Revista Pajeuzeiro – edição 01

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Revista

Pajeu zeiro Ano I - Número 1

Distribuição gratuita

www.revistapajeuzeiro.com.br



eXPEDIENTE PRODUÇÃO E PROD. EXECUTIVA

William Tenório REDATOR CHEFE

Alexandre Morais Jornalista DRT-PE 2707 ASSISTENTE DE REDAÇÃO

Flaviany Bruna Tavares DESIGNER GRÁFICO

André Luis

CORREÇÃO ORTOGRÁFICA

Wivianne Fonseca FOTÓGRAFOS

Claudio Gomes Thiago Caldas ARTE E DIAGRAMAÇÃO

William Tenório

TRATAMENTO FOTOGRÁFICO

Thiago Caldas FOTO CAPA

Claudio Gomes

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Editorial

asce mais um Pajeuzeiro. Ou uma, porque é uma revista. Substantivamente comum e adjetivamente incomum, porque supre uma lacuna nesta província universal de artes que é o nosso Sertão do Pajeú.

A ideia é eternizar em textos e imagens a nossa múltipla produção cultural. Trazer aos olhos e levar ao mundo o que, o como, o onde e quem faz dessa terra a pátria da arte-diversidade que é. Diversidade que, editorialmente, é contraditória. É que o espaço é pouco para o muito que temos. O Pajeú não cabe em uma revista. Nem em seis revistas como nos garante o incentivo do Funcultura para esta caminhada sonhadamente maior. Com o estímulo, a missão maior não é pautar-se. Mas o que priorizar diante de uma imensidade de fontes. Bom! Precisávamos começar. E o começo está agora em suas mãos. Como matéria de capa, Edierck José, o homem-arte. Ou que segue o caminho das artes, como disse ele e atestamos nós. Tocando, esculpindo, pintando, ele empresta leveza aos pesados e apressados passos dos que passam. E ele não passa. Fica nas paredes, nas telas, nas árvores, nos sons, tudo como sonhos que vão longe sem sair de perto. Sonhos, viveres, saberes que também demonstram as nossas artesãs. Mulheres que tecem e modelam vidas através da arte. Mulheres que se fazem ser através do artesanato. Seres que se dividem em tantas para multiplicarem-se em resultados. Únicas e muitas. Mulheres.

EQUIPE DE REDAÇÃO

O fascínio continua com o banho de sentimentos, de gestos, olhares e vozes que nos empresta o poeta Zé Adalberto, personagem do Papo de Boteco desta edição. Lá das altas do Pajeú, ele solta o fio da vida. E mostra como transformar o novelo do tempo numa poética rede de balançar. Coisas do poeta e gênio que é.

COLABORADORXS CONVIDADOS

Para completar, luzes e caminhos para as questionadas relações entre “cultura e escola” e “inspiração e conhecimento”. Aquela com olhos didáticos. Esta com olhos poéticos. Ambas com sabores e odores típicos deste chão.

Alexandre Morais Genildo Santana William Tenório Wivianne Fonseca Uilma Queiroz Vinicius Gregório

Entre em contato

revistapajeuzeiro@gmail.com

E ainda vamos ter sempre a boa dica de Genildo Santana com a coluna Vale a pena conhecer. Nesta edição a emblemática e bem traçada Estrada de Zeto e Bia. Pronto. Assim nasceu este rebento. Revista Pajeuzeiro, um fruto do amor dos figurantes no Expediente aí ao lado. Revista Pajeuzeiro - Ano I - Número 1 |

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Artesãs pajeuzeiras: protagonismo moldado com arte

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Texto Uilma Queiroz | Fotos Claudio Gomes

ãos que moldam, mentes que criam, recriam o mundo a sua volta e o mundo dentro de si. O artesanato, arte que tradicionalmente faz parte da cultura de muitas pajeuzeiras e alguns pajeuzeiros, antes de fonte de renda, é, sobretudo, alegria e refúgio das mãos e mentes que modelam. Atualmente, o artesanato tradicional vem mesclando-se a novas técnicas,

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compartilhadas e até de fora do Pajeú, mas que mesmo assim não tiram a marca dessa gente que inventa. Por isso, procuramos guiar nossa reportagem em duas frentes: as artesãs veteranas e as mais novas que aprenderam o modo de fazer nos meios de comunicação, que usam resíduos sólidos como matériaprima. As encontrei na rua de casa e no Mercado Público Municipal, numa área reservada ao artesanato. No entanto, buscamos tratar não do artesanato como técnica, mas

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sim como um elemento social, que é. Destacando as atrizes sociais que costuram essa arte. Passando na Rua Sete de Setembro, no Bairro São Francisco, diariamente me deparava com a figura de uma senhorinha e suas bonecas com vestidos de crochê rodado. A pesquisa para essa reportagem oportunizou-me descobertas sobre a figura anônima que me causava curiosidade. Geronias desde menina aprendeu com sua mãe e vizinhas, apenas olhando o movimento da agulha, em suas rodas de


conversa na zona rural. Aprendeu as técnicas de crochê, tricô, tenerife, macramê, labirinto, rolete, bordado à mão e à máquina, ponto cruz e vagonite, renascença e pintura. Alguns desses saberes já se esqueceu, outros não consegue mais desenvolver por causa da visão. Apesar dessas mais de dez artes, disse ela, que gosta mais de fazer ponto cruz e crochê. A artesã é uma das poucas que guardam o saber tradicional que vem do tempo onde as linhas eram apenas de carretel e ainda se usava tear. Adaptou-se à máquina, mas não larga a agulha e continua sua criação como quem borda a própria vida. Como a de dona Geronias, vidas de mulheres mais jovens, adultas, idosas também parecem guiadas pela arte de criar e recriar. O fazer artesanal é colocado como uma saída para a vida emocional, econômica, mas é principalmente uma oportunidade de socialização entre as mulheres, pois, no Mercado Público Municipal, além de expor seus trabalhos, partilham suas vidas. Afora de promover a socialização, a Área de Artesanato, aberta ao público em dezembro de 2015, é caracterizada pelas artesãs como oportunidade de sair do anonimato. Diferente de Geronias, que aprendeu quando criança, o artesanato nas vidas das demais é uma forma de esquecer problemas, de fortalecimento contra a depressão e os problemas da vida. Na exposição, podemos nos deparar com vários tipos de artesanatos: bordados,

reciclagem, customizações, bijuterias, aplicações, arte em gesso, arte em biscuit, costura, entre tantas outras diversidades. Para as artesãs, a arte é, antes de produto, um ato pessoal de vida, todas relataram que gostam de fazer, criar, recriar. Estas artesãs também ensinam a suas filhas. Inclusive são, por vezes, elas quem estão comercializando seus produtos e os de suas mães. Ser mulher artesã, segundo elas, é um difícil bordado diário, pois precisam conciliar os afazeres domésticos com a arte das mãos. Mais complicado ainda é para as mulheres rurais que, além da casa e do artesanato, precisam trabalhar na roça. Além de complemento constante da renda familiar, nos períodos de estiagem e seca, onde a agricultura não provê, o artesanato passa a ser o principal trabalho produtivo da família. Para algumas, urbanas ou rurais, a venda de seus produtos é a renda que elas têm autonomia de administrar, porque ainda nos deparamos com famílias que os

homens proveem e administram a maior parte da riqueza. Deparamo-nos com tantos “M’s” e Marias. Diversas em seus afazeres, nas formas que aprenderam: algumas na escola, outras na televisão, com amigas, família, cursos e grupos. Parte delas está engajada em grupos de artesãs como o Grupo de Mulheres Agricultoras Artesãs de Nazaré e o Artesanatos Pajeú, que há cerca de 10 anos reúne mulheres e artes com o objetivo de se fortalecer, pois a organização em grupo facilita o financiamento e a comercialização. Alguns grupos fazem parte da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, entidade que desde 2006 articula e apoia, em 10 municípios do Pajeú, 30 grupos de mulheres produtoras e uma das formas mais presentes de produção é o artesanato. Segundo Branca, que faz parte da equipe técnica da Rede, apesar de muitos homens não valorizarem essa arte, o artesanato na vida das mulheres é um caminho para a libertação e o empoderamento.

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Cultura e Escola: que relação é essa?

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alar sobre Cultura ou Educação já é um grande desafio imposto pelas diversas visões ou “correntes de pensamento” que discutem cada conceito e buscam conquistar espaços cada vez maiores para sua forma de pensar. Então, ponderar sobre a relação entre os dois é desafio em dobro! Praticamente, colocar a mão em cumbuca! Mas... quem for sertanejo e num for buliçoso que atire a primeira pedra! Do verbo latino colere, na origem cultura significa o cultivo, o cuidado, aquela ação que faz brotar, frutificar, florescer! (Ó! Que imagem linda!). No século XVIII, com a Filosofia da Ilustração ou Iluminismo, a ideia de cultura ressurge como sinônimo de civilização. Quanto maior o padrão de cultura de uma sociedade, mais civilizada ela seria. Com o surgimento da antropologia no século XIX, a Europa capitalista é tomada como padrão para medir a evolução ou grau de uma cultura. Quanto mais uma sociedade desenvolvesse formas de Estado, mercado e escrita diferentes do Estado

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Texto Wivianne Fonseca europeu, mais “cultura primitiva” ela seria. Apenas a partir da segunda metade do século XX, com a antropologia social, a cultura passa a ter uma abrangência maior. Passa a ser vista como a produção e criação da linguagem, da sexualidade, da religião, das relações familiares ou de poder, da forma de viver o amor, a vida, a morte, das expressões de lazer, música, dança, vestuário, culinária, habitação. E é diante desse conceito ampliado de cultura que devemos procurar responder: numa sociedade dividida em classes que, como enfatiza Marilena Chauí, não conserva os princípios de comunidade, como se preserva a ideia desse conceito popular, laico e democrático de cultura? Imagino que seja aí... nessa curvatura da vara, que a educação entra. A educação ocupa um lugar de destaque nessa questão porque tem a possibilidade de dar ao sujeito condições de autorreflexão crítica, arma vital no enfrentamento das pressões sociais que homogeneízam, desintegram a individualidade, desumanizam. A educação pode afirmar a cultura como um direito, opondo-se às

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políticas neoliberais que buscam legitimar a cultura como serviços ou coisas que podem ser vendidas e compradas, indicando status social ou privilégio de classe. Num contexto onde a educação tem sido fortemente abordada por visões economicistas que impulsionam, num entendimento azevediano, a criação de uma mercoescola, é urgente pensar: a escola pública tem negado ou fortalecido a compreensão da cultura como direito humano? Que cultura é essa priorizada no currículo escolar? No currículo da nossa escola pública e sertaneja? É a cultura que fala de todas as questões de gênero moldadas pelo barro das artesãs de Brejinho? É a cultura que debate o modo de vida e o legado sertanejo que pulsam nas cores de Edierck José? É a cultura que soa nos cânticos quilombolas que embalam o coco de roda no Leitão da Carapuça? É a cultura que deleita e embriaga os versos de Dedé Monteiro ou os risos oriundos do sarcasmo de Pinto – a cascavel do repente? Não?! Não é essa a cultura presente no currículo das nossas escolas – púbicas e sertanejas? Resta questionar o porquê dessa


ausência. Que ideias subversivas essas expressões culturais poderiam trazer? Seria possível que essa produção cultural questionasse aquela que busca legitimar a exploração econômica e a exclusão social? Em recente entrevista, o múltiplo artista Antônio Nóbrega afirmou que “nosso universo de cultura popular foi capaz de edificar ao longo de séculos uma rica catedral de imaginário simbólico. Se isso for trazido à tona, pode ajudar nos nossos processos educacionais

e artísticos”. Já temos, felizmente, tentativas de trazer à tona todo esse potencial de humanização presente nas atividades desenvolvidas pela escola quando aborda a arte e a cultura popular. Primeiro, percebemos ações pontuais, como a realização de projetos de leitura que focalizam a cultura popular e, depois, observamos iniciativas mais marcantes: em 2014, São José do Egito, por exemplo, implantou a disciplina Poesia Popular na grade curricular do ensino fundamental

Coluna VALE A PENA CONHECER...

municipal, bem como, passou a desenvolver curso de formação para os professores da referida disciplina. Em Pernambuco, há a discussão da adoção de pelo menos um livro escrito por autor pernambucano como paradidático nas escolas públicas e privadas do Estado. São caminhos que se abrem, espaços que, uma vez ocupados, não podem deixar de ser fortalecidos e ampliados. A cultura popular agradece. Aqueles que se libertam da cultura volátil e mercantilista, também.

| Genildo Santana

...o LP, hoje remasterizado em CD, Estrada, de Zeto e Bia. Feito em 1989, o disco é todo uma homenagem ao poeta Zé Marcolino, morto em acidente de carro em 20 de setembro de 1987, ali entre Afogados e Carnaíba. “O que foi feito da vaca/ que matou Zé Marcolino?”, se perguntava Ivo Mascena. O disco é o único da dupla-casal. Traz belas e benévolas palavras de Ésio Rafael, que chegou a dizer que “é um trabalho ‘pajeuzeiro’ que se universaliza pela força poética e interpretativa da dupla.” E mais à frente diz o poeta sertaniense: “a estrada é comprida, mas pela capacidade da dupla é só ter cuidado com

uma rês e sair lambendo as feridas.” O disco é composto por 06 faixas de autoria de Zeto e Bia, 03 faixas de Zé Marcolino e uma homenagem ao autor de “serrote agudo”, feita por Hilário Marinho e Zeto: Marcolinada. É onde declama Bia, profetizando: “Marcolino, enquanto existir, quem como tu, saiba ver, além da simplicidade, a beleza das coisas do sertão, tu viverás,” e grita ao final: “MARCOLINO VIVE!”. Sim, Bia! Marcolino vive...vive na Missa do poeta, criada por Padre Assis Rocha e hoje sob a responsabilidade da APPTA (Associação dos Poetas e

Prosadores de Tabira). Vive no museu que lhe dedicou seu fã e conterrâneo. Vive nas novas gerações. Como um Andarilho que dançou um Forropé no São João de Ouro, que sentiu um Vento Penteador e depois, para curar a ressaca da festa, se trancou num Quarto Pensativo. É como o ouvinte se sente depois de ouvir o disco. A natureza agradece. E ainda tem um Sabiá na Seca que anda por uma Estrada somente Recordando o Ceará. Tudo isso ao som de uma boa Marcolinada. É indispensável ao público discófilo esse trabalho de Zeto e Bia. E a quem quer conhecer o universo cultural do Pajeú ele se torna necessário. O disco se tornou universal sendo tão particular. É por isso que as novas gerações devem conhecer o belo tributo feito a Zé Marcolino por Zeto e Bia, o casal mais cultural do Pajeú. É psicodélico, poeta!

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Capa

| Edierck Jos茅

Sigo o caminho das artes Texto William Ten贸rio | Fotos Thiago Caldas


até emocional, eu entro num estado de felicidade”. A casa-ateliê é fantástica, um local que frequento desde menino. Nela se confundem móveis com peças de arte produzidas pelo próprio artista ou acumuladas no decorrer da vida. Logo na entrada seus quadros estão à mostra. É nela que o artista passa algumas horas praticando violão e foi nela que o encontrei para esta conversa. Edierck é uma figura. Magro, alto, com olhos arredondados e sempre receptivo aos que visitam sua casa. “Talvez eu tenha herdado isso do meu avô”, lembra. Ele me convidou para entrar e, para fugirmos do barulho da rua, fomos para a sala. Na sala, escolhi sentar na poltrona em frente ao sofá de três lugares, no qual Edierck sentou-se no meio, com as pernas cruzadas no estilo yoga. Começamos uma conversa que informalmente já havíamos iniciado há semanas. Filho único, nascido em 1959, morou na casa de seu avô materno em Carnaíba, avô que era uma espécie de faz tudo da cidade - de dentista a ourives - e foi uma das primeiras influências de Edierck junto com sua mãe, dona Euza, costureira, que egunda-feira. No se mudou com o filho para centro da cidade Afogados da Ingazeira quando as pessoas passam o garoto tinha catorze anos: apressadas. Em uma “porque aqui tinha uma escola casa localizada na de música. Seu Dino dava aulas, Praça Monsenhor e mãe: você quer estudar Alfredo de Arruda Câmara, música?”. Em Afogados, Edierck ao lado da agência do Banco do Brasil, Edierck José dedica comercializa seus primeiros seu tempo ao violão, hábito trabalhos. “Eu fiz caqueras, que ele define como vício. “É vasos de plantas feitos de uma dependência mesmo, corda, era moda na época”.

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A técnica é conhecida como macramê. “Ali saquei que eu podia ganhar minha grana... foi muito importante”. A partir deste momento passa a desenvolver outros trabalhos manuais e perceber que era possível viver de arte. Mesmo assim, aos 19 anos prestou concurso público e foi trabalhar na saúde, no Hospital Regional, mas começou a ficar infeliz com a vida e acabou largando o emprego. “Vou ser o dono do meu trabalho, do meu destino, da minha hora, trabalhar criativamente, estar sempre criando”, decidiu. Nessa mesma época, ele entra para faculdade. “Achei que devia ter um curso superior. Eu nunca fui um bom aluno, mas saquei que era importante”. O sonho era fazer um curso de artes, mas a distância não permitiu. Edierck é bacharel em História pela faculdade de Arcoverde, profissão que nunca exerceu. Apesar de residente em Afogados, viajava muito à Carnaíba: “lá era muito mais psicodélico”, Afogados era mais conservadora, “e eu já era um adolescente hippie do movimento, era um cara paz e amor”. Segundo relatos, chamava bastante atenção pela forma de vestir-se e pelo modo de agir, totalmente fora dos padrões da época, principalmente de uma cidade de interior. Em 1981, com 22 anos veio o casamento, como ele mesmo afirma: “com uma amiga de infância. Eu tenho fotos de Olegária em meu aniversário de 12 anos”. Neste mesmo ano nasce Edinho, primeiro filho do

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casal, de parto natural feito em casa por uma parteira muito especial, dona Euza, mãe de Edierck e avó do garoto que ajudava a trazer ao mundo, influência da cultura hippie. “Resolvemos ter em casa e foi uma experiência e tanto, eu era um cara de 22 anos e ajudei... eu, minha mãe e Olegaria tivemos esse menino em casa”. Além de Edinho, o casal ainda teve mais três filhos, Edimarck, Mayra e Erck. Agora casado, com filho e decidido a viver da arte, foi trabalhar com macramê: “fiz máscaras, aí foi quando chegou a pintura, e eu abri um espaço, uma loja de artesanato”. A ideia era conciliar trabalhos autorais com os de outros artistas. O comércio começou a crescer: “deixei de fazer e passei só a ser comerciante, vendia a arte dos outros”. Nesse momento, Edierck para, me olha, se ajeita no sofá e diz: “eu não queria isso não, saí de uma coisa e quero outra, aí fechei a loja”. Ficou somente o ateliê e, a partir daí, ele passa a se dedicar unicamente a seus trabalhos. “Eu fui exercitando a ideia de retratar as pessoas, os temas locais... aí foi um pulo”. E ele não parou mais, autodidata como ele mesmo faz questão de ressaltar, seus trabalhos, nesse primeiro momento, tem como tema o seu lugar e suas memórias. “Eu sempre busquei o homem, a natureza... minha primeira tela foi um senhor que vendia casca de pau, tá aqui até hoje”, diz, apontando para o quadro em cima da estante da sala que retrata um senhor de idade, pele morena e enrugada, vestindo uma camisa verde e abraçando

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um saco aberto cheio de cascas de pau. “Minha escola estava aqui na minha frente... a arquitetura, as casas que sempre me chamaram a atenção”. Nesse momento sou eu quem interrompe: vejo na tua pintura um Edierck memorialista, um tanto saudosista. Ele prontamente responde: “Conservador! Me disseram uma vez. Eu não contestei. Eu gosto dessa coisa, do passado; uma época eu pintei muito de memória, era mais fácil... as vezes pintava casas que já foram derrubadas há 20 anos, sei lá... teve uma que errei por uma janela, eram 5, eu botei 4, mas repare... 20 anos depois”. (risos) Junto com isso veio uma perspectiva única: “as pessoas tentavam me enquadrar em uma perspectiva fotográfica e eu não me enquadrava, porque eu terminava distorcendo alguma coisa, uma rua, uma esquina...”, e com auxílio das mãos ele explica, “eu gosto da forma, do jeito... quando vou buscar o homem, vou buscar a expressão corporal dele, o movimento”. E essa busca não se resume às telas. Seu trabalho com esculturas tem seguido o mesmo caminho, o movimento. Ele se faz presente em A noiva, escultura realizada em um tronco de madeira na praça da cidade de Afogados. Nela, a moça parece caminhar. Talvez a exceção seja seu trabalho em painel, como ele mesmo define, pois a técnica que utiliza cimento aplicado em parede para criar formas em alto-relevo, que por vezes são pintadas, foge à busca do movimento. Quando há personagens, eles são representados parados, como se posassem para uma foto.

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Em 1999, com quarenta anos de idade, Edierck recebe um convite inusitado: fazer parte de um projeto da Unesco de pintura em mural que aconteceria inicialmente na Alemanha. “Isso mudou minha vida, eu sai daqui um Edierck e voltei outro”. O convite veio através de Tomas, um alemão que morou um tempo em Afogados da Ingazeira e levou uma tela de Edierck quando retornou à Alemanha. Foi essa tela que serviu como currículo: “passei três meses lá, pintei em muitos lugares públicos”. Como continuação do projeto em 2000, “conseguimos trazer um mural para Afogados da Ingazeira”. Pintado na


fachada da Secretaria Municipal de Educação, e recentemente restaurada, a obra integra o acervo da Unesco no Brasil. O tempo trouxe a evolução da técnica: “teve uma época que eu desenhava e pintava... me libertei do desenho, usava as mãos e comecei a pintar com os dedos”. Sempre experimentando, sua obra tem ganhado cores mais fortes e um certo contraste que ele afirma ser reflexo da fotografia. “Hoje eu tô juntando experiências atrás com a questão da luz e da sombra de forma muito mais consciente, porque minha última busca tem sido a luz e a sombra.” De fato, luz e sombra tem ganho

grande destaque nos seus últimos trabalhos, assim como a temática tem mudado. Eu provoco perguntando: Sua obra está ganhando uma temática “moderna”? E ele responde: “Agora o que me chamou a atenção foi esse momento, essa postura, a self” – se referindo ao quadro em que uma menina faz uma self com um celular, na qual ele faz um paralelo com o mito de Narciso – “eu pintei porque eu comecei a não querer ficar preso a uma tradição... pra não ser só o tradicional, o homem sertanejo, o vaqueiro...”. A mudança é notória, há pelo menos mais uma tela, além

da self da menina, em que o fundo é composto por quadriláteros coloridos. Brinco, perguntando se existe uma influência cubista. Edierck sorri e responde: “não é cubismo. É colcha de retalhos, porque é todo recortado, é como uma colcha de retalhos mesmo”. Hoje, maduro, Edierck vive outro momento. Os filhos estão seguindo seus próprios caminhos, os netos estão chegando, “todo mundo alerta para essa fase da vida, mas é uma fase que você pode usufruir e exercer outras coisas”. Questiono sobre o esvaziamento da casa, ele responde: “agora você tá livre para voar, para dar asas à imaginação”.

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Muito mais do que se possa dizer

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Texto Alexandre Morais | Foto Thiago Caldas

ra um 28 de janeiro, dia de São Tomaz de Aquino. O ano 2016. Mas fomos convidados para uma festa de São Brás. É que as comunidades católicas, geralmente, reverenciam seus santos por toda uma semana. O dia de São Brás mesmo é o 03 de fevereiro. O convite foi para uma Mesa de Glosas. O estendi aos poetas Diomedes Mariano, Wellington Rocha, Elenilda Amaral e Thiago Gomes. Dei-me a função de mediador. E ainda a de criação dos motes. E optei por motes que estimulassem o que há de cronistas em nossos poetas. Para isto, busquei o factual. Pois bem, lembrei que alguns dias antes o

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Excelentíssimo Senhor Ministro da Saúde, Marcelo Castro, saiuse com uma ótima. Quando todo mundo esperava uma posição enérgica do Governo frente aos catastróficos avanços da dengue, da zika e da chikungunya, o comissionado foi, no mínimo, previsível. Disse que o Brasil estava perdendo a guerra contra o mosquito. Pronto. O ministro é poeta. Deu o mote prontinho, metrificado, com opções de rimas e com muito pano pra manga. Eu o lancei originalmente: O Brasil está perdendo / A guerra contra o mosquito. E assim a nossa poeta-repórter-cronista Elenilda Amaral publicou: Isso não é brincadeira Paremos para pensar Que o mosquito vai ganhar

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A guerra dessa maneira. Nossa gente brasileira Precisa fazer agito, Fazer campanha, dar grito, Pra não ver gente morrendo O Brasil está perdendo A guerra contra o mosquito. Na mesma época o sistema penitenciário de Pernambuco foi destaque internacional. Duas fugas em massa, num intervalo de três dias entre uma e outra, levaram às ruas mais de uma centena de detentos. A primeira foi na Penitenciária Barreto Campelo, município de Itamaracá, e a segunda, no Complexo Prisional do Curado, no Recife. A população, especialmente os vizinhos das unidades, viveram momentos de pânico. Mais caos no transporte


público, tiroteios, blitzen, tudo aliado a outras tantas ocorrências, levaram, como tem levado constantemente, a sociedade a um contraponto: os presos buscando a liberdade e os libertos buscando a prisão em suas próprias casas. Então propus o mote: Os presos tão se soltando / E os soltos tão se prendendo. Diomedes Mariano apurou rápido e manchetou: Lá em Itamaracá Aconteceu fuga em massa, Presos ganharam a praça Fugiram feito preá. Cavaram túnel por lá Saíram às pressas, correndo, E o povo em casa temendo Cada vez mais se trancando Os presos tão se soltando E os soltos tão se prendendo. Thiago Gomes, por sua vez, foi fiel à pauta sem abrir mão do lirismo:

mais honesto que eu. Wellington Rocha foi o que se espera de um plantonista de redação: O que está acontecendo? O país perdeu o rumo Economia sem prumo E o real falecendo... Tem bandido se escondendo, Roubando do ganho meu Vão roubar também o seu Inda vem dizer Luiz: Não existe no país Um mais honesto que eu. Já a notícia do dia, quentinha, tinha sido a suposta omissão de patrimônio por Lula (ele de novo) de um cobiçado triplex em nobilíssima área litorânea de São Paulo. No mesmo mote anterior, Diomedes Mariano demonstrou o quanto o poeta está antenado com as coisas do seu tempo. E como bom ativista questionou, embora já soubesse da resposta do interrogado:

Não tô indo mais na rua Para não levar um tiro, Nem sei como mais me inspiro Sem poder olhar pra lua. Essa é a verdade crua Do que está acontecendo: A educação perdendo E a bandidagem ganhando Os presos tão se soltando E os soltos tão se prendendo.

Lula disse a mais de cem: “Contra ladrão sou blindado Tenho meu dedo cortado, Mas nunca roubei ninguém.” E o triplex que ele tem, Quem gota serena deu? Perguntam quem lhe vendeu Em resposta ele só diz: Não existe no país Um mais honesto que eu.

E o mundo político fácil me deu outro mote. Comecei a me dar conta do quanto esse povo é poeta. Tinha dito Lula, ele mesmo, o ex-presidente, também há alguns dias, que não há neste país uma viva alma mais honesta que ele. É ou não é um poeta? Só precisei metrificar e lancei o mote: Não existe no país / Um

Na cena local, a semana guardava um fato dantesco. Com a ignóbil alegação de que um cachorro havia comido um tiragosto, um homem matou o animal a pauladas. Eu quis referenciar o fato, mas procurei ser mais genérico. Abri espaço para que os poetas, a partir da cena relatada, discorressem sobre a corrente

banalização da vida, da opção fácil pela crueldade e pelo desamor. O bicho-homem era o alvo. E o mote foi: Quanto mais conheço mais / Desconheço a humanidade. Diomedes Mariano mais uma vez foi apuradíssimo: Foi aqui neste local Que este fato aconteceu, Um cão com fome comeu A carne de outro animal. O bruto irracional Virou vítima da maldade Do racional que invade Gestos irracionais Quanto mais conheço mais Desconheço a humanidade. E pra fechar este caderno sócio-político-cultural, dei mais liberdade aos redatores. Apresentei um mote com um só verso: Com as bênçãos de São Brás. Era só uma despedida alusiva ao bairro e ao santo homônimos. Mas parecendo coisa do céu, como dizem os mais crédulos, Elenilda Amaral é devota do santo, sendo este o protetor da garganta. Aí ficou fácil. Ela já tinha vivenciado esse verso: Já fui muito ao hospital Pra tomar tanta injeção Porque tinha inflamação De garganta sem igual. Hoje nem um melhoral Eu preciso tomar mais. Minha voz não se desfaz, A garganta está potente Fui curada, minha gente, Com as bênçãos de São Brás. E ponto e pronto. Pode publicar. Eis um compêndio do que são nossos poetas. Muito mais que eles. Muito mais do que se possa dizer sobre eles. Eles que o digam.

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um papo no boteco | Zé Adalberto

Um poeta (re)vestido de arte

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telefone t o c o u assim que avistamos a torre da Igreja Matriz de São Pedro, o padroeiro de Itapetim. Do outro lado da linha, o anfitrião mor da cidade – porque tem título vitalício – orientava que não deveríamos seguir em direção à bela Praça Poeta Rogaciano Leite, como faz a maioria dos visitantes. Mas

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seguir em frente, mantendo- nos na Rodovia do Repente. Mais adiante, um sorriso se abriu em meio a um rosto redondo de cor róseo-sol do sertão. Abaixo do sorriso, uma camisa modelo único, bem ao estilo do portador. Dentro da camisa, um poeta. Ou o poeta. O poeta Zé Adalberto, um homem que é arte em estilo, gestos, sentimentos e em pessoa. Cumpridas as saudações de praxe, seguimos para o nosso Papo de Boteco.

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O local escolhido foi o Bar de Damião, um primo de Zé, no Sítio Mocambo, um recanto esticado para os lados da Paraíba. Lá, provocado por Alexandre Morais e Genildo Santana, o poeta falou dos muitos Zés: o criança, o homem, o família, o compositor; suas dores, alegrias e esperanças. Agora a Revista Pajeuzeiro revela o que muitas vezes só uma roda de copos (e garfos) pode revelar. As fotos são de Thiago Caldas.


O início Eu fui o Zé da roça, sem perspectiva de nada, sem um livro pra ler. Até os 16 anos eu não tive esperança nenhuma. O que eu imaginava era ser um agricultor como meu pai foi. Viver da roça e só. Trabalhei em frente de emergência e antes acompanhei meu pai nas frentes, pensando em comer umas bolachas doces que às vezes ele comprava. Com a poesia, eu comecei na escola, muito tímido, escrevendo umas estrofes e sem nem mostrar a ninguém. Não imaginava ser o Zé que sou hoje, ideologicamente evoluído. Santo de casa Eu sou um pecador como todos os outros e acho até que Itapetim me dá uma atenção maior do que a que eu mereço. Esse ditado de que santo de casa não obra milagre aqui se atribui à cidade como um todo. É Itapetim que vive obrando milagres sobre mim e sobre todos. Agora, também tem muito santo fora de atividade e por isso não é visto no altar onde deveria estar. Daí, eu escuto alguns reclames, uns pedidos de espaço, mas vejo que tem as duas coisas: a falta do chamado e também a busca por quem quer ser chamado. Itapetim Quando eu fiquei fora de Itapetim, estive até depressivo. Eu tenho uma dependência muito grande desse lugar. É onde eu me sinto bem e onde eu quero permanecer. Se tivesse de mudar seria para a zona rural, pra um ambiente tranquilo... ficar ouvindo os

passarinhos, escrevendo meus popular. Não porque eu versos... eu não queria mais busque isso, mas porque não que isso, não. consigo ser diferente. É coisa de estilo mesmo. Então minha A poesia relação com Rogaciano é de A poesia enriqueceu minha um apreciador. Já ouvi e até já alma. Através da poesia, eu concordei com algumas críticas, conheci muita gente boa, fiz porque ele tinha deixado a terra muitas amizades, subi em natal, mas hoje eu vejo que muitos palcos, fui a lugares que ele fez o que tinha que fazer eu não imaginava ir. Por isso mesmo. Uma terra, às vezes, é eu olho pra poesia com muita muito pequena para um gênio responsabilidade. Esse dom não do porte dele. é brincadeira, não. A gente tem que saber lidar, se valorizar, não Os Nonatos ser egoísta, não ser mercenário Nós tivemos uma amizade e não ser omisso. Não deixar muito próxima durante uns 15 que a arte seja utilizada de anos. Eles frequentaram muito forma fútil ou por pessoas que Itapetim e a gente sempre se às vezes querem tirar proveito encontrou. Com isto celebramos seu ou do seu trabalho. algumas parcerias. Tem a música Desabafo Sertanejo, no Genética CD Alma de menino, que é uma Na minha árvore genealógica parceria minha com Nonato eu só tive Biu Doido como Costa, na letra, sendo a melodia ascendente poético. Biu Doido só minha. E surgiu uma conversa ou Biu Cassiano era meu tio- de um desentendimento, mas avô. Ele tinha aquela poesia o que houve foi uma música, própria, que não seguia essa chamada Magnífica, que a letra estética nossa, mas tinha muita é minha e a música é de Nonato lógica. Havia também um irmão Costa. Luizinho de Irauçuba de Biu, por nome de Francisco, gravou num CD e nos créditos que cantava de viola. Mas era atribuiu a autoria apenas aos distante e morreu lá pro lado Nonatos. Eu fiquei chateado, de Rondônia. Por gostar muito mas Nonato me explicou o que e acompanhar as cantorias, aconteceu, eu vi que não houve eu cheguei a arriscar umas maldade, e ficamos bem. cantorias. Não tocava a viola, mas botava os dedos na posição Composições que ensinavam e fazia alguns Esse lado não é tão reconhecido repentes. Só que parei logo. Vi quanto é o poeta, mas também que não dava certo. acho que seja bem visto. Quando o compositor só escreve, quem Rogaciano Leite aparece é quem canta e muitas Eu não aceito a comparação que vezes nem o nome do autor alguns fazem com Rogaciano. é lembrado. Mas eu gosto de Ele era um gênio e eu talvez compor, inclusive melodias. nunca alcance a obra dele, Às vezes eu passo um mês porque ele era muito profundo remoendo uma canção no juízo, e eu sou mais rasteiro, mais até que um dia ela acontece. Revista Pajeuzeiro - Ano I - Número 1 |

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Uma delas é esse eterno pedido de ações para convivência com a seca. O título é “Os home de paletó” e o refrão diz: “Rei Luiz, pede água a Deus de perto / Que a gente pedindo aos home, parece que não dá certo”. Protesto Pinto do Monteiro já dizia que só tem duas leis que valem na terra: uma é quando os governantes querem fazer, a outra é quando eles não querem. E é isso mesmo. Então a gente tem a obrigação também de apontar alguns males, de provocar, de tentar atingir alguns poderosos... Mas essa nossa arma não é muito eficaz, não. Porque esse povo é inatingível. Parece que quem tá no poder tá muito bem e não tem tempo pra tá ouvindo esses recados, não. Agora isso tem que ser feito sempre. É uma mensagem de alerta, de despertar... se alguém ouvir e levar à frente já vai valer a pena.

em poesias. Vejo isso até como uma forma de desabafo, de protesto contra fatos como o machismo, a covardia amorosa e outros. Roedeira A minha intenção nunca foi trabalhar só um tema: o amor, a roedeira... eu digo que não busco a roedeira, ela é que me busca. Como eu sou muito sentimental, eu acabo escrevendo essas coisas facilmente. Mas eu posso até ser esse poeta monotemático mesmo, como dizem. Não vejo problema nisso, não. Agora o livro Cenário de roedeira, esse aí foi proposital. Eu percebi que o público da poesia, especialmente a juventude tem demonstrado uma caída por este tema. Então resolvi juntar tudo num livro só e, não sei se consegui, mas o objetivo era preparar uma obra que atendesse a esse público. Agora, é preciso dizer que o Zé pessoa rói pouco, embora já tenha ruído muito (risos). O poeta, na verdade, imagina situações vividas por outras pessoas. De todo meu material de roedeira, talvez 99% seja ficção.

apresentando esse mote, que a gente não sabe quem é o autor, e pediu pra que fizesse umas estrofes. No primeiro dia eu fiz só uma quadra, depois a coisa foi surgindo, foi correndo feito água até que eu terminei. Eu tenho aquele momento como uma graça recebida. Saúde Este problema de saúde que eu tive me fez melhorar muito como ser humano. Eu tive um sangramento nasal de causa não identificada que me levou a vários problemas e hospitais durante uns cinco ou seis anos. E foi nos internamentos que eu comecei a ler mais, a produzir... quando eu saí de um dos internamentos mais longos foi que eu me senti outra pessoa, com a vida revisada. Foi muito bom ter passado por aquilo.

Família Quanto mais o tempo passa mais a gente vai descobrindo a importância que a família tem Criações na vida da gente. Eu tenho Já aconteceu muito de eu uma trempe que me sustenta recitar um verso e surgir uma com muito carinho, com muito pessoa dizendo: “Zé, tu fez esse amor... Meus filhos, Ítalo e verso foi pra mim”. Outro dia, Isabely e minha esposa Mazé uma pessoa perguntou se eu são meus referenciais, meu conhecia a história dela porque Retrato o verso dizia exatamente o Aquele trabalho no mote porto seguro. O lugar em que que tinha acontecido com “Retirei seu retrato da carteira / eu me sinto melhor é quando aquela pessoa. É isso, a gente Sem tirar seu amor do coração” eu estou em casa, quando às vezes cria um tijolo que se eu tenho ele como minha estou ao lado deles. Isabely encaixa na parede emocional ressureição poética. Eu tava num escreve e declama, Ítalo é de alguém. É bem interessante momento depressivo por causa músico e Mazé trabalha (risos), isso. Da mesma forma que de um constante sangramento embora também seja artista, histórias reais me levaram a nasal e já tinha botado na porque é muito humorista, escrever poemas. Tem alguns cabeça que se eu fosse poeta e tem respostas rápidas e muito casos desses no livro Cenário poesia corresse nas veias, eu já criativas, além de ser estilista, de roedeira. São poemas não tinha mais poesia. Já tinha porque desenha algumas direcionados, histórias que eu perdido tudo. Aí, Felizardo roupas diferentes que eu uso conheci e foram transformadas Moura chegou em minha casa (mais risos).

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Momento Eu vejo o atual cenário positivamente. Sei que sirvo de referência, mas também sei que não sou só eu. Tem muita gente aí ainda produzindo e inspirando as novas gerações. Eu vi gerações passarem sem deixar novos adeptos e hoje a gente ver muitos jovens assimilando essa cultura e colocando o que é bom em lugares que, por estarem vagos, estavam sendo preenchidos por uma cultura enlatada. Isso é muito bom. Quando a juventude abraça uma causa, essa causa vai longe. O amanhã Daqui pra frente eu quero continuar produzindo. Espero que a natureza possa me contemplar sempre com a sua poesia, embora saiba que não basta esperar, mas, enfim, não quero parar no tempo. As oportunidades vão surgindo e eu quero estar pronto pra todas elas. Eu tenho o meu trabalho e vejo a poesia como um “bico” sagrado que eu jamais vou abrir mão dele.

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Como surge a inspiração?

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or ser poeta, talvez seja essa a pergunta que mais escuto das pessoas e, tenho certeza de que os demais poetas recebem essa indagação. Acredito que a curiosidade delas seja em saber como é que surge a poesia em nossa mente: se ela chega ou se vamos atrás dela. Como eu nunca preparei uma resposta para isso, sempre percebo que o “perguntador” sai com a sensação de que eu não expliquei nada, embora tenha tentado. Acontece que eu também fico com a sensação de que não consegui explicar direito. Talvez agora, com calma, eu consiga esse feito. Talvez! De pronto se faz importante dizer que, segundo o dicionário, inspiração quer dizer: iluminação, lampejo. Então, inspirar-se é achar um motivo para fazer a criatividade florir. E quando falo em “achar”, parece que é algo que a gente vive procurando, não é mesmo!? Mas aí, segundo

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Texto Vinicius Gregório

o que eu acredito, é que está o segredo da inspiração: ela não é fácil de ser encontrada, pois é ela que vem à nossa procura. Então, a menos que o poeta seja repentista ou glosador (que tenha que fazer a poesia naquele exato momento, por uma prazerosa obrigação), creio que o poeta de bancada deve aguardar, com calma, a inspiração chegar. Do contrário, a poesia sai sem alma, como se tivesse baseada somente nas técnicas de metrificação e rima. Afinal, rimar e metrificar são regras de matemática, que qualquer pessoa pode aprender, mas, colocar alma na poesia, é para quem recebeu o tal lampejo, a tal iluminação. E como eu descobri isso? Na prática, fazendo justamente o que acho que não é para ser feito: tentando, de toda forma, fazer uma poesia porque estava com vontade. Resultado: joguei-as fora, pois não senti verdade nelas. Por isso que hoje, às vezes, passo meses sem fazer uma única. Chego até a pensar, nesses intervalos, que não sou poeta,

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que tudo foi uma invenção ou que Deus resolveu tirar o dom de mim, mas aí, eis que de repente, surge uma ideia e faço um poema. É a inspiração que resolveu voltar. Por isso que a respeito muito. Acredito, sinceramente, que ela é Deus ditando algo que tem vontade de dizer. É como se nós, poetas, recebêssemos Dele uma procuração com amplos poderes sentimentais. Aí, quando ele quer dizer alguma coisa, procura um poeta e solfeja aquilo em seu ouvido. Por isso que não vejo motivo algum para arrogâncias e prepotências por parte de poetas. E, talvez, eu pudesse trocar tudo o que disse até agora por essa poesia que Deus ditou para mim: Triste do vate que pensa Ser dono da inspiração Que o poeta é um instrumento Do que Deus diz, cá no chão. Versos que o poeta “reve”, Deus dita, ele só escreve É assim nos versos meus. Então viva a humildade Que o poeta é, na verdade, Uma caneta de Deus.


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