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CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 3
As várias importações da genética indiana
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Considero um momento muito importante para o melhoramento das raças zebuínas a chegada dos animais da importação de 1962. Lembro-me perfeitamente dos touros Bima, Golias, Karvadi e Rastã e também dos animais da raça Punganur.
A chegada dos zebuínos importados foi um grande acontecimento na cidade Uberaba. Inúmeras autoridades da época, políticos, lideranças rurais e fazendeiros, estavam presentes. Depois da recepção na cidade, todos seguiram para a propriedade da Dona Olinda, mãe do seu Torres. A família teve participação direta nessa vinda do gado indiano. Eu tinha dez anos de idade e estava lá. Foi uma grande festa, até banda de música tinha.
A vinda desse material genético foi um momento muito importante. Esses reprodutores e matrizes contribuíram sobremaneira para o refrescamento do rebanho nacional, que já vinha sendo bem selecionado, a partir da utilização da genética importada anteriormente. Nessa importação de 1962, vieram animais das raças Gir, Guzerá, Nelore e Sindi.
Tive a oportunidade de participar de outras importações da Índia realizadas ao longo das últimas décadas. Uma delas foi a entrada de material genético (sêmen) nos anos 1980 e de embriões congelados nos anos 2000. Novamente trouxeram grande contribuição para o melhoramento genético das raças zebuínas no Brasil, inclusive para as raças zebuínas que surgiram por aqui, como Nelore Mocho, Indubrasil e Tabapuã.
Na década de 1990, pude acompanhar, como criador e como jurado efetivo da ABCZ, a chegada da raça Brahman, que também ocupou um espaço importante na pecuária seletiva e comercial.
Acompanhei o avanço de todas essas raças ao longo do tempo e nunca duvidei de que o zebu seria a mola propulsora da pecuária brasileira. O trabalho de seleção conduzido pelos criadores tem sido primoroso. Prova disso, é que somos o maior polo de genética bovina de zebuínos do mundo, exportando sêmen e embriões para os mais diversos países, inclusive para a Índia. É o zebu fazendo o caminho de volta para sua terra natal, porém muito mais aprimorado e capaz de contribuir para o melhoramento do rebanho indiano como vem fazendo há décadas no Brasil.
GENEARCAS KARVADI E GOLIAS IMPORTADOS DA ÍNDIA EM 1962 PELA MARCA VR
VIAGEM À ÍNDIA
O Brasil é o país com o maior rebanho bovino comercial do mundo, com mais de 215 milhões de cabeças, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Cerca de 80% desse total é composto por raças zebuínas e seus cruzamentos, alicerce da pecuária de corte nacional.
Os bovinos Bos Indicus (zebu) são originários da Índia e foram importados para o Brasil entre 1870 e 1962, ano da última importação de animais vivos. Oficialmente, entraram no Brasil 6.262 exemplares das diversas raças zebuínas. A extraordinária adaptação e produtividade no território brasileiro determinaram sua rápida multiplicação e predomínio no rebanho nacional.
O Nelore foi o que mais se desenvolveu no Brasil entre as raças indianas. Entretanto, a base genética dos animais zebuínos, que promoveu todo esse crescimento do rebanho brasileiro, foi muito estreita, com a predominância de somente seis linhagens. Esse processo levou ao problema da consanguinidade, ou endogamia, quando há o acasalamento entre animais com certo grau de parentesco, e hoje está presente em nosso rebanho, apresentando níveis preocupantes não só na raça Nelore, mas também no Gir e no Guzerá.
Para se ter uma ideia da relevância desse processo, o número de animais endogâmicos passou de 10% para 73%, de 1978 a 1998. A literatura científica relata que, a cada 1% de aumento do coeficiente de endogamia, ocorrem mudanças significativas no desempenho individual, tanto na produção de carne quanto na fertilidade. O método mais econômico para reverter a endogamia é a introdução de novas linhagens para o rebanho sem proximidade genética com as linhagens existentes aqui no Brasil.
Com esta finalidade, alguns criadores brasileiros resolveram buscar na Índia animais que proporcionas-
JOÃO MACHADO, TROVO, PRADIP, RÔMULO KARDEC, VICENTE ARAÚJO, CELSO MARCONI, APRÍGIO XAVIER, FRED MENDES E JOSÉ OLAVO, TONICO CARVALHO, MARCO ANTÔNIO ANDRADE BARBOSA E ARNALDO MANUEL NO MOMENTO DO REGISTRO LEI 1 DO REPRODUTOR ANUPALEM.
MARCO ANTÔNIO ANDRADE BARBOSA, CARLOS HENRIQUE CAVALLARI, TONICO CARVALHO, SEU APRÍGIO, JOÃO MACHADO, PRADIP, RÔMULO, CELSO MARCONI, SATYAJIT KACHAR, FRED MENDES, VICENTE ARAÚJO, ARNALDINHO, JOSÉ OLAVO MENDES E TROVO.
sem o necessário refrescamento de sangue ao zebu brasileiro, diminuindo, assim, a endogamia e possibilitando ao Brasil continuar a evolução genética do rebanho, mantendo a competitividade da bovinocultura, tanto para consumo interno quanto para exportação. Tive a felicidade participar dos primeiros registros genealógicos LEI (Livro Especial de Importação) desses animais lá na Índia. Na época, ocupava o importante cargo de Superintendente Técnico da ABCZ e fiz parte da comissão brasileira que viajou para a Índia, no ano de 1998, durante a segunda gestão do Rômulo Kardec (1998 - 2001). Estive na Índia somente naquele ano, apesar de ter tido outras oportunidades de voltar que, infelizmente, não se concretizaram devido a outros compromissos assumidos. O trabalho realizado em 1998 foi muito importante e teve início na primeira gestão do José Olavo Mendes (1995 -1998). Como alguns criadores brasileiros haviam adquirido há algum tempo animais na Índia, o berço do nosso zebu, em busca de novas linhagens para refrescar o sangue do rebanho bovino brasileiro, eles queriam trazer material genético (sêmen e embrião) desses animais para o Brasil. Na Índia não se faz registro genealógico, porque a região é considerada um templo religioso do Marajá, não existindo associação que execute esse serviço. Por conta disso, foi necessário ter essa avaliação dos animais que teriam a genética enviada ao Brasil.
Encaminhamos essa demanda ao MAPA, por intermédio da ABCZ, e o Ministério fez a coordenação do projeto. Uma equipe multidisciplinar reuniu criadores e representantes da ABCZ, MAPA, CNA (Confederação de Pecuária e Agricultura do Brasil) e a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Os animais aprovados obtiveram registro LEI para sua identificação. A comissão foi formada por 13 pessoas, sendo que eu fui representando a ABCZ, como Diretor Técnico, o Trovo foi representando o MAPA, o José Olavo, como criador, ex-presidente da ABCZ e responsável pelo projeto, que foi iniciado em sua gestão. Estavam também nessa comissão alguns criadores e membros da diretoria.
Andamos bastante pela Índia, onde ficamos por uns 20 dias. Fizemos o primeiro registro dos animais pertencentes aos criatórios brasileiros Mata Velha, Brumado, Maab e do criador indiano Pradipsing Bhadursing Raol, que nos recebeu lá e foi credenciado pelo MAPA para dar continuidade aos registros naquele país. Lembro até hoje do nome de alguns desses animais. No Nelore, a vaca da Mata Velha foi a Índia, o touro Guzerá foi o Bhuj do Maab, Anupalem LEI 1, de propriedade do seu Rubico Carvalho. Esses registros foram realizados na propriedade de Pradipsing, na cidade de Bhavnaghar, em Gujarat.
DESAFIOS PARA RETOMADA DAS IMPORTAÇÕES NOS ANOS 2000
Do final do século XIX até as últimas importações dos anos 1960, trazer o gado zebu para o Brasil à priori impunha para as pessoas envolvidas grandes desafios, como organização de trâmites legais e questões inerentes onde se iriam realizar a seleção de animais nos confins da Índia e Paquistão.
Entretanto, as maiores dificuldades para os brasileiros daquela época eram situar-se em meio à uma cultura tão distinta da brasileira. E foram muitos desafios: enfrentar períodos de guerras e instabilidades políticas em diversas partes do mundo; cruzar oceanos e territórios com a boiada até chegar finalmente às fazendas daqueles que estavam apostando no futuro da pecuária do zebu em nossas terras.
O processo de retomada das importações aconteceu em meio aos avanços tecnológicos experimentados pela humanidade no início do século XXI, num contexto bastante diferente das últimas importações dos anos de 1960. Contudo, é necessário ressaltar que o cumprimento de tal feito não se deu na resolução de uma simples equação. Foram necessários 12 anos de tratativas diplomáticas para que as fronteiras que separavam os pecuaristas brasileiros, os governos da Índia e do Brasil pudessem se romper. O desfecho dessa novela se daria apenas entre 2008 e 2009, quando, enfim, os mercados se abriram para receber a entrada de material genético de zebuínos no Brasil.
Em fevereiro de 2008, os governos brasileiro e indiano assinaram um acordo de comércio, mas, por questões burocráticas na Índia, os primeiros lotes chegaram ao Brasil apenas em dezembro daquele mesmo ano. A novidade foi que, daquela vez, não vieram animais vivos.
Foram embarcados botijões de embriões congelados de materiais genéticos de matrizes escolhidas a dedo por experientes conhecedores brasileiros que andaram de norte ao sul pelo vasto território indiano em busca de novas linhagens de zebu.
Os procedimentos realizados foram feitos utilizando avançados aparatos de biotecnologia e segurança. Foram estabelecidas meticulosas medidas para enviar embriões sadios ao Brasil sem qualquer risco sanitário. A primeira remessa chegou ao país com cerca de 350 embriões (300 Nelore e 50 Gir e Guzerá). Na sequência, vieram novas remessas de Gir.
Até outubro de 2010, entraram no país cerca de 1.400 embriões, primeiros produtos (embriões e sêmen) desses animais LEI registrados por nós lá na Índia.
Participaram dessas importações o Grupo JOP, que surgiu da iniciativa dos criadores José Carlos Prata Cunha, o saudoso Orestes Prata Tibery Jr., Pedro Novis, Carlos Alberto Mestriner, Gilson Katayama e José Roberto Colli. O outro grupo de investidores foi formado e comandado por Jonas Barcellos Correa Filho e por Abelardo Lupion.