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CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 6
ABCZ: do Conselho do Gir à Presidência
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Por toda essa experiência de passar as férias inteiras na fazenda, recebendo os ensinamentos do meu pai, quando chegou meu momento de ir para a faculdade tinha bem definido que cursaria medicina veterinária. Desde criança, nunca tive dúvida disso.
Minha mãe toda vida foi muito cuidadosa com a parte da nossa educação, acompanhando diariamente nossos estudos, desde o primário até o ingresso na faculdade. Ela foi pessoalmente visitar cinco instituições em diversos estados, como o Rio de Janeiro e São Paulo (Pirassununga). Já estava até de malas prontas para ir para o Rio de Janeiro, mas ela mudou meus planos dizendo que a faculdade lá no Rio estava muito bagunçada, cheia de greve, e que seria melhor eu ir estudar era em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Naquela ocasião, eu dividia o tempo de estudo para conclusão do científico (atual ensino médio), com as obrigações militares do Tiro de Guerra.
Fui aprovado na UFMG e, de fato, a universidade era muito organizada e rigorosa. Formei-me no ano de 1976, dando início a um novo capítulo da minha vida e minha mãe também teve uma participação importante.
Em 1978, Manoel Carlos, presidente da ABCZ, ligou lá para nossa casa para falar com meu pai, que ficava a maior parte do tempo na fazenda. Ele tinha ligado para convidar meu pai para a reunião do conselho da raça Gir. Foi aí que minha mãe, dona Yeda, sugeriu que eu participasse no lugar do meu pai, já que ele estava dedicado integralmente à fazenda e eu precisava de uma oportunidade como aquela. E assim foi.
O assunto era importante, pois um criador, dono do touro que tinha perdido o Grande Campeonato,
DIRETORIA DA ABCZ PARA O TRIÊNIO 2016 – 2019
entrou com um pedindo de revisão do resultado. As minhas considerações neste caso foram acatadas pelo conselho e posteriormente com o aval da diretoria. Assim, aos 26 anos, tive minha primeira oportunidade na ABCZ como membro do Conselho Técnico da raça Gir.
INÚMERAS FUNÇÕES E MUITO APRENDIZADO
Ao longo dos últimos 42 anos, exerci várias atribuições na entidade em diversas diretorias eleitas para conduzir a ABCZ. De 1978 a 1980, atuei como membro do Conselho Deliberativo Técnico da raça Gir, o que foi importantíssimo para minha carreira. Posso afirmar que daquele momento em diante a ABCZ abriu as porteiras do Brasil e do exterior para mim. De 1980 a 1982, no segundo mandato de Manoel Carlos, fui membro da diretoria deliberativa. Na gestão do Newton Camargo de Araújo (1982 – 1986), por intervenção do Manoel Carlos, que achava que o Departamento Técnico precisava de algumas mudanças, ocupei o cargo de diretor do Departamento Técnico da ABCZ (atual
PAULO LEONEL, ARNALDINHO, CAMIL GEORGES, RUBICO CARVALHO, CHICO CARVALHO, ADIR LEONEL, BETINHO DA SABIÁ, DR. RODOLFO MORAIS E JOSÉ BARBOSA
Superintendência Técnica), cargo esse ocupado atualmente pelo Luiz Antônio Josahkian.
Considero esse momento um marco em minha carreira. Em 1983, quando foi estabelecida a parceria ABCZ/EMBRAPA, que resultou na criação do Programa de Melhoramento Genético das Raças Zebuínas (PMGZ), e teve início a informatização das provas zootécnicas, eu estava à frente do Departamento Técnico.
Como diretor técnico fazia registro genealógico e atendia criadores. Isso me deu oportunidade de relacionamento e conhecimento e aprendizado diário com a prática, seja através dos julgamentos ou do serviço de registro genealógico. Como membro do Conselho Técnico, tive a oportunidade de encaminhar ao conselho a sugestão do registro das pelagens pintadas de vermelho e preto da raça Nelore. Até 1984 essas pelagens eram consideradas desclassificantes, porém vi que lá na Índia o Nelore tem essas pelagens. Num primeiro momento, foi aprovado como uma variedade de pelagens da raça Nelore. Até aquele instante, o julgamento era separado. A galeria dos campeões da ExpoZebu que até então tem os Grandes Campeões Nelore de cada uma das duas variedades de pelagens.
Depois disso, sugeri que deveríamos passar para o permissível, com isso o rebanho Nelore Pintado foi crescendo. Criadores viram que os animais com essa pelagem são de valor econômico importante. Recentemente, conseguimos passar essas pelagens para ideal, o que veio somar muito para a raça Nelore, pois as características de funcionalidade e produtividade são exatamente a mesma. A única coisa que muda é a pelagem.
Como diretor técnico também sugeri a inclusão de outras informações nas fichas de avaliações. Antes só tinha a idade e o peso dos animais e, com os anos, fomos incluindo outras informações que considero terem contribuído muito, como: Idade ao primeiro par-
to, ganho de peso diário e circunferência escrotal. Não tinha também limite de idade. Quando eu estava no Departamento Técnico, em um primeiro momento, sugeri que a idade máxima fosse de 72 meses e que a cada ano fossemos reduzido seis meses até chegar em 36 meses. E isso aconteceu. Mas depois houve algumas mudanças, como a solicitada pelos criadores de Gir Leiteiro para aumentar a idade para avaliar a parte leiteira dos animais, e com o tempo foi se ajustando de acordo com o interesse da raça.
Em 1998, na segunda gestão de Rômulo Kardec de Camargos (1998 - 2001), participei da comitiva técnica organizada pela ABCZ e pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) que foi à Índia realizar a avaliação e os primeiros registros genealógicos (LEI) de animais das raças zebuínas naquele país. Participei também como membro das diretorias de Heber Crema Marzola (1990 - 1992), José Olavo Borges Mendes (1995 - 2010), fui vice-presidente na gestão de Luiz Cláudio Paranhos (2013 - 2016) e na sequência presidente da ABCZ (2016 – 2019).
Quando era o diretor do parque na gestão do José Olavo (2007 - 2010), levei à diretoria a sugestão de convidar todas as associações para terem uma sede dentro do Parque Fernando Costa. Antigamente as associações tinham salas dentro da sede da ABCZ. A primeira a aceitar definitivamente a se instalar no interior do parque foi a Assogir (Associação Brasileira dos Criadores de Gir). Hoje todas as associações promocionais contam com um estande no interior do parque.
O mesmo aconteceu com as empresas que participavam todos os anos da ExpoZebu. Várias delas fizeram um pedido para que a ABCZ liberasse a construção de estandes fixos dentro do parque e eu levei a
PARQUE DE EXPOSIÇÕES FERNANDO COSTA EM UBERABA/MG
proposta para a diretoria, que autorizou prontamente.
MOMENTO DE GRANDE ORGULHO
A ABCZ é, sem dúvida, um capítulo à parte da minha vida, que me permitiu conhecer a pecuária zebuína e suas demandas ainda mais a fundo. Fui eleito presidente da maior associação de criadores do Brasil para o triênio 2016 - 2019, no dia 1° de agosto de 2016, com 50,9% dos votos (1.885 votos). Em outros momentos já havia sido convidado para o cargo, mas não era a hora. Era mais novo, não tinha a mesma experiência e estava me dedicando a outros projetos. Tudo tem seu tempo e hora e aquele era o momento. Durante a campanha para a eleição, andei o Brasil inteiro e conheci muitos criadores. Nossa chapa, visitou 19 dos 27 estados da federação, alguns deles mais de uma vez. Em todos os estados fomos muito bem recebidos. Por exemplo, estivemos no Acre, onde eu nunca tinha visitado antes, por três dias, visitando algumas propriedades. Mesmo quando encontrávamos nesses momentos pessoas que faziam parte da outra chapa, a amizade e o respeito prevaleciam. Participávamos juntos das reuniões e
PRESIDENTE DA ABCZ ARNALDO MANUEL COM OS ESTUDANTES DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DA UFPI DURANTE A EXPO TERESINA
dos encontros. A disputa aconteceu, mas no final deu tudo certo, não ficou nenhum rancor. Os integrantes da outra diretoria nos visitaram durante nossa gestão, inclusive o José Olavo Borges Mendes estava sempre conosco tomando cafezinho na sede. Tivemos muita ajuda até mesmo de pessoas que compunham a outra chapa, como, por exemplo, o Dr. Roberto Fontes de Góis, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Indubrasil (ABCI) e que tenho uma amizade de muitos anos. Ele me ajudou na indicação dos nomes para compor a nossa diretoria. Esse bom relacionamento foi imprescindível.
E um dos fatores que nos levou a vitória foi a chapa que montamos. Sempre soube que não poderia fazer nada sozinho. Demoramos quatro meses para formar nossa diretoria. Foi constituída por 96 membros, de vários estados, de todas as raças zebuínas e de todos os tamanhos e modelo de pecuária. A renovação foi essencial e sempre almejamos que todas as raças e regiões fossem bem representadas dentro da ABCZ.
Os membros da nossa diretoria e dos conselhos fiscal e consultivo eram de vários estados: Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Todos tiveram uma participação importante. Até o conselho fiscal, que tradicionalmente costuma reunir uma vez por ano, esteve mais presente, e, sempre que possível, estávamos reunidos. Lá não tinha moleza, era só aparecer um membro de algum conselho que já ganhava uma tarefa. Com isso, conseguimos fazer uma gestão para todos, representando bem o slogan da nossa campanha “ABCZ de A à Z”.
As portas da minha sala estavam sempre abertas. Sempre fiz questão de estar próximo de todos os colaboradores da ABCZ, em suas demandas do dia a dia. Raríssimas vezes chamei um colaborador na minha sala, pois quando precisava ia até eles.
REALIZAÇÕES IMPORTANTES
A nossa gestão coincidiu com comemorações importantes, tais como os 50 anos do PMGZ, os 80 anos do Registro Genealógico e o centenário da ABCZ.
Fazer melhoramento genético é uma obra de arte que requer a participação do criador e do técnico. Esse elo entre os dois, que se iniciou em 1938 com o Registro Genealógico pela ABCZ e se fortaleceu com o PMGZ (criado 30 anos depois), fez das raças zebuínas um elemento importantíssimo para o mundo tropical.
E na nossa gestão buscamos dar continuidade a esse trabalho de melhoramento. Criamos vários programas, como: Programa Zebu: Carne de Qualidade; PMGZ Genômica, em parceria com a EMBRAPA, que teve a realização de mais de 90 mil genotipagens; PMGZ Comercial; PMGZ Internacional que teve lançamento do primeiro Sumário de Touros durante a 43ª Feira Internacional ExpoCruz, em Santa Cruz na Bolívia (setembro de 2018); criação da marca do PMGZ para marcação e identificação dos animais que recebem o Certificado de Superioridade Genética (CSG); PMGZ Leite Max; selo “Leite de Zebu”; Concurso Leiteiro de Fazenda; 1º Leilão de Touros PNAT.
Outra mudança importante que conseguimos no Estatuto da ABCZ foi de a possibilidade de ter conselheiro em todo território nacional, pois antes disso a ABCZ só tinha representação nos estados da federação que contavam com um escritório físico.
Alagoas, Santa Catarina, Roraima, dentre outros estados, não tinha escritório e, consequentemente, não tinham conselheiros. Fizemos a sugestão de que onde a ABCZ tivesse associados, a entidade passaria a ter conselheiros, e assim foi.
ACORDO COOPERAÇÃO TÉCNICA EMBRAPA-ABCZ
PMGZ - A GRANDE MARCA DO MELHORAMENTO GENÉTICO
As exposições são outro ponto-chave da nossa gestão. A ExpoZebu e a ExpoGenética tiveram um nítido crescimento a cada ano. Conseguimos resgatar as exposições de décadas anteriores, onde famílias inteiras iam se divertir na ExpoZebu, orgulhosas de fazerem parte de Uberaba, a Terra do Zebu. O público voltou a frequentar o Parque Fernando Costa.
Optarmos ainda por fazer todos os Grandes Campeonatos no último dia, como era feito nas décadas de 1960 e 1970, pois até então, as raças com menor número de animais terminava no início da ExpoZebu e ficavam esquecidas. Tudo que eu convivi de bom no passado coloquei em prática.
Outra sugestão foi a escolha dos jurados pelas associações.
O trabalho social desenvolvido na gestão também foi marcante. Na ABCZ Mulher, a Iara, minha esposa, teve uma participação fundamental e nos ajudou muito. Ela fez parcerias com diversas entidades, como, por exemplo, o Hospital de Amor, de Barretos/SP.
Os projetos sociais contaram com a participação da população em geral. Afinal, são tantas pessoas que viveram histórias de infância dentro do parque, e isso precisava ser resgatado.
GESTÃO ENCERRADA COM CHAVE DE OURO
Tivemos uma gestão maravilhosa, com uma diretoria excelente. Mas nada foi fácil. Para cumprir minha
RECINTO DE AVALIAÇÃO DA EXPOZEBU 2018
GRANDE PÚBLICO NA FINAL DO JULGAMENTO DA EXPOZEBU 2018
missão como presidente da ABCZ, tive a importante colaboração dos meus filhos que me apoiaram desde o início e assumiram todos os negócios da família. Deixei tudo de lado para viver aquele momento. Meu filho João Marcos ficou responsável pelo trabalho de assessoria técnica no Brasil e na Bolívia. O leilão da Ipê Ouro passou a ser 100% organizado por meus filhos.
Todo o esforço valeu a pena. A experiência e as amizades que eu consegui em todos esses anos dedicados a ABCZ somaram muito em minha vida. Sempre estou folheando as revistas da ABCZ da época de nossa gestão para recordar, pois tenho a coleção completa no meu escritório, na minha casa e na fazenda e tenho orgulho de guardar essas recordações. Fomos muito felizes na nossa gestão.
Entregamos a presidência com a sensação de dever cumprido. Continuo dando sempre que possível minha contribuição e dedicação à ABCZ onde sou atualmente Membro Nato do Conselho Deliberativo
MONUMENTO COMEMORATIVO DOS 50 ANOS DO PMGZ MONUMENTO COMEMORATIVO DOS 80 ANOS DO REGISTRO GENEALÓGICO
Técnico, desde 1978.
É bem verdade que a pandemia de Covid-19 trouxe uma nova realidade. Por dois anos consecutivos, não foi possível realizar a ExpoZebu, mas a ABCZ encontrou um novo formato. Apostou na versão virtual para as exposições, obtendo êxito total com esse formato. Isso mostra que não existe fronteiras e nem limitações para promover o zebu brasileiro.
Isso me faz lembrar de uma história que meu pai contava sobre épocas difíceis, como o auge da crise do Zebu. A dificuldade era tanta que chegaram a cogitar a não realização da Exposição de Uberaba (como era chamada naquela época a ExpoZebu). Porém, mesmo com a crise, um grupo de fazendeiros da região se organizou e realizou o evento. E, assim, os pecuaristas brasileiros estão fazendo atualmente. Não deixando se abater e levando a informação para o homem do campo.