus bens ao Reich, que, dessa forma, guardava para si a quantia de 400 milhões de marcos.
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ENTRADA DE THERESIENSTADT COM O SLOGAN “ARBEIT MACHT FREI” (O TRABALHO LIBERTA)
Gradualmente, iam chegando judeus a Theresienstadt, todos carregados de malas, preparados para uma jornada sem fim. Famílias inteiras exibem logo seus contratos com o governo, pensando serem garantia de proteção e bem-estar indefinidos. Mas, em pouco tempo, os SS se apoderavam de suas bagagens, pilhando todo objeto de valor. Homens respeitáveis, mulheres finamente vestidas e crianças delicadas são despojados de seus pertences e obrigados a dormir no chão. Após noites de brutal aprendizado, judeus saem das casas esgotados e sujos, com as pupilas dilatadas de espanto. Imediatamente, os membros das famílias são separados para começar a trabalhar para a indústria alemã. Uma vez instaurado o Reichprotektorat (Protetorado Boêmia-Morávia), medidas antissemitas se tornam cada vez
mais opressivas, especialmente quando Adolf Eichmann decide purificar racialmente o Protetorado. Após exaustivas reuniões entre Goebbels, Heydrich e Eichmann, Theresienstadt foi escolhido como local de trânsito para os judeus do Protetorado. Em 1935, Theresienstadt já tinha 7.000 habitantes, metade
desenho de alice sittig
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deles soldados. Após retirar a população local, o lugar serviria como gueto. Certa vez, em 1941, Reinhard Heydrich afirmou: “Em Theresienstadt poderemos acomodar entre 50.000 e 60.000 judeus. De lá, serão enviados para o Leste. Após sua evacuação completa, o local será colonizado por alemães de acordo com um planejamento impecável, transformando-se num núcleo de vida alemã”. Desde 1941 chegam comboios repletos de pessoas. Os números são assustadores: dos 139.654 prisioneiros, 33.430 morrerão ali, enquanto outros 86.934 serão deportados para o Leste (principalmente AuschwitzBirkenau), e destes, 83.500 serão assassinados. Numa casa que abrigava 20 soldados, serão colocadas entre 100 e 400 pessoas. Os prisioneiros DEZEMBRO 2014
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proeminentes poderão morar em casas com suas famílias; mas a grande maioria será colocada em quartos mistos para homens e mulheres. A disparidade não foi apenas social e cultural, mas também religiosa. Fora dos judeus, há quase 2.000 prisioneiros cristãos, 1.130 católicos e 830 protestantes. Com o passar do tempo, a superlotação de Theresienstadt gerou penúria e doenças graves. O total de calorias na alimentação era insuficiente. Trabalhadores e crianças recebiam rações complementares, enquanto idosos tinham porções menores, tendo que rondar as latas de lixo espalhadas pelo campo.
O quarto 28 O campo de Theresienstadt era amplo. Entre 1942-1944, moças com 12-14 anos moraram no assimchamado Quarto 28, no “Abrigo para Meninas L410”. Elas faziam parte das 75.666 pessoas que habitavam
o gueto. Foram estigmatizadas por serem “meninas judias”, sendo todas perseguidas, roubadas e deportadas para Theresienstadt. Lá, seus caminhos se cruzariam. O “Quarto 28” era um espaço de 30 m² que abrigava, em média, 30 meninas. Todas dormiam em beliches ou treliches estreitos, comiam alimentos racionados e, à noite, ouviam histórias lidas em voz alta por uma das cuidadoras. E quando as luzes eram apagadas, conversavam entre si, compartilhando suas experiências, pensamentos, preocupações e medos. Às vezes, algumas moças eram subitamente retiradas de seu convívio, e obrigadas a seguir em um dos temidos transportes em direção ao Leste. Então, novas meninas chegavam ao “Quarto 28”, ajeitavamse como podiam naquela situação, dando origem a novas amizades. E, um dia, esse convívio seria também abalado pelos “transportes”. Assim, o grupo se formava novamente,
casa das crianças. Theresienstadt. parte do filme propagandístico nazista sobre o local
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fortalecido pelo desenrolar dos acontecimentos. Tomamos conhecimento da história das meninas do “Quarto 28” através da obra de Hannelore Brenner, “Die Mädchen von Zimmer 28: Freundschaft, Hoffnung und Überleben in Theresienstadt”. Algumas dessas meninas eram: Hana Epstein (Holubicka), Eva Fischlová (Fiska), Ruth Gutmann, Irena Grünfeld, Marta Kende, Anna Lindt (Lenka), Hana Lissau, Ola Löwy (Olile), Zdenka Löwy, Ruth Meisl, Helena Mendl, Maria Mühlstein, Bohumila Polacék (Milka), Ruth Popper (Poppinka), Ruth Schächter (Zajícek), Pavla Seiner, Alice Sitting (Didi), Erika Stránská, Jirinka Steiner e Emma Taub (Muska). Diários pessoais, álbuns de fotos, cadernos com desenhos e cartas avulsas nos aproximam do mundo dessas meninas. Há um sentimento de tristeza de saber que suas esperanças e sonhos nunca foram realizados. Na imaginação da Ana Flaschová (Flaska), que sobreviveu à 2ª Guerra, suas companheiras de quarto continuam sendo as crianças de outrora, adoráveis, criativas e talentosas; algumas calmas e pensativas e outras mais ativas e temperamentais. Flaska se pergunta como teria sido o futuro de suas amigas: Lenka, que escrevia poemas maravilhosos; Fiska, que inventava esquetes espirituosos e que tanto gostava de fazer teatro; Maria, com sua linda voz; Helena e Erika, duas desenhistas e pintoras talentosas. Qual teria sido a sorte de Muska, Olile, Zdenka, Pavla, Hana, Poppinka e Zajicek, esta última a mais nova das meninas, tão carente e necessitada de proteção? Para Flaska, “o caderno de recordações é mais do que uma
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1 e 2. O campo de Theresienstadt 3 e 4. as meninas do “quarto 28” que sobreviveram se reencontram em 1999
lembrança, é uma missão. A missão de manter viva a lembrança das meninas assassinadas é a sua responsabilidade pessoal”. Ao folhear o álbum, consegue visualizar as meninas e ouvir suas vozes. É como se clamassem para não serem esquecidas. As meninas do “Quarto 28” formavam uma comunidade baseada na lealdade e na amizade. Uma célula quase embrionária que fundou uma organização chamada, em hebraico, “Ma’agal” (Círculo); uma comunidade que compôs um hino e criou uma flâmula com um círculo e, dentro dele, duas mãos entrelaçadas: um símbolo da perfeição, talvez o ideal que todas almejavam. “Ma’agal” era uma célula humana unida pela mesma esperança e
anseio: a derrota da Alemanha e o fim da guerra. Em Theresienstadt, aquelas meninas do “Quarto 28”, que faziam parte de “Ma’agal”, fizeram um juramento de fidelidade eterna. Nas palavras de Flaska: “Sob o velho campanário, na cidade antiga de Praga, esperamos nos encontrar num dos primeiros domingos após a guerra”. Essa era a promessa feita quando acontecia uma despedida. Uma promessa reforçada com uma frase que, dita por elas, deve ter soado como um encantamento e uma senha secreta: “Você acredita em mim, eu acredito em você. Você sabe o que eu sei. Venha o que vier, Você não me trairá, Assim como não trairei você”. 69
Este era o pacto de lealdade selado pelas meninas do “Quarto 28”, enquanto ondas devastadoras de “transportes” para o Leste continuavam atingindo milhares de judeus.
A rotina das crianças Em Theresienstadt, o cotidiano era pesado. Às 7:00h da manhã todos acordavam com os gritos de “Levantem-se, crianças!”, seguindo logo para a fila do banheiro, frio e feio. Em cada andar havia duas privadas para 120 meninas. Pela manhã era obrigatório arejar a roupa de cama e os cobertores. As meninas colocavam as roupas sobre as janelas, mesas ou estrados das camas. Imediatamente, eram divididas as tarefas do dia: preparar o almoço, DEZEMBRO 2014
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fazer a faxina ou ajudar as pessoas idosas. Os nazistas proibiam as crianças de estudar, mas permitiam que tivessem aulas de desenho e pintura. À tarde, longe dos olhares dos nazistas, elas tinham aulas de matemática, história e geografia. No final da tarde, os alojamentos mergulhavam em um silêncio sepulcral, enquanto belas vozes ecoavam do porão. Eram as canções das aulas do coral de Raphael Schächte, que atraíam as meninas do “Quarto 28”. À noite, enquanto as crianças estavam deitadas em seus beliches, uma única palavra iluminava as intermináveis conversas: liberdade. Aquilo começava com um sussurro e gradualmente se transformava num verdadeiro desejo de um fim para aquela guerra.
Arte no gueto O trabalho da educadora Friedl Dicker-Brandeis no “Quarto 28” é fundamental para entendermos a
célebres como Paul Klee, Vassily Kandinsky e outros nomes relevantes da arte europeia. A escola Bauhaus tinha como fundamento filosófico a teoria da “empatia estética” (Einfuhlung), que resgata uma visão estética sustentada na união entre o interno e o externo, da forma criada não como mera representação objetiva da aparência, mas como exteriorização da relação do ser humano com o mundo externo.
Friedl Dicker-Brandeis
“resistência cultural” em condições desumanizadoras. Constantemente, Friedl estimulava as crianças do gueto a encontrar a beleza no presente, a não esquecer o passado e a não deixar de imaginar um futuro promissor. Na década de 1920, a arte-educadora estudou na Bauhaus com artistas
Baseada na teoria da empatia estética - segundo Liz Elsby “Friedl encorajava seus alunos a abordar um sujeito ou um objeto não como se fossem uma câmara fotográfica que apenas registra a imagem externa, mas a buscar a sua essência, a percebê-lo por dentro e por fora, a ir além da aparência e procurar identificar-se empaticamente com esse sujeito ou objeto, buscando acessar e se identificar com suas experiências internas”. Na prática, a metodologia de Friedl Dicker-Brandeis consistia em exercícios para favorecer o fluir criativo, e estava composta de diversos exercícios rítmicos, de trabalhos de respiração e relaxamento, de movimento corporal, de exploração dos elementos da linguagem visual para possibilitar tanto o desenvolvimento da espontaneidade criativa como também das diferentes habilidades artísticas. Ela incluía o ensino dos elementos da arte nas experiências emocionais e sensoriais de seus alunos no aqui-e-agora, o que dava às crianças a experiência de estarem vivas, no sentido mais profundo e humano do termo. Em dezembro de 1942, Friedl Brandeis e seu marido Pavel foram enviados a Theresienstadt. Ela tinha
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direito de levar uma mala com alguns quilos. Enquanto a maioria dos deportados levava roupas, valores, lembranças pessoais como álbuns de fotos e objetos, em geral, Friedl optou por levar o mínimo de roupas e encheu a mala de materiais de arte para dar aulas de desenho. Contrariamente a outros artistas do gueto, que procuravam documentar o sofrimento em que viviam, Friedl Brandeis estimulava a imaginação e a percepção da beleza e harmonia do mundo. Ela ajudou as crianças de Theresienstadt a expressarem seus medos e esperanças de sobreviver. Em suas próprias palavras: “Quando um espírito encontra sua própria força e se afirma sem medo do ridículo, irrompe uma nova primavera de criatividade – é exatamente isso que estamos buscando em nossas aulas de desenho... Vamos incentivar a criança a expressar o que ela tem a dizer”. Em outubro de 1944, aos 46 anos, Friedl Dicker-Brandeis foi deportada para Auschwitz no transporte No. 167. Três dias depois era assassinada nas câmaras de gás. Na sua despedida, entregou a Willy Groag duas malas com 3 mil desenhos que ficariam em Theresienstadt até o final da guerra. A maioria das 660 crianças desenhistas não sobreviveu.
Brundibár no campo Brundibár (O resmungão) é uma ópera para crianças, de 40 minutos. Composta em 1938 por Hans Krása, com letra de Adolf Hoffmeister, estreou em Praga interpretada por crianças de um orfanato judaico. Em julho de 1943, a partitura de Brundibár foi contrabandeada para Theresienstadt, onde Krása a orquestrou com os instrumentistas disponíveis naquele momento.
apresentação da ópera Brundibar em Theresienstadt, 23 DE SETEMBRO DE 1944
Os nazistas logo perceberam o potencial propagandístico dessa iniciativa artística, organizando uma nova encenação da ópera para o filme “Theresienstadt - Eine Dokumentarfilm aus den Jüdische Siedlungsgebiet”, dirigido pelo cineasta Kurt Gerron. Esta mesma produção teatral de Brundibár foi repetida quando a Cruz Vermelha inspecionou Terezin, em 23 de setembro de 1944. Esta seria a última das 55 apresentações no gueto. A trama de Brundibár é simples: Aninka e Pepícek são duas crianças cuja mãe está doente. Para a sarar, o médico lhes receitou leite e os filhos vão procurar leite ao mercado da cidade, porém não têm dinheiro para comprá-lo. Três comerciantes ofertam seus produtos: um sorveteiro, um padeiro e um leiteiro. As crianças tratam de obter o leite com cada um deles. Primeiramente, elas incluem o leiteiro numa canção, mas ele lhes informa que somente com dinheiro poderão comprar o leite. De repente, eles vêm Brundibár, um tocador de realejo resmungão, tocando numa rua lotada de pessoas, e decidem incluí-lo na música, mas, também, sem grande sucesso. Esta atitude não agrada em nada nem a Brundibár nem ao público, que começam a expulsar as 71
POSTER COLORIDO DA ÓPERA BRUNDIBÁR
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crianças. Três animais (um pássaro, um gato e um cachorro) chegam até o lugar para ajudar Aninka e Pepícek, e assim todos iniciam uma empreitada para recrutar outras crianças e colaborar com o plano deles. Dos numerosos depoimentos sobre a ópera, há um que me tocou sobremaneira. Nele, a menina Handa Pollak afirmava: “Brundibár era o nosso pequeno segredo contra Hitler. Nós lutávamos contra Brundibár, o tocador de realejo, mas Brundibár não era Brundibár - era Hitler. E os comerciantes que negavam leite, pão ou sorvete às crianças não eram só lojistas, eram os SS – as pessoas más. E, no final, vencíamos. Isto significava tudo para nós”. A ópera infantil Brundibár era, para os judeus, uma luz na escuridão, um ato de resistência, um símbolo da esperança e da fé na vitória sobre os alemães.
A visita da Cruz Vermelha Assistir ao filme “O Führer oferece uma cidade aos judeus” nos coloca diante da singularidade
do que foi Theresienstadt, então Tchecoslováquia. É possível que essa mesma surpresa tenham sentido os membros da Cruz Vermelha Internacional na rápida visita de inspeção às condições dos prisioneiros, realizada em 23 de junho de 1944. Na ocasião, encontraram uma urbe de judeus; um lugar onde corriam notas de dinheiro impressas com a efígie de Moisés e as Tábuas da Lei. Naquele dia, os membros da Cruz Vermelha ouviram um Réquiem de Verdi cantado pelo coral de Theresienstadt. Os grupos de teatro representavam duas peças de Shakespeare, e nos programas de ópera apresentava-se a ópera Carmem, Tosca e Flauta Mágica; além de Brundibár, ópera composta por um autor do gueto. Pelos documentários sobre Theresienstadt, vemos que as orquestras, conjuntos de jazz e de música clássica impressionaram muito aos visitantes. Os esportes eram também praticados, sobretudo o voleibol e futebol. Havia instalações sanitárias, 400 médicos (professores célebres), as pessoas,
sempre bem vestidas, consultavam obras numa rica e agradável biblioteca. Tudo reflete harmonia e tranquilidade. Theresienstadt é tida como uma sociedade comunista, dirigida por um sociólogo judeu, de alto valor, de nome Paul Eppstein (1901-1944). Ele preside o Ältestenrat ou Judenrat, um Conselho de Anciãos da comunidade. Além dele, 150 policiais checos fazem a guarda do gueto e 12 oficiais nazistas comandam o lager instalado na fortaleza. A equipe pedagógica do campo era qualificada e o jardim de infância (criado para essa visita da Cruz Vermelha), adequado e moderno. A escola estava bem equipada e um cartaz indicava que as crianças estavam de férias. O relatório da Cruz Vermelha ainda observou que uma cozinha especializada preparava os alimentos dos pequenos. Ao se iniciar a visita, os membros da inspeção ouvem o Dr. Paul Eppstein dizer: “Vocês irão visitar uma cidade normal de província”. Discurso à parte, Eppstein será acusado de colaborar com as organizações clandestinas da resistência ao Reich, sendo preso pela Gestapo e assassinado em 27 de setembro de 1944, na própria fortaleza. O “melhor” documentário do campo de Theresienstadt é a obra de um prisioneiro alemão, o ator e cineasta Kurt Gerron (1897-1944), deportado com sua mulher para AuschwitzBirkenau. Hitler muito se serviu desse filme para retrucar aos aliados o quanto eram felizes os judeus sob a tutela do Reich.
foto documenta a visita da delegação da cruz vermelha, em 1944. Theresienstadt
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Desde que Eichmann anunciara a visita da Cruz Vermelha a Theresienstadt, a transformação do campo foi acelerada, fazendo
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FOTO DAS CRIANÇAS DO GUETO DE THERESIENSTADT DURANTE A VISITA de inspeção DA CRUZ VERMeLHA. Os nazistas haviam “embelezado” o Gueto PARA enganar OS VISITANTES. TCHECOSLOVÁQUIA 23 DE JUNHO 1944
Theresienstadt, uma cidade de faz-de-conta, foi idealizada pelos nazistas para desviar a atenção da imprensa e da Cruz Vermelha Internacional do que realmente acontecia.
surgir jardins decorados com plantas, balanços de crianças, um coreto para música, calçadas lavadas, e casas recentemente pintadas. Cada um dos figurantes do filme ganha roupas novas, sendo instruído sobre como devia comportar-se, ciente dos riscos de uma eventual desobediência. Em 23/06/1944 os ilustres convidados tiraram fotos, recebendo um álbum de belas aquarelas de “uma cidade normal de província”. O Dr. Maurice Rossel, médico suíço da Cruz Vermelha, registrou em seu relatório sobre a visita: “Gostaríamos de dizer que ficamos muito surpresos ao encontrar no gueto uma cidade que vive uma vida praticamente normal”. Pouco tempo depois, com ar de ingenuidade, o médico confessa haver sido enganado; pois jamais duvidou de nada, não recebeu
O “Quarto 28” e o Brasil
erika stránská
bilhete nenhum de prisioneiro sobre qualquer anormalidade no lugar e, muito menos, suspeitou de tudo ser previamente montado para visitantes ocasionais. 73
O elo entre o “Quarto 28” e o Brasil se concretizou através da família de Erika Stránská, uma das meninas de Theresienstadt. No verão de 2012, a escritora Hannelore Brenner recebeu um e-mail do Brasil, da jovem Adriana Zolko, cuja avó era Mônika Stránská Zolko, meiairmã da Erika Stránská. O e-mail dizia o seguinte: “Olá, escrevo-lhe porque minha avó era a irmã menor de uma das meninas que viveu no Quarto 28, Erika Stránská. Minha avó se escondeu durante a guerra, ao término da qual veio para o Brasil. E aqui estamos até hoje. Sou Adriana e vivo em São Paulo”. Foi assim, via e-mail, que tudo começou. Monika tinha belas lembranças de Erika, sua irmã mais velha. Falava dela com orgulho: DEZEMBRO 2014
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“Erika brincava muito comigo, pois passava muito tempo conosco. A mãe de Mônika, naquela época, tinha 23 anos, adorava crianças e cuidou de Erika como se fosse sua filha”. Em 1939, a mãe da Erika, Therese Stránská, juntamente com sua cunhada, decidiu fugir para a Inglaterra, deixando Erika aos cuidados dos avós paternos e de seu ex-marido e pai de Erika, George Stránská. George estava separado de Therese e se casou novamente com Valerie Stettina. Em novembro de 1937 nasceu sua filha Mônika. Quando Therese deixou sua filha Erika em Praga, tinha certeza que estava em boas mãos, cercada do carinho da família de seu pai. E, realmente foi assim, até começarem os transportes em 1941. Erika Stránská foi levada a Theresienstadt em setembro de 1941. A dor e a tristeza pelo destino da irmã mais velha acompanham Monika Zolko por toda a vida. Erika morou no “Quarto 28” até 1944. Em 16 de maio, subiu em um vagão e partiu rumo a Auschwitz quando faltavam seis dias para completar seu 14° aniversário. Nesse dia Erika havia morrido.
anotações de diários; seus desenhos, peças de teatro, aulas de pintura secretas e poesias escritas em álbuns de recordações, nos convidam a uma caminhada no campo de Theresienstadt. Theresienstadt, uma cidade de fazde-conta, idealizada pelos nazistas para desviar a atenção da imprensa e da Cruz Vermelha Internacional do que realmente acontecia. Uma história feita de tristeza, de amizade, compaixão e, sobretudo, de esperança... hannelore brenNer
Palavras finais No decorrer da 2a Guerra, milhares de judeus perderam a pátria, a dignidade e as vidas. Suas histórias são muito semelhantes àquelas que já conhecemos e, ao mesmo tempo são tão diferentes e únicas quanto seus nomes e atividades que desenvolviam. Foram 60 meninas que conviveram durante dois anos, mas delas apenas 15 sobreviveram. Suas histórias, mescladas com fatos históricos e
Bibliografia
Brenner, Hannelore., “As meninas do Quarto 28: Amizade, esperança e sobrevivência em Theresienstadt. Texto Editores, um grupo da Editora Leya. São Paulo 2014, 414 págs. Elsby, Liz, Coping through art - Friedl Dicker-Brandeis and the children of Theresienstadt. The International School for Holocaust Studies, 2013. Kramer, Edith. On Friedl. In Wix, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezin students. University of New Mexico Press, 2010, pp. 1-3. Makarova, E. Friedl Dicker-Brandeis. Los Angeles: Tallfellow/Every Picture Press, 2001. Wix, Linney, Aesthetic Empathy in Teaching Art to Children: The Work of Friedl Dicker-Brandeis in Terezin. Art Therapy: Journal of the American Art Therapy Association 26(4) pp. 152-158. Wix, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezin students. University of New Mexico Press. México 2010.
maio de 1945. internos no campo de Theresienstadt durante a libertação,
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Prof. Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É também sócio fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e, desde 1984, membro do Congresso Mundial de Ciências Judaicas de Jerusalém.
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CARTAS
Escrevo para dizer o quanto fiquei impressionado com a edição 84 da Morashá. Com um belo design gráfico, muito bem editada e altamente informativa, de forma muito equilibrada. Kol hakavod e muito sucesso no cumprimento de seu importante trabalho comunitário em prol do povo de Israel. Rabbi Laibl Wolf Spiritgrow Josef Kryss Wholistic Centre Vitória, Austrália
Sempre fantástica a Morashá, não tenho palavras. Achei muito interessante as matérias sobre a comunidade judaica da Ucrânia, dessa e da outra edição, vocês conseguiram situar os judeus na história do país. Parabéns. Adorei, e aprendi muito com a matéria sobre as “Quatro espécies de Sucot e o que nos ensinam”. Que D´us vos possa dar forças para continuar esse trabalho tão importante. Ricardo Berenst Rio de Janeiro - RJ
A maravilhosa revista Morashá é um elo de ligação entre os membros da comunidade judaica de Milão, visto que circula em todo o seu núcleo de amizades. Também é repassada a algumas casas de repouso para idosos judeus. Andrea Massarani Milano - Itália
Ao longo de tantos anos venho recebendo essa belíssima Herança Espiritual que trouxe e vem trazendo benefícios na minha vida espiritual, social e intelectual. Hoje, sou um judeu religioso e observante e credito não somente à minha Sinagoga como, também, a vocês da Morashá! No ano que vem irei viver em Israel, porém, quero que o meu lar continue sendo um portal de bênçãos e todos os meus familiares tenham o privilégio de continuar recebendo a revista! Assim, minha família e eu combinamos que após Morashá ser lida por eles, irão remetê-las para onde eu estiver morando em Israel. Marcio Shmuel Rio de Janeiro - RJ
Quero agradecer à revista Morashá pela oportunidade de oferecer aos meus filhos tão valioso instrumento sobre nossa origem. É com a revista que aprendemos e seguimos tradições judaicas. Através dela rezamos e comemoramos as festas.
A ‘nossa’ revista Morashá, edição de Rosh Hashaná, está um primor e é sempre muito bem-vinda. Agradeço imensamente pela abrangência com que a matéria com Enrico Macias chega em nossas casas, no momento em que precisamos contar com pessoas corajosas, exemplares, que não apenas cantem... mas que, com suas palavras, tomem atitudes certeiras. Enrico Macias representa o imigrante judeu na sua eterna busca de refúgio e parnassá em um país onde é respeitado e bem-vindo. Fazer aliá neste momento é servir a Israel e encaminhar a sua família a um futuro promissor. Através da Morashá poderemos conhecer um pouco mais da sua biografia e extraordinária trajetória. Ana Rosa Rojtenberg São Paulo - SP
Morashá é uma leitura que enche minha terceira idade de alegria!
Parabenizo pelo maravilhoso trabalho e rico conteúdo que nos trazem a cada exemplar da Morashá.
A revista chegou na véspera de Rosh Hashaná, em Shabat Tshuvá e no dia de Tsom Guedalia, foi um elixir para o conhecimento. Nosso agradecimento a todos que compõem a família Morashá pela excelente publicação, que educa a todos os leitores. Com desejos de um Shaná Tová, que sejamos inscritos no Livro da Vida, da saúde, do sustento, da Paz.
Angela Frossard Petrópolis, RJ
Fernando Skitnevsky São Paulo - SP
Arie Dov Najmanovich Porto Alegre - RS
Salve Ano Novo 5775! Desejo que o toque do Shofar assegure que todos os seus sejam inscritos no Livro da Vida com saúde, paz e sucesso em todos seus empreendimentos. Meer Gurfinkel Rio de Janeiro - RJ
Issac Chose Goiânia - GO
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dezembro 2014