Revista Perifa #3: Especial América Latina

Page 25

Conto

Breve biografia

momposina de

Nina Simone Por Verónica Acuña Aviles

Eram seis da tarde. Era 6 de agosto de 1815. Era lua cheia. Nina estava se preparando para se encontrar com Eulálio e Araminta no muro que margeia o rio no trecho de Tres Cruces. O povo de Mompóx brilhava por su ausência, e Nina acreditava que Ananse tinha conspirado para tudo dar certo, porque se a rua de Albarrada estava sozinha, ninguém a humilharia. Naquela época era inadmissível que corpos negros transitassem por espaços diferentes dos das cozinhas das casas coloniais. Ela estava com muito medo. Para se acalmar um pouco, esfregou o óleo essencial de lírio no pescoço e nos pulsos, depois com as pontas dos dedos aplicou um pouco de manteiga preta nos cabelos para definir seu afro, e o decorou com algumas florzinhas de jasmim. Araminta era sua melhor amiga. Trabalhava como cozinheira em uma das muitas embarcações conduzidas por Bogas, em que geralmente transportavam mercadorias e brancos catingosos, sedentos de poder pela geografia estratégica que a Mompóx daquele tempo lhes oferecia. Alguns meses antes, elas tinham combinado que nesse dia estariam lá para fugir com Eulálio em uma daquelas grandes canoas e descer o Kariguaño para obterem a liberdade. Quando o relógio

da torre da Igreja de Santa Bárbara batesse oito horas, Nina desceria os degraus de Tres Cruces e diria adeus para sempre àquele mundo pálido de espelhos estéreis em que o reflexo de seu rosto não se encaixava. E foi assim que ela fez. Ela esperou pacientemente por aquela hora, mas antes arrancou um dos pregos da porta principal que, entre outras coisas, indicava o número de escravizados servindo nos Portais da Marquesa, para que no dia seguinte seus senhores e o mundo soubessem que ela seria um corpo sossegado, uma mulher feliz, apaixonada e livre, indo rio abaixo, com a ajuda e a proteção de seus ancestrais, para viver tranquilamente em algum pedacinho de terra das margens do Kariguaño. A brancura leitosa do amanhecer acusava que era 7 de agosto. Exatamente às oito da manhã, Candelario Obeso bateu a aldrava e, dirigindo-se à marquesa, lhe perguntou se ela concedera liberdade a alguma das suas escravizadas. Diante de tal interrogante, a mulher branca rapidamente enxugou as remelas dos olhos, examinou detidamente o poeta e disse-lhe o que tinha feito ele pensar uma coisa daquelas. Ele se limitou a apontar o buraco enferrujado na madeira. Ela olhou para ele, Especial América Latina | 25


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.