Esta Revista faz parte integrante da edição do Jornal de Notícias e não pode ser vendida separadamente • Distribuição gratuita
Ano XI • N.º 40 • 22 de junho a 21 de setembro de 2012
Dunas ANIVERSÁRIO DO PROGRAMA LIFE Reportagem AQUAMUSEU DO RIO MINHO Entrevista MICROFÓSSEIS Dunes LIFE PROJECT ADDS 15 YEARS Report AQUA MUSEUM OF THE MINHO RIVER Interview MICROFOSSILS
SUMÁRIO 3
Verão 2012 Jorge Gomes
FICHA TÉCNICA Revista “Parques e Vida Selvagem” · Diretor Nuno Gomes Oliveira · Editor Parque Biológico de Gaia · Coordenador da Redação Jorge Gomes · Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia · Propriedade Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM · Pessoa coletiva 504763202 · Tiragem 60 000 exemplares · ISSN 1645-2607 · N.º Registo no I.C.S. 123937. Dep. Legal 170787/01 · Administração e Redação Parque Biológico de Gaia · Rua da Cunha · 4430-681 Avintes · Portugal · Telefone 227878120 · E-mail: revista@parquebiologico.pt · Página na internet http://www.parquebiologico.pt · Conselho de Administração José Miranda de Sousa Maciel, Nuno Gomes Oliveira, Serafim Silva Martins, José António Bastos Cardoso, Brito da Silva · Publicidade Jornal de Notícias · Impressão Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, Rua Consiglieri Pedroso, 90 · Casal de Santa Leopoldina · 2730 Barcarena, Portugal · Capa foto de João Luís Teixeira
24 Projeto LIFE soma
15 anos dunas
Em maio comemorou-se o 20.º aniversário do Programa Comunitário LIFE e os 15 anos decorridos do projeto LIFE “Dunas: conhecer e conservar”, com a participação, entre outros investigadores, de Jean Favennec, técnico do Office National des Forêts, organismo estatal da França, profundo conhecedor dos ecossistemas dunares.
45 Aquamuseu do Rio Minho
reportagem De olho no rio, este aquamuseu situado em Vila Nova de Cerveira tem a missão de dar a conhecer a quem o visita o valioso património natural que a história junta até hoje ao longo das margens do rio Minho. Carlos Antunes, diretor, explica um pouco do que se sabe e do que ainda falta saber.
50 Microfósseis
Esta revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico de Gaia e o “Jornal de Notícias”
entrevista Pólenes, esporos, microalgas, acritarcas são palavras que fluem entre quem analisa fósseis a uma escala microscópica capazes de dar informações importantes: Zélia Pereira e Gilda Lopes explicam com que linhas se cose esta área científica com muito pano para mangas.
SECÇÕES
9 Ver e falar 13 Fotonotícias 15 Portfolio 18 Quinteiro 22 Contra-relógio 29 Parques de Gaia 39 Voo das aves 40 Migrações 42 Reportagem 52 Retratos naturais 56 Atualidade 61 Crónica 65 Coletivismo
Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas da responsabilidade de quem as assina.
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4 EDITORIAL
Por Nuno Gomes Oliveira Diretor da Revista “Parques e Vida Selvagem”
Biodiversidade A Portaria n.º 137/2012 de 11 de maio vem fixar, para 3 anos, o calendário cinegético nacional; desconhecemos em que estudos se baseou, e como é possível prever os ciclos biológicos para daqui a três anos, numa altura em que a instabilidade climática é enorme — veja-se a alteração dos ciclos, este ano…
A
caça à Rola-brava já viu a data de início alterada do habitual dia 15 de agosto para o 3.º domingo do mesmo mês, que este ano será quatro dias depois, a 19. Uma espécie em acentuado declínio na Europa continua a poder ser caçada, em Portugal, durante a época de nidificação! O Corço, uma espécie ao que parece em expansão, mas de qualquer modo rara, pode ser caçada de 1 de junho a 31 de maio, ou seja, todo o ano! Já o Decreto-lei n.º 105/2012, de 17 de maio, traz-nos a boa notícia de ver a área marinha da Reserva Natural das Berlengas alargada para proteger as áreas de alimentação da pelágica Cagarra (Calonectris diomedea). Uma outra decisão do Governo, transcrita na Portaria n.º 180/2012, de 6 de junho, vem reconhecer que a Enguia é uma espécie em risco, e determina que “É proibida a captura, detenção, transporte e comercialização de enguia (Anguilla anguilla) durante os meses de outubro, novembro e dezembro.” Em maio, uma menção honrosa do Prémio
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BES Biodversidade foi atribuída a Maria João Collares Pereira, do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa, pela sua proposta de um Guia dos Peixes de Água Doce de Portugal, grupo a precisar de muitas medidas de proteção. A QUERCUS está de parabéns pois criou mais uma micro-reserva, em Pousos (Leiria), com 10,500 m2, para proteger o endemismo lusitânico, a Leuzea longifolia Hoffmanns. & Link, que, segundo o ICNB, é uma “Espécie muito rara, em perigo de extinção. A área histórica de ocorrência (determinada pelos exemplares de herbário) está praticamente toda ocupada por eucalipto.”
Limpeza de praias Nos últimos tempos têm-se sucedido notícias de ações voluntárias de limpeza de praias: “Militares e funcionários da CGD limparam 5 km da praia de S. Jacinto (JN, 17/06/2012), “Quatro mil pessoas na Maré Humana de alerta para necessidade de proteção da costa”, Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE) (“Diário do Algarve”, 13/05/2012), etc.
Embora bem intencionadas, estas ações, se não forem conduzidas por quem saiba, podem ser, e são, altamente prejudiciais para a biodiversidade, quer pelo pisoteio da vegetação dunar, nomeadamente a pioneira, feita pelos voluntários (quando não por máquinas e viaturas de apoio), quer pela involuntária recolha/destruição de ninhos e abrigos de nidificação de aves. Em maio deste ano o ICNB apelou para um “Plano de Salvaguarda de Limícolas”, nomeadamente do Borrelho-de-coleirainterrompida (Charadrius alexandrinus), na Costa Norte, onde está em clara regressão. A Câmara Municipal de Caminha foi das poucas a dar corpo a este plano, criando perímetros de proteção e sensibilizando as pessoas. Também a Câmara Municipal de Silves deu um bom exemplo de limpeza de praias com proteção da flora, como se pode ver na foto anexa.
Ilusão de ajuda A revista “Der Spiegel”, de maio de 2012, publica um artigo de Jens Glüsing e Nils
Limpeza de praias em Silves, com vegetação dunar protegida
Leuzea longifolia
Limpeza de praia... mas valia estar quieto http://andreambiental.blogspot.pt
Klawitter intitulado “WWF ajuda mais indústria que o ambiente.”1 A mais poderosa organização conservacionista do mundo, o WWF (World Wildlife Found) fundada em 1971, na Suíça, por um grupo anónimo de mecenas, “The 1001”, ligados essencialmente à banca, é posta em causa neste artigo, onde os jornalistas se interrogam: “Mas pode o WWF proteger verdadeiramente a natureza contra os seres humanos? Ou apenas fazer cartazes atraentes a oferecer a ilusão de ajuda?”, e corroboram esta questão com uma série de exemplos. O “Diário Digital” referia, em 06/06/2012 que o WWF está em Portugal desde 1995, e “... tem trabalhado, ao nível da biodiversidade, na proteção do sobreiro como espécie emblemática da floresta portuguesa, habitat de inúmeras outras espécies, algumas em risco de extinção, como o lince ibérico ou a águia imperial. A WWF tem ainda trabalhado para reduzir a pegada das empresas em Portugal apelando à compra sustentável de madeira, cortiça e papel (através do projecto GFTN Ibérica e da certificação FSC), à redução das emissões de carbono, através do projecto Climate Savers/Defensores do Clima, ao consumo responsável de água (através das ferramentas Water Fooptprint e Water Tool Risk) e ao consumo sustentável de pescado, através da certificação MSC.” Bom, desde logo um equívoco, pois o WWF abriu a sua primeira agência em Portugal, no Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (BESCL, hoje BES), em meados dos anos 70, talvez em 1973. Mas dessa iniciativa, nada se viu, como nada se vê das acima referidas. Também a revista “Visão”, de 6/6/2012, refere que o “A WWF e o Grupo Volvo debateram dia 6 de junho, no pavilhão da
Volvo, na agitada Vila Volvo Ocean Race, que se instalou na Doca de Pedrouços, em Lisboa, os temas da Energia e do Clima e a transição para uma Economia de Baixo Carbono” e no dia 14/06/2012, a mesma revista noticia: “Desde 2008 que a Coca-Cola mantém o apoio ao trabalho da WWF no nosso País, tendo sido a primeira empresa a apoiar o projecto de serviços ambientais da WWF denominado Green Heart of Cork (GHoC), uma plataforma de empresas que apoiam a WWF na sua atividade de conservação do montado através da recompensa aos proprietários que apresentem boas práticas de gestão florestal, esta foi lançada em Portugal em 2011.” Canon Portuguesa, Costa Cruzeiros, IKEA, Onyria Golf Resorts, Arbora & Ausonia e Dodot são algumas das muitas empresas que surgem associadas ao WWF Portugal; o “Continente Online”, por exemplo, anuncia, por € 7 “Linha Madagáscar WWF – Sortido
O Plano de Pormenor foi aprovado pela Assembleia Municipal de Sesimbra e o projeto Mata de Sesimbra foi recentemente apresentado na conferência Rio+20, das Nações Unidas. Acreditamos que é possível fazer empreendimentos turísticos com integração no ambiente e respeito pela biodiversidade, só não percebemos porque é este projeto a face visível, em Portugal, de uma das mais conceituadas organizações de conservação da natureza do mundo.
Rio+20 Depois de Estocolmo, em 1972, o mundo reuniu-se no Rio de Janeiro, em 1992, para nova Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco 92. Agora, 20 anos depois do Rio e 40 depois de Estocolmo, a Rio+20 reuniu no Brasil; se há 40 anos a população mundial era de 3,85 mil milhões de habitantes, há 20 anos o mundo tinha 5,4 mil milhões de pessoas e hoje tem 7 mil milhões, a maioria a viver em cidades; haverá sustentabilidade possível? Da Conferência de Estocolmo ficou-nos o “Dia Mundial do Ambiente” de que este ano se comemorou a 40.ª edição; a Eco 92 deixou-nos o conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, usado no discurso, que não na prática. A Rio+20 deixa o novo conceito de “Economia Verde” (ou será economia esverdeada) e um conjunto de pias intenções, enquanto a degradação, a falta de recursos, a fome, as alterações climáticas, a desertificação, a perda de biodiversidade avançam, quase meio século depois do alerta de 1972.
A Rio+20 deixa o novo conceito de “Economia Verde” – ou será economia esverdeada – e um conjunto de pias intenções enquanto a desertificação avança Proteção Vida Selvagem.” Visível, foi o que em 22/4/2006 o “Diário de Notícias” noticiava: “Desenvolvida pelos portugueses da Pelicano e apoiada pelo programa One Planet Living, do conceituado World Wildlife Fund (WWF), esta iniciativa [Projecto da Mata de Sesimbra], ainda em discussão pública, pretende ser um exemplo para todo o mundo: o “primeiro projecto turístico sustentável” do planeta. (...) A aposta do WWF num país do Sul da Europa não foi acidental: “As estimativas são que, no prazo de 15 a 20 anos, assistiremos a uma subida de cerca de 222 milhões para 350 milhões de turistas na região do Mediterrâneo”.
1
http://www.spiegel.de/international/world/wwf-helpsindustry-more-than-environment-a-835712.html
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6 REGISTO
Vale do Febros: o Vale dos Castores direitos reservados
Não restam hoje dúvidas de que o Castor (Castor fiber) existiu em Portugal; quer a toponímia quer os restos fósseis encontrados em escavações arqueológicas disso são prova. Já menos claro é o nome arcaico que teria no território que hoje é Portugal, sendo certo que o nome “Castor” foi introduzido por via erudita. Também a sua distribuição, abundância e data de extinção são menos claras. O geógrafo grego Estrabão, que nasceu 63 anos antes de Cristo e morreu cerca de 19 anos depois de Cristo, dedica o Volume III da sua Geografia à Península Ibérica, e escreveu: “Os Castores são encontrados nos rios [da Península Ibérica], mas o óleo não possui a mesma força que o do Euxino [Mar Negro]...”. (vol. III, 4, 15) O paleontologista professor Miguel Telles Antunes analisou longamente este assunto e é perentório quando escreve: “...é óbvio que o castor existia em Portugal na Idade Média” (Antunes, 1989) e no século XV terá ocorrido o extermínio, devido à caça para aproveitamento da pele e do óleo, o castoreum, uma secreção oleosa e amarga com um cheiro ligeiramente fétido contida nos folículos dos castores, que foi utilizado na medicina tradicional, como analgésico, anti-inflamatório e antipirético e cujo efeito se deve à salicilina (C13H18O7) que os castores retiram das folhas de salgueiro, que usam na sua alimentação, e metabolizam em ácido salicílico (C7H6O3) que atua de modo semelhante à aspirina. A sua área de distribuição medieval “abrangia todas as principais bacias hidrográficas até à do Tejo”, como demonstra a distribuição de topónimos relacionados com Fiber/Biber, mas com particular incidência na bacia do Douro. Joseph-Maria Piel (1903-1992), um filólogo alemão, que viveu em Portugal e foi professor da Universidade de Coimbra, estudou os topónimos relacionados com Fiber/Biber e afirmou que “quanto à sua etimologia concreta, cremos ser impossível não reconhecer em febro o nome vernáculo latino de castor, fiber-bri ou da sua variante tardia feber-bri.” (Piel, 1989). Recentemente Dolors Bramon Planas (2001) veio propor a mesma origem para a povoação de La Febró, localizada junto ao rio Siurama, um
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afluente do rio Ebro, na Catalunha espanhola. A designação popular medieval do Castor em Portugal, seria Veiros, Bívaro ou Bíbaro, segundo Miguel Teles Antunes. Na área do Parque Biológico de Gaia existem dois topónimos que, claramente e de acordo com as interpretações dos autores citados, apontam para a antiga presença de Castores: o rio Febros e o seu pequeno afluente da margem esquerda, a ribeira de Bibilhe ou “Vivilhe”, designação muito semelhante a Bibirelos (=Vivirelos) (Antunes, 1989). Vivirelos ainda existe como topónimo na freguesia de Ferreiros, concelho de Amares, junto ao rio Cávado. Também o nome “Beires”, apelido de uma antiga família de Avintes, poderá ter origem numa das designações medievais de Castor, Veiros; segundo o “Nobiliário das Famílias de Portugal” (Tomo VII, 9:11), esta família teve origem no séc. XIII, em São Miguel de Beire, povoação do antigo concelho de Aguiar de Sousa, hoje Paredes (Gaio, 1750-1831). Mais a montante do rio Febros, já na freguesia de Pedroso, existe o topónimo “Rua dos Febros” no qual o uso do plural vem em auxílio da tese anterior. Muito perto deste local, a “Rua do Pisão” (para pisoar a lã1), a “Rua Nova do Fojo” (cova, armadilha para animais ferozes, etc.) e “Rio de Lobo” fixam, também, a biogeografia do passado destas terras. Mas voltemos ao Castor; é um mamífero, roedor, principalmente noturno e aquático. Tem a pele impermeável, as patas traseiras palmadas e uma cauda achatada sem pelos. O seu comprimento total é de 100-140 cm e tem uma vida de cerca de 10 anos em estado selvagem. Os Castores são exclusivamente vegetarianos e preferem comer plantas aquáticas, ervas e arbustos. Folhas, galhos e cascas de árvores como a bétula, o carvalho, amieiros e salgueiros também fazem parte da sua dieta. Vivem normalmente em grupos familiares pequenos de 3-5 indivíduos. O habitat, na área do Parque Biológico, era adequado à espécie, pois as duas linhas de água ainda hoje apresentam floresta ripícola abundante e diversas charcas; o caudal destes rios deveria ser muito superior
ao atual, que se encontra diminuído pela impermeabilização dos solos das suas bacias hidrográficas, com canalização das águas da chuva diretamente para a rede urbana de águas pluviais. A sua área de distribuição na região Euroasiática foi sendo reduzida pela caça e, na Europa, os últimos Castores vivem a norte de uma linha que vai de França à Rússia, especialmente na Escandinávia e nos vales do Ródano, Elba e Danúbio. Em março de 2003, um grupo ecologista centro-europeu libertou ilegalmente 18 Castores, criados na Baviera, em Aragão e La Rioja (Espanha); seria uma boa notícia se os Castores, espontaneamente, tivessem passado os Pirenéus para Sul; assim, foi um ato irresponsável e leviano. Não vamos reintroduzir Castores no Febros pois, historicamente, “perderam” o seu lugar e, hoje, seriam motivo de conflitos com a agricultura e a floresta, como está a acontecer em Espanha. Mas fica a recordação da sua presença no Vale do Febros – dos Febros, em tempos medievais. Texto: Nuno Gomes Oliveira 1 A pisoagem era feita no pisão - um engenho artesanal que aproveita a energia da água para movimentar pesados martelos em madeira para bater a lã e produzir um tecido de aspeto pastoso, homogéneo, espesso e forte chamado burel. A peça de lã era sucessivamente batida e escaldada durante um espaço de tempo variável (um quarto pisão, meio pisão ou pisão inteiro) de acordo com a finalidade do burel. Depois, as peças de burel eram transformadas em aventais, calças, saias, capas, casacos, coletes que agasalhavam as pessoas nos dias frios e chuvosos do Inverno. Com o desenvolvimento da indústria têxtil, a utilização destes engenhos caiu em declínio e desapareceram quase por completo. Fonte: http://blogimagens.blogspot.pt/2011_01_01_ archive.html
Bibliografia ANTUNES, M. T. (1989). Castor fiber na Gruta do Caldeirão – Existência, distribuição e extinção em Portugal. Ciências da Terra, nº 10, 23-40, Universidade Nova de Lisboa. GAYO, Felgueiras (1750-1831). Nobiliário das Famílias de Portugal. Tomo VII, 9:11, Edição de Azevedo Meirelles e Domingos de Araujo Affonso, Braga 1938-1941. PIEL, J.M. (1968). Febros: uma relíquia lexical zoonímica latina. Revista de Guimarães, 78,1-8, Sociedade Martins Sarmento, Guimarães. PLANAS, Dolors Bramon (2001). Una nova proposta etimològica per a la Febró (Baix Camp). Acta historica et archaeologica mediaevalia, Nº 22, 795-798, Universidade de Barcelona.
OPINIÃO 7
Por Luís Filipe Menezes Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia
Os Parques de Gaia crescem Recentemente, demos início à segunda fase de ampliação do Parque Biológico, adquirindo cerca de 7 hectares de terrenos, dos 21 previstos no PDM (Plano Diretor Municipal) para crescimento deste equipamento municipal. Assim, dos 35 ha que tinha até há pouco, o Parque Biológico tem, hoje, 42 ha, aproximando-se do seu tamanho final
E
sta aquisição também teve o contributo de muitos cidadãos e empresas que aderiram à Campanha de Sequestro de Carbono “Em Gaia Plantamos Árvores Para Si” e contribuíram com a aquisição de metros quadrados de terrenos para florestação e ampliação do Parque. Embora esses terrenos não sejam contíguos à atual área visitável do Parque e, por isso, não seja possível ligá-los imediatamente, brevemente iremos mostrá-los, até porque são terrenos que têm particularidades e história: por eles passa a designada “estrada
de Viseu”, via medieval que seguia de Gaia para a Beira, e por ali andaram as tropas anglo-lusas nas Invasões Francesas. Com estes novos terrenos, não só se aumenta a área de espaços verdes públicos de Vila Nova de Gaia, a caminho da meta que traçámos, de 10m2 por habitante até ao final do mandato, como se vai valorizar a história. Mas não é só no Parque Biológico que a área verde cresce; em Grijó, acabamos de criar o Parque dos Arcos da Amoreira, requalificando um terreiro e transformando-o num espaço de passeio. Dentro de dias será adjudicada a construção de outro parque, o da Ponte
Maria Pia que, além de contribuir para o referido objetivo de área verde por habitante, vai dotar de um espaço verde de recreio e lazer uma área que disso estava carenciada. Esperamos poder abrir ao público este Parque em finais de 2012, inícios de 2013. Para 2013 prevê-se iniciar a instalação do Parque de S. Paio, junto à Reserva Natural Local do Estuário do Douro, que vai complementar essa zona de conservação da biodiversidade com uma área de lazer o que permitirá, entre outras coisas, que as muitas escolas que visitam a reserva natural possam ter um espaço para os seus piqueniques.
Arcos da Amoreira (Grijó) – 23-5-2012
Arcos da Amoreira (Grijó) – 15-6-2012
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8 PAR CONTRA-RELÓGIO 8
Prémio Fauna 2011, Pedro Ferrão Patrício
Prémio Arte Fotográfica 2011, Claro Oliveira
Concurso nacional de fotografia da natureza
PARQUES E VIDA SELVAGEM Já abriu o concurso nacional de fotografia da natureza PARQUES E VIDA SELVAGEM! Em 2012 conta 10 anos de vida. Leia o regulamento no site www.parquebiologico.pt indo ao botão Atividades e entrando na secção Fotografia. A ficha de inscrição também está aí. O prazo de de entrega de fotografias termina em 30 de setembro de 2012. Dê um gosto ao seu olhar e ganhe prémios!
Em novembro de 2012 abrirá a exposição de meia centena de trabalhos selecionados pelo Júri, que varia todos os anos, com a entrega de prémios.
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Registo documental € 300,00 Fauna € 150,00 Flora € 150,00 Paisagem € 150,00 Júnior
Participe!
Prémio Júnior de 2011, Pedro Cardoso
Prémios Arte fotográfica € 700,00
Prémio Flora e Fungos de 2011, Carlos Vale
(só para jovens até aos 15 anos de idade)
€ 100,00
VER E FALAR 9
Palavras dos leitores A revista de primavera chegou com a tão esperada chuva de abril e quem a leu disse de sua justiça...
J
oão Cabral mora na cidade do Porto e escreve no feriado de 25 de abril: «Como leitor assíduo da revista “Parques e Vida Selvagem”, e despertado para o assunto pelo vosso último número, venho solicitar me informem, se tal lhes for possível, o que fazer para controlar uma praga de processionária. Grato pela atenção que possam prestar a este meu pedido, envio os meus cumprimentos». A resposta seguiu no dia seguinte: «Preferimos começar pelas conclusões, se nos permite. Numa floresta onde predominem pinheiros a processionária pode tornar-se um caso sério. Mas se houver por parte dos proprietários uma filosofia de diversificar as espécies, nomeadamente entre espécies de vegetação autóctone*, então dificilmente a processionária será um problema. Dentro do que se observa por exemplo no Parque Biológico de Gaia (35 hectares), onde raramente se dá pela processionária, Abel Barreto esta existe mas em pequena quantidade e passa quase impercetível. Porém, há condutas importantes a referir se um dia deparar com uma fila destas lagartas a atravessar o seu pátio. Estas lagartas não devem ser nem varridas nem manipuladas. Se as varrer vai fazer com que pequenas partículas dos pelos que as cobrem circulem no ar que respira e, ao inalar, pode sentir dificuldades respiratórias. O nosso alvitre fica dado no início e recomenda-se, mesmo que não
estivéssemos na Década da Biodiversidade preconizada pelas Nações Unidas».
Íbis-pretas Abel Barreto escreve: «Na revista n.º 38, página 25, na legenda de uma das imagens dizem que em 16 de dezembro estiveram na Reserva Natural Local do Estuário do Douro 36 íbispretas. Depois, na introdução do artigo, lê-se que “não se trata de uma espécie qualquer, mas sim de uma das aves mais difíceis de detectar e pouco conhecida”. O texto anterior refere-se à íbis-preta? Em 10 de março, na pateira de Taboeira, Aveiro, observei umas aves que nunca tinha visto e que, embora de forma
deficiente, fotografei. Quando li a revista, após aquela data, fiquei curioso em saber se as tais aves eram íbis-pretas. Seriam? Cumprimentos e obrigado pelos bons momentos que a leitura da revista “Parques e Vida Selvagem” proporciona». Por correio eletrónico, redarguiu-se: «Obrigado pelas palavras simpáticas! Sobre o assunto que expõe, sim, parecem ser íbis-pretas. Na revista referida, quem subscreve essas linhas faz essa afirmação. Nos últimos anos, porém, têm sido mais habituais os avistamentos de bandos de
íbis-pretas, pelo menos cá para Norte. Nós próprios vimos um bando de 20 em Salreu, na ria de Aveiro, há seis anos. Na altura, pelas anilhas, seria um bando oriundo do delta do Ebro. Como as zonas húmidas são áreas ameaçadas, estando mesmo em regressão, é natural que as populações dispersem e procurem habitats. Outra explicação vai no sentido das alterações do clima. Contudo, para termos certezas sem mácula, serão necessários mais estudos e o respetivo amadurecimento de dados». Mas não é só por e-mail que chega o retorno dos leitores: o telefone também toca. Um dos casos foi o de Manuel Firmino, médico aposentado, de Rio Tinto. Na tarde de 24 de abril disse ter encontrado a revista no meio do jornal e, gentil, disse que esta está «cada vez melhor, é muito bonita». Preferiu telefonar, «é mais pessoal». E como tem agora um neto, crê que isso veio revalorizar a sua apetência pela natureza. Gostava de adquirir a coleção toda. Lembrase da revista quando com outros ortopedistas do Hospital de Gaia visitou o Parque. Como não é possível arranjar a maior parte dos números anteriores da revista seguiram por correio alguns dos mais recentes números da PARQUES E VIDA SELVAGEM. * Espécie natural de uma dada região; nativa.
Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 9
Jorge Gomes
Rui Faria
Olga Marinho
10 VER E FALAR
Stauropus fagi, lagarta
A flor azul Olga Marinho escreve de Seixezelo: «No meu jardim aparecem estas flores azuis. Sabem dizer-me o nome delas? Obrigada». Henrique Alves, botânico, responde: «Deve ser Hyacinthoides hispanica (Mill.) Rothm., mas este grupo é danado. Pode ser outro Hyacinthoides, isto porque a flor parece ter duas brácteas, se tiver uma só já será de outro género…».
Lagarta no trilho da “preguiça” Rui Faria, do Porto, envia duas fotografias de uma lagarta que lhe parecia uma centopeia,
em 5 de maio: «Olá, venho partilhar convosco uma descoberta de entre muitas, que achei fascinante encontrada na floresta de carvalhos e medronheiros no Parque Nacional da Peneda-Gerês, fascinante porque a sua forma chamou-me a atenção e pensei de rompante “é uma centopeia”, mas um olhar atento revela que estava enganado: é uma lagarta! É curioso como um grupo totalmente diferente do das centopeias consegue adquirir a sua forma! Quem sabe um dia encontre a sua forma adulta da qual desconheço e nem sei se já se encontra
Stauropus fagi, inseto adulto
documentada tanto a forma larvar como a forma adulta». Respondendo à questão da lagarta, José Manuel Grosso-Silva, do CIBIO-UP, esclarece: «É efetivamente uma lagarta, ou seja, uma fase juvenil de uma borboleta, que no caso desta espécie (o notodontídeo Stauropus fagi), tem uma morfologia inconfundível. O nome inglês da espécie faz alusão à lagosta justamente pela forma tão curiosa da lagarta. É uma espécie do grupo das borboletas noturnas, conhecida de algumas zonas do país, incluindo o Gerês e também o Parque Biológico de Gaia».
Conheça as edições do Parque Desejo adquirir os seguintes títulos nas quantidades indicadas:
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Livro “Guia da Reserva Natural Local do Estuário do Douro” de vários autores Livro “José Bonifácio de Andrada e Silva: Um Ecologista no Séc. XVIII” de Nuno Gomes Oliveira Livro “Ecoturismo e Conservação da Natureza” de Nuno Gomes Oliveira Livro “Áreas de Importância Natural da Região do Porto de Nuno Gomes Oliveira Livro “Manual da Confecção do Linho” de Domingos Quintas Moreira Livro “Empresas Municipais” de Catarina Siquet Livro “Conservação dos Sistemas Dunares” de vários autores Livro “Cobras de Portugal” de Jorge Gomes Livro “Uma Escola Sem Muros: Diário de Um Professor” de Paulo Gandra Livro infantil “Galvino e Galvão, a Galinha-de-água e o Galeirão” de Manuel Mouta Faria Livro infantil “As Histórias de D. Lavandisca Alvéola” de Manuel Mouta Faria
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(PORTES DE CORREIO NÃO INCLUÍDOS)
sandra@parquebiologico.pt 10 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
VER E FALAR 11
O futuro de um país à beira-mar Chegamos a um impasse. Com o país em recessão, condicionados por severas medidas económicas que nos foram impostas e que nos afetam diariamente, com mais de 80 mil jovens à procura do primeiro emprego, com mais de 100 mil jovens licenciados desempregados, com um crescimento negativo do PIB na ordem dos -3%, a solução poderá passar por olhar para o lado e encarar o mar como um “tesouro”, essencial para o crescimento económico e para a criação de novas oportunidades de emprego. Estudos recentes dizem que a economia do mar representa para o país cerca de 2% do seu PIB, empregando cerca de 75 mil pessoas. Potencializar esta economia e fomentar o seu crescimento poderá levar a um crescimento superior a 9%, até 2025, contribuindo decisivamente para um futuro melhor. Durante o Estado Novo, estigmatizados por sermos um país pequeno no contexto europeu, pobre e periférico, o mar, os seus recursos e os territórios ultramarinos do Império Colonial Português, foram fatores determinantes na consolidação e no ideal que éramos “grandes” e que o nosso
horizonte se estendia do Minho a Timor… Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, os sucessivos governantes romperam com o passado e, ao optarem pela adesão à CEE, os recursos marinhos ficaram para segundo plano. Em função de um conjunto de decisões infelizes, deixamos de encarar o mar como um dos nossos principais ativos económicos. Com todas as suas repercussões, ao mesmo tempo, “O MAR” desapareceu do pensamento estratégico, não só de governantes, mas também da sociedade em geral. Atualmente voltamo-nos novamente para o mar, numa tentativa de encontrar uma tábua de salvamento para a crise económica e pensamos se, após décadas de costas voltadas, haverá tempo para uma reconciliação. O país, com uma situação geográfica privilegiada à escala mundial, detendo a maior ZEE (Zona Económica Exclusiva) da Europa, por onde passam as principais rotas marítimas mundiais, onde ganham importância as rotas dos novos mercados emergentes do Golfo Pérsico e do Extremo Oriente há muito para e por fazer. O país aguarda uma decisão da ONU, para lhe ser concedido o alargamento da “Extensão da Plataforma Continental”.
Fazendo valer os seus argumentos se for aceite, Portugal passará a gerir cerca de 4 milhões de km², uma das maiores áreas marítimas mundiais. Se tal acontecer, o potencial económico será enorme. Segundo Tiago Pitta e Cunha(1), sendo este um dos assuntos mais importantes para o futuro económico do país, vê com apreensão este projeto ser pouco divulgado e não fazer parte da agenda política das autoridades portuguesas. Outro ponto-chave é a investigação científica com trabalho pouco divulgado sobre o desenvolvimento de recursos naturais vivos no âmbito da biotecnologia marinha, que poderão levar entre outros à criação de produtos com aplicação nas ciências médicas(2). O seu alcance ainda não é possível antever, mas com certeza terá consequências muito importantes a médio e longo prazo. Por Sara Pereira, bióloga (1)
Consultor do Presidente da República para a área do Ambiente, da Ciência e do Mar.
(2)
Projeto de mestrado biossíntese de produtos naturais a partir de bactérias marinhas com aplicação médica.
Praia da Aguda • Vila Nova de Gaia
Aquário e Museu das Pescas
De segunda a sexta-feira das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00; Sábados, domingos e feriados das 10h00 às 18h00
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12 VER E FALAR
Orgulho da Madeira Nos manuais de botânica este arbusto endémico da Madeira está registado com o nome de Echium candicans. Na literatura anglo-saxónica aparece como “Pride of Madeira”, os alemães chamam-lhe “Stolz Madeiras” e nos mercados de flores da Holanda é vendido como “Trots van Madeira”. Traduzidas para português, as designações inglesa, alemã e holandesa têm exatamente o mesmo significado: Orgulho da Madeira. Orgulho da Madeira é um nome bem mais bonito e com uma carga significativa muito
CARTOON Por Ernesto Brochado
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mais forte do que Massaroco, o seu nome vulgar em português. Este arbusto da família das Boragináceas, que vive nas clareiras soalheiras da Laurissilva e nas terras altas para cima do mar de nuvens, para além de produzir belíssimas flores azuis e excecionalmente rosadas, desde abril até julho, tem uma indomável vontade de viver. Sobrevive aos ataques do fogo e consegue germinar nas fissuras do betão e no alcatrão. Há cerca de 30 anos, venho defendendo que o Orgulho da Madeira tem beleza e nobreza para funcionar como marca do turismo da Madeira, e que deveria ser muito mais utilizado como
planta ornamental ao longo das estradas nas áreas de média e grande altitude. Nos últimos anos os folhetos promocionais têm divulgado imagens desta espécie exclusiva da Ilha da Madeira, mas ainda não houve sensibilidade para assumi-la como emblema. Teimosamente o governo regional continua a manter a “estrelícia dourada” (escultura inspirada numa espécie originária da África do Sul) como galardão para premiar personalidades e instituições que se destacam na atividade turística. Por Raimundo Quintal
FOTONOTÍCIAS 13
Qual é a tua ó meu?
A
conteceu ao entardecer. Um dos milhafres que desde abril adotaram o Parque Biológico de Gaia como local de nidificação voa entre as árvores e pilha com bonomia do cercado das lontras um pedaço de peixe que estas deixam para mais tarde. É o tributo de coexistência pacífica que a ave cobra ao mamífero aquático, sem diatribe, e que ocorre normalmente ao fim da tarde e ao início da manhã. No final do dia 16 de maio o à-vontade da ave de rapina fê-la pousar mais uma vez num galho, no meio do arvoredo. Pelo porte altivo que leva incautos a confundilo com uma águia, tratava-se de uma observação invulgar do animal selvagem. Provocante, não é que uma ave colorida, que se veste de branco e preto, a pega-rabuda,
vem com rapidez deixar claro ao milhafre que não é bem-vindo? Teriam as pegas ninho nas redondezas... ou estariam ciosas da sua despensa privativa ao cuidado das lontras-europeias? Como as certezas com precisão matemática não estão disponíveis, ficou pelo menos certo que o milhafre não contestou nem a veemência nem o insulto e, em poucos segundos, abriu asas, deixando o cercado aos corvídeos. Se estivesse virado para dar uma golpada, o milhafre poderia ter usado quer o bico adunco quer o par de garras de respeito deixando claro à experiência de vida das pegas qual a sua posição real na cadeia alimentar... Sem ouvir as vozes de burro que não chegam ao céu, dominou o ar e voou para fora do alcance da janela.
Ora bem, é famosa a suposta inteligência das aves do grupo dos corvídeos, que reúne como o nome indica corvos, gralhas — das de penas — e pegas-rabudas. Muito próximos andam os gaios nas afinidades entre espécies. Quer-nos parecer, mesmo assim, que o ênfase do comportamento não virá da inteligência, mas sim dos genes da territorialidade. Para quem pensasse que o tamanho é tudo, fica a atitude, a prova real de que as aves selvagens, como os próprios homens, não se medem aos palmos... Dizia sem palavras a pega-rabuda ao milhafre: Qual é a tua, ó meu? Quem manda aqui sou eu! Texto: JG
João L. Teixeira
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14 FOTONOTÍCIAS
Vespa ou mosca?
Q
uando caminhamos por um campo cheio de flores, estamos constantemente rodeados por todo o tipo de insetos. Abelhas, vespas, moscas, borboletas, percevejos, libelinhas e muito mais. Muitos são inofensivos, mas há os que são venenosos, sendo os mais conhecidos as vespas e abelhas. Isto leva muitos de nós a evitar entrar em contacto com estes seres e a fugir assim que os vislumbramos. É com esta atitude que contam muitas moscas mestres na arte de copiar o aspeto de outros insetos perigosos. Entre estas espécies miméticas encontrase um gigante do mundo das moscas, a espécie Milesia crabroniformis, que atinge os
2,5 cm de comprimento. Esta espécie, da família Syrphidae, mimetiza, tal como o nome indica, uma das maiores vespas de Portugal, a Vespa crabro. As parecenças entre as duas espécies vão além do aspeto e a mosca adiciona ao seu arsenal mimético um voo muito semelhante ao da vespa e até o zumbido serve para lembrar as aves mais atrevidas do perigo que constitui aproximar-se em demasia. Para o mimetismo funcionar ambas as espécies têm obviamente de viver no mesmo habitat, que consiste em carvalhais de folha perene e várias florestas de folha caduca como a que podemos encontrar no Parque Biológico. A biologia da espécie é ainda muito mal
Vespa crabro
conhecida. Há relatos de fêmeas a ovipositar em cascas de carvalhos antigos em grande parte ocos e preenchidos por matéria orgânica que servirá possivelmente de alimento para as larvas. Já os adultos tendem a viver perto da copa das árvores descendo apenas para se alimentarem e porem ovos. A dieta consiste em néctar de flores de uma série de plantas entre as quais se encontram a hera, o sabugueiro e várias umbelíferas. Esta espécie foi só muito recentemente registada para Portugal continental e é também conhecida a sua presença no Parque Biológico de Gaia. Texto: Rui Andrade
Mosca Milesia crabroniformis Jorge Gomes
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PORTFOLIO 15
Coleóptero
Chegar mais perto
Mosca da família Rhagionidae, Rhagio sp.
Paulo Latães mora em Águeda. É arquiteto e tem 32 anos. Recorda: «Adquiri a minha primeira máquina fotográfica para tirar fotos às maquetas». Daí para o mundo dos insetos foi um instante. Sobreveio a tendência natural de querer chegar mais perto e ver aquilo que, mesmo na macrofotografia dita normal, não seria possível descortinar. Esta curiosidade levou-o a desenvolver «técnicas neste tipo de fotografia e a encontrar lugar neste tão amplo mundo que é a fotografia de natureza». Uma curiosidade permanente e uma vontade enorme de poder viver desta arte leva-o à busca permanente de soluções novas para problemas que vão aparecendo com o aumento da complexidade de cada imagem. «É curioso ouvir as pessoas a falar sobre estas fotografias, e a tecerem comentários: por exemplo, numa imagem de uma aranha morta, perguntarem-me como é que lhe mantinha os olhos abertos se estava morta...», diz, como se humanamente alguém devesse cerrar-lhe os olhos. Estas pequenas maravilhas da natureza, vistas de perto, fascinam até aqueles que sentem alguma repugnância com a sua presença, pois apresentam detalhes ocultos à vista humana e revelam adaptações que apenas a mãe natureza poderia desenvolver. Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 15
16 PORTFOLIO
Percevejo da família Pentatomidae, Eurydema sp.
Gorgulho
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Mosca do género Rhagio
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Mosca, provavelmente, da família Sarcophagida
e
Getting closer Architect Paul Latães recalls: “I bought my first camera to take photographs of models.” From there to the world of insects was but a step. There was a natural tendency to get closer and see what would not be possible to unveil even with normal macro photography. This curiosity led him to develop “Techniques in this type of photography and to find my place in the broad world of nature photography”.
Mosca Calliphora vicina
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18 QUINTEIRO
Sua excelência o chapim-real Uma das aves que melhor se adapta aos alimentadores de jardim é o chapim-real, um verdadeiro acrobata que adota com facilidade uma caixa-ninho para fazer vingar a prole Entre os bateres de asa do seu jardim uma boa parte da animação pode estar a ser feita por uma pequena ave de peito amarelo e cabeça preta com faces brancas, a espécie de maior dimensão entre espécies portuguesas de chapins. Estamos a referir-nos ao chapim-real, que tem um nome científico que evoca a tropa: Parus major. Apesar de ser uma espécie de distribuição alargada e bem conhecida, serve de exemplo no que toca às novidades que vão emergindo sobre a sua vida secreta, à medida que o comportamento destes pássaros é alvo de pesquisa. Por esta altura já terá os juvenis fora do ninho e saber que este chapim troca a ementa granívora das estações mais frias do ano por invertebrados não é novidade. Na rotina anual, assim que a vegetação se desenvolve ao toque do calor e da água, o chapim-real aproveita um vasto leque de espécies de invertebrados, como lagartas e aranhas, para criar a descendência. Se observar o vaivém destas aves na caixa-ninho do seu jardim, um olhar atento irá detetar a frequente entrada de um dos progenitores com um verme no bico e a sua 18 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
Jorge Casais
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Hugo Amador
saída momentos depois com excrementos igualmente no bico. Como ainda não estão sob a alçada dos serviços oficiais de higiene, os chapins-reais vão sobrevivendo, caso contrário poderiam integrar com rapidez a lista das espécies extintas. Esse comportamento natural deverá ter a ver com a necessidade de reduzir indícios, no caso odores, capazes de atrair predadores ao ninho e não é, decerto, exclusivo desta espécie. Nesta fase, o chapim pode capturar uma média de 500 lagartas por dia! Observado demoradamente o comportamento, apura-se um detalhe inesperado: seria natural pensar que os tamanhos dos nutritivos vermes seriam insignificantes, mas não é assim — quando as crias atravessam os seus primeiros dias de vida, os pais apenas levam para o ninho as lagartas mais pequenas. À medida que as crias se desenvolvem, começam a entregar lagartas maiores. Por sua vez, os chapins adultos comem obviamente as mais encorpadas. Ainda no que diz respeito a alimento, já houve observações de chapins-reais a alimentarem-se de pássaros mais pequenos. Não é de canibalismo que se está a falar, mas sim da captura de estrelinhas, Regulus regulus, bem como de sardaniscas, ou de rãs e tritões. Como a defesa do território e dos recursos que este engloba passa por cantar, apurouse que as vocalizações territoriais do chapim-real também diferem entre as das populações de aves que vivem nas áreas rurais e as que vivem nos jardins e parques urbanos. Os chapins que vivem no campo produzem sons menos agudos do que os outros. Isso pode ter a ver com a necessidade de se fazerem ouvir por entre buzinas e o maior volume de ruído causado pelo tráfego urbano. Outro facto interessante relaciona-se com o facto da dominância estar associada
Libélulas e rãs são animais que podem aparecer no lago do seu jardim
Fernando F. Coutinho
não aos chapins de maior dimensão mas sim aos de menor tamanho. Aos primeiros liga-se a desvantagem de sentirem mais dificuldade em escapar aos predadores, sejam eles gatos ou gaviões. Quem sabe se um destes dias também não repara nalgum pormenor da vida selvagem do seu jardim que tenha passado até hoje sem registo? Se assim for, dê-nos nota disso! Texto: JG Bibliografia: Garden birds confidential, Dominic Couzens, 2010.
His Excellency, the Great Tit One of the birds that quickly adapts to garden feeders is the Great Tit; a true acrobat that also easily adapts to a nest box in order to defend its offspring. Despite being a well-known species of broad distribution, the Great Tit serves as an example with regard to updates that emerge from its secret life as its behavior pattern is researched. Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 19
20 QUINTEIRO
Podridão agárica (Armillaria (Fr.:Fr.) Staude)
O solo é um sistema biológico em equilíbrio dinâmico: a intervenção humana, quer através da aplicação de adubos, corretivos e pesticidas, quer pelas operações culturais, altera este sistema A ausência de rotações culturais, a rega excessiva e as adubações desequilibradas constituem fatores favoráveis ao desenvolvimento de doenças genericamente designadas por “podridões” radiculares. As “podridões” radiculares constituem um dos problemas mais graves da fitossanidade, comum a plantas lenhosas e herbáceas. A “podridão agárica” é a mais comum destas doenças na Europa, manifestando-se pela destruição do sistema radicular devido à ação de enzimas que degradam a celulose e por vezes a lenhina. O fungo Armillaria (Fr.:Fr.) Staude, responsável pela “podridão agárica”, é um género da classe Basidiomicotina, ordem Agaricales, família Tricholomataceae. Bragança (1999) identificou as espécies A. mellea, A. gallica e A. tabescens numa coleção portuguesa de 21 isolados obtidos de diferentes hospedeiros (espécies florestais, fruteiras, vinha e ornamentais). Este fungo tem uma distribuição geográfica generalizada, e centenas de hospedeiros, entre espécies florestais, ornamentais, fruteiras, vinha, e plantas como a batateira e o morangueiro. Em Portugal continental o fungo encontra condições particularmente favoráveis para o seu desenvolvimento na região Norte e Centro (litoral), na vinha, em fruteiras e diversas plantas ornamentais. Nos Açores as infeções na espécie florestal Criptomeria japonica (L f)D. 20 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
Don, doença localmente designada “brocado do cerne”, assumem alguma gravidade. A armilária (nome vulgar dado ao género) poderá desenvolver-se sobre madeira morta, atuando apenas como saprobionte, ou ter caráter parasítico.
Sintomas Os sintomas na parte aérea das plantas são semelhantes aos provocados por outros fungos radiculares, pelo que o diagnóstico deverá ser confirmado por um fitopatologista. As plantas infetadas apresentam menor vigor vegetativo, folhas amareladas, desfoliação prematura e seca de ramos, acabando por morrer. Uma árvore infetada poderá secar subitamente, durante períodos de tempo seco e quente. Escavando a terra, observamos raízes mortas e apodrecidas. Nas raízes e zona do colo, entre a casca e o lenho, poderá observar-se o micélio do fungo (massa branca, nacarada, em forma de leque), que tem um odor característico. Por vezes, os rizomorfos (cordões de micélio revestidos por uma “capa” escura) também estão presentes. Estas estruturas podem-se confundir com raízes. Poderão observar-se tufos de “cogumelos” junto das plantas infetadas no outono. No campo, as plantas doentes formam uma mancha tipo “nódoa de azeite”. Também
Rizomorfos sobre raiz
se podem distribuir ao longo de uma linha, coincidindo com plantas infetadas que foram previamente arrancadas (por exemplo, uma ramada ou oliveiras). A idade da planta, o vigor vegetativo e as condições ambientais (nomeadamente a humidade do solo) têm influência na severidade da doença.
Biologia O fungo propaga-se através do contacto entre raízes infetadas e raízes sãs e pelos rizomorfos, estruturas que podem crescer cerca de 1,0 m por ano. A armilária pode infetar plantas localizadas a 30 m do ponto inicial de infeção. No outono podem aparecer tufos de cogumelos próximo das plantas infetadas. No entanto, estes não desempenham um papel relevante na disseminação da doença.
Meios de luta 1. Nos locais em que forem identificadas plantas infetadas, estas deverão ser
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Videira infetada com Armillaria spp. Aspeto do micélio em raiz
Carpóforos do fungo junto a videira infetada
Micélio na zona do colo de Actinidea
Raiz de videira infetada
Carlos Coutinho
arrancadas e queimadas, retirando os restos de raízes da terra. As covas deverão permanecer abertas durante o verão, de forma a permitir a incidência dos raios solares. Não replantar no mesmo local. 2. Em determinadas situações, poderá abrirse uma vala no terreno (cerca de 45 cm de profundidade), revestindo-a com um plástico resistente, o que constitui uma barreira física que irá impedir a progressão dos rizomorfos. Esta prática é usada principalmente em jardins. 3. Na preparação do terreno para instalação de um pomar ou vinha, devem efetuar-se mobilizações profundas para remoção de restos de raízes que possam existir no solo. 4. Corrigir situações de má drenagem no solo. Poderá haver necessidade de melhorar a drenagem em toda a área ou de forma localizada. A seleção de espécies tolerantes a solos com fraca drenagem deve ser tida em conta. 5. Efetuar regas equilibradas. A decisão de plantar árvores e arbustos em áreas de relvado deverá ser ponderada,
uma vez que os sistemas de rega programados para fornecer elevadas quantidades de água aos relvados regam em excesso as plantas lenhosas. 6. A bibliografia refere algumas espécies vegetais como menos susceptíveis a armilária, como Taxus (teixo), Juglans nigra (nogueira-americana) e Acer negundo (bordo negundo). Em contrapartida, Acer (exceto A. negundo), Aesculus, Betula (bétula), Buddleja, Ceanothus, Cedrus, Cotoneaster, x Cuprocyparis leylandii (cipreste-de-leyland), Fagus (faia), Hydrangea, Juglans (exceto J. nigra), Ilex (azevinho), Ligustrum (ligustro), Magnolia, Malus (macieira), Photinia, Prunus (exceto P. spinosus), Pyrus (pereira), Quercus (exceto Q. cerris, Q. ilex, e Q. rubra), Rhododendron, Ribes (groselheira), Rosa, Salix (salgueiro), Sorbus (exceto S. aria), Syringa (lilás) and Viburnum são muito suscetíveis.
Bibliografia Agrios, G. N. (2005) Plant Pathology. ELSEVIER Academic Press, USA Bragança, M. H. (1999) Análise Fenética em Armillaria – Pesquisa de marcadores fenotípicos e moleculares para diferenciação interespecífica. Tese de Mestrado, Universidade Técnica de Lisboa: Lisboa. 83 p. Chicau, G. & Inglez, M. (1998) Armillaria sp. responsável pela podridão radicular na videira. O Minho, a Terra e o Homem, Braga, 37: 41-44. Chicau, G. & Inglez, M. (2000) Estudo das Doenças do Lenho e do Sistema Radicular da Videira – Armillaria spp.. Relatório do Projecto INTERREG II 1/1/5/DGDR/97 D.R.A.E.D.M., Porto. 27 pp. Chicau, G., Figueiredo, F., Campos, P., Bacelar, S. & Inglez, M. (2004) Avaliação da incidência de Armillaria spp. em três concelhos da região de Entre Douro e Minho. In Actas do 4º Congresso da Sociedade Portuguesa de Fitopatologia, 4-6 de Fevereiro, Universidade do Algarve, Faro, pp. 165-170. RHS (2012) Honey fungus http://apps.rhs.org.uk/ advicesearch/Profile.aspx?pid=180 (12-06-2012). Sierra, Ana Pérez (2002) Growth and behaviour of
Por Gisela Chicau, Engenheira Agrónoma (DRAPN – Divisão de Protecção e Controlo Fitossanitário)
Armillaria in mulches http://www.rhs.org.uk/Science/ Plant-diseases/Projects/Growth-and-behaviour-ofArmillaria-mellea-in-mulch (12-06-2012).
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22 CONTRA-RELÓGIO
A diversidade da vida expande-se no vasto leque de habitats marinhos e costeiros: das pradarias submersas aos recifes de coral, dos mangais às lagoas costeiras, dos estuários aos habitats que se encontram a maior profundidade, das fontes hidrotermais aos canhões submarinos, há múltiplas formas de vida que se adaptam e se multiplicam numa paleta sem fim
Biodiversidade Setenta por cento do planeta Terra está coberto por oceanos. No universo da biosfera — o conjunto dos seres vivos e seus habitats —, os números da vida nos mares avançam e chegam aos 95%. Além de produzir inúmeros alimentos, e correndo hoje o risco de esgotar face à exploração insustentável de que são alvo, os oceanos configuram também um gigantesco reservatório natural de carbono. É assim porque armazenam aproximadamente 15 vezes mais dióxido de carbono que os ecossistemas emersos, pelo que se compreende que tenham um papel de relevo na mitigação das alterações do clima. Contam-se entre 500 mil e 10 milhões as espécies que os habitats profundos acolhem. Estes ecossistemas de profundidade desempenham funções cruciais na vida do planeta Terra tendo em conta o papel vital em curso quer no ciclo do carbono quer nos ciclos biogeoquímicos globais, nomeadamente na regeneração de nutrientes. Apesar de nos parecer inesgotável, esta
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imensa riqueza não o é. A sociedade atual baseia-se em atividades de origem humana que ameaçam o litoral e o mar. São exemplo disso os recursos pesqueiros sobreexplorados e as práticas de pesca destrutiva, bem como a contaminação e eliminação de resíduos, a escorrência de agro-químicos dos campos de cultivo ou o efeito da libertação de espécies exóticas em ecossistemas nativos, com a destruição de habitats. A alteração do clima que percorre todo o Globo transporta consigo pressões adicionais. São exemplo disso a tendência de subida do nível do mar, o aumento de temperatura das suas águas e o aumento de probabilidade de ocorrência de catástrofes naturais com todos os dramas que estas acarretam. O aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera leva à acidificação da água do mar. Ninguém sabe com rigor que repercussão pode ter, mas não se auspicia nada de bom. Para perceber isso, basta
João L. Teixeira
marinha e costeira
pensar em invertebrados como as ostras, cujas conchas são constituídas de cálcio que reage a soluções ácidas dissolvendo-se. Não são só os bivalves como as ostras que estão em cheque: acontece o mesmo também aos crustáceos, aos corais e a muitas outras espécies que desempenham funções essenciais em ecossistemas dos mais variados. Junta-se a isto um facto peculiar: apenas 1%
Marine and Coastal Biodiversity The Oceans cover 70% of our planet and represent over 95% of the biosphere. Marine and coastal habitats cover a diverse spectrum - from those near a terrestrial environment, such as coral reefs, sea grass beds and estuaries, to those deep below the surface, such as open ocean, seamounts and soft sediments on the ocean floor. This tremendous wealth of biodiversity and ecosystem services is not, however, infinite.
Factos & números • Cerca de 80% das populações de peixe sobre as quais há informação disponível estão sobreexploradas e requerem uma gestão eficiente. • Os recursos genéticos marinhos oceânicos e costeiros são do maior interesse no que toca a fins comerciais. • As pressões sobre a diversidade biológica costeira e marinha tendem a aumentar, já que metade da população mundial estará em 2015 a viver em cidades próximas do litoral, o que exercerá perante os recursos costeiros uma tensão enorme. • Desde 1800 que os oceanos absorvem entre um quarto a um terço de dióxido do carbono emitido para a atmosfera a partir de atividades humanas como as que derivam do uso de combustíveis fósseis e da desflorestação.
de toda a superfície dos oceanos beneficia de estatuto de proteção, enquanto a superfície emersa da Terra soma 15% de áreas protegidas. Os países signatários da Convenção sobre a Diversidade Biológica desenham no seu desenvolvimento várias metas no sentido da conservação e usufruto sustentável da biodiversidade costeira e marinha. Fazendo presente nas decisões concretas
do desenvolvimento o ângulo da defesa dos ecossistemas naturais e dos serviços vitais que estes oferecem ao ser humano, numa vertente de precaução, torna-se viável a gestão otimizada de zonas de importância ecológica e biológica, bem como a gestão sustentável dos recursos marinhos. Fonte: www.cbd.int/marine
• A investigação científica atual demonstra que uma maior diversidade biológica pode potenciar o funcionamento e a eficiência dos ecossistemas marinhos de grande profundidade. A sustentabilidade da biosfera, onde vivemos, depende em grande medida dos bens e serviços oferecidos por estes mesmos ecossistemas. • As paisagens marinhas representam valores estéticos extraordinários. Desenhadas pela biodiversidade que as sustenta, havendo perdas, desaparecem. Além disso, hospedam uma biodiversidade colossal que se poderia escoar irreversivemente.
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24 DUNAS
LIFE Project adds 15 years On May 25th and 26th, the 20th anniversary of the LIFE Program and the 15th anniversary of the LIFE Project, “Dunes: Learn and Conserve”, were commemorated. Several Multidisciplinary Conferences took place on the first day. The next day there was a field trip that began in the morning at the Local Nature Reserve of the Douro Estuary and ended in the evening at the Dunes Nature Reserve of S. Jacinto.
ec e Helena Granja
S. Jacinto: Favenn tural das Dunas de
Reserva Na
Carlos Neto, botânico, discorreu sobre ecossistemas dunares
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ções dunares
explicam as forma
Parque de Dunas da Aguda: projeto LIFE soma 15 anos
Coyncia johnstonii
Em 25 e 26 de maio comemorou-se o 20.º aniversário do Programa Comunitário LIFE e os 15 anos do projeto LIFE “Dunas: conhecer e conservar”
A
Formiga-leão, inseto adulto
Parque de Dunas da Aguda
lgo voou ali perto, em plena duna pejada de diferentes espécies de plantas. Uma libélula? Não, essas não voam assim! Ah! Afinal é uma formiga-leão, na forma de inseto adulto. Não é essa fasquia de biodiversidade que atrai ali o grupo que acompanha Jean Favennec, técnico do Office National des Forêts, organismo estatal da França, profundo conhecedor dos ecossistemas dunares, e Helena Granja, professora da Faculdade de Ciências da Universidade do Minho, mas o bicho não deixa de ser um indicador da vida nas dunas. No dia anterior, 25 de maio, quando discursava sobre a gestão das dunas litorais da costa atlântica europeia no Parque Biológico de Gaia, Favennec referiu a importância dos restos orgânicos vindos com as ondas para o desenvolvimento da vegetação dunar. Agora, sob o sol, demonstra uma energia contagiante. Confidencia: «Dunas fixas é uma designação perigosa. Se houver mobilidade do mar já não são fixas, logo haverá interesses no sentido de construir». A Diretiva Habitats, lei da Comunidade Europeia que vincula Portugal, designa-as assim, compreensivelmente em função do curto prazo dado pela vegetação característica cujas raízes proporcionam a aparência estável das dunas. Favennec adianta-se e vai fotografando plantas. Algumas conhece do seu trabalho com as dunas francesas, outras nem por isso. É essa razão que o leva a ajoelhar-se enquanto no Parque de Dunas da Aguda fotografa a falsa-mostarda-das-dunas, Coyncia johnstonii, em flor. Esta planta só existe em todo o mundo nalguns espaços dunares entre a barrinha de Esmoriz e Angeiras, próximo de Matosinhos. Outro endemismo é o botão-azul-das-dunas, Jasione lusitanica1. Antes deste dia no litoral, quando os visitantes fizeram o percurso “Dunas, conhecer e conser-
var”, entre a Reserva Natural Local do Estuário do Douro e a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, houve uma tarde recheada de conferências ministradas por investigadores da especialidade. A primeira apresentação ouviu-se pela voz de Carlos Neto, professor da Universidade de Lisboa, que discorreu sobre os ecossistemas dunares do litoral português, com distintas influências mediterrânicas e atlânticas. Nuno Gomes Oliveira resumiu o aparecimento do Parque de Dunas da Aguda há 15 anos e da campanha que se lhe associou, intitulada Dunas: conhecer e conservar: «É o programa LIFE que dura há mais anos! Teve apoio durante três anos, mas ainda hoje continua a funcionar». Lembrou a «situação calamitosa em que se encontrava na altura o litoral e as ameaças que sobre ele pendiam», sublinhando que, na altura, «pouca gente fazia alguma ideia das funções desempenhadas pelas dunas», pelo que se tornava urgente «realizar esta ação de sensibilização». Isso passava «por conhecer as dunas para se perceber por que motivo faz sentido a sua conservação». Não sendo possível falar de todas as espécies endémicas destes habitats protegidos, por serem muitas, Henrique Alves, botânico, falou de algumas dezenas e tornou-se claro o quão o cidadão comum conhece ainda pouco o seu património natural e o quanto falta aos investigadores trabalhar para melhor o entender. Helena Granja focou diversos aspetos sobre erosão costeira em Portugal, seguindo-se-lhe Jean Favennec, que abriu o livro da sua enorme experiência profissional enquanto gestor de vastas áreas dunares em França. Estando em andamento outro projeto LIFE2, Ana Alves, engenheira zootécnica, falou sobre “Estratégias e técnicas demonstrativas para a erradicação de cágados invasores”. 1
Jasione maritima var. sabularia 2
09 NAT/ES/000529.
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26 DUNAS
Estuário do Douro integra Rede
A
pesar da chuva iminente o evento atraiu muita gente interessada. Nuno Gomes Oliveira, responsável pela criação desta reserva natural local, disse que esta «é um contributo significativo para os objetivos europeus de preservação da biodiversidade, mas é-o também para o desenvolvimento local, atraindo um grande número de visitantes». Foi pela sua voz, nessa ocasião, que se soube que o estuário do Douro foi recentemente integrado na Rede Nacional de Áreas
João L. Teixeira
O guia de campo da Reserva Natural Local do Estuário do Douro foi lançado na manhã de 7 de maio e «configura a fase final de instalação desta área protegida»
João L. Teixeira
O centro de interpretação da Reserva ficou apinhado no momento do lançamento do guia de campo
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Atrativo ecoturístico: apesar da pequena dimensão des
e Nacional de Áreas Protegidas Protegidas, o que, adiantou, «representa o reconhecimento de todo o trabalho levado a cabo desde a sua constituição, em 2007». O livro apresentado configura um guia de campo multidisciplinar que aborda aspetos da zoologia da Reserva sem descurar os habitats, a flora, a geologia e até a história local. Terá sido por isso que Rui Cardoso, vereador do Município de Vila Nova de Gaia, afirmou ser o «guia um complemento fundamental para o que já foi feito, e continuará a ser, neste sítio». Completa: «Recomendo-o vivamente pela
sua qualidade, quer a nível dos textos quer das fotografias». Resultado de uma equipa de autores em diversas áreas de conhecimento, o guia ajuda os visitantes a compreender e interpretar este espaço protegido. Na RNLED contam-se cerca de 70 espécies de plantas e 210 espécies de aves selvagens Com 62 hectares a Reserva Natural Local do Estuário do Douro goza de um estatuto de proteção específico que assegura a conservação da sua biodiversidade. A Reserva conta com dois observatórios e um
centro de interpretação unidos por passadiços sobreelevados. Nuno Oliveira agradeceu também à APDL e à Polícia Marítima: «Não há vandalismo. Conseguiu-se transformar para melhor um lugar que tinha todo o tipo de uso e abuso. Agora, está perfeitamente protegido». Nuno Oliveira referiu ainda a proximidade deste local da vila piscatória onde ainda este ano abrirá o Centro Interpretativo Natural e Cultural do Lugar da Afurada, centro museológico que fará a ligação da reserva natural à comunidade local.
sta Reserva Natural Local já se observaram 210 espécies de aves selvagens João L. Teixeira
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João L. Teixeira
28 DUNAS
4. Roaz-corvineiro, Tursiops truncatus, no rio Douro*
Flora e fauna
marinhas 5. Boto-comum, Phocoena phocoena
do litoral de Gaia
3. Golfinho-vulgar, Delphinus delphi
1. Cachalote-pigmeu, Kogia breviceps
2. Baleia-anã, Balaenoptera acutorostrata
6. Foca-de-crista, Phoca cristata
Mamíferos marinhos Os Cetáceos são mamíferos marinhos muito bem adaptados à vida no mar mas os seus antepassados andaram em terra firme. Dividem-se em dois grupos: os Odontocetos que apresentam dentes como o cachalote, os golfinhos e o cachalote-pigmeu (Kogia breviceps)1; e os Misticetos como a baleia-azul, a baleia-de-bossa e a baleia-anã (Balaenoptera acutorostrata)2. Estes possuem barbas ou lamelas córneas, que funcionam como um filtro para deixar passar a água e reter o alimento, o macrozooplâncton como o «Krill». A baleia-azul é o maior animal do mundo, podendo atingir 35 m e pesar 170 toneladas. As baleias fazem grandes migrações e, apesar dos seus tamanhos enormes, nadam na água com extrema facilidade e vêm à superfície para respirar. Os Cetáceos mais pequenos, os golfinhos, são conhecidos pela sua inteligência e por procurarem a companhia do Homem. Têm uma fantástica memória e enorme capacidade de adaptação. Muitos Cetáceos são ainda caçados pelo Homem e ameaçados pela poluição, correndo risco de extinção. Não é raro encontrar animais mortos arrojados na praia, sendo mais frequentes as três espécies seguintes:
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O golfinho-vulgar ou toninha (Delphinus delphi) tem uma mancha castanho-amarelada característica em ambos os flancos e uma mancha dorsal cinzenta, preta ou acastanhada, em forma de V, sob a barbatana dorsal 3. Chega aos 240 cm de comprimento. É um nadador rápido que faz acrobacias quando salta fora de água. Pode formar grandes grupos e costuma acompanhar os barcos, nadando junto à proa. Está amplamente distribuído pelos oceanos e continua a ser um dos cetáceos mais abundantes. O roaz-corvineiro (Tursiops truncatus) tem um corpo forte em forma de torpedo, de cor cinzenta-clara com uma mancha escura na zona superior do dorso 4. O bico da cabeça é curto e exibe um sulco que se prolonga pela zona frontal da testa arredondada. Chega aos 390 cm de comprimento. É um nadador muito activo perto da superfície e captura peixes formando pequenos grupos. O boto-comum (Phocoena phocoena) é mais difícil de observar embora seja frequente na costa norte de Portugal 5. O corpo pequeno e robusto é cinzento-escuro no dorso e transita para o ventre claro através de manchas. Chega aos 190 cm de comprimento. Não se interessa por barcos, nada sozinho ou em pequenos grupos e raramente faz acrobacias. Gosta de águas frias e entra nos estuários, podendo
subir os rios. Durante o verão na costa e no inverno ao largo, pode fazer migrações sazonais, relacionadas com a alimentação. Além dos Cetáceos podem aparecer, embora raramente, animais da família dos Focídeos, as focas, que estão muito bem adaptadas à vida marinha. O corpo hidrodinâmico é semelhante a um torpedo e pode ultrapassar os 2 m de comprimento e 100 kg de peso. Não possuem orelhas, o que as distingue dos leõesmarinhos. Devido aos membros posteriores e anteriores em forma de barbatanas, são excelentes nadadoras, alimentando-se de peixes e cefalópodes. Vivem em latitudes mais altas, onde se reproduzem em colónias. Um acontecimento raro ocorreu na década de 90, quando uma foca-de-crista (Phoca cristata) nasceu numa das praias de São Félix da Marinha em Vila Nova de Gaia 6. Devido às circunstâncias extremas e à falta de assistência adequada, mãe e filho acabaram por morrer, mais tarde. Por Mike Weber e José Pedro Oliveira * Foto: João L. Teixeira ELA - Estação Litoral da Aguda Rua Alfredo Dias, Praia da Aguda, 4410-475 Arcozelo • Vila Nova de Gaia Tel.: 227 536 360 / Fax: 227 535 155 ela.aguda@mail.telepac.pt www.fundacao-ela.pt
João L. Teixeira
ESPAÇOS VERDES 29
Parque da Lavandeira Agora que o calor se faz presente, o Parque da Lavandeira disponibiliza aos seus visitantes várias vertentes de lazer, com muitas sombras proporcionadas pelo seu arvoredo Os percursos pedestres, onde encontra zonas para merendar e jardins temáticos, são exemplo disso mesmo. Com cerca de 11 hectares, abriu ao público em agosto de 2005, e localiza-se muito perto
do centro de Gaia. Resultado da aquisição, pelo Município, da antiga Quinta da Lavandeira, tem por missão oferecer a quem ali vai recreio e lazer. No Parque há também uma cafetaria e, de
acordo com a sua agenda de iniciativas, organizam-se feiras de artesanato, venda de legumes, atividades de yoga, entre outras iniciativas. O Parque da Lavandeira fica em Oliveira do Douro.
Agenda As mulheres do campo vêm à vila Aos sábados de manhã, venda de legumes sem pesticidas. Yoga A orientação é da responsabilidade da Dr.ª Luísa Bernardo, que proporciona a atividade em regime de voluntariado. feiras às
Quartas e sextas9h45.
Feiras de Artesanato Domingo, dia 1 de julho. Domingo, dia 5 de agosto Domingo, dia 2 de setembro. Feira do Livro Com Artes e Letras, nos fins-de-semana de julho. Feiras de Artesanato
Tai Chi Às segundas-feiras, aulas às 9h30 e às quintas-feiras às 10h30.
ao domingo
1 de julho; domingo, 5 de agosto; domingo, 2 de setembro.
Ateliers de educação ambiental Monitorizados por técnicos do Parque Biológico – Julho: sábado, dia 7, às 11h00, A formiga rabiga; dia 22, 11h00, Fotografia de natureza; dia 28, 11h00 e 15h00, Origamis. Agosto: dia 5, 11h00, Yoga no jardim; dia 12, 11h00 e 15h00, Sequestro do carbono; dia 25, 15h00, Jogos tradicionais; dia 26, 11h00, Fotografia de natureza. Setembro: dia 1, 11h00 e 15h00, A
Terra conVida; dia 2, 11h00, Yoga 22, 11h00 e 15h00, Ninhos e comedouros; dia 23, 15h00, O Sol e o equinócio. no jardim; dia
Participação e entrada grátis. Pode seguir o Parque da Lavandeira Facebook, no site www. parquebiologico.pt (botão Parque da Lavandeira), e-mail lavandeira@ parquebiologico.pt ou telefonar para 227 878 138. no
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30 ESPAÇOS VERDES
A segunda edição dos Encontros do Castelo teve lugar sábado, 30 de junho, no Clube Náutico de Crestuma e versou sobre os trabalhos arqueológicos desenvolvidos desde há um par de anos no Parque Botânico do Castelo João L. Teixeira
Parque Botânico do Castelo ouro, mas sim ao valor histórico de diversos achados, confirmando-se que «o topo do castelo terá sido ocupado pelo menos em finais do Império Romano, séculos IV-V, e na Alta Idade Média, séculos X-XI». Com início às 16h00, os Encontros do Castelo juntaram em 30 de junho diversos investigadores no fito de divulgarem os resultados, enquadrarem este trabalho científico e explicarem até algumas técnicas de pesquisa. Mercês Ferreira, vereadora do Ambiente, salientou na abertura do certame a importância destes trabalhos para a valorização do Município gaiense, quer pelo melhor conhecimento dos recursos patrimoniais e culturais do concelho quer
como atrativo turístico da região. Para além do enquadramento arqueológico, Nuno Gomes Oliveira discursou sobre os parques de Gaia, acentuando a vertente cultural. Os resultados das escavações arqueológicas do ano passado foram expostos por coordenadores do projeto de investigação, seguindo-se o tema “Arqueologia em Crestuma, modelação tridimensional”, por P. Lima. Da Universidade de Aveiro, Fernando Almeida e Miguel Vaz explicaram a técnica de “Reconhecimento geofísico por GPR”, um método não destrutivo, que permite otimizar o esforço de levantamento de vestígios arqueológicos através de sondagem por meios eletromagnéticos.
J.G.
Quando visitar um destes dias o Parque Botânico do Castelo irá encontrar aqui e ali vedações: o facto justifica-se para evitar que os visitantes sofram acidentes ou danifiquem vestígios arqueológicos. Uma nova campanha estará em curso entre 23 de julho e 3 de agosto, regressando entre 13 e 24 de agosto. Não serão poucos os estudantes a colaborar nos trabalhos entre as 8h30 e as 13h00. Esta será a terceira campanha anual de escavações arqueológicas no castelo de Crestuma, sítio arqueológico centrado precisamente neste parque botânico e assim classificado no Plano Diretor Municipal. O local tem-se revelado rico em vestígios. Não será o caso de associar esta palavra a
Mercês Ferreira, vereadora do Ambiente do Município gaiense, salientou na abertura do certame a importância destes trabalhos
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Miguel Vaz ajudou a explicar o reconhecimento geofísico por GPR
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«Neste guia», disse Menezes, «mostra-se o que foi feito ao longo da última década ao nível da sustentabilidade ambiental global» João L. Teixeira
Guia Verde de Gaia No Dia Mundial do Ambiente, 5 de junho, foi lançado o Guia Verde municipal no Parque Biológico de Gaia «Ser-nos-ia possível comemorar todos os dias o Dia Mundial do Ambiente», afirmou Luís Filipe Menezes, presidente do Município, destacando a seguir outros índices positivos do investimento de vários anos na área ambiental. O Guia Verde lançado nesse dia aborda o território do concelho gaiense em espaços verdes públicos, de conservação da natureza, equipamentos e serviços de educação ambiental, terminando com a enumeração dos vários serviços ambientais. «Neste guia», disse o autarca, «mostra-se numa perspetiva ampla tudo o que foi feito ao longo da última década ao nível da sustentabilidade ambiental global». Adiantou ainda que «em Gaia mais de 900 pessoas trabalharam em permanência para assegurarem estas funções e foram investidos 370 milhões de euros, número que surpreende». A comemoração do dia mundial alargou-se à parte da tarde, altura em que decorreu um seminário subordinado ao tema «Os recursos hídricos em ano de seca», ao ritmo da economia verde. Moderado pelo jornalista Luís Henrique Pereira, da RTP, o certame teve como oradores Jorge Espinha Marques, Ana Monteiro Sousa, Paulo Santos e João Honrado, todos eles professores da Universidade do Porto.
Seminário «Os recursos hídricos em ano de seca» João L. Teixeira
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Oficinas de Verão Com o calor chegam as Oficinas de Verão dedicadas a crianças e jovens
João L. Teixeira
Espaços lúdicos e educativos criados para os seus filhos, as oficinas deste verão trazem atividades que vão animar quem nelas participar. As Oficinas de Verão abrangem crianças e jovens dos seis aos 14 anos de idade. Os dias que lhes são dedicados vão de 16 a 20, seguindo de 30 de julho a 3 de agosto. Encontra mais informações indo a www.parquebiologico.pt, clicando em Atividades e depois em Campos e Oficinas.
Agenda Especial Férias
De 16 de julho a 9 de setembro, todos os dias úteis pelas 15h00 há uma atividade diferente no Parque Biológico de Gaia, incluída no preço de entrada e sem necessidade de marcação. Anilhagem científica de aves selvagens
Nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, das 10h00 às 12h00, os visitantes do Parque podem assistir de passagem pelo percurso de descoberta da natureza (Quinta do Chasco) a estas atividades, se não chover. Campo de Verão
Este espaço lúdico e educativo criado para os seus filhos este estio traz atividades que
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A curto prazo o Parque Biológico de Gaia propõe-lhe es fazem o gosto da pequenada. Destina-se a idades entre os seis e os 14 anos. O campo decorre de 4 a 11 de agosto. Encontra mais informações indo a www. parquebiologico.pt, clicando em Atividades e depois em Campos e Oficinas. Concurso de nacional de fotografia da natureza “Parques e Vida Selvagem” até 30 de setembro
Na sua 10.ª edição, este ano pode concorrer no máximo com 6 fotografias, impressas em papel fotográfico em formato 20 x 30 cm. A fotografia da natureza valoriza e dá a aconhecer o património natural. A ficha de inscrição está em wwww. parquebiologico.pt, indo a Atividades/ Fotografia da natureza.
Exposição do coletiva de Fotografia da Natureza “Um olhar de inseto”
Na Década da Biodiversidade (até 2020) lançada pelas Nações Unidas há muito que aprender nesta exposição de Luís Bravo Pereira. As cores com que um inseto vê as plantas não são as mesmas que nós próprios contemplamos. Pode ser visitada no horário de abertura do Parque Biológico de Gaia. Simpósio Internacional sobre Tardígrados Parque Biológico de Gaia, de 23 a 26 de julho
Investigadores de todo o mundo encontramse no auditório do Parque para realizarem o seu 12.º Simpósio Internacional sobre Tardígrados. A biologia, a taxonomia, a biogeografia destes seres, entre outros itens, serão abordadas
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Que será isto?
E
stas iniciativas... pelos conferencistas à luz das mais recentes pesquisas. Os tardígrados são pequenos animais segmentados, relacionados com os artrópodes. Receba notícias por e-mail
Para os leitores saberem das suas iniciativas a curto prazo, o Parque Biológico sugere uma visita semanal a www.parquebiologico.pt. A alternativa será receber os destaques, sempre que oportunos, por e-mail. Para isso, peça-os a newsletter@parquebiologico.pt Mais informações
Gabinete de Atendimento atendimento@parquebiologico.pt Telefone direto: 227 878 138 4430-681 Avintes - Portugal www.parquebiologico.pt
Tomás Martins
m 24 de abril a revista PARQUES E VIDA SELVAGEM de primavera foi distribuída com o «Jornal de Notícias». Na tarde desse mesmo dia, Daniel Ferreira foi o primeiro leitor a participar: «Caros senhores, estou certo que já muitos leitores da revista responderam acertadamente ao passatempo. No entanto, como gosto de participar aqui vão as minhas respostas: o primeiro ser vivo é um anfibio e é uma rãarborícola-europeia, conhecida em Portugal por rela. O segundo ser vivo é uma borboleta diurna». Foi o primeiro a acertar numa das duas espécies propostas, logo teve direito a um dos prémios. Viemos a saber que mora em Rio Tinto e, na lista de obras publicadas pelo Parque Biológico de Gaia, escolheu o livro “Áreas de importância natural da região do Porto”, que lhe foi entretanto enviado. Carlos Franquinho, da Marinha Grande, foi o segundo leitor mais rápido a acertar na espécie que faltava: «Tratando-se de dois grupos de animais que me fascinam, a identificação foi fácil. Resta-me esperar ter sido suficientemente rápido! Aqui vai: à esquerda uma rela-comum, Hyla arborea L. 1758; à direita uma borboleta cujo nome comum desconheço mas cuja espécie não
Clube de Ambiente e Jardinagem “O Girassol”
me suscita dúvidas, uma Vanessa cardui (L. 1758). Cumprimentos e parabéns pela vossa excelente revista!». Nesta nova edição, quem sabe se não chega a sua vez de alcançar algum prémio? Para esta edição de verão, ficam estas duas fotografias de flora e fauna. É capaz de identificar estes seres vivos? Se for, não deixe de nos dizer! As fotografias publicadas são sempre de vida selvagem que já foi observada na região. As respostas mais rápidas recebem como prémio um dos livros editados pelo Parque Biológico de Gaia. Deve ser indicado um dos nomes vulgares reconhecidos ou, melhor ainda, o género ou o nome científico. Se acertar numa só de ambas as espécies, a sua resposta é igualmente considerada na lista das mais rápidas. Envie-nos o seu e-mail para revista@ parquebiologico.pt ou carta para Parque Biológico de Gaia - Revista “Parques e Vida Selvagem” - 4430-681 Avintes! O prazo para as respostas termina em 25 de julho de 2012. Os leitores já premiados em edições anteriores só o serão se não houver outra resposta certa (este item só é válido durante um ano a partir da atribuição do prémio). Então, já sabe o nome de alguma destas duas espécies?
Florestas: Encontro Internacional Decorreu no Parque Biológico de Gaia entre 27 e 30 de abril a reunião do Forest Movement of Europe (FME), um encontro internacional das Organizações Não Governamentais sobre a temática das florestas organizado pelo FERN, e que ocorreu este ano em Portugal, em parceria com a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. Neste encontro anual estiveram presentes 55 elementos de 29 ONG internacionais, entre as quais a WWF, a Greenpeace, a Global Witness e a Rainforest Foundation UK, que ao longo de vários dias discutiram as problemáticas da floresta e as estratégias sobre o setor. Os temas abordados tocaram temas como a desflorestação, a conversão do solo para monoculturas diversas, os biocombustíveis, as alterações climáticas, os serviços dos ecossistemas ou a regulamentação sobre o comércio de madeiras.
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Novidades de flora
Hepática-escamosa Porella obtusata (Hedw.) Sm. De uma forma geral, os musgos não são muito procurados por pequenos animais como fonte de alimento. No caso desta espécie, foi mesmo demonstrado que possui substâncias para evitar ser comida por lesmas e insetos. Por esta razão, está a ser testado um produto, um pesticida natural, que contém vários extratos de plantas, nomeadamente desta espécie. Afinal, até uma hepática pouco apetecível pode revelar-se útil. É uma espécie que se vê bem a olho nu, pela dimensão robusta e forma de crescimento em tapete. Para além disso, esta hepática folhosa destaca-se pela semelhança dos filídeos (pequenas folhas) a escamas, daí o nome comum (hepática-escamosa). Os tufos rígidos, brilhantes, de cor verde-escura ou mesmo castanha podem atingir até 8 cm e são bastante ramificados. Os filídeos são bilobados e têm tamanho desigual, em que o lobo dorsal é nitidamente maior que o ventral. Os lobos dorsais são ovado-arredondados, inteiros e recurvados para baixo na extremidade; os filídeos ventrais são inteiros e têm bordos enrolados. Possui ainda uma
fiada de filídeos ventrais, os anfigastros, lingulados (em forma de língua) e de bordos enrolados e inteiros. Em comparação com outras espécies do género, é a espécie que apresenta os filídeos mais largos. O nome obtusata deve-se ao facto de os lobos dorsais serem largamente obtusos, para além de serem de tamanho aproximado aos anfigastros. Porella é diminutivo de porus (poro) e refere-se à abertura do perianto (estrutura tubular, cuja função está associada à proteção da estrutura produtora de esporos, o esporófito) em forma de poro. É umas das hepáticas folhosas que melhor tolera a falta intermitente de água. Estende-se por toda a Europa, sendo bastante comum na área mediterrânica. É muito vulgar e abundante no Norte do país, sendo a espécie dominante do género Porella. Coloniza normalmente muros, rochedos e também troncos. No Parque Biológico pode ser encontrada em muros com algum ensombramento. Texto: Helena Hespanhol e Cristiana Vieira (CIBIO-UP)
Novidades de fauna
Papa-ratos Durante meia dúzia de dias, por altura do fim-de-semana de 12 de maio, um papa-ratos, Ardeola ralloides, resolveu descansar alguns dias no Parque Biológico de Gaia. Trata-se de uma garça que, em Portugal, já terá tido melhores dias, uma vez que «a redução das observações efetuadas durante a época de reprodução, bem como a não confirmação da sua nidificação nos últimos anos, indiciam um declínio acentuado da população nidificante». Esta poderá ser uma das espécies mais procuradas pelos binóculos de um observador, quer pela raridade quer pela dificuldade de encontrar esta ave tão mimética no seu ambiente natural. No que toca a nascimentos, em maio, um dos mais significativos foi o de um corço. Com alguma sorte, consegue ver-se este herbívoro juvenil a acompanhar os pais no respetivo cercado. O casal de milhafres selvagens que adotou o Parque Biológico de Gaia, e que já tínhamos referido na edição anterior, continua ancorado neste espaço de educação ambiental, sendo fácil vê-los a sobrevoar o Parque.
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João L. Teixeira
Sónia Ferreira CIBIO-UP
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João L. Teixeira
Observatório Astronómico O Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia é ponto de encontro entre astrónomos amadores e astrónomos do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. As iniciativas abertas à população da região são bem recebidas, mas nas Noites dos Pirilampos, que decorreram no mês passado, a procura destas atividades aumentou significativamente.
Nas outras noites estivais que preenchem esta época há uma série de iniciativas em andamento. Para ter delas conhecimento o melhor é ir consultando o site www.parquebiologico. pt, clicando no botão Venha daí e depois entrando em Astronomia. Se estiver no facebook, procure: http://pt-br.facebook.com /observatorioastronomicopbg.
Corso juvenil
Hugo Oliveira
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Rã-de-unhas-africana
Ovos de borrelho entregues no Centro de Recuperação João L. Teixeira
Rã-de-unhas-africana ameaça biodiversidade Foram entregues ao cuidado do Centro de Recuperação do Parque Biológico de Gaia três exemplares de uma espécie peculiar de anfíbio… Trata-se da rã-de-unhas-africana, Xenopus laevis, um anfíbio anuro, nativo da África subsariana. O nome científico remete para algumas das suas particularidades anatómicas como é o caso das suas peculiares patas posteriores a que se refere o termo latino Xenopus e que se podem descrever como enormes, com cinco dedos (três deles com garras), com membranas interdigitais e que são características do grupo. Tem a cabeça e corpo achatados e com uma estrutura hidrodinâmica. Não possuem língua, alimentando-se de ovos, larvas e adultos de outros anfíbios, lagostins, peixes de água doce, vermes e moluscos. Em cativeiro a sua longevidade está estimada em 15 anos. Esta espécie atinge a maturidade sexual entre os 10 meses e o ano de idade, sendo nesta altura fácil determinar o sexo. Os machos são mais pequenos que as fêmeas, vocalizam bastante e a zona plantar das mãos e antebraços adquire uma coloração escura.
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O acasalamento ocorre essencialmente durante a primavera e à noite. É uma espécie quase estritamente aquática que ocorre numa grande variedade de habitats incluindo aqueles amplamente modificados pela atividade humana. Tende no entanto a evitar grandes rios e massas de água com peixes predadores. Atingem grandes densidades em águas eutrofizadas. Estas rãs foram muito usadas entre os anos 30 a 50 como animais de laboratório (o primeiro vertebrado clonado) para testes de diagnóstico de gravidez (em humanos). As populações introduzidas (fora dos locais de origem) em países como Estados Unidos da América, Chile, Itália, França e Portugal são o resultado da libertação (inadequada) ou fuga de alguns indivíduos dos laboratórios, assim como do comércio internacional de animais de estimação. Em Portugal (2006) foi encontrada na ribeira da Lage (Oeiras) e mais tarde na ribeira de Barcarena. A sua manutenção em cativeiro é agora proibida em muitos estados dos
EUA devido ao seu elevado potencial reprodutivo, hábitos oportunistas e grande plasticidade (podendo facilmente dizimar espécies autóctones), sendo considerada uma espécie invasora. Alguns estudos demonstram que a rãde-unhas-africana é portadora de um fungo que muito tem dado que falar: Batrachochytrium dendrobatidis. Este provoca uma doença fatal nos anfíbios (excepto para a própria X. laevis e outras espécies africanas): a quitridiomicose, a qual, associada a outros fatores de perturbação humana, tem sido implicada no acentuado declínio das populações mundiais de anfíbios e mesmo na extinção de algumas espécies deste grupo. Caso possua algum exemplar destes animais em casa não o liberte. Mesmo a eliminação da água dos aquários onde são alojadas deverá sofrer um tratamento prévio. Texto: Vanessa Soeiro, médica-veterinária
BATER DE ASA 37
As crias de borrelho-de-coleira-interrompida eclodiram com êxito direitos reservados
João L. Teixeira
Praias e ninhos
Borrelhos
Nem sempre a forma como olhamos a natureza, decerto com exagerada visão humanizada, é suficientemente realista. Exemplo disso são os ninhos de borrelho que se dispersam pelas areias das praias e das dunas. Se os vir, o melhor que pode fazer é afastar-se sem lhes mexer. Esta regra é consensual entre ornitólogos, e é validada pela investigação. Esta história não estaria aqui se fosse isso que tivesse acontecido, o que não seria de lamentar, mas a preocupação de um casal que passeava numa praia de Viana do Castelo, animado das melhores intenções, fez com que três ovos destas aves do litoral chegassem ao Centro de Recuperação de Fauna Selvagem do Parque Biológico de Gaia. Dizem assim na primeira pessoa Nadir e Pedro, relembrando um passeio em maio: «O sol que espreita entre as nuvens e a temperatura amena com tendência para subir convidam a um passeio matinal pela praia do Cabedelo, em Viana do Castelo. Já no acesso ao areal, numa zona muito frequentada, deparamos com um borrelho com um comportamento estranho: gesticulava com as asas, enchia o peito de ar e mexia-se com rapidez. Qual não foi o nosso espanto quando nos apercebemos que o objetivo da pequena ave era afastar-nos do local em que nos encontrávamos, visto que estávamos quase a pisar um “ninho” (um montinho de areia)
Ocorrem em Portugal três espécies de borrelho. A que nos faz escrever estas linhas é o borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus), uma ave limícola, que tal como o nome indica, para além de ter uma coloração mimética apresenta uma coleira preta. Ao contrário dos outros borrelhos, neste caso a coleira não está unida à frente, mas sim interrompida. No nosso país a população é maioritariamente residente, invernando por toda a costa litoral. Não estando ameaçado, a tendência populacional é de declínio devido a inúmeras ameaças relacionadas com a perturbação nos locais de nidificação por ação direta ou indireta do Homem (pressão turística, predação, poluição etc.). O borrelho-de-coleira-interrompida nidifica em zonas costeiras arenosas (onde se alimenta de crustáceos, moluscos e poliquetas) e algumas zonas húmidas do interior (onde a base da sua dieta são os insetos). O ninho é feito próximo da água, numa pequena depressão escavada no solo, a descoberto ou entre vegetação baixa. As posturas de 2 a 4 ovos, ocorrem entre abril e maio e a incubação prolonga-se por 26 dias. As crias são nidífugas, abandonando o ninho horas após o nascimento, e precoces, tornando-se independentes ao fim de um mês. Quando o ninho ou as crias correm perigo, os progenitores procuram atrair para si a atenção do predador correndo enquanto arrastam uma asa (fingindo-se feridos).
com três ovos. Ficámos preocupados visto que, naquele sítio, o mais provável era que alguém acabasse por pisar os ovinhos. Por isso, a primeira reação foi telefonar para a delegação da Quercus em Viana do Castelo. Fomos atendidos, mesmo sendo um sábado pela manhã. Identificou-se a espécie: borrelhode-coleira-interrompida. Analisamos melhor a situação: naquela zona era provável que o ninho acabasse destruído, pelo que, mesmo esperando que a mãe voltasse, a probabilidade de nascerem seria bastante reduzida. Qual era a melhor opção então? Recolher os três ovinhos e entregá-los numa instituição que tivesse reunidas as condições para que os ovos eclodissem. Assim sendo, entramos em contacto com o Parque Biológico de Gaia. Assim, recolhemos os três ovos com areia, colocámos numa pequena lata (para ser mais fácil de aquecer) e levámo-los, com todo o cuidado, até Gaia, onde chegámos por volta das 4 da tarde e onde os três ovos foram recebidos com muito carinho... Hoje, dia 12 de junho, recebemos a maravilhosa notícia de que dos três ovinhos nasceram três borrelhos! Situações como esta fazem crescer em nós uma certeza: com o pequeno contributo de todos, é mesmo possível salvar o planeta e inverter a destruição ambiental a que temos vindo a assistir nas últimas décadas».
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Anilhagem científica
Ricardo Vieira
Nacho e Lurdes
As sessões de anilhagem científica de aves selvagens estão quase a completar seis anos de atividade contínua, o que ocorrerá no próximo mês de setembro. Entretanto, de vez em quando há visitantes de outras nacionalidades que dão uma perninha ou vêm observar o trabalho na estação de esforço constante em serviço no Parque Biológico de Gaia. Juliana Paes é de Sorocaba, no estado de São Paulo, no Brasil. Esta estudante de biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, aluna bolsista do programa Ciência sem Fronteiras promovido pelo Governo do país irmão, explica que ficou a saber do grupo de anilhadores «através de um colega que estuda na mesma universidade em que estou estudando atualmente». Adianta que resolveu assistir às sessões de anilhagem «pelo meu interesse em trabalhos de campo, e também já ter trabalhado com aves durante a minha graduação no Brasil em um estágio com uma empresa que faz projetos de levantamentos de fauna e flora para estudos de impacto ambiental». Afinal, não foi mais do que retomar «a minha experiência no Brasil», que «foi pouca mas o suficiente para despertar
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o interesse em vir a trabalhar com aves onde atualmente estou a estudar e principalmente poder conhecer a fauna do local». Juliana está um pouco ensonada, o que não admira pois a instalação do equipmento de serviço é feita uma hora antes do nascer do sol, que nesta época do ano até dói quando começa a alumiar esta parte da Terra: seis da matina! Nesta manhã de 2 de junho já se anilharam chapins, ferreirinhas, piscos, toutinegras, carriças, verdilhões, pardais e melros. As crias estão a sair dos ninhos, conforme a veste distinta de um juvenil de pisco-de-peito-ruivo sugere. A área do curso que a atrai mais é a ecologia, «mas ainda não estou segura de que ramo da ecologia vou seguir». Juliana diz que esta participação «está sendo valiosa. Tenho a certeza que todos esses conhecimentos que estou adquirindo me ajudarão na minha escolha na área que eu for trabalhar no futuro». Embora saiba que «a diversidade de espécies é bem maior no Brasil, estou a conhecer melhor as aves migratórias de Portugal. Levando em conta o clima do Brasil temos aves que vivem e passam por todos os períodos de vida na América
Juliana Paes
do Sul. Em Portugal a quantidade de aves migradoras que mudam de continente acredito eu que seja bem maior. Isso é interessante para mim, pois não tive muito contato com esse tipo de comportamento das aves no meu país». Também Inácio e Lurdes Murillo, de Cuenca, de Espanha, assistiram à mesma sessão. Estes estudantes do país vizinho faziam estágio no parque sobre «gestão da natureza, o que inclui conservação da biodiversidade, monitorização do meio ambiente, com um espetro bastante alargado». Lurdes diz que «a anilhagem pode ter interesse na nossa área de trabalho, porque possibilita a recolha de dados da vida selvagem local». Inácio refere a importância de quem faz este trabalho saber como manusear as aves «para que não sofram danos». Se não chover, tendo em conta a exigência de bem-estar animal, nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, das 10h00 às 12h00, o grupo de anilhagem do Parque Biológico de Gaia está em ação, na quinta do Chasco, em pleno percurso de descoberta da natureza.
ESPAÇOS VERDES 39
O voo das aves Em 18 de agosto de 2008 foi aplicada na França a anilha SC94247 a um rouxinol, Luscinia megarhynchos, cuja idade foi anotada como estando em pleno gozo do seu primeiro ano de vida. Esta estação de anilhagem científica de aves selvagens funciona na região de Charente-Maritime, em Plaisance, e as mãos que anilharam a pequena ave foram de Philippe Delaporte. Passados 1142 dias, em 2 de outubro de 2011, na Veiga de S. Simão, em Viana do Castelo, António Cunha Pereira, anilhador credenciado, recapturou a mesma ave. Tomados os elementos necessários, voltou a libertála.
Rouxinol em sessão de anilhagem científica J.G.
Tordos e toutinegra-de-barrete Uma outra ave foi também capturada no seu primeiro ano de vida, mas na Bélgica, em OostVlaanderen, na região de Hamme-Sint-Anna. Isto passou-se em 13 de outubro de 2009, com um tordo-comum, Turdus philomelos. A anilha aplicada por WG.5 Durme tinha o código 22Z35218 e regressou a mão humana 61 dias depois, em 13 de dezembro de 2009. O disparo certeiro de um caçador, em Parada, Bragança, 1375 quilómetros para sudoeste, apurou a dita anilha. João Santos escreve em 19 de maio: «Boa noite, venho por este meio informar do abate de um tordo-comum na reserva municipal de Santa Vitória, distrito de Beja, no passado dia 15 de janeiro de 2012. O senhor que o matou chama-se Manuel Eduardo, natural de Santa Vitória e faz parte do nosso Clube de Caçadores de Santa Vitória. Informo também que por falta de conhecimento o caçador não pesou o tordo nem mediu o comprimento da asa deste. As coordenadas da localidade de recaptura são: 3755 N, 0800 W, Portugal. Na anilha em causa está a seguinte inscrição n.º 7864288, HELGOLAND, GERMANIA. Gostaria se possível claro obter as indicações de captura da ave bem como todos os registos existentes. Agradecido e atentamente, João Murteira Santos». Nuno Gomes Oliveira respondeu, uma vez obtidos os dados da Alemanha: «Caro Senhor João Murteira dos Santos, o Tordo cuja recaptura nos sinalizou, é um Tordo-comum, Turdus philomelos, anilhado em Helgoland, na Alemanha, em 10/10/2009, quando ainda era juvenil, e capturado 827 dias depois, 2178 km a Sul, em Santa Vitória. Junta-se a informação recebida da Alemanha e agradecemos a sua colaboração». A anilha n.º 12107324 foi aplicada na Bélgica, em Laplaigne, em 28-9-2011, a um macho de toutinegra-de-barrete, Sylvia atricapilla. Foi recuperada em Portugal, depois de 1534 km de voo, em Santa Bárbara de Nexe (Faro), após ter sido morta por um gato. Lê-se na mensagem enviada pelo Helgoland Ringing Centre, da Alemanha: «Um dos principais objetivos da anilhagem científica de aves selvagens consiste em obter dados acerca da migração e outros comportamentos destes animais». Ora bem!
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Andorinhões: nascidos para
São as aves mais adaptadas a uma vida no ar e ouvimo-las até nas cidades em pleno estio na azáfama da nidificação — os andorinhões agregam várias espécies, todas migradoras, que podem dar à asa do Ártico às regiões africanas que se estendem para além do deserto do Sara Para o território português são dadas três espécies de andorinhão: o andorinhão-preto, Apus apus, o andorinhão-pálido, Apus pallidus, e o andorinhão-real, Apul melba. Entre estas espécies a que vemos com maior frequência é o andorinhão-preto. São animais que passam quase toda a vida em voo: com um bico curto ligado a uma garganta alargada, alimentam-se e bebem, dormem e até acasalam no ar. Não lhes adianta querer mudar de vida. Se se arriscam a pousar no chão — o que pode acontecer quando são juvenis — já não conseguem levantar voo pelos seus próprios meios. É por isso que fazem ninho nas estações mais quentes do ano em arribas, nos telhados, em torres e em buracos de árvores. Basta-lhes
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atirar-se e esticar as longas asas para voltarem a usufruir do seu talento especial: voar. Como se alimentam de pequenos invertebrados dispersos pela atmosfera, o que inclui pequenas aranhas suspensas em fios de seda e numerosos insetos, dependem de condições climáticas de feição. Hoje sabe-se que estas aves são capazes de contornar as baixas pressões atmosféricas ao longo de centenas de quilómetros, fazendo com que, em vez de ficarem à espera, procurem literalmente o bom tempo. Apesar do perfil de elevado desempenho dos andorinhões, estas aves estão a diminuir. Os edifícios modernos já não acolhem ninhos como outrora e o impacto da destruição de habitat e do uso excessivo de pesticidas deixa marcas.
Não é reconhecida uma grande relação no nosso país entre a arquitetura e a conservação da natureza, mas na Inglaterra temos notícia de que há casos de projetos que procuram recriar os espaços que os edifícios antigos tinham e que eram aproveitados pelos andorinhões para procriarem. Também as várias associações existentes de aficionados dos andorinhões incitam a população a instalar caixas-ninho adequadas a estas aves insetívoras, de modo a quebrar a regressão populacional destes animais. Nos próximos meses irá decrescer a quantidade de invertebrados que se deslocam pela atmosfera: o alimento entra em curva descendente à medida que os dias encurtam e a temperatura desce nos termómetros. Estas e outras aves migradoras começam a
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voar João L. Teixeira
migração primaveril migração outonal
deslocar-se novamente para sul, rumo a África. Quando regressarem, no próximo ano, voltarão a ser alegres mensageiros primaveris. O seguimento por satélite aplicado a cetáceos e répteis marinhos, ou até a águiaspesqueiras e cucos, não é adequado aos andorinhões. O seu pequeno corpo pede melhor nanotecnologia. Apurou-se que está em curso uma investigação assente num dispositivo que funciona à base do registo de luz solar, mas supõe a recaptura, dentro de um ano, dos diferentes andorinhões portadores desses dados. Se tudo correr bem, em fins de julho do ano que vem deverá haver novidades a partir do trabalho desta equipa de investigadores.
Caixas-ninho Se quiser ajudar os andorinhões a nidificar perto de si, um site* britânico ajuda a construir as suas caixasninho. Pouco mais se torna necessário do que arranjar material adequado e tirar bem as medidas. Depois, é só instalar num sítio alto, fora do alcance de qualquer ameaça humana ou felina. * www.magikbirds.com
Texto: JG
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Paisagem Protegida de Corno de Bico No Norte, em plena região biogeográfica atlântica, esta área de paisagem protegida conta 2175 hectares e junta dois concelhos: Arcos de Valdevez e Paredes de Coura João Tereso ajeita o chapéu e aguarda que o grupo se aproxime. Está junto de um arbusto de folhas verdes que ostenta nos ramos pequenos frutos acastanhados: «Isto é uma pereira-brava. Um catapereiro. Foi de espécies como esta que surgiram as pereiras dos pomares tal como as conhecemos hoje». A mecânica foi a mesma que se sucedeu noutras plantas e até em animais. Por seleção artificial, escolhiam as sementes das espécies com maiores e melhores frutos, cultivavamnas e por escolhas idênticas derivavam do original árvores de fruto, no caso, pereiras, com variedades generosas e mais agradáveis ao paladar.
Bosque amigo da água Estamos no carvalhal de uma área com estatuto de Paisagem Protegida portadora de um nome estranho de ser ouvido pela primeira vez: Corno de Bico. Agora, não passa de um hábito acústico, sem sobressalto — trata-se do nome dado a um relevo com 883 metros de altitude, generalizado para designação da área protegida, que está classificada como Sítio de Importância Comunitária da Rede Natura 2000 desde 2004. Na sua extensão, este espaço agrega um mosaico de habitats diversos. Enquadra
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Carvalhal de Corno de Bico
bosques ripícolas com amieiros e freixos, assim como turfeiras e lameiros, coexistindo moinhos de água e campos de cultivo. Está calor nesta tarde de verão! Caminhamos sob as copas de um bosque dominado por carvalho-alvarinho, Quercus robur, plantado na década de 1940. Quando o grupo pára à sombra do farto arvoredo, Estefânia Lopes, bióloga e também guia do grupo, acentua que «este tipo de bosque é bastante resistente ao fogo». Normalmente, «as zonas de carvalho
são zonas-barreira» que limitam os danos causados pelos incêndios.
Líquenes e musgos É assim porque «os carvalhos têm grande capacidade de retenção de água». Conclui: «Cá em baixo, o coberto subarbóreo, arbustivo e herbáceo, acaba por reter muita água e favorece o desenvolvimento de musgos e líquenes». Está à vista vegetação pioneira, capaz de
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Protected Landscape of “Corno de Bico” The protected landscape near Paredes de Coura covers 2175 hectares and is home to five Districts, namely, Bico, Castanheira, Cristelo, Parada and Vascıes. This space aggregates a mosaic of diverse habitats; woodlands with alders and ash, as well as bogs and marshes coexisting with water mills and cultivated fields.
Esta paisagem protegida junta um mosaico de habitats diversos
O catapereiro explicado por João Tereso
colonizar pedra ou a casca das árvores. Os musgos e líquenes vestem os troncos das árvores, como é normal ver-se nas serras de maior altitude, onde uma outra quercínea, o carvalho-negral, Quercus pyrenaica, se veste da mesma maneira. «Os líquenes são associações de fungos e algas», diz Estefânia, e completa: «Pensavase que era uma relação simbiótica, mas questiona-se agora se é realmente verdade ou se há algum aprisionamento do fungo em
relação à alga». O que é certo é que «quando há dissociação crescem de forma antagónica e separada». Esta floresta guarda o solo, aos nossos pés, como um tesouro sagrado. O bosque de carvalho-alvarinho, amigo da biodiversidade, vive lado a lado com azevinho e arando, amieiros e sanguinhos-de-água, vidoeiros e cerejeiras-bravas, entre outras espécies. As cabeceiras de importantes cursos de água da região — o Coura, da bacia do rio Minho,
e parte da sub-bacia do Labruja e do Vez, ligados ao rio Lima — pertencem a esta área protegida. As galerias ribeirinhas ganham consistência com amieiros e freixos e, nas margens, vive a lontra-europeia. A área de Paisagem Portegida de Corno de Bico lista espécies botânicas endémicas como a Bruchia vogesiaca, o Narcissus cyclamineus e a Veronica micrantha. Conta também cerca de 200 espécies de vertebrados, sendo 25 marcadas por elevado
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estatuto de conservação. É o caso do lobo, da salamandra-lusitânica, da víbora-deseoane ou da toupeira-de-água.
Toca de coelho Até as espécies mais acessíveis têm que se lhe diga. Já passámos, nesta tarde, por várias latrinas de coelho-bravo. Agora, no trilho do carvalhal, a abertura de uma toca está à vista: «Os coelhos-bravos têm várias entradas para as suas tocas, ou seja, entram e saem por vários pontos». É uma forma de escapar de predadores. Mas há tocas específicas para o ninho que virá a acolher as crias. Explica Estefânia: «Quando as fêmeas estão prontas a dar à luz vão para uma toca diferente que elas próprias escavam. Retiram pêlo do peito para fazerem uma cama e depois as crias nascem. Ao fim de dez ou 15 dias estão prontas para voltarem à toca original, a toca da comunidade».
Neste bosque encantado não faltam líquenes
O que leva as coelhas a fazer isto? «É que os outros coelhos não iriam reconhecer como suas as crias nascidas, os láparos. Aliás, quem tem coelhos em casa sabe que deve colocar a coelha prenhe num sítio à parte». À medida que se caminha, estes habitats mostram-se como um jogo de luz e de sombra. A condizer, têm habitantes furtivos, como os corços. Estes mamíferos herbívoros eram a tradicional presa do lobo. São por isso discretos e afastam-se ao mais leve ruído. Restam os vestígios para observar: «Os excrementos de corço fazem lembrar os de cabra. Só que enquanto esta última vai andando e vai fazendo, os corços tendem a fazer latrinas», afirma Estefânia, referindo-se à acumulação de dejetos destes animais. Também javalis e veados andarão por ali, sem que a nossa vista os alcance. A região de Corno de Bico liga-se a produtos gastronómicos de qualidade, como é o caso
da carne barrosã e do cabrito das terras altas do Minho. Aliás, por falar nisso, os animais domésticos que hoje conhecemos são um alerta do quanto dependemos dos ecossistemas naturais e dos bens e serviços que estes nos oferecem, sem apresentar fatura. Em plena Década da Biodiversidade, lançada pelas Nações Unidas em todo o mundo, espera-se que as iniciativas desenvolvidas alarguem a compreensão do enquadramento vital do ser humano na natureza. Também aqui a espécie humana se relaciona com a região há milénios: os povoados fortificados, os monumentos fúnebres do Neolítico e os marcos miliários falam disso. A gestão da área de Paisagem Protegida de Corno de Bico foi confiada ao Município de Paredes de Coura e, mais dia menos dia, aguarda a sua visita. Texto e fotos: Jorge Gomes
Daboecia cantabrica
PAISAGEM PROTEGIDA DE CORNO DE BICO Morada Largo Visconde de Mozelos, Apartado 6 4941-909 PAREDES DE COURA Correio eletrónico ppcb@cm-paredes-coura.pt Telefone 251780100 Site www.cornodebico.pt
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Aquamuseu do Rio Minho De olho no curso de água que lhe corre ao lado, o Aquamuseu de Vila Nova de Cerveira tem por missão dar a conhecer o valioso património natural e etnográfico que se junta ao longo das suas margens
Carlos Antunes explica detalhes do Museu das Pescas do Aquamuseu do Rio Minho a um grupo de visitantes
«A
30 quilómetros daqui há rápidos no rio Minho», diz o guia da visita a um grupo escolar. Sentado diante de uma série de aquários em semicírculo envolveos um ambiente calmo, soprado pela luz que vem dos aquários. Os petizes ouvem a história de um percurso que revela os ritmos do curso de água mais importante da região: «Nesses troços aquáticos, os peixes nadam sobre seixos arredondados, em águas cheias de oxigénio». À volta dispõem-se bancos confortáveis onde os visitantes se sentam e contemplam ao sabor do seu prazer as amostras da biodiversidade que povoa os diversos ambientes aquáticos. A explicação solta dados: «A truta-marisca tem um ciclo de vida semelhante ao do salmão. Nasce no rio, vai para o mar onde cresce durante anos: quando volta a subir
o rio é para desovar, e voltar ao oceano Atlântico», mas «se houver obstáculos que não consigam vencer, como as barragens, deixam de existir ali...». Volta e meia eis a lampreia: «Trata-se de um peixe primitivo que suga o sangue de outros peixes. Nasce no rio, vai para o mar. Anos depois também regressa para pôr os seus ovos no rio. Nesta fase já não come e morre depois da fazer a postura...». A enguia, ao contrário, «nasce no mar e vem para o rio — quando está pronta para se reproduzir, regressa ao mar, onde põe ovos e morre». Há palavras novas para quem escuta as informações sobre esta espécie em regressão: «Este é o único rio português em que é permitida a pesca do meixão. Um quilo destas enguias pequeninas, acabadinhas de chegar do mar, retém entre mil a 3 mil enguias». Este peixe também está sob grande pressão. Em Portugal há peixes de rio com elevado
interesse na área da conservação da natureza. Isso acontece porque há muitos endemismos — espécies que só existem em bacias hidrográficas da península Ibérica. É o caso do ruivaco, da boga e de outras espécies de peixe. Após uma pequena pausa acrescenta: «À medida que nos aproximamos do estuário o rio começa a ter cada vez mais areia. E estes três aquários que se seguem representam o que podemos encontrar nesta zona do rio, desde Valença até aqui abaixo de Cerveira. Só que os peixes e animais de que vos vou falar não existiam neste rio. À custa deles quase deixámos de ter outros animais...». O guia centra-se num aquário onde volteiam peixes escuros e avermelhados: «Temos aqui três peixes diferentes e temos dois problemas — duas espécies que antes não havia cá: as tencas e os pimpões». Enquanto a visita prossegue, percebe-se que,
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Visita guiada a um grupo escolar
Museu das Pescas: pescadores registados entre 1909/1912
apesar de para muitos ser esta a parte mais atrativa do aquamuseu, logo à entrada depara com algo visualmente diferente, e não menos importante: o museu das pescas. Um amplo póster com fotografias antigas de pescadores do estuário do rio Minho evoca a memória de velhos tempos em que inúmeras gerações ali labutaram. As artes de pesca variadas, o engenho e a arte de sacar sustento do rio são exercícios fantásticos de imaginação que esculpem redes, anzóis, arpões e outros artefatos ali presentes.
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Maquetas legendadas revelam técnicas sagazes para capturar peixes que consolam a fome e alargam o vasto leque de nutrientes adequados à alimentação humana. As pesqueiras são um verdadeiro desafio. Vêm a encaixar no que diz Carlos Antunes, biólogo e diretor do Aquamuseu do Rio Minho: «Entre os objetivos deste aquamuseu há uma componente etnográfica que junta a memória da atividade da pesca, que é importante: trabalham no rio cerca de mil pescadores portugueses e galegos». No fundo, explica, «existem três comunidades
– uma vive exclusivamente da pesca junto à foz; depois há uma intermédia que tem uma profissão paralela; e depois há ainda uma parte mais alta desta secção internacional do rio que continua a usar técnicas e artes ancestrais, de que são exemplo as pesqueiras». O aquamuseu agrega outras metas, como a de «mostrar a componente física de exposição que é a divulgação do património natural com a simulação do resumo de uma viagem ao longo do rio Minho através do contacto com espécies piscícolas e outros organismos», sublinha. Adianta mais vertentes:
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Truta-arco-íris e truta-comum
Peixe-rei
O lagostim exótico degrada a biodiversidade das zonas húmidas
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«Outros objetivos são as atividades didáticas e biológicas dedicadas aos diferentes grupos, sejam eles escolares ou profissionais. Fazemos atividades no próprio rio, temos uma embarcação». Carlos Antunes esclarece que «a investigação, em parceria com centros de investigação da Universidade do Porto, com o CIMAR, com a Universidade do Minho, a de Santiago de Compostela e a de Vigo» também esteve sempre presente neste trabalho, com vista a «aumentar o conhecimento desta bacia hidrográfica. Interessa estar perto da investigação — a nossa missão é divulgar, usar essa informação, essa sabedoria e depois descodificar esses dados para os fazer chegar ao público em geral». Exemplo disso é o projeto Migranet, uma parceria que envolve espanhóis e franceses no sentido de haver um observatório de peixes migradores. O facto torna-se mais relevante quando se trata de «uma região com estatuto de Zona de Proteção Especial e Rede Natura 2000». A lampreia do rio Minho não é ainda uma marca oficial, algo que está a ser tratado, mas é um repasto no fim do inverno e junta os aficionados. Carlos Antunes afirma: «Não há ainda uma certeza científica que nos permita dizer que
a lampreia deixa o mar para ir desovar no mesmo rio em que nasceu». Sabe-se como se comporta nesse patamar o sável, a savelha ou o salmão, mas há que concluir: «Se se criar um novo bloqueio à sua viagem para a postura no rio Minho, a população de lampreia corre o risco de se extinguir neste rio».
Lagostins aos molhos A visita ainda corre. Um animal com pinças em lugar das mãos, escuro, mais comprido que um caranguejo, leva um cartão vermelho: «Muita gente pensou que ia ganhar bom dinheiro com este lagostim. A espécie exótica acabou por se espalhar um pouco por todos os rios em Portugal, destruindo os fundos e margens dos rios. Estes bichos tanto conseguem andar dentro do rio como fora – fazem estragos, comem os ovos dos peixes, nos arrozais abrem autênticas auto-estradas, fazem túneis entre campos, são muito destrutivos e, quando pressentem que vai haver muito alimento, reproduzem-se rapidamente». Este lagostim veio da América do Norte, em cujos ecossistemas estava enquadrado. Aqui em Portugal havia o lagostim-de-patasbrancas, que desapareceu. Com a mesma
origem geográfica, um peixe, o achigã, é um verdadeiro exterminador, uma peça fora do puzzle ecológico: provoca perdas de diversidade biológica, inclusive entre anfíbios, como sapos e tritões. Os dados seguem rumo ao mar, passam pelo peixe-rei, e ali estão as poças de maré. Ao ritmo de cada estação, o aquamuseu regista entre 22 a 25 mil entradas por ano. Texto: Jorge Gomes. Fotos: João L. Teixeira
Aqua Museum of the Minho River With an eye on the watercourse which runs alongside, the Water Museum of Vila Nova de Cerveira’s mission is to highlight its rich natural and ethnographic heritage, which come together at the river bank. In Portugal, there are river fish which are of high interest to Nature Conservation. This is because many endemic species are being affected by the introduction of exotic fish into our waterways, sometimes just for Sport Fishing.
AQUAMUSEU DO RIO MINHO Morada: Parque de Lazer do Castelinho Vila Nova de Cerveira Correio eletrónico: aquamuseu@cm-vncerveira.pt Telefone: 251708026 Site: http://aquamuseu.cm-vncerveira.pt
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BLOCO DE NOTAS 49
Cisne-mudo, outubro de 2003
Ganso-do-canadá
Pato-das-bahamas
Avifauna do Estuário do Cávado A recente passagem de um par de gansos-docanadá (Branta canadensis) pelo estuário do Cávado trouxe, novamente, a discussão sobre a proveniência duvidosa de um considerável número de aves que podemos encontrar em liberdade no território nacional. Para muitos dos que visitam o litoral de Esposende no período balnear, o primeiro ou até o único contato que têm com a sua avifauna limita-se à observação daquelas longas filas de gaivotas em repouso nas praias ou em dar umas buchas de pão aos patos que se detêm na zona ribeirinha de Fão. Ainda que estas sejam aves livres, nem todas têm expressão em termos ecológicos. Entre os larídeos (gaivotas), que na costa minhota estão representados por mais que uma dezena de diferentes espécies, não restam quaisquer incertezas sobre a sua natureza selvagem. Nem mesmo se nos referirmos a indivíduos divagantes ou acidentais, como a gaivota-de-audouin (Larus audouinii) que na última primavera se “equivocou” na rota entre o Mediterrâneo e a costa atlântica africana e acabou por vir aterrar no litoral norte. Mas se nos referirmos aos anatídeos (patos, gansos e afins), as teses sobre a sua proveniência multiplicarse-ão e até poderão adquirir contornos de quebra-cabeças. Assim, no sentido de trazer alguma claridade ao assunto, as autoridades científicas que se dedicam ao estudo das aves estabeleceram várias categorias que dividem as espécies conforme ocorram em estado
selvagem, ofereçam dúvidas quanto à sua origem, ou resultem de conhecidos processos de introdução no meio ambiente por ação humana. Como exemplo deste último caso, podemos apontar o registo no estuário do Cávado das ocorrências de ganso-chinês (Anser cygnoides), cisne-negro (Cygnus atratus), ganso-do-egipto (Alopochen aegyptiaca), pato-mudo (Cairina moschata), pato-carolino (Aix sponsa), piadeirado-chile (Anas sibilatrix), marrequinha-de-coleira (Callonetta leucophrys), pato-das-bahamas (Anas bahamensis) ou ainda de merganso-capuchinho (Lophodytes cucullatus). São todos naturais de regiões remotas do globo, para os quais está excluída a hipótese de alcançarem Portugal nos seus percursos migratórios ou dispersivos, são muito usados como aves de cativeiro, de onde escapam com frequência, e que, sobretudo, ainda não estabeleceram entre nós populações reprodutoras viáveis. Deste modo, não foram incluídos na Lista das Aves de Portugal. Também fora deste elenco ficaram os referidos gansos-do-canadá, aos quais, juntamente com outros visitantes habituais desta zona húmida, como o cisne-mudo (Cygnus olor) e o pato-ferrugíneo (Tadorna ferruginea), é difícil reconhecer em definitivo o estatuto de selvagens. Aliás, apesar de não poder ser totalmente afastada a possibilidade de indivíduos destas três espécies ocorrerem de forma natural no nosso país, parece mais provável que estes sejam provenientes dos parques urbanos onde
é comum introduzi-los como aves ornamentais. Mesmo assim, subsiste em muitos a convicção de que fossem genuínos os seis cisnes-mudos que aqui se abrigaram em outubro de 2003 e no restante período de inverno. Para tornar este coquetel de aves pouco relevantes do ponto de vista ambiental num enredo quase indecifrável, podemos juntar-lhe parte significativa da população de pato-real (Anas platyrhynchos) e das suas raças e híbridos que predominam nas duas margens deste estuário ou ainda alguns indivíduos isolados de outras espécies menos comuns que, embora estejam distribuídos pelo nosso território enquanto espécies nativas, também contam com efetivos domésticos que se assilvestraram tanto nos lagos dos jardins das nossas cidades como na natureza em habitats aquáticos. Por tudo isto, assume importância crescente a monitorização destas populações e a avaliação dos seus eventuais impactos nos ecossistemas ribeirinhos. É que, terminado o verão, dar-se-á o inexorável regresso dos grandes bandos de marrequinhos-comuns (Anas crecca), de frisadas (Anas strepera), de patos-trombeteiros (Anas clypeata) e de tantas outras espécies autóctones que nos interessam verdadeiramente preservar. Por Jorge Silva www.verdes-ecos.blogspot.com Referências: Lista sistemática das aves de Portugal Continental. Anuário Ornitológico 5: 74-132. R. Matias et al. 2007.
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Esporo Grandispora equinata
Acritarca Acanthodiacrodium costatum
Esporo Retusotriletes phillipsii
Acritarca Striatotheca principalis
Alga Pterospermella euriptio
Alga Maranhites mosesii
Acritarca Stelliferidium stelligerum
Acritarca Polygonium gracile
Microfósseis Esporos, pólenes, acritarcas, microalgas são palavras que fluem entre quem analisa a uma escala microscópica fósseis capazes de dar informações certeiras: Zélia Pereira e Gilda Lopes explicam com que linhas se cose esta área científica onde não falta pano para mangas «Quando estudada ao microscópio, a preparação de microfósseis colocados nesta lâmina de vidro revela mais fósseis identificados, referenciados e catalogados do que os grandes fósseis animais e vegetais que se veem num museu», diz Zélia Pereira, investigadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia. Para que não haja dúvida, assegura que numa destas preparações montadas numa simples lâmina de vidro consegue obter em média «talvez 600 espécimes e umas 150 espécies de microfósseis diferentes!». Ao seu lado, Gilda Lopes * adianta: «Por incrível que pareça, os nossos fósseis são microscópicos, mas quando ocorrem nas rochas, podem fornecer inúmeras informações, por vezes mais do que as obtidas com base em macrofósseis». Gilda Lopes está a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre estas temáticas. Quer hoje quer no remoto tempo geológico, próximo da origem da vida na Terra, o plâncton microscópico dos antigos mares é o ponto de partida para o desenvolvimento dos organismos mais complexos e de maior vulto que conhecemos atualmente: «O microplâncton é a base da cadeia alimentar nos ecossistemas marinhos desde o início da vida na Terra». Sendo assim, torna-se necessário recorrer 50 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
«aos estudos e análise do desenvolvimento do microplâncton atual», a fim de «compreender a evolução dos ecossistemas ao longo do tempo na história do nosso planeta. Estes são alguns dos objetivos de trabalho nesta área da paleontogia aplicada». Erguem-se destes estudos horizontes claros, como o de se verificar que, «em termos gerais, na história da Terra houve uma grande diversificação de espécies durante a separação das massas continentais», e pelo contrário «as maiores extinções se situam na fase de formação dos supercontinentes, como é caso da Pangea há cerca de 250 milhões de anos. Estes fenómenos de extinção devem-se à intensa atividade sísmica, vulcânica, bem como a variações do nível do mar e a alterações climáticas». Noutro nível, concretamente em áreas aplicadas da estratigrafia e da cartografia geológica, esta área de investigação conhecida por palinologia trabalha para datar e melhor precisar as idades das rochas sedimentares em estudo. Há consenso — está visto que os microfósseis «quando existentes complementam a informação dada pelos macrofósseis, pois quando ocorrem são muito rigorosos e precisos». Ambas as investigadoras realizam um trabalho que as desafia a encontrar evidências da evolução
da vida na Terra, desde que esta surgiu há 3800 milhões de anos, embalada pelas ondas do mar. A esse respeito, Zélia Pereira salienta que «os indícios de vida mais antiga, encontrada no nosso país, ocorrem na região de Monfortinho, com a presença de microfósseis de cianobactérias planctónicas datadas de há 542 milhões de anos». Estes «fósseis de bactérias possibilitaram datar as rochas em que se encontram, pertencentes a sedimentos marinhos do Complexo Xisto-Grauváquico. Trata-se da ocorrência de fósseis mais antiga de Portugal». Aqui a escala é tudo, em duas coordenadas de longo alcance: o espaço e o tempo. Neste labor aflora um velho e novo mundo, inesgotável, alienado do comum dos mortais. Mede-se o tempo em muitos milhões de anos. Surgem dados surpreendentes, como as extinções maciças de espécies de animais e plantas, a que se seguem períodos de multiplicação de espécies, que envergonhariam qualquer arca de Noé: «A escala de tempo geológico é um colosso, trabalhamos com milhares de espécies que ocorreram ao longo de muitos milhões de anos», remata Zélia Pereira. Este trabalho une a biologia e a geologia. Diz Gilda Lopes: «Algas microscópicas, esporos, pólenes, acritarcas...».
ENTREVISTA 51
Gilda Lopes verifica a presença de microfósseis
Minério intercalado em xistos negros de idade Estruniano (Devónico Superior), datado com recurso a palinomorfos, na mina da Caveira
Acri... quê? «Acritarcas»! Elucida: «Acritarcha significa origem incerta. Trata-se de quistos fósseis, de parede orgânica e de afinidade biológica desconhecida. Este grupo corresponde a uma designação informal de caráter polifilético, incluindo ancestrais de algas verdes clorófitas. Possuem características morfológicas como forma, simetria, ornamentação e apêndices variados, que constituem a base para a sua classificação artificial». Por sua vez, os musgos e fetos que hoje encontramos pelo caminho produzem não sementes, mas esporos: «Os esporos são produzidos no ciclo de vida de algumas plantas, fungos, algas e bactérias e surgem com a conquista da vida em terra, no Ordovícico (há cerca de 470 milhões de anos) desenvolvendose e evoluindo até aos dias de hoje. Devido à sua composição química, muito resistente, estas estruturas orgânicas fossilizam, o que nos permite estudá-las nos dias de hoje». Estes diferentes microfósseis «são identificados nos sedimentos marinhos analisados, sendo normal encontrar-se esporos e pólens produzidos em antigas idades da Terra, que foram transportados pelo vento e pela água, assim como estruturas pertencentes ao fitoplâncton, algas e acritarcas, que deambulavam nas correntes oceânicas». São «estas associações de microfósseis que retiramos, das rochas sedimentares, através de processos laboratoriais complexos, utilizando métodos contrários aos que se verificam no processo natural», explica Zélia Pereira. Até estarem em condições de serem observados ao microscópio, estes vestígios de vida antiga (os palinomorfos) chegam a este laboratório do LNEG sob a forma de amostras de rocha que, para o cidadão comum, não passam de meros cilindros de xisto escuro. Na verdade, são amostras de
sondagens de explorações mineiras, ou de afloramentos. Zélia Pereira traz agora uma pipeta numa mão e, com a outra, mostra um frasco de plástico com água e uma poeira escura, rica em matéria orgânica, em suspensão. Lembra o efeito daquelas bolas de vidro que se viram ao contrário e simulam a neve num cenário frio. Suspenso pela tampa vermelha, nota-se que no conteúdo do frasco a leveza das partículas se ri diante da lei da gravidade: «Aqui já estamos numa fase final. Após vários tratamentos laboratoriais, de forma a dissolver e remover os minerais da rocha, ficam apenas os resíduos orgânicos ricos em microfósseis, que vão ser estudados ao microscópio». Mas, afinal, para que são estudados estes microfósseis? O estudo destes fósseis, de dimensões microscópicas, «pode proporcionar a compreensão da evolução dos seres vivos e da vida na Terra, mas uma das suas principais aplicações consiste na investigação bioestratigráfica, permitindo efetuar datações de rochas sedimentares, com recurso a biozonações de referência estabelecidas à escala mundial. Desta forma, é possível correlacionar sedimentos, a muitos quilómetros de distância, possibilitando interpretações paleogeográficas, paleoambientais, paleoecológicas e paleoclimáticas, ou seja, descobrir um pouco mais sobre como se posicionavam os continentes antigos, qual o clima que preponderava na Terra e como eram constituídos os ecossistemas». Em termos de recursos naturais, estes fósseis são muito importantes na prospeção e pesquisa de hidrocabonetos – petróleo e gás natural. Alguns dos indicadores mais usados são «a análise da cor da parede dos microfósseis, através de uma escala, que constitui um bom indicador
Zélia Pereira explica as aplicações da palinologia
diagenético e complementada com a avaliação da maturação orgânica, isto é, o tipo de pressão e temperatura a que foram sujeitas as rochas, permitem delimitar as janelas do petróleo e do gás». Também na «prospeção de sulfuretos maciços (minérios ricos em cobre e zinco), que ocorrem no Sul do nosso país, na Faixa Piritosa Ibérica, uma das principais províncias metagenéticas da Europa, a palinologia constitui uma ferramenta importante», pois possibilitou recentemente «a datação da sequência estratigráfica regional das minas de Neves Corvo, Lousal e Caveira, entre outras, incluindo a datação do minério. Os minérios ocorrem intercalados, sistematicamente em xistos negros, de idade Estruniano superior (cerca de 360,7 a 362,0 milhões de anos atrás)». É «este horizonte-guia materializado pela ocorrência de minério, de elevada importância económica, que se procura na prospeção». A palinologia é uma disciplina científica recente. Diferenciou-se da micropaleontologia na década de 1940, adquirindo a sua principal importância na aplicação da exploração de carvão e petróleo, desenvolvendo-se bastante nas décadas seguintes, acompanhando o desenvolvimento tecnológico verificado. Trata-se de uma «metodologia inovadora, aplicada, com potencial de crescimento, que tem permitido aumentar de forma significativa os conhecimentos estratigráficos e paleontológicos, de apoio à cartografia geológica e prospeção mineira em Portugal». Ressurge um mundo novo, inesperado e escondido nas rochas, cheio de pequenas surpresas, de formas únicas, ao qual apenas tem acesso um pequeno número de investigadores. Texto: JG. Fotos. João L. Teixeira * FCT, UALG-CIMA; LNEG. Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 51
52 RETRATOS NATURAIS
Joaninha-das-sete-pintas (Coccinela septempunctata)
Vamos desenhar... uma joaninha a voar “Joaninha voa voa / Que o teu pai foi pr’a Lisboa...” – assim começam todas as quadras que dão corpo a uma das lengas-lengas mais conhecidas e cantaroladas pelos mais petizes, sempre que uma joaninha poisada num dos seus dedos, corria por eles afora, pronta a levantar voo... 52 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
Muito para além deste cenário com alguma carga bucólica, a verdade é que este coleóptero de ar dócil e inofensivo é um temível carnívoro que caça e se alimenta dos pulgões, ou afídeos, que se instalam nos ápices foliares das plantas, sugando-lhe a açucarada seiva elaborada e, aos poucos, a vitalidade. E se alguns afídeos são monófagos e se alimentam apenas de uma espécie de plantas, como o pulgão-do-morangueiro, outros são um autêntico carrasco para as culturas (cerealíferas, hortícolas, fruteiras, etc), podendo colonizar mais de uma centena de espécies diferentes, numa mesma área (mesmo que se inicie uma luta química direcionada para proteger a cultura em causa, pouco tempo depois ocorre nova infestação e recolonização, com as populações marginais não afetadas, que naturalmente também vão ganhando resistência aos inseticidas). A este fenómeno de infestação natural acresce a relação de mutualismo que se verifica existir entre esta “praga” e algumas espécies de formigas, que cederam ao pecado da gula e se viciaram na melada por eles
expelido (excesso de floema, rico em açucares), chegando a apascentá-los em “manadas” (sendo, por isso, também designados de vacas-das-formigas) e protegendo-os, com zelo e cuidado, dos seus predadores naturais. Ora se a luta química não é totalmente eficaz então o melhor é dentro de uma estratégia de luta integrada, recorrer à luta biológica — e é aqui que a joaninha desempenha, com elevado nível de eficácia, o seu papel como um dos melhores auxiliares no controlo destas pragas (e existem já empresas que, em Portugal, se dedicam à produção e venda das larvas destes coloridos escaravelhos). E se o sempre voraz apetite é uma das suas mais valias, a outra é o de poderem voar de planta em planta, não só para fazerem a sua costumeira razia, mas também para que cada fêmea espalhe as suas posturas (que podem atingir os 50 ovos/dia). Destes, eclodem famintas larvas que ativamente patrulham a planta (algumas percorrem até 12m/dia), continuando a predar os pulgões remanescentes, estrategicamente “poupados” pela zelosa mãe
Anatomia da joaninha-das-sete-pintas, em vista dorsal: 1. Em pleno voo, podendo-se observar a segmentação abdominal.
1
2. Com élitro deslocado para aferir uma das asas estirada, enquanto a que repousa debaixo do élitro em posição de descanso, se encontra dobrada na porção mais distal à da inserção no tórax) 3. Com élitros fechados (posição de repouso ou de deslocação).
3
2
joaninha. Após puparem e se transformarem em adultos, esticam as suas asas e iniciam a sua busca, não do progenitor que foi para Lisboa, mas de outros “caramelizados” afídeos com que se deliciar. O voo é pois uma das caraterísticas imagens que guardamos deste chamativo inseto, que sempre granjeou empatia humana — quer seja por habitar o imaginário das fábulas (quem não se lembra da história do João Ratão e da Carochinha, tantas vezes figurada como uma joaninha...), quer por ser um dos insetos mais desenhados (principalmente em animação e ilustração infantil, rivalizando com as diligentes formigas/abelhas), quer ainda pelo seu real valor como auxiliar na luta biológica. Assim, se vamos desenhar este animal, principalmente se em voo, teremos que primeiro perceber a sua anatomia e também estudar um pouco mais a dinâmica das suas asas... Ora quando observamos o inseto a calcorrear uma planta, a primeira impressão que temos é que este não possui asas membranosas, como as que vemos nas moscas ou nas libelinhas... não podíamos estar mais enganados! De fato, o primeiro par de asas transformou-se, ao longo da evolução, e deu origem aos élitros, que mais não são que asas rígidas que perderam a função de voo e ganharam a de proteção, em simultâneo, do abdómen (parte mais
vulnerável do seu corpo blindado) e das delicadas asas (que são assim guardadas, dobradas, dentro deste pequeno “estojo” coriáceo). Portanto, para além da óbvia atenção e estudo da forma da cabeça (olhos e antenas; se texturada ou não; cor) e do tórax (se texturado ou não, sem ou com manchas – número, cor e forma), devemos focar a nossa leitura analítica sobre os élitros (que em grande medida simplificam e facilitam o desenho, no caso das joaninhas, dado serem estruturas aparentemente lisas e uniformes, que acabam por esconder os segmentos abdominais, as asas e parte mais anterior das patas). Especial atenção deve ser dada à cor dos élitros (existem joaninhas amarelas, laranjas, vermelhas, etc.), ou ao seu padrão, resultante do número (podem estar ausentes), forma e localização das manchas. O padrão possui valor taxonómico e permite diferenciar as 4500 espécies diferentes de joaninhas conhecidas. As asas, principalmente as nervuras que delimitam células membranosas, também possuem valor diagnóstico, logo devem ser desenhadas com especial cuidado e ao serem pintadas, por serem translúcidas ou mesmo transparentes, tem que deixar antever as estruturas subjacentes.
Assim, escolhida a pose, para criarmos o desenho de contorno e pouparmos tempo, podemos desenhar somente um das metades (socorrendo-nos da simetria bilateral que tipifica estes animais) que depois duplicamos, invertendo para o seu especular (flip espelhado horizontal). Juntando as duas metades, com algum cuidado, completamos o nosso desenho preliminar, de forma prática e expedita. Se optarmos por fazer a arte-final em meio digital, como seja no Photoshop, devemos isolar cada parte do corpo em uma layer (camada) individual. Esta estratégia permite-nos, caso queiramos, “brincar” com o posicionamento de cada um em relação aos restantes, e de uma mesma ilustração, podemos criar muitas outras, recorrendo a pequenas modificações, deformações ou variações posicionais (como as que foram ensaiadas para este artigo), rentabilizando em muito o esforço inicial despendido... Texto e ilustrações: Fernando Correia Biólogo e ilustrador científico Dep. Biologia, Universidade de Aveiro fjorgescorreia@sapo.pt | www.efecorreia-artstudio.com
Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 53
Cada dia que passa há mais empresas e cidadãos a confiarem ao Parque Biológico de Gaia o Agrupamento de Escolas Ovar Sul - Curso EFA B3
Secundária Augusto Gomes • Escola Secundária do
(2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro
• Agrupamento Vertical de Escolas de Rio Tinto
Castelo da Maia • Família Carvalho Araújo • Família
• Professores e Funcionários (2009/10) da Escola
• Alice Branco e Manuel Silva • Amigos do Zé
Lourenço • Fernando Ribeiro • Francisco Gonçalves
Secundária de Oliveira do Douro • Regina Oliveira e
d’Adélia • Ana Filipa Afonso Mira • Ana Luis Alves
Fernandes • Francisco Saraiva • Francisco Soares
Abel Oliveira • Ricardo Parente • Rita Nicola • Sara
Sousa • Ana Luis e Pedro Miguel Teixeira Morais •
Magalhães • Graça Cardoso e Pedro Cardoso • Grupo
Pereira • Sara Regueiras, Diana Dias, Ana Filipa Silva
Ana Miguel Padilha de Oliveira Martins • Ana Paula
ARES - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária
Ramos do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de
Pires • Ana Rita Alves Sousa • Ana Rita Campos,
dos Carvalhos • Grupo Ciência e Saúde no Sec. XXI
Oliveira do Douro • Serafim Armando Rodrigues de
Fátima Bateiro, Daniel Dias, João Tavares e Cláudia
- Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária Dr.
Oliveira • Sérgio Fernando Fangueiro • Tiago José
Neves do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária
Joaquim Gomes Ferreira Alves • Grupo de EMRC
Magalhães Rocha • Tiago Pereira Lopes • Turma A
de Oliveira do Douro • Ana Sofia Magalhães Rocha
da Escola Básica D. Pedro IV - Mindelo • Guilherme
do 6.º ano (2010/11) do Colégio Ellen Key • Turma A
• Ana Teresa, José Pedro e Hugo Manuel Sousa •
Moura Paredes • Hélder, Ângela e João Manuel
do 8.º ano (2008/09) da Escola EB 2,3 de Argoncilhe
António Miguel da Silva Santos • Arnaldo José Reis
Cardoso • Inês, Ricardo e Galileu Padilha • Joana
• Turma A do 9.º ano (2009/10) da Escola Secundária
Pinto Nunes • Artur Mário Pereira Lemos • Bárbara
Fernandes da Silva • Joana Garcia • João Guilherme
de Oliveira do Douro • Turma A do 11.º ano (2010/11)
Sofia e Duarte Carvalho Pereira • Bernadete Silveira
Stüve • João Monteiro, Ricardo Tavares, Rita Mendes,
da Escola Secundária de Ermesinde • Turma A do 10.º
• Carolina de Oliveira Figueiredo Martins • Carolina
Rita Moreno, e Sofia Teixeira, do 12.º A (2011/12)
ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de
Sarobe Machado • Carolina Birch • Catarina Parente
da Escola Secundária Augusto Gomes • Joaquim
Oliveira do Douro • Turma A do 12.º ano (2010/11) da
• Cipriano Manuel Rodrigues Fonseca de Castro
Pombal e Marisa Alves • Jorge e Dina Felício • José
Escola Secundária de Ermesinde • Turma C do 10.º
• Colaboradores da Costa & Garcia • Cónego Dr.
Afonso e Luís António Pinto Pereira • José António da
ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde •
Francisco C. Zanger • Convidados do Casamento
Silva Cardoso • José António Teixeira Gomes • José
Turma D do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola
de Joana Pinto e Pedro Ramos • Cursos EFA
Carlos Correia Presas • José Carlos Loureiro • José
Secundária de Oliveira do Douro • Turma D do 11.º
Básicos (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim
da Rocha Alves • José, Fátima e Helena Martins • Lina
ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde •
Gomes Ferreira Alves • Deolinda da Silva Fernandes
Sousa, Lucília Sousa e Fernanda Gonçalves • Luana
Turma E do 10.º ano (2008/09) da Escola Secundária
Rodrigues • Departamento Administrativo Financeiro
e Solange Cruz • Manuel Mesquita • Maria Adriana
de Ermesinde • Turma E do 12.º ano (2010/2011) da
da Optimus Comunicações, SA - DAF DAY 2010 •
Macedo Pinhal • Maria Carlos de Moura Oliveira,
Escola Secundária de Ermesinde • Turma G do 12.º
Departamento de Ciências Sociais e Humanas da
Carlos Jaime Quinta Lopes e Alexandre Oliveira Lopes
ano (2010/11) - Curso Profissional Técnico de Gestão
Escola Secundária de Ermesinde • Departamento
• Maria de Araújo Correia de Morais Saraiva • Maria
do Ambiente do Agrupamento de Escolas Rodrigues
de Matemática e Ciências Experimentais (2009/10)
Guilhermina Guedes Maia da Costa, Rosa Dionísio
de Freitas • Turma IMSI do Curso EFA - ISLA GAIA
da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Dinah
Guedes da Costa e Manuel da Costa Dionísio • Maria
(2008/09) • Turmas A e C do 10.º ano (2009/10) da
Ferreira • Dinis Nicola • Dulcineia Alaminos • Eduarda
Helena Santos Silva e Eduardo Silva • Maria Joaquina
Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A
e Delfim Brito • Eduarda Silva Giroto • Escola Básica
Moura de Oliveira • Maria Manuela Esteves Martins
e C do 11.º ano; A e B do 12.º ano e Professores
da Formigosa • Escola Dominical da Igreja Metodista
Alves • Maria Violante Paulinos Rosmaninho Pombo •
(2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro
do Mirante • Escola EB 2,3 de Valadares • Escola EB
Mariana Diales da Rocha • Mário Garcia • Mário Leal
•Turmas B e C do 12.º ano - Psicologia B (2009/10)
2,3 Dr. Manuel Pinto Vasconcelos Projecto Pegada
e Tiago Leal • Marisa Soares e Pedro Rocha • Marta
da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas
Rodoviária Segura, Ambiente e Inovação • Escola
Pereira Lopes • Miguel Moura Paredes • Miguel
B e D do 11.º ano (2009/10) da Escola Secundária de
EB 2,3 Escultor António Fernandes de Sá • Escola
Parente • Miguel, Cláudia e André Barbosa • Nuno
Oliveira do Douro • Turmas A, B e G do 12.º ano; G
Secundária Almeida Garrett - Projecto Europeu
Topa • Paula Falcão • Pedro Manuel Lima Ramos •
e H do 11.º ano e F do 10.º ano (2010/11) da Escola
Aprender a Viver de Forma Sustentável • Escola
Pedro Miguel Santos e Paula Sousa • Professores
Secundária de Ermesinde • Vânia Rocha
Para aderir a este projecto recorte o seguinte rectângulo e remeta para: Parque Biológico de Gaia • Projecto Sequestro do Carbono • 4430 681 Avintes • V. N. Gaia
1 m2 = € 50 = menos 4 kg/ano de CO2 apoiando a aquisição de
euros.
Junto se envia cheque para pagamento
Procedeu-se à transferência para NIB 0033 0000 4536 7338 05305
Nome do Mecenas Recibo emitido à ordem de Endereço N.º de Identificação Fiscal
Telefone
Email O Parque Biológico pode divulgar o nosso contributo
Sim
Não
O regulamento encontra-se disponível em www.parquebiologico.pt/sequestrodocarbono
54 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
o sequestro de carbono
CONFIE AO PARQUE BIOLÓGICO DE GAIA O SEQUESTRO DE CARBONO Ajude a neutralizar os efeitos das emissões de CO2, adquirindo área de floresta em Vila Nova de Gaia com a garantia dada pelo Município de a manter e conservar de haver em cada parcela a referência ao seu gesto em favor do Planeta.
1 m2 = € 50 = menos 4 kg/ano de CO2 Um diploma personalizado certificará o seu contributo para a plantação de floresta. Para mais informações pode contactar pelo n.º (+351) 227 878 120 ou em carbono@parquebiologico.pt Parque Biológico de Gaia Projecto Sequestro do Carbono 4430-681 Avintes • Vila Nova de Gaia
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56 ATUALIDADE
Espaços urbanos e armazenamento de carbono Que capacidade de absorção de carbono atmosférico terão os espaços verdes citadinos? A partir desta pergunta, uma equipa de cientistas deitou mãos à obra e extraiu as suas conclusões. Nesta pesquisa começou por ficar demonstrado que os espaços verdes urbanos são bons dispositivos para sequestrar carbono mas, curiosamente, a sua gestão e conceção influenciam essa capacidade de retenção. Como se sabe, as atividades humanas desenvolvidas nas cidades influenciam o ciclo de carbono e emitem consideráveis quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, pelo que, neste estudo, foi criada uma cintura de espaços verdes na Alemanha, em Leipzig, ao longo de 600 metros e com uma área de 2,16 hectares. Instalaram ali densos blocos de arvoredo, entrecortados por alguns espaços abertos. A emissão de carbono foi estimada em função de alguns fatores, nomeadamente da construção, manutenção e armazenamento nas próprias árvores. A construção do espaço verde incluiu o transporte das espécies vegetais a plantar, bem como dos trabalhadores e do equipamento. A manutenção englobou as podas, o corte de relvados e atividades correlatas, inclusive a remoção de árvores mortas. Não houve aplicação de fertilizantes e só houve rega em caso de absoluta necessidade. As emissões da construção foram estimadas assim: 4.8 toneladas de CO2 por hectare, sobretudo vindas de transporte (33%) e escavações de plantação (47%). Houve ainda emissões resultantes de atividade de manutenção. Verificou-se que o carbono armazenado nas árvores variou com o seu crescimento e mortalidade, mas valores de máximo crescimento e reduzida mortalidade possibilitam o armazenamento de carbono, algo como 226 toneladas de CO2 por hectare. No total, confrontados os números do carbono emitido e armazenado, estimou-se uma relação entre 29 e 218 toneladas de CO2 sequestradas por hectare, dependendo do nível de mortalidade e crescimento das árvores. O estudo refere que esta capacidade de sequestrar carbono aumenta se houver plantas que cubram o solo, como trepadeiras. Por sua vez, um relvado sem árvores tende a produzir mais CO2 para a atmosfera, em vez de o absorver. Para perspetivar uma pegada ecológica destes espaços verdes num período de meio século, no sentido de mitigar todas as emissões da população residente na região em causa, requerer-se-ia necessária, segundo o estudo, uma área verde de 14800 hectares. In Science for environment policy – DG Environment News alert service – CE
56 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
Parque de Lavandeira
Ilhas Selvagens, arquipélago da Madeira
Antártida verdejante Ao estudar os restos vegetais em amostras de sedimentos retirados do debaixo da plataforma de gelo Ross (Ross Ice Shelf), uma equipa de cientistas chegou à conclusão que as temperaturas de verão eram, há 15 a 20 milhões de anos, mais altas cerca 11º C que as atuais. Os níveis de precipitação também eram mais altos que hoje. O pico desta Antártida verdejante ocorreu no Mioceno médio, entre 16,4 a 15,7 milhões de anos atrás. Isto é muito posterior à Idade dos Dinossauros, que se extinguiram há 64 milhões
de anos. Estas condições de temperatura no Mioceno pensa-se estarem associadas a níveis de dióxido de carbono entre cerca de 400 a 600 partes por milhão (ppm). Em 2012, os níveis de carbono subiram para 393 ppm, o valor mais alto em milhões de anos. Embora os níveis de dióxido de carbono durante o período do Mioceno médio estejam documentados em vários outros estudos, a verdade é que os cientistas ainda não sabem precisar a que se deve tão alto valor de dióxido de carbono nessa época.
Área Marinha das Selvagens: zona protegida
João L. Teixeira Ricardo Rocha
Por esta altura estará em curso a ampliação de estatuto de proteção para as ilhas Selvagens, no arquipélago da Madeira. No passado mês de maio o secretário regional do Ambiente e Recursos Naturais dessa Região Autónoma, Manuel António Correia, afirmou que tem em vista tornar a área marinha da Reserva Natural das Ilhas Selvagens numa zona também protegida: «O passo seguinte vai ser alargar a zona de proteção especial das Selvagens, no âmbito da Rede Natura 2000, à área marinha». Nesse sentido, disse, «vamos criar, associada à área terrestre, uma área de proteção marinha para defesa das aves e correspondente àquela
que tem sido a recomendação da própria União Europeia». O secretário regional discursava durante uma cerimónia alusiva às comemorações do Dia da Marinha: «Sem o apoio da Marinha Portuguesa era impossível ter nas zonas de reserva marinha, e em particular nas Selvagens, o êxito na conservação da natureza que se tem tido». Este interesse vertido na perspetiva da conservação da natureza tem duas vertentes. Por um lado é um «ato de gestão ambiental» e por outro promove a «afirmação da soberania portuguesa com óbvios reflexos, nomeadamente ao nível da Zona Económica Exclusiva».
Lordelo: Rotas Verdes Sob o mote «envolva-se com a natureza», a Junta de Freguesia de Lordelo do Ouro propõe à população a participação em visitas guiadas a espaços verdes como o Jardim Botânico, o Parque Urbano da Pasteleira e a Casa de Serralves,
que decorrem no último sábado de cada mês até setembro, entre as 14h30 e as 19h00. O transporte é gratuito e as visitas são guiadas por técnicos da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Observação de morcegos O núcleo de Braga da Quercus sugere-lhe um programa diferente para as noites das sextasfeiras de 13 e 20 de julho. Terá oportunidade de «explorar a magia dos animais voadores noturnos», como são os mor-
cegos e os pirilampos. Das 21h00 à meia-noite esta iniciativa está aberta a adultos e crianças e decorrerá no mosteiro de Tibães, em Braga. As inscrições são gratuitas mas obrigatórias até 11 e 18 de julho.
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58 ATUALIDADE
Alterações climáticas Decorreu em 6 e 7 de julho um seminário sobre “Turismo, Ordenamento Território, Biodiversidade e Energia no contexto das Alterações Climáticas” em Porto de Mós, Mira de Aire, na Casa da Cultura. O certame criou um espaço de debate no fito de se pôr em andamento uma estratégia nacional integrada de adaptação e mitigação das
alterações climáticas. Neste evento centrado no turismo, debateram-se casos de boas práticas para um desenvolvimento sustentável, a nível regional e nacional, numa organização conjunta da Câmara Municipal de Porto Mós com a Comissão Nacional da UNESCO, a Cruz Vermelha Portuguesa e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Business & Biodiversity Incentivar o relacionamento entre as empresas e a biodiversidade, na ideia de a preservar, eis a principal meta desta iniciativa da União Europeia conhecida como Business & Biodiversity. Através de acordos voluntários de longa duração, com este programa procura-se estabelecer um campo comum para a colaboração entre estes dois sistemas distintos — negócios e biodiversidade — capaz de propiciar a introdução da biodiversidade nas estratégias e políticas das empresas.
Estando em causa parcerias, torna-se necessária a existência de voluntários, estando em vista a necessidade de criar acordos capazes de trazerem benefícios para ambas as partes, dentro do que é fundamental na defesa da biodiversidade. Esta iniciativa materializa-se num processo que implica a adesão a um conjunto de princípios a que se segue a adoção de uma metodologia que visa a progressiva integração da biodiversidade na gestão das empresas. Mais: http://iniciativabb.wix.com
Congresso Ibérico do Lobo A Associação Galega de Custodia do Território (AGCT) é uma organização não governamental que tem como principal objetivo a conservação e recuperação do património natural. «Para poder atingir essa meta», diz a AGCT à comunicação social, «devemos conhecer em profundidade as diferentes espécies que coexistem connosco, para poder intervir sempre do melhor modo possível». Adiantam que «nos anos 1997 e 2005, a Sociedade Espanhola para a Conservação e Estudo dos Mamíferos (SECEM) e o Grupo Lobo (Portugal) organizaram os I e II Congresso Luso-Espanhol do Lobo Ibérico, abrindo um precedente histórico sobre o conhecimento científico desta espécie». É por isso que «a nossa associação, com o apoio de diferentes associações, universidades e administrações de âmbito local e estatal, irá organizar o III Congresso Ibérico do Lobo, a realizar nos dias 23, 24 e 25 de novembro, na cidade de Lugo, Galiza». Este evento «pretende congregar todos os investigadores e gestores de Espanha e Portugal que trabalham com o lobo-ibérico».
Rio Azibo
João L. Teixeira
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CRÓNICA 59
Reuniões preparatórias de discussão do documento final resultante da conferência das Nações Unidas Rio+20 intitulado O futuro que queremos, apurado em 22 de junho
Rio+20 uma mão vazia e outra cheia de nada Na conferência mundial Rio+20, que decorreu de 13 a 22 de junho, a jovem estudante neozelandesa Brittany Trilford, no discurso que inaugurou o primeiro plenário, pediu aos chefes de Estado que “cumpram as promessas feitas na Eco 92”
Rio+20: um ponto de encontro para muito se falar de desenvolvimento sustentável
“…Neste momento sou todas as crianças, as vossas crianças, três mil milhões de crianças. Pensem em mim como metade do mundo”, disse. “Prometeram combater as alterações climáticas, garantir o acesso universal à água potável e à alimentação, respeitar o ambiente. As promessas foram feitas mas o nosso futuro continua ameaçado. … Estou aqui a lutar pelo meu futuro e quero pedir-vos que pensem por que estão aqui. Estão aqui para salvar a vossa face ou para nos salvar?”. Duas décadas depois da ECO’92, que iniciou todo um conjunto de processos, nomeadamente três convenções nas áreas do clima, desertificação e biodiversidade e estabeleceu uma agenda para a sustentabilidade às escalas local e global (Agenda 21), o cenário não é animador. O aquecimento global não está a ser contido, as áreas desertificadas estão a aumentar e
não se tem conseguido parar a destruição de muitos ecossistemas. Sabe-se que a tarefa é difícil e, em algumas áreas, corre-se o risco de se agravar as divergências sistematicamente acumuladas ao longo dos anos entre países mais ricos (mais industrializados e desenvolvidos) e as economias emergentes e países em desenvolvimento (ou menos desenvolvidos). Há visões muito diferentes do caminho a seguir para um planeta que tem cada vez mais população e que está a usar recursos que não se conseguem regenerar ao mesmo ritmo que se consomem. Exigia-se mais da Rio+20 para contrariar estas tendências e não deixa de ser lamentável que, duas décadas passadas, a erradicação da pobreza continue a ser um dos grandes problemas da atualidade, evidenciando que não se fez o trabalho de tornar a sociedade mais justa e equitativa.
Cúpula dos Povos: evento paralelo à conferência das Nações Unidas Rio+20
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60 CRÓNICA
A conferência mundial Rio+20 resultou num evento que reuniu mais de 100 países no Rio de Janeiro, exigindo fortes medidas de segurança
“Como falam de ambiente quando são eles (empresas e políticos associados à Rio+20) que destroem as florestas e a nossa água?”, dizia um chefe índio
Em torno da conferência Rio+20 surgiram diversas manifestações
Afinal para que foram ao Rio? A Conferência Rio+20 oferecia uma oportunidade única e histórica para as nações de todo o Mundo enfrentarem urgentemente um desafio duplo e interdependente: por um lado, o combate à pobreza e à degradação ambiental e, por outro lado, a mudança do modelo de desenvolvimento económico atual para outro modelo de desenvolvimento baseado em princípios de sustentabilidade. Competia aos governantes tomar medidas concretas e urgentes para a alterar o atual modelo de desenvolvimento para um mais justo e sustentável, preservando o planeta para as gerações presentes e futuras. Mas, uma vez mais, os responsáveis dos países de todo o mundo, mostraram-se incapazes para encontrar uma saída para a crise global, quer ambiental, quer social ou económica, dando continuidade a um diálogo iniciado há mais de 30 anos, sob a égide das Nações Unidas, que não tem passado de um diálogo de surdos.
Cúpula dos Povos Na Cúpula dos Povos que decorreu no outro lado da cidade do Rio de Janeiro,
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Aterro do Flamengo, a abordagem foi mais simples e pragmática – talvez também mais ingénua, mas claramente mais genuína. Uma conferência com visões opostas e uma forma de discussão muito diferente, com atividades culturais e muitos espaços de divulgação, discussão e partilha. “Como podem vir falar de ambiente quando são eles (empresas e políticos associados à Rio+20) que destroem as nossas florestas e a nossa água?”, dizia um chefe índio. Para a sociedade civil global, a meta prevista para a Rio+20, “A Economia Verde”, é insuficiente para lidar com a atual crise do planeta. Compreensivelmente isso deve preocupar quem serve o bem comum. É que a natureza não precisa de ser defendida, pois regenera quantas vezes forem necessárias — pode é a espécie humana já não vir a fazer parte de futuros quadros de biodiversidade. Até 2014 os países signatários do documento resultante da Rio+20 deverão apresentar as suas propostas para atingir objetivos relativos ao desenvolvimento sustentável. Texto e fotos: Joaquim Peixoto
CRÓNICA IMPAR 61
Por Jorge Paiva Biólogo, Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra jaropa@bot.uc.pt
A Década da Biodiversidade (2011-2020) e a perda da biodiversidade Em 2010, o “Ano da Biodiversidade”, afirmámos nesta Revista (Parques e Vida Selvagem 31: 63-66), que as datas comemorativas (dias, semanas, anos, centenários) são uma autêntica farsa, servindo, quase exclusivamente, para protagonismos pessoais ou políticos e que na sociedade atual as pessoas não só não têm tempo para se aperceberem como estamos a poluir e, como também, a destruir a Natureza, fazendo desaparecer diariamente espécies, muitas das quais, sem sequer terem sido estudadas ou referenciadas.
A
Tigre da Tasmânia, Thylacinus cynocephalus, extinto em 1936
ssim, muito pouca gente se apercebeu que depois de 2010 ter sido o Ano Internacional da Biodiversidade, o Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, lançou, nos finais de 2011, a Década da Biodiversidade para o período de 2011 a 2020. Estamos, pois, em plena Década da Biodiversidade, em que as Nações Unidas se propuseram “promover a implementação de um plano estratégico sobre Biodiversidade e a sua visão de uma vivência em harmonia com a Natureza” e, praticamente, não só não se tem feito nada para a preservação da Biodiversidade, como também, nem sequer se tem feito qualquer alusão a esta efeméride. Assim, pouca gente tem conhecimento e, muito menos se apercebe, que as atividades humanas têm causado, nas últimas décadas, uma diminuição da Biodiversidade centenas de vezes mais rápida da que é natural. Não se pode reverter a extinção de espécies, mas é possível evitar extinções futuras de Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 61
62 CRÓNICA
outras espécies, se forem implementadas medidas seguras e duras, particularmente para as espécies que estão em elevado risco de extinção. Sabemos que as florestas, particularmente as equatoriais (pluvisilva), devido à enorme quantidade de biomassa vegetal que elaboram diariamente, são ecossistemas de elevadíssima Biodiversidade. Apesar de se ter este conhecimento, essas florestas continuam a ser derrubadas a um ritmo verdadeiramente alucinante e drástico: por cada 10 segundos é derrubada uma área dessas florestas correspondente à superfície de um relvado de um campo de futebol. Assim, atualmente, restam no Globo Terrestre pouco mais de 20% da cobertura florestal que existia depois da última glaciação (Würm), isto é, após o início do perído atual, o Holoceno (Antropogénico). Números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que, na década de 2000 a 2010, a cada ano, globalmente, 13 milhões de hectares dessas florestas foram convertidos para outros usos. A agricultura ocupa, atualmente, cerca de 70% do que foram grandes planícies ricas em gramíneas (graminais ou pradarias), 50% do que foram savanas, 45% do que foram florestas temperadas e perto de 30% do que foram floresta tropicais. Por exemplo, no Brasil, que está entre os cinco países com maior área de floresta, a perda chegou a 2,6 milhões de hectares anuais. Da “Floresta Atlântica” brasileira (não confundir com “Floresta Amazónica”) restam menos de 6% da que existia quando, em 1500, os portugueses, chegaram ao Brasil com a frota capitaneada por Pedro Álvares Cabral.
Extinções em massa Houve várias grandes extinções em massa de espécies na história da Biodiversidade desde o início da existência de vida na Terra (cerca de 3,5 bilhões de anos), servindo a ocorrência das mais drásticas para limitar alguns períodos geológicos (finais de uns e início de outros). Na grande extinção câmbrica (CâmbricoOrdovícico, a cerca de 500 milhões de anos) extinguiu-se grande quantidade de espécies de equinodermes (ex.: ouriços e estrelas-do-mar), braquiópodes (bivalves, marinhos e bentónicos) e conodontes (vertebrados primitivos, cujos fósseis do aparato bucal têm forma cónica, que existiram, evoluíram e se extinguiram há mais de 540 milhões de anos); na ordovícica (Ordovícico-Silúrico, 435 milhões de anos) extinguiram-se sobretudo trilobites, braquiópodes 62 • Parques e Vida Selvagem verão 2012
e equinodermes (crinóides e equinóides); na devónica (Devónico-Carbónico, 345 milhões de anos) desapareceram os placodermos (peixes extintos, com o corpo coberto de placas) e cerca de 70% de espécies marinhas, sobretudo corais e estromatoporóides (espongiários, poríferos, extintos); na pérmica (Pérmico-Triássico, 250 Dodó, Raphus cucullatus, extinto no século XVIII milhões de anos) deu-se a completa extinção das trilobites e cerca de 96% dos géneros marinhos; na triássica (Triássico-Jurássico, 195 milhões de anos) extinguiram-se cerca de 20% das famílias de animais marinhos, dos arcossauros (crocodilos, dinossauros e aves primitivas) e dos grandes anfíbios existentes na altura; finalmente, a cretácica (Cretácico-Terciário, 65 milhões de anos), mais conhecida pela extinção dos dinossauros, extinguiu-se cerca de 60% da vida na Terra. Quagga, Equus quagga, extinta em 1883 Claro que nunca se extinguiram todas as espécies em cada uma um acontecimento distinto ou meramente como dessas extinções de grandes proporções. Houve parte de um único processo crescente. Esta sempre espécies sobreviventes, que por permuta extinção em massa do Holoceno é caracterizada genética e evolução foram dando origem a mais significativamente pela presença de novas espécies e a Biodiversidade aumentava fatores de influência humana e é muito curta novamente. Assim, desde o aparecimento da em termos de tempo geológico (dezenas a vida na Terra, a Biodiversidade, apesar das milhares de anos), quando comparada com a oscilações, foi aumentando até atingir um valor maioria das outras extinções em massa. Nesta máximo no Terciário. última extinção (pleistocénica ou holocénica), A extinção em massa pleistocénica (ou desapareceram numerosas famílias de plantas holocénica), ocorrida há 9.000-13.000 anos, vasculares e animais incluindo mamíferos, aves, é a que se iniciou depois da última glaciação anfíbios, répteis e artrópodes, particularmente (Würm) e prossegue na atualidade. Esta nas florestas equatoriais (pluvisilva). extinção em massa inclui o desaparecimento Calcula-se que durante o último século, tenham de grandes mamíferos (ex.: mamutes). Tais desaparecido entre 20 mil a 2 milhões de desaparecimentos têm sido considerados ou espécies, não sendo possível uma estimativa como uma resposta às mudanças climáticas, mais exata. Estima-se que a taxa provável de ou resultado da proliferação dos humanos extinções na atualidade seja de 140 mil espécies modernos, ou ambas as causas. A taxa por ano. de extinção holocénica tem-se acelerado Nesta extinção em massa holocénica, a espécie dramaticamente nos últimos 50 anos. Não há humana, logo que começou a caçar, passou a uma concordância generalizada se as extinções ser um dos agentes mais relevantes na perda da mais recentes devem ser consideradas como Biodiversidade. São disso exemplos, as extinções
Terciário
Cretácico
Jurássico
Triássico
Pérmico
Carbonífero
600
Devónico
Ordovícico
Câmbrico
Biodiversidade (n.º de famílias)
de alguns animais holocénicos indefesos (aves sem asas) ou de grandes proporções e com dificuldade em se deslocarem com rapidez por viverem em ecossistemas plenos de neve (mamutes). Foi assim, que há cerca de 12 mil anos se extinguiram os mamutes (cerca de 11 espécies do género Mammuthus), que o homem caçou intensamente para se alimentar, vestir, utilizar os ossos e couro para fabricação de casas, o marfim, etc.; o lémur gigante (Megaladapis edwardsi), com cerca de 2 m e 230 kg, extinguiuse há cerca de 2.000 anos, altura da chegada do Homem a Madagáscar, não só pela caça, como também pela alteração antropogénica dos ecossistemas que habitava; a moa gigante (Dinornis maximus), uma ave não voadora, com cerca de 4 m de altura e 400 kg, extinguiu-se há cerca de 700 anos, com a chegada do Homem à Nova Zelândia; há cerca de 200 anos extinguiuse o dodô (Raphus cucullatus), uma ave não voadora, de razoável porte (0,5 m de altura e cerca de 23 kg), que habitava algumas ilhas do oceano Índico (Maurícia, Reunião e Rodrigues) e extinta no século XVIII por caça exaustiva; a quagga (Equus quagga), uma das espécies de zebra das savanas da África do Sul, com cerca de 1,5 m e 350 kg, foi caçada intensamente, não só para a alimentação, como também pela utilização do couro, tendo morrido o último representante dessa espécie em 1883, no Jardim Zoológico de Amesterdão (Holanda). Durante a minha já longa vivência neste Mundo (nasci em 1933), desapareceram e testemunhei o desaparecimento de algumas espécies, quer animais, quer de plantas. O caso mais “emblemático foi a extinção do tigre da Tasmânia (Thylacinus cynocephalus), com cerca de 2 m de comprimento e 40 kg, que foi considerado oficialmente extinto com a morte do último espécime em 7 de setembro de 1936 (já eu tinha nascido), no Jardim Zoológico de Hobart (Tasmânia). Este predador foi caçado impiedosamente por ter a fama de assassino de gado bovino e ovino, tendo o Governo australiano oferecido uma boa recompensa em dinheiro pela sua captura. Além disso, a população de tigres da Tasmânia foi também drasticamente reduzida por uma doença desconhecida que devastou grande parte da vida selvagem da Tasmânia. Outros exemplos de extinções contemporâneas da minha vida, foram a do pato-das-marianas (Anas oustaleti), dado como extinto em 1981, e a da foca-monge-das-caraíbas (Monachus tropicalis), dada como extinta em 2008. Como exemplos de extinções recentes de plantas, citamos como exemplo, a do azevinho-
Silúrico
Evolução da Biodiversidade
800
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Milhões de anos
da-índia (Ilex gardneriana), dado como extinto em 1998, por perda do respetivo habitat. Como exemplo de extinções de seres de outros filos, que não animais ou vegetais, citamos a extinção do cogumelo-quinino (Fomes officinalis), que não contém quinino, e que, apesar de ser um dos cogumelos atuais mais compridos e ter uma vida média de cerca de 50 anos, está extinto na Europa (atualmente só ocorre na América do Norte), por excessiva colheita devido aos seus atributos medicinais. Mesmo em Portugal, há mamíferos de porte significativo, extintos ou criticamente em perigo, como o urso-pardo (Ursus arctos) considerado extinto (entre os séculos XVII e XIX), embora, ultimamente, alguns tenham sido vistos temporariamente nas serranias do Norte, vindos de Espanha, em “visitas” esporádicas; como a cabra-montês (Capra pyrenaica), extinta em 1890, tendo reaparecido na Serra Amarela (Parque Nacional da Peneda-Gerês), em 1999, fugida de um cercado espanhol, no fronteiriço Parque Natural do Xurés, mas que continua com o estatuto de criticamente em perigo de extinção e até o próprio lince-ibérico (Lynx pardinus), que, apesar de ter sido reintroduzido e haver medidas de conservação específicas, continua com escassa população e com cenário de préextinção. Nas plantas, também conheço casos de espécies lusitanas dadas como extintas, como a Armeria arcuata, assim como outras que estiveram dadas como extintas durante a minha vivência, mas, das quais, se redescobriram populações residuais, como, por exemplo, o endemismo ibérico, Narcissus willkommii, que, no
nosso país só ocorre no Algarve. É tudo isto que os governantes, políticos, industriais, etc., necessitam, urgentemente, de saber, isto é, sem elucidação da população, com programas bem elaborados nas Estações de Rádio e Televisão Públicas e sem uma Educação Ambiental bem programada nas Escolas, a preservação dos outros seres vivos (Biodiversidade) vai continuar a diminuir drasticamente. É fundamental que todos se capacitem que não sobreviveremos no Globo Terrestre sem os outros seres vivos (Biodiversidade) e que quanto maior for a Biodiversidade, maior é a probabilidade da sobrevivência da nossa espécie. Porém, a sociedade consumista em que se transformou a designada “civilização ocidental” tornou-se opressiva, violenta e demolidora. Assim, as pessoas não só não têm tempo para se aperceberem como estamos a poluir a “gaiola” (Planeta Terra) em que vivemos, como também estamos a destruir a Natureza, fazendo desaparecer diariamente espécies, muitas das quais, sem sequer terem sido estudadas ou referenciadas. Os políticos apregoam imenso que é necessário um desenvolvimento sustentável, mas não fazem concretamente nada para que assim aconteça. Um desenvolvimento só será sustentável se houver preservação da Biodiversidade, o que não tem vindo a acontecer em parte nenhuma do Globo. Assim, apesar de estarmos em plena “Década da Biodiversidade” (2011-2020) instituída pelas Nações Unidas, os nossos governantes ignoram-na plenamente, preocupando-se única e exclusivamente com interesses financeiros. Parques e Vida Selvagem verão 2012 • 63
64 BIBLIOTECA
Gonçalo Sampaio: Iconografia Selecta A flora portuguesa ainda não tem, nos nossos dias, uma publicação corrente iconográfica que expresse de forma cuidada e abrangente a sua extrema diversidade. As obras iconográficas exclusivamente da flora portuguesa são “A Flore Portugaise” de Hoffmannsegg e Link, 1809-1840; a “Phytographia Lusitaniae” de Brotero, 1816 e 1827 e a “Iconografia Selecta da Flora Portuguesa” de Gonçalo Sampaio, 1949. A “Iconografia Selecta da Flora Portuguesa” foi publicada em 1949 pelo Ministério da Educação Nacional através do Instituto para a Alta Cultura, mas já depois da morte do autor. Gonçalo Sampaio, que em vida tanto acarinhou este projeto, nunca veria de facto publicada a sua obra-prima. O autor, Gonçalo Sampaio, chegou a conseguir uma verba do orçamento de Estado para o fazer. Assim que isso se efetivou lançou mãos à obra e, com a colaboração da desenhadora Sara Cabral Ferreira, ilustrou e comentou 150 plantas, as mais notáveis segundo ele da flora de Portugal. De forma inesperada há entretanto um volta-face e as verbas inicialmente consignadas à publicação viriam a ser canalizadas para outros fins. Diante da evidência, Gonçalo Sampaio e os seus colaboradores serão obrigados a interromper este trabalho, facto que irritou a ponto de se perder o texto original que ele redigia para acompanhar a publicação.
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A “Iconografia Selecta da Flora Portuguesa” de Sampaio, I vol. Infólio, então publicada em 1949, é a coleção de desenhos da autoria de Sara Cabral Ferreira. Só um pequeno número das gravuras apresenta desenhos dos pormenores e as estampas são acompanhadas do nome que o autor lhes atribuiu, mas não há qualquer texto descritivo ou explicativo, como era intenção do autor no planeamento inicial da publicação. No final surge a bibliografia portuguesa de obras citadas e uma sinonímia das espécies representadas elaborada por Arnaldo Rozeira. Esta e outras publicações antigas de botânica podem ser consultadas na biblioteca do Parque Biológico de Gaia. Quando visitar o sítio do Parque Biológico de Gaia na internet poderá aceder, no ícone Biblioteca, ao catálogo de obras. Por Filipe Vieira
COLETIVISMO 65
Borboletas raras das Estações da Biodiversidade As Estações da Biodiversidade são percursos pedestres com um máximo de 3 km sinalizados com 9 painéis informativos sobre espécies comuns a observar, com especial destaque para os insetos e plantas. Está atualmente formada uma rede nacional constituída por 38 locais, dos quais 16 Estações da Biodiversidade já estão abertas ao público. Em relação às borboletas, os resultados do trabalho de campo realizado são particularmente positivos. A rede das estações contém um total de 113 espécies de borboletas diurnas, o que equivale a cerca de 83% da diversidade existente em Portugal.
São também já várias as espécies raras observadas, das quais se destacam: Limenitis camilla na Estação da Biodiversidade de Vale do Bestança (Cinfães), Libythea celtis na Estação da Biodiversidade de Santa Combinha (Macedo de Cavaleiros), Phengaris alcon em Campo Benfeito (Castro Daire), Euchloe tagis em Pico Alto (Silves) ou Gegenes nostrodamus na última estação inaugurada na Ribeira de Alportel (S. Brás de Alportel). Nos sites www.biodiversity4all.org e http:// bioeventos2010.ul.pt pode consultar a informação sobre a estação da biodiversidade mais próxima de si e faça uma visita para conhecer o nosso rico património natural. Este projeto é da responsabilidade do Tagis,
Albano Soares
Museu Nacional de História Natural e da Ciência e do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa. Por Patrícia Garcia-Pereira investigadora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência
Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal Museu Nacional de História Natural Rua da Escola Politécnica, 58 • 1250-102 Lisboa Tel. + Fax: 213 965 388 info@tagis.org • www.tagis.org
Congresso Internacional EcoSaldo Em 17 e 18 de maio realizou-se no Parque Biológico de Gaia o Congresso Internacional EcoSaldo – A Contabilidade da Economia Verde. Especialistas de diversos países, elementos do Governo português e uma audiência participativa contribuíram para quatro sessões plenárias de debate onde se provocou a discussão sobre novas ideias criar consenso sobre os passos seguintes à Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio+20. Uma das questões estruturais que tornam obtenção de acordos em matéria ambiental numa verdadeira “impossibilidade política”, é o problema da dispersão dos encargos (débitos) e benefícios (créditos) ambientais por todo o planeta, denominados como externalidades ambientais negativas ou positivas, e que são identificadas pela economia como uma “falha de mercado”. Nesse sentido, discutiu-se a proposta do reconhecimento de um “Património Natural Intangível da Humanidade” relativamente aos sistemas Climático e Oceânico num primeiro painel que contou com a moderação de Alexandra Carvalho (MAMAOT) e os oradores José Sobrinho (Universidad de A Coruña), Ana Barreira (IIDMA), Alexandra Aragão (Universidade de Coimbra) e Alexander Girvan (ProEcoServ). O congresso EcoSaldo foi uma
João L. Teixeira
oportunidade de debate e promoção dos recursos científicos nestas temáticas permitindo capitalizar conhecimento que permitirá adoptar as estratégias adequadas aos modelos de desenvolvimento e crescimento sustentáveis e inclusivos. A articulação dos conhecimentos académicos de várias áreas (Ciências biológicas, Economia e Direito) demonstrando as maisvalias não só económicas das opções referidas permitiu a criação de um grupo de trabalho com a maioria dos interlocutores e a constituição de um concelho de consultores. O modelo de operacionalização do EcoSaldo será trabalhado
nesse contexto constituindo a Região Norte como um local de referência nesta matéria. Um dos passos sguintes é a organização do próximo congresso internacional em 17 e 18 de outubro, dando continuidade às reflexões iniciadas com este congresso. A organização deste congresso, pela Quercus e Município de Gaia, contou com co-financiamento pelo ON2 - O Novo Norte e QREN, através do Fundo Europeu do Desenvolvimento Regional. In Conferências Internacionais antes e depois do RIO + 20, Congresso Internacional EcoSaldo, memória
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66 COLETIVISMO
Birdwatching
Festival de Observação de Aves Realiza-se de 30 de setembro a 7 de outubro, a 3.ª edição do Festival de Observação de Aves de Sagres, uma iniciativa promovida mais uma vez pelo Município de Vila do Bispo e a Associação Almargem, e que conta com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) como entidade executora. A península de Sagres, no concelho de Vila do Bispo, está integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e é uma das zonas mais importantes do Algarve e do país para a avifauna. Este local alberga espécies únicas na região e é palco de um fenómeno natural que, em Portugal, não encontra semelhante – a migração outonal de aves planadoras. De agosto a novembro, esta zona torna-se no principal corredor migratório do país para cegonhas, águias, abutres, gaviões, falcões, etc., sendo possível observar praticamente todas as espécies de aves planadoras que ocorrem em Portugal, bem como algumas raridades. À parte das planadoras, Sagres é um local bastante interessante para observar outros grupos de aves, nomeadamente marinhas, estepárias, passeriformes, entre outras.
As aves são assim a atração principal deste festival, que tem por objetivo divulgar e impulsionar o turismo ornitológico na região algarvia e posicionar Sagres como um destino obrigatório dos birdwatchers, nacionais e estrangeiros. Este ano a iniciativa foi alargada, estendendose por uma semana. Nos primeiros dias o festival estará aberto apenas a públicos específicos, nomeadamente empresas, técnicos de câmaras municipais, universidades, escolas do concelho de Vila do Bispo, caçadores, pescadores e população local. As portas do festival abrem-se para o público em geral nos 3 últimos dias do evento, de 5 a 7 de outubro, com muitas atividades e diversas novidades. Esta edição conta mais uma vez com o financiamento do POALGARVE 21, que financia 65% do evento, sendo esta uma das muitas ações do Projeto “Via Algarviana II” do qual a Associação Almargem é promotora e o Município de Vila do Bispo parceiro. Autoria: SPEA e Almargem | www.birdwatchingsagres.com
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Avenida João Crisóstomo, n.º 18 - 4.º - Dir. 1000-179 Lisboa spea@spea.pt • www.spea.pt
Conferência Europeia de Geoparques A Escola Secundária de Arouca vai acolher de 19 a 22 de setembro a 11.ª Conferência Europeia de Geoparques. Esta conferência quer contribuir para o desenvolvimento e crescimento sustentáveis dos geoparques europeus em concordância com a estratégia europeia Europa 2020, centrada em áreas-chave como o conhecimento e a inovação, por uma economia sustentável, empenhando-se no combate ao desemprego e à exclusão social. No programa do evento há apresentações orais e posters, bem como saídas de campo ao Geoparque de Arouca e ao da Naturtejo. O Geoparque de Arouca também possui programas educativos, abrangendo áreas da geologia, biologia, geografia, arqueologia, história, ambiente e turismo. Encontra mais indo a www.2012egnconference.com.
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Miradouro da Frecha da Mizarela João L. Teixeira
TARDÍGRADOS 12.º SIMPÓSIO INTERNACIONAL
23 - 26 de julho
Investigadores de todo o mundo juntam-se no Parque Biológico de Gaia para debaterem
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Parques e Vida Selvagem Parque Biológico de Gaia | 4430 - 757 Avintes Telemóvel: 969 105 613 | e-mail: pub@parquebiologico.pt
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Centro de Congressos Hospedaria Self-service Parque de Auto-caravanas Audit贸rio e muita, muita Natureza!
a apenas 15 minutos do centro de Vila Nova de Gaia