12 minute read

CAPÍTULO 1

Next Article
CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 1

O zebu está no sangue

Advertisement

“Conhece-se a árvore pelos frutos. E o homem por seus atos” Maria Cândida de Godoy (Rolinha), neta de Teófilo de Godoy.

A chegada do zebu no Brasil faz parte da história da minha vida. Sou descendente de um dos grandes pioneiros do zebu, Teófilo de Godoy, irmão de minha tataravó Maria Cândida de Godoy. Ele foi o primeiro brasileiro a ir pessoalmente à Índia para importar animais zebuínos para o Brasil. Saiu daquele país em novembro de 1893, trazendo consigo 13 cabeças de gado. No trecho entre a Índia e a França, duas vacas deram cria. Assim, Teófilo de Godoy chegou ao Brasil com 15 exemplares do mais puro sangue zebuíno.

Outro membro da família que carregava nas veias o amor pelo zebu era meu avô, Rodolfo Machado Borges, que nasceu em 4 de janeiro de 1882, na Fazenda Laranjeiras, localizada em Uberaba/MG. Era o nono filho de Maria Santana Borges.

Anos mais tarde, Rodolfo casou-se com Cândida Elvira Araújo Borges, a dona Sinhá, com quem teve seis filhos: Afrânio, Arnaldo, Azália, Elina, Maria Elvira, Nízia e Rivaldo.

Desde criança interessou-se pela vida no campo e mostrou-se um menino diferenciado: amava a natureza. Durante toda a sua vida zelou pela conservação desses bens naturais, em uma época em que não existiam ecologistas ou ambientalistas. Tinha um caráter determinado. Devoto de Nossa Senhora da Abadia, ajudou a construir o santuário na cidade de Uberaba.

Rodolfo nunca participou oficialmente de diretorias de entidades do setor na época, como o Herd Book Zebu e a Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, mas nos bastidores foi sempre um grande líder da classe ruralista. Sua inclusão na lista dos 50 grandes vultos da nossa pecuária se deve ao mérito do trabalho seletivo e contínuo das raças zebuínas, ao qual se dedicou durante toda a sua vida.

INÍCIO DA MARCA R

Em 1906, Rodolfo deu início à sua criação de zebu, adquirindo um lote de animais de seu cunhado, José Caetano. Eram animais aguzeratados. Adquiriu também, exemplares de seus irmãos Antônio, José e Vigilato e de seu cunhado Juquinha Mendonça, de Antônio Borges de Morais e de Armel de Miranda. As vacas adquiridas foram, no ano seguinte, levadas à Fazenda Cassu para serem acasaladas com um touro importado da Índia. Rodolfo compreendia com clareza que o sucesso da formação de seu rebanho dependia da escolha de bons reprodutores, que deveriam ser criteriosamente escolhidos e bem trabalhados no plantel.

Dentro desse conceito, sempre usou touros importados que lhe parecessem puros ou descendentes diretos desses. Na Exposição Pecuária de Uberaba, em 1911,

Rodolfo recebeu a Medalha de Ouro por um lote de animais apresentados.

Em 1917, parti cipou como expositor da primeira edição da Exposição Regional de Gado Zebu de Uberaba, inaugurada em 3 de maio, e cuja fi nalidade era selecionar os animais que parti cipariam da Exposição Nacional do Rio de Janeiro.

Sempre focado na melhoria de seu plantel, no ano de 1920, patrocinou, junto com os irmãos Vigilato, Joaquim e João Machado Borges, uma importação de zebu. Eles enviaram à Índia Celso Rosa e Fileto de Carvalho Miranda. Os animais vieram pelo navio “Panamá Maru”, que atracou em Santos.

Nessa importação adquiriu os touros Vassarí e VesúNessa importação adquiriu os touros Vassarí e Vesúvio e as fêmeas, que se tornariam famosas no rebanho R, vio e as fêmeas, que se tornariam famosas no rebanho R, Menina, Tonta, Esterlina, Paineira e Rainha. Entre os priMenina, Tonta, Esterlina, Paineira e Rainha. Entre os primeiros reprodutores que se destacaram no rebanho “R” meiros reprodutores que se destacaram no rebanho “R” estavam Vassarí, Vesúvio e Mandarim. No decorrer dos estavam Vassarí, Vesúvio e Mandarim. No decorrer dos anos, essa genéti ca tornou-se a base da sua seleção de anos, essa genéti ca tornou-se a base da sua seleção de gado Gir.

Rodolfo ti nha um cuidado especial na escolha das fêRodolfo ti nha um cuidado especial na escolha das fêmeas, conseguindo trabalhar o plantel de uma maneira meas, conseguindo trabalhar o plantel de uma maneira única. Fechou os olhos para as descabidas exigências do única. Fechou os olhos para as descabidas exigências do mercado na época, o que o levou a enfrentar problemercado na época, o que o levou a enfrentar problemas, todavia seu objeti vo de seleção estava à frente mas, todavia seu objeti vo de seleção estava à frente do seu tempo, com foco no melhoramento genédo seu tempo, com foco no melhoramento genéti co e racial do gado.

Estudioso, soube aproveitar as oportunidades Estudioso, soube aproveitar as oportunidades para aprimorar seus conhecimentos. Em 1939, para aprimorar seus conhecimentos. Em 1939, seu fi lho Rivaldo Machado Borges conseguiu seu fi lho Rivaldo Machado Borges conseguiu uma transcrição de um livro do zootecnista e uma transcrição de um livro do zootecnista e coronel do exército inglês, Artur Olver, que ti nha coronel do exército inglês, Artur Olver, que ti nha experiência de trabalhos realizados no Egito, Améexperiência de trabalhos realizados no Egito, América Central, África. A obra trazia uma análise das rica Central, África. A obra trazia uma análise das característi cas morfológicas das raças zebuínas, estudadas pelo autor na Índia.

Com base nos conhecimentos adquiridos, Rodolfo planifi cou a seleção de seu rebanho com objeti vo de eliminar defeitos e fugir da consanguinidade estreita entre as famílias existentes. Idealizou o ti po que atenderia as necessidades brasileiras: rusti cidade, precocidade, boa conformação, abundância de carne, ferti lidade etc.

Ele afi rmava que os reprodutores Indú, Banjo, Martelo e Bey eram puros dentro de seus ti pos, porém diferentes entre si, sendo o ti po ideal para a realidade brasileira. Foi fazendo o fazendo o

BUSTO DO RODOLFO MACHADO BORGES PRESENTE NO MUSEU A CÉU ABERTO DO PARQUE FERNANDO COSTA

trabalho de seleção com muito rigor, e não uti lizando animais de outras linhagens e eliminando as matrizes que não ti nham uma carga genéti ca que poderia trabalhar dentro de uma consanguinidade, e obteve excelentes resultados.

A Marca R trabalhou exclusivamente em uma consanguinidade bem orientada, em um processo de seleção conduzido com cuidado, com famílias disti ntas, trabalhadas entre si.

Quando décadas depois, ao chegarem os animais importados por Joaquim Marti ns Borges, Celso Garcia Cid e Torres Homem, verifi cou-se que o gado Gir da Fazenda Laranjeiras estava muito mais atualizado que o gado indiano que acabara de chegar. É que o rebanho da Marca R já havia passado pelo processo de correção de diversos defeitos, não apresentando mais os problemas verifi cados no Gir indiano.

Rodolfo foi o primeiro criador a perceber a importância das raças puras de origem indiana para o país e entrou para a história como o grande selecionador da raça Gir.

Afi rmava sempre a seus fi lhos ser um apaixonado pelo Gir e acreditava que a dupla apti dão da raça poderia ser favorável para criação em pequenas propriedades. Porém, já naquela época, vislumbrava que o gado do futuro seria o Nelore. Tinha absoluta convicção de que a raça seria a que melhor se adaptaria às mais diversas regiões do país, no desenvolvimento da pecuária extensiva de corte. Sabia que a vaca Nelore era imbatí vel na produção de bezerros para obtenção de carne.

AS CONQUISTAS DA MARCA R NAS EXPOSIÇÕES

Apaixonado pelo zebu, Rodolfo criava três raças zebuínas: Gir, Guzerá e Nelore. A parti r de 1934, por questão de espaço, optou por focar a seleção nas raças Gir, Guzerá e Nelore. Naquele ano, adquiriu de Antenor Machado (Passos/MG) o touro Martelo. Apesar das críti cas que recebeu sobre Martelo, em 1938, o reprodutor foi consagrado com os tí tulos de Grande Campeão Gir e

FAZENDA LARANJEIRAS

RODOLFO MACHADO BORGES, GOVERNADOR BENEDITO VALADARES, PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS E MINISTRO DA AGRICULTURA FERNANDO COSTA

Grande Campeão Nacional das Raças Zebuínas.

Naquele mesmo ano, foi iniciado o Serviço de Registro Genealógico das Raças Zebuínas. Martelo recebeu o Registro Genealógico de número 1. Sua marcação a fogo foi efetuada pelo então presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas, em Belo Horizonte/MG, durante a inauguração do Parque da Gameleira.

Já o touro Vesúvio foi o Registro de número 6 e Indhu o de número 7. Foram registradas no Brasil 90 fêmeas da raça Gir, sendo 64 Marca “R” e o registro n°. 1 com a Matriz Moreninha R. Já na raça Nelore,

CHAVE DE OURO

na mesma data, foram registrados seis machos, sendo quatro da Marca “R” (Louro nº. 2, Ceylão nº. 4, Indhu nº. 5, Guarujá nº. 6). Também foram registradas 37 fêmeas Nelore, sendo que as 19 primeiras foram do Governo Federal, e as 18 posteriores da Marca R.

As exposições já faziam parte da roti na do criatório, que sempre vinha conquistando premiações importantes pelo país. Foi Rodolfo quem argumentou junto à classe ruralista para fi xar a data de 3 a 10 de maio para a realização da primeira exposição de Uberaba, em 1935, pela Sociedade Rural do Triângulo Mineiro. Sua defesa foi baseada nas condições climáti cas, mas também vi-

sando o comércio de animais. Como as chuvas na região cessavam em abril, o gado em maio estaria gordo, facilitando a sua comercialização. A data foi tão bem aceita que perdura até os dias de hoje.

Rodolfo ainda foi o primeiro criador no país a expor a raça Nelore nas exposições da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro. Como resultado da participação em Uberaba, a Marca R fez um grande número de Grandes Campeões e Grandes Campeãs. Na galeria dos Grandes Campeões da ExpoZebu, os primeiros animais, tanto machos quanto fêmeas, eram da marca R ou VR.

Na Raça Nelore

Foram seis Grandes Campeões Nacionais e dez Grandes Campeãs Nacionais. São eles: 1935 - Guarujá R e Rolinha R; 1936 - Venezuela; 1937 - Indu e Veneza; 1938 - Louro e Venezuela; 1941 - Indu e Buika; 1942 - Sibéria; em 1943 – Mariposa; 1944 - Guarujá-II; 1945 - Mariposa; 1946 - Bombaim e Campanhia e em 1952 – Guaxima.

Na raça Gir

Foram vinte e nove Grandes Campeões Nacionais e quinze Grandes Campeãs Nacionais: Em 1935 – Moreninha; 1938 – Martelo e Moreninha; 1939 – Platéia; 1940 – Bey; 1941 – Menina; 1946 – Baependi e Lombard; 1944 – Pompéia; 1947 – Garota; 1948 – Brisa; 1955 – Guarujá; 1956 – Chave de Ouro e Anabela; 1957 – Bronze; 1959 – Columbia; 1960 – Gandhi; 1962 – Bacpendi e Brisa; 1963 – Czar e Coroada; 1964 – Camponês; 1965 – Chave de Ouro Jr; 1966 – Emblema e Efetiva; 1967 – Imanjá e Diana; 1968 – Goiacan; 1969 – Libero; 1970 – Pingo de Ouro; 1971 – Hong Kong e Liberdade; 1972 – Cancioneiro; 1973, 1974 e 1975 – Asteca; 1975 e 1978 – Ampola e Hong Kong II; 1981 – Vesúvio; 1982 e 1983 – Seresteiro; 1984 – Magno; 1985 (reprodutor Ipê Ouro).

TORRES HOMEM E RODOLFO MACHADO BORGES FAMOSOS TOUROS GIR

A seleção da Marca R tomou novos rumos em 1939, ano em que foi adquirido o touro Banjo. A partir dali, passou-se a trabalhar somente com famílias conhecidas de Gir.

Um capítulo à parte nessa história começa a ser escrito em 22 de fevereiro de 1952, quando nasceu na Fazenda Laranjeiras um bezerro que correspondia à dedicação do meu avô Rodolfo. Tão convicto disso, imediatamente colocou o nome no animal de “Chave de Ouro”, filho do Bey na Anabela (Bey x Francesinha). Ele foi o mais famoso touro Gir da história do zebu, o alicerce do novo rebanho Gir da Laranjeiras. Ganhou renome ao consagrar-se Grande Campeão Nacional, em Uberaba, em 1956.

Sua história perpetua até os dias atuais. Chave de Ouro faleceu na fazenda Santa Bárbara em 29 de setembro de 1967, notícia que teve grande repercussão nacional. Sua cabeça foi embalsamada e faz parte do acervo do Museu do Zebu, no Parque Fernando Costa, em Uberaba/MG.

Em seus últimos dias de vida, Rodolfo vivia praticamente na fazenda. Ele faleceu em 27 de fevereiro de 1955, em sua residência na presença de sua esposa Sinhá, dos filhos, do Dr. Randolfo Borges e Fausto Borges. Toda sua dedicação foi reconhecida pela ABCZ, que fez um busto em sua homenagem,

ANABELA BEY

sendo uma das obras do Museu a céu aberto do Parque Fernando Costa, em Uberaba/MG desde 10 de maio de 1966.

AVÔ MATERNO – UMA INSPIRAÇÃO

Ao longo de minha trajetória muitas pessoas me inspiraram, mas tem uma delas que foi fundamental na minha formação, o meu avô materno Manoel Jacinto de Souza. Minha mãe teve cinco filhos, sendo os três primeiros em anos consecutivos. Sou o primogênito e nasci em 08 de novembro de 1952, meu irmão José Rodolfo nasceu onze meses depois, em outubro de 1953, anualmente ficamos praticamente um mês com a mesma idade. E a nossa irmã Juliana é de dezembro de 1954, ou seja, 14 meses de diferença de idade com o José Rodolfo. Depois vieram Cristiana Maria e a Candida Elvira.

Nós morávamos na fazenda e eu, aos quatro anos de idade, fui com meu avô Manoel para Uberlândia/MG, onde ele residia. Como era fazendeiro, ele me levava sempre para a fazenda. Quando minha mãe ia lá me buscar, ele não me deixava voltar para casa. Eu tive muita convivência com ele e me pareço muito com ele no temperamento, fisicamente e na maneira de me relacionar com as pessoas. Inclusive, certa vez, em uma viagem a Belo Horizonte/MG estava na fila de cinema e duas senhoras que estavam na minha frente começaram a conversar e olhar para mim. Foi quando uma delas me perguntou se eu era filho da Yeda, pois elas acharam impressionante como eu parecia com meu avô Manoel. Elas eram de Uberlândia e nunca tinham me visto antes.

Assim como meu avô, eu gosto muito de plantas. No meu carro tem uma mochila só com ferramentas de jardinagem. Lembro de que meu avô já descia do carro olhando os caramanchões de maracujá e outras plantas da fazenda. Esse gosto pela natureza eu herdei dele. Meu avô tinha um cuidado muito grande com a preservação do meio ambiente.

Tiveram amigos importantes na minha vida profissional: Manoel Carlos Barbosa, Newton Camargo de Araújo, Rômulo Kardec de Camargos e Cláudio Sabino Carvalho.

This article is from: