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CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 5
Trajetória internacional
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O sucesso da seleção zebuína levou também a uma valorização de diversos profissionais do setor pecuário no mercado internacional. Comigo não foi diferente. O zebu abriu-me as portas de vários países. Um deles, do qual tornou-se uma segunda pátria para mim, é a Bolívia.
Lembro que, no início de minha convivência com os criadores bolivianos, a exposição mais visitada por eles era a de Campo Grande/MS e não a ExpoZebu, de Uberaba, como é hoje. Foi lá que conheci Osvaldo Monasterio Nieme (Cabaña Sausalito) e Dom Clauss (O Alemão), que trabalhava com ele na época. Eu estava julgando e dei o título de Campeão Júnior e de Reservado Júnior para Zambaio e Anselmo, respectivamente. Eram dois garrotes de propriedade do pecuarista Morishita, que era também o prefeito de Gloria dos Dourados/MS. Osvaldo comprou esses dois garrotes, sendo as primeiras compras de animais que o fez aqui no Brasil.
Naquela época, o titular da Sausalito era assessorado por Marco Antônio Riccíopo Rodrigues da Cunha, técnico da ABCZ que atuava no escritório de Campo Grande. A pedido de Osvaldo, Marco Antônio levou Dom Clauss nas inúmeras viagens que realizou por 30 dias pelas fazendas da região para registrar animais. Assim, Dom Clauss pode conhecer de perto o gado e o manejo do zebu brasileiro.
Infelizmente, Marco Antônio, que tinha pouco mais de 30 anos, teve leucemia e veio a falecer. Como ele havia falado muito de mim para a família Monasterio, em 1987, quando fui julgar na ExpoCruz, na Bolívia, Osvaldo convidou-me para ser o assessor técnico da Sausalito, dando continuidade ao trabalho iniciado por Marco Antônio.
Encontrei na Bolívia uma pecuária bastante tradicional e rústica, iniciada pela Sausalito, na época sob o comando do senhor Osvaldo Monasterio Añez (in memorian). Lá, são três Osvaldos e é costume local ser identificado pelo sobrenome da mãe, quem manda lá é a linhagem materna. Então, a segunda geração é o Osvaldo Monasterio Nieme e a terceira geração o Osvaldo Monasterio Rek.
O primeiro confinamento boliviano também foi da Sausalito. Quando vi o confinamento na Fazenda Terra Boa, falei para o Osvaldo que ele precisava implantar um modelo parecido, já que tinha uma área de engorda muito grande lá no Beni, que fica ao centro-norte da Bolívia. Sugeri que ele deslocasse aquela produção para Santa Cruz para engordar mais próximo da área de consumo maior. O seu Osvaldo sempre foi uma pessoa muito prática, e logo após a minha sugestão, montou o frigorífico. Para isso, antes da implantação, visitamos alguns confinamentos de referência aqui do Brasil.
Nunca me limito apenas a dar assessorias nos
DOM CLAUSS, OSVALDO MONASTERIO NIEME, OSVALDINHO REK, NICOLAS MONASTERIO, OSVALDO AÑEZ E ARNALDO MANUEL, NA SAUSALITO
RICARDO ANGLARIL, RODRIGO ABDANUR, CARLOS HENRIQUE CAVALLARI, OSVALDO MONASTERIO, LUCHO SAVEDRA, ANA CLÁUDIA MENDES, ICCE GARBELLINI , ARNALDO MANUEL, IARA MARQUEZ, MARIO ANGLARIL E FERNANDO BALDOMAR DURANTE EXPOCRUZ NA BOLÍVIA
acasalamentos. Reparo e oriento em relação ao conforto e bem-estar dos animais e de toda a equipe de trabalho. Conforto é muito importante. Certa vez estava na Sausalito e, aproximadamente por volta das 15h, o senhor Osvaldo Añez tinha acordado de seu cochilo pós-almoço e foi ver a gente trabalhando. Era mês de agosto, sol quente e muito calor, pois fazia bastante tempo que não chovia por lá. A umidade estava muito baixa.
Percebi que ele nos observou, e, logo em seguida, olhou, chamou o Osvaldo Nieme e questionou: por que eles estão trabalhando no sol se do outro lado tem a mesma estrutura e está na sombra. Osvaldo Nieme justificou algo, mas ele não concordou e fez a gente parar tudo e mudar de lugar. Quando o serviço foi concluído, seu Osvaldo me falou assim: “Fiz vocês mudarem porque tudo que a gente faz com conforto, faz melhor!”. Foi aí que sugeri para o Osvaldo Nieme de adotar um sistema de arborização nos currais da Sausalito, como fiz na Ipê Ouro.
Lembro que o Cláudio Carvalho chegou um dia na Ipê Ouro e me questionou por que os currais eram tão gostosos de estar, queria saber o que tinha de diferente. Foi quando justifiquei que era devido a arborização. Mas o Cláudio sempre foi muito exagerado e fez uma mata em volta dos currais lá na Naviraí, um verdadeiro bosque de pinho.
Certa vez estava na fazenda do Eduardo Ciro Añez Saucedo, que presidiu a Asocebu de 1998 a 2002. Era fim de tarde, e por lá é tradição tomar chá nesse horário. A esposa de Eduardo, Mônica, que é brasileira de Botucatu/SP, também estava presente.
Eduardo me pediu uma sugestão de algo para ser o marco da sua gestão. Naquela ocasião, comemorava-se os 25 anos da Asocebu Bolívia. Sugeri que seria muito importante uma parceria Asocebu, ABCZ e Fazu. E assim foi feito. Marcelo, filho do casal, foi um dos primeiros alunos enviados da Bolívia para estudar em Uberaba/ MG, já fruto desta parceria que iniciou com dois alunos por semestre. A princípio, a escolha desses estudantes, que deveriam ser advindos da pecuária, era feita por meio de uma indicação da diretoria da Asocebu.
Essa parceria cresceu e hoje lá na Bolívia é feito uma
pré-seleção dos novos alunos. Atualmente, estão matriculados 48 alunos nos cursos de Agronomia e Zootecnia, e um total de 92 estrangeiros já formaram na Fazu, inclusive a maioria dos técnicos da Asocebu foram graduados lá. Isso representa um número grande de adesões, tornando assertiva a nossa sugestão.
Houve uma contribuição profissional de mão dupla entre os dois países. Desde quando iniciei, tive a oportunidade de indicar muitos profissionais para a Bolívia que mostraram a excelência do brasileiro na pecuária. São vários exemplos, sendo um deles o Dedé casqueador. Ele foi para lá ensinar a técnica, que não era aplicada na Bolívia. Também indiquei o primeiro agrônomo, André Aguiar, que está lá até hoje, com escritório em Santa Cruz, Frederico Mendes, primeiro médico-veterinário brasileiro a fazer transferência de embrião lá, entre outros.
Hoje, percebe-se uma grande quantidade de brasileiros trabalhando na Bolívia nas mais variadas funções, tais como tratadores, veterinários e técnicos: Gustavo Miziara, João Marcos, Luiz Sérgio, Marcelo Moura, Maurício Teixeira, Valdecir Marin, Willian Koury Filho e tantos outros. Posso afirmar que fui o boi de guia de todas essas oportunidades tanto para o Brasil como em benefícios para a pecuária da Bolívia.
Trouxemos os pecuaristas bolivianos para o Brasil para visitar tradicionais criatórios. O Ranking na Bolívia foi criado a partir de uma sugestão minha. Na época, o Ing. Osvaldo Monasterio Nieme era presidente da Asocebu (2004 – 2006). Quem implantou o Ranking foi a mesma empresa que montou o da Nelore aqui no Brasil.
Certamente foram muitas conquistas, mas é importante destacar que o começo lá na Bolívia não foi fácil. Mas os avanços foram grandes. Hoje, pode-se ver a beleza das fazendas, muito bem montadas e estruturadas. Eles levam muito a sério o trabalho de seleção.
Dá gosto ver de como tudo está por lá hoje. Isso muito me orgulha, participar, presenciar a valorização e o crescimento do melhoramento genético das raças zebuínas, especialmente das raças Brahman, Gir, Gir Leiteiro, Nelore, Nelore Mocho e Sindi nestes últimos 20 anos, é fantástico!
A Bolívia está exportando carne para vários países. É um motor na produção de carne bovina e 85% do gado
ARNALDINHO COM ERWIN REK (ENTÃO PRESIDENTE DA ASOCEBU) NA ASSINATURA DA PRIMEIRA PARCERIA PARA IMPLANTAÇÃO DO PMGZ INTERNACIONAL NA BOLÍVIA
de corte é zebuíno. O zebu leiteiro está crescendo de maneira exponencial também.
Houve uma sinergia muito grande de trabalho com o Brasil e a Bolívia adotando muitas das inovações da ABCZ e das demais entidades brasileiras. Quando a ABCZ criou a série, permitindo que cada criador tivesse a sua, informei o fato à Asocebu e eles adotaram o sistema. O trabalho que a Asocebu faz é muito parelho com o que a ABCZ e as associações de raças fazem aqui no Brasil.
A primeira parceria para implantação do PMGZ Internacional foi firmada com a Asocebu Bolívia, em 2017, durante a 42ª Feira Internacional de Santa Cruz (ExpoCruz). O “Contrato de Fornecimento de Ferramentas para o Melhoramento Genético de Zebuínos” oficializou o início da operacionalização da versão internacional do PMGZ. Desde então, a ABCZ passou a transferir tecnologia para Asocebu.
Vale lembrar que a ABCZ e a Asocebu já possuem um antigo histórico de parcerias, como o início do serviço de registro genealógico do rebanho boliviano na década de 70, com assessoria da ABCZ. Colaboraram nesse começo o técnico Paulo Pereira e Romeu Calheiros. Eles foram para Beni, onde antigamente ficava a sede da Asocebu, para implantar o registro genealógico.
A Bolívia tem um importante rebanho zebuíno em qualidade genética, fenótipo e produtividade. E, com certeza, essa ação vem proporcionar um trabalho ainda mais forte das raças zebuínas para a produção de carne e de leite.
Uma curiosidade é que frequento a Bolívia há mais de 30 anos, mas não falo espanhol e nem pretendo. Vejo técnicos brasileiros que vão lá fazer julgamento ou para prestar algum serviço e falam um “portunhol”, mas os bolivianos não gostam, pois têm certa dificuldade de entender. Por isso, preferem que se fale português bem devagar, é melhor de entender que o “portunhol”.
Na Sausalito e em outras propriedades bolivianas, existem muitos colaboradores brasileiros e vejo que os próprios bolivianos falam e entendem bem o português. Também acho que o tom de voz muda quando a gente tenta falar “portunhol”, fica fino e esquisito. Para mim não dá e, por isso, eu nem tento.
Eu passei quatro anos sem ir à Bolívia, meu último trabalho de acasalamento lá foi em 2015. De 2016 a 2019, meu filho João Marcos fez tudo sozinho durante minha gestão na ABCZ. Em 2020, pela quantidade de leilões virtuais, ele estava muito sobrecarregado e me prontifiquei a ir à Bolívia e lá fique por 21 dias, no mês de setembro, e para mim foi como se fosse a primeira vez trabalhando por lá. O tempo pode passar, mas essa vontade de trabalhar na pecuária não diminui de jeito nenhum. Pelo contrário, vai até aumentando!