Revista Morashá 95

Page 1

ANO xxiv edição 95 abr 2017


ANO XXIV - edição 95

ANO XXIV - Abril 2017 - Nº 95 Coordenação Editorial: Vicky Safra

ABRIL 2017

Copo de Eliahu Arte de Tobi Kahn

ANO xxiv edição 95 abr 2017

13/02/2017 17:29:47

Assistentes de Coordenação: Clairy Dayan Fortuna Djmal Colaboração: Adina Sakkal Heddy Dayan Josette Lisbona Muriel Sutt Seligson Natalie Kachani Sarine Dayan

Supervisão Religiosa: Rabino Y. David Weitman Rabino Efraim Laniado Rabino Avraham Cohen Jornalista Responsável: Desirée Nacson Suslick MTb 13603

Colaboradores especiais: Jaime Spitzcovsky Reuven Faingold Tev Djmal Zevi Ghivelder

Revisão e tradução de texto: Lilia Wachsmann

Coordenação de Marketing: Ernesto Chayo

Produção Gráfica: Joel Rechtman JR Graphiks - Tel: 3873 0300 Projeto Gráfico: LEN - Tel: 3815 7393

Serviços Gráficos: C&D Editora e Gráfica - Tel: 3862 8417 Tiragem: 25.700 exemplares

A distribuição é gratuíta sendo sua comercialização expressamente proíbida. Morashá significa Herança Espiritual; contém termos sagrados. Por favor, trate-a com o devido respeito. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não refletindo necessariamente a opinião da revista. É proíbida a reprodução dos artigos publicados nesta revista sem prévia autorização do Instituto Morashá de Cultura.

www.morasha.com.br morasha@uol.com.br

Rua Dr. Veiga Filho, 547 Tel: 11 2597 2812 01229 000 São Paulo SP


Carta ao leitor A festa de Pessach celebra a passagem da escravidão à liberdade, vivência que levou à formação do Povo de Israel. Antes de se constituírem em uma nação, com o recebimento da Torá no Monte Sinai, os judeus eram uma enorme família que viveu no Egito durante 210 anos. A Torá nos conta que José, filho de nosso patriarca Jacob, tornou-se vice-rei do Egito, salvando esse povo da inanição. Como demonstração de gratidão, o Faraó convidou sua família – Jacob e seus filhos e netos – a viver nesse país. Contudo, após o falecimento de Jacob e de seus filhos, um novo Faraó ascendeu ao trono egípcio. Apesar do papel de José em salvar o Egito e da contribuição dos judeus ao país, esse Faraó passou a perseguir os Filhos de Israel. Inicialmente, os judeus tiveram de trabalhar gratuitamente para o Egito. Logo, o trabalho se tornou obrigatório e desumano, até que se tornaram escravos. Mas D’us interviu para salvá-los e a saga dos judeus no Egito termina com um final feliz. Após anos de escuridão, houve luz para os Filhos de Israel. A escravidão deu lugar à liberdade e um povo que havia sido humilhado e pisoteado se tornou “um reino de sacerdotes e uma nação sagrada”. Os temas de Pessach são atuais e relevantes. Após o Holocausto, esperava-se que o mundo estivesse curado da mais antiga e perniciosa forma de preconceito – o antissemitismo. Esperava-se que os horrores do nazismo tivessem ensinado uma lição à humanidade. Mas infelizmente, o antissemitismo nunca desapareceu no Ocidente e ganhou nova vida no Oriente Médio. Desde o início do século 21, ressurgiu no Ocidente, especialmente na Europa. No início, ocultava-se por trás de desculpas semânticas: a maioria dos antissemitas alegavam ser “antissionistas”; afirmavam não se opor aos judeus, e sim, ao Estado de Israel. Mas nos últimos anos, os antissemitas sequer tentam se ocultar. Os judeus da Europa foram vítima de perseguição e violência. Na França, o antissemitismo se tornou um fenômeno tão grave que muitos judeus decidiram emigrar do país. Hoje, veem-se manifestações de antissemitismo mesmo em alguns países da América Latina. E, nos últimos meses, a comunidade judaica norte-americana tem sido

alvo de uma preocupante onda antissemita: cemitérios judaicos estão sendo vandalizados e centros judaicos sofrem ameaças de bomba. Assim como o Faraó, muitos líderes e organizações políticas se esquecem de “José” – dos judeus que tanto contribuem para o país onde vivem. As mesmas acusações feitas contra os judeus do Egito Antigo estão sendo feitas hoje por certos grupos. Eles se referem aos judeus da mesma forma como o fazia o rei egípcio. A História nos ensina que os judeus são frequentemente os primeiros a serem perseguidos, mas não os últimos: cedo ou tarde, o ódio e o preconceito atingem o resto da sociedade. Nos mesmos países ocidentais onde há o ressurgimento do antissemitismo, há também campanhas de ódio e difamação contra estrangeiros, latinoamericanos, muçulmanos, negros e outras minorias. É importante ressaltar, porém, que apesar de presenciarmos o fortalecimento desse fenômeno vil, vivemos em uma geração privilegiada. Hoje, existe o Estado de Israel – um país forte, e não apenas militarmente. Na Diáspora, há comunidades judaicas sólidas e bem organizadas, que não tolerarão ataques contra judeus ou contra outras minorias. Os temas do Seder de Pessach, que estamos às vésperas de celebrar, continuam a reverberar na História. A luta entre o bem e o mal, a luz e a escuridão, continua até os dias de hoje. Pessach é a festa da liberdade. Constitui uma festa judaica, mas é fonte de inspiração para milhões de pessoas ao redor do mundo. Que D’us nos abençoe, assim como a toda a humanidade, para que possamos viver em um mundo onde não mais se conheça nenhum tipo de ódio e preconceito.

Chag Pessach Casher ve-Sameach!


ÍNDICE

06

20

26

42

46

54

03 carta ao leitor

26

shoá Os segredos da captura de Eichmann

06 NOSSAS grandes festas Liberdade e fé

por zevi ghivelder

12

israel

33

comunidades

20

antissemitismo

42

educação

Yom Yerushalayim

Os judeus de Curaçau

O futuro das Comunidades

Alunos da Escola

Judaicas na Europa por Rabino Lorde Jonathan Sacks

Beit Yaacov conquistam excelentes resultados

4


REVISTA MORASHÁ i 95

12

33 46

64

personalidade

Leonard Cohen,

compositor e poeta

do Instituto Ayalon

54 destaque

Israel e China, parceria

67

atualidade

75

cartas

O novo antissemitismo

em expansão no século 21 por JAIME SPITZCOVSKY

57

israel

A incrível história

literatura

Argentina:

Migração e colonização por reuven faingold

5

ABRIL 2017


NOSSAS GRANDES FESTAS

Liberdade e Fé A festa de Pessach comemora a transição do Povo Judeu da escravidão para a liberdade. Ano após ano, contamos no Seder de Pessach a história relatada pela Hagadá: Os egípcios escravizaram nossos antepassados, D’us interveio golpeando o Egito com as Dez Pragas e isso forçou o Faraó a libertar todos os judeus. Isso resume a história do nascimento do Povo Judeu, de forma bem sucinta.

U

ma pergunta óbvia levantada pela história de Pessach é por que foi necessário que D’us punisse o Egito com dez pragas se certamente bastaria um único golpe vigoroso. Se as pragas serviram de castigo pela escravidão, a crueldade e o genocídio perpetrado pelos egípcios, por que razão D’us não acabou com o Egito com uma única praga, duradoura e mortal?

poderosos feiticeiros – mas eram todos pagãos, não transcendentalistas. E, como pagãos, acreditavam que as coisas eram como deviam ser: no mundo apenas havia causa e efeito, sem lugar para anomalias. Reverenciavam a Natureza. Seus feiticeiros podiam manipulá-la, de alguma forma: a própria Torá relata que eles conseguiam fazer as águas virarem sangue. Mas eram politeístas que atribuíam poderes divinos aos fenômenos naturais, aos animais e aos seres humanos. O Faraó recusava-se a aceitar o monoteísmo e o conceito de um D’us que transcende o mundo físico.

Uma interpretação mais fiel do relato da Torá sobre a história de Pessach revela que as Dez Pragas serviram a uma função mais básica: desacreditar os deuses egípcios de modo que “vocês saibam que Eu sou D’us”. Em outras palavras, o verdadeiro propósito das Dez Pragas não foi punir o Egito e libertar os judeus – já que uma única praga poderia dar conta disso –, mas ensinar uma lição fundamental aos Filhos de Israel, que estavam em vias de se tornar uma nação.

Em contraste aos pagãos, os transcendentalistas apenas cultuam D’us. O judaísmo ensina que somente há um D’us Único, e que não há nada, absolutamente, além d’Ele. D’us é a única Realidade; a existência de cada um de nós e de cada coisa que existe é completamente dependente d’Ele. Assim sendo, de acordo com o judaísmo, as leis da Natureza são simples ferramentas nas mãos de D’us. Ele criou a Natureza e suas leis de modo a que seu funcionamento seja ordenado. Em uma analogia simplista: D’us emprega as leis da Natureza como um escritor se utiliza das leis da gramática. Elas são necessárias para manter a ordem, mas às vezes podem ser quebradas, particularmente quando o autor

Sabemos que os egípcios adoravam a Natureza, e praticamente não há dúvidas de que os judeus também sofriam a influência dessas crenças. Uma das divindades mais reverenciadas no Egito era o Rio Nilo, pois era a fonte de subsistência do país. Os egípcios eram um povo culto e sofisticado e alguns deles eram 6


REVISTA MORASHÁ i 95

“Toma teu cajado joga-o diante do Faraó e este se transformarÁ numa serpente” (Shemot, 7:9). Iluminura. Seder Hagadah Shel Pessach, Hamburgo, 1741

deseja chamar a atenção do leitor. D’us age de maneira semelhante: Ele geralmente governa o Seu mundo segundo as leis da Natureza, mas quando deseja acordar os seres humanos, propositalmente as quebra. Isso é o que o judaísmo define como milagre. O judaísmo ensina que o propósito dos milagres é nos fazer lembrar que há Alguém além do mundo físico e de seus fenômenos naturais. A Cabalá nos ensina que D’us tem diferentes Nomes. Cada um deles representa uma diferente manifestação Divina no mundo. Dois de Seus Nomes aparecem com frequência na Torá. Um deles é Elo-him. O outro é o Tetragrama. Nossos Sábios comentam que o Nome Elo-him tem o mesmo valor numérico que a palavra hebraica HaTeva – a Natureza. Quando D’us Se manifesta por meio das leis

da Natureza – pôr do Sol, nascer do Sol, por exemplo – Ele Se manifesta como Elo-him. Quando Ele viola as leis da Natureza – quando ocorre um milagre – Ele está agindo como o Tetragrama. Os egípcios eram pagãos, mas não eram descrentes: acreditavam em inúmeras divindades e também em Elo-him – um D’us iminente, mas não transcendente. Eles não acreditavam em um D’us transcendental, infinitamente além da Natureza. Considerando o acima exposto, podemos entender a necessidade das Dez Pragas. Se D’us tivesse pretendido arrebentar o Egito, Ele, o Onipotente, teria aniquilado instantaneamente todos os egípcios. Se fosse sua intenção puni-los, Ele poderia tê-lo feito com uma única praga terrível e duradoura. A razão para as 7

Dez Pragas foi que, enquanto escravos, os judeus tinham sido muito influenciados pelo Egito e seu povo; e, portanto, precisavam aprender que a Natureza é um mero pincel nas mãos do Artista Supremo. D’us virou as leis da Natureza de cabeça para baixo para mostrar aos judeus – e para ensinar à humanidade – que Ele não está limitado pelas próprias leis por Ele criadas. O judaísmo admite que D’us geralmente age segundo as leis da Natureza. De outra forma, o mundo seria caótico. Imaginem se a lei da gravidade parasse de existir ou fosse aplicada apenas de forma intermitente. Imaginem um mundo onde a órbita do sol fosse randômica e irregular. Mas o judaísmo também ensina que as leis da Natureza não são absolutas e imutáveis, pois são meras ferramentas Divinas, sempre sujeitas à vontade de D’us. abril 2017


NOSSAS GRANDES FESTAS

Não é coincidência o fato de as Dez Pragas terem visado àquilo que os egípcios endeusavam. O Nilo – divindade preferencial – vira sangue. O solo se reveste de animais peçonhentos. Dos céus cai um dilúvio de granizo que contém fogo. A luz do dia se transforma em total escuridão. À medida que

as pragas se abatem sobre o Egito, seu povo percebe que a Natureza é subitamente transformada de uma divindade confiável em vilã caprichosa, imprevisível e perigosa. De repente, a Natureza, que eles adoravam, se virava contra eles, e, mais estranho ainda, não contra os judeus.

Compreender que a Natureza nada mais é do que uma ferramenta Divina foi de crucial importância para o Povo Judeu. Tirar os judeus do Egito não significaria a verdadeira liberdade se eles tivessem levado o Egito com eles. Eles teriam sido escravos em fuga, doutrinados por seus senhores e por uma cultura pagã. Remover os judeus do Egito não teria sido a verdadeira liberdade. Foi necessário também remover o Egito que havia dentro dos judeus. E para fazê-lo, os judeus tiveram que testemunhar a destruição dos deuses egípcios: tiveram que ver que o paganismo egípcio era um blefe e que a verdadeira Divindade no mundo não está limitada nem pela Natureza nem por nada mais. Somente quando o paganismo do Egito foi realmente arrancado de seu coração, os Filhos de Israel puderam seguir para o Monte Sinai e ouvir a Voz de D’us e receber a Torá. E somente então eles entenderam – e puderam ensinar ao mundo – que a Natureza não deve ser cultuada, e que aquele que o faz está trocando os meios pelos fins. Os judeus tiveram que entender que o mundo e tudo que ele contém – mesmo as mais confiáveis leis da Natureza – são apenas a tela, a tinta e o pincel nas mãos de um Artista Infinito, Onipotente e Onipresente. Uma das lições fundamentais das Dez Pragas é a que diz que quem adora as leis da Natureza – e não importa, realmente, se for um egípcio pagão ou cientista ateu – não é uma pessoa realmente livre, pois não deixa espaço para o inesperado – para uma intervenção Divina que viole as leis da Natureza. Como mencionamos acima, e isso deve ser repetido tantas vezes quantas necessário for: o judaísmo não rejeita as leis da Natureza nem

Iluminura. Seder Hagadah Shel Pessach, Hamburgo, 1741

8


REVISTA MORASHÁ i 95

Iluminuras de duas das Dez Pragas: sarna e sapos. Golden HagGadah, Espanha (provavelmente Barcelona), c.1320

recomenda uma solução celestial para cada problema. Rejeita, sim, qualquer forma de panteísmo, inclusive a crença de que D’us é a Natureza e a Natureza é D’us. O judaísmo ensina que é D’us e não a Natureza quem dita de que maneira o mundo funciona. A Torá ensina que D’us é tanto iminente quanto transcendental: Ele é encontrando na Natureza, que Ele criou e constantemente mantém, mas Ele também Se encontra infinitamente além da mesma. A festa de Pessach celebra a passagem da escravidão para a liberdade. A formidável história que lemos durante o Seder nos ensina que o primeiro passo para a liberdade é uma visão e um entendimento mais precisos do funcionamento do mundo. Todos os que rejeitam o transcendental – que apenas creem no material e não no espiritual, e que não podem ou não querem

reconhecer a falibilidade das leis da Natureza – ainda não alcançaram a verdadeira liberdade interna. Independentemente de que religião organizada a pessoa siga, essa pessoa apenas se torna verdadeiramente livre quando ela descobre que sua vida – e o mundo, em geral – não é ditada pelas inflexíveis e imperdoáveis leis da Natureza, mas por um D’us Infinito e transcendental, que, em Sua Infinita Sabedoria, dobra e flexiona as leis da Natureza segundo a Sua Vontade.

A divisão do Mar Lemos na Hagadá de Pessach que, apesar das Dez Pragas enviadas sobre o Egito, nosso povo não ficou livre ao sair desse país. Conta-nos a Torá, no Livro Êxodo, que após a décima e última praga, o Faraó permitiu que os judeus deixassem aquele país, mas ele mudou de ideia 9

e ordenou a seu exército que fosse atrás deles e os trouxesse de volta. Os judeus adquiriram a liberdade física do Egito uma semana após o Êxodo, no episódio do Mar de Juncos, quando as águas dividiramse, por milagre – permitindo que os judeus cruzassem o mar em terra seca, para depois retornar a seu estado anterior, afogando os egípcios. São claras as diferenças entre as Dez Pragas que se abateram sobre o Egito e a divisão do Mar. Quando os Filhos de Israel estavam no Egito, Moshé e seu irmão Aaron, emissários de D’us, confrontaram o Faraó e seus feiticeiros e soltaram as pragas contra os egípcios, enquanto o restante dos judeus olhava passivamente o desenrolar dos milagres. No entanto, no episódio da divisão do Mar, todos os judeus foram colocados diante de um grande teste de fé. Eles tinham fugido do Egito, mas o exército abril 2017


NOSSAS GRANDES FESTAS

desse país os tinha alcançado. Eles tinham sido pegos numa emboscada: diante deles estava o Mar de Juncos, profundo e intransponível, e atrás dele estavam poderosas forças armadas, prontas para capturá-los e matá-los. A Torá nos conta que Moshé, diante de uma situação aparentemente impossível, clamou a D’us por ajuda. Mas em vez de responder com um milagre, como fizera no Egito, D’us o censura: “Por que clamas a Mim? Diz aos Filhos de Israel que sigam adiante!”. Mas como poderiam avançar quando havia aquele mar colossal diante deles? Note-se que Moshé não faz essa pergunta e D’us tampouco lhe dá instruções. D’us apenas lhe diz para seguirem adiante, e assim eles o fizeram. Aqui segue o próximo passo para a verdadeira liberdade: esta é adquirida não apenas abraçando-se o transcendental, mas também quando se consegue seguir em frente, apesar dos contratempos aparentemente impossíveis de serem vencidos.

A liberdade é a crença de que se D’us dá uma ordem, Ele dará ao homem os meios para cumpri-la. Quando D’us diz a Moshé para ordenar que os judeus sigam em frente, o profeta levanta seu cajado – o mesmo que ele usara no Egito para desencadear as pragas – mas nada acontece: o mar continuou como estava, assim como o exército egípcio. Não se viu salvação nem milagre algum. Finalmente, um homem de nome Nachshon ben Aminadav, líder da Tribo de Judá, se atira no mar. Foi avançando com dificuldade pela maré alta até que as águas chegaram à sua cintura, depois ao seu peito e aos seus ombros. Finalmente, quando as águas chegaram às suas narinas, o Mar de Juncos se dividiu e os Filhos de Israel o seguiram. O Midrash cita várias razões pelas quais o Povo Judeu mereceu que o Mar se dividisse. Segundo alguns de nossos Sábios, isso ocorreu pelo mérito da profunda

o Mar de Juncos (Mar Vermelho)

fé e confiança inabalável de nossos antepassados em que D’us os protegeria. Em outras palavras, o Mar se dividiu porque os judeus tinham fé. Qual a conexão entre fé em D’us e a divisão do Mar? O que foi discutido sobre a Natureza esclarece esse assunto. A Natureza – como os egípcios descobriram depois de muito sofrimento – está sujeita a mudanças radicais. É muito mais imprevisível do que pensa a maioria das pessoas. De fato, todas as coisas criadas, que vivem dentro dos limites do tempo, estão sujeitas à mudança. Até mesmo as rochas estão sujeitas ao desgaste. O homem, também, está sujeito a constantes mudanças. Como ensinou o Maharal de Praga, a única constante em nosso mundo em constante transformação é D’us. O homem, no entanto, tem a oportunidade de copiar D’us. Nossa fé e confiança n’Ele, quando são reais e não meras palavras vazias, manifestam uma medida de Seu caráter imutável. Em outras palavras, quando verdadeiramente temos fé em D’us, de certa forma personificamos o Divino. Quando o Povo Judeu se aproximou das águas com fé em D’us, as águas perceberam neles uma medida do Divino. Como um ser criado – no caso, o Mar de Juncos – não pode opor-se ao Criador, esse ser instintiva e espontaneamente recua perante o povo que personifica o Divino. Ao compor o Salmo 114, o Rei David referia-se a isso. Vejamos: “Viu-os o Mar e fugiu...”. O Midrash pergunta: O que viu o Mar e de quem fugiu? E responde: Viu divindade refletida no braço

10


REVISTA MORASHÁ i 95

“E o Eterno disse a Moshê: ‘Estende tua mão sobre o mar. As águas voltarão sobre os egípcios” (Shemot, 14:26 ). Iluminura. HAGADÁ DE PESSACH, MORÁVIA. Amsterdã, 1737

estendido de Moshé, e fugiu de sua posição como um obstáculo no caminho de D’us. Mas isso levanta uma pergunta óbvia: Por que o Mar esperou que Nachshon ben Aminadav se atirasse n’água, até que esta chegasse às suas narinas, para retroceder? A resposta é que o Mar estava esperando que o Povo Judeu expressasse sua fé por meio da ação. Acreditar em D’us – mesmo com fé e confiança genuínas – não era suficiente. O Mar exigia uma demonstração externa de sua fé. Era necessário que alguém a pusesse em prática. A fé é uma qualidade da alma. Nós, judeus, somos chamados de “pessoas de fé, filhos de pessoas de fé”. A fé em D’us sempre existe dentro de nós, mesmo dentro daqueles que a neguem e tentem lutar contra ela. Mesmo quando alguém tenta negar sua fé, sua alma continua a crer. Mas D’us não se satisfaz com a fé interior oculta. A fé tem que ser exercida. Tem que levar à ação. Não basta crer: é preciso agir de acordo com suas

crenças, especialmente quando estas estão dentro da essência da pessoa. D’us nos desafia a atiçar as chamas de nossa fé silenciosa para que ela possa desenvolver-se. A fé que permanece oculta no coração de alguém é silenciosa. Não tem como impactar o mundo físico a não ser que seja expressa na prática. Foi por esta razão que as águas do Mar de Juncos aguardaram – aguardaram até que os judeus dessem expressão física à sua fé. Nachshon ben Aminadav, líder da tribo de Judá, ancestral do Rei David e do Mashiach, personificou a liderança: adentrou nas águas do Mar sem esperar por um milagre, expressando, assim, a fé que o povo tinha dentro de seu coração. Ao assim fazer, mesmo arriscando a vida, as águas se dividiram. A fé está muito entrelaçada com a verdadeira liberdade. Chegam mesmo a ser sinônimos na medida em que dá ao homem a força e a determinação de agir apesar dos obstáculos – reais ou imaginários. 11

Todo ser humano é capaz de atingir o nível de devoção expressa por Nachshon ben Aminadav, pois quando o homem decide realizar a Vontade de D’us – fazer o que é certo neste mundo – D’us lhe fornece a maneira de vencer os obstáculos. Pessach – festa da liberdade – nos ensina que se um judeu está seriamente comprometido a andar pelos caminhos de D’us, da Torá, da justiça e da honradez, o Altíssimo lhe dará a força e a possibilidade de assim o fazer. Como no Mar de Juncos, os obstáculos recuarão, cedo ou tarde, permitindo-lhe uma passagem livre e desimpedida.

BIBLIOGRAFIA

It’s Only Natural - Rabbi Yanki Tauber http://www.chabad.org/holidays/passover/ pesach_cdo/aid/488310/jewish/Its-Only-Natural.htm Split Your Sea - Rabbi Lazer Gurkow http://www.chabad.org/holidays/passover/ pesach_cdo/aid/355840/jewish/Split-Your-Sea.htm abril 2017


ISRAEL

Yom Yerushalayim Yom Yerushalayim – o Dia de Jerusalém – é o aniversário da libertação e unificação da cidade sob soberania judaica, ocorrida durante a Guerra dos Seis Dias. Este ano, celebraremos, na data, 50 anos da reunificação de Jerusalém, ocorrida em junho de 1967.

Y

om Yerushalayim constitui um dos quatro feriados – além de Yom HaShoá (Dia do Holocausto), Yom HaZikaron (Dia da Recordação) e Yom HaAtzmaut (Dia da Independência) – adicionados ao calendário judaico no século 20. Em 23 de março de 1988, o Knesset aprovou a Lei de Yom Yerushalayim, tornando o dia um feriado nacional.

Yom Yerushalayim é celebrado oficialmente por meio de cerimônias estatais e serviços in memoriam no dia 28 do mês hebraico de Iyar.

construiu o primeiro Templo Sagrado, transformando a cidade na próspera capital de um império que se estendia do Rio Eufrates até o Egito. Nos séculos seguintes, a Cidade de David foi conquistada e reconquistada, ficando apenas por breves períodos de tempo nas mãos de nosso povo. No ano de 586 a.E.C., Nabucodonozor, rei da Babilônia, a conquistou e destruiu o Templo Sagrado. Passaram-se cinquenta anos, e o Rei Ciro, da Pérsia, permitiu que os judeus retornassem a Jerusalém e reconstruíssem o seu Templo Sagrado.

Exílio judaico de Jerusalém

Em 332 a.E.C foi a vez de Alexandre, o Grande, conquistá-la. A posterior profanação do Templo Sagrado e a campanha para extirpar o judaísmo, promovida pelo governante selêucida Antíoco IV, resultou em uma revolta liderada por Yehudá, o Macabeu, que reinaugurou o Templo (164 a.E.C.) e restabeleceu a independência judaica sob a dinastia hasmoneia. Essa revolta judaica bem sucedida e a reinauguração do Templo Sagrado é o que celebramos em Chanucá.

O Rei David fez de Jerusalém capital de seu reino e centro religioso do Povo Judeu no ano de 1003 a.E.C. Quarenta anos depois, seu filho, o Rei Salomão,

Um século mais tarde, Pompeu impôs o domínio romano sobre Jerusalém. O Rei Herodes (ca. 73 a.E.C. – 4 a.C.), nomeado governador da Judeia pelos romanos,

O Rabinato Chefe de Israel declarou esse dia como uma data religiosa festiva por marcar a recuperação do Kotel HaMaaravi – o Muro Ocidental. Um dos temas do Dia de Jerusalém é um verso do Livro de Salmos: Ke´ir shechubrá lá yachdav – “És uma cidade unificada e coesa para unir” (Salmos 122:3).

12


REVISTA MORASHÁ i 95

remodelou o Templo Sagrado em um edifício de grande esplendor e ergueu magníficos edifícios públicos. Após a morte de Herodes, o domínio romano se tornou extremamente opressivo e no ano de 66 da E.C estourou uma revolta contra Roma. Em 70 E.C., legiões romanas lideradas por Tito conquistaram Jerusalém e destruíram o Templo, massacrando em sua fúria milhões de judeus e levando milhares como escravos. Sessenta e cinco anos depois, Adriano, imperador romano, arrasou a cidade. Em suas ruínas, ele construiu uma colônia romana, que seria habitada por seus legionários – Aelia Capitolina. Seus planos para a cidade incluíam templos para as principais divindades da região e alguns deuses romanos. Isso foi o estopim que desencadearia a revolta de Bar Kochba, que levou três anos

para que os romanos conseguissem conter – e que causou a ira de Adriano. Determinado a extirpar o judaísmo de sua província, proibiu as circuncisões, expulsou os judeus de Jerusalém – naquele então, já Aelia Capitolina – e renomeou a Judeia, chamando-a de Syria Palaestina. Proibiu aos judeus a entrada na cidade sob pena de morte, exceto em

um dia a cada ano – em Tisha b’Av – data que marca a queda do primeiro e do segundo Templos Sagrados. No século 3, o enfraquecido Império Romano se dividiu em duas partes: o do Ocidente e o do Oriente, conhecido como o Império Bizantino. Sob domínio bizantino, a Cidade de David voltou a se chamar Jerusalém, mas continuou proibida a presença judaica na Cidade Santa. Jerusalém foi transformada em um centro cristão sob o Imperador Constantino, sendo a Igreja do Santo Sepulcro a primeira das inúmeras estruturas grandiosas construídas na cidade. Em 638 E.C., exércitos muçulmanos tomaram a cidade aos bizantinos. Nesse mesmo ano, o Califa Omar, soberano muçulmano, permitiu que os judeus retornassem, criando-se um grande enclave judaico ao norte

13

ABRIL 2017


ISRAEL

como a Cidade Velha. Suleiman trouxe uma era de “paz religiosa”, e recebeu em seus domínios os judeus que haviam sido expulsos da Espanha, em 1492. Contudo, menos de um século depois, o regime turco imporia pesados impostos e inúmeras restrições aos judeus de Jerusalém. Mas, nem isso impediu que o Povo Judeu continuasse a voltar em grande número à Cidade Santa.

O Imperador Romano Tito conquista Jerusalém. Nicolas Poussin (1594-1665)

do Monte do Templo – o coração de Jerusalém. Adriano, imperador de Roma, havia construído um templo para uma de suas divindades sobre as ruínas do nosso Templo Sagrado. Em seguida, vieram os bizantinos e lá ergueram sua igreja. Quando os muçulmanos conquistaram a cidade, aplainaram o local, construindo a Cúpula da Rocha e a Mesquita de El Aksa. Em 1099, os Cruzados conquistam Jerusalém, assassinando quase todos os seus habitantes judeus e muçulmanos. Destruíram sinagogas, reconstruíram antigas igrejas e das mesquitas fizeram santuários cristãos.

arruinada dentre todas as cidades… Deparamo-nos com uma casa destruída com colunas de mármore e uma bonita cúpula, e a convertemos em uma sinagoga... As casas da cidade foram abandonadas, e qualquer um pode delas se apossar”. Nachmânides recriou a comunidade judaica de Jerusalém e a mesma se desenvolveu. Em 1517, Jerusalém foi tomada pelo Império Otomano, desfrutando um período de paz e renovação no governo de Suleiman, o Magnífico, quando foram construídas as belas muralhas do que hoje conhecemos

Em meados do século 19, a cidade murada de Jerusalém encontravase tão superpovoada de judeus que alguns de seus moradores tiveram a ideia de se mudar para fora dos muros. Sir Moses Montefiore ergueu um complexo fora dos muros e vinte famílias judias passaram a viver nesse local. Não tardou para que brotassem outros enclaves judaicos e a nova cidade de Jerusalém se estendeu além do que se tornou conhecido como a “Cidade Velha”. Os ingleses venceram os turcos otomanos no Oriente Médio durante a 1a Guerra Mundial e, em 11 de dezembro de 1917, o General Sir Edmund Allenby, Chefe do Estado Maior da Força Expedicionária Egípcia, adentrou Jerusalém. De 1922 a 1948, a cidade

No ano de 1187, Saladin, à frente dos muçulmanos, vence os Cruzados, e novamente os judeus tiveram livre acesso a Jerusalém. Em 1247, a cidade foi capturada pelo Sultanato mameluco egípcio. Quando Nachmânides chega da Espanha, não encontrou um número suficiente de judeus em Jerusalém para constituir um minyan! Em uma carta a seu filho, desabafou: “Escrevo-lhe esta carta de Jerusalém, a Cidade Santa… a mais

JUDEUS diante DO KOTEL. ALEXANDER BIDA, 1895-1913

14


REVISTA MORASHÁ i 95

foi o centro administrativo das autoridades britânicas em Eretz Israel (que, à época, era chamada de Palestina), confiada à Grã Bretanha pela Liga das Nações. Os ingleses dividiram a Cidade Velha em quatro bairros: o Bairro Árabe (ou Muçulmano), que cobria metade de sua área, o Bairro Cristão, o Bairro Judeu e o Bairro Armênio. Essas designações, no entanto, eram artificiais: o censo dos próprios mandatários ingleses indicava que a maioria dos habitantes do Bairro Árabe eram judeus. Os ingleses mantiveram as restrições turcas para os judeus no Kotel – o Muro Ocidental – lugar mais sagrado do judaísmo, próximo ao Monte do Templo. Apenas uma viela estreita fora deixada para as orações dos judeus e era proibido trazer bancos onde pudessem sentar-se. E aqueles que ousassem tocar o shofar em Rosh Hashaná ou ao término de Yom Kipur eram presos, surrados e aprisionados pelas autoridades britânicas. Quando terminou o Mandato Britânico, em 14 de maio de 1948, e de acordo com a resolução das Nações Unidas de 29 de novembro de 1947, Israel proclamou sua independência tendo Jerusalém como sua capital. Na tentativa de derrotar o recém-criado Estado Judeu, os países árabes lançaram um ataque geral que resultou na Guerra da Independência de 1948-1949. As linhas do armistício criadas ao final da Guerra dividiram Jerusalém em dois, com a Jordânia ocupando a Cidade Velha e áreas ao norte e ao sul, e Israel mantendo as partes oeste e sul da cidade. Pela primeira vez em 3000 anos, a Cidade Velha de Jerusalém estava Judenrein – livre de judeus. Sob

domínio jordaniano, a metade das 58 sinagogas da Cidade Velha foram demolidas e o cemitério judeu no Monte das Oliveiras foi saqueado, sendo suas lápides usadas como material de pavimentação e construção. De 1948 a 1967, a antiga parte oriental de Jerusalém permaneceu controlada pelos jordanianos.

dos EUA, e enviou uma mensagem ao Rei Hussein de que se a Jordânia se abstivesse de atacar Israel, este país agiria da mesma forma, não avançando contra a Jordânia. No entanto, pressionada pelo Egito e com base em relatórios fraudulentos dos serviços de inteligência, a Jordânia atacou o Estado Judeu.

Mais uma vez, foi tomada ao Povo Judeu, mas continuou presente em nossas orações, em nossas canções e em nossas saudades. Pouco antes da Guerra dos Seis Dias, a maior cantora e poeta de Israel, Naomi Shemer, compôs uma bela canção, repleta de nostalgia e melancolia, Yerushalayim shel Zahav – “Jerusalém de Ouro”, que se tornou um hino de saudade por nossa Capital Eterna. De certa forma, a canção se tornou o hino nacional oficioso de Israel, ao lado do Hino Oficial de Israel, Hatikva – a Esperança.

Em 28 do mês hebraico de Iyar, terceiro dia da Guerra, enquanto o exército israelense combatia o exército jordaniano, o comando das forças armadas de Israel percebeu que era possível recuperar a Cidade Velha. Tinham planos detalhados de como conquistar todas as partes da Terra de Israel que estavam sob governo jordaniano. Contudo, até aquele momento havia uma exceção – a Cidade Velha, pois sua compacta muralha e seus mirantes, feitos para repelir os invasores, tinham-na tornado praticamente invulnerável. De fato, em 1948, dezenas de combatentes judeus haviam perdido a vida tentando penetrar seus bastiões.

Reunificação de Jerusalém Quando, em 1967, irrompeu a Guerra dos Seis Dias, Israel contatou a Jordânia, por intermédio das Nações Unidas e da Embaixada

Mas então, durante a Guerra dos Seis Dias, quando ocorriam

Guerra dos Seis Dias. O Ministro da Defesa Moshe Dayan e o Chefe das Forças Armadas, Yitzhak Rabin, atravessam a Cidade Velha de Jerusalém, 1967

15

ABRIL 2017


ISRAEL

1

2

3

1. o Chefe das Forças Armadas, Yitzhak Rabin, 1967 2. o General Rabino Shlomo Goren toca o Shofar no Kotel logo após a libertação de Jerusalém, 1967 3. Levi Eshkol, primeiro-ministro de Israel, e Menachem Begin assistem a uma parada militar no Sinai, 1967

vitórias milagrosas em cada uma das frentes, o sonho de retomar a Cidade Velha estava prestes a se tornar realidade. A ordem de atacar foi dada à 55ª Brigada de Paraquedistas de Mordechai “Motta” Gur. Os paraquedistas entraram pela Porta dos Leões. Para sua grande surpresa, além de tiros ocasionais de francoatiradores, encontraram pouca resistência. As forças jordanianas haviam deixado o lugar na noite anterior. As tropas israelenses avançaram diretamente para o Monte do Templo. As palavras imortais de Motta Gur, “Har HaBayit b´yadenu – “o Monte do Templo está em nossas mãos”, ouvida nos rádios dos bunkers e dos abrigos antibombas e nas bases em todo Israel, proclamaram que o sonho de 2.000 anos finalmente se tornara realidade: o Povo Judeu tinha voltado à sua antiga capital. O texto abaixo foi retirado do website das Forças de Defesa de Israel (FDI): “A ordem, ansiosamente aguardada, de tomar a Cidade Velha foi dada ao amanhecer do terceiro dia da guerra, 7 de junho de 1967. O Comando atribuiu essa tarefa aos paraquedistas, que deslancharam o ataque nas colinas Augusta-Victoria e no Monte das Oliveiras, com vista para a Cidade Velha. Após atirar na direção da brecha da entrada, a Porta dos Leões,

o comando do leste avançou muito rapidamente e irrompeu pela Cidade Velha. Os paraquedistas correram na direção do Domo da Rocha, localizado próximo aos últimos vestígios do Templo – o Muro Ocidental – onde, na presença do Comandante do setor e do Vice-comandante das Forças Armadas, o General Rabino Shlomo Goren, Capelão-chefe das FDI, deu um longo sopro de Shofar anunciando a libertação do Kotel HaMaaravi e que a Cidade Velha de Jerusalém, capital dividida de Israel, estava a partir de então reunificada”. Naquele mesmo dia, o Ministro da Defesa Moshe Dayan declarou: “Esta manhã, as Forças de Defesa de Israel libertaram Jerusalém. Unificamos Jerusalém, capital dividida de Israel. Retornamos ao mais sagrado de nossos lugares santos, para nunca mais daqui sair. Aos nossos vizinhos árabes, estendemos também nesta hora – e com ênfase especial nesta hora – nossa mão em sinal de paz. E a nossos concidadãos cristãos e muçulmanos, solenemente prometemos plena liberdade e direitos religiosos. Não viemos a Jerusalém em busca dos lugares santos de outros, nem para interferir com os que aderem às outras fés, mas para salvaguardar a sua integralidade, e para viver aqui juntamente com os demais, em união”. Após a libertação de Jerusalém pelas Forças de Defesa de Israel, 16

as muralhas que a dividiam foram derrubadas. Três semanas depois, o Knesset, parlamento israelense, promulgava uma lei unificando a cidade e estendendo a soberania de Israel sobre toda a sua parte ocidental. A reunificação da cidade foi um divisor de águas na história da tolerância religiosa, pois Jerusalém foi aberta a fieis de todos os credos. A reunificação de Jerusalém permitiu a volta dos judeus ao Muro e a outros lugares sagrados. Permitiu, também, que israelenses de fé cristã ou muçulmana visitassem seus lugares sagrados na Jerusalém Oriental, de onde haviam sido banidos pela Jordânia desde 1948. Um ano mais tarde, o governo do Estado de Israel decidiu que o dia que celebrava a libertação e reunificação de Jerusalém – 28 de Iyar – seria feriado nacional. Nesse dia, Yom Yerushalayim, celebramos a reunificação da cidade e o vínculo eterno e inquebrável do nosso povo com Jerusalém.

Amor por Jerusalém Jerusalém não é apenas mais uma cidade do Estado de Israel. Tampouco é meramente sua capital, na prática ou no título. Jerusalém é mais, é um símbolo.


REVISTA MORASHÁ i 95

Um símbolo pode ser uma coisa muito poderosa, especialmente para um povo sem pátria. Jerusalém e tudo o que simboliza foi o que manteve nosso povo vivo na Diáspora. Em tempos inquietantes – especialmente durante os mais árduos – o sonho de retornar a Jerusalém foi o que permitiu que nosso povo perseverasse. Durante as perseguições e pogroms, nas mãos da Inquisição, oprimidos pelo Império Russo, e nos campos de morte nazistas, os judeus sussurravam para si próprios “Amanhã em Jerusalém” – e isso foi o que lhes deu forças para sobreviver ou aguentar as provações pelas quais passaram. Jerusalém é uma cidade, uma capital, um símbolo; é, também, a alma de Eretz Israel. Israel sem Jerusalém é como um corpo sem alma. A cidade é associada com tudo o que é sagrado na Terra: acima de tudo, é onde a Shechiná – a Presença explícita de D’us no mundo – deseja habitar. É associada, também, ao Templo Sagrado e à Torá. É única entre todas as cidades, pois faz parte do mundo, mas está acima do mundo. O Talmud ensina que há uma Jerusalém terrena e uma Jerusalém Celestial. A cidade constitui uma passagem direta, entre o mundo terreno e o mundo celestial. É o portal para os Céus – uma passagem do físico para o espiritual. Assim sendo, Yom Yerushalayim celebra bem mais do que um dia no qual a cidade foi libertada do domínio estrangeiro. Yom Yerushalayim é um dia de graças e júbilo pela simples existência da cidade – júbilo pelo fato de termos merecido, neste mundo, um ponto de conexão com o mundo superior – e que D’us nos tenha dado, a

nós, judeus, a soberania sobre esse lugar. É a Cidade de D’us, que Ele confiou a nós. Há cinquenta anos, Jerusalém em sua totalidade voltou a seus legítimos donos – o único povo que fez dela a sua capital – um povo que durante 2.000 anos rezou por ela, nostálgico, falando da cidade, chorando por ela, lamentando-se e escrevendo livros, canções e poemas sobre sua Cidade Eterna. Os filhos de Jerusalém voltaram a seu Lar eterno – para nunca mais dele se afastar. Hoje as palavras do Profeta Zacharias deixaram de ser apenas um sonho e uma promessa que ajudaria nosso povo a atravessar uma Diáspora longa e dura. Hoje são uma realidade palpável: “Voltarão a sentar anciãos e anciãs nas ruas de Jerusalém ... e as praças da cidade ficarão repletas de crianças que brincarão também em suas ruas” (Zacharias 8:4). Assim como se cumpriram as palavras deste profeta, assim 17

também em breve se cumprirão as palavras dos demais profetas. O retorno do Povo Judeu a Jerusalém assinala o início de uma nova era – um tempo de paz e de prosperidade para todos – quando o mundo inteiro será preenchido com luz e Divindade e a santidade de Jerusalém e da Terra de Israel se disseminará por toda a Terra. Que seja a vontade de D’us que esse tempo venha muito em breve, em nossos dias – bekarov beyamenu. Amén, ken yehi ratson.

BIBLIOGRAFIA

Why Celebrate Jerusalem Day? Sara Yoheved Rigler - http://www.aish.com/ jw/j/Why-Celebrate-Jerusalem-Day.html Love of Jerusalem - Change and Renewal Rabi Adin (Even Israel) Steinsaltz Maggid Books Jerusalem Day - A Historical Introduction https://www.knesset.gov.il/holidays/eng/ jer_intro.htm Jerusalem Day - https://en.wikipedia.org/ wiki/Jerusalem_Day ABRIL 2017


ISRAEL

“Jerusalém de Ouro” Yerushalayim Shel Zahav

Yerushalayim Shel Zahav é uma canção israelense composta por Naomi Shemer. É considerada o hino nacional oficioso de Israel, ao passo que Hatikva, “A Esperança”, é seu hino oficial. “Jerusalém de Ouro” descreve o anseio de 2.000 anos do Povo Judeu de retornar à sua Capital Eterna. Naomi Shemer adicionou um verso final à canção após a Guerra dos Seis Dias para comemorar a reunificação de Jerusalém. Ela compôs a canção para o Festival da Canção Israelense, realizado em 15 de maio de 1967, na noite seguinte após o 19º Yom HaAtzmaut – Dia da Independência do Estado de Israel. À época, a Cidade Velha ainda era controlada pelo Reino Hashemita da Jordânia. Os judeus haviam sido banidos da Cidade Velha e lhes era proibido estar nas áreas sob controle jordaniano, tendo sido os lugares sagrados judaicos profanados e danificados durante esse período.

Apenas três semanas após a publicação da canção, irrompeu a Guerra dos Seis Dias. Yerushalayim shel Zahav se tornou o grito de batalha para levantar o ânimo das Forças Armadas de Israel (FDI). A própria Naomi Shemer cantou para as tropas antes da Guerra, fazendo com que os soldados das FDI fossem os primeiros no mundo a ouvi-la. Em 7 de junho, as FDI conquistaram Jerusalém Oriental e a Cidade Velha aos jordanianos. Quando Naomi Shemer ouviu os paraquedistas cantando Yerushalayim Shel Zahav no Muro Ocidental, ela escreveu o verso final, em contraposição às frases de lamento do segundo verso. A frase sobre o shofar que soa no Templo do Monte é uma referência ao evento ocorrido poucas horas antes, naquele mesmo dia. Muitas das palavras da canção se referem às Sagradas Escrituras e à poesia judaica tradicional e seus temas, em especial os que versam 18

sobre o exílio e as saudades que os judeus nutriam por Jerusalém. O próprio nome da canção é uma referência a uma joia especial mencionada num famoso conto talmúdico sobre Rabi Akiva. Um famoso verso da canção, “Para todas as suas canções, sou uma harpa (violino), é uma referência a uma das “Canções de Sion”, de Rabi Yehudah HaLevi: “Choro como os chacais quando penso em seu sofrimento; mas, sonhando com o fim de sua prisão, sou como uma harpa para suas canções”. A canção ecoa tristes referências bíblicas à destruição de Jerusalém e o subsequente exílio do Povo Judeu. O verso “Esta a cidade solitária” é o primeiro do Livro de Eichá (Lamentações) – um dos 24 livros do Tanach – lido em Tisha b’Av. “Se eu te esquecer, ó Jerusalém”, é uma citação do Salmo 137: “Às margens dos rios da Babilônia nos sentávamos e chorávamos, lembrando de Sion”.


REVISTA MORASHÁ i 95

Yerushalayim Shel Zahav POR NAOMI SHEMER

O vento das montanhas, claro como o vinho, E o cheiro dos pinheiros É levado pela brisa do crepúsculo Junto com o som dos sinos. E no sono profundo da árvore e da pedra, Presa em um sonho, Está a cidade solitária E no seu coração - um muro. Jerusalém de ouro De bronze e de luz Eu sou um violino para todas as suas canções

Voltamos aos poços de água, Ao mercado e à praça O shofar chama no Monte do Templo Na Cidade Velha. E em cavernas nas montanhas Milhares de sóis brilham Descemos novamente ao Mar Morto Pelo caminho de Jericó

Porém hoje venho cantar para ti E te coroar Eu sou o menor dos teus filhos E um dos últimos poetas. Teu nome queima os lábios Como o beijo de um serafim Se eu te esquecer, ó Jerusalém Que é toda de ouro

Jerusalém de ouro De bronze e de luz Eu sou um violino para todas as suas canções

Jerusalém de ouro De bronze e de luz Eu sou um violino para todas as suas canções

Os Paraquedistas Choram POR HAYIM HEFER

Este muro ouviu muitas orações Este muro viu muitos outros muros tombarem Este muro sentiu o toque de mulheres em luto, que choravam por seus filhos Este muro sentiu bilhetes e pedidos serem depositados entre suas pedras Este muro viu Rabi Yehuda Halevi ajoelhado à sua frente Este muro viu césares levantarem e caírem Mas este muro nunca antes tinha visto paraquedistas chorarem. Este muro os viu cansados e aflitos Este muro os viu feridos e mutilados

Correndo em sua direção com os corações disparados, em alegria, choro, ou silêncio Rastejando como predadores pelas ruelas da Cidade Velha Cobertos de pó e com os lábios rachados, Murmurando: “Se eu te esquecer, ó Jerusalém”... Eles são leves e velozes como as águias; ferozes e valentes como leões Seus tanques são como as carruagens de fogo do profeta Eliahu E eles passam em fúria como um trovão Relembrando os milhares de anos em que nem tínhamos um muro aonde derramar nossas lágrimas.

19

E eis que chegam ao Muro E, com a respiração pesada, soluçam em silêncio. E o contemplam em doce lamentação. As lágrimas escorrem e eles se entreolham confusos. Como podem os paraquedistas chorar? Como podem tocar o muro com tanta emoção? O que aconteceu de repente Que seu choro se transformou em canto? Talvez porque estes garotos de dezenove anos, que nasceram junto com o Estado de Israel, Carregam sobre seus ombros dois mil anos de dispersão.

abril 2017


ANTISSEMITISMO

O Futuro das Comunidades Judaicas na Europa POR Rabino Lorde Jonathan Sacks

O ódio que começa com os judeus nunca termina com os judeus. Isto é o que quero que entendamos, hoje. Não foram apenas os judeus que sofreram com Hitler. Não foram apenas os judeus que sofreram com Stalin. Não são apenas os judeus que sofrem com o ISIS ou a Al Qaeda ou o Jihad Islâmico. Cometemos um grande erro se pensamos que o antissemitismo constitui uma ameaça apenas para os judeus.

T

rata-se de uma ameaça, antes de mais nada, para a Europa e as liberdades que este continente levou séculos para conquistar. O antissemitismo não tem a ver com os judeus. Tem a ver com antissemitas. Tem a ver com pessoas que não podem aceitar responsabilidade por seus próprios fracassos e, ao contrário, têm que culpar um terceiro. Historicamente, se você fosse cristão à época dos Cruzados, ou alemão após a 1a Guerra Mundial, e visse que o mundo não tinha se saído da maneira que você acreditava que sairia, você culparia os judeus. Isto é exatamente o que está ocorrendo hoje. E tudo o que eu disser é pouco sobre quão perigoso isto é. Não apenas para os judeus, mas para todos aqueles que valorizam a liberdade, a compaixão e a humanidade.

Primeiro, definamos o que é antissemitismo. Não gostar de judeus não é antissemitismo. Todos nós conhecemos pessoas de quem não gostamos. Tudo bem, isto é humano; sem perigo algum. Segundo, criticar Israel não é antissemitismo. Em conversa recente com alunos de colégio, eles me perguntaram se criticar Israel era antissemitismo. Eu disse que não. E expliquei a diferença. Perguntei-lhes: Vocês acreditam que têm o direito de criticar o governo britânico? Todos levantaram o braço. Perguntei, então: “Quem acredita que a Inglaterra não tem o direito de existir?”. Ninguém levantou o braço. Então, agora vocês sabem a diferença, disse-lhes. E todos concordaram. Antissemitismo significa negar aos judeus o direito de existir coletivamente como judeus com os mesmos direitos que os demais. Essa negação assume diferentes formas em diferentes eras. Na Idade Média, os judeus eram odiados por causa de sua religião. Nos séculos 19 e início do 20 eram odiados por causa de sua raça. Hoje somos odiados por causa de nosso Estado-nação, o Estado de Israel. O antissemitismo assume diferentes formas, mas segue sendo a mesma coisa: a ideia de que os judeus não têm o direito de existir como seres humanos livres e iguais aos demais.

O surgimento do antissemitismo em uma cultura é o primeiro sintoma de uma enfermidade, o sinal prematuro de aviso de um colapso coletivo. Se a Europa permitir que o antissemitismo floresça, isso será o início de seu fim. E o que pretendo fazer com estes breves comentários é simplesmente analisar um fenômeno repleto de incerteza e ambiguidade, pois necessitamos de precisão e compreensão para entender por que os antissemitas estão convencidos de que não o são. 20


REVISTA MORASHÁ i 95

Uma coisa que nem eu nem meus contemporâneos esperávamos era que o antissemitismo reaparecesse na Europa com o Holocausto ainda tão vívido em nossa memória. A razão para não o esperarmos foi o fato de a Europa ter empreendido o maior esforço coletivo, em toda a História, para assegurar-se de que o vírus do antissemitismo jamais voltasse a infectar o corpo político. Foi um empenho colossal de legislação antirracista, educação sobre o Holocausto e diálogo interreligioso. Contudo e apesar de tudo, o antissemitismo retornou. Em 27 de janeiro de 2000, representantes de 46 governos de países de todo o mundo se reuniram em Estocolmo para emitir uma declaração conjunta de recordação do Holocausto e de continuação da luta contra o antissemitismo, o racismo e

o preconceito. E, então, veio 11 de setembro, e em poucos dias, as teorias de conspiração inundaram a Internet bradando que tinha sido obra de Israel e de seu Serviço Secreto, o Mossad. Em abril de 2002, em Pessach, eu estava em Florença com um casal judeu de Paris, quando eles receberam uma ligação do filho dizendo: “Mãe, pai, está na hora de deixar a França. Aqui já não é mais seguro para nós”. Em maio de 2007, numa reunião privada aqui em Bruxelas, eu disse aos três líderes da Europa, à época, Angela Merkel, Presidente do Conselho Europeu; José Manuel Barroso, Presidente da Comissão Europeia; e Hans-Gert Pöttering, Presidente do Parlamento Europeu, que os judeus da Europa estavam começando a se perguntar se havia futuro para eles na Europa. Isso foi há mais de nove anos. Desde 21

então, as coisas só pioraram. Já em 2013, antes de alguns dos piores incidentes, a Agência de Direitos Fundamentais da União Europeia revelou que quase ⅓ dos judeus da Europa pensavam em emigrar em virtude do antissemitismo. Na França, o número era de 46%; na Hungria, 48%. Deixem-me perguntar-lhes algo. Quer sejam judeus, cristãos ou muçulmanos: vocês ficariam em um país onde fosse necessária a presença da polícia para protegê-los enquanto fizessem suas orações? Onde seus filhos precisassem de policiais armados para protegêlos, no colégio? Onde, se usassem um símbolo de sua fé em público, estariam arriscando-se a serem insultados ou atacados? Onde, quando seus filhos chegam à universidade, são insultados e intimidados em virtude do que abril 2017


ANTISSEMITISMO

são os direitos humanos. É por isso que Israel – a única democracia em pleno funcionamento no Oriente Médio – com uma imprensa livre e um judiciário independente – é acusada, com regularidade, dos cinco pecados capitais contra os direitos humanos: racismo, apartheid, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e tentativa de genocídio.

Conquista de Jerusalém pelos cruzados. “Storie degli Imperatori”. Biblioteca Arsenal. Paris

ocorre em alguma outra parte do mundo? Onde, quando expressam sua própria visão da situação, são silenciados, aos gritos? Isto está ocorrendo com os judeus em toda a Europa. Em cada um dos países da Europa, sem exceção, os judeus temem pelo futuro de seus filhos. A continuar assim, os judeus continuarão a deixar a Europa, até que, excetuando-se os fragilizados e os idosos, a Europa finalmente se tornará Judenrein, limpa de judeus. Como isto aconteceu? Aconteceu da forma como os vírus sempre vencem o sistema imunológico humano, ou seja, por mutação. O novo antissemitismo é diferente do antigo de três maneiras. Já mencionei uma delas. Primeiro os judeus foram odiados por sua religião. Depois por sua raça. Hoje são odiados por seu Estado-nação. A segunda diferença é que o epicentro do antigo antissemitismo era a Europa. Hoje, é o Oriente Médio e é transmitido globalmente pelos novos meios eletrônicos. A terceira é especialmente perturbadora. Vou explicar. Odiar é fácil; difícil é justificá-lo publicamente. Ao longo

da História, quando as pessoas buscavam justificar o antissemitismo, fizeram-no mediante recurso à mais alta fonte de autoridade de sua cultura. Na Idade Média, essa fonte era a religião. Tínhamos, então, antijudaísmo religioso. Na Europa pósIluminismo, essa fonte era a ciência. Estas eram, então, as duas bases da ideologia nazista – o Darwinismo Social e o assim-chamado Estudo Científico da Raça. Hoje, a mais alta fonte de autoridade no mundo

Capa de uma edição de 1939 de Der Stürmer com a manchete “assassinato ritual”

22

O novo antissemitismo teve tamanha mutação que qualquer um de seus adeptos pode negar que seja antissemita. Afinal, dirá, “Não sou racista. Não tenho nada contra os judeus ou o judaísmo. Meu único problema é com o Estado de Israel”. Mas num mundo de 56 países muçulmanos e 103 cristãos, há apenas um único Estado judeu – Israel – que constitui ¼ de 1% da extensão de terra do Oriente Médio. Israel é o único entre os 193 países-membros das Nações Unidas que tem seu direito à existência constantemente contestado, tendo, além disso, um país, o Irã, e muitos, muitos outros grupos, comprometidos com sua destruição. Antissemitismo significa a negação do direito dos judeus de existirem como judeus, com os mesmo direitos que todos os demais. A forma em que se reveste, hoje, é o antissionismo. Há, naturalmente, uma diferença entre sionismo e judaísmo, e entre judeus e israelenses, mas esta diferença não existe para os antissemitas. Foram judeus – e não israelenses – as pessoas assassinadas em ataques terroristas em Toulouse, Paris, Bruxelas e Copenhagen. O antissionismo é o antissemitismo de nossos dias. Na Idade Média os judeus foram acusados de envenenar os poços, disseminando a peste e matando crianças judias para usar seu sangue.


REVISTA MORASHÁ i 95

Na Alemanha nazista, foram acusados de controlar a América capitalista e a Rússia comunista. Hoje, somos acusados de dirigir a ISIS e os EUA. Todos os antigos mitos foram reciclados, do Libelo de Sangue aos Protocolos dos Sábios de Sion. As caricaturas que inundaram o Oriente Médio são clones das publicados no Der Sturmer, um dos principais veículos de propagando nazista entre 1923 e 1945. A arma fundamental do novo antissemitismo é assombrosa em sua simplicidade. Vejam: o Holocausto jamais deverá ocorrer novamente. Mas os israelenses são os novos nazistas; os palestinos são os novos judeus; todos os judeus são sionistas. Portanto, os verdadeiros antissemitas de nossos dias são, nem mais nem menos, que os próprios judeus! E não se trata de ideias marginais. Estão disseminadas em todo o mundo muçulmano, incluindo as comunidades na Europa, e estão, aos poucos, infectando a extrema esquerda, a extrema direita, os círculos acadêmicos, os sindicatos e, até mesmo, algumas igrejas. Tendo-se curado do vírus do antissemitismo, a Europa está sendo re-infectada por partes do mundo que nunca passaram pela autoanálise pela qual a Europa passou, assim que os fatos sobre o Holocausto se tornaram conhecidos. Como tais absurdos chegaram a ser críveis? Estamos entrando em um campo vasto e complexo, e eu escrevi um livro sobre o mesmo; mas a explicação mais simples é a que segue. Quando coisas ruins acontecem a um grupo, seus integrantes podem fazer uma destas duas perguntas: “O que fizemos de errado?” ou “Quem nos fez isto?”. Todo o destino do grupo dependerá da pergunta que escolherem.

levante do gueto de varsóvia, foto do relatório de jürgen stropp a h. himmler, de maio de 1943

Se perguntarem, “O que fizemos de errado?”, terão dado início à autocrítica essencial a uma sociedade livre. Se perguntarem “Quem nos fez isto?”, esse grupo se terá definido como vítima. E, a seguir, procurará um bode expiatório a quem culpar por todos os seus problemas. Classicamente, esse tem sido o grupo dos judeus. Antissemitismo é uma forma de fracasso cognitivo que ocorre quando

determinados grupos sentem que seu mundo está saindo do controle. Teve início na Idade Média, quando os cristãos perceberam que o Islã os vencera em lugares que eles consideravam seus, o principal deles, Jerusalém. Foi quando em 1096, a caminho da Terra Santa, os Cruzados primeiro se detiveram para massacrar as comunidades judaicas no Norte da Europa. No Oriente Médio nasceu na década de 1920 com o colapso do Império Otomano.

manifestação antissemita na grécia, com bandeira nazista

23

abril 2017


ANTISSEMITISMO

fracassos, e de construir seu próprio futuro com seu próprio esforço. Nenhuma sociedade que promoveu o antissemitismo manteve a liberdade, os direitos humanos ou a liberdade religiosa. Toda sociedade movida pelo ódio começa buscando destruir seus inimigos, mas termina destruindo a si própria.

cerimônia em memória após o ataque à escola ozer hatorá, em toulouse, Março 2012

Na Europa o antissemitismo ressurgiu, na década de 1870, durante um período de recessão econômica e ressurgente nacionalismo. E está reaparecendo na Europa, atualmente, pelas mesmas razões: recessão, nacionalismo e uma reação contrária aos imigrantes e outras minorias. O antissemitismo ocorre quando a política da esperança abre caminho para a política do medo, que rapidamente se transforma em política do ódio. Isto, então, reduz problemas complexos a simplicidades. Divide o mundo em preto e branco, vendo todas as falhas de um lado e todos os complexos de vítima do outro. Seleciona um grupo, entre centenas de criminosos, a quem culpar. O argumento é sempre o mesmo. Nós somos inocentes; eles são culpados. Daí se deduz que, para sermos livres, eles, os judeus ou o Estado de Israel, precisam ser destruídos. Assim se iniciam os grandes crimes. Os judeus eram odiados por serem diferentes. Eram a minoria não-cristã mais visível em uma Europa cristã. Hoje, somos a presença não-muçulmana mais

1

A Europa, hoje, não é fundamentalmente antissemita. No entanto, permitiu que o antissemitismo penetrasse através dos novos meios eletrônicos.

2

1. flores na porta do museu judaico de bruxelas. após o ataque com mortes, junho de 2014 2. Cerimônia na Grande Sinagoga de Paris homenageia vítimas dos atentados, novembro 2015

visível em um Oriente Médio islâmico. O antissemitismo sempre se tratou da incapacidade de um grupo de dar espaço à diferença. Nenhum grupo que adote essa linha jamais poderá, nem irá criar uma sociedade livre. Portanto, terminarei aonde comecei. O ódio que começa com os judeus nunca termina com os judeus. O antissemitismo é contra os judeus apenas de forma secundária. Primariamente tem a ver com o fracasso de alguns grupos em aceitar a responsabilidade por seus próprios 24

Falhou em reconhecer que o novo antissemitismo é diferente do antigo. Não estamos, hoje, de volta à década de 1930. Mas estamos chegando perto de 1879, quando Wilhelm Marr fundou a Liga de Antissemitas, na Alemanha; de 1886, quando Édouard Drumont publicou La France Juive; e de 1897, quando Karl Lueger se tornou prefeito de Viena. Estes foram momentos-chave na disseminação do antissemitismo, e o que precisamos fazer, hoje, é recordar que o que foi dito naquele então sobre os judeus está sendo dito, hoje, sobre o Estado Judeu.


REVISTA MORASHÁ i 95

A história dos judeus na Europa nem sempre foi feliz. O ÚLTIMAS FAMÍLIAS DE GAUCHOS JUDEUS NA REPÚBLICA ARGENTINA. tratamento que esse continente deu aos judeus agregou certas palavras ao vocabulário humano: disputas, conversão forçada, Inquisição, expulsão, auto da fé, gueto, pogrom e Holocausto – palavras escritas com lágrimas e sangue judeu.

A história dos judeus na Europa nem sempre foi feliz. O tratamento que esse continente deu aos judeus agregou certas palavras ao vocabulário humano: disputas, conversão forçada, Inquisição, expulsão, auto da fé, gueto, pogrom e Holocausto – palavras escritas com lágrimas e sangue judeu. E, com tudo isso, os judeus amavam a Europa e contribuíram para enriquecê-la com alguns de seus maiores cientistas, escritores, acadêmicos, músicos, formadores da mente moderna. Se a Europa se deixar ser arrastada novamente por essa mesma estrada,

essa será a história contada em tempos vindouros. Primeiro vieram atrás dos judeus. Depois dos cristãos. Depois dos gays. Depois dos ateus. Até que não houvesse nada da alma da Europa, a não ser uma lembrança distante, moribunda. Tentei, aqui, dar voz àqueles que não têm voz. Falei em nome dos assassinados de Roma, Sinti, dos gays, dos dissidentes, dos deficientes mentais e físicos, e de um milhão e meio de crianças judias assassinadas em virtude da religião de seus avós. Em seu nome, digo a vocês: vocês

sabem onde essa estrada acaba. Não se deixem arrastar por ela, novamente. Vocês são os líderes da Europa. Seu futuro está em suas mãos. Se não fizerem nada, os judeus partirão, a liberdade europeia morrerá e haverá uma mácula moral no nome da Europa que toda a eternidade não bastará para apagar. Detenham-na, enquanto ainda há tempo. Transcrição de um discurso do Rabino Lorde Jonathan Sacks na Conferência “O Futuro das Comunidades Judaicas na Europa”, no Parlamento Europeu, Bruxelas, em 27 de setembro de 2016.

Tradução Lilia Wachsman

Rabino Lorde Jonathan Sacks - Rabino Chefe das Congregações Hebraicas Unidas da Commonwealth e Av Beit Din (presidente) do Beth Din de 1991 a 2013. Em 2009, foi recomendado para um pariato vitalício, com assento na Casa dos Lordes, com o título de Barão Sacks de Aldgate na City of London. Desde que deixou o cargo de Rabino Chefe, o Rabino Sacks vem trabalhando como Professor de Pensamento Judaico na Universidade de Nova York, Professor de Pensamento Judaico na Yeshiva University e Professor de Direito, Ética e Bíblia no King’s College de Londres.

25

abril 2017


SHOÁ

os segredos da captura de eichmann POR Zevi Ghivelder

o dia 19 de setembro de 1957, o judeu alemão Fritz Bauer, procurador-geral da província de Hesse, então Alemanha Ocidental, marcou um encontro com Felix Shinar, representante do governo de Israel nas negociações de reparações de guerra mantidas à época com o governo de Bonn. O local marcado para a conversa foi um restaurante discreto e isolado, localizado na estrada que liga Frankfurt a Colônia.

B

auer foi direto ao ponto: “O mistério sobre o paradeiro de Eichmann foi desvendado”. O israelense, atônito, perguntou: “Você está-se referindo a Adolf Eichmann, o SS da Solução Final?” Bauer assentiu com um gesto e acrescentou: “Ele está na Argentina”. Shinar indagou: “E o que você pretende fazer?” Bauer respondeu: “Eu vou ser muito franco. Não é possível confiar no sistema judiciário alemão e muito menos no pessoal da embaixada alemã em Buenos Aires. Se qualquer pessoa souber disso, aqui ou lá, certamente vai avisá-lo. Não tenho com quem abordar este assunto, a não ser com você. A eficiência de Israel é bem conhecida e garanto que vocês terão interesse em capturá-lo. Esta informação morre aqui, entre nós dois, e deve ser mantida no mais absoluto segredo”. Shinar se emocionou: “Muito obrigado, do fundo do coração. Israel jamais esquecerá o que você está fazendo”.

Harel prometeu a Eytan que mergulharia fundo na questão e, na mesma noite, levou para casa a pasta sobre Eichmann mantida no arquivo do Mossad. Anos mais tarde, escreveu em sua autobiografia, sob o título Eu Arrisquei Minha Vida: “Até então eu não tinha uma ideia precisa sobre a dimensão maligna de Eichmann, não sabia da morbidez com que ele havia efetuado sua tarefa assassina”. Felix Shinar regressou a Israel para uma breve temporada e foi convocado por Isser Harel que queria colher suas impressões sobre Fritz Bauer e mais detalhes da conversa ocorrida naquele restaurante de estrada. Satisfeito e impressionado com tudo o que ouviu, disse a Shinar que encarregaria um bom agente para prosseguir com a investigação. Este bom agente se chamava Shaul Darom, e começara suas atividades clandestinas a partir da França, onde estudava pintura, embarcando e conduzindo imigrantes ilegais para a antiga Palestina, em 1947. Darom encontrou-se com Bauer em Colônia, no dia 6 de novembro de 1957. Este último revelou que sua fonte sobre o paradeiro de Eichmann era um judeu alemão que vivia na Argentina e que havia escrito uma carta para as autoridades de Bonn assegurando que, a despeito do que era publicado na imprensa sobre o

Shinar mandou para o Ministério das Relações Exteriores de Israel um relatório pormenorizado da conversa mantida com Fritz Bauer. Quem o recebeu, em Jerusalém, foi Walter Eytan, diretor-geral do Ministério, que em seguida se dirigiu, em Tel Aviv, a Isser Harel, diretor do serviço de inteligência israelense, o Mossad. 26


REVISTA MORASHÁ i 95

Adolf Eichmann foi levado a julgamento em Jerusalém no dia 11 de abril de 1961

desaparecimento de Eichmann, o criminoso de guerra nazista estava vivo em Buenos Aires”. No sentido de proteger sua fonte, Bauer não revelou o nome do autor da carta, mas afirmou que todos os dados que ele próprio possuía sobre Eichmann, sua mulher e os filhos, batiam com as informações do então misterioso missivista. Ele fornecera, inclusive, o endereço de Eichmann: rua Chacabuco número 4261, no bairro de Olivos, subúrbio de Buenos Aires.

do endereço fornecido por Bauer. Os dois homens não demoraram a chegar à conclusão de que um oficial nazista da hierarquia de Eichmann não poderia estar vivendo naquele lugar tão pobre e onde poucas

ruas eram asfaltadas. Naqueles dias, a percepção generalizada era no sentido de que os criminosos de guerra que haviam buscado refúgio na América do Sul eram donos de grandes fortunas pilhadas durante a guerra. Portanto, aquele cenário inóspito e desolador jamais serviria de abrigo para alguém de uma patente tão alta como Adolf Eichmann. Isser Harel ficou desapontado com o relatório do agente e tornou a chamar Darom. Pediu que ele voltasse a se avistar com Bauer com a missão de extrair o nome do autor da carta dirigida ao governo alemão. Os dois se encontraram em Frankfurt no dia 21 de janeiro de 1958. Bauer logo compreendeu que sem identificar sua fonte a investigação estaria paralisada. Disse, então, que se tratava de um homem chamado Lothar Hermann e deu

Em janeiro de 1958, de posse do dito endereço, Harel convocou o agente Goren, que já tinha atuado na América do Sul e conhecia bem Buenos Aires, e mandou-o de volta à Argentina com estritas instruções para evitar de chamar qualquer tipo de atenção. Acompanhado por outro israelense que fazia pesquisas acadêmicas na Argentina, Goren percorreu as redondezas 27

abril 2017


SHOÁ

EICHMANN E MEMBROS DA GESTAPO, ANTES DE UMA “BATIDA” NO CENTRO COMUNITÁRIO JUDAICO DE VIENA, 1938

seu endereço na cidade de Coronel Suarez, a cerca de 480 quilômetros de Buenos Aires. Além disso, escreveu uma carta de apresentação para Hermann, que poderia ser usada por qualquer pessoa que viesse a ter contato com ele. Essa pessoa acabou sendo Efraim Hofstaetter, investigador de alto padrão da polícia de Israel, que estava a caminho da América do Sul para tratar de outro assunto. Harel entregou-lhe a carta de apresentação escrita por Bauer, recomendando que, quando estivesse com Hermann, a ele se identificasse como funcionário do governo alemão. Efraim contatou Hermann e pediu que este viesse a seu encontro em Buenos Aires. O homem se recusou peremptoriamente. Assim, o israelense teve que embarcar num trem noturno e seguir para Coronel Suarez. De manhã, bateu na porta de Hermann que o recebeu com enorme desconfiança. Efraim apressou-se a entregar-lhe a carta, mas o alemão chamou a mulher e pediu que a lesse em voz alta. Naquele momento o policial percebeu que Hermann era cego. A mulher leu tudo e acrescentou: “Não tenho dúvida de que a assinatura é do Dr. Bauer”.

Relaxado, Hermann começou a contar sua história. Disse que seus pais tinham sido assassinados num campo de concentração, assim como ele mesmo tinha estado confinado num campo e sobrevivido. Depois da guerra, casara-se com uma mulher 100% alemã, razão pela qual a filha do casal, Sylvia, de vinte anos, tinha sido educada sem nenhuma conotação judaica. Um ano e meio antes de se mudarem para Coronel Suarez, os Hermann tinham morado no bairro de Olivos, em Buenos Aires, onde Sylvia tinha namorado um jovem chamado Nicholas Eichmann. O rapaz não fazia a menor ideia de que a moça era meio judia. Nicholas frequentava a casa dos pais da namorada e, certo dia, no meio de uma conversa, lamentou que “tinha sido uma pena o fato de os alemães não terem completado a tarefa de eliminar todos os judeus”. Hermann, que já suspeitava do sobrenome do rapaz, percebeu que se tratava do filho do criminoso foragido. O jovem não escondia seu sinistro sobrenome, embora o pai o tivesse mudado para Klement, sem se preocupar, inexplicavelmente, em tomar igual providência para a mulher e os filhos. Mas, na verdade, o rapaz não tinha essa preocupação 28

porque, assim como muitos outros nazistas foragidos na América do Sul, eles se sentiam tão à vontade que circulavam por essas paragens com seus próprios nomes. (Franz Stangl, comandante dos campos de concentração de Sobibor e Treblinka, refugiou-se em São Paulo e conseguiu emprego na fábrica da Volkswagen fornecendo o verdadeiro sobrenome. Assim possibilitou sua prisão e extradição para julgamento na Alemanha). De qualquer maneira, Nicholas tomou uma precaução: jamais revelou a Sylvia o endereço de sua família. Quando os Eichmann se mudaram para outro bairro, o rapaz deixou com a namorada o endereço de um amigo para trocarem futuras correspondências. Essa particularidade fez com que Hermann ficasse ainda mais intrigado e daí sua decisão de escrever a carta acusatória dirigida às autoridades alemãs. Isser Harel conseguiu que o governo de Israel lhe alocasse uma verba substancial para enviar mais agentes à Argentina incumbidos de prosseguirem as investigações baseadas nas revelações de Hermann. Este, depois de pesquisas feitas com a filha Sylvia, lhes deu uma informação desanimadora: a casa da rua Chacabuco tinha sido alugada para um imigrante austríaco chamado Francisco Schmidt e abrigava duas moradias, uma no térreo, outra no sobrado, ambas com medidores de luz separados. No medidor do térreo lia-se “Schmidt” e “Klement” no do segundo andar. Hermann ficou convencido de que Schmidt era Eichmann que, no seu entender, se submetera a uma operação plástica para nunca mais ser reconhecido. Em dezembro de 1959, Bauer viajou para Israel levando nova e


REVISTA MORASHÁ i 95

importante informação. Segundo uma fonte que não revelou, Eichmann se encontrava na Argentina e usava o nome de Ricardo Klement, o mesmo que havia aparecido num dos medidores de luz da casa da rua Chacabuco. Entusiasmado com tal revelação, Harel convocou um de seus mais destacados agentes, Zvi Aharoni, para dar prosseguimento à investigação, embora não estivessem certos de que Eichmann ainda poderia ser encontrado naquele endereço. Isser Harel foi ao encontro de Ben Gurion levando a grande notícia. O primeiro-ministro disse: “Se tudo isso for verdade e se concretizar, é necessário que ele seja capturado e trazido para a julgamento aqui em Israel. Um julgamento dessa natureza terá enorme consequência moral e histórica”. Àquela altura, Aharoni estava atolado com outro assunto importante e, apesar da impaciência

1

isser harel

de Harel, mais dois meses se passaram. Por fim, Aharoni estudou a fundo o arquivo referente a Eichmann e foi ao encontro do procurador Fritz Bauer, na Alemanha, para esclarecer algumas dúvidas. No dia 1o. de março de 1960, Aharoni desembarcou em Buenos Aires sob nome falso e na qualidade de diplomata lotado no departamento de contabilidade do Ministério das Relações Exteriores

de Israel. Acompanhado por um jovem sionista argentino que se prontificara a ajudá-lo, Aharoni alugou um carro e dois dias depois rumou para a rua Chacabuco. O rapaz que o assistia se aproximou da casa com duas moradias, como se estivesse procurando alguém. Verificou que o lugar estava vazio. Entretanto, olhando através de uma janela, viu homens trabalhando no andar térreo, decerto pintores de parede. Tocou a campainha do segundo andar sem ser atendido. O rapaz voltou para o carro dirigido por Aharoni, que teve uma ideia genial. Conforme suas anotações, o dia 3 de março correspondia ao do aniversário de Klaus, um dos filhos de Eichmann. Comprou um buquê de flores nas imediações, escreveu um cartão endereçado a Klaus, e voltou para a casa que estava sendo escrutinizada. Seu auxiliar voluntário, dizendo chamar-se Juan, foi falar com os pintores e lhes disse que um amigo, estafeta de um hotel chique em Buenos Aires, lhe pedira para entregar um buquê de flores, enviadas por uma bela jovem, para

2

1. PASSAPORTE ARGENTINO FALSO COM O NOME DE ricardO klement 2. CARTEIRA DE TRABALHO NA MERCEDES BENZ DE EICHMANN, EM NOME DE R. KLEMENT

29

abril 2017


SHOÁ

um tal de Klaus naquele endereço. Os pintores afirmaram que jamais tinham conhecido os donos do piso superior. O rapaz seguiu então para os fundos do terreno onde se deparou com um homem e uma mulher. Perguntou-lhes: “Por acaso vocês conhecem a família Klement?” O homem respondeu: “Quem, os alemães? O casal que tem três filhos grandes e um menor? Eles se mudaram daqui há uns vinte dias, mas não sei para onde foram. De qualquer maneira, vamos perguntar a um desses pintores aí que eu acho que um deles conhecia aquela gente”. O dito pintor revelou que a família Klement se havia mudado para San Fernando, outro subúrbio de Buenos Aires e só sabia que um de seus filhos trabalhava numa oficina mecânica ali perto. Juan encontrou na mencionada oficina um jovem vestindo macacão de mecânico que confirmou ser irmão de Klaus e que se mostrou extremamente desconfiado do rapaz judeu que trazia as flores. Este, no entanto, repetiu com firmeza a história do hotel e pediu o endereço de Klaus porque só queria saber de se livrar das flores que lhe haviam pedido para entregar, endereçadas a uma pessoa que ele nem conhecia. O mecânico alemão respondeu que a família havia se mudado há pouco

tempo para um novo loteamento no qual as ruas ainda não tinham nomes e as casas ainda não tinham números. Juan decidiu não insistir e apenas pediu ao rapaz que entregasse as flores destinadas a seu irmão. Porém, enquanto se encontrava na oficina, o jovem judeu ouviu que os colegas de trabalho do alemão chamavam-no de “Dito” ou “Tito”. Zvi Aharoni logo depreendeu que se tratava de Dieter, o terceiro filho de Eichmann. No mesmo dia, Aharoni esperou o fim do expediente na oficina e seguiu o jovem alemão que estava sentado no banco traseiro de um automóvel que tomou o rumo do Bairro de San Fernando. O rapaz desceu junto a um quiosque e caminhou na direção de uma pequena casa, rudimentar, porém com aspecto de nova, na rua Garibaldi. Aharoni voltou outras vezes a San Fernando e, sob diversos pretextos, fez indagações às pessoas da vizinhança. Com a ajuda de um arquiteto, apurou no registro de imóveis que a casa de número 14, da rua Garibaldi, pertencia a Veronica Catarina Liebl de Eichmann. Ou Vera, como a mulher de Eichmann era conhecida. No dia 19 de março, munido de uma máquina fotográfica, Aharoni fotografou no quintal da dita casa,

AVIÃO BRITTANIA 4X DA EL AL, QUE PERMITIA VOO DIRETO DA ARGENTINA À ISRAEL, 1960

30

estendendo roupa num varal, um homem que aparentava mais de 50 anos de idade, testa larga e parcialmente calvo. Pelas fotos de Eichmann que já tinha visto, parecia que se tratava do criminoso foragido. No dia seguinte, voltou àquele local, junto com outro voluntário judeu argentino. Aharoni foi comer alguma coisa no quiosque e de lá fotografou a casa e suas imediações. Ao mesmo tempo, o judeu que o acompanhava, bateu na porta do número 14 sendo atendido por Eichmann e seu filho Dieter. Fingiu pedir alguma informação, manteve uma rápida conversa em espanhol com os dois, enquanto os fotografou com uma câmera embutida na maleta que levava. Aharoni deixou a Argentina no dia 9 de abril. Em Tel Aviv, quando Harel perguntou se ele estava seguro de que aquele era o homem, respondeu sem hesitar: “Tenho a mais absoluta certeza”. A partir de então, Isser Harel começou a elaborar o plano para a captura de Eichmann, convencido de que a parte mais difícil consistia em tirá-lo de Buenos Aires, já que a companhia aérea israelense, El Al, não tinha voos para a Argentina. Por sorte, a Argentina em breve deveria comemorar o 150o aniversário de sua república. Harel convenceu o Ministério das Relações Exteriores que Israel deveria se fazer representar nas celebrações por uma delegação especial que lá chegaria num voo também especial. A delegação seria chefiada pelo ministro sem pasta Abba Eban, o único a ser informado do verdadeiro propósito daquela viagem. Consultados, os executivos da El Al não somente prestaram inteira colaboração, como compuseram junto com o Mossad os integrantes de toda a tripulação.


REVISTA MORASHÁ i 95

Nas duas semanas seguintes, Harel se empenhou em formar a equipe que executaria o plano de captura em Buenos Aires, enquanto o Mossad se ocupava em forjar falsas identidades e passaportes. Zvi Aharoni embarcou de volta para a Argentina no dia 24 de abril, não mais como diplomata israelense, mas como um comerciante alemão. O segundo a embarcar foi o agente Avraham Shalom que acabara de regressar de uma longa missão na Ásia e que levou um bom tempo até se familiarizar com o conteúdo do arquivo de Eichmann. O terceiro foi Peter Malkin, que usava o nome Peter nas operações do Mossad, mas cujo verdadeiro nome era Zvi, ou Zvika, como era conhecido por seus amigos em Israel. A ele seria determinada a tarefa de obstruir os passos de Eichmann e atirá-lo no banco traseiro de um carro que estaria à espera com o motor ligado. Rafi Eitan, até hoje considerado como o pai e grande inspirador dos serviços de inteligência de Israel, foi um dos últimos a desembarcar em Buenos Aires, sendo logo seguido por Isser Harel. E se algo desse errado? Harel instruiu que, nessa hipótese, Eitan colocaria um par de algemas nele mesmo e em Eichmann, devendo ambos disparar, sem olhar para trás, para a embaixada de Israel. Eitan guardou as algemas e confidenciou com Aharoni que se ocorresse qualquer fracasso durante a operação, eles matariam o criminoso nazista. Harel alugou dois carros. No primeiro, dirigido por Aharoni, estavam Rafi Eitan, um agente chamado Moshe Tavor e Malkin, disfarçado com uma peruca. A eles competiria a ação de interceptar Eichmann, que deveria descer de um ônibus às 7h40m da noite e caminhar por um arremedo de

EICHMANN PERANTE UM JUIZ ISRAELENSE QUE EMITIU SEU MANDADO DE DETENÇÃO, 1960

eichmann NA PRISÃO, 1960

calçada em direção à sua casa. O segundo carro, dirigido por Shalom, se encontrava estacionado um pouco mais à frente, com o capô levantado, como se estivesse sendo consertado. Assim que Eichmann fosse avistado, os faróis seriam acesos de modo a ofuscá-lo para que ele não notasse a presença do carro da captura. Entretanto, Eichmann não desceu do ônibus às 7h40m. As duas equipes esperaram até 8 horas. Aharoni murmurou para Eitan se não era melhor irem embora, porque apesar da noite escura e da desolação do lugar, os dois carros ali parados poderiam chamar atenção. Às 8h05m, Shalom avistou Eichmann 31

e piscou sua lanterna para o outro carro, onde Aharoni ainda teve tempo de dizer a Malkin: “Cuidado, que ele pode estar armado”. Eichmann passou pelo quiosque e deu de frente com Malkin, que lhe disse a frase que tinha ensaiado até cansar: “Un momentito, señor”. Por causa da advertência de Aharoni, em vez de segurar Eichmann pelo pescoço, conforme havia treinado, focou sua mão direita. Foi o tempo que Eichmann teve para se atracar com Malkin e os dois rolaram abraçados para dentro de uma vala aberta na rua. Imediatamente, Eitan e Tavor se jogaram sobre eles. Malkin conseguiu agarrar suas pernas e os demais os braços. Jogaram-no no chão do banco traseiro do carro acolchoado por cobertores. Aharoni disse em alemão ao prisioneiro: “Se você não ficar quieto, vai levar um tiro”. Eichmann fez que sim com um gesto de cabeça. Alguns quilômetros adiante o carro parou para que suas placas fossem trocadas e seguiu para uma casa alugada, o esconderijo onde outros agentes aguardavam com ansiedade. Durante todo esse tempo, Eichmann não se moveu e nem disse uma só palavra. Eichmann foi acomodado no andar superior de um dos quartos da casa. Aharoni entrou no aposento e foi direto ao ponto: “Qual o seu nome?” Resposta: “Ricardo Klement”. abril 2017


SHOÁ

Imperturbável, Aharoni perguntou: “Qual o seu número de filiação no partido nazista e seu número na SS?” O prisioneiro forneceu os dois números corretamente. A partir de então nada mais adiantava negar. Ele era, de fato, Adolf Eichmann, nascido no dia 10 de março de 1906, em Solingen, Alemanha, um dos ativos formuladores da “Solução Final”, o assassinato em massa dos judeus europeus. Foi concedida a Peter Malkin a primazia de interrogar Eichmann no esconderijo, de forma extraoficial, uma inquirição que durou dez dias, até que Eichmann pudesse ser levado com segurança para Israel. (Ele foi sedado, vestido como comissário de bordo da El Al e embarcado no voo especial que fizera o trajeto para Buenos Aires). Aqui faço um parêntesis para falar exclusivamente de Malkin, meu querido amigo por mais de trinta anos, a quem sempre chamei de Zvika. A narrativa a seguir não tem nenhuma fonte bibliográfica. Apenas transcrevo o que dele muitas vezes ouvi durante nossa longa amizade. Primeira pergunta: “Por que você fez tudo o que fez?” Resposta: “Era apenas um trabalho que eu deveria cumprir. Não foi algo Público presente ao Julgamento de Eichmann, 1961

Israel. Afinal, depois de convencido por Zvika, acabou assinando o documento.

Jerusalém - exposição sobre Eichmann, 50 anos após julgamento

que eu tivesse planejado, nem que tivesse escolhido”. Zvika insistiu: “Mas, por que você? Conte-me tudo que aconteceu”. Eichmann respondeu que tudo se devia a uma soma de circunstâncias na quais quais ele havia sido enredado. Ao longo dos dias, Zvika pode perceber que Eichmann era dono de grande vaidade e rapidez de pensamento. Não foi arrogante e até manteve um certo tom de cerimônia. Enfatizou que estava apenas cumprindo ordens e nada tinha contra os judeus”. Zvika me disse que a aparente docilidade de Eichmann era, na verdade, uma forma que ele havia encontrado para ocultar sua culpa. O interrogatório prosseguiu com Zvika indagando sobre outros paradeiros de criminosos de guerra nazistas que supostamente se tinham refugiado na América do Sul, como o Dr. Joseph Mengele e Martin Bormann. Eichmann jurou que levava uma existência solitária com a família e nada sabia sobre os demais fugitivos. Zvika, então, lhe apresentou um documento preparado por Isser Harel no qual Eichmann atestaria que estava indo por espontânea vontade para ser julgado em Jerusalém. Ele disse que aceitaria ser julgado na Argentina ou na Alemanha, mas nunca em 32

Em outra ocasião, Eichmann relatou uma viagem que fez à então Palestina sob Mandato Britânico em 1937, que tinha lido O Estado Judeu, de Herzl, e que se tivesse nascido judeu seria sionista. E disse a Zvika: “Eu até me lembro de uma oração que um rabino me ensinou: Shemá Israel, Adonai Eloheinu... (Ouça, Israel, o Senhor é nosso...). Zvika me contou que naquela hora sentiu seu sangue ferver. Era insuportável ouvir dos lábios daquele assassino a oração que os judeus faziam quando eram levados para o extermínio. E explodiu para Eichmann: “Eu quero que você saiba que minha irmã tinha um filho pequeno, um menino lindo, que você matou”. Eichmann refletiu por alguns instantes e respondeu: “Sim... mas ele era judeu, não era?” ... Adolf Eichmann foi levado a julgamento em Jerusalém no dia 11 de abril de 1961, acusado de quinze crimes contra a humanidade e o Povo Judeu. O tribunal, presidido por três juízes da Suprema Corte de Israel, condenou-o à morte, consumada no dia 1o de junho de 1962.

BIBLIOGRAFIA

Harel, Isser, “The House on Garibaldi Street”, editora Frank Cass, Reino Unido, 2004. Malkin, Peter Z. (com Harry Stein), Eichmann in my Hands”, editora Warner Books, EUA, 1990. Bascomb, Neal, “Hunting Eichmann”, editora Houghton Miflin Harcourt, EUA, 2009. Nagorski, Andrew, “The Nazi Hunters”, editora Simon & Schuster, EUA, 2016. ZEVI GHIVELDER é escritor E JORNALISTA


COMUNIDADES

Os judeus de Curaçau

Na ilha de Curaçau, Mar do Caribe, judeus sefaraditas fundaram, em 1651, a congregação Mikvé Israel-Emanuel, que funciona até hoje e é a mais antiga das Américas.

C

uraçau, anteriormente parte das hoje extintas Antilhas Holandesas, é um país autônomo, um dos quatro que constituem o Reino dos Países Baixos1. A ilha foi descoberta por uma expedição espanhola em 1499 e ficou sob domínio desse país durante todo o século 16, até ser conquistada pelos holandeses, em 1634. Estes últimos decidiram tomar Curaçau após os espanhóis terem conquistado a ilha de Sint Maarten (Saint Martin), em 1633, até então dominada pelos holandeses, mais especificamente pela Companhia das Índias Ocidentais2 (em holandês: West-Indische Compagnie, ou WIC). Com a perda da ilha, a WIC perdeu uma importante base comercial nas Antilhas, o que foi desastroso para suas atividades.

1

2

Em abril de 1634, a WIC designou ao almirante e cartógrafo Johannes Van Walbeeck a tarefa de tomar as ilhas de Curaçau e Bonaire, também nas Antilhas, então sob domínio espanhol. As ilhas haviam sido escolhidas em virtude de sua estratégica localização vis-à-vis o continente americano, principalmente o porto natural de St. Anna Bay, em Curaçau. Por causa de sua privilegiada localização geográfica essa ilha teve no comércio e no transporte marítimo suas mais importantes atividades econômicas. Em maio daquele ano de 1634, Van Walbeeck deixou a Holanda com quatro navios, levando 180 marinheiros e 250 soldados, liderados por Pierre Le Grand, mercenário francês que havia servido aos holandeses no Brasil. Os espanhóis haviam praticamente abandonado Curaçau; não demostravam real interesse na ilha pois nela havia pouco ouro e era impossível o estabelecimento de grandes fazendas devido à escassez de água. Foi, portanto, relativamente fácil para a frota holandesa a conquista da ilha. Em 21 de agosto, os espanhóis se renderam e Van Walbeeck tornou-se o primeiro governador/administrador das Antilhas Holandesas. Durante seus três anos nessa função construiu uma fortificação no porto natural de St. Anna Bay e

Desde 2010, o Reino é composto por quatro nações: Países Baixos (Holanda), na Europa; Aruba, Curaçau e Saint Martin, no Caribe.

A WIC, também chamada de Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, era uma organização privada de comércio externo, subsidiada pelo governo, que se tornou instrumento da colonização holandesa nas Américas, tendo sido inclusive responsável pela ocupação de áreas no Nordeste brasileiro, no século 17.

33

abril 2017


COMUNIDADES

lançou as bases da cidade de Willemstad, ao lado do forte. O primeiro judeu a desembarcar na ilha foi Samuel Cohen, que atuava como tradutor de bordo da frota holandesa. Membro da congregação judaica de Amsterdã, Cohen lá permaneceu por cerca de oito anos. Há indicações de que, durante sua estada, ele tenha convencido alguns judeus de Amsterdã a se estabelecer em Curaçau. Mas eles só começaram a chegar em números consideráveis a partir de 1651. Entre os grandes acionistas da Companhia das Índias Ocidentais havia inúmeros judeus e sua forte proeminência na cúpula diretora resultará, como veremos a seguir, em uma série de benefícios e termos favoráveis concedidos aos judeus dispostos a se estabelecer em Curaçau. 3

Nova Amsterdã havia sido fundada em 1625 pela WIC, na ilha de Manhattan. Permaneceu sob controle neerlandês até 1664, quando foi capturada pelos britânicos que renomeariam o assentamento como New York.

Naquele ano de 1651, dirigentes da Companhia escreveram a Peter Stuyvesant, governador da Nova Amsterdã3 (futura Nova York). Na carta, revelaram que estavam pensando em abandonar Curaçau, pois a ilha não lhes dava o retorno financeiro esperado. Porém, antes de encerrar as atividades na ilha haviam decidido tentar algo novo. Haviam assinado um contrato com David Nassi, também conhecido como Joseph Nunes da Fonseca ou Cristóvão de Távora Nassi, que se comprometeu a levar para Curaçau um grande número de judeus. O grupo seria liderado pelo judeu Jan de Illan, ou João d’Ylan (também conhecido como Jeojada ou Jeudah de Illan). Na carta, explicavam: “Ele (Nassi) pretende levar um número considerável de pessoas para colonizar e cultivar a terra, mas suspeitamos que ele e seus sócios tenham outro objetivo em mente: fomentar o comércio a partir de Curaçau para as Índias Ocidentais e o continente americano. De qualquer forma, desejamos fazer 34

esta tentativa e ao senhor caberá encarregar o diretor Rodenborch de manter Nassi dentro dos limites e em conformidade com as condições estipuladas no contrato”. A Carta de Privilégios concedida a Nassi estabelecia que ele deveria receber duas léguas de terras ao longo da costa de Curaçau para cada 50 famílias; e quatro para cada 100 famílias. Os benefícios incluíam, ainda, isenção de impostos por dez anos e o privilégio de escolher as terras onde desejavam estabelecerse. A Carta ainda rezava que os judeus teriam liberdade e tolerância religiosa, embora fossem proibidos de obrigar cristãos a trabalhar aos domingos, “bem como praticantes de nenhum outro credo deveriam trabalhar nesse dia”. Essa é a mais antiga Carta de Privilégios que especificamente concedia liberdade e tolerância religiosa aos judeus no Novo Mundo. Como estipulado, Jan de Illan levou cerca de 50 judeus – de 10 a 12 famílias – da comunidade portuguesa de Amsterdã para


REVISTA MORASHÁ i 95

Curaçau. O governador da ilha, Matthias Beck, foi incumbido pela WIC de colocar à sua disposição terras, escravos, cavalos, rebanhos, ferramentas e suplementos agrícolas para que os recém-chegados pudessem plantar e desenvolver os recursos naturais da região. Apesar das condições favoráveis sob as quais chegaram à ilha, ainda assim os judeus tiveram que enfrentar inúmeras restrições. Os judeus passaram inicialmente a trabalhar na agricultura e a viver na Plantação “De Hoop” (“A Esperança”). As terras que lhes foram consignadas estavam localizadas ao norte da cidade de Willemstad. Ainda hoje, o distrito é conhecido como Jodenwyk (Bairro Judeu).

Em abril do ano seguinte, os diretores da Companhia das Índias Ocidentais escreveram novamente para Stuyvesant alertando que Nassi “se preparava para levar para Curaçau um grande número de pessoas”. Mas, devido às hostilidades entre a Holanda e Inglaterra, nenhum judeu foi para Curaçau. Um número substancial deles acabou se fixando na ilha dois anos mais tarde, em 1654, quando os portugueses reconquistaram dos

Em 1651, David Nassi recebeu a mais antiga Carta de Privilégios que especificamente concedia liberdade e tolerância religiosa aos judeus no Novo Mundo

Em 1651, logo após sua chegada, fundaram a congregação Mikvé Israel (Esperança de Israel). O nome da congregação aparece numa carta escrita em 1654 por um viajante judeu e dirigida a “Mahamad, do Kahal Kadosh Mikvé Israel”, de Curaçau. 35

abril 2017


COMUNIDADES

viável. Seus esforços pareciam inúteis perante o clima, a aridez do solo e os contínuos períodos de seca. A maior parte deles passaram então a atuar no comércio e principalmente no lucrativo contrabando com as ilhas vizinhas. Porém, pelos termos das Cartas de Privilégios concedidas pela WIC, não era permitido aos judeus atuar no comércio, principalmente porque isto ia contra os interesses da Companhia. No entanto, fracassaram as inúmeras tentativas feitas pela mesma para impedir essa situação. SINAGOGA Mikve Israel Emanuel, CURAÇAU

holandeses os territórios no Brasil (mais especificamente na região do atual Recife) e os judeus que lá viviam, temerosos de serem sujeitos a perseguições religiosas e à ação da Inquisição, deixaram apressadamente a região. Alguns se estabeleceram nas Índias Ocidentais, outros na América do Norte, mas muitos foram para Curaçau levando consigo considerável riqueza.

WIC concedeu a Issac Acosta (Issac da Costa), de Amsterdã, mais uma Carta de Privilégios, autorizando-o a levar judeus para Curaçau. O grupo de 70 por ele organizados chegou à ilha, levando consigo um presente para a Congregação Mikvé Israel, enviado pela comunidade de Amsterdã: um Sefer Torá que ainda hoje é usado na Sinagoga Mikvé Israel-Emanuel.

Um novo contingente de judeus chegou à ilha em 1659, quando a

Em 1659, Stuyvesant, então governador da Nova Amsterdã, queixou-se aos diretores da Companhia que os judeus de Curaçau tinham sido “autorizados a possuir escravos e tinham outros privilégios que não eram usufruídos pelos demais colonos de Nova Amsterdã”. Ele pedia para os habitantes de sua colônia “se não mais, pelo menos os mesmos privilégios que tinham os judeus usurários e ambiciosos”, como os definia. Não tardou para que os judeus descobrissem que a agricultura não era uma atividade economicamente 36

Ademais, em plena transgressão das instruções enviadas pela WIC, as autoridades locais eram coniventes com o comércio, principalmente o que se desenvolvera em 1656, entre os judeus de Curaçau e Isaac de Fonseca, de Barbados, e que acabaria minando o monopólio comercial da Companhia das Índias Ocidentais na região. Entre outros, as autoridades de Curaçau decidiram não interferir quando Fonseca ameaçou redirecionar seu comércio à Jamaica, abandonando Curaçau. Em 1657, já era intenso o comércio entre Nova Amsterdã e Curaçau, controlado principalmente pelos judeus e que contribuiu grandemente para o desenvolvimento comercial das duas colônias. No início do século 18, a Baía de Willemstad era um dos portos mais movimentados do Caribe. Os judeus de Curaçau estabeleceram redes comerciais entre o Norte da Europa e a América do Sul, importando bens industrializados da Holanda e distribuindo produtos da colônia para os países vizinhos. Suas conexões familiares e suas relações com comerciantes e financistas judeus, principalmente


REVISTA MORASHÁ i 95

sefaraditas, em grandes centros do mundo, como Amsterdã, Hamburgo, Londres, Bordeaux, Lisboa, Madri e Nova York, entre outros, permitiamlhes controlar a maior parte do comércio do Caribe. Deve-se ressaltar que era ínfimo o número de judeus envolvidos no comércio de escravos, que era essencialmente dominado pelos holandeses.

Uma vida judaica Os primeiros colonos judeus viveram primeiro fora da cidade, no Bairro Judaico. Mas, à medida que grande parte da comunidade passou a se dedicar a atividades comerciais, seus integrantes se mudaram para a cidade murada de Willemstad. Como vimos acima, em 1651, logo após os primeiros judeus se estabelecerem em Curaçau, foi fundada a Congregação Mikvé Israel (Esperança de Israel), sob a orientação da comunidade portuguesa de Amsterdã. Esse nome está intimamente ligado ao que haviam atribuído à sua primeira plantação, “De Hoop” (A Esperança). Naquele mesmo ano, uma sinagoga foi improvisada numa pequena casa, provavelmente localizada nos campos onde trabalhavam.

interior da Sinagoga Mikve Israel Emanuel em Willemstad, Curaçau

uma corruptela para “esnoga”, uma antiga palavra em ladino-português para sinagoga. Em 1739, o edifício foi ampliado e a construção atual data daquela época. Sua arquitetura e interior foram preservados praticamente inalterados desde sua construção, há 287 anos. Com seus três altos tetos abobadados, a Arca

Com o aumento do número de judeus, em 1656, alugaram uma pequena construção de madeira para a realização de serviços religiosos. O primeiro edifício da sinagoga foi comprado em 1674, e com o crescimento da comunidade, uma nova sinagoga foi construída em 1692 e consagrada na véspera de Pessach do mesmo ano. O serviço religioso foi oficiado pelo chazan David Raphael Lopez de Fonseca. A sinagoga era comumente conhecida pelo nome de “Snoa”,

Interior da Sinagoga Mikve Israel Emanuel, Curaçau

37

Sagrado e o púlpito, as galerias, os bancos e candelabros, o interior da sinagoga tem grande semelhança com a Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, só que tem apenas ⅔ de seu tamanho. Entra-se na sinagoga através de um pátio silencioso, e logo se avista o vitral colorido das janelas. Caminhando-se por um piso coberto de areia, chega-se até a Arca Sagrada entalhada em mogno. Ainda que alguns acreditem que a areia no piso simbolize os 40 anos que o Povo Judeu andou pelo Deserto do Sinai após ser expulso do Egito, a maioria concorda que os pisos de areia sirvam para recordar aos membros da Congregação como seus antepassados judeus na Península Ibérica cobriam o chão de suas casas de oração improvisadas para que fossem abafados os passos dos judeus que estivessem praticando sua fé em segredo para não despertar a suspeita de potenciais delatores. Ainda em 1656 a comunidade de Curaçau teve a autorização abril 2017


COMUNIDADES

1

2

3

1. ROLOS De TORÁ 2. KETER TORÁ - COROA DA TORÁ 3. RIMONIN - ENFEITES DA TORÁ

de construir um Bet-HaChaim (cemitério) e a terra originalmente concedida às primeiras 12 famílias de imigrantes judeus foi alocada para esse fim. As sepulturas mais antigas datam de 1668 e fazem deste um dos primeiros cemitérios no Novo Mundo, com mais de 2.500 túmulos. Sua antiguidade e herança histórica fazem do cemitério um extraordinário monumento internacional. Infelizmente, muitos deles foram destruídos pela erosão provocada pela chuva ácida e fumaça sulfúrica das refinarias próximas. O primeiro Chacham oficialmente indicado para a comunidade foi Josiahu Pardo, que chegou vindo de Amsterdã em 1674 e ali permaneceu até 1683, quando partiu para a Jamaica. Um sinal dos fortes vínculos entre as congregações de Amsterdã e Curaçau é o fato de que Pardo era o filho de David Pardo que, juntamente com Saul Levi Morteira, Menasseh ben-Israel, e Isaac Aboab, integravam a Corte Rabínica de Amsterdã. Em 1715 foi fundada pela comunidade Curaçau uma organização de assistência social para atender os necessitados e os doentes. A comunidade tornara-se tão próspera que, cinco anos depois, enviaram auxílio à Congregação Shearith Israel, de Nova York e, entre outros, em 1756, atenderam outra solicitação, dessa vez dos

judeus de Newport. Passaram também a enviar dinheiro para ajudar no estabelecimento de outras comunidades sefaraditas na América do Sul e do Norte. A comunidade floresceu a ponto de tornar-se conhecida como “a comunidade-mãe americana”.

do outro lado do porto. Para não cruzar as águas no Shabat e poder participar dos serviços religiosos, aqueles que residiam nesse distrito mais distante formaram uma nova comunidade, a Congregação Neveh Shalom, e, em 1745, consagraram sua própria sinagoga.

No século 18 crescera o número de judeus que viviam na ilha; em meados do século a população judaica de Curaçau somava duas mil pessoas e, no final, constituíam mais da metade da população branca da ilha.

Por algum tempo essa nova congregação foi considerada apenas uma ramificação da comunidade mais antiga, funcionando sob sua direção. Mas, uma série de disputas internas levou, em 1749, à separação das duas. A fissura criada foi resolvida apenas pela intervenção do príncipe William Charles de Orange-Nassau que, em abril de 1750, ordenou o fim do embate entre as duas comunidades. A determinação real ordenava que “as comunidades terminassem as disputas, submetendo-se à direção dos Parnassim e à diretoria da sinagoga original (Mikvé Israel), e se sujeitassem ao regulamento da comunidade portuguesa de Amsterdã”. Este acordo foi mantido até 1870, quando a Neveh Shalom tornou-se independente.

Em 1740 havia em Curaçau duas congregações judaicas. As levas mais recentes instalaram-se em uma área atualmente conhecida como Otrabanda, como o nome diz,

Séculos 18 e 19

Bet-HaChaim (cemitério), Curaçau

38

Como vimos acima, os judeus da ilha viveram um período de grande prosperidade, iniciado nas primeiras décadas do século 18, ocupando posições de destaque tanto na vida econômica quanto


REVISTA MORASHÁ i 95

política e social da ilha. Nessa região subdesenvolvida, eles conseguiram sobressair com seus conhecimentos de comércio internacional, expedição e seguro marítimo, e transporte. No final do século eram donos da maioria das propriedades do distrito de Willemstad. Os mercadores judeus possuíam suas próprias frotas e, entre 1670 e 1900, chegaram a ter mais de 1.200 navios, muitos dos quais tinham capacidade de navegar até Nova York, e outros chegavam até a Holanda. E havia cerca de 200 capitães judeus no comando dessas embarcações. O fluxo comercial era tanto que havia dias em que mais de 50 navios partiam para a Holanda, carregados de produtos, a maioria deles de propriedade de mercadores judeus.

Congregação Shaarei Tsedek, Curaçau

conseguir, cerca de 20 anos após a “emancipação judaica” (1825), alçar a posições governamentais.

Durante a primeira metade do século 19 surgiram inúmeras empresas de judeus que integravam serviços internacionais de comércio, indústria e serviços financeiros. Atualmente, empresas judaicas comerciais continuam à frente da economia da ilha, embora o número de empreendimentos pertencentes a membros da comunidade tenha diminuído ao longo dos anos. Judeus de Curaçau lutaram ao lado de Simon Bolívar, que atuou nas primeiras décadas do século 19 de forma decisiva no processo de independência da América Espanhola. Duas personalidades judias de Curaçau destacaram-se no exército de Bolívar, um combatendo e o outro como fornecedor de suprimentos, além dos judeus de Curaçau que lhe deram refúgio com sua família nos momentos de necessidade. O final da escravidão, em 1862, levou à deterioração da economia local, em

No século 20, os judeus ainda faziam parte das figuras de destaque da ilha, respondendo por 44 das 52 empresas das principais áreas da economia de Curaçau.

A chegada dos asquenazitas

Entrada da Sinagoga Shaarei Tsedek, Curaçau

geral. As dificuldades econômicas levaram muitos judeus a partir. Entre os destinos escolhidos estavam St. Thomas, República Dominicana, Cuba, Jamaica, América Central, Venezuela, Colômbia e os EUA. Os que ficaram, no entanto, conseguiram manter suas posições socioeconômicas na ilha. Em parte, por causa de seu nível educacional – muitos haviam estudado em universidades alemãs – puderam 39

Durante quase três séculos, os judeus sefaraditas foram os únicos judeus em Curaçau. A situação mudou a partir das décadas de 1920 e 1930 quando começaram a chegar ashquenazim oriundos da Europa Oriental, a maioria vindos da antiga Bessarábia, na área fronteiriça entre a Romênia e a Rússia, e poucos da Polônia. Nas últimas décadas do século 19 um grande número de judeus deixou a Rússia czarista e outros países da Europa Oriental. Entre 1880 e 1933 cerca de quatro milhões de judeus do Leste europeu fugiram para o Ocidente, principalmente abril 2017


COMUNIDADES

para os Estados Unidos. Os judeus asquenazitas que chegaram a Curaçau faziam parte dessa onda migratória. Para muitos deles o sonho de imigrar para os Estados Unidos esbarrou na política de restrição à imigração adotada pelos EUA, com imposição de cotas, em 1921, 1925 e 1927. Milhares de judeus do Leste europeu tiveram que buscar refúgio em diferentes países na América Latina. Poucos dos que acabaram em Curaçau tinham ouvido falar da ilha; estavam a caminho de outros destinos no continente latinoamericano e os navios em que viajavam paravam em Curaçau para abastecer. Muitos dos que decidiram ficar tomaram a decisão após saber que havia problemas políticos no país de seu destino final e que, na ilha, havia muitas oportunidades econômicas. Passado algum tempo, os que lá tinham decidido ficar mandavam buscar a família na Europa. Um recém-chegado era ajudado pelo grupo, sendo contratado como empregado ou recebendo ajuda na forma de crédito. Ser um

dias. Chamavam-se de knockers (em holandês, kloppers), em alusão à palavra em iídiche para quem bate à porta. Aos poucos, deixaram de ser ambulantes para começar a vender em pequenas lojas, em ruas secundárias, e, posteriormente, em grandes estabelecimentos nas ruas principais. Com o passar do tempo passaram a importar diretamente e, beneficiados pelos impostos baixos e a pouca concorrência, prosperaram, mesmo durante a depressão de 1930.

George Maduro

“Landsman” (palavra em iídiche para compatriota, oriundo do mesmo lugar), era de grande importância e impunha confiança. Os asquenazistas chegaram com poucos recursos, alguns eram artesãos, mas a maioria tinha alguma experiência em comércio varejista. Muitos dos que começaram a vida como vendedores ambulantes prosperaram de forma impressionante. Inicialmente sobreviveram comprando mercadorias dos sefaraditas e vendendo-as através das áreas rurais da ilha. Levavam as mercadorias nas costas ou pagavam a algum garoto para carregar parte dos pacotes, viajando a pé dias e

Os asquenazitas formaram um grupo fechado. Em 1932 organizaram um centro judaico chamado Club Union e, em 1959, já tinham sua própria sinagoga – a Shaarei Tsedek. No final do século 20 por volta de 400 judeus ashquenazim viviam na ilha.

2ª Guerra Mundial e pós-guerra No dia 10 de maio de 1940, informados sobre a invasão alemã na Holanda, as autoridades em Curaçau agiram de forma rápida. Todos os navios alemães foram confiscados e suas tripulações, cerca de 500 homens, aprisionados e enviados para campos em Bonaire, até o final da guerra. Outros considerados inimigos do Estado, de acordo com a sua nacionalidade, também foram deportados para Bonaire, inclusive, por mais absurdo que possa parecer, vários judeus alemães e austríacos. Depois da 2a Guerra foi erguido um monumento em homenagem aos antilhanos que deram a vida, na luta contra os nazistas. Numa placa estão gravados 162 nomes, entre os quais, o de George Maduro, judeu, oficial da reserva do exército holandês, que lutou heroicamente. Após a capitulação da Holanda perante as forças alemãs, Maduro

40


REVISTA MORASHÁ i 95

uniu-se à Resistência para ajudar pilotos aliados a escapar pela Espanha. Foi finalmente preso pelos alemães e morreu em fevereiro de 1945, em Dachau. Um parque com miniaturas dos principais marcos da Holanda, denominado Madurodam, foi construído em Haia em sua memória.

Boom econômico A nova refinaria de petróleo construída pela Shell em Curaçau, em 1915, foi responsável pelo boom econômico local. Em 1954, a ilha se tornou sede do governo da recém autônoma Antilhas Holandesas. Foi nessa época que a atividade financeira off-shore passou a ser a força motriz da economia local. No entanto, a crise do petróleo dos anos 1970 acabou com a prosperidade, e a redução dos investimentos internacionais, na década seguinte, levou ao declínio econômico. A Shell fechou a refinaria em 1985.

Nas primeiras décadas do século 20, os judeus sefaraditas mantiveram sua posição de liderança no setor bancário e comercial. Muitos eram ativos também na vida política, intelectual e social da ilha. Mas, ao longo dos anos, a população judaica de Curaçau encolheu de forma considerável em função da emigração e como resultado do número crescente de casamentos mistos. Como resultado desse declínio, tornou-se cada vez mais difícil para ambas as sinagogas ter um minian em todos os serviços religiosos. Chegou-se a um acordo e a Sinagoga Mikvé Israel concordou em substituir seu rito sefaradita por um que mesclasse elementos asquenazitas e liberais. A fusão se concretizou, de facto, em 1963 e, de jure, em 1965. O êxodo dos judeus se intensificou na década de 1970. Alarmados após terem sido alvo dos distúrbios de 30 de maio de 1969, chamados de Trinta di Mei, em papamento, 41

muitos judeus deixaram a ilha. A recessão econômica do início dos anos 1980, resultante da desvalorização do bolívar venezuelano, aumentou o êxodo levando-os a fechar ou vender seus negócios, emigrando principalmente para os EUA. Atualmente vivem na ilha 450 judeus. Continuam a desempenhar um papel vital na vida econômica, comercial, cultural e social da ilha. De seu total, 75% são membros da Mikvé Israel e os demais, da Shaarei Tsedek. Serviços regulares de Shabat e das festas do calendário judaico são realizados nas duas sinagogas e ambas possuem programas educacionais para crianças e adultos. Bibliografia

Arbell, Mordehay, The Jewish Nation of the Caribbean: The Spanish-Portuguese Jewish Settlements in the Caribbean and the Guianas Scheib, Ariel, Curacao Virtual Jewish, http://www.jewishvirtuallibrary.org/curacao abril 2017


PERSONALIDADE

Leonard Cohen, compositor e poeta Ele foi cantor, compositor e, sobretudo, um poeta cujas palavras eram destinadas a atrair a atenção dos Céus. Neto de um rabino, Leonard era um contador de histórias que conseguiu capturar em seus poemas e músicas a essência, a beleza e a dor que nos rodeiam.

L

eonard Cohen foi um dos mais influentes artistas dos séculos 20 e 21. Autor da canção “Aleluia”, um dos maiores sucessos de todos os tempos, ele era um ícone do universo musical, um artista singular que não pertencia a uma época em particular. Começou sua trajetória artística como poeta, chegando aos 30 anos antes de decidir-se a entrar no mundo da música. Seu sucesso chegou lentamente, primeiro na Europa e em Israel e, posteriormente, nos Estados Unidos – e neste país quando já tinha completado 50 anos.

de Montreal, no sudoeste de Quebec, Canadá. Era uma florescente comunidade judaica. Seu avô materno era o Rabi Solomon Klinitsky-Klein, conceituado erudito e autor de várias obras. Tanto o rabino Solomon como Lazarus Cohen, bisavô paterno de Leonard, nasceram na Lituânia, onde eram considerados promissores estudiosos talmúdicos. Pobreza e pogroms levaram os dois a deixar sua terra natal, estabelecendo-se inicialmente na Inglaterra e, em seguida, no Canadá. Enquanto Rabi KlinitskyKlein continuou trilhar o caminho espiritual, Lazarus Cohen decidiu buscar o mundo dos negócios. Trabalhou primeiro em um depósito de madeira e lutou muito até conseguir se tornar um dos mais importantes empresários de Montreal. Seu filho, Lyon, avô de Leonard, fez crescer ainda mais a fortuna da família ao fundar uma empresa extremamente bem sucedida no ramo de vestuário.

Era uma pessoa muito discreta, relutante em revelar aspectos de sua vida particular. Quando entrevistado, costumava dizer que as únicas respostas que realmente importavam eram as referentes às suas canções. Morreu aos 82 anos, em 7 de novembro do ano passado, em Los Angeles.

Vida familiar

Os Cohens eram amigos da família Klinitsky-Klein desde a Lituânia, e Lyon ficou feliz quando Masha, filha de Rabi Salomon, casou-se com seu filho Nathan. Foi assim que Leonard cresceu em um ambiente de fartura e judaísmo.

Em 21 de setembro de 1934, com o nascimento de Leonard, Masha e Nathan Cohen tornaram-se pais pela segunda vez – já tinham uma menina. A família vivia então em Westmount, subúrbio afluente na ilha 46


REVISTA MORASHÁ i 95

O judaísmo sempre foi muito presente em sua vida. Lazarus Cohen, seu bisavô paterno, era um homem religioso e sionista. Ajudou a construir a mais importante sinagoga de Montreal, Shaar Hashamayim, ou Portão do Paraíso.O jovem Leonard ia à sinagoga todo sábado de manhã. A família Cohen era sionista e acreditava que os judeus poderiam um dia voltar ao seu Lar. Quatro anos antes do 1º Congresso Sionista, realizado na Basileia em 1897, Lazarus já tinha ido a Eretz Israel onde adquiriu terras. Lyon, o avó de Leonard, herdou de seu pai o amor por nosso povo e nossa Terra. Na porta de sua casa, havia uma grande Estrela de David esculpida e, em 1919, ele se tornou membro fundador e primeiro presidente do Congresso Judaico do Canadá, que congregava as organizações judaicas do país.

Leonard perdeu seu pai ainda muito jovem, em janeiro de 1944. Lutando na 1ª Guerra Mundial como tenente da 4ª Companhia de Campo de Engenheiros Canadenses, Nathan foi ferido gravemente. Após a morte do pai, seus tios o convidaram para trabalhar na empresa da família. Mas, após um verão inteiro na fábrica, pendurando casacos nas

com sua irmã, esther

47

araras, teve a certeza de que, embora houvesse um lugar para ele no mundo dos Cohen, aquilo não era para ele. Ele sabia que o intuito de seus tios era “salvar o pobre coitado do filho do irmão”. Além disso, a indústria têxtil tinha poucos atrativos para um jovem que estava descobrindo os poetas e os profetas judeus... Vários anos após a morte do pai, seu avô, Rabi Solomon, viveu um ano em sua casa, revelando-lhe uma visão mais espiritual do judaísmo. O avô costumava ler e reler para Leonard passagens do Profeta Isaías e de outros profetas do Tanach. Lia para ele versos como: “O Senhor castigará a Terra: com o castigo de Sua boca e a respiração de Seus lábios Ele destruirá os malvados”. Com sua linguagem de punição e justiça, de condenação e salvação, as palavras dos Profetas do Tanach apontavam abril 2017


PERSONALIDADE

de poemas, “Let Us Compare Mythologies”, publicados em 1956. Após se formar, fez um semestre de Direito, além de trabalhar nas empresas da família durante alguns meses. Insatisfeito, mudouse para Nova York, alugando um apartamento em Riverside Drive e matriculando-se na Universidade de Columbia, onde estudou inglês. Enquanto isso, escrevia. Mas nada disso o satisfazia. Nem a rotina do trabalho nem tampouco o curso de graduação conseguiram diminuir seu desejo, sua percepção de que havia uma maneira melhor de viver e de ser que ele ainda não descobrira.

leonard, menino pequeno, com a mãe e irmã

para um judaísmo totalmente diferente da que Leonard ouvia na sinagoga. Era uma visão espiritual que fascinou o jovem. Crescendo sem uma figura paterna para guiá-lo, Leonard foi obrigado a traçar sozinho os seus caminhos. Enquanto frequentava o Ensino Médio, interessou-se por garotas, estudou oratória e concorreu à liderança estudantil; fez esportes e foi monitor em colônias de férias; aprendeu a tocar razoavelmente vários instrumentos, inclusive a guitarra, e formou um banda chamada Buckskin Boys. Não era muito próximo de sua irmã, e sua mãe se casara novamente, porém logo se divorciou. Leonard considerava a mãe uma mulher amorosa, mas impulsiva e emotiva. E, quando estava em casa, ele passava a maior parte do tempo no seu quarto, lendo, escondendo-se de todos. Desenvolveu o hábito de fazer longas caminhadas que o levavam às mais diferentes partes da cidade. Como suas notas eram boas, mantendo as aparências podia fazer o que quisesse.

Amor à poesia Leonard Cohen começou sua vida artística como poeta. Herdara do avô materno a percepção de que as mais elevadas formas de literatura falam de justiça e almejam à transcendência. Em 1951, com apenas 17 anos, foi aceito na Universidade McGill, de Montreal, tornando-se o talento literário da instituição. Enquanto cursava, escreveu uma coletânea

Já tinha publicado duas coletâneas e a crítica o chamara de “O melhor poeta de sua geração”. Podia ser visto fazendo leituras de seus poemas, à noite, sentado em uma banqueta, com pouca iluminação, apenas um foco sobre si. Tímido, ele tinha receio de palco. Quando tinha que se apresentar publicamente, seu sorriso era nervoso, apertava seu livro de poemas contra o estômago, evitando fixar seu olhar. Mas assim que começava a falar, seu ritmo era perfeito, e o público era embalado por suas palavras. Em 1964, aos 30 anos, deixou os Estados Unidos e passou a viver na ilha grega de Hydra, em uma casa branca no alto de um penhasco. Dali via o mar Egeu. Passava horas, diariamente, escrevendo. Inicialmente escrevia sobre redenção, um tema judaico amplo o suficiente para o trabalho de uma vida.

Leonard Cohen com amigos nos velhos tempos em Hydra, Grécia, 1964

48

Depois vieram trabalhos mais ousados, trabalhos que deixaram os críticos boquiabertos e afastaram


REVISTA MORASHÁ i 95

muitos fãs. Em 1964, quando sua coletânea de poemas sobre Hitler e sobre crueldade foi finalmente publicada, sob o provocativo título de “Flowers for Hitler”, ele prefaciou a obra com a seguinte citação: “Se de dentro do campo de concentração Primo Levi, um sobrevivente, escrevesse uma mensagem que pudesse ser levada aos homens livres, teria sido esta: ‘Tomem cuidado para não sofrer em suas próprias casas o que nos é infligido aqui’”. Cohen acreditava que a capacidade de fazer o mal estava dormente em todos nós, e se quiséssemos expurgá-la, antes de mais nada era preciso aprender a falar sobre ela.

De poeta a cantor Aos 32 anos, Leonard decidiu tornar-se cantor. Era o ano de 1966 quando deixou a ilha de Hydra e se mudou para Nova York. Tinha planos audaciosos em relação à sua carreira e queria reinventar-se como autor de canções. Sentia que, finalmente, havia encontrado a expressão artística que lhe permitiria transmitir e disseminar suas ideias. Há quem diga que essa sua decisão pode ter sido influenciada, em parte, por motivos financeiros, mas certamente nunca foi a única razão, sequer a principal. O lado espiritual da música atraía Leonard, ele sabia da importância da música para o espírito humano. O Livro dos Salmos, que o fascinava – instruía os que o estudavam: “Cante ao Senhor com graças; cante cânticos de louvor com a harpa para o Senhor, nosso D’us”. Cohen, que estudara os Cinco Livros de Moshé, sabia ainda da importância da música na época do Grande Templo de Jerusalém. Quando ofereciam os sacrifícios, os

entrevista que deu anos mais tarde, revelou que tudo o que já tinha escrito, fossem seus poemas, canções, todos era, na verdade, “um grande diário, regulado pela música de violão”. Ao se mudar para Nova York, em 1966, conheceu um jovem músico, 10 anos mais novo do que ele, Bob Dylan, sentindo-se logo imensamente atraído por suas músicas.

Leonard Cohen escritor

Cohanim eram acompanhados por música e cânticos dos Leviim. Quando passou a compor música o resultado foi sublime. Eram músicas produzidas lentamente e com grande esforço, Cohen levava meses escrevendo cada uma delas. Escrevia dezenas de versos para cada uma e, então, lentamente, ia ajustando-os até alcançar sua essência. Isso levava às vezes anos. Ao cunhar seus versos, ele os transformava de confissões pessoais em invocações universais. Numa

Em 1966, o rock n’ roll mudara. Compositores como Dylan se preocupavam com a poesia das letras e a mensagem a ser transmitida. Ainda que isso combinasse bem com a música de um poeta interessado na redenção e na espiritualidade, o universo do rock n’ roll não recebeu Leonard de braços abertos. O início de sua carreira foi difícil. Ia de agente em agente, sendo repetidamente rejeitado. Diziam-lhe que era muito velho e suas canções melancólicas. Tampouco agia como alguém que tinha como prioridade impressionar Nova York. No fundo, ele ainda era o jovem que lia os Salmos, o Profeta Isaías e que escrevera, em uma de suas músicas, que “... esqueceram-

com bob dylan

49

abril 2017


PERSONALIDADE

se de rezar aos anjos e os anjos se esqueceram de rezar por nós...”. Finalmente, através de um amigo, foi apresentado à canadense Mary Martin, que o apresentou a John Hammond, o homem que descobrira, além de Dylan, vozes como Billie Holiday e Aretha Franklin. Martin telefonou a Hammond e lhe disse: “Há um poeta canadense que acho que vai-lhe interessar. Ele toca bem a guitarra e é um compositor maravilhoso, mas não lê música e é estranho...”. O empresário recorda que percebeu imediatamente o potencial de Leonard. “Ele era encantador.... não se parecia a nada que eu já tivesse ouvido. Eu sempre quis ser o agente de alguém verdadeiramente original, se eu pudesse encontrar um, pois não há muitos no mundo. E o jovem sentado à minha frente ditava suas próprias regras, e era realmente um poeta extraordinário”. Hammond lembra ainda que quando Cohen terminou de tocar ele lhe disse: “Você tem o que é preciso”. Cohen ficou sem saber se ele se referia ao talento Divino ou a uma recompensa mais terrena de um contrato de gravação com a poderosa Columbia. Hammond provavelmente quis dizer ambos, e, em agosto de 1967, Cohen entrava no estúdio para gravar seu primeiro álbum. Em novembro daquele ano de 1967, duas de suas primeiras composições foram gravadas por Judy Collins em seu álbum “In My Life” – “Dress Rehearsal Rag”, e “Suzanne,” um de seus primeiros poemas, então musicado. No mesmo disco, a cantora interpretou músicas de Dylan e dos Beatles. O álbum ganhou o Disco de Ouro

em 1973, entre soldados de israel. sharon, à sua esquerda

e Cohen pôde, a partir de então, considerar-se “um compositor”. Com todo o seu talento, no entanto, Leonard ainda ficava aterrorizado diante de um palco. Apresentar-se ao vivo, diante de uma multidão, era extremamente difícil para ele. Caminhava hesitante em direção ao palco, com a guitarra escondida e suas pernas tremendo. Mas, assim que começava a cantar encantava o público.

Sua relação com Israel Em 19 de abril de 1972, ele aterrissou no Aeroporto BenGurion, em Israel, para realizar um concerto em Tel Aviv e dois em Jerusalém. Ficou extasiado ao ver Jerusalém, a Cidade de David. Em uma entrevista, um dos repórteres lhe perguntou se ele era “um judeu praticante”, ao que respondeu: “Estou sempre ‘praticando’. Às vezes sinto temor a D’us. Sinto, mesmo, esse temor, às vezes”. Leonard sabia que era famoso, em Israel. Durante os shows que deu nesse país percebeu o 50

quanto a multidão o amava – e o quanto ele amava aquele público. Durante um de seus shows, já no camarim, Leonard ouviu a agitação no auditório com o público pedindo sua presença no palco. Milhares de pessoas passaram a aplaudir e cantar “Hevenu Shalom Aleichem,” popular música de uma única estrofe, que significa “Trouxemos a paz para você”. E ao ouvir essa música, decidiu entrar palco. O público passou a cantar mais alto ainda e aplaudir mais forte, com mais entusiasmo do que Leonard ou seus músicos jamais tinham ouvido em qualquer apresentação. Com lágrimas nos olhos, Leonard pegou o microfone e disse: “Ei, pessoal, minha banda e eu estamos todos chorando. Estamos muito emocionados e não podemos continuar. Quero apenas dizer-lhes muito obrigado e boa noite!”. “Que público!”, disse, para ninguém em especial ao deixar o palco”.

A Guerra de Yom Kipur A Guerra de Yom Kipur eclodiu em 6 de outubro de 1973. Leonard estava em Hydra e assim que soube do ataque a Israel partiu para Atenas e, de lá, pegou um avião para Tel Aviv.


REVISTA MORASHÁ i 95

Acidentalmente encontrou em um café um homem chamado Levi que o reconheceu. Para Levi, foi um sonho, pouco provável ver Leonard sentado sozinho naquele café. O artista lhe disse que não podia ficar longe de lá e tinha vindo assim que soubera do ataque contra Israel. Não sabia por que, nem o que faria ao chegar. Mas tinha que vir. Levi lhe respondeu que sua mera presença, em meio à guerra, faria milagres para o moral dos soldados, e que ele o levaria até eles nas bases militares e até nas várias frentes de batalha. A primeira parada foi numa base, onde foi improvisado um palco. Quando Levi apresentou-se e então anunciou o convidado especial, Leonard Cohen, inicialmente ninguém aplaudiu, pois ninguém acreditou que fosse verdade. O silêncio se manteve quando Leonard entrou, mas foi subitamente rompido pelos aplausos de soldados exaustos. Aquele momento o transformou. Assim que o show acabou, pegou sua guitarra e escreveu uma nova canção: “Lover, Lover, Lover.” No segundo show daquele dia, ele apresentou ao público a sua nova música. E os versos diziam: “E que o espírito desta canção, que possa alçar-se puro e livre, que possa ser um escudo para vocês. Um escudo contra o inimigo”... Leonard estava incansável e manteve um ritmo intenso de apresentações, até umas oito por dia, durante quase três meses. Em alguns locais, cantou de pé, com um soldado segurando uma lanterna para permitir que vissem seu rosto. Frequentemente ele e Levi simplesmente dirigiam ao longo das frentes de batalha, parando onde avistassem um grupo de soldados

com o filho, Adam Cohen

e surpreendendo-os com algumas canções. Em uma apresentação para uma unidade de paraquedistas, no Deserto do Sinai, poucas horas antes deles partirem para a batalha, Leonard pediu aos homens que se aproximassem e começou a cantar os primeiros versos de “Até logo, Marianne”. A canção, disse Cohen, fora feita para ser ouvida em casa, com uma bebida em uma das mãos e com a outra abraçando a mulher amada.

Vida pessoal

A guerra deu um novo insight ao artista. Afastado da fama e de expectativas, ele vivenciou no deserto novas ideias sobre a vida em um mundo estilhaçado. No deserto, ele começou a trabalhar em seu próximo álbum, que não lembraria em nada suas criações anteriores.

Arrasado longe dos filhos, o artista ficava viajando entre a França, Nova York e Los Angeles. O jovem que, décadas antes, tinha declarado que a solidão era o único caminho para o Divino, era agora um homem que tinha vivido o suficiente para saber que estava certo.

O disco, lançado em 1974, foi bem recebido pela crítica, que ressaltou em suas resenhas as mudanças nas criações de Cohen. Mas, novamente, era um homem que não estava em sincronia com o seu tempo. No universo artístico que então se desenvolvia, não havia muito espaço para com cantor e compositor com obsessões transcendentais.

Cohen tinha então 44 aos, com alguns álbuns recebidos pelo público com certo entusiasmo e, como confessara, “quase nenhuma vida pessoal”. A única coisa que ele podia fazer era escrever letras, fazer arranjos e gravar. O fruto de seus esforços apareceu no ano seguinte, na segunda metade de 1979, e chamava-se “Recent Songs”.

51

Em 1969 Leonard conheceu Suzanne Elrod. O casal teve dois filhos, Adam e Lorca. Quando sua filha nasceu, em 1974, sua relação com Suzanne já estava bem estremecida. Em 1978, pouco tempo após a morte de Masha, mãe do artista, o casal se separou. Suzanne se mudou com os filhos, então com sete e quatro anos, para a cidade francesa de Avignon.

abril 2017


PERSONALIDADE

Leonard envolveu-se com a seita japonesa Rinzai Buddhism. O compositor sempre afirmou que nunca abandonou o judaísmo, o que era frequentemente dito. Quando sua relação com o monge budista Roshi tornou-se pública, ficou muito aborrecido. Leonard manifestou sua revolta em uma carta ao jornal Hollywood Reporter, em 1993. “Meu pai e minha mãe, de abençoada memória, teriam ficado muito perturbados

Estados Unidos. Naquele mesmo ano, Walter Yetnikoff, da Columbia Records, convocou-o para uma reunião e, olhando para ele, disse: “Olhe, Leonard, sabemos que você é um dos grandes, mas não sabemos se você ainda é bom”. Ele então apresentou seu novo álbum com a canção “Hallelujah”. Os diretores da Columbia Records não acharam a canção “grande coisa”, sequer queriam lançar o álbum, que

acabou saindo naquele ano na Europa e, somente no ano seguinte, nos Estados Unidos. Mas, foram poucos anos para que “Hallelujah” se tornasse um clássico. A música é a mais famosa das composições de Leonard Cohen, apesar de que muitas pessoas sequer imaginem que tenha sido ele quem a escreveu. Um dos primeiros a perceber a beleza da música foi Bob Dylan, que a tocou em vários shows, em 1988. A música foi regravada mais de 300 vezes e tem sido interpretada por inúmeros artistas, de Bon Jovi a Bono. Há, inclusive, uma versão gravada em hebraico por soldados da IDF. A palavra hebraica halleluyah é um termo composto por hallelu, que significa “louvar com júbilo” e “yah”, forma abreviada do indizível Nome de D’us. Portanto, “halleluyah” é uma instrução de cantar um louvor ao Eterno. Cada verso da música termina com a palavra que deu seu título à canção, então repetida quatro vezes, dando-lhe sua inconfundível marca encantatória.

cantando durante um show em Ramat Gan, Israel, 24 de setembro de 2009

com o fato de eu ser identificado como budista pelos jornalistas. Eu sou judeu. Mas é verdade que tenho estado bem curioso, já há algum tempo, com os murmúrios indecifráveis de um velho monge zen. Há pouco tempo, ele me disse: ‘Cohen, eu o conheço há 25 anos e nunca tentei dar-lhe minha religião”.

“Hallelujah” Em 1984, Cohen estava afastado dos refletores. Ele era uma espécie de anomalia para o público dos

Leonard Cohen recebendo o Grammy. Los Angeles, Califórnia, janeiro de 2010

52

Ao ouvir a letra da música, temse a impressão de que se trata de uma canção de influência bíblica. O primeiro verso se refere ao Rei David, à sua música espiritual e seu relacionamento com D’us, e ao amor do Rei por Bathsheba. Diz o verso: “Ouvi dizer que havia um acorde musical secreto que David tocava e que agradava ao Senhor... / Sua fé era forte, mas você precisava de provas / Você a viu banhar-se no terraço. Sua beleza e o luar o derrubaram”... Hallelujah. Em seguida a canção faz referência, à queda de Sansão por causa de


REVISTA MORASHÁ i 95

Dalilah: “Ela cortou seus cabelos e de seus lábios ela tirou Hallelujah...”. Mas, a música se torna uma confissão pessoal e Cohen termina a canção falando com D’us, admitindo a derrota e sua devoção: “Fiz o melhor que pude e era pouco… E, mesmo assim, tudo deu errado. Postar-me-ei diante do Rei da música / Com nada em minha língua, a não ser Hallelujah...” No decorrer dos anos, em inúmeras entrevistas, perguntaram a Leonard Cohen por que tinha escrito essa música e qual a sua mensagem. Numa entrevista em 1985, ele revelou: “É um desejo de afirmar minha fé na vida... Eu acredito que ao dizer: ‘Hallelujah’ – quando você a declara diante de todo tipo de acontecimento e mesmo de catástrofe que estamos vendo em toda parte – invocamos algum tipo de energia benéfica”. Como escreveu a revista Rolling Stones, em dezembro de 2012, “a música é a mensagem de Cohen de esperança e perseverança diante das adversidades da vida. Leonard Cohen nos diz para não nos rendermos ao desespero ou ao niilismo.”

no palco da arena leeds, inglaterra, 2013

O reconhecimento

antes, por receber a mais importante láurea do país, e aceitou a premiação com um sorriso. Em 2008 entrou para o Rock and Roll Hall of Fame dos Estados Unidos e dois anos depois, recebeu um Grammy por sua trajetória musical. Entre outros era membro da Ordem do Canadá e da Ordem Nacional de Quebec e, em 2011, recebeu o Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras.

Demorou para que a música de Leonard Cohen obtivesse a admiração universal. Para muitos artistas, ele foi o maior letrista de canções de todos os tempos, e seus fãs acreditavam que ele deveria ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura.

“Old Ideas,” seu 12º álbum, foi lançado em 2012, aos 77 anos. Foi o primeiro a entrar na lista dos dez mais da Billboard. Em 2014, na semana de seu 80º aniversário, Cohen lançou seu 13º álbum gravado em estúdio, denominado “Popular Problems”.

No início da década de 1990, ele parecia realizado. Em 1991 foi indicado ao Canadiam Musical Hall da Fama, uma honraria que havia recusado quando mais jovem por não achar que merecia. Não parecia mais estar em conflito, como décadas

Em outubro de 2016, lançou “You Want it Darker”, produzido por seu filho Adam, também cantor e compositor. Um trabalho introspectivo, focado em temas como a mortalidade. Em entrevista recente para a revista The New Yorker, 53

Leonard revelou que estava pronto para a morte. Leonard Cohen morreu dormindo, em Los Angeles, em 7 de novembro de 2016. Seu filho contou que ele continuou escrevendo até seus últimos momentos. Antes de sua morte, o compositor exigiu que fosse enterrado de acordo com o ritual judaico ortodoxo, ao lado de seus pais, avós e bisavós. Leonard Cohen foi enterrado em Montreal, horas antes de sua morte se tornar pública, no cemitério Shaar Hashomayim.

BIBLIOGRAFIA

Leibovitz, Liel, A Broken Hallelujah: Rock and Roll, Redemption, and the Life of Leonard Cohen, e- eBook Kindle Cohen, Leonard, Burger, Jeff, Leonard Cohen on Leonard,eBook Kindle Simmons,Sylvie,I’m Your Man: The Life of Leonard Cohen, eBook Kindle abril 2017


DESTAQUE

Israel e China, parceria em expansão no século 21 POR JAIME SPITZCOVSKY

Israel e China registraram, em janeiro passado, 25 anos do estabelecimento de relações diplomáticas, em meio a um crescimento vertiginoso dos laços bilaterais. A expansão invade campos como cooperação tecnológica, comércio, investimentos, intercâmbio acadêmico e visitas governamentais.

O

calendário em Pequim marcava 24 de janeiro de 1992, quando os ministros das relações exteriores David Levy e Qian Qichen assinaram o acordo diplomático. A aproximação ocorria graças ao final da Guerra Fria, período histórico moldado, sobretudo, pelo embate entre os chamados mundos capitalista e comunista.

O governo em Pequim, depois de três décadas de decolagem econômica baseada em exportações e investimentos, constrói um novo modelo de desenvolvimento, cujos pilares principais são o mercado interno em expansão e a aposta em inovação e tecnologia, na transição de uma economia apoiada na indústria para um modelo voltado sobretudo ao setor de serviços.

A China já havia, em 1978, deslanchado as reformas responsáveis por injetar economia de mercado em um país ainda dominado politicamente pelo Partido Comunista. Mas foi necessária a queda do Muro de Berlim, em 1989, para aplainar de vez o terreno para a aproximação entre Jerusalém e Pequim, que chegaram a manter contatos secretos, nos campos econômico e militar, em momentos da cinzenta Guerra Fria.

Pequim, portanto, encontra em Jerusalém um parceiro importante para suas ambições tecnológicas. No ano passado, investidores chineses despejaram cerca de 500 milhões de dólares em startups israelenses. “Há ainda espaço amplo para expandir uma cooperação pragmática em áreas como novas fontes de energia, agricultura moderna, tecnologia biológica”, escreveu Zhan Yongxin, embaixador chinês em Israel, em texto publicado no site “Jpost.com”.

Superada a era de disputas ideológicas e com o advento da globalização, China e Israel embarcaram numa parceria formada, especialmente nos últimos anos, por acelerada expansão baseada em dois fatores. De um lado o interesse chinês em tecnologia israelense. De outro, o desejo de Israel de se beneficiar do crescente mercado consumidor da China.

Diversos projetos de cooperação florescem na área governamental e acadêmica. O Ministério de Relações Exteriores de Israel implementa, há dois anos, um comitê intergovernamental para inovação, responsável por articular cooperação entre diversas instâncias dos governos israelense e chinês. 54


REVISTA MORASHÁ i 95

PROJETO FERROVIÁRIO RED-MED: NOVAS OPORTUNIDADES PARA A CHINA, ISRAEL E ORIENTE MÉDIO

No mundo acadêmico, também cresce o intercâmbio. São exemplos a Universidade de Tel Aviv, onde se inaugurou um centro de inovação em cooperação com a Universidade Tsinghua, da China. O Instituto Technion, sediado em Haifa, abriu filial na cidade chinesa de Shantou, em parceria com uma instituição acadêmica local. A cerimônia de lançamento, em dezembro de 2015, contou com a presença de Shimon Peres, que faleceria no ano seguinte, do megaempresário Li Ka-shing, de Hong Kong, e de Ofir Akunis, ministro israelense de Ciência, Tecnologia e Espaço, entre outras personalidades do mundo da pesquisa. Doador e entusiasta do projeto, Li Ka-shing discursou: “Em nossos dias e em nossos tempos, ninguém tem a mínima dúvida de que inovação tecnológica

sustenta a habilidade de um país em criar riqueza coletiva, e que isso é o estímulo-chave para o sucesso individual. Criatividade é o pilar definidor de nossa era, projetandonos para o futuro”. Enquanto Pequim investe pesadamente na criação de um modelo econômico baseado em inovação, Israel, país famoso por

O PRIMEIRO MINISTRO NETANYAHU E O PRESIDENTE CHINÊS XI JINPING, MAIO 2013

55

suas startups, implementa nova ênfase em sua política externa, buscando ampliar participação em mercados asiáticos. Portanto, relações com países como China e Índia ganharam, nos últimos anos, mais peso na agenda diplomática israelense. O desempenho da balança comercial sino-israelense ilustra os novos tempos. Em 1992, quando do estabelecimento das relações diplomáticas, o fluxo bilateral atingia 50 milhões de dólares por ano. Hoje, a cifra ultrapassa 11 bilhões, o que faz de Pequim o maior parceiro comercial de Israel na Ásia e o terceiro maior no mundo. Israel e China já mantêm negociações para um acordo de livre comércio, iniciativa planejada para turbinar ainda mais investimentos e vendas entre os dois países. abril 2017


DESTAQUE

representações. Além da embaixada em Pequim, conta com consulados em Guangzhou e Chengdu, importantes centros econômicos regionais na China.

aUTORIDADES israelenses e chinesas na cerimônia da pedra fundamental do guangdong-technion institute of technology. china, dezembro 2015

Pequim encontra em Jerusalém um parceiro importante para suas ambições tecnológicas. No ano passado, investidores chineses despejaram cerca de 500 milhões de dólares em startups israelenses

Empresas israelenses olham com interesse para a ascendente classe média chinesa, hoje avaliada em cerca de 350 milhões de pessoas. A diplomacia de Israel também investe na abertura de novas

Presidente Rivlin com a vice-ministra de relaçÕes exteriores liu yandong. jerusalem, março 2016

Nos céus, se verificam ecos do intercâmbio intenso, com 14 voos por semana entre Israel e China. Recentemente, a chinesa Hainan Airlines passou a operar no trajeto, explorado há vários anos apenas pela israelense El Al. O noticiário também invadiu o cenário esportivo, pois em 2016 o time chinês Guangzhou R&F contratou Eran Zahavi, artilheiro da liga israelense por três temporadas seguidas. A transferência rendeu 8 milhões de dólares aos cofres do Maccabi Tel Aviv, cifra recorde na história do futebol de Israel. O ritmo de avanço das relações sino-israelenses, no entanto, enfrenta também críticas, oriundas de setores políticos e da defesa. Os chamados céticos da parceria com o gigante asiático apontam para os laços sólidos de Pequim com o Irã e aliados, e argumentam que a aproximação com a China não pode se dar às custas de diminuição de contatos com os Estados Unidos. A ascensão econômica e política da China e de outros países asiáticos corresponde a um dos principais fatores a moldar o século 21. Portanto, não há como Israel evitar um aprofundamento de suas relações com o mais dinâmico polo da economia global, mas, sem dúvida, protegendo seus interesses estratégicos.

Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim

delegação chinesa em marcha em jerusalém

56


LITERATURA

Argentina: Migração e colonização POR REUVEN FAINGOLD

Desde que Theodor Herzl colocou, em “O Estado Judeu” (1896), o dilema de estabelecer um Estado na Argentina ou em Eretz Israel, a terra de Jorge Luis Borges virou o centro das atenções. Nesse contexto, a obra de Alberto Guerchunoff, Los Gauchos Judíos (La Plata, 1910), desvenda a epopeia da colonização judaica em terras argentinas.

O

processo de aculturação dos judeus na América Latina inicia-se a partir do final do século 19 e início do século 20. Argentina e Brasil tiveram realidades parecidas, assentando suas raízes na colonização agrícola. Com a compra de terras pela ação filantrópica do Barão Maurício Hirsch e da Jewish Colonization Association ( JCA), começaram a surgir colônias com capacidade de trabalho e alta produtividade, muitas com infraestrutura para abrigar numerosas famílias, oriundas das mais diversas partes da Europa.

outro vindo da Bacia Mediterrânea, Norte da África, Península Ibérica e Oriente Médio – o grupo sefaradita – falava ladino. Apesar de serem os judeus um elemento urbano, a colonização agrícola argentina teve êxito ao revelar um grupo definido que podemos identificar como Los gauchos judíos. Porém, a maior leva imigratória, proveniente dos shtetls (aldeias judaicas da Europa Oriental), começaria nos anos 80 do século 19, em decorrência de dificuldades econômicas vivenciadas pelos judeus na “Zona de Assentamento” (moradia legalmente permitida aos judeus) da Rússia czarista.

Após a independência da Argentina, em julho de 1816, este país passou a ser alvo de imigração, principalmente após o fim do Tribunal da Inquisição. Assim, aos poucos, fugindo dos pogroms e dificuldades econômicas que assolavam as comunidades asquenazitas, os judeus foramse assentando na Argentina. De fato, a presença judaica remonta àqueles anos e, com o passar do tempo, manteve um núcleo populacional considerável, organizando a “Congregação Israelita de Buenos Aires” (1862) com judeus alemães, franceses, ingleses e sefaraditas.

Os judeus da Europa Ocidental, cientes do que se passava com seus correligionários na Rússia, mobilizavam-se para encontrar soluções que facilitassem o traslado de seus irmãos a países de escassa população e que demandassem mão de obra colonizadora. Em 1881-1882, a Argentina demonstra interesse em receber imigrantes judeus, e seu governo designa naquele ano um agente na Europa com essa finalidade: estabelecer contatos com funcionários do governo russo para receber essa população, sob o manto de proteção das leis argentinas.

Vindos da Europa, especialmente da Bessarábia, Rússia e Polônia, este grupo de judeus falava iídiche, enquanto 57

abril 2017


LITERATURA

Plaza Congresso (Praça Congresso), Buenos Aires

Os incidentes antissemitas de 1881-1882 na Rússia czarista, um desdobramento das Leis de Maio, estimularam a atuação dos agentes de imigração argentinos, que, por sua vez, receberam apoio de instituições judaicas como a “Alliance Israelite Universelle” (AIU), fundada em 1860. Nessa época, a AIU já tinha destacado papel em organizar a imigração dos judeus soviéticos rumo aos Estados Unidos e à Palestina turco-otomana, incentivando a formação de núcleos imigratórios na Argentina, o que de fato veio a ocorrer em 1884. Pouco tempo depois, em 1889, chegam à província de Santa Fé oito famílias judias para se estabelecer em Monigores Vieja, que, mais tarde, se converteria na colônia Moisés Ville, fundada pela “Jewish Colonization Association”.

A “JCA” E BARÃO HIRSCH No final de 1889, o representante do Barão Hirsch na Argentina, o cientista judeu-alemão Wilhelm Loewenthal, debateu um projeto colonizador judaico com o

presidente do país, Carlos Pellegrini, e também com latifundiários privados, negociando a compra de aproximadamente 3.250.000 hectares. Loewenthal elaborou esse projeto visando organizar anualmente a imigração de 5 mil judeus da Rússia. Essa colonização não deveria assumir apenas um caráter filantrópico, mas pretendia assegurar a independência econômica dos colonos com o trabalho agrícola. A filantrópica JCA não só criaria colônias, mas fomentaria uma melhora nas condições materiais dos judeus.

Barão Maurício Hirsch, Benfeitor judeu alemão

58

Os planos da JCA e do Barão Maurício Hirsch para a Argentina eram mirabolantes, havendo necessidade de adequá-los a proporções mais modestas. Assim, foram fundadas apenas cinco


REVISTA MORASHÁ i 95

1 2 1 e 2. Imagens da colônia “Baron Hirsch” 3. Gauchos judíos

3

colônias judaicas nas províncias de Buenos Aires, Entre Rios e Santa Fé, numa superfície de 200.619 hectares, assentando-se 6.757 colonos com suas famílias, num total de 910 chácaras. Este era o balanço da maior empreitada colonizadora já realizada na Argentina até 1896, ano em que Alberto Guerchunoff deixava Entre Rios para iniciar sua promissora carreira de escritor em Buenos Aires.

hectares de terra. Foi organizada a “Sociedad Cooperativa de Agricultores em Moisés Ville”, recebendo seus membros o primeiro apoio financeiro do Barão Hirsch. Em relatório da comissão descrevendo a situação da colônia consta que “os judeus russos são inteligentes e, com seu entendimento, aprendem em pouco tempo, procurando ser autossuficientes o mais rápido possível”.

O governo russo autorizou o funcionamento de um Comitê Central da JCA em São Petersburgo, com filiais nas províncias. Por sua parte, o governo argentino reconheceu a JCA como uma associação civil de fins filantrópicos. Uma saída desordenada de massas, sem o devido preparo para encaminhá-las a trabalhos produtivos fez Maurício Hirsch publicar uma circular pedindo que judeus interessados em emigrar se inscrevessem nos devidos comitês, advertindo que não arcaria com a responsabilidade sobre aqueles que se aventurassem a emigrar por conta própria.

Em 1894 chegam os primeiros grupos da nova imigração judaica russa, principalmente saídos da zona rural, com experiência agrícola. Assim, nesse mesmo ano, chegaram 286 judeus para fundar a Colônia Lucien-Ville, em Basavilbaso, província de Entre Rios. Com essas famílias se encontrava também um representante dos judeus da Lituânia que se estabeleceria na colônia de Moisés Ville. Seu nome era Noach Kaciovich e havia sido designado para exercer uma posição de liderança no fomento àquele movimento entre os judeus russos.

O projeto colonizador de Wilhelm Loewenthal foi aceito pelo Barão Hirsch, que, na ocasião, resolveu enviar uma comissão para avaliar os resultados obtidos. Em 1890 a comissão chegou a Moisés Ville e lá encontrou 68 famílias judias emigradas, que ocupavam 4.350

Com este objetivo, Kaciovich viajou algumas vezes à Europa conseguindo trazer colonizadores judeus para o trabalho agrícola, estabelecendose na região de Moisés Ville uma colônia de 91 famílias, em 1896, e 250 famílias, em 1902. Nesse meio tempo, com ajuda direta da JCA, foram fundadas colônias em várias regiões da Argentina. Até 1925, a 59

JCA continuava criando colônias e desenvolvendo um ótimo trabalho social que lhe permitiu fundar uma rede escolar judaica para filhos de colonos, com bibliotecas, sinagogas e organizações para a juventude, permitindo-lhes manter atividades culturais diárias em língua iídiche e em espanhol. A agropecuária constituiu-se na principal atividade econômica dos colonos, mas para obter o sustento muitos faziam trabalhos remunerados para os fazendeiros argentinos, seja trabalhando a terra ou especializando-se nas fábricas. As colônias judaicas agrícolas na Argentina tinham um planejamento em unidades familiares que variavam de 30 até 100 hectares, dependendo de sua localização, composição humana e tipo de cultivo. O sucesso do trabalho se devia à adoção do cooperativismo, introduzido desde os primórdios da colonização, a começar pela “Sociedade Agrícola Lucien-Ville”, fundada em 1904, e “La Mutua Agrícola” de Moisés Ville, fundada em 1908, entre outras. Antes de eclodir a 1ª Guerra Mundial, o número de judeus nas colônias argentinas chegava a 7.000. Nessa época, a superfície das terras compradas pela JCA superava 600.000 hectares. Em 1925 constituiu-se a “Fraternidad Agraria”, reunindo abril 2017


LITERATURA

Sinagoga “Baron Hirsch”, maior de Moisés Ville

23 cooperativas agrícolas das colônias judias argentinas, e não é de surpreender que 10 anos mais tarde, em mais de 20 colônias da JCA se cultivavam aproximadamente 650.000 hectares, que representam 2% do total de terras cultivadas no território nacional. Assim, a colonização judaica conseguiu sobreviver, apesar da atração exercida pela vida urbana. Naturalmente, houve casos de abandono do campo, lugar que exigia sacrifícios, tal qual constatamos em “Los gauchos judíos”. A contribuição judaica à Argentina foi significativa, pois além de se manifestar na organização cooperativa, introduziu cultivos que até então eram desconhecidos no país, tais como girassol e alfafa, cultivados em larga escala. Também as cooperativas introduziram a Crioulo – de criollo - Na América espanhola, crioulo, em geral, designa uma pessoa descendente de europeus que tenha nascido na América. Os filhos dos grandes aristocratas europeus - em especial espanhóis - que tinham filhos nascidos em terras americanas chamavam a seus filhos de criollo. Na Argentina, o termo é utilizado para referir-se aos descendentes dos antigos colonizadores espanhóis que vivem no interior do país.

1

industrialização de produtos como manteiga, coalhada, queijos e derivados do leite, sempre amparados com o respaldo financeiro de instituições que surgiam, dentre elas o “Banco Comercial Israelita”.

A VOZ DE GUERCHUNOFF Los Gauchos Judíos foi a primeira grande expressão literária da epopeia rural judaica. Escrita em 1910, esta obra de Guerchunoff não só comemorava o centenário da independência argentina, mas também inaugurava um novo gênero literário sobre a colonização em terras latino-americanas. Desde sempre o Novo Mundo era visto pelos cronistas como um espaço peculiar, um “outro lugar” onde seria possível recomeçar a vida longe das perseguições. Não por acaso surgiu uma enorme leva migratória transatlântica entre 1824-1924, um êxodo de 52 milhões de pessoas chegadas do Velho Mundo, 93% das quais se encaminharam às Américas: 72% rumo à América do Norte e 21% à América Latina. Certamente Guerchunoff escolheu ambientar sua obra na província de Entre Rios, pois ali, ele pretendia 60

reconstruir um espírito telúrico, descrevendo a influência da terra sobre o caráter e costumes dos habitantes. Era uma forma de resgatar o volkgeist argentino das chácaras onde os colonos da JCA trabalhavam arduamente. Desta forma, o autor visa integrar sua obra à narrativa nacional, demonstrando que o imigrante judeu também podia absorver o “espírito crioulo1”. Obviamente, até 1910, nenhuma das levas migratórias de espanhóis, italianos, alemães ou ingleses, havia concebido um narrador tão determinado em fundir a identidade judaica com os valores e símbolos pátrios argentinos. No prólogo de Los Gauchos Judíos há elogios a Alberto Guerchunoff como um dos escritores que possui o “dom” de desentranhar a beleza oculta dos temas simples e familiares. Enfatizase o fato de os colonos judeus aprenderem a fazer os primeiros sulcos, assimilando-se rapidamente ao espírito campestre do criollo. Esta assimilação dos judeus de fato aconteceu, e alguns inclusive foram abandonando parte de seus hábitos, adotando trajes típicos e absorvendo do meio ambiente uma liberdade e autonomia que caracterizam o perfil do agricultor argentino. Os 24 relatos que constituem Los Gauchos Judíos giram em torno do elemento que organiza a própria narrativa: o espírito da terra de Entre Rios. Guerchunoff consegue transformar os campos da infância na colônia Rajil, em vales montanhosos recortados das paisagens bíblicas. A Terra de Promissão de Guerchunoff é a almejada Sion, reencontrada nos pampas argentinos. A rigor, o autor desenvolveu esta alegoria justamente no momento em que o nicaraguense Rubén Dario (1867-1916) atribuía


REVISTA MORASHÁ i 95

Era uma mescla embrionária de terra argentina com os fundamentos bíblicos.

à Argentina um caráter sagrado de Terra Prometida. Dario escreve em “Siónida en el Nuevo Mundo”, um dos 1.001 versos da obra “Canto a la Argentina” (1910), um texto que inspirou Guerchunoff: ¡Cantad judíos a la Pampa! Cantem judeus à Pampa! Mocetones de rude estampa, Moços de rude aparência, dulces Rebecas de ojos francos, Rebecas doces de olhos sinceros, Rubens de largas guedejas. Rubens de longos tufos. Patriarcas de cabellos blancos Patriarcas de cabelos brancos, y espesos como hípicas crines. espessos como crinas hípicas. Cantad, cantad Saras viejas Cantem, cantem velhas Saras y adolescentes Benjamines e Benjamins adolescentes con voz de nuestro corazón: com a voz de nosso coração: ¡Hemos encontrado a SIÓN! Encontramos SION! O talento de Guerchunoff o fez reencontrar Sion em sua amada Entre Rios. Certamente, o Guerchunoff de 5 anos já teria ouvido de seu pai acerca dessa Terra de Promissão. Nela os “gauchos judíos” trabalhariam a terra como os judeus bíblicos. Sua autobiografia, escrita em 1914 e publicada post-mortem, em 1950, descreve a atmosfera pastoril extraída da Torá: “Pela manhã, nos claros amanheceres quentes e doces; bíblicas manhãs do campo argentino, os judeus de longas barbas se inclinam sobre o solo intacto, com suas pás redondas e seus rastelos... Havia nisso algo daquele ritual místico, da seriedade com que eles desenvolviam suas simples tarefas”. Em cada um dos 24 relatos de “Los Gauchos Judíos” os conflitos

Escritor Alberto Guerchunoff

desaparecem, uma vez que o mais importante é destacar que, ao lavrar o campo argentino, os Abraham, Jacob e Moisés, tornaram-se homens livres. Guerchunoff foi o primeiro dos escritores naturalizados que criou uma identidade cívica perdurável para denominar seus correligionários camponeses: gauchos judíos. Até então, o termo gauchos judíos soava no discurso nacionalista argentino como uma contradição impensável. Desde que surgiu, esta denominação foi recebida como a síntese do perfil de dois espíritos: gaucho ou criollo (autóctone) e judeu (imigrante).

Para Guerchunoff, tradições milenares são sinônimo de tradições bíblicas, um modelo aceito tanto por cristãos como por judeus. Certa vez, ele chegou a dizer: “Admiro tanto os gauchos como os hebreus da Antiguidade”. Procurando legitimar seus personagens na velha língua hispana, “Los Gauchos Judíos” guarda reminiscências da língua de Cervantes, utilizando arcaísmos, sintaxe própria e um sofisticado jogo de palavras com ornamentação estilística. A menção a filósofos e poetas da “Idade de Ouro dos Judeus” em Al-Andalus, figuras destacadas como Maimônides (1135-1204), Rabi Yehuda Halevi (1075-1141) e SemTob Carrión, foi outro dos recursos utilizados por Guerchunoff para recriar seus personagens. O exemplo mais claro é o conto “El viejo colono”, uma ode ao gaucho judeu. Do relato emerge uma nova identidade judía-gaucha que não

Guerchunoff (sentado ao centro) com escritores argentinos

61

abril 2017


LITERATURA

oculta suas origens, mas que deixa transparecer sua vontade de apagar todo resquício da Galut em prol do orgulho de ser argentino. O trecho diz: “Em Rajil meu espírito se apoderou de lendas regionais. Naquela natureza incomparável, sob aquele céu único, no amplo sossego da campina sulcada de rios; minha existência se encheu de fervor, [um fervor] que apagou minhas origens e me fez argentino”.

GUERCHUNOFF DURANTE A 2ª GUERRA Apesar de ser um escritor profícuo, no imaginário literário dos argentinos Guerchunoff é autor de um livro só: Los Gauchos Judíos. Mesmo com um sucesso literário garantido, não solicitou a reeditação de sua obra. É possível que houvesse motivos suficientes para explicar esse desinteresse: a ascensão do nazismo e o início da 2ª Guerra enfraqueceram suas convicções literárias, dedicandose a fazer um jornalismo comprometido com a causa de seu povo. Silenciando amigos fascistas, Guerchunoff combateu o nazismo não apenas como liberal argentino comprometido com os Aliados, mas principalmente através de sua avassaladora dignidade judaica. Em junho de 1940, Guerchunoff rejeitou homenagens oferecidas pelo jornal “La Nación” para comemorar os 30 anos da 1ª edição de Los Gauchos Judíos. Em plena conquista da Europa por Hitler, argumentou que “Nas circunstâncias em que vivemos – os iminentes perigos que hoje ameaçam a civilização – proíbem todo tipo de homenagens pessoais”. O escritor se desculpa dizendo que “atualmente é necessário ocupar-se daquilo que

interessa à comunidade argentina, daquilo que aflige a consciência do mundo”. No jornal “Argentina Libre”, que exigia do governo abandonar sua postura neutra, Alberto Guerchunoff publicou artigos denunciando os crimes perpetrados pela Alemanha contra o Povo Judeu. Aumentou esta série de matérias às vésperas do início da execução da “Solução Final”, em janeiro de 1942. Na época, escreveu quatro artigos denunciando o massacre nazista: “Más de 1.000.000 de judíos” (2/7/1942), “Extermínio de judíos” (03/7/1942), “Matanza de judíos” (10/7/42) e “Los culpables del gran crimen” (24/7/42). Em dezembro de 1942, a pedido da DAIA (Delegação de Associações Israelitas Argentinas), Guerchunoff preparou um pôster intitulado “Al Pueblo Argentino”, denunciando o extermínio sistemático de judeus. Sua pena continuaria a combater as atrocidades da Alemanha até sua capitulação, em 1945. Guerchunoff condenou ainda a exibição de documentários e exposições retratando os brutais massacres de Auschwitz. Na ocasião, em matéria intitulada “El crematório nazi en los cines de Buenos Aires”, declarou: “Não pretendo verificar os horrores registrados pelos aparelhos fotográficos nem preciso assistir ao desfile de efeitos que se apresentam para medir a barbárie nazista... São as multidões não judaicas quem tem por obrigação presenciar estas exibições, penetrar em seus significados, estudar as causas que levaram uma organização [nazista] a tamanha bestialidade, e em que medida colaborou (ou não) para um antissemitismo ativo ou latente, com sua indiferença fosca ou com 62

seu consentimento tácito a essa perfeita indústria da morte judaica... Este acontecimento horripilante de que foi cúmplice o mundo inteiro, também gerou sua própria agonia... A exclusão dos judeus, praticada inclusive em países que carecem de uma politica discriminatória, de forma dissimulada e hipócrita como na nossa [Argentina], deixa claro que em diversos setores importa preparar um ambiente que oculte as atrocidades dos campos de concentração”. A indiferença e a cumplicidade da “inteligência” latino-americana ante o Holocausto afetaram Guerchunoff profundamente. Após a queda do Terceiro Reich, denunciou aquilo que denominou de o “Fantasma do Quarto Reich”. Derrotado o Nazismo, ele temia que o exacerbado nacionalismo, aliado ao câncer do antissemitismo, faria sua incursão em território argentino. Grande era também seu desapontamento diante da atitude hostil do mundo livre em relação à causa sionista na Palestina Britânica. Por isso, mobilizouse como sionista, determinado a defender a existência do Estado de Israel nos fóruns latino-americanos.

O SIONISMO DE GUERCHUNOFF Entre 1946-1948 Guerchunoff foi editor de “Jalda”, o boletim informativo da “Agência Judaica Pró-Palestina”. Assim, poucos dias antes da convocação da Assembleia das Nações Unidas para discutir a “Partilha da Palestina” (29/11/1947), ele recorreu a seus amigos e intelectuais mais próximos para apoiarem a Partilha e a criação de um Estado Judaico. Outrora admirada, a Grã Bretanha deixou Guerchunoff indignado, basicamente pela adoção de uma


REVISTA MORASHÁ i 95

nefasta política de Livros Brancos que impunha cotas migratórias aos sobreviventes do Holocausto, interessados em ingressar ilegalmente na então Palestina. Mas Guerchunoff também se irritou diante da repressão colonialista britânica contra os procurados “terroristas sionistas” (adeptos ao revisionismo de Zeev Jabotinsky), que lutavam por um Estado judeu. O escritor da colonização judaica criticou os burocratas britânicos responsáveis pelas colônias britânicas. Homens como Ramsay MacDonald e Clement Attlee esqueceram que os judeus lutaram pelas nações aliadas, e as potências aliadas não se viram na obrigação de honrar as promessas feitas aos judeus. Isto era, sem dúvida, uma clara alusão ao teor da “Declaração Balfour”, que, desde 2/11/1917, apoiava o estabelecimento de um “Lar Nacional Judaico” na Palestina. Durante 1946-1950 Guerchunoff informou ao público acerca da atividade sionista em Eretz Israel. Falou da incansável luta do ishuv pela libertação dos britânicos, da busca de amigos na ONU a favor da proclamação do Estado, do início da Guerra da Independência e da vitória do Estado judeu contra os países árabes. Algumas dessas páginas foram compiladas em “El piano y la palmera”, revelando seu fervor sionista. Nos últimos anos de vida, Guerchunoff começou uma obra monumental que pudesse testemunhar o Holocausto. Seu projeto tinha duas partes: a primeira, denominada “Estrella de David”, seria uma crônica da Shoá entre junho de 1938 e abril de 1946; e a segunda, intitulada “Israel”, relataria os anos decisivos do jovem país desde maio de 1946 até dezembro

Últimas famílias de gaúchos judeus na República Argentina

de 1949. Infelizmente, sua repentina morte em 2 de março de 1950, interrompeu o ambicioso projeto.

PALAVRAS FINAIS Los Gauchos Judíos de Guerchunoff é um “salmo” composto por 24 relatos laudatórios acerca da integração e contribuição dos imigrantes judeus à cultura argentina. A obra narra episódios da vida agrícola judaica nos “pampas argentinos”. São textos breves inspirados nas recordações da infância e da adolescência do autor. Guerchunoff escreveu em espanhol sua primeira obra acerca da atividade judaica no Novo Mundo. A construção dessa epopeia na Argentina, tida como a “Terra Prometida”, é um grito de otimismo, uma leitura obrigatória que nos remete a situações construtivas de progresso e civilização. Ao escrever Los Gauchos Judíos, Alberto Guerchunoff se afasta dos conflitos antissemitas que nasceram na Argentina dos anos 1930. Seu livro ocupa o 35º lugar entre as 100 melhores obras de literatura judaica, ranking estabelecido pelo National Yiddish Book Center, nos EUA. 63

BIBLIOGRAFIA

Avni, H., Argentina, Tierra de Promisión. El proyecto del Barón Hirsch en la República Argentina (hebreo), Editorial Magnes, Universidad Hebrea de Jerusalén, 1975, esp. págs. 287-308. Avni, H., Argentina y la historia de la inmigración judia: 1810-1950, Editorial Magnes, AMIA – Comunidad de Buenos Aires, 1983, esp. capítulo 3. Avni, H., La agricultura judía en la Argentina ¿Éxito o fracaso?, Desarrollo Económico, Vol. 22, Nº 88 (enero-marzo), 1983, págs. 535-548. Gerchunoff, A., Los gauchos judíos, prólogo de Martiniano de Leguizamón, La Plata 1910. (Outras edições foram publicadas em 1950, 1957, 1964, 1968, 1975, 1981, todas com prólogos de destacados escritores). Senkman, Leonardo, La identidad judía en la literatura argentina, Ediciones Pardes, Buenos Aires, 1983, capítulos 1 e 2. Senkman, Leonardo, Argentine Culture and Jewish Identity, em: Judith Laikin Elkin and Gilbert W. Merkx (eds.), The Jewish Presence in Latin America, Boston, 1987, págs. 259-260. Prof. Reuven Faingold é historiador e educador; PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É sócio fundador da “Sociedade Genealógica Judaica” do Brasil e, desde 1984, membro do “Congresso Mundial de Ciências Judaicas” em Jerusalém. Atualmente, é responsavel pelos projetos educacionais do “Memorial da Imigração Judaica” de São Paulo.

abril 2017


ISRAEL

A incrível história do Instituto Ayalon Décadas de 1930-1940, Eretz Israel, anos marcados pela luta dos pioneiros sionistas contra os árabes e o domínio inglês pela criação de um Estado Judeu na região. Encurralados, POR UM LADO, após a instauração do Livro Branco1, e pela rígida legislação do Mandato Britânico restringiNDO a imigração judaica e, pelo outro, pela crescente violência árabe contra seus núcleos e povoados, os judeus já anteviam o que LHES esperava no dia que os ingleses saíssem da então Palestina.

E

ra consenso entre as lideranças sionistas da época ser preciso armar-se e prepararse para o inevitável conflito com as nações árabes vizinhas. Foi em meio a esse contexto que, entre as cidades de Nes Ziona e Rehovot, no antigo Kibutz Hill, sob os olhos dos ingleses, mas com seu total desconhecimento, que foi construída uma das mais importantes fábricas clandestinas de munição embaixo da lavandeira e da padaria do Kibutz. O objetivo do projeto, cujo codinome era “Instituto Ayalon”, era fornecer balas para as armas dos combatentes judeus que lutavam em defesa da população judaica e pelo futuro Estado de Israel.

À frente da iniciativa estava Yosef Avidar, então chefe da indústria militar clandestina de Eretz Israel. Seu plano incluía também o contrabando de equipamentos para o funcionamento da fábrica, pois, apesar de ter sido possível comprar máquinas da Polônia em 1938, os judeus não conseguiram fazê-las entrar na então Palestina. Tiveram que ficar escondidas em Beirute durante quatro anos, até serem trazidas por judeus que durante a guerra serviam no exército britânico. A implantação da fábrica foi feita por membros do movimento Hatzofim Aleph, da Haganá e, posteriormente, contou com a colaboração do Palmach. Construir uma fábrica clandestina em um kibutz era um projeto bastante ousado, considerando-se que, nas proximidades, havia uma base britânica cujos soldados visitavam o local sem avisar. A organização e a discrição dos moradores e trabalhadores do Hill, no entanto, eram tamanhas que, a nenhum momento, durante anos, os ingleses sequer suspeitaram o que acontecia embaixo da lavanderia e da padaria. Para eles, o Kibutz Hill era exatamente igual aos demais espalhados ao longo do território sob seu controle.

O Instituto Ayalon não foi a única fábrica clandestina da época, mas, com certeza, foi uma das mais importantes e cruciais para a vitória das forças judaicas na Guerra da Independência. Em seu auge, a unidade produzia cerca de 40 mil balas por dia e cada uma tinha a gravação EA – em referência a Eretz Israel e Ayalon. Entre 1945 e 1948 foram fabricados mais de dois milhões de balas de 9 mm, ideais para as metralhadoras Sten então contrabandeadas ou montadas em outras fábricas secretas em toda a região. 64


REVISTA MORASHÁ i 95

Simulação da fabricação da munição

Padaria: cobertura para dissimular o subterrâneo

Para esconder a fábrica foram construídas moradias, um refeitório, um galinheiro, um estábulo, várias oficinas, uma lavanderia, uma padaria e uma horta, estruturas adequadas ao dia-a-dia de um kibutz. Sob a padaria e lavanderia foi escavada uma ampla sala subterrânea com cerca de 200 m2 e aproximadamente quatro metros de profundidade. As paredes de tijolos e o teto possuíam cerca de meio metro. A obra foi totalmente executada em 22 dias.

do subterrâneo. Para camuflar o barulho dos equipamentos, a lavanderia funcionava 24 horas por dia. Foi feita, ainda, uma outra entrada para a fábrica embaixo do principal tambor da máquina, que poderia ser rapidamente aberta e fechada. O serviço da lavanderia era tão eficiente que os oficiais britânicos costumavam enviar seus uniformes para serem lavados no Kibutz. Para manter os soldados longe do local, foi criado um serviço de entregas para a base.

Em uma das extremidades da fábrica, na superfície, construiu-se a padaria, sendo que a entrada de ar era feita através das tubulações conectadas a um forno de 10 toneladas que servia também de camuflagem para a entrada secreta. A lavanderia foi erguida exatamente acima da fábrica e suas tubulações permitiam a saída do ar poluído

Quarenta e cinco pessoas trabalhavam 24 horas por dia divididas em dois turnos. Era um trabalho duro, em um espaço relativamente escuro, empoeirado e claustrofóbico. Além de arriscado era sujeito a duras punições, por se tratar de atividade considerada ilegal. O castigo para esses casos era a morte. 65

Como permaneciam durante muitas horas em ambiente fechado, a liderança temia que os britânicos percebessem a palidez dos moradores do Kibutz. Para resolver esta questão, recorreram à outra ideia inovadora e ousada. A situação dos judeus na então Palestina, no entanto, exigia ousadia e criatividade para poderem sobreviver. Para a produção das balas era necessário importar cobre e os pioneiros justificaram seu pedido perante os ingleses dizendo que precisavam da matéria-prima para a fabricação de batons casher. O pedido foi aceito e, em retribuição, foram enviadas inúmeras caixas de batom à base inglesa. Mas o Kibutz era constantemente vigiado e visitado por soldados ingleses. Certa vez, durante uma das visitas inesperadas, serviram-lhes abril 2017


ISRAEL

ACERVO DO INSTITUTO RETRATA MOMENTOS DO COTIDIANO CLANDESTINO

cerveja. Eles queixaram-se de que estava quente. Em resposta, foilhes dito que se fossem informados com antecedência sobre tais visitas poderiam providenciar cerveja gelada. Os ingleses morderam a isca, o que permitiu aos judeus se prepararem para tais ocasiões, adotando medidas cada vez maiores de segurança para que a fábrica não fosse descoberta. Produzir a munição foi um passo importante, mas o próximo

desafio era enviá-la às unidades de combate da Haganá e do Palmach. A primeira ideia foi colocar as balas em latas de leite, mas os recipientes ficavam muito pesados e poderiam chamar a atenção dos ingleses. Depois de inúmeras tentativas, optou-se pela construção de compartimentos secretos em caminhões de combustível. A munição foi distribuída por toda região sem que os ingleses desconfiassem.

Assim foi feito até a criação do Estado de Israel, em 1948, quando já não havia mais necessidade de manter a clandestinidade da indústria de armamentos. Logo após a independência, todas as fábricas da Haganá foram integradas à chamada Indústria Militar de Israel. No entanto, os pioneiros que criaram o Instituto Ayalon optaram por permanecer juntos e fundaram, em 1949, um novo kibutz próximo ao mar e à cidade de Zichron Ya’acov, considerado hoje um dos mais importantes e desenvolvidos de Israel, com atividades na área de agricultura e piscicultura, entre outras. O Instituto Ayalon encerrou suas atividades em 1948, mas sua história só veio a público em 1975. Em 1987 a fábrica foi totalmente restaurada e transformada em um museu. Para visitar o local, muito procurado pelos turistas estrangeiros, é preciso agendar uma visita.

Lençóis nos varais justificavam o serviço da lavanderia

66


ATUALIDADE

O NOVO ANTISSEMITISMO Há anos o vírus do antissemitismo vem-se proliferando na Europa e nos últimos meses tem-se manifestado nos Estados Unidos. As lideranças judaicas americanas, que, até então, haviam-se CONCENTRADO em combater o antissemitismo na Europa e os movimentos contra Israel nas universidades e nas Nações Unidas, foram surpreendidas pela onda antissemita que tomou conta do país.

N

a Europa, um em cada cinco judeus já foi vítima de violência verbal e/ou física. O Presidente do Congresso Judaico Europeu, Dr. Viacheslav Kantor, afirmou em entrevista que “as comunidades judaicas na Europa são alvo da extrema direita, da extrema esquerda, assim como de grupos radicais islâmicos”. O resultado de um persistente clima de ódio contra os judeus é o encolhimento da população judaica da Europa. Em 1991, dois milhões de judeus viviam na Europa; em 2010 eram um milhão e 400 mil judeus e hoje mal chegam a um milhão.

Desde o ano passado, uma onda de antissemitismo se alastra pelos Estados Unidos. O Centro Simon Wiesenthal publica anualmente a lista dos 10 incidentes antissemitas mais graves e, na do ano de 2016, o mais grave envolveu o governo americano do então presidente Barack Obama e a ONU. Uma resolução do Conselho de Segurança condenou Israel pela construção de assentamentos e identificou como “território palestino ocupado” os locais mais sagrados do judaísmo, incluindo o Monte do Templo e o Muro das Lamentações, em Jerusalém. O ataque contra Israel foi facilitado, ou como afirma Israel, engendrado pela Casa Branca. Pois, os Estados Unidos permitiram que a Resolução fosse aprovada mediante abstenção na votação, revertendo uma política de décadas de vetos a tentativas diplomáticas contra o Estado Judeu. O objetivo da Resolução é apagar o vínculo histórico entre o Povo Judeu e os lugares sagrados do judaísmo.

Em setembro do ano passado, representantes de comunidades judaicas reuniram-se no Parlamento Europeu para debater o antissemitismo e o futuro dos judeus na Europa. Francis Kalifat, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França disse: “Os judeus são confrontados com insultos, discriminação e assédio, chegando às vezes à violência física ou ao assassinato, como em Paris, Bruxelas ou Amsterdã”. O discurso mais enfático sobre o antissemitismo na Europa foi do Rabino Lorde Jonathan Sacks, que reproduzimos nesta edição, à página 20.

Como se não bastasse, desde o ano passado os judeus americanos viram aumentar os abusos verbais e os crimes de ódio. No início deste ano, a situação se tornou ainda mais grave. Até o fechamento desta edição, mais de 150 centros comunitários judaicos, colégios, escritórios da ADL nos Estados Unidos e seis centros judaicos 67

abril 2017


ATUALIDADE

canadenses tinham recebido ligações ou e-mails com ameaças de bomba. Até agora, felizmente, todas falsas. Os cemitérios judaicos na Filadélfia e em Saint Louis foram vandalizados, túmulos profanados. Uma arma de fogo foi disparada contra a Sinagoga de Evansville. Multiplicou-se o número de pichações antissemitas contendo símbolos nazistas, ou, como no metrô de Nova York, que diziam que “os judeus deveriam estar nos fornos”.

O novo antissemitismo O que é antissemitismo? Segundo o Rabino Jonathan Sacks, é a negação aos judeus do direito de existir coletivamente como judeus com os mesmos direitos que os demais cidadãos. Não vamos nos deter nesta matéria nas manifestações históricas do antissemitismo, por todos conhecidas. Mais urgente é tratar do antissemitismo de hoje, o “novo antissemitismo” como é chamado, que se baseia principalmente na oposição à existência do Estado de Israel. Se antes os judeus eram os responsáveis por todos os males, hoje o culpado é Israel.

Diferentemente do feroz antissemitismo do período antes e durante a 2a Guerra Mundial, e do antissemitismo na ex-URSS e nos países do antigo bloco soviético, sua atual vertente se manifesta sobretudo na sociedade – não é uma política de estado. Apenas no mundo muçulmano os governantes têm feito pronunciamentos públicos antissemitas, mas neste artigo não vamos analisar o antissemitismo nos países muçulmanos, pois este tem vida própria e características diferentes. As principais “ferramentas” do novo antissemitismo são as campanhas de deslegitimação e demonização do Estado Judeu. A negação do Holocausto e a associação de Israel aos símbolos nazistas são os temas favoritos dos atuais antissemitas. O chamado negacionismo histórico, que se iniciou na Europa, acabou sendo incorporado como estratégia política, inclusive pelo radicalismo islâmico. Proliferam também analogias entre Israel e os nazistas, apesar de contradizer o discurso “negacionista”, baseadas na

ativistas do bds protestam contra o keren kaiemet le israel (jnf) de filadélfia

68

associação do Estado judeu com o nazismo, o “mal absoluto”. Essas analogias são expressas verbalmente ou através de caricaturas, grafites, faixas e cartazes apresentados em manifestações. Há vários motivos por trás da utilização dos símbolos nazistas para caracterizar Israel, entre eles, deslegitimar o país soberano associando-o ao “mal absoluto”; humilhar o Povo Judeu, igualando-o moralmente a seus algozes; demonizar Israel imputando-lhe “qualidades” do “mal absoluto” e, assim, legitimar qualquer tipo de incitamento violento contra Israel e os judeus, de modo geral. Críticas e posicionamentos contra Israel têm crescido nos últimos anos. Toda crítica contra Israel é antissemita? Não, mas de modo geral as críticas a Israel apresentam características antissemitas. Entre outros, utilizam-se, em muitos casos, de imagens ou acusações típicas do antissemitismo clássico, como, por exemplo, acusações de conspiração ou de controle da mídia e do sistema financeiro. E, é inegável que a maioria dos antissemitas autodeclarados usam uma retórica anti-Israel, escondendo-se atrás dela. Hoje, criticar ou acusar Israel é socialmente aceitável, mas odiar judeus, ainda não o é. Um exemplo típico de uso da narrativa antissemita apresentada como crítica ao Estado de Israel pode ser visto nas palavras de Mahmoud Abbas, que, durante um discurso perante o Parlamento Europeu, em Bruxelas, em junho do ano passado, declarou que “Os rabinos em Israel exigiram que o Governo israelense envenenasse as fontes de água para matar os palestinos e forçá-los a


REVISTA MORASHÁ i 95

Manifestantes com faixas pedem o boicote de Israel, Paris

emigrar”. Este argumento é uma reconstrução da principal armação antissemita contra as comunidades judaicas na Europa, em 1349, durante o surto da Peste Negra. A infame acusaçao de Abbas está na 6ª posição na lista do Centro Simon Wiesenthal dos incidentes antissemitas mais graves de 2016. Ademais, mesmo quando o ativismo anti-israelense não é, supostamente, motivado por antissemitismo, cria um ambiente que faz com que o ódio ao judeu seja mais aceitável. Em 2002, Lawrence H. Summers, então presidente da Universidade de Harvard, disse em relação a uma campanha contra Israel que ia ser realizada na universidade, que tal atitude era “antissemita em seu efeito, mesmo se não fosse em sua intenção”. O crescimento da oposição a Israel é, em grande parte, fruto do trabalho do BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções, em inglês “Calls for Boycott, Divestment and Sanctions against Israel”). Uma verdadeira guerra política está sendo travada.

A deslegitimação de Israel é o principal objetivo. E quando é negado a Israel o direito de existir – caso único entre todas as nações do mundo então isso claramente é antissemitismo

Grafite pedindo o boicote a Israel, Belém

69

As pretensões do BDS são boicotar Israel na arena acadêmica, cultural e econômica e atuar na arena internacional para que, entre outros, Israel sofra sanções por parte de organismos internacionais, se torne um pária internacional e tenha sua economia arruinada. Os mais radicais almejam o desmantelamento de Israel. BDS não é uma organização estruturada. É formado por dezenas de organizações não-governamentais (ONGs) e ativistas radicais e suas campanhas são organizadas e coordenadas pelo Comitê Nacional Palestino do BDS. Em termos práticos, as campanhas do BDS têm pouco sucesso. As iniciativas de boicote acadêmico empreendidas em todo o mundo ganharam o apoio de várias associações acadêmicas, mas praticamente nenhum sucesso institucional, e o dano econômico causado a Israel tem sido insignificante, até agora. A eficácia do BDS está em sua capacidade de se infiltrar no discurso político e público internacional e de borrar as linhas entre críticas legítimas em relação a Israel e as que implicam em sua deslegitimação. abril 2017


ATUALIDADE

A atuação do BDS está em 4º lugar na lista do Centro Simon Wiesenthal. Israel – a única verdadeira democracia no Oriente Médio – com uma imprensa livre e um judiciário independente, tem sido sistematicamente acusado de cometer atos contra os direitos humanos: racismo, crimes contra a humanidade, limpeza étnica. E, enquanto o país é acusado, ignora-se o comportamento flagrante de países onde não há liberdade e respeito pelos direitos humanos, e onde são verdadeiramente cometidos crimes contra a humanidade. As ações do Estado Judeu são distorcidas por meio de insidiosas comparações com os nazistas e com o regime apartheid da África do Sul. A deslegitimação de Israel é o principal objetivo. E quando é negado a Israel o direito de existir – caso único entre todas as nações do mundo - então isso claramente é antissemitismo.

União Europeia As comunidades judaicas da Europa estão sendo alvo tanto da extrema direita como da extrema esquerda e, principalmente, do islamismo radical. Em muitos países da UE, os judeus sofrem abusos verbais e físicos, ataques nos quais muitos deles foram feridos e mortos, com suas sinagogas, escolas e propriedades atacadas, tanto particulares quanto comunitárias, seus cemitérios vandalizados, muros pichados. E, mais uma vez é socialmente aceitável fazer publicamente comentários antissemitas, xenófobos e intolerantes, tudo isso sob o manto do patriotismo nacional. Os incidentes antissemitas se multiplicaram em praticamente

todos os países da Europa: na Rússia e em países da antiga União Soviética, na Holanda, na Grã-Bretanha, na Dinamarca e na Bélgica. Na França, além de sofrer abusos verbais e físicos, a comunidade judaica foi alvo de vários atentados que resultaram na morte de muitos judeus. Ao falar da situação dos judeus alemães, Dieter Graumann, presidente do Conselho Central Judaico da Alemanha, disse ao jornal The Guardian. “Estes são os piores tempos desde a era nazista. Nas ruas, você ouve coisas do tipo ‘Os judeus devem ser envenenados com gás’, ‘os judeus devem ser queimados’– não tínhamos nada assim na Alemanha há muitas décadas... E não se trata apenas de um fenômeno alemão. É um irromper muito intenso de ódio contra os judeus em toda a Europa”. É verdadeiramente perturbador que após a era nazista e o Holocausto os partidos de extrema direita, alguns abertamente racistas, estejam ganhando popularidade nos países do continente. Na França, por

exemplo, pesquisas eleitorais dão como certa a presença de Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional, partido xenofóbico e antissemita, no 2o turno das eleições presidenciais de maio de 2017. É ainda mais perturbador o fato do nazismo e Hitler terem voltado a ser uma referência. Hoje os partidos neonazistas não são mais marginalizados. Na Grécia e na Ucrânia, por exemplo, têm representação parlamentar e na Ucrânia estão no comando de ministérios... Enquanto a extrema direita assume posições abertamente racistas, a extrema esquerda europeia assumiu uma posição antissionista, antiIsrael, e entoa o lema “não temos nada contra os judeus, somente contra Israel”. O BDS tem conseguido vitórias na Europa, enquanto governos de várias nações europeias têm enviado dezenas de milhões de euros para ONGs que apoiam várias formas de BDS. Na Grã-Bretanha, acadêmicos e organizações acadêmicas fizeram

Adeptos do movimento BDS pró-palestinos protestam no centro de Londres

70


REVISTA MORASHÁ i 95

várias campanhas em prol de um boicote de Israel. Apesar das universidades, como instituições, não terem aderido ao boicote, mais de 300 acadêmicos britânicos anunciaram que irão “boicotar Israel e as suas instituições educacionais” até o Estado Judeu estar em conformidade com “o Direito Internacional”. Nas universidades britânicas, a oposição a Israel e o antissemitismo são tão flagrantes – 40% dos alunos britânicos apoiam o BDS, ao ponto de os alunos judeus sentirem-se ameaçados e inseguros. Ainda na Inglaterra, sob a liderança de Jeremy Corbyn, o Partido Trabalhista tem tomado sérias posições anti-Israel. A atuação anti-israelense e antissemita de Corby e de outros membros do partido trabalhista estão no 2º lugar na lista do na lista do Centro Simon Wiesenthal dos incidentes antissemitas mais graves de 2016. Em vários países o crescimento da oposição a Israel fez com que seus governos decidissem tomar atitudes para coibí-la. Na Inglaterra, por exemplo, o Ministro da Gabinete,

produtos e serviços israelenses, fala a mesma língua daqueles que pediam que as pessoas não comprassem dos judeus. Isto nada mais é do que puro antissemitismo. O BDS reveste o antissemitismo “com as novas roupagens do século 21” – o antissionismo. E não surpreende que o movimento BDS seja apresentado em websites neonazistas, de negação do Holocausto e outros abertamente antissemitas e seja promovido por alguns dos mais notórios racistas do mundo, como David Duke, da KKK”.

Donald Trump

Matthew Hancock, anunciou uma medida para bloquear os conselhos municipais militantes anti-Israel de lançar atividades do tipo BDS. Mas, a reação alemã foi a mais contundente. O partido da Chanceler Angela Merkel, União Democrática Cristã, aprovou uma resolução em oposição ao BDS em virtude de suas ações anti-Israel. Este partido comparou o BDS aos nazistas que boicotaram os judeus na década de 1930. “Quem, hoje, sob a bandeira do movimento BDS, clama pelo boicote aos

Como vimos acima, no dia 27 de setembro representantes das comunidades judaicas da Europa reuniram-se no Parlamento Europeu para debater sobre o futuro dos judeus na Europa. Em seus discursos os participantes judeus frisaram que o antissionismo era a nova face do antissemitismo. Em suas observações finais, o Presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, disse: “Quando vemos que um judeu em cada cinco, na Europa, já vivenciou violência verbal ou física, quando essas agressões estão cada vez mais numerosas, e quando vemos que a população judaica na Europa diminuiu de quase quatro milhões, em 1945, para pouco mais de um milhão, hoje, nós então sabemos que está mais do que na hora não só de fazer uma declaração política clara, mas de tomar medidas efetivas o mais rápido possível”, disse Antonio Tajani.

Os Estados Unidos Estima-se que mais de 4 milhões de judeus vivam, hoje, nos Estados Unidos. É a maior comunidade judaica da Diáspora. Jonathan Sarna, professor da Universidade Brandeis e historiador especializado

Neonazistas em comício, Los Angeles

71

abril 2017


ATUALIDADE

na história do judaísmo americano melhor explicou o clima de preocupação e ansiedade que tomou conta dos judeus americanos: “Eles deduziram que nos Estados Unidos o antissemitismo, em grande parte, havia sido superado e, de repente, inesperadamente, um tipo virulento de antissemitismo volta, tonitruante”. Durante uma convenção nacional da ADL, Liga Antidifamação, os presentes manifestaram-se extremamente chocados não apenas com o ódio expresso contra os judeus como também com o alto nível de aceitação pelo restante da população. Na realidade, como aponta o Prof. Sarna, o antissemitismo nunca desapareceu nos Estados Unidos. De acordo com uma pesquisa de 2015 da mesma ADL, 24 milhões de americanos adultos são antissemitas, e se incluirmos os antissionistas e anti-israelenses, esse número aumenta. Nos anos 2014 e 2015, o FBI registrou mais de 1.270 crimes de ódio dirigidos a judeus, sendo que os dados de 2016 ainda não foram divulgados. A tendência pode ser observada nas seguintes estatísticas: em Nova York, entre 1 de janeiro a 12 de fevereiro de 2017, os crimes antissemitas reportados pela polícia (NYPD Hate Crime Task Force), constituem mais do que o dobro do número reportado no mesmo período do ano passado. O antissemitismo atual provém tanto da extrema direita, principalmente do “Alt-Right” (abreviatura de “Alternative Right”, direita alternativa), como da esquerda anti-Israel e pró-palestina que atua principalmente nas universidades americanas. Fontes do Centro Simon Wiesenthal declararam que “O judaísmo americano está sendo alvo de

extremistas em nossas universidades, onde campanhas incessantes anti-Israel criaram um clima de intimidação, e em Nova York, berço da maior comunidade judaica do mundo, que reporta um súbito aumento nos incidentes antissemitas, e na mídia social, onde estão sendo postadas, sem parar, palavras de ódio visando demonizar os judeus”. Segundo a ADL, a onda antissemita começou no ano passado durante a campanha eleitoral do atual Presidente Donald Trump cuja retórica incendiária e xenofóbica promoveu a extrema direita e suas ideias. Durante a campanha, proliferaram na Internet e na mídia social linguajar e imagens antissemitas, voltando a circular as “clássicas” teorias de uma suposta conspiração judaica e do domínio judaico sobre a mídia. Mais de 800 jornalistas judeus sofreram algum tipo de assédio. Jane Eisner, editora-chefe do Foward, influente jornal judaico, relatou que recebeu um e-mail com uma imagem de um nazista apontando uma arma para sua cabeça. Na imagem, ela trajava o uniforme do campo de concentração. Ainda de acordo

Membros da Ku Klux Klan (KKK) e neonazistas

72

com a ADL, entre agosto de 2015 e julho de 2016, foram identificados 2,6 milhões de tweets “contendo linguagem encontrada no discurso antissemita”. Além de intimidações on-line, a polícia recebeu denúncias de vandalismo antissemita. Parte do discurso antissemita originou-se da força que o grupo Alt-Right conquistou neste último ano nos Estados Unidos. Membros do grupo atuaram na campanha eleitoral de Trump, e Steve Bannon, estrategista eleitoral da campanha e hoje assistente do presidente e estrategista-chefe da Casa Branca, é considerado um dos porta-vozes do movimento. Até o Presidente Trump o convidar para seu estrategistachefe, Bannon não era uma figura conhecida, e muitos não sabiam de suas estreitas ligações com o “nacionalismo branco”. Tampouco sabiam que ele era o CEO do site Breitbart – que ele próprio definiu como a “plataforma do Alt-Right”. De acordo com uma declaração publicada no Breitbart, o objetivo do grupo é “tornar a América um país para os brancos”. O site ganhou importância na campanha presidencial ao apoiar ferozmente o então candidato Donald Trump. O Alt-Right é um fenômeno relativamente recente. É altamente descentralizado em termos de opiniões e, por ser um fenômeno da Internet, é difícil saber quantas pessoas estão envolvidas. E, diferentemente de antigos grupos de extrema-direita, como a Ku Klux Klan (KKK) e os neonazistas, compostos principalmente por pessoas de classe baixa, os membros da “direita alternativa” são, em sua maioria, homens brancos de classe média, com


REVISTA MORASHÁ i 95

ensino superior. O discurso do AltRight é antissemita, sendo muitos deles negacionistas do Holocausto. Simpatizantes dos grupos de extrema direita exultaram quando Trump nomeou Bannon para influentes cargos na Casa Branca e também como membro permanente do Conselho de Segurança Nacional. David Duke, ex-líder da Ku Klux Klan elogiou a escolha e disse que o assessor cuidará do aspecto mais importante do governo: a ideologia. Já os críticos de diferentes espectros ideológicos, inclusive da direita, dizem que a nomeação deixará o governo americano sob a influência de um movimento racista, antissemita e que acredita na superioridade dos brancos. Para Carole Nuriel, diretora da ADL, “os antissemitas na direita americana nunca desapareceram, só eram marginalizados. Os supremacistas brancos, simpatizantes da KKK (Ku Klux Klan) e neonazistas sempre existiram, o que mudou foi o impacto do nível do discurso que surgiu durante a campanha presidencial... Esse é um caso clássico de abrir as comportas do antissemitismo, não apontando para os judeus, mas legitimando e não lutando contra o discurso de ódio de todo tipo. Isto cria um clima no qual aqueles que odeiam ganham coragem e se sentem poderosos”.

O Presidente Donald Trump e a comunidade judaica americana Enquanto as relações do governo Trump com Israel estão indo de vento em popa e o governo de Netanyahu sai em sua defesa, as relações com a comunidade

Cemitério judaico na Filadélfia foi vandalizado e túmulos profanados

americana azedam a olhos vistos. Zalman Shoval, ex-Embaixador de Israel nos EUA, declarou recentemente que Israel deve distinguir entre as relações com os EUA e a firmeza na defesa dos judeus; 40% de seu total no mundo vivem nesse país. Ele afirmou que “Diante de incidentes diários, a Casa Branca não deve limitar-se a fazer declarações e bons gestos, mas deve mobilizar toda a força da lei e da polícia contra grupos que realizam atos antissemitas ou racistas em geral”. Um dos incidentes que chocou os judeus americanos, assim como do mundo todo, foi o fato de que no costumeiro comunicado que o presidente dos Estados Unidos faz no dia 27 de janeiro, Dia Internacional do Holocausto, Trump não ter feito nenhuma referência aos judeus nem ao antissemitismo. Ficaram ainda mais chocados quando autoridades do Governo disseram que o Presidente intencionalmente não mencionara os judeus. A Casa Branca apoiou a declaração, defendendo que havia sido uma mensagem “inclusiva” que não pretendia marginalizar vítimas 73

judias do Holocausto. Teria sido um deslize? O site Politico revelou que enquanto a Casa Branca alegava que não vira o rascunho da declaração preparada pelo Departamento de Estado até depois da Casa Branca ter emitido sua própria declaração, que deixara de fora qualquer menção às vítimas judias, o Departamento de Estado afirma ter entregue à Casa Branca um release que continha, como em anos anteriores no mandato de outros presidentes, menção aos seis milhões de judeus exterminados pelos nazistas. Trump tem enviado mensagens confusas ao país sobre o tópico dos ataques antissemitas. Em mais de uma ocasião, Trump se esquivou de uma pergunta sobre os recentes acontecimentos antissemitas. Durante semanas, nem uma palavra foi dita pelo Presidente americano sobre os alertas de bombas nos centros comunitários judaicos e sobre a profanação dos cemitérios judaicos, nem sobre as crianças judias que vão à escola temendo por sua vida. Nem a mais ínfima declaração de como o governo vai lidar com os bilhões de tweets e abril 2017


ATUALIDADE

ofensivos e virulentos desses eventos, oferecendo desculpas esfarrapadas. Até recentemente, ações de supremacistas brancos haviam sido relativamente raras nas universidades. Mas, este ano, eles estão engajados em um empenho sem precedentes para atrair e recrutar alunos nos campi das faculdades americanas. Valem-se de uma variedade de táticas que incluem volantes antissemitas, antimuçulmanos e racistas, bem como visitas e palestras nas universidades de ativistas racistas. Manifestação de protesto de grupos judaicos pedindo “tolerância zero para o antissemitismo”, Londres

retweets que, segundo a ADL, desde a eleição espalharam piadas amargas sobre câmaras de gás, conclamando pela reabertura “dos fornos” para os judeus de Nova York e de Los Angeles, e lançaram as mais doentias teorias da conspiração. E, apesar de que em seu primeiro discurso presidencial ao Congresso Trump ter condenado o antissemitismo e o racismo como uma forma de ódio e maldade, horas antes ele havia sugerido que os ataques poderiam ser obra de seus oponentes ou, quem sabe, dos próprios judeus...

Universidades americanas O crescimento do antissemitismo e sentimento anti-Israel nas universidades do país tem sido uma fonte de extrema preocupação Secure Community Network (Rede Comunitária Segura) – fundada em 2004, é a primeira ONG exclusivamente dedicada a iniciativas de segurança nacional em prol da comunidade judaica dos EUA.

1

para os judeus americanos. Apesar do ativismo anti-judaico nas universidades se concentrar mais em denegrir Israel do que o Povo Judeu como tal, realizam-se flagrantemente atividades antissemitas regulares. Em 2015, um estudo detectou que uma porção substancial de universitários judeus relataram haver sido expostos a antissemitismo e hostilidade contra Israel em seus campi. Na maioria dos casos, os administradores das universidades ignoram as ocorrências. Fecham os olhos às conferências organizadas por alunos, às demonstrações e aos protestos que utilizam temas antissemitas, mesmo quando alguns desses eventos chegaram à violência. Em alguns campi, universitários judeus estão preocupados com sua segurança física. Ao minimizar tais ofensas, os administradores estão silenciosamente perdoando a violência dirigida aos judeus. A direção e a administração das universidades parecem avessas a por um fim até mesmo aos mais 74

Paul Goldenberg, diretor da Rede Comunitária Segura1 revelou pela primeira vez que sua organização havia indicado um funcionário em tempo integral para visitar todas as universidades americanas de modo a garantir a segurança dos alunos judeus. “Estamos trabalhando com três organizações – Hillel, Chabad e AEPI, a maior fraternidade judaica do mundo. Estamos trabalhando bem de perto com as três instituições visando a segurança nos campi, porque os alunos judeus têm que se sentir seguros na universidade”.

BIBLIOGRAFIA

http://www.antisemitism.org.il - The Coordination Forum for Countering Antisemitism https://www.adl.org- Anti-Defamation League http://www.wiesenthal.com -The Simon Wiesenthal Center Rusi Jaspal , Antisemitism and AntiZionism: Representation, Cognition and Everyday Talk (Studies in Migration and Diaspora) Pollack , Eunice G. , Anti-Semitism on the Campus: Past and Present (Antisemitism in America) (English Edition) eBook Kindle


REVISTA MORASHÁ i 93

Sempre admirei a qualidade da revista, que recebo há alguns anos. Gostei muito do artigo sobre a comunidade judaica na Turquia. Através dele, consegui compreender melhor os motivos que trouxeram minha família ao Brasil durante a 1ª. Guerra Mundial. Parabéns à revista Morashá! Vera Hazan Rio de Janeiro - RJ

Conhecemos a revista Morashá através de uma família judia que cedeu um espaço para a comunidade e gostaríamos de disponibilizá-la para nossos leitores. Giovana Fernandes Guimarães Assistente de Biblioteca Centro Cultural Bernardo Monteverde - Rio de Janeiro - RJ

Desejo parabenizá-los pelo artigo “Shoá” edição de Setembro/16, muito elucidativo. Devemos, lamentavelmente, relembrar sempre as atrocidades cometidas pelos alemães antes e durante a 2ª. Guerra Mundial, para que tais atos nunca se repitam. Eu nasci em 1943, com cinco anos, em 1948, juntamente com meus pais Albert e Ruchla e minha irmã Pola viemos ao Brasil. Eles sempre evitaram comentar a respeito destes acontecimentos. Maksym Terner Porto Alegre - RS

Quando fui sheliach do Netzach nos anos 1990 tive a oportunidade de acompanhar os primeiros passos deste projeto. Desde o começo este querido grupo teve como objetivo publicar artigos interessantes e com sucesso. Acompanho de Israel cada publicação da Morashá e fico muito surpreendido com a seleção dos artigos e de sua qualidade. Parabéns, Kol Hakavod. Arie Zehavi Raanana - Israel

Renovamos interesse em continuar recebendo a revista Morashá. Library of Congress Debra McKern Rio de Janeiro - RJ

Sou professor de Matemática aposentado e expresso minha admiração pela revista Morashá, criada pelo Instituto Morashá de Cultura, que há 24 anos transmite as tradições milenares judaicas, bem como sua história, cultura e seus valores. É composta por eficientes profissionais que se dedicam a aperfeiçoar o conteúdo editorial e sua produção gráfica, tudo ainda com auxílio de excelente escolha de bibliografia. O site www.morasha.com.br fornece notícias do mundo judaico, atualizadas diariamente, contendo, ainda, a versão digital de todas as revistas publicadas. Por tudo isto, como professor, dou grau 10 com louvor! Anoto ainda a linda apresentação da revista. Professor Maurício Ary Jalom Rio de Janeiro - RJ

Considero um grande presente ter essa primorosa revista Morashá em minha casa. D’us recompense a toda a direção da Morashá por esse inestimável periódico. Jacob Schotgues Por e-mail

Após duas visitas a Israel, sempre no meu retorno comentava com meus amigos que Israel não era apenas a Terra do Leite e do Mel, mas, sim, a Terra do Leite, do Mel e das Flores. Vi se confirmarem minhas observações ao ler na Morashá de Setembro/2016 o artigo “Explosão de Cores em Israel”. Vejo que a promessa de David Ben-Gurion, de florescer o deserto, realizou-se. Meus parabéns à Morashá e a Israel. Roberto Carderelli São Paulo - SP

Acabei de receber a última edição do ano de 2016, maravilhosa como sempre. Chanucá em Israel foi lindíssimo, todos nós, em Jerusalém, aproveitamos muito esta edição. Vai já para minha coleção. Amo ler a revista e me orgulho de emprestar e traduzir artigos para famílias daqui. Gratidão sempre. Shalom Sylvia Lakeland Jerusalém - Israel

Conheci a revista Morashá no Lar Bnei Herzl, onde meu pai, com 102 anos e sobrevivente do Holocausto, é hóspede. Rosa Waksman Rio de Janeiro - RJ

Considero a equipe da revista uma referência como transmissores de conteúdo fiel do Judaísmo e de informações sobre Israel. Tony Craveiro Mato Grosso - MT

75

abril 2017



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.