Revista PARQUES E VIDA SELVAGEM n.º 48

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Ano XIV • N.º 48 • 22 de setembro a 21 de dezembro de 2014

Portfolio CONCURSO FOTOGRÁFICO Entrevista VESPA ASIÁTICA Reportagem PAISAGEM PROTEGIDA DA SERRA DO AÇOR

3 euros

IVA incluído

Portfolio Anual Photography Contest Interview The Asian wasp in Portugal Report Protected Landscape of the Serra do Açor

CENTRO DE RECUPERAÇÃO + PARQUES DE GAIA + BIBLIOTECA SUSTENTABILIDADE + RETRATOS NATURAIS + FOTONOTÍCIAS



EDITORIAL 3

Nuno Gomes Oliveira

Diretor da revista “Parques e Vida Selvagem”

Interesses & oportunidades Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, em Lima, no Peru, mais uma oportunidade perdida

T

erminou a 13 de dezembro a COP‑20 (20.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), tendo-se chegado a um impasse; um texto apresentado na madrugada de domingo aos representantes de mais de 190 países foi mal recebido por países em desenvolvimento e opôs China a Estados Unidos. De acordo com o documento final da cimeira aprovado, em Lima, intitulado "Apelo de Lima para Ação Climática", todos os países terão de apresentar à Organização das Nações Unidas (ONU), até março de 2015, compromissos para combater o aquecimento global. Com base nesses contributos nacionais, será celebrado o “Acordo de Paris” em novembro de 2015, para entrar em vigor em 2020, determinando metas até 2025 ou 2030. E assim vamos perder mais 15 anos no controlo e diminuição do aquecimento global! De facto as coisas não vão bem para o planeta Terra, que tão mal temos tratado; alterações climáticas, subida do nível do mar, pragas, doenças, perda de biodiversidade, entre outros fatores, não auguram um futuro feliz para a Humanidade. Com a população em crescimento (atualmente somos 7,1 mil milhões de

habitantes do Planeta, mas a ONU prevê que se atinjam os 9,7 mil milhões em 2050) vamos precisar cada vez de mais alimentos e todos os problemas referidos, a que se deve juntar a perda de polinizadores, nada permite prever que a produção aumente, antes pelo contrário. Que mundo nos espera nas próximas décadas? A leitura de alguns trabalhos científicos recentemente publicados ajuda-nos a antever o futuro e a tomar consciência do que é necessário alterar.

Os mais quentes de sempre Ainda há quem ponha em causa as alterações climáticas, apesar de todas as evidências. A nível global do planeta os meses de maio, agosto e setembro de 2014 foram os mais quentes desde que há registos regulares de temperaturas (1881), o que indica uma tendência de aquecimento da Terra. Mas não é só o aquecimento global: investigadores da Universidade de Berkeley (Califórnia) verificaram que o campo magnético da Terra se está a alterar a um ritmo nunca visto e que, daqui a 100 anos, Norte e Sul poderão trocar de posição, com consequências várias, entre elas a avaria generalizada das ligações elétricas no Mundo. Já a revista Proceedings of the National

Academy of Sciences, da Austrália, publica um estudo que demonstra que o nível do mar subiu 20 cm nos últimos 100 anos, depois de um período de 6 mil anos de bastante estabilidade. Será possível viver num mundo assim? E a que preço? Mas também há boas notícias: Vila Nova de Gaia foi a primeira cidade da Europa a apresentar a redução de emissões de CO2, no âmbito do Sustainable Energy Action Plan (União Europeia). Uma redução de 16% face às emissões produzidas em 2005.

Prémios Ciência Viva Montepio 2014 O amigo e colaborador desta revista, o botânico e ambientalista Doutor Jorge Paiva, da Universidade de Coimbra, recebeu no passado mês de novembro o Prémio Ciência Viva Montepio, que reconhece o seu papel importantíssimo na divulgação da cultura científica. Jorge Américo Rodrigues de Paiva nasceu em Cambondo (Angola), no dia 17 de setembro de 1933, é licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade de Coimbra e doutorado em Biologia pela Universidade de Vigo (Espanha). Foi investigador principal no Departamento de Botânica da

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4 EDITORIAL

Universidade de Coimbra; lecionou na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, nos Departamentos de Biologia das Universidades de Aveiro e da Madeira, na licenciatura de Arquitetura Paisagista da Universidade Vasco da Gama de Coimbra, no Departamento de Engenharia do Ambiente do Instituto Superior de Tecnologia de Viseu e no Departamento de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Universidade de Vigo (Espanha). Como bolseiro do Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC) trabalhou durante três anos em Londres nos Jardins de Kew e na Secção de História Natural do Museu Britânico. Como fitotaxonomista tem percorrido a Península Ibérica, Ilhas Macaronésicas, África, América do Sul e Ásia, tendo também já visitado a Austrália. Como ambientalista é muito conhecido pela defesa intransigente do ambiente, sendo membro ativo de várias associações e comissões nacionais e estrangeiras. A sua atividade em defesa do ambiente foi distinguida, em 1993, com o Prémio “Nacional” da Quercus (Associação Nacional de Conservação da Natureza); em 2005, com o Prémio “Carreira” da Confederação Nacional das Associações de Defesa do Ambiente; em 2005, com o Prémio “Amigos do Prosepe” pelo Prosepe (Projeto de Sensibilização da População Escolar) e em 2001 e 2002, com as menções honrosas dos respetivos Prémios Nacionais do Ambiente “Fernando Pereira” conferidas pela Confederação Nacional das Associações de Defesa do Ambiente. Publicou já mais de cinco centenas de trabalhos sobre fitotaxonomia, palinologia e ambiente. Proferiu mais de um milhar de conferências em reuniões científicas, congressos, simpósios ou ações pedagógicas. Parabéns, Jorge Paiva!

Espécies infestantes Alguns rios portugueses (Tejo, Zêzere, Guadiana, Mondego, etc.) estão a ser invadidos por um peixe que pode viver décadas e atingir 2 m, o siluro (Siluros glanis) semelhante a um peixe-gato, que se alimenta de ruivacos, bogas, barbos,

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 Siluro de 68,5 kg pescado no rio Ebro, Espanha1

 Lucioperca (Sitzostedion lucioperca, sin. de Sander luciperca)

e outros peixes autóctones. A detenção e comercialização desta espécie foi proibida em 1999, sem sucesso, pois já tinha sido introduzido nos rios ibéricos nas décadas de 70. A introdução do siluro em Espanha foi da responsabilidade do biólogo alemão Roland Lorkowsky em 1974, que introduziu no rio Ebro 32 juvenis procedentes do Danúbio; em Portugal desconhece-se como entrou. Outra espécie introduzida ilegalmente na década de 70 foi o lucioperca (Sitzostedion lucioperca, sin. de Sander luciperca), hoje presente em muitas albufeiras, como Crestuma-Lever, Torrão, Alqueva e outras. Em 2009, na Suíça, um lucioperca atacou pessoas. Uma das mais preocupantes pragas

instaladas em Portugal é a acácia; na revista “Ecological Letters” uma equipa de cientistas portugueses e alemães publicou um artigo, em novembro, onde demonstram que a acácia (Acacia longifolia), originária do Sul da Austrália e da Tasmânia e trazida há muito para Portugal com fins ornamentais, compete com as outras plantas, alterando o funcionamento do solo e, por isso, se tornou uma praga incontrolável. Mesmo em sítios afastados da área infestada por acácias, a sua influência faz-se notar pelo enriquecimento do solo e de outras plantas em azoto, o que é prejudicial.

O decréscimo dos polinizadores Em consequência da alteração dos habitats, do uso intensivo de pesticidas


e do surgimento de doenças, tem‑se vindo a registar um decréscimo de polinizadores, especialmente insetos. Se esta tendência continuar está em causa a produtividade agrícola e a segurança alimentar da humanidade. Isto obriga já, em algumas regiões, a fazer a polinização manual de maçã, maracujá, tomate e outras culturas, processo que, contudo, é trabalhoso, moroso e caro e não assegura as necessidades alimentares de uma população mundial em crescimento. Uma boa notícia é que a Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), sediada na Régua, está a promover a biodiversidade funcional nas vinhas do Douro, com vista à limitação natural de pragas e à redução do uso de pesticidas. A redução do uso de pesticidas nas vinhas do Douro pode permitir a recuperação da biodiversidade da região e contribuir muito para a despoluição do Douro, para onde herbicidas e pesticidas são arrastados pelas chuvas.

Declínio rápido das aves comuns na Europa e dos vertebrados no Mundo O último número da revista “Ecology Letters” dá conta de um estudo feito por vários cientistas ingleses e checos que se debruçou sobre os registos de 30 anos (1980/2009) relativos a 144 espécies de aves comuns da Europa; a população dessas aves teve uma redução, nesse período, de mais de 420 milhões de indivíduos. Verificaram, por exemplo, um declínio enorme de pardal-comum (Passer domesticus) e do estorninho (Sturnus vulgaris), declínio que atribuem à diminuição das áreas de agricultura tradicional e ao avanço da agricultura intensiva. E nesta situação ainda mais escandalosa se torna a notícia do jornal “The New York Times” que dá conta do ressurgimento de uma velha prática da gastronomia francesa: capturar sombrias (Emberiza hortulana), sobrealimentá-las, afogá-las em Armagnac, tostá-las e comê-las. Embora a espécie se encontre protegida na União Europeia desde 1979, calcula-se que 50 mil sombrias são capturadas anualmente em França, onde a sua população se estima em 15 mil casais (1992), o que motivou um declínio de 40% da população da espécie.

Ao mesmo tempo, o WWH (World Wildlife Found) revelava o “Living Planet Index”, elaborado a partir da evolução de 10380 populações de mais de 3 mil espécies de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes, que nos últimos 40 anos (1970/2010) houve um declínio de 52% do número de indivíduos dessas populações. Cerca de 45% das espécies diminuíram por causa da perda de habitats e 37% por caça ou pesca sem controlo; a alteração dos cursos de água é responsável pelo decréscimo de 76%. Particularmente grave é a situação da América Latina onde o decréscimo de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis atingiu 83%. Mas se desaparecem espécies, também são encontradas novas espécies; foi o que aconteceu na ilha de Sulawesi, na Indonésia, onde uma equipa de ornitólogos americanos e indonésios publicou, em novembro, na revista “Plus One”, a determinação de uma nova espécie da papa-moscas, o Muscicapa sodhii.

Colisões com animais Já nesta revista se abordou várias vezes o duplo problema das colisões com animais selvagens nas estradas; duplo problema, pois coloca em risco os animais e os automobilistas. Ora o Luxemburgo está a instalar refletores azuis ao longo das estradas rurais para evitar este problema. O azul, diz a Agência de Estradas do Luxemburgo, é considerado pelos animais selvagens um sinal de perigo, porque raramente se vê na natureza. Quando um carro com os faróis acesos se aproxima de um desses refletores azuis, cria como que uma vedação luminosa que, esperam, desencoraje os animais a atravessarem a estrada. Um projeto idêntico, desenvolvido na Alemanha, reduziu os acidentes noturnos com animais em 73%.

Compromisso para o crescimento verde Em setembro o Ministro do Ambiente anunciou que a biodiversidade portuguesa irá ser avaliada, começando pelo Parque Natural da Serra de São Mamede, de modo a quantificar os benefícios da conservação da Natureza. "Sabemos quanto valemos economicamente a partir dos recursos

hídricos e da energia, mas não sabemos o que valemos na área da biodiversidade”, referiu Jorge Moreira da Silva, Ministro do Ambiente, após a apresentação da proposta de Compromisso para o Crescimento Verde. “O Compromisso para o Crescimento Verde procura estabelecer as bases para um compromisso em torno de políticas, objetivos e metas que impulsionem um modelo de desenvolvimento capaz de conciliar o indispensável crescimento económico, com um menor consumo de recursos naturais e com a justiça social e a qualidade de vida” (do site do Governo).

Parque Biológico de Gaia Em 2015 entramos no 33.º ano de atividade do Parque Biológico, agora com novos desafios dada a internalização nos serviços do Município de Gaia. Tentaremos continuar a fazer o melhor neste novo enquadramento administrativo, aumentando o número de visitantes e utentes dos vários espaços que temos à disposição do público. Neste inverno, não deixam de visitar a Reserva Natural do Estuário do Douro, que em tempo de migrações tem sempre surpresas, ou de apreciar a coleção de camélias, agora em flor, do Parque do Conde das Devesas, cujo guia será publicado brevemente. Outras novidades para 2015 serão a publicação do primeiro guia de pirilampos de Portugal, em versão bilingue, o “Seminário Contributos da Educação Ambiental para a Conservação da Biodiversidade”, em maio, em parceria com o FAPAS ou o “Encontro sobre Turismo de Natureza no Norte de Portugal”. A equipa do Parque Biológico continuará a estar disponível e a propor atividades todos os primeiros sábados de cada mês, para além de muitas outras atividades ao longo do ano. Aos leitores da “Parques e Vida Selvagem” e a todos, feliz 2015.

(1) Foto Seriousely Fish, disponível em http://www.seriouslyfish.com/species/silurus-glanis/

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6 CARTOON Por Ernesto Brochado

CONHEÇA AS EDIÇÕES DO PARQUE Desejo adquirir os seguintes títulos nas quantidades indicadas:

Livro “Guia da Reserva Natural Local do Estuário do Douro”de vários autores ...........................................€3,00 Livro “José Bonifácio de Andrada e Silva: Um Ecologista no Séc. XVIII” de Nuno Gomes Oliveira............€7,50 Livro “Ecoturismo e Conservação da Natureza” de Nuno Gomes Oliveira ....................................................€7,50 Livro “Áreas de Importância Natural da Região do Porto” de Nuno Gomes Oliveira .................................€15,00 Livro “Manual da Confecção do Linho” de Domingos Quintas Moreira...........................................................€2,50 Livro “Arboricultura Moderna” de Alex L. Shigo ...........................................................................................€7,50 Livro “Conservação dos Sistemas Dunares” de vários autores .......................................................................€4,00 Livro “Cobras de Portugal” de Jorge Gomes .....................................................................................................€3,00 Livro “Uma Escola Sem Muros: Diário de Um Professor”, de Paulo Gandra..................................................€3,00 Livro “Parque Biológico de Gaia - 1983/2013”............................................................................................€23,00 Livro “Borboletas dos Parques de Gaia” de Jorge Gomes.............................................................................€10,00 Livro “Mauro e Emília”, cágados em perigo (Oferecido na compra de “Galvino e Galvão, a galinha-de-água e o galeirão” (em baixo)

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Enviar este cupão preenchido em letra legível para: Parque Biológico de Gaia • Loja • Rua da Cunha • 4430-681 ou por e-mail para sandra@parquebiologico.pt

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OPINIÃO 7

Eduardo Vítor Rodrigues Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia

Gaia É provável que a imagem que a humanidade tem do planeta que habita tenha sofrido uma alteração profunda desde que a exploração espacial lhe permitiu ver a Terra de longe

O

Nascer da Terra foi o nome dado à famosa fotografia obtida a 24 de Dezembro de 1968 pelo astronauta William Anders, que ao serviço da NASA tripulou a missão Apollo 8 à Lua. Nessa imagem extraordinária, a Terra surge parcialmente em sombra, vendo-se no primeiro plano a superfície lunar e ao fundo uma bola azul suspensa no Espaço. Foi a primeira vez que uma grande parte da humanidade tomou consciência do “corpo” esférico e azul do seu planeta, bem como da relação de escala que ele estabelece com a infinitude escura do universo. Essa imagem mudou, de alguma forma, o mundo; ou melhor, mudou a forma como vemos o mundo e como o conceptualizamos. E mudou-o porque a imagem do mundo mudou para milhões de pessoas, que passaram a compreender melhor, mesmo que de modo inconsciente, o mito clássico e milenar de Gaia, a Mãe Terra, ou a Deusa Mãe, descrita por Hesíodo, já no

século VIII a. C., como uma das forças cósmicas elementares, juntamente com o seu par Urano. Na Teogonia, Gaia, a Terra, e Urano, o Céu, são apresentados como a primeira geração divina, da qual surgiria uma genealogia imensa de outros deuses. Este conceito de Mãe Terra, ou Gaia, percorreu incólume toda a história da humanidade e é ainda hoje uma estrutura mitológica fundamental de algumas das grandes religiões. A belíssima imagem do Nascer da Terra que a Apollo 8 obteve acabou por fundir o conhecimento antigo com o moderno, suscitando nos movimentos científicos mais recentes, ligados à ecologia e ao estudo da biosfera, a motivação para investigações mais audazes sobre o nosso planeta, bem como para a valorização do seu equilíbrio homeostático, do uso sustentável dos seus recursos e do respeito por todas as formas de vida que nele progridem. As viagens no Espaço fizeram mais, contudo, do que revelar uma nova

imagem da Grande Deusa. Elas foram igualmente uma fonte riquíssima de informações sobre a atmosfera e sobre a superfície terrestre que permitiram o aparecimento de novas investigações sobre as interações que continuamente se estabelecem entre as partes vivas e as partes inorgânicas do planeta. Foi então que surgiu um modelo mais recente, que, contudo, terá na verdade mais de meio século, segundo o qual Gaia seria um sistema biológico complexo, formado pela matéria viva da Terra, o ar, os oceanos e a superfície terrestre, suscetível de ser entendido como um organismo vivo e único, com capacidade autónoma de autoregulação e evoluindo sob o princípio da Homeostasia. Hoje é absolutamente fundamental que esta reflexão prossiga e se chame a participar nela as gerações mais novas e a comunidade escolar. Os modelos de desenvolvimento sustentável deverão ter em conta fatores de natureza ambiental e ecológica, não sendo possível prosseguir por muito mais tempo este caminho de predação que o Homem exerce sobre os outros seres vivos, sobre o próprio planeta como um todo, colocando em causa o seu equilíbrio dinâmico e tornando previsivelmente mais difíceis as condições futuras de sobrevivência para um número muito alargado de espécies. Inclusivamente para o futuro da própria humanidade.

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Na produção desta revista, ao utilizar um papel com 60% de fibras recicladas (Satimat Green) em vez de um papel não reciclado, o impacto ambiental foi reduzido em:

Outono 2014

1762

kg de aterro

159

litros de água

1590

kg de CO2 (gases de efeito de estufa)

38170

kWh de energia

3804

kg de madeira

2863

km de viagem num automóvel europeu de consumo médio

FICHA TÉCNICA Revista “Parques e Vida Selvagem” Diretor Nuno Gomes Oliveira Editor Parque Biológico de Gaia Coordenador da Redação Jorge Gomes Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia Propriedade Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM Pessoa coletiva 504763202 Tiragem 10 000 exemplares ISSN 1645-2607 N.º Registo no I. C. S. 123937 Dep. Legal 170787/01 Administração e Redação Parque Biológico de Gaia Rua da Cunha • 4430-681 Avintes Portugal Telefone 227878120 E-mail: revista@parquebiologico.pt Internet http://www.parquebiologico.pt Conselho de Administração Serafim Silva Martins Presidente executivo

Tiago Filipe Costa Braga Vogal executivo

José Manuel Dias da Fonseca Vogal não executivo

www.facebook.com/parquesevidaselvagem

Errata Na revista "Parques e Vida Selvagem" n.º 47, página 35, relativa à Reserva Natural Local do Estuário do Douro, ao contrário do que é habitual, não saiu publicada a autoria da fotografia, que é de António Bastos (7-6-2014), registo raro na RNLED. Pela omissão involuntária a Redação pede desculpa ao autor.

8 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

Capa: foto de João L. Teixeira


77 62

34

14 SECÇÕES

18 CONCURSO

6 Cartoon

DE FOTOGRAFIA DA NATUREZA

7 Opinião

Romão Machado

portfolio

10

Este ano o júri foi formado por Ricardo Fonseca, J. Paulo Coutinho e Nuno Gomes Oliveira que tiveram a missão de analisar um total de 850 fotografias impressas por uma centena de autores. Sábado, 1 de novembro, às 15h00, abriu a exposição do concurso.

Ver e falar

14 Fotonotícias 26 Contra-relógio 32 Dunas

54 A VESPA QUE VEIO DE LESTE

39

entrevista

50

O voo das aves

68 Migrações

57 PAISAGEM PROTEGIDA

72 Atualidade

reportagem

77 Crónica

DA SERRA DO AÇOR João L. Teixeira

43 Recuperar Henrique N. Alves

Não temos ideia de uma vespa tão mediática como esta, mas não é exagero. Como tantos outros seres vivos deslocados indevidamente, este inseto exótico chamado Vespa velutina, é mais um caso a ameaçar a biodiversidade do país, nomeadamente um recurso económico importante – as colmeias melíferas…

Espaços verdes

A Paisagem Protegida da Serra do Açor situa-se na serra do mesmo nome, no concelho de Arganil. Com altitudes que variam entre os 400 e os 1016 metros de altitude, este relevo apresenta uma unidade de paisagem cujos valores naturais, culturais, científicos e recreativos justificam a sua salvaguarda…

76 Biblioteca

81 Coletivismo

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10 VER E FALAR

Os leitores

escrevem Distribuída a revista de verão as mensagens começam a chegar à redação

alaranjadas ora mais avermelhadas. Também aparece no Parque Biológico de Gaia, entre muitas outras espécies. Este cogumelo normalmente costuma dar um ar de sua graça na primavera ou no outono. Varia muito no que toca ao tamanho. Pode ter uns oito centímetros ou crescer até aos 20. O cheiro, quando detetado, não nos é agradável, é fétido, mas atrai compreensivelmente alguns insetos, em especial umas poucas espécies de mosca, que colaboram na dispersão de esporos, lado a lado com o vento e a água da chuva. Esperamos ter ajudado a esclarecer a sua questão. Disponha!».

Revistas anteriores Os pedidos de leitores no sentido de conseguirem adquirir também revistas mais antigas continuam a chegar. Como entretanto já não há exemplares em armazém para atender a essas solicitações, a alternativa de reunir uma coleção completa recai na internet: basta ir ao site www.parquebiologico.pt, procurar Recursos e aí Revistas – todas as anteriores edições da revista «Parques e Vida Selvagem» estão ali disponíveis.

Que cogumelo é este? Elvina Neves escreve em 19 de agosto: «Boa tarde seria possível informarem-me em relação a este cogumelo que cresce no meu jardim? Obrigada». No dia seguinte, segue a resposta: «Olá! Recebemos a sua mensagem, que agradecemos, devidamente ilustrada com fotografias do cogumelo realmente peculiar que lhe aparece no jardim. O nome vulgar desse cogumelo é gaioladas-bruxas, decerto face ao aspeto que, quando visto pela primeira vez, causa estranheza. Por sua vez, o nome científico é Clathrus ruber. Costuma aparecer em jardins, terrenos cultivados, prados, pastagens… Quando aparece lembra uma bola branca cheia de mossas ou pequenas crateras. Passa a uma fase seguinte em que toma a forma de uma bola esburacada ou de uma pequena gaiola talvez, conforme a sua fotografia evidencia, em cores ora mais

10 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

Pergunta Pedro Pereira: «Gostava de colocar no meu jardim um comedouro para atrair chapins, mas não sei que tipo de comida/sementes devo colocar. Será que podem ajudar?». Hugo Oliveira, engenheiro zootécnico do Parque Biológico de Gaia, responde: «As sementes que mais agradam aos chapins são o girassol e o amendoim, no entanto não posso deixar de acrescentar alguns cuidados que deve ter. Em relação às sementes, por vezes este tipo de sementes contêm tóxicos que são produzidos pelos fungos, pelo que a compra deve ser feita a fornecedor que dê garantias de qualidade. Em relação ao amendoim, este deve ser descascado e cru, não tostado, de preferência partido, para evitar que as aves retirem todo o amendoim rapidamente. O tipo de alimentador a usar pode fazer a diferença. Desde logo a comida deve estar disponível apenas para as aves-alvo; às outras espécies o acesso pode ser vedado colocando uma rede que apenas permita a entrada de passeriformes.

Jorge Gomes

Elvina Neves

Alimentador de chapins

O acesso a roedores tem de ser controlado, por exemplo colocando o alimentador suspenso ou em poste metálico. O local deve permitir a limpeza dos restos que vão caindo de forma a controlar o aproveitamento dos mesmos por espécies oportunistas como os pombos e os roedores. Devemos ter em conta que as aves se habituam a essa dispensa de alimentos, pelo que o fornecimento deve ser contínuo: as falhas de alimentação em períodos críticos como o inverno são prejudiciais».


João L. Teixeira

No encerramento do evento foram ainda sorteados prémios entre os presentes

Fórum Muda de Vida Sábado, 6 de setembro, teve lugar no Parque Biológico de Gaia o “Fórum Muda de Vida! Um desafio para a sustentabilida‑ de na região”. O “Fórum Muda de Vida!” ocupou a manhã e tarde deste dia de fim de semana com os temas “EU e a água”, “EU e a energia”, “EU e a biodiverCidade”. O principal objetivo deste projeto con‑ siste em munir o cidadão de informação essencial para que se torne um EU ativo e atuante, bem como relevar a sua impor‑ tância como agente/EU individual, EU local, e EU europeu, e também como uma

Aqu

entidade influenciadora de boas práticas e atitudes corretas face ao ambiente, sua sustentabilidade e uso eficiente de recursos (www.eu-sustentavel.pt). O Projeto EUropa – “União Europeia: susten‑ tabilidade e uso eficiente de recursos” é uma iniciativa da Comissão Europeia e do Centro de Informação Europeia Jacques Delors. A ação enquadra-se na Estratégia Europa 2020 que visa desencadear a participação e consciência dos cidadãos para a importân‑ cia do seu papel como seres atuantes na promoção da economia sustentável, “o EU na Europa”. Os trabalhos têm vindo a ser desenvolvidos desde o início deste ano, mediante a reali‑ zação de diversos fóruns, a nível nacional,

com o título “ Muda de Vida! Um desafio para a sustentabilidade na região”. Em maio foi também lançado o concurso “EU Sou Sustentável” que consiste na procura de iniciativas simples, tais como desafios/gestos, que promovam as boas práticas, sempre na ótica da sustentabilida‑ de e do uso eficiente dos recursos. O evento teve como oradores Pedro Teiga, do Projeto Rios, João Roseira, das Águas do Douro e Paiva e do Projeto Mil Escolas, Bor‑ ges Gouveia, da Energaia, Alexandra Leitão, FEG/UCP, Álvaro Queiroz, da ESAPL-IPVC e Marta Pinto, da UCP. Ao final da manhã houve ainda uma visita guiada ao percurso de descoberta da natu‑ reza do Parque Biológico de Gaia.

De segunda a sexta-feira das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00

Sábados, domingos e feriados das 10h00 às 18h00

Praia da Aguda • Vila Nova de Gaia Venha visitar-nos! Parques e Vida Selvagem outono 2014 • 11


12 EVENTO

Dia da ciência e da tecnologia Em 24 de novembro celebrou-se no Parque Biológico de Gaia a Semana Nacional da Ciência e da Tecnologia com um programa centrado na geologia e na astronomia

Henrique N. Alves

 Observação do Sol no Observatório Astronómico do Parque  Formações metamórficas pertencentes ao complexo xisto-grauváquico, neste caso micaxisto muito alterado: aspeto da alteração da rocha explicado por José Eduardo Fontes

João L. Teixeira

“A biodiversidade é condicionada pela geodiversidade”, ouviu-se com fundamento naquela tarde em que um público interessado se juntou num dos auditórios do Parque Biológico de Gaia para ouvir falar de geodiversidade pela voz de Paula Gonçalves e de José Fontes. Tudo começou quando a geóloga em causa dissertou sobre o Parque Botânico do Castelo, em Crestuma, e explicou que aquele sítio possui uma geodiversidade interessante. Esta afirmação decorre de um laborioso trabalho de estágio que realizou recentemente no local mediante a exigência dos seus estudos universitários. Na sua palestra intitulada “Caracterização geológica do Parque do Castelo: contribuição para a sua valorização patrimonial” descreveu, entre outros aspetos, pormenores de análise laboratorial que tipificam os xistos sobranceiros ao rio Douro. Por sua vez, José Eduardo Fontes abordou a

“Identificação e Caracterização de geossítios no Parque Biológico de Gaia". Este geólogo, após a apresentação, fez-se acompanhar do público para uma visita aos sítios que estudou e que referiu na sua apresentação. Apontou os depósitos do rio Douro existentes na área do parque mediante o vaivém das glaciações ocorridas no passado, bem como o complexo xistograuváquico em que encaixam magmas de granito de duas micas. Nem só de geologia se fez este dia. O Observatório Astronómico do Parque

CONCURSO DE FOTOGRAFIA ASTRONÓMICA ição d

3.ª E

Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia Parque Biológico de Gaia 4430 - 812 Avintes www.parquebiologico.pt astronomia@parquebiologico.pt

Encontre o regulamento e boletim de inscrição em: www.parquebiologico.pt/userdata/site-downloads/2015-8-22astr-Reg.pdf ou em www.facebook.com/observatorioastronomicopbg

Região de Antares • Foto de Luís Lopes

2015


Direitos Reservados

João L. Teixeira João L. Teixeira

 Paula Gonçalves, geóloga dissertou sobre o Parque Botânico do Castelo, em Crestuma

 José Eduardo Fontes, geólogo

Biológico de Gaia esteve de plantão de manhã à noite e acolheu com as explicações pedidas todos os visitantes que ali acorreram. De dia o astro-rei tomou todas as atenções. De noite, revelaram-se outras estrelas mediante a autoridade dos telescópios. Foi uma iniciativa conjunta entre o Parque Biológico de Gaia, o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e o Planetário do Porto.

Prémios Ciência Viva Jorge Paiva foi este ano o vencedor do Grande Prémio Ciência Viva Montepio, que «distingue uma intervenção de mérito na divulgação científica e tecnológica em Portugal». O prémio foi entregue no Pavilhão do Conhecimento no passado dia 30 de novembro às 16h00. Colaborador há largos anos de cada edição da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM, já proferiu mais de 1700 palestras sobre educação ambiental ao longo da vida. O site oficial da Ciência Viva afirma que se trata de uma homenagem ao «empenho de Jorge Paiva na divulgação de ciência em Portugal», pelo que lhe atribui o referido prémio no Dia Nacional da Cultura Científica, 24 de novembro, e do nascimento de Rómulo de Carvalho, «personalidade inconfundível da comunicação de ciência em Portugal que, curiosamente, foi seu professor de Química e o marcou de forma indelével». Reconhecendo o papel central da cultura científica e tecnológica na sociedade portuguesa, os Prémios Ciência Viva Montepio pretendem contribuir para o reconhecimento e estímulo do esforço individual e coletivo na promoção da cultura científica e tecnológica. Jorge Paiva nasceu em 1933 em Cambondo, Angola, e viveu a infãncia em Quilombo, região de elevada biodiversidade, o que poderá ter sido um elemento determinante na sua paixão pela natureza.


14 FOTONOTÍCIAS

outono Ritmos de

Até à primeira semana de novembro não temos memória de um outono tão estival: súbito, num par de dias, como se acordasse de um cochilo distraído, o tempo arrefece uma dúzia de graus centígrados...

Fotos Henrique N. Alves

A

 Bioluminescência da larva do pirilampo L. mulsantii

 Larva de pirilampo do género Lampyris

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ssim que o lusco-fusco se esvai desce a noite sobre o bosque. Naquele sábado, 1 de novembro, apetece empurrá-lo horizonte abaixo para que a treva surja sem luz humana que a belisque. Só assim será possível ver eventuais cintilações pelo caminho... Enquanto à distância passa a raposa sem a vermos impõe-se o alvitre da inexperiência: «Isto é como se andássemos aos gambozinos...». Resposta certeira: «Eles andam aí, têm de andar...». A ideia da breve incursão no percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia consistiu em apurar se sempre se veem pirilampos a luzir no outono. O que se observa, para já, é um chão coberto de folhas caídas prenhe de uma humidade favorável aos fungos que frutificam. Começa a ficar tudo escuro, sob o luar

coado pelas folhas que neste outono teimam ainda em reverdecer sem cair. Súbito, na escuridão, o que aguardávamos começa a ver-se pelo solo, em catadupa, luzes pontuais sobre a folhagem caída... acendem, apagam... São larvas de várias espécies de pirilampo. Outras vão no muro de pedra coberto de musgo... que pena não termos tecnologia para registar imagens tão subtis... na ordem das centenas... A maioria são larvas do género Lamprohiza, tão pequenas e com uma luz tão forte no breu... mas também as de Luciola, o pirilampo que se vê, abundante, a voar nas noites de junho, não rareiam. Não se sabia noutros anos que no outono haveria ainda tanta bioluminescência... Que frio estava junto ao rio! Uma dúzia de horas mais tarde veio o dia, mudou o turno. Estas luzes deixam de se ver na alvorada. Texto Jorge Gomes


João L. Teixeira Hugo Amador

E viva a bolota!

Larvas de  pirilampo-lusitânico, Luciola lusitanica

Larva de pirilampo  do género Lamprohiza

Em comparação com o ano passado, em que a bolota de carvalho-alvarinho escasseou como não há memória, desta vez não emergiu problema: a produção de bolota foi normal. A presente época do ano constrói-se de sementes, o formato que um elevado número de plantas escolheu para ter o seu material genético pronto a germinar assim que o clima vier de feição, concretamente, a primavera. Frio e geada são condições climáticas que não fazem mal às sementes, mas o mesmo já não se pode dizer dos predadores que requerem tais nutrientes para sobreviverem a uma estação bem mais exigente que se aproxima, o inverno. Nas blandícias outonais, há que engordar e armazenar ao limite, nomeadamente no caso dos esquilos-europeus, que não hibernam no período gélido do ano. Ao olhar do observador, uma ave do mesmo tamanho, o gaio, é uma das espécies que evoluiu a depender também de bolotas de quercíneas, grupo de árvores em que se incluem, além de carvalhos, sobreiros e azinheiras. Este belo animal de penas, que existe até nas grandes cidades, esconde milhares de bolotas para as ir buscar quando delas carece. Apesar da memória brilhante já testada por cientistas, acaba por se esquecer de algumas, o que faz dele um verdadeiro semeador de bosques. Nem assim os belos esquilos fazem questão de lhes agradecer... Não há agravo nisso: ao que consta, nenhum gaio leva amuo no bico!

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16 FOTONOTÍCIAS

Cogumelos a condizer Pensa-se que haja milhões de espécies de fungos em toda a Terra. Muitas delas ainda estão por identificar, sobretudo quando se considera o vasto grupo dos fungos microscópicos. Entendidos normalmente como cogumelos, a verdade é que estes são para os fungos um fenómeno de frutificação, através do qual dispersam os esporos que trarão em tempo útil à luz do dia novas gerações. Para esse efeito servem o vento e a água mas algumas espécies de fungos criaram sistemas de cooperação com determinados insetos no mesmo sentido. Estes organismos não produzem fotossíntese, pelo que adquirem nutrientes essenciais através de folhas que as árvores soltam, bem como ramos e troncos tombados, libertando-os a favor do ecossistema.

Amigos da noite, os ouriços-cacheiros raramente se conseguem ver de dia. Mas quando chega o frio, nem os cerca de 6 mil espinhos eretos conseguem valer-lhes. Omnívoros, no outono não desdenham uma ementa alargada e, tal como os morcegos, a espécie vai optar por reduzir o metabolismo numa toca abrigada, forrada a ervas e folhagem, para se entregar a um longo sono que terminará só na primavera. Sem apelo nem agravo, no outono há que aproveitar todas as benesses. Depois, não se pode distrair, tem de hibernar...

João L. Teixeira

Voos outonais

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Quando falo de borboletas sou muitas vezes confrontado pela ideia enraizada de que as borboletas voam apenas nos dias quentes de Primavera e Verão. Tal não podia contudo estar mais longe da realidade e há toda uma extraordinária diversidade de espécies que apenas o fazem no Outono ou mesmo no Inverno! Aliás, em países mediterrânicos como Portugal até é bem evidente a existência de dois picos de diversidade de borboletas na Primavera e no Outono, com espécies que aparecem em uma ou ambas as épocas. A comunidade de borboletas outonais começa a emergir desde finais de Agosto, se estivermos nas montanhas do Norte, mas apenas em finais de Outubro ou mesmo Novembro no litoral e no sul. Um dos grupos mais característicos desta

João L. Teixeira

Ouriço-cacheiro


Eduardo Marabuto

época do ano é o género Polymixis. Com excepção da P. flavicincta, que pode aparecer até à Primavera, todas as restantes quatro espécies portuguesas são exclusivamente outonais. De um modo geral apresentando cores acinzentadas, uma das que se destaca mais pelos seus tons verdes é a Polymixis lichenea. É uma borboleta difícil de ver entre a folhagem matizada e os musgos que cobrem as árvores no Outono mas por outro lado é difícil de esquecer. Mais comum no Norte e Centro do país mas aparecendo um pouco por todo o território, este exemplar observado na Serra da Estrela encheu-me as medidas. Por Eduardo Marabuto

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18 PORTFOLIO

Parques e Vida Selvagem

Já é a 12.ª edição do Concurso Nacional de Fotografia da Natureza Parques e Vida Selvagem – os prémios foram entregues na abertura da exposição

O Prémio Parques e Vida  Selvagem distinguiu «Aricia cramera», de Vítor Sousa – da esquerda para a direita: Cipriano Castro, Nuno Gomes Oliveira, Patrocínio Azevedo, Mercês Ferreira, Eduardo Vítor Rodrigues e Ricardo Fonseca

E

ste ano o júri foi formado por Ricardo Fonseca, J. Paulo Coutinho e Nuno Gomes Oliveira que tiveram a missão de analisar os trabalhos entrados a concurso, num total de 850 fotografias impressas por uma centena de autores. Em reunião de 9 de outubro, o júri atribuiu os seguintes prémios: categoria Parques e Vida Selvagem, «Aricia cramera» de Vítor Sousa; categoria Olhar Criativo, «Explosão» de Miguel Mesquita; categoria Fauna Invertebrada, «Um brilho no escuro» de Miguel Gonçalves; categoria Fauna Vertebrada, «Fuinha-dos-juncos» de Luís Pinheiro Torres; categoria Flora, Líquenes e Fungos, «Cogumelos» de Vítor Sousa; categoria Paisagem, «Tempestade 2» de Gaspar de Jesus; categoria Parque Biológico de Gaia, «Reflexo» de Joaquim Aurélio; categoria Jovem Fotógrafo para jovens concorrentes, até aos 15 anos, «Cegonhas no Parque», de Jorge Novo, de 8 anos de idade; prémio Jornal de Notícias, «Leptotes pirithous», de João Nunes, de 14 anos. Sábado, 1 de novembro, às 15h00, os prémios foram

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João L. Teixeira

Concurso

entregues por individualidades do Município de Vila Nova de Gaia, nomeadamente pelo seu Presidente, Eduardo Vítor Rodrigues, pelo Vice-presidente, Patrocínio Azevedo, pela Vereadora Mercês Ferreira, bem como pelo Presidente da Junta de Freguesia de Avintes, Cipriano Castro. Eduardo Vítor Rodrigues referiu que «este concurso tem um lado muito interessante: mobiliza todos para esta participação ativa, porque mais do que as fotografias que aqui estão, que são verdadeiras obras de arte, está aqui uma vontade de participar, um gosto pelo Parque, pela iniciativa em si mesma». Concluiu dando os «parabéns pelo trabalho que se mostra excelente e só espero que seja um projeto para continuar porque acho que destes projetos sai mais do que apenas um conjunto de fotografias, que por si só já são espetaculares, mas sai muito mais do que isso, sai uma dinâmica de mobilização e de participação que vale a pena sublinhar». Pode contemplar estes trabalhos em exposição no salão de fotografia da natureza do Parque Biológico de Gaia, entre as 10h00 e as 18h00, até final de janeiro de 2015.


Annual Photography Contest: Parks and Wildlife This year is the 12th edition of the National Competition of Nature Photography (Parks and Wildlife) and the Awards were presented at the opening on 1st November at the Parque Biológico de Gaia. The Awards were presented by leading members of the Municipality of the City of Vila Nova de Gaia, in particular by its President, Eduardo Vítor Rodrigues.

 1.º prémio – categoria Parques e Vida Selvagem, «Aricia cramera» de Vítor Manuel Ribeiro Sousa


20 PORTFOLIO

 Prémio categoria Olhar Criativo, «Explosão» de Miguel Augusto Mesquita

"Gafanhoto",  de Guilherme Limas

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«Mosca»  de David Gonçalves


Prémio na categoria Flora, Líquenes e Fungos, «Cogumelos» de Vítor Manuel Ribeiro Sousa

«Verdilhão»  de Gabriel Moreira

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22 PORTFOLIO

 Prémio categoria Fauna Vertebrada, «Fuinha-dos-juncos» de Luís Pinheiro Torres

"(Des)entendimento…",  de Romão Machado

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«Voando»  de António Alves Tedim


 Prémio categoria Paisagem, «Tempestade 2» de Gaspar de Jesus

«Cuidado…  ternura» de Francisco Bernardo

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24 PORTFOLIO

 Prémio categoria Jovem Fotógrafo para jovens concorrentes, até aos 15 anos, «Cegonhas no Parque», de Jorge Alberto Barros Novo, de 8 anos de idade

 Prémio Jornal de Notícias, «Leptotes pirithous», de João Nunes, de 14 anos de idade

 «Up is down» de Diogo Miguel Oliveira

 «Esquilo-vermelho» de Patrícia e Luís

 «Acordar na ria» de António Alves Tedim

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 Prémio categoria Fauna Invertebrada, «Um brilho no escuro» de José Miguel Marques Gonçalves

 Prémio Parque Biológico de Gaia, «Reflexo» de Joaquim Aurélio

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26 CONTRA-RELÓGIO PAR

Diversidade biológica

João L. Teixeira

por uma utilização

sustentável

Utilizar a diversidade biológica de maneira sustentável significa utilizar os recursos naturais a um ritmo tal que a Terra possa renová-los

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É

uma maneira de assegurar que é possível satisfazer as necessidades das gerações presentes e futuras. À medida que aumenta a população humana, a pressão sobre os ecossistemas também cresce uma vez que se torna necessário extrair do meio ambiente mais recursos. Por tal motivo, a pressão ecológica sobre o planeta não é sustentável e chegará a ser insuportável, a não ser que modifiquemos os nossos modelos de consumo e o nosso comportamento em geral.

No passado, os seres humanos adaptaram-se às novas condições de sobrevivência aumentando a produtividade. Porém, agora aproximaram-se dos limites da capacidade de acolhimento da Terra. Hoje em dia, a única opção é gerir a produtividade e os recursos de forma sustentável, reduzindo os resíduos na medida do possível, seguindo os princípios de gestão adaptativa e tomando em conta os conhecimentos tradicionais que contribuem para a conservação dos serviços dos ecossistemas. Dentro do Convénio sobre a Diversidade


factos &números Apesar do uso sustentável da diversidade • biológica estar incluído nas estratégias nacionais, o uso não sustentável e a sobreexploração continuam a ser as principais ameaças à diversidade biológica em alguns setores, tais como a pesca, a agricultura e a silvicultura. sustentáveis podem •Asseratividades aplicadas em muitos setores, por exemplo: agricultura biológica, avaliações de impacto ambiental, certificação e etiquetado ecológico, quotas para a pesca, evitar o uso de grandes redes, gestão de zonas protegidas, redução de incêndios florestais, turismo sustentável. À medida que a população humana • aumenta, estima-se que cresça a procura de pescado, especialmente nos países em desenvolvimento. A publicação “Planeta Vivo 2010” revela • que a pegada ecológica da humanidade

Biological diversity: for a sustainable use

The use of biological diversity in a sustainable way means using natural resources at such a rate that the Earth can renew them. It is a way to ensure that it is possible to satisfy the needs of present and future generations. At the rate that human populations are increasing, the pressure on the ecosystem also increases since it is necessary to extract more resources from the environment.

aumentou mais do dobro desde 1966. Em 2007, o ano mais recente para o qual se dispõe de dados, a humanidade utilizou o equivalente a 1,5 planetas para sustentar a sua atividade (www.footprintnetwork.org). Aproximadamente 300 milhões de • pessoas dependem diretamente dos bosques para a sua sobrevivência, incluindo 60 milhões de pessoas de grupos indígenas e tribais, que são quase totalmente dependentes dos bosques. mangais protegem as linhas costeiras • daOserosão e os recifes de coral da

Biológica (CDB) aplicam-se os princípios de utilização sustentável aos setores que mais afetam a diversidade biológica, tais como a agricultura, a silvicultura, a pesca, o turismo e a gestão da água. Em 2004, as Partes da CDB adotaram os Princípios e Diretrizes de Addis Abeba para a utilização sustentável da diversidade biológica, um conjunto de 14 princípios que se aplicam a todas as atividades e a todas as áreas. Em 2010 estes princípios reafirmaramse e a sua instrumentalização evoluiu

mediante uma revisão de profundidade. Ao adotar o CDB, os governos comprometem-se a integrar a conservação e a utilização sustentável das suas políticas a nível nacional. Minimizando a perda de diversidade biológica e ajudando as populações locais a restaurar as zonas degradadas, será possível fazer desta uma nova era de desenvolvimento económico ambientalmente adequado.

sedimentação. Além disso, atuam como viveiros de uma variedade grande de peixe e marisco. As principais causas do declínio dos mangais são a conversão para a aquicultura e para a agricultura, assim como o desenvolvimento urbano, residencial e o turístico. A exploração florestal ilegal e a colheita • ilegal de produtos florestais são um grave problema com um custo estimado de 15 mil milhões de dólares/ano. As espécies raras de árvores e as de grande valor para a obtenção de produtos derivados correm perigo de se extinguirem localmente.

Fonte www.cbd.int

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28 QUINTEIRO

Quando tiver coragem para isso, assim num destes dias em que acorde bem-disposto, experimente começar a contar a diversidade de espécies de flora e fauna do seu jardim  Phytolacca americana: a tintureira, uma planta exótica em dispersão, não interessa ao seu jardim

Como vai a biodiversidade

do seu jardim?

A

vista andava despreocupada quando caiu ali: uma planta nova, espontânea, haste erguida sobre a terra do jardim. Assim que se vê de perto, não há dúvida: um loureiro. Não está só. Com caule discreto há mais dois ou três na proximidade. O mesmo já tinha acontecido com uma outra planta que também nem do passeio da moradia se avista: o sabugueiro. Não há efeito sem causa, logo, nascem na sequência de uma atividade subtil. Melros, toutinegras e afins terão andado nalgum quintal das redondezas a petiscar bagas. Digerida a polpa concluem o contrato natural e dispersam as sementes que desejam um lugar ao sol. Bem, confesso que ganhei um relevante

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How is biodiversity in your garden?

When you have the time to do this, one of these days when you wake up in a good mood, try to start counting the diversity of flora and fauna in your garden. Every living creature that lives in and decorates your garden has a more or less relative attraction for the wildlife in this roundabout...

interesse pela pontaria destes hóspedes alados e com uma ou outra poda de contenção, quando olho para Jorge estes arbustos Gomes sinto orgulho Coordenador da revista Parques e Vida Selvagem porque foram ali posicionados não por mim mas pela própria natureza. Sendo ambas espécies de flora nativa da região, o primeiro de folha permanente e o segundo de folha caduca, hão de atrair pequenos animais invertebrados e aves selvagens das redondezas mais do que fariam as espécies exóticas. Já se sabe que um jardim que assinale esta

característica atrai de forma superior estes amigos de penas. Em qualquer dos casos, quem estiver atento, decerto verá maior número de aves selvagens no seu jardim nesta época do que noutra altura do ano. Algum leitor dirá: «Bem, isso no meu caso não faz sentido, vivo num apartamento...». Claro, mas não longe de si existe um espaço verde, um parque urbano ou algo similar que é capaz de o incluir na proposta em pauta, convertendo-se num cenário idêntico para dar seguimento a este desafio. Alguns dos juvenis que vêm de territórios mais a norte escolhem passar precisamente à sua porta. Isso ocorre com diversas espécies de aves, nomeadamente com chapins e


 Loureiro

Dependendo da região, na época fria os chapins-carvoeiros são dos visitantes mais assíduos dos alimentadores de jardim que se aplicam a favor da sobrevivência de várias espécies de aves selvagens

João L. Teixeira

 Sabugueiro

piscos, felosas e lugres, entre tantos outros... Não é quimera: quem não faz isto por barato são os britânicos que, a exemplo do que implementam desde 1979, em 2015, entre 24 e 25 de janeiro, vão repetir as contagens abertas a toda a população, sob a égide da RSPB.* Em 2014, envolveram meio milhão de gente neste trabalho e a ave mais vista foi o pardal, porém, é uma espécie que já foi realmente abundante, pelo que ainda se encontra na lista vermelha. Vêm depois o chapim-azul, os estorninhos, os melros, pombos-torcazes, tentilhões, pintassilgos, chapim-real, rola-turca e pisco-depeito‑ruivo... As variações anuais são de esperar, mais ainda quando o clima todos os anos se agita na incerteza. Certo é, contudo, que cada ser vivo com que ornamenta o seu jardim tem maior ou menor relação de atração para a vida selvagem em redor. Para a começar a compreender e apreciar, convém juntar elementos atrativos, fornecedores regulares de alimento e abrigo. Por vezes há a ideia de que a uma maior quantidade de espécies corresponde necessariamente um melhor quadro de

biodiversidade. Não é assim. Isto compreende-se se fizer a interrelação entre as espécies do terreno e das redondezas na ótica dos habitats nativos. As espécies que não interessam, se quiser fazer uma vénia à mãe natureza, são as infestantes que se dispersam quer por via animal quer pelo vento. Nos jardins da região costumam instalar-se ostensivamente duas plantas americanas de fácil distinção, a tintureira, Phytolacca americana, e a erva-das-pampas, Cortaderia selloana. Existe uma relação comprometedora entre espécies exóticas e biodiversidade decorrente do talento que aquelas revelam no teor de empobrecimento da segunda. Por isso, já sabe, se tiver de escolher entre uma e outra, escolha o que é autóctone ou nativo. Um livro que foi lançado recentemente – “Guia prático para identificação de plantas invasoras em Portugal”, de Hélia Marchante, Maria Morais, Helena Freitas, Elisabete Marchante – explica a temática e sugere a sua colaboração na defesa da diversidade da vida. Na página 76 desta revista há um artigo sobre esta obra. Texto Jorge Gomes * Royal Society for the Protection of Birds.

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30 QUINTEIRO

Utilização sustentável de produtos

fitofarmacêuticos 2.ª Parte

Miguel Folhadela Rebelo e Jorge P. N. Costa DRAPN - Divisão de Apoio ao Setor Agroalimentar

Quem pode aplicar Produtos Fitofarmacêuticos? A partir de 26 de novembro de 2015 todos os aplicadores de PF terão de estar habilitados nos termos da Lei n.º 26/2013, ou seja: possuir formação técnico profissional ou superior na área agrícola/florestal, ou formação específica em “aplicação de produtos fitofarmacêuticos”

E

m ambas as situações os aplicadores terão que requerer o reconhecimento da habilitação à DRAP, a qual, em situação de conformidade, atribuirá um cartão de aplicador com a validade de 10 anos, a contar a partir da data da formação. Este reconhecimento habilita o requerente a aplicar PF em qualquer exploração agrícola/florestal (na sua própria exploração ou de outrem), a integrar uma empresa de prestação de serviços de aplicação devidamente autorizada pela DGAV, ou uma entidade pública/privada que possua os seus próprios serviços de aplicação, também oficialmente autorizada pela DGAV. As empresas ou empresários individuais que prestam serviços de aplicação, bem como as entidades com serviços próprios de aplicação nas áreas de que são proprietárias ou que estão sob a sua responsabilidade, terão que solicitar previamente autorização para exercerem esta atividade. Para isso, devem remeter o pedido de autorização e respetivo processo documental para a DRAP da área da sua sede social. A DRAP faz a avaliação do processo e verifica o cumprimento dos requisitos definidos na lei, ou seja: existência de técnico responsável e de aplicadores devidamente habilitados, instalações para armazenamento dos PF adequadas, equipamento de aplicação adequado aos trabalhos a desenvolver, disponibilização

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de equipamento de proteção individual e seguro de responsabilidade civil de acordo com a Portaria 1364/2007, de 17 de outubro (só para empresas ou empresários individuais prestadores de serviços de aplicação). No final a DRAP emite um parecer sobre o pedido de autorização, com base no qual a DGAV emite a decisão final. Em situação de conformidade a DGAV atribui um número de licença ao requerente. Como já foi referido, os PF de alto riscos requerem aplicadores especializados, conforme consta dos respetivos rótulos. A habilitação destes aplicadores requer a frequência do curso de “aplicador especializado”, estando já em vigor esta exigência da lei.

Manuseamento e preparação das caldas A implementação de boas práticas na preparação da calda a aplicar é essencial

para a proteção do aplicador e meio ambiente. Antes de começar a preparar a calda o aplicador deve equipar-se com o EPI, que deve usar igualmente durante a aplicação (ver Armazenamento de PF). A preparação da calda deve ser feita em local próximo de uma tomada de água, mas afastado pelo menos 10 m de cursos de água, poços, represas ou nascentes; numa instalação coberta, bem arejada e sem paredes laterais. O cálculo do volume de calda deve ser rigoroso, de modo minimizar excedentes. Deve, também, ser evitado o transbordo, aquando do enchimento do depósito. A utilização de equipamentos lavados e calibrados é deveras importante, de forma serem evitadas fugas, desperdícios e contaminações, falhas que contribuem para a ineficácia do tratamento. Neste ponto, salientamos a obrigatoriedade de inspeção dos equipamentos de aplicação até 26 de novembro de 2016 (apenas pulverizadores, exceto os manuais); os equipamentos novos, colocados no mercado a partir de 16 de outubro de 2010, devem ser inspecionados até 15 de julho de 2015.

Tratamento de efluentes e excedentes de calda Após diluição, os efluentes e excedentes de calda podem ser pulverizados sobre coberto


Lei n.º 26/2013 ou por entidades sobre a Administração direta e indireta do Estado, Administração local e regional ou Entidades privadas, que têm os próprios serviços de aplicação, também oficialmente autorizadas pela DGAV nos termos da Lei n.º 26/2013. À semelhança das empresas de prestação de serviços de aplicação terrestre, as entidades também têm que ter instalações adequadas, um Técnico Responsável habilitado acreditado pela DGAV, Aplicadores habilitados reconhecidos pela DRAP, existência de equipamentos de aplicação de PF e disponibilização de equipamento proteção individual.

Gestão de embalagens vazias

vegetal não tratado e não destinado ao consumo humano ou animal (espontâneo), afastado de cursos de água, poços, represas ou nascentes. Podem, também, ser eliminados sem diluição, nas estações de recolha de efluentes, para degradação biótica e abiótica. A limpeza dos equipamentos de aplicação pode ser feita junto à área tratada, utilizando o mínimo de água possível, sobre coberto vegetal não destinado ao consumo humano ou animal, em local afastado de quaisquer recursos aquíferos. Quando houver disponibilidade, esta operação pode ser feita em local sob coberto, com bacia de retenção e recolha de efluentes, para posterior eliminação ou degradação biótica ou abiótica.

Aplicação em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação A Lei n.º 26/2013 de 11 de abril veio preencher um vazio legal até então

existente relativamente à aplicação de PF em zonas urbanas (estabelecimentos de ensino e de saúde, serviços públicos), de lazer (parques, jardins, campos de golfe, locais de atividades desportivas, parques de campismo, …) e vias de comunicação (estradas, caminhos públicos, bermas, caminhos de ferro, …), dado o DL n.º 173/2005 de 21 de Outubro não prever a aplicação de PF nestes locais. A aplicação de produtos fitofarmacêuticos em zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação só pode ser efetuada por empresas prestadoras de serviços de aplicação terrestre, oficialmente autorizadas pela DGAV nos termos da

Atendendo a que as embalagens vazias dos produtos fitofarmacêuticos são considerados resíduos perigosos, através da SIGERU/VALOFITO foi implementado um sistema em todo o território nacional, o qual é responsável pela recolha, tratamento e valorização das embalagens vazias de produtos fitofarmacêuticos, dando cumprimento ao estabelecido na Lei, relativamente aos procedimentos de segurança dos sistemas de gestão de resíduos de embalagens vazias. As embalagens rígidas até 25 l/25 Kg de capacidade deverão ser sujeitas a uma tripla lavagem. Relativamente às embalagens não rígidas de qualquer capacidade e embalagens com capacidade superior a 25l/25Kg a lavagem não é obrigatória. As embalagens vazias deverão ser colocadas nos sacos fornecidos aquando da venda dos PF, guardadas no mesmo local onde são armazenados os produtos fitofarmacêuticos e serem entregues nos pontos de receção. Registos das aplicações de produtos fitofarmacêuticos Conforme previsto na presente Lei, todos os aplicadores devem efetuar e manter o registo de quaisquer tratamentos efetuados com produtos fitofarmacêuticos em território nacional em ficha própria ou caderno de campo durante pelo menos três anos.

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32 DUNAS

Cordão dunar

O litoral de Vila Nova de Gaia estende-se ao longo de cerca de 15 quilómetros e proporciona uma paisagem valorizada a quem ali põe o seu pezinho

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Seja feito de rocha granítica, como em Lavadores, ou de areia, o litoral reveste-se de mais-valias diversas, nomeadamente as de natureza turística e de lazer. Quem não gosta de ar livre num dia de feição, senti-lo quando anda por ali passo a passo com o mar à vista e as dunas em primeiro plano? Estas são o meio natural de suavizar o contacto entre o mar e a terra. Área dinâmica, caracterizada ao longo do tempo por avanços e recuos, encontra nas plantas dunares,o recurso


João L. Teixeira

Dunes

Whether they are made ​​of granite, as in “Lavadores”, or of sand, the coastline is an asset, for Tourism and Leisure activities. Who does not like fresh air on a day off, feeling it step by step with a direct view of the sea and the dunes in the foreground?

Parque de

João L. Teixeira

Dunas da Aguda

 Sem passadiços sobrelevados as plantas das dunas, pisoteadas, desapareceriam

capaz de estabilizar a areia lavada pela chuva e soprada pelo vento. No que diz respeito aos habitats naturais que lhe dão beleza, as dunas beneficiam de proteção legal e são um suporte de sobrevivência para as numerosas espécies de aves migradoras que se deslocam agora entre o Norte europeu e África. Na fímbria das ondas, o litoral desempenha funções ecológicas indispensáveis. Sem os habitats que ele proporciona, por exemplo, a pesca costeira não seria possível como a conhecemos.

Será tudo menos fácil a sobrevivência das plantas nas dunas. Há ventos fortes e um sol intenso em boa parte do ano, bem como temperaturas a condizer, água com pressa de fugir, incapaz de permanecer muito tempo entre grãos de areia... Daí os truques que as plantas dunares descobriram ao longo da evolução para se adaptarem e sobreviverem: raízes extensas para absorverem nutrientes e humidade, folhas carnudas para reterem água mais tempo e de superfície reduzida para desidratarem menos. Outras vezes são folhas que se enrolam para se protegerem do meio... Não se ficam por aí, mas neste outono, o que conta é a viagem das sementes, embora em muitas destas espécies já tenha começado no estio. As sementes do lírio-das-praias, que mostrou uma grande flor branca, rolam com a aparência de cinzas espalhadas de uma fogueira fortuita, negras e leves, em corridas aleatórias ao sabor do vento. Se acabar por cair num ribeiro, navegará sem resistência até que este a deixa na margem de novo ao sabor do vento ou, se vai até ao mar, as ondas repõem-nas no areal. Outras são tão leves que voam e há as que são transportadas por animais, desde insetos a pequenos mamíferos e aves. Dias mais curtos e frios levam estas plantas a um repouso vegetativo outonal. Nem por isso um passeio a seu lado diante da paisagem dinâmica do mar empalidece neste outono.

Parques e Vida Selvagem outono 2014 • 33


 Tartaruga-comum (Caretta caretta) arrojada

 Caretta caretta juvenil

Arrojamentos de

tartarugas

marinhas

 Marcação de Caretta caretta

O arrojamento de uma tartaruga marinha viva é um acontecimento cada vez mais raro que se deve a causas naturais ou humanas

A

s causas naturais morfológicos ou toxicológicos. Estes dados podem ajudar podem ser doenças a implementar medidas de infecciosas ou conservação e protecção, lesões por parasitas direcionadas para as causas de internos ou externos, feridas morte mais frequentes. decorrentes de agressões por Mike Weber predadores, desorientação ou e José Pedro Oliveira Entre 1999, ano da sua abertura ao público, e 2009, fraqueza física provocadas pela Estação Litoral da Aguda a Estação Litoral da Aguda ação de ondas e correntes de (ELA) foi um local de recolha de elevada intensidade, associadas tartarugas marinhas arrojadas ou a tempestades e eventos capturadas nas redes destacadas da pesca climáticos extremos. Numa praia arenosa, a artesanal local, na ordem de um a três animais possibilidade de sobreviver é maior do que vivos por ano. numa praia rochosa, onde o contacto com Estes animais foram recuperados em o substrato duro causa feridas externas e condições adequadas e preparados até internas, em muitos casos fatais, sobretudo ganharem as condições físicas necessárias quando a aproximação à praia acontece para sobreviverem no habitat natural, após durante a maré baixa e em mau tempo. As causas de origem humana incluem libertação no mar aberto. Os exemplares mais lesões provocadas pelas redes e anzóis pequenos foram mantidos em exposição no da pesca, colisões com embarcações, Aquário da ELA, por algum tempo, e depois e a poluição por substâncias nocivas e também libertados. A espécie mais frequente foi a tartarugalixos plásticos. As tartarugas marinhas comum ou tartaruga-boba (Caretta caretta), confundem os sacos plásticos flutuantes mas também apareceu uma tartaruga-decom alforrecas ou medusas, das quais se Kemp (Lepidochelys kempii) que foi depois alimentam no mar aberto. transferida para o Centro de Investigação de O conhecimento sobre estes animais não Tartarugas Marinhas na Madeira, com ajuda da é muito completo e as informações obtidas Força Área Portuguesa. através dos arrojamentos são muitas vezes reduzidas, mas, mesmo assim, estimaAntes de cada reintegração, os animais foram se que 40 a 50% de toda a informação marcados ultimamente com um microchip disponível sobre as tartarugas marinhas injetado no pescoço, sendo os dados enviados tenha sido recolhida a partir de animais para o Centro na Madeira. arrojados. Com estes conhecimentos é As ações da libertação no mar decorreram possível estimar a sua distribuição mundial, com ajuda da Marinha Portuguesa e Polícia assim como obter dados anatómicos, Marítima, a partir do porto de Leixões,

34 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

Matosinhos, e foram efetuadas para além das 40 milhas, fora da zona das redes de pesca. Os dois últimos exemplares recuperados de Caretta caretta foram transferidos para o Oceanário de Lisboa, onde integraram a exposição temporária “Tartarugas Marinhas - A Viagem”, num tanque de grandes dimensões. Estes animais também já foram ou ainda vão ser libertados em mar aberto. Desde 2008, notou-se que a frequência de arrojamentos de animais vivos se reduziu bastante e já não foram entregues tartarugas capturadas pela pesca na ELA, como tinha sido hábito nos anos anteriores. Em relação aos últimos arrojamentos de animais mortos, a espécie dominante


 Injecção do microchip

 Caretta caretta, pronto a ser libertada

 Cadáveres de Tartaruga-de-couro

 Libertação de Caretta caretta

foi a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), com dois de quatro registos correspondentes a animais encontrados em estado muito avançado de decomposição. A diminuição drástica de arrojamentos ou capturas acidentais em Vila Nova de Gaia durante os últimos anos, tanto de animais vivos como mortos, podia significar que cada vez menos tartarugas conseguem complementar o ciclo da migração oceânica. Também é possivel que cada vez menos animais nasçam nos locais de reprodução no Mar das Caraíbas, devido à diminuição de reprodutores, à destruição das praias de nidificação ou à exploração comercial de ovos pelo Homem.

ESTAÇÃO LITORAL DA AGUDA Rua Alfredo Dias, Praia da Aguda 4410-475 Arcozelo Vila Nova de Gaia Tel.: 227 536 360 fax: 227 535 155 ela.aguda@mail.telepac.pt www.fundação-ela.pt

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36 DUNAS

Estuário do Douro

N

ão só pela expressiva presença de algumas espécies como a escassez no panorama nacional de outras. É um importante local de descanso, alimentação e abrigo de muitas espécies de aves migradoras que utilizam a rota migratória do Atlântico Este, entre o Ártico e África. O número de aves que se observa no estuário é particularmente elevado nas épocas correspondentes aos períodos migratórios pré e pós-reprodução. Destaca-se a ocorrência de significativos grupos de certas espécies durante o período invernal. São exemplo disso o corvo-marinho (Phalacrocorax carbo), a garça-real (Ardea cinerea), a gaivota-de-asa-escura (Larus fuscus graellsii), a gaivota-de-patasamarelas (Larus michahellis) e o guincho (Chroicocephalus ridibundus). No primeiro fim de semana de outubro, dias 4 e 5, realizou-se a atividade “Open Day”(dia aberto) que foi associada com o evento EuroBirdwatch 14. Este ano a realização do EuroBirdwatch na Reserva Natural Local do Estuário do Douro (RNLED) foi intitulado “Aves migratórias à vista!”, sendo a quarta edição deste tipo de atividade aberta ao público na Reserva Natural. Já se tinham realizado dois “Open Day” associados ao EuroBirdwatch em 2012 e 2013, no primeiro fim de semana de outubro e um integrado nas celebrações do “World Migratory Bird Day 14” realizado no segundo fim de semana de maio de 2014. O objetivo dos “Open Day” é dar a possibilidade aos visitantes de, através de visitas guiadas, conhecerem a RNLED “por dentro” e poderem compreender a razão de haver uma zona condicionada à circulação.

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A Reserva Natural Local do Estuário do Douro, que fica em Canidelo, Vila Nova de Gaia, constitui uma das zonas mais interessantes para observação de aves no Douro Litoral

Interessa sobretudo nesses dias dar a conhecer os movimentos de deslocação de espécies de aves migratórias europeias e trabalhos realizados na RNLED, concretamente censos e monitorizações. Importa ainda permitir compreender a gestão que se realiza na RNLED nos últimos quatro anos (operacionalidade em curso a que designamos de “bastidores” por normalmente não ser visível pelo público – recolha de resíduos; retirada de invasoras; melhoria de habitat) e as componentes de fauna e vegetação e habitats presentes associadas à dinâmica natural do espaço da Reserva como meio entre o mar e o rio. Enquadra-se numa estratégia que se pode resumir em conhecer e compreender para proteger. É de realçar uma frase de Albert Einstein

Douro Estuary

The Local Nature Reserve of the Douro Estuary is located in Canidelo, Vila Nova de Gaia, and it is one of the most interesting locations for bird watching on the Douro Coastline. It is an important place of rest, food and shelter for many species of migratory birds that use the Eastern Atlantic migratory route, between the Arctic and Africa.

que resume o pretendido: "Look deep into nature, and then you will understand everything better" (observe a natureza em profundidade e conseguirá entender tudo muito melhor). Contudo, apesar da especificidade dos dias referidos, já sabe que pode visitar este espaço em qualquer dia da semana. Com dois observatórios distanciados, unidos por um passadiço sobrelevado, encontra o centro interpretativo aberto das 9h30 às 12h00 e das 13h00 às 17h00. O acesso aos observatórios de aves é livre. Além disso, nos primeiros domingos de cada mês, entre as dez e o meio-dia, há um técnico do Parque Biológico de Gaia disponível para dar mais esclarecimentos aos visitantes. Texto Paulo Paes de Faria


Francisco Bernardo Paulo Leite

 Bando de perna-vermelha-comum, Tringa totanus

As aves selvagens são imprevisíveis. É por isso que fora dos dias marcados por atividades de índole internacional, a qualquer altura pode deparar, sobretudo no outono/inverno,com observações inesperadas. Algumas das águias-pesqueiras que nidificam no Norte da Europa, de passagem, rumo a África, param na RNLED entre setembro e outubro para um curto período de repouso e alimentação, como foi o caso desta ave que Paulo Leite anotou com a sua máquina fotográfica.

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João L. Teixeira

38 MUSEU

 O Centro Interpretativo do Património da Afurada engloba quer exposições permanentes quer temporárias

Afurada: Exposições no CIPA

 Exposição temporária de aguarela da autoria de António Silva

 Coleção de Marciano Azuaga: exposição de malacologia

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O Centro Interpretativo do Património da Afurada (CIPA) está equipado com modernos meios tecnológicos e oferece a quem o visita diversas áreas com exposições. Entre estas há as permanentes e as temporárias. No que diz respeito às últimas, por exemplo, entre 29 novembro e 25 de fevereiro pode observar uma exposição de aguarela da autoria de António Silva. Exposições permanentes não são poucas, como a que existe sobre a Afurada, à qual se soma a do Centro de Documentação e a exposição permanente do espólio do CIPA. Também a malacologia marca presença com a exposição permanente da coleção de Marciano Azuaga. Cada vez mais o CIPA é um espaço museológico que se afirma na interpretação e exposição do ambiente e da atividade humana no território da Afurada. Mais dia menos dia, faça uma visita ao CIPA. Aberto todos os dias, entre as 10h00 e as 12h30 e entre 13h30 e as 18h00, é oportuno recordar que surgiu como resultado de uma parceria entre o Parque Biológico de Gaia e a Administração dos Portos do Douro e Leixões.


ESPAÇOS VERDES 39

João L. Teixeira

Parque da Quinta do Conde das Devesas Próximo do Cais de Gaia, o Parque do Conde das Devesas fica na Rua D. Leonor de Freitas. A abundância de camélias dos seus jardins, sem que tenham exclusivo, encontradas quando da construção do parque, destacou a ideia de que fosse dedicado a este grupo de plantas um setor específico. Curiosamente, um estudo de Frederick Gustav Meyer (1959), do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América, indica que as camélias de Vila Nova de Gaia são os mais antigos exemplares até agora registados na Europa, plantados em 1550. As camélias terão chegado a Portugal antes de entrarem em Inglaterra e de Portugal difundiram-se para a Galiza. No século XIX chegaram à Austrália, via Inglaterra. Há também uma faia e um tulipeiro com troncos antigos que fazem o visitante sentir-se perante seres vivos monumentais. Com as portas abertas para si todos os dias, pode chegar a este parque também através de GPS: 41º7’58.98”N/8º37’8.36”W.

Parque da Ponte de Maria Pia

João L. Teixeira

Este espaço verde de Vila Nova de Gaia fica perto da ponte de Maria Pia, na Alameda da Serra do Pilar, em Santa Marinha. O parque está ligado a essa estrutura histórica. Na época em que a ponte foi construída, revelou-se uma obra de engenharia que andou na boca de toda a gente. Inaugurada a 4 de novembro de 1877, até contou com a presença do rei D. Luís I e com a rainha D. Maria Pia, que lhe deu o nome. Como com o passar dos anos, em 1991, entrou em funcionamento a nova ponte de São João, a ponte de Maria Pia foi desativada. Esta parte do espaço da antiga linha de caminho de ferro Porto-Lisboa ganhou por isso novo uso, agora ao serviço do interesse público. Quando o sol de outono o vai acompanhando num ou noutro dia, mais tarde ou mais cedo sinta-se tentado a dar ali um salto. Está à sua espera um agradável passeio.

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40 ESPAÇOS VERDES

Arqueologia em

Crestuma O Parque Botânico do Castelo recebeu uma visita de trabalho do Presidente do Município de Vila Nova de Gaia em 3 de setembro quando decorriam trabalhos arqueológicos

N

este parque botânico, também sítio arqueológico, Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, disse à imprensa: «O meu compromisso é, para o próximo ano, encontrar forma de um dar impulso a este trabalho. Temos aqui um espaço de investigação, mas também potencial em valorização do território, de chamamento de pessoas, aproveitamento do cais. Os barcos trazem turistas". O Presidente do Município afirmou

também que o potencial turístico do local, nas margens do rio Douro em Crestuma, onde se localiza o Parque Botânico do Castelo e onde estão a decorrer escavações arqueológicas, é elevado. Sendo este espaço gerido pelo Parque Biológico de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues salientou que, com a internalização no Município, poderá «assumir um papel importante em candidaturas comunitárias», como já tem acontecido, com vista a desenvolver

este projeto seja no suporte à investigação seja no envolvimento dos agentes turísticos da zona. A visita foi guiada por Gonçalves Guimarães, que explicou algumas das preocupações da Confraria Queirosiana, responsável pela investigação arqueológica que está a decorrer no parque ao longo de vários anos. O apoio de voluntários nesta investigação arqueológica tem sido determinante. A visita enquadrou-se na preparação do Plano e Orçamento da Autarquia para o próximo ano.

Escavações arqueológicas Decorreu entre 25 de agosto e 5 de setembro a quinta campanha de escavações arqueológicas no Castelo de Crestuma, realizada pelo Gabinete de História, Arqueologia e Património da Confraria Queirosiana, com o apoio das Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM e do Solar Condes de Resende.

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Castle Botanical Park

João L. Teixeira

João L. Teixeira

João L. Teixeira

The 5th annual campaign of archaeological excavations at the Castle of Crestuma, held by the Historical, Archaeology and Heritage Chamber of the “Queirosiana Brotherhood,” with the support of the “Águas e Parque Biológico de Gaia, EEM and the “Solar Condes de Resende”, took place between August 25th and September 5th, 2014. On one of the days, this scientific working group received a visit from the President of Vila Nova de Gaia.

Os trabalhos foram coordenados por António Manuel Silva e Gonçalves Guimarães que dirigiram uma equipa de oito pessoas, entre arqueólogos, estudantes e outros especialistas, este ano limitados a um único setor junto à praia de Favaios, dado que os custos da atual campanha foram inteiramente suportados pela Confraria Queirosiana. Esta estação arqueológica tem ocupação confirmada dos séculos IV a VI e X-XI. Nesta campanha prosseguiu a

intervenção numa área com construções dos séculos V-VI, derruídas ainda por causa indeterminada, das quais têm sido extraídas grandes quantidades de espólio cerâmico, vítreo e outro, quer de importação quer de fabrico local. Prossegue entretanto o estudo e divulgação do espólio desta estação, nomeadamente em fóruns internacionais, com a publicação de diversos artigos nas respetivas atas, bem assim como a itinerância da exposição “Castelo de

Crestuma: a Arqueologia em busca da História”, por diversos espaços do Município de Gaia. Os resultados desta campanha serão apresentados ao público num dos eventos das Jornadas do Património que decorrerão no Solar Condes de Resende, comemorativo dos 30 anos desta instituição como Casa Municipal de Cultura. Por J. A. Gonçalves Guimarães

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42 ESPAÇOS VERDES

Parque da Lavandeira Neste parque encontra percursos pedestres e jardins temáticos, zonas de merendas e uma série de iniciativas que constam da agenda ao lado. Porque oferece a quem o visita uma mão-cheia de vertentes de recreio e lazer no Parque da Lavandeira há uma cafetaria e decorrem iniciativas das mais variadas, nomeadamente venda de legumes, atividades de yoga, feiras de artesanato, entre muitas outras iniciativas. Em Oliveira do Douro, este parque de uma dezena de hectares localiza-se muito perto do centro de Gaia e resultou da aquisição, pelo Município, da antiga quinta da Lavandeira. Pode chegar até ao Parque da Lavandeira pelas Oficinas Municipais, na Estrada n.º 222, que leva os utentes da principal Avenida de Vila Nova de Gaia a Avintes. A entrada neste parque é grátis. Apesar de não ser a mesma coisa, também pode visitar o Parque da Lavandeira através do seu computador, indo ao “Google Maps” e entrando no modo “Street view”! Se ainda não conhece este espaço verde, quem sabe se depois disso não se sente também cativado por uma visita presencial?

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Agenda Yoga A orientação é da responsabilidade da Dr.ª Luísa Bernardo, que proporciona a atividade em regime de voluntariado. Quartas e sextas-feiras às 9h45.

Tai Chi Às segundas e às quintas-feiras, aulas às 9h30. Entrada grátis. Participação nesta última atividade sujeita a marcação por e-mail: lavandeira@parquebiologico.pt

Pode seguir o Parque da Lavandeira no Facebook, no site www.parquebiologico.pt (botão Parque da Lavandeira), ou telefonar para 227 878 138


Jorge Gomes

Libertação de aves selvagens recuperadas Sábado, dia 4 de outubro, pelas 19h00, o Presidente do Município de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, participou na devolução à natureza de aves reabilitadas pelo Centro de Recuperação de Fauna do Parque Biológico de Gaia

Com a presença de numerosas pessoas, que ali se deslocaram propositadamente para assistir ao evento, foram libertadas três corujas-do-mato, um peneireiro e dois ouriços-cacheiros, uma pequena amostra do elevado número de animais que o Centro de Recuperação de Fauna do Parque Biológico de Gaia reabilita ao longo de muitos anos. Até outubro, só no presente ano, deram entrada neste centro perto de 1500 animais, sendo 800 espécies selvagens. «Este momento simbólico fica marcado pelo local em que acontece, o Parque Biológico. Marca uma estratégia muito clara de política ambiental que, ao longo dos anos, é seguida em Gaia», afirmou Eduardo Vítor Rodrigues. «O que vale a pena valorizar é o Parque, os seus responsáveis, os seus trabalhadores e o trabalho desenvolvido ao longo dos anos», sublinhou. Esta iniciativa enquadrou-se nas comemorações do Dia Mundial do Animal.

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44 ESPAÇOS VERDES o Centro de Recuperaçã

 Numa escola de Amarante, Sara Loio, médica-veterinária do Parque, dá a entender às crianças a importância das águias, antes de libertar um búteo recuperado

Dia 4 de outubro, data em que se celebra o Dia Mundial do Animal, foi sábado: o Centro de Recuperação de Fauna do Parque Biológico de Gaia iniciou de véspera a comemoração em larga escala 44 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

E

m colaboração com o Parque Nacional da Peneda-Gerês, o Parque Biológico de Gaia celebrou o Dia do Animal através de um vasto programa de libertação de animais selvagens entretanto reabilitados nas suas instalações. Além de Vila Nova de Gaia outras cidades foram cenário destas iniciativas conducentes a uma melhor compreensão sobre estes seres vivos, como foi o caso de escolas e parques de Braga, Amarante, Valongo, Maia, Matosinhos, Gondomar, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis. A data do Dia do Animal foi escolhida no século passado, em 1931, durante uma convenção de ecologistas em Florença. Foi decisivo o facto do dia 4 de outubro


A data do Dia do Animal foi escolhida no século passado, em 1931, durante uma convenção de ecologistas em Florença

ser o dia de S. Francisco de Assis, o santo padroeiro dos animais. Celebrado em vários países, as escolas representam sempre um público de eleição para estas iniciativas. As crianças aderem com facilidade e assistem normalmente a eventos que nunca mais esquecem. Os objetivos desta comemoração pretendem sensibilizar a população para a necessidade de proteger os animais e para a preservação de todas as espécies, bem como mostrar a importância destes seres vivos na vida das pessoas. Embora seja facto que a maior parte dos animais reabilitados para a vida selvagem sejam aves de rapina, como corujas e mochos, águias-de-asa-redonda e peneireiros, espécies como os noitibós – aves insetívoras de atividade noturna, presentes no nosso país na primavera e no verão – também constam da lista, sem esquecer os pachorrentos ouriçoscacheiros. A ideia antiga de que este esforço de conservação da natureza se deve aplicar sobretudo a espécies “raras” ou “em perigo” está hoje ultrapassada, pois espécies que são agora comuns amanhã podem estar sobre inesperada pressão, como aconteceu na década passada com o pardal-dostelhados e acontece agora com a enguia, sobretudo em Inglaterra. Desde a sua origem, em 1983, que o Parque Biológico de Gaia tem prestado este serviço de recuperação de animais selvagens, sendo o primeiro centro de recuperação a funcionar em Portugal.

Recuperation Centre

October 4th, Saturday, the World Animal Day was celebrated: The Fauna Recuperation Centre of the Biological Park of Gaia actually started celebrating this day on a large scale during the day before. The return to nature of several eagles and owls at various locations in the region celebrated this Global day.

 Parque de S. Pedro de Avioso, Maia: Jessica Castro, técnica do Parque Biológico de Gaia, explica aos presentes a importância das rapinas noturnas

 Maia, Parque de S. Pedro de Avioso: libertação de uma coruja-do-mato recuperada

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46 ESPAÇOS VERDES Agenda

Noites dos

Pirilampos O Parque recebe visitas às 22h00 para observação de animais noturnos nos dias 5 e 6 de junho, de 8 a 13, de 15 a 20, dia 22, e de 25 a 27 do mesmo mês. Se desejar pode também participar nestas datas nas atividades do seu observatório de astronomia. O self-service serve jantares (reserva obrigatória). A ficha de inscrição descarrega-se partir do site do Parque, é obrigatório preenchê-la e dirigi‑la ao Gabinete de Atendimento: atendimento@ parquebiologico.pt; horário de abril a setembro, 9h00/19h00; tel. 227878138 e 227878138.

Sei o que fizeste no verão passado! A Oficina da Universidade Júnior "Detetives no Parque", que decorreu no Parque Biológico de Gaia no estio, teve como finalidade apelar à sensibilidade e atenção dos juniores para as problemáticas ambientais e fomentar o respeito pela natureza, através de um jogo de bioinvestigação. Este ano procurou-se enriquecer a oficina com uma chamada de atenção para o impacto do Homem num ecossistema fluvial, como o rio Febros, que serpenteia pelo Parque. O Projeto Rios tem como lema "Adote um troço de um rio" e pretende a participação social na conservação dos espaços fluviais. Quer, por isso, dar resposta à visível alteração e deterioração da qualidade dos rios, a fim de a prevenir. Como tal, e com o apoio do coordenador nacional do Projeto Rios, Pedro Teiga, o projeto foi parceiro nesta atividade levando os juniores em 4 de julho a adotar um troço do rio Febros e a nele "molhar os pés". Por Alexandra e Jessica Castro

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João L. Teixeira

Em junho, no Parque Biológico de Gaia, os pirilampos são inesquecíveis


O Parque Biológico de Gaia propõe-lhe atividades que decerto serão do seu interesse...

Dunas não são divãs A Tenda da Geologia Viva, centrada numa atividade denominada "As dunas não são divãs, as dunas são geologia", contou com a participação do Parque Biológico de Gaia entre 21 e 25 de julho. Para além das iniciativas técnicocientíficas do IX Congresso Nacional de Geologia, em que se inseriu esta iniciativa, a comissão organizadora estava empenhada em divulgar a Geologia na comunidade préuniversitária através de atividades pedagógicas no âmbito da Universidade Júnior, iniciativa essa designada de Tenda da Geologia Viva. O certame decorreu na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e teve por tema "Desenvolvimento Sustentável da Terra: Novas Fronteiras".

Sábado no Parque

Percursos de descoberta: Castro Laboreiro

Dia 6 de junho o Parque prepara atividades especiais para os seus visitantes. Com início às 11h00, há o atelier “Iniciação à Astronomia”. Às 15h00 abre a exposição de fotografia do Concurso Nacional de Fotografia Astronómica, e há uma visita guiada por técnicos do Parque e percurso ornitológico. Em 4 de julho tem lugar “O ciclo da água” como atelier e às 14h30 a conversa do mês versará sobre “Hidrogeologia no Parque”, por Jorge Espinha M., FCUP. Às 15h00 decorre a visita guiada por técnicos do Parque e o percurso. Nestes dias, às 22h00, há observações astronómicas, se as condições meteorológicas o permitirem. Em cada um dos primeiros sábados há uma nova ave, uma nova planta e um novo livro do mês.

Sábado, 16 de maio, com saída e chegada no mesmo dia ao Parque Biológico de Gaia. Técnicos do Parque guiam a visita a este relevo da região Norte.

Anilhagem científica de aves selvagens

Nos primeiros domingos de cada mês, entre as dez e o meio-dia, leve, se tiver, um guia de campo de aves europeias e binóculos à Reserva Natural Local do Estuário do Douro. Com telescópio, estará um técnico do Parque para ajudar os presentes a identificar as aves do litoral a partir dos observatórios ali instalados.

Nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, das dez ao meio-dia, os visitantes do Parque podem assistir a esta atividade na Quinta do Chasco de passagem pelo percurso de descoberta da natureza, se não chover. Está em causa o bem-estar animal. Orientada por anilhadores credenciados, há uma dúzia de formandos que prosseguem no objetivo de aprenderem sempre mais nesta iniciativa útil para um melhor conhecimento da população de aves da região. O Parque Biológico de Gaia colabora com a Central Nacional de Anilhagem, coordenada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, num projeto europeu de Estações de Esforço Constante, para monitorização das aves selvagens.

Ateliers e atividades O Parque disponibiliza uma série de ateliers de educação ambiental na Agenda de Atividades. Visitando o site fica a conhecê-las.

Oficinas de Verão Em tempo de férias grandes, nas semanas de 29 junho a 3 julho, de 6 a 10, de 13 a 17 e de 20 a 24 de julho, de 27 a 31 de julho, de 3 a 7 de agosto, de 10 a 14, de 17 a 21 e de 24 a 28 do mesmo mês, esta iniciativa destina-se a crianças e jovens dos 6 aos 14 anos com entrada diária às 9h00, saída às 18h00.

Observação de aves selvagens

Receba notícias por e-mail Para os leitores saberem das suas atividades a curto prazo, o Parque Biológico sugere uma visita semanal a www.parquebiologico.pt A alternativa será receber os destaques, sempre que oportunos, por e-mail. Para isso, peça-os a newsletter@parquebiologico.pt

Mais informações Gabinete de Atendimento atendimento@parquebiologico.pt Telefone direto: 227 878 138 4430-861 Avintes - Portugal

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48 ESPAÇOS VERDES Novidades de Fauna

Furcula bifida (Brahm, 1787) Os insetos superaram há muito as plantas no que diz respeito à quantidade de espécies e demonstram possuir uma enorme mobilidade. Não admira por isso que, entre espécies selvagens, nos vamos apercebendo de algumas que pousam perto dos caminhos por que passamos todos os dias. Esta fotografia, obtida no passado dia 4 de setembro no Parque Biológico de Gaia, mostra uma novidade: a borboleta noturna Furcula bifida (Brahm, 1787), que ainda não estava na lista de biodiversidade do Parque. Na fase de lagarta, esta espécie alimenta-se normalmente de choupos e salgueiros. A identificação foi obtida com a ajuda de Eduardo Marabuto e de Carlos Silva.

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Flora

Cryphaea heteromalla (Hedw.) Mohr

Musgos dos ramos: siga esta espécie!

Sónia Ferreira (CIBIO-UP)

Jorge Gomes

Musgo de cor verde-olivácea ou verde-amarelada, densamente ramificado e com ramos eretos ou ascendentes. Apresenta filídeos (folhas pequenas) muito juntos e sobrepostos ao caulóide (caule dos musgos) em estado seco e mais abertos, em ângulo quase reto com o caule, em estado húmido. Esta transformação que se dá quando aumenta o grau de hidratação da planta altera completamente o seu Cristiana Vieira e Helena Hespanhol aspeto, tornando-a mais vistosa e com cores mais vivas e mais conspícua, já que os seus tufos prostrados podem atingir vários CIBIO-InBIO centímetros de diâmetro. As cápsulas permanecem imersas nos filídeos e são muito frequentes, o que auxilia bastante a sua identificação. As cápsulas apresentam uma cor amarelada e estão rodeadas por folhas especializadas – folhas periqueciais – que têm como função proteger as cápsulas. Para além destas características, as cápsulas surgem unilateralmente ao longo dos caulóides secundários, o que é bastante típico e fácil de observar no campo, mesmo à vista desarmada. Esta espécie coloniza troncos de várias árvores autóctones e alóctones e, muito frequentemente, os seus ramos, em ambientes com alguma humidade ambiental, mas nunca cresce sobre rochas. É comum na Península Ibérica, no Norte e Oeste da Península Ibérica e, em Portugal, encontra-se nas áreas com influência do clima atlântico. No Parque Biológico de Gaia, este musgo pode ser observado em troncos de árvores. E porque é que vale a pena seguir a presença ou desaparecimento desta espécie, pergunta o leitor? Porque é considerada uma autêntica antena de poluição atmosférica, ou seja, ocorre em ambientes pouco poluídos e é bastante sensível às alterações de níveis de poluentes. Em muitos países europeus, devido ao aumento de poluição atmosférica, tem-se tornado rara e é considerada uma espécie vulnerável nas listas vermelhas de conservação. E, já agora, aqui fica uma resposta a muitas pessoas que perguntam se os musgos prejudicam as árvores sobre as quais crescem: os musgos que se estabelecem sobre os troncos designam-se por epífitas – são plantas que vivem sobre outras plantas de maior porte utilizando-as apenas como substrato para fixação, não sendo parasitas, nem de forma nenhuma prejudicam a planta sobre a qual crescem e se reproduzem...

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João L: Teixeira

50 BATER DE ASA

O voo das

aves

O litoral de Vila Nova de Gaia configura um corredor migratório de excelência – prova disso são os numerosos avistamentos anotados a partir de anilhas de cor em várias espécies de aves, concretamente as do grupo das gaivotas

T

omasz Iciek faz parte do programa ornitológico polaco de anilhas de cor – o Polish Colour-ringing Programme. A partir de duas observações reportadas em Vila Nova de Gaia, informa que na Reserva de Przykona em Radyczyny, Turek, Polónia, em 8 de junho de 2010 T. Iciek aplicou a um guincho, Larus ridibundus1, a anilha metálica n.º Gdansk FN 90065. Se não tivesse também adicionado uma anilha de cor (Colour ring number: WHITE TAVT) à ave, só uma recaptura do animal, vivo ou morto, poderia vir a adicionar mais alguma informação. É por isso que a aplicação destas anilhas complementares, devidamente regulamentadas, se tornou uma importante mais-valia. Através de telescópios e binóculos torna-se possível a qualquer observador tomar nota do dia, hora e local

50 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

The flight of the birds

The coast of Vila Nova de Gaia configures a migratory corridor of excellence – proof of this are the numerous sightings recorded from the coloured rings found on many bird species, specifically the group of seagulls.

em que a vê, passando a encaminhar a informação a uma instituição que a consiga tornar útil. Com alguma frequência, há observadores que até conseguem fotografar a ave e a anilha de forma legível, o que é excelente. Não foi exatamente isso que terá acontecido com J. Pereira e Paulo Faria, respetivamente em 9 e 10 de fevereiro de 2012, no estuário do Douro, mas conseguiu-se apurar, graças à disponibilidade do programa polaco, que em 22 de outubro de 2011 a mesma ave tinha sido observada em França e em 22 de maio do mesmo ano na própria Polónia. Um destes dias, ao passear pela praia ou pelo estuário, quem sabe se não depara com esta ave?

(1) – Nota: há guias de campo em que esta espécie surge com o nome Chroicocephalus ridibundus, porém, não é consensual esta alteração de nome.


ANILHAGEM 51

Depois de colhidos os dados regulamentares as aves são libertadas: no caso, uma toutinegrade-barrete

Fotos: Jorge Gomes

Pedro Andrade é dos formando mais antigos do grupo de anilhagem: explica num sábado a este grupo de crianças um dos muitos aspetos da atividade

Malta do alicate Dito assim parece um bando, mas a verdade é que o trabalho é rigoroso, exigente, e carece de técnica minuciosa: quando chove não podem atuar, tendo em vista o bem-estar das aves selvagens que são a matéria-prima da sua disciplina científica

Não é dos outonos mais frios, mas hoje, sábado, a temperatura mais baixa da noite fez-se sentir. Vale o sol que vai aquecendo o alicate de anilhagem, diferente dos de lá de casa, pois tem uma função delicada: aplicar uma anilha padronizada a nível internacional na pata da ave selvagem sem magoar. Por isso aperta e pára necessariamente antes de poder causar enguiço. Na leve peça de metal há um código alfanumérico único que fica ali, sem perturbar, e quando a ave nas suas viagens for recapturada por este ou outro grupo de anilhagem científica de aves selvagens não será confundida com nenhuma outra. A deslocação, o peso, a plumagem, a gordura e outros dados podem ser medidos e comparados, ajudando a esclarecer pela acumulação de informações exatas diversos aspetos sobre a população de aves da região.

Rui Brito é biólogo e, com António Cunha Pereira, engenheiro químico, são anilhadores científicos credenciados pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e dão alma há já oito anos à Estação de Esforço Constante em curso no Parque Biológico de Gaia que acumula resultados científicos duas vezes por mês desde então. Não tardaram ao longo dos anos a juntar mais gente interessada em aprender a esmerada técnica de colheita de dados biométricos. Se não chover, quando palmilhar o percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia aos primeiros e terceiros sábados de cada mês entre as dez e o meiodia junto ao espigueiro da quinta do Chasco poderá observar esta atividade e colocar as perguntas que achar interessantes. O outono e o inverno são alturas de muito trabalho, que para eles comçea de noite na instalação de redes de captura normalizadas.

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52 OBSERVATÓRIO

Situada no hemisfério Norte, Andrómeda é uma constelação de outono visível bem alto no céu pelas 22h00 nesta época do ano, momento em que passa pelo zénite, o ponto na abóbada celeste que fica por cima da cabeça do observador no local de observação

Joaquim Gomes

A

Gustav Doré,  Andrómeda (segunda metade do século XIX). Litografia, 35 cm × 22,2 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro

origem desta constelação surge na mitologia grega que retrata a princesa que foi acorrentada nos rochedos junto ao mar para servir de sacrifício a um monstro marinho. Andrómeda, filha do rei da Etiópia, Cefeu, e de Cassiopeia foi vítima do descomedimento da mãe. Ela pretendia ser a mais bela de todas as nereidas e mais bela que a própria deusa Hera. Estas, enciumadas com a presunção de Cassiopeia, pedem ajuda a Posêidon, deus do mar, para serem vingadas. Posêidon, em resposta ao pedido, envia o monstro marinho Cetus para desvastar o reino da Etiópia. Cefeu ao consultar o oráculo de Amon, soube que o reino seria libertado deste flagelo se Andrómeda fosse sacrificada. Assim ordenou que esta fosse agrilhoada a um rochedo junto ao mar para ser devorada pelo monstro. No momento em que o sacrifício estava

52 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

Andrómeda a princesa agrilhoada prestes a ser consumado, surge Perseu, regressado da sua vitoriosa missão contra Medusa, liberta Andrómeda e derrota Cetus. Como a princesa já tinha sido prometida em casamento ao tio Fineu, este em conjunto com os reis da Etiópia conspiram a morte de Perseu, mas de sobreaviso desta conspiração, o jovem herói mostra a cabeça de Medusa a Fineu e seus cúmplices transformando-os em estátuas de pedra. Com caminho livre, Perseu casa com Andrómeda. Em termos astronómicos Andrómeda é uma

extensa constelação do céu setentrional com 722º quadrados, contudo as estrelas desta constelação não são muito brilhantes. Andrómeda situa-se entre as constelações de Perseu (o seu herói), a leste, e Pegasus (o cavalo alado) a oeste; a norte situam-se as constelações da Cassiopeia (mãe) e Cefeu (pai) e a sul observam-se as constelações dos Peixes e Cetus (o monstro marinho). Entre as estrelas com maior notoriedade desta constelação destaca-se a mais brilhante, que representa a cabeça da princesa acorrentada, Alpheratz ou a And. Devido à sua posição por


Carlos Soares

 Constelação Andrómeda

vezes considera-se que a estrela pertence à constelação de Pegasus, porque se situa na fronteira das duas constelações. De magnitude 2,1, Alpheratz é uma binária espetroscópica (composta por duas estrelas em interação gravitacional) do tipo espectral B8 (Azul-Branco), dista 97 anos-luz da Terra, é 200 vezes mais brilhante que o Sol e tem um diâmetro 2,8 vezes maior que a nossa estrela. Segue-se Mirach ou b And: é uma gigante vermelha que se situa a 200 anos-luz da Terra. Com a magnitude média de 2,05 esta estrela é de classe espectral M0; verifica-se também que é variável e o seu brilho varia entre a magnitude de 2,01 e 2,1. Esta estrela é 1675 vezes mais brilhante que o Sol. Almach ou g And, é uma estrela tripla a 370 anos-luz de distância. A estrela mais brilhante é uma estrela amarela com magnitude de 2,3 que tem uma companheira azul de magnitude 5,1 e uma separação angular de 9,8" o que faz com que já sejam visíveis em telescópios modestos. Por sua vez esta segunda estrela é na realidade um par binário, a terceira componente é uma estrela de magnitude 6,6, mas para as observar é necessário um telescópio mais sofisticado.

Mas o centro de atenções desta constelação e o seu ex-líbris é no entanto um objeto de céu profundo, trata-se da grande galáxia espiral de Andrómeda, também conhecida por Messier 31 ou simplesmente M31 (NGC224). Este nome deve-se ao facto de ter sido o trigésimo primeiro objeto a ser catalogado pelo caçador de cometas, o astrónomo francês Charles Messier. É das mais belas galáxias espirais que se podem observar no céu noturno e é o astro mais distante da Terra que é visível a olho nu sendo tais as suas dimensões que em comprimento é quatro vezes maior que o diâmetro aparente da Lua cheia. A galáxia de Andrómeda faz parte do grupo local de galáxias e dista cerca de 2,54 milhões de anos-luz de nós. Significa isto que neste momento observamos a galáxia como ela era há 2,54 milhões de anos. As suas dimensões aparentes no céu é de cerca de 2 graus de comprimento por 1 grau de largura. O diâmetro da Lua cheia é de 0,5 graus por comparação e a sua magnitude aparente é de 3,44, o limite de magnitude de visibilidade a olho nu num céu sem poluição luminosa é de cerca de 6, sendo certo que quanto maior for o valor da magnitude menos luminoso é o astro. A galáxia é

composta por cerca de 1 milhão de milhões de estrelas e tem a dimensão de 110 mil anos-luz de diâmetro para poder atravessar a galáxia de uma ponta à outra: à velocidade da luz demoraríamos cerca de 110 mil anos a fazer a viagem. À semelhança da nossa galáxia, M31 também tem duas galáxias satélites que a orbitam. São elas a Messier 32 (M32 ou NGC221), uma galáxia elíptica com as dimensões aparentes de 8'x6' (' = minutos de arco e representa 1/60 do grau) e uma magnitude de 8,1, e a Messier 110 (M110 ou NGC205), também elíptica com as dimensões aparentes de 17'x10' e uma magnitude de 8,1. O Observatório Astronómico do Parque Biológico de Gaia faz sessões públicas todos os primeiros sábados de cada mês, caso as condições meteorológicas o permitam. Aproveite para conhecer estes astros e muitos outros enquanto descobre as maravilhas que o nosso universo encerra. Pode seguir-nos na página do facebook em www.facebook.com/ observatorioastronomicopbg, informe-se das atividades desenvolvidas pelo OAPB através do telefone 227 878 138 ou pelo e-mail: atendimento@parquebiologico.pt.

Parques e Vida Selvagem outono 2014 • 53


54 ENTREVISTA

A vespa

que veio

da Ásia

José Manuel Grosso-Silva é entomólogo: licenciado em Biologia, faz investigação sobre a fauna de insetos e alguns outros invertebrados desde 1994 – quando emergem problemas derivados de uma espécie exótica as perguntas são inevitáveis...

É

investigador do CIBIO-InBIO e já realizou estudos em diversas zonas do país, como é o caso de vários parques naturais, incluindo o Parque Biológico de Gaia. A expansão repentina de casos de vespa asiática no Norte de Portugal, sugere um assunto difícil de contornar. As notícias falam de uma vespa exótica em expansão que é perigosa, fica-se até com a ideia de que pode ser mortal, inclusive para o ser humano. Em que medida é mesmo assim? Grosso-Silva – A vespa asiática (Vespa velutina) foi encontrada em Portugal pela primeira vez no verão de 2011, no concelho de Viana do Castelo. Está em expansão no Norte do país e este ano já foi encontrada nalguns concelhos a sul do rio Douro. Quanto ao perigo que pode representar, devo dizer que se trata de uma espécie cujas fêmeas produzem veneno e são capazes de picar da mesma forma que as vespas nativas de Portugal, mas não parece ser mais agressiva do que a espécie mais próxima, que é a vespa europeia, Vespa crabro. A informação que existe aponta para que seja mais agressiva na proteção do seu ninho (vespeiro e colónia significam o mesmo) e foi justamente nesse contexto que ocorreram algumas mortes em França, por exemplo quando um agricultor danificou acidentalmente o vespeiro ao passar com um trator por cima deste. Mas isto não quer dizer que seja uma “vespa assassina” como por vezes é apelidada na comunicação social. E também não é “gigante” – aliás a vespa

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 Vespa crabro, uma das espécies nativas que pode gerar confusão

europeia é cerca de meio centímetro maior. Na verdade, o que acontece é uma confusão com uma outra espécie asiática, de grande tamanho e efetivamente perigosa, mas que felizmente não foi introduzida na Europa! As colmeias parecem ser as grandes vítimas desta vespa. É verdade? Grosso-Silva – As colmeias são de facto vítimas importantes da vespa asiática, porque esta espécie tem uma dieta muito focada na abelha europeia, Apis mellifera. As vespas asiáticas alimentam-se também de outros insetos, tal como o faz a vespa europeia, mas parecem ter uma predileção pelas abelhas, o que as leva a caçar junto às colmeias podendo, em certos locais, ter

um impacto importante sobre as colónias de abelhas. No fundo, a vespa asiática tem um impacto económico porque afeta a apicultura, mas é provável que também tenha impacto ecológico porque não se alimenta só de abelhas. Pode ser confundida com alguma espécie de inseto parecido na nossa fauna? Grosso-Silva – Sim, a vespa asiática pode ser confundida com várias espécies da nossa fauna, quer de vespas, quer de moscas, que pelo seu tamanho e coloração se lhe assemelham. É compreensível que essa confusão aconteça porque as pessoas não têm


The Asian wasp in Portugal

José Manuel Grosso-Silva is an Entomologist with a Degree in Biology. Since 1994, he has been doing a lot of Research on the fauna of insects and some other invertebrates. When hatching there are several problems deriving from an exotic wasp specie, Vespa velutina, and there are some important questions to ask of this Biologist.

 José Manuel Grosso-Silva, entomólogo

 Diversos insetos nativos podem ser confundidos com esta vespa exótica, que se assinala com o círculo

normalmente um bom conhecimento do aspeto tanto das espécies nativas como da asiática, além de também não costumarem aproximar-se o suficiente para ver os insetos em pormenor. Felizmente começa a estar disponível informação acompanhada por boas ilustrações e fotografias, por isso as situações de confusão deverão começar a diminuir. A Vespa crabro será o inseto mais parecido com a vespa exótica, presumo. São concorrentes no mesmo nicho ecológico – se forem, como se prevê o resultado dessa concorrência? Grosso-Silva – A vespa europeia, Vespa crabro, é realmente o inseto nativo

mais parecido e existe, em parte, uma sobreposição das preferências das duas espécies que poderá levar a que concorram. Sobre o resultado dessa competição não existe ainda informação em Portugal, pelo que não é possível saber se existirá um impacto negativo sobre a espécie europeia ou se, pelo contrário, a espécie europeia poderá contribuir para retardar a colonização do país, mas a informação relativa a França não parece apontar para esta segunda hipótese. Como aparece esta vespa asiática em Portugal? Grosso-Silva – Para responder a essa pergunta temos de recuar um pouco mais

além de 2011 e alargar o nosso foco a toda a Europa. A introdução da vespa asiática no continente europeu aconteceu em França, em 2004 ou, possivelmente, em 2003. Nos primeiros anos após essa introdução a partir da China, que foi acidental, a vespa asiática colonizou muito rapidamente o território de França, ocupando hoje em dia mais de 70% da área deste país, que é praticamente do tamanho da Península Ibérica. Em Espanha os primeiros registos datam de 2010, em Navarra e no País Basco, mas a chegada a Portugal parece, de acordo com a informação disponível, ter sido diretamente a partir de França, possivelmente mediada pelo transporte de madeiras a partir do Sudoeste de França. O que devem fazer os leitores se depararem com uma destas vespas à porta de casa? Grosso-Silva – Há duas situações distintas: encontrar uma ou algumas vespas isoladas (alimentando-se em flores num jardim, por exemplo) e detetar a presença dum vespeiro. No primeiro caso o melhor será não agir, pois as vespas estão simplesmente “a tratar da sua vida”. Mas o seu avistamento pode derivar da proximidade dum vespeiro, pelo que deverão pelo menos ficar alerta para essa possibilidade. Se for detetada a presença dum vespeiro, os leitores deverão avisar rapidamente as autoridades, para que essa presença seja verificada e posteriormente a colónia seja destruída. No fundo, a destruição das colónias é a

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Henrique N. Alves

56 ENTREVISTA

 Vespa velutina, uma espécie originária da Ásia

única medida de controlo que podemos aplicar nesta fase e é incomparavelmente mais eficaz do que a perseguição e morte de exemplares isolados, que podem sempre defender-se picando, da mesma maneira que as outras vespas e abelhas, e dessa forma causarem problemas desnecessários. Qual é o ciclo de vida desta espécie? Grosso-Silva – As vespas são insetos com metamorfose designada “completa”: passam por fases de ovo, larva, pupa e adulto. Ao contrário de muitos insetos, que passam o inverno como ovo, larva ou mesmo pupa, as vespas asiáticas passam o inverno no estado adulto e somente as rainhas (“fundadoras”) formarão colónias no ano seguinte, pois todos os outros indivíduos morrem. Ou seja, as colónias são anuais, não passam de um ano para o outro e os vespeiros ficam desocupados no inverno, não sendo utilizados novamente – na verdade, a chuva deve destruir a maior parte destas estruturas construídas pelas vespas. Na primavera as rainhas terminam a sua hibernação e começam a construção de um ninho chamado ninho primário, no qual serão criadas as primeiras larvas. Quando um certo número dessas larvas termina o desenvolvimento e atinge o estado

56 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

adulto, a rainha e essas obreiras abandonam o ninho primário e constroem um outro, o ninho secundário, num local diferente, muitas vezes na copa de uma árvore. Isso acontece no início ou a meio do verão e esses são os ninhos que se veem mais tarde, especialmente quando as árvores começam a perder as folhas no outono. A certa altura, normalmente no outono, a colónia vai começar a produzir machos e fêmeas reprodutoras (as rainhas-fundadoras), que acasalam com os indivíduos de outras colónias. Tanto os machos como a rainha e as obreiras vão morrer no final do outono ou no início do inverno (não se sabe ainda com precisão quando isso acontece em Portugal) e só as novas rainhas-fundadoras sobrevivem, hibernando durante o inverno sob a casca de árvores ou outros locais abrigados. Na primavera seguinte o ciclo recomeça… Na sua opinião, como é possível controlar esta ameaça à biodiversidade? Grosso-Silva – Essa é realmente a grande questão atualmente. Em termos práticos, já não é possível a espécie ser erradicada. Isso é algo que talvez pudesse ter sido feito

em França logo no início da colonização, mas sendo a espécie um invasor tão eficiente, tenho dúvidas de que fosse mesmo possível. Quanto ao controlo, a verdade é que ainda não há uma técnica ou estratégia eficaz. O que é feito consiste em destruir as colónias que são detetadas e colocar armadilhas quer para reduzir a predação nas colmeias quer para capturar as rainhas-fundadoras, impedindo-as de formar novas colónias. Esta última questão é fundamental, pois cada rainhafundadora que for eliminada representa uma colónia a menos no futuro. A grande dificuldade tem sido encontrar armadilhas seletivas para capturar apenas as vespas e evitar a destruição de centenas ou milhares de outros insetos em cada armadilha, o que tem um impacto ecológico muito grande. Mas houve grandes avanços recentemente em termos de design de armadilhas, por isso espero que seja possível já na próxima primavera fazer uma campanha eficiente de armadilhamento de fundadoras. Texto e fotos Jorge Gomes


REPORTAGEM 57

 Percurso da mata da Margaraça que, com a Fraga da Pena, são jóias da coroa da Paisagem Protegida da Serra do Açor

Serra do Açor Paisagem Protegida O Complexo do Açor integra áreas distintas – S. Pedro do Açor, o pico da Cebola, Fajão e a mata da Margaraça: são 382 hectares que se estendem pela região e que convidam os visitantes a ali voltar

O

nevoeiro adormeceu sobre a serrania e nesta manhã segue em sono solto. É o reino das nuvens que se deitam sobre o solo declivoso das serras moldadas a xisto, sulcadas por vales profundos e encostas abruptas. Onde as árvores se juntam, a folhagem amarelada de castanheiros e ulmeiros, carvalhos e aveleiras pintam de outono a paisagem. A conversa vai solta com os técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, Manuela Direito e Nuno Fernandes, que nos acompanham. Nuno, vigilante da natureza, adianta: «Temos cinco percursos pedestres, mas o mais temático está aqui, na mata da Margaraça. Tem uma carga de visitantes maior». É o trilho que mais fazem com as escolas e onde o centro de interpretação pode apoiar com a sua exposição permanente as características principais da Paisagem Protegida. Depois «temos um na Fraga da Pena, que

Parques e Vida Selvagem outono 2014 • 57


58 REPORTAGEM

percorre as quedas de água e vai até à aldeia de Pardieiros», ali nas redondezas. Confessa Nuno Fernandes que interessa puxar as pessoas para as aldeias e aí focar o artesanato, concretamente «as colheres de pau, pois há ainda pessoas a trabalhar nesse ofício». O nevoeiro e a chuva hoje não dão profundidade visual à paisagem mas as tonalidades de outono por toda a parte são estonteantes. Dificilmente o bosque conseguiria ser uma floresta mais mágica. Os passos soltam o ritmo da caminhada amortecida pela sola das botas sobre a manta de folhagem caída em que domina o castanho, parecido com o xisto, de onde se solta a luz das folhas amareladas de castanheiros e ulmeiros. Mistura-se um verde perene, vindo do folhado, Viburnum tinus, de folha aqui alargada, sôfrega de luz, de azereiros, loureiros e afins. Esta mata tem estatuto internacional, é Reserva Biogenética (Conselho da Europa). Manuela Direito, interlocutora da área protegida que faz a ponte entre a chefia de Divisão e o pessoal técnico que trabalha no terreno, lida também com o público em geral, inclusive com a comunidade escolar. Concebe em equipa projetos anuais de atividades que realizam com as escolas: «Normalmente fazemos duas sessões teórico-práticas e depois no final do ano os alunos vêm à área protegida para fazerem uma atividade com incidência no Dia Mundial do Ambiente que tem ligação ao projeto desenvolvido ao longo do ano», explica. Agora, «está em curso o tema fauna e flora» e «vamos tratar do azereiro e do açor. Falarse-á da importância que ambos têm e que justifica a sua conservação». A ave, o açor, é a figura de marca da serra que dá nome à área protegida, mas o azereiro não fica atrás: a Paisagem Protegida da Serra do Açor é conhecida por possuir a maior mancha da espécie na Península Ibérica, acentua Nuno Fernandes e adianta: «É uma planta que faz parte da chamada floresta laurissilva. Tem uma distribuição muito restrita. Com as glaciações foram desaparecendo e sobreviveram só alguns núcleos isolados». Com conhecimento do terreno, Nuno acrescenta que «este ano o azereiro deu bastante flor na primavera, mas não produziu depois muito fruto», ao contrário do ano passado, em que «deram bastante semente».

58 • Parques e Vida Selvagem outono primavera 2014 2014

Paisagem Protegida da Serra do Açor

Located next to Arganil, in the protected landscape of the Serra do Açor there is an area of great natural beauty included within the European network of Biogenetic Reserves - the Margaraça Woodlands. The luxurious vegetation found on these slate slopes is one of the rare examples of primitive vegetation cover in the mountainous areas of the centre of Portugal that have survived until the present day. Key animal species include the Goshawk, a bird of prey that gave its name to this mountain range, which serves as an symbol of the protected landscape area.

 Ulmeiro pintado de outono

 Azereiro: esta área protegida tem a população mais expressiva da Península Ibérica


 Em primeiro plano, processamento de sementes de azevinho

 Manuela Direito e Nuno Fernandes, técnicos da área protegida

Por falar em sementes, há já vários anos que decorre nas instalações do edifício do centro de interpretação desta área protegida uma fase importante de um dos projetos do ICNF «que incentiva a recolha de sementes de espécies autóctones», esclarece, nomeadamente de «castanheiro, carvalho, azereiro, loureiro, azevinho», entre outras espécies botânicas, «que depois enviamos para um viveiro na Malcata». A semente não surge toda na mesma altura. Não admira por isso que as sementes de ulmeiro já tenham seguido, bem como as de castanheiro, de carvalho, de medronheiro, de azereiro, de folhado… No momento, em sala ao lado da exposição, após prévia recolha de sementes, estava em andamento o processamento de frutos de duas espécies, azevinho e loureiro, sob o cuidado de Fátima Pinheiro e Maria Santos,

Parques Parques e Vida e Vida Selvagem Selvagem primavera outono 2014 • 59


60 REPORTAGEM

 Forno de refugo

assistentes operacionais do ICNF. Manuela Direito afirma: «Nesta área protegida só plantamos árvores cujas sementes sejam daqui oriundas», o que revela um rigor que previne problemas derivados de poluição genética. O fruto deste serviço é especialmente útil quando se liga ao projeto do controlo de espécies exóticas invasoras, como as acácias. As acácias... é mesmo possível erradicá-las? Nuno Fernandes responde: «Controlar é possível, com muitos custos. No caso, assinala Manuela, «eram manchas muito localizadas». Deve ser dito que foi trabalho feito «com a equipa da casa» que conta agora com o apoio de gente da Universidade de Coimbra. Lá fora, uma chuva suave coa a luz da manhã. Os troncos do arvoredo recobremse de líquenes variados, como as barbas-develho que expõem a pureza do ar. Conversamos também com Sílvia Neves, bióloga do ICNF. Explica que «um bosque como a mata da Margaraça é propício a muitas espécies de fetos. Para ela

60 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

 Dois castanheiros-relíquia que serviram noutro tempo a arte de cestaria local

estão referenciadas 16 espécies. São particularmente abundantes as que preferem bosques húmidos e sombrios como Blechnum spicant, Dryopteris filixmas, Polystochum setiferum e Athyrium filix-femina». Quanto a cogumelos, na Margaraça «foram identificadas 257 espécies de macrofungos». Algumas pessoas creem que os cogumelos que são venenosos devem ser arrancados para que não se propaguem, só interessam os comestíveis, porém, sublinha Sílvia, «as espécies venenosas são tão imprescindíveis para o equilíbrio dos ecossistemas como as espécies comestíveis. Não devem, portanto, ser destruídas». É assim porque «os fungos, tanto venenosos como comestíveis, têm funções ecológicas fundamentais para a sobrevivência da floresta. Exemplo disso são as micorrizas que muitos deles estabelecem com as árvores, aliás com a grande maioria das plantas. Mas também os chamados fungos decompositores ocupam um nicho ecológico relevante

promovendo a reciclagem de nutrientes». Há que assinalar «a importância deste SIC para a preservação dos azereirais, habitat prioritário segundo a Diretiva Habitats. Na serra do Açor encontra-se a maior população conhecida de azereiro (Prunus lusitanica subsp lusitanica), espécies-relíquia da floresta laurissilva que no Terciário cobria grande parte do território continental português». Há também a presença de várias espécies de flora ora endémica ora rara, como Murbeckiella sousae, Veronica micrantha e a população mais meridional de Narcissus asturiensis. Entende-se por Paisagem Protegida uma área que contenha paisagens resultantes da interação harmoniosa do ser humano e da natureza, e que evidenciem grande valor estético, ecológico ou cultural. A classificação de uma Paisagem Protegida visa a proteção dos valores naturais e culturais existentes, realçando a identidade local, e a adoção de medidas compatíveis com os objetivos da sua classificação. O Plano Setorial da Rede Natura 2000


 Percurso da mata da Margaraça

destaca que em S. Pedro do Açor e no pico da Cebola «a paisagem apresenta características distintas, com charnecas e matos de altitude, nomeadamente matos rasteiros acidófilos temperados e mediterrânicos (6160), a que se associam as gramíneas Festuca elegans e Festuca summilusitana». Na mata de Fajão, marcada pela existência de quartzitos, além de azereiro, existe azinheira, sobreiro e carvalho-negral. O

estrato herbáceo e arbustivo tem uma considerável diversidade florística. De volta ao percurso da mata da Margaraça, ao lado do velho forno de refugo, onde se tratavam as varas dos castanheiros destinadas a cestaria, corre a ribeira da Mata, um habitat de excelência para a salamandra-lusitânica, anfíbio endémico, exclusivo do Noroeste da Península Ibérica, que ainda ocorre nalguns poucos locais da região Centro de Portugal.

Depois das vagas de emigração do século XX, ficam pela serrania os moinhos de água e os socalcos construídos com forte mão humana. A sucessão ecológica não sabe parar e pelos caminhos, entre os voos do açor, no outono ou noutra estação do ano, há ritmos renovados que chamam por si. Texto Jorge Gomes Fotos João L. Teixeira

Paisagem Protegida da Serra do Açor Casa Grande Mata da Margaraça 3305-031 Benfeita (351) 235 741 329 ppsa@icnf.pt www.icnf.pt

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Tom Kirschey

62 EVENTO

Tom Kirschey

 Parque Regional Veisiejai

 Cágado-de-carapaça-estriada, em habitat restaurado - Floresta Petroskai

Lituânia

Conservação de anfíbios e répteis ameaçados

62 • Parques e Vida Selvagem outono 2014

A maioria dos animais migra entre diferentes locais por várias razões: deslocam-se em busca de melhores habitats, comida ou parceiro, evitando processos mais difíceis como é o caso da competição


Ana Mafalda

 Observação de um charco construído numa pastagem para bovinos em exploração extensiva

N

o entanto as distâncias entre áreas protegidas muitas vezes é demasiado longa e difícil de percorrer por animais com menos mobilidade. Por exemplo o cágado-decarapaça-estriada (Emys orbicularis) pode deslocar-se centenas de metros por dia na procura de uma área para postura ou simplesmente quando quer encontrar locais seguros para descansar. Nesse desejo, porém, depara com obstáculos que não são propriamente fáceis de ultrapassar. É o caso das florestas de pinheiro, das estradas ou de áreas habitacionais. Mediante estes e outros problemas é pouco provável que uma tartaruga consiga alcançar outra área protegida.

 Lacerta agilis, um dos répteis da região

Daí a importância das Redes e Corredores Ecológicos, considerados como uma das mais eficientes ferramentas para a conservação da biodiversidade. Uma Rede Ecológica é composta por Zonas Núcleo que são as áreas de maior valor para a conservação da biodiversidade (normalmente áreas Natura 2000), Zonas Tampão e Corredores Ecológicos. Estas áreas são definidas tendo em atenção quais os animais-alvo do projeto. Fomos conhecer um exemplo-piloto de uma Rede Ecológica para Conservação de Répteis e Anfíbios em perigo de extinção no Sul da Lituânia. Esta rede é coordenada pela associação Lithuanian Fund for Nature que organizou

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Tom Kirschey

64 EVENTO

 Bombina bombina ou sapo-de-barriga-de-fogo

entre os dias 26 e 28 de agosto de 2014 um seminário para apresentar e debater os resultados do Projeto LIFE09NAT/ LT/00581. O Parque Biológico de Gaia foi convidado a estar presente nesse seminário e a partilhar a sua experiência quer com o Projeto de Conservação de Cágados nativos – Life Trachemys – quer com a sua Campanha de Educação Ambiental. O plano de ação levado a cabo nesta Rede Ecológica contemplou o estabelecimento de cinco novas áreas Rede Natura, a construção de 120 novos charcos bem como a renovação de 50 já existentes e a melhoria das condições de 40 locais de nidificação de cágado-de-carapaça-estriada. Nas situações em que os donos dos terrenos são particulares, estes são

C.1. - Gestão do habitat para as espécies-alvo C.2. - Renovação dos charcos C.3. - Recuperação das zonas húmidas Restauração dos locais de nidificação dos cágados Locais de libertação de cágados criados em cativeiro Locais de libertação de rãs criadas em cativeiro Novas áreas Natura 2000 Corredores ecológicos Áreas Natura 2000 e reservas criadas para répteis e anfíbios

 Mapa das áreas de ação do projeto ECONAT - Lituânia

64 • Parques e Vida Selvagem outono 2014


Ana Mafalda

 Saida de campo para observação de anfibios e répteis em área Natura 2000 - Paveisiejai

encorajados a explorá-los para regimes de criação de gado extensivos, favoráveis ao projeto pelo cuidado com os terrenos e a manutenção das pastagens. O clima na Lituânia é tipicamente europeu-continental com o verão ameno, com temperatura média nos 18º C e invernos muito frios rondando os -5º C diários, podendo mesmo chegar aos 20º C. Entre as espécies prioritárias para a conservação destas áreas encontram-se o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis), a rã-arvális (Rana arvalis), o sapo-de-barriga-de-fogo (Bombina bombina), o tritão-de-crista (Triturus cristatus) e o lagarto-ágil (Lacerta agilis). A rã-arvális é uma rã semiaquática de cor castanha-avermelhada com exceção dos machos que na época de reprodução apresentam tonalidades azuis. Por sua vez, o sapo-de-barriga-de-fogo é

um pequeno anuro com pupilas em forma de coração que, quando ameaçado, se vira de patas para o ar mostrando o ventre avermelhado como sinal de aviso. Na verdade a sua pele produz um veneno que o protege contra bactérias e fungos e afugenta possíveis predadores. O lagarto-ágil é castanho com uma linha dorsal mais escura com pintas brancas. Durante a época reprodutora os machos ficam verde-brilhante, mantendo-se apenas castanha a faixa dorsal. É o único lagarto na Lituânia que põe ovos.

Texto Ana Mafalda Alves Agradecimentos a Dália Bastyte e Nerijus Zableckis pelo convite, pela forma como nos receberam em Vilnius e pela colaboração neste artigo.

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66 BLOCO DE NOTAS 66 BLOCO DE NOTAS

Cávado Avifauna do Estuário do

H

á 20 anos, ao encontrar um corvo-marinho-de-facesbrancas (Phalacrocorax carbo) no estuário do Cávado, detinha-me a contemplar a sua destreza na captura de enguias, solhas e tainhas que trazia à tona após mergulhos prolongados. Eram raras estas aves que começavam a procurar-nos vindas do Norte. Mas o entusiasmo por ver juntar-se um predador de topo à biodiversidade local não haveria de durar. A partir dos anos de 1980, sobretudo devido a eficazes medidas de proteção nas regiões de origem/reprodução, as populações desta espécie, que outrora perseguidas conheceram um forte declínio, haveriam de proliferar rapidamente na Europa e a sua expansão até ao litoral, rios, albufeiras e outras zonas húmidas do nosso país também se notou nas décadas seguintes. E com a chegada de milhares de indivíduos que avidamente consumiam mais de meio quilo de peixe todos os dias durante todos os meses de outono e inverno, acionaram as sirenes, em particular nas comunidades associadas às pescas que, observando apenas as toneladas de peixe extraídas anualmente e sem considerar a complexidade dos habitats marinhos e ribeirinhos, logo estigmatizaram estas aves de “morte negra”. Nascia, então, mais um conflito entre a conservação da natureza e os interesses económicos que não tardaram a dirigir apelos à União Europeia no sentido de implementar medidas de controlo das populações de corvo-marinho e expondo como dado adquirido o seu impacto significativo na pesca, nas pisciculturas

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e até sobre o meio natural. Assim, em 2008, no âmbito do Plano Europeu de Gestão dos Corvos-marinhos, os Estados-membros foram instados a, entre outras medidas, “disponibilizarem, promovendo a investigação científica contínua, dados fiáveis…”. Não tenho como explicar a demora de Bruxelas em dar a resposta (esperada) ao entretanto engrossado coro de queixas de piscicultores e profissionais da pesca. Mas não consigo deixar de suspeitar que esteja associada à repetição de resultados nos estudos científicos agora publicados que indicam serem pouco importantes os prejuízos nas pisciculturas, não haver ameaça óbvia ou declínio acentuado nas espécies de peixe com valor comercial devido à predação do corvo-marinho e de, assim, questionarem as medidas em vigor para conter as suas populações. Para este desfecho “inesperado” podem concorrer vários aspectos da ecologia da ave e das interações nos ecossistemas. Elencá-los estenderia demasiado o texto, mas, ainda assim, deixo aqui algumas reflexões. Se fizermos desaparecer o corvo-marinho, o que acontecerá a alguns peixes ou aos seus ovos, que são consumidos por outras espécies predadas pela ave? Para crescerem, os peixes dependem muito dos recursos disponíveis. A remoção de alguns indivíduos de uma determinada espécie, provavelmente os menos aptos ou até infetados por parasitas, não promoveria o crescimento de outros congéneres saudáveis que beneficiariam da menor concorrência pelo alimento? Estas e tantas outras equações não demonstram que os peixes predados

Jorge Araújo da Silva ecologista, observador de aves e divulgador da vida selvagem

pelos corvos-marinhos não podem ser traduzidos diretamente na diminuição de biomassa? E relativamente a espécies que, de facto, estão a sumir da foz do Cávado, como a enguia, parece-me que o corvo-marinho não passa de um bom bode-expiatório que tão bem serve para lançar nuvens sobre as nossas irresponsabilidades, como a pesca ilegal ou a poluição. São legítimas as preocupações dos pescadores e produtores de peixe. Por respeito a estes e com humildade, a Ciência deverá continuar atenta ao fenómeno e a promover um debate leal e esclarecedor. Não serão os empirismos, o apego aos mitos ou os escárnios dirigidos aos investigadores, mesmo os projetados pela imprensa, que resolverão este conflito.

Algumas referências Engström, H. 2001. Effects of Great Cormorant Predation on Fish Populations and Fishery. Comprehensive Summaries of Uppsala Dissertations from the Faculty of Science and Technology. Uppsala. Sweden. Catry, P., Costa, H., Elias, G. & Matias, R. (2010). Aves de Portugal. Ornitologia do Território Continental. Assírio & Alvim, Lisboa. Catry, T. Granadeiro, J. Pereira, S; Campos, A. Catry, P. 2014. Distribuição e impacto do corvo-marinho-defaces-brancas sobre as comunidades ictiológicas do estuário do Sado. Livro de Resumos do VIII Congresso de Ornitologia da SPEA. Almada.


A ancestral necessidade de explicar os fenómenos da Natureza levou-nos, desde cedo, à construção de mitos baseados numa perceção deturpada da realidade. Mas quantos dos que ousaram desmontar meras crenças instituídas como verdades inquestionáveis, como Darwin n’A Origem das Espécies, foram expostos ao ridículo ainda antes de verem os seus estudos reconhecidos?

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68 MIGRAÇÕES

Halichoerus grypus (Fabricius, 1791)

Ludo

Uma foca chamada

Nem tudo é migração: as espécies de seres vivos dispersam-se através de variados processos, por vezes com deslocações em que palmilham milhares de quilómetros – nem por isso toda a viagem tem o teor das que vamos descrevendo

T

alvez sejam as aves que em quantidade melhor exemplificam o que seja uma migração: já aqui reportamos viagens de gaivotas e cucos, de rouxinóis-dos-caniços e de andorinhas-do-mar, de garças e de noitibós, entre tantos outros exemplos. Mesmo assim, é certo que sob o véu do oceano tartarugas, baleias e peixes migram como mais ninguém. Há alguns milhares de anos, antes do advento da agricultura que ajudou a fixar populações, o homem caçador-coletor adaptava-se também ao ritmo das manadas de herbívoros vitais para a sua sobrevivência. Hoje é tudo muito diferente. Um autor de gabarito, Eugene P. Odum, define os diferentes casos em «Fundamentos da Ecologia». Explica que todas as migrações se incluem num conceito mais amplo, o de dispersão de uma espécie. Esta dispersão pode espraiar-se de três maneiras. Uma é a imigração, quando os indivíduos de uma espécie se movimentam «para dentro, num só sentido». Existe o oposto, a emigração, que ocorre se há «movimento para fora num só sentido», até que se chega à ideia desta secção da revista, a migração. Neste caso, acontece com os seres vivos de uma espécie a sua «saída e retorno periódicos». Um caso recente que exemplifica entre mamíferos um fenómeno de dispersão é o da foca-cinzenta a que chamaram durante a sua recuperação Ludo, no Algarve, concretamente no Porto d’Abrigo, o centro de reabilitação de animais marinhos selvagens do Zoomarine. Longe de ser caso único, esta história apurou-se a

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partir de 4 de janeiro, numa praia de Sagres, quando os temporais assolaram o litoral. Como terá chegado ali esta foca juvenil já desmamada, de 18 quilos, cujo habitat mais próximo fica no Atlântico Norte? As correntes, as marés, a inexperiência... Entregue ao Porto d’Abrigo, sob o cuidado de uma equipa especializada, depressa se verificou que a pequena foca-cinzenta estava desidratada e tinha uma ferida no olho esquerdo. Iniciado um complexo processo de reabilitação, em apenas oito meses já estava em condições de ser entregue ao Cornish Seal Sanctuary, na Grã-Bretanha. Nessa altura já com 48 quilos, aclimatou-se para um posterior regresso ao seu habitat natural, o que ocorreu em 27 de agosto. Como já aconteceu num ou noutro caso, para o caso de Ludo insistir em rumar a sul, afastando-se portanto da sua população natural, levou uma marca laranja com o n.º 235. Um dos membros da equipa inglesa disse que a foca estava numa excitação crescente à medida que o barco navegava e assim que foi libertada mergulhou logo no mar e nadou em direção ao território das suas congéneres. No património natural lusitano há de facto pinípedes – o grupo das focas, leões-marinhos, morsas – mas é outra foca, a foca-monge também conhecida como lobomarinho, e que ainda existe no Parque Natural da Madeira. Texto Jorge Gomes


Not everything migrates: animals and birds disperse through various processes, sometimes with movements involving of thousands of kilometres – but by no means do they all make big journeys, the exact contents of what we describe. A recent case that exemplifies a phenomenon among mammals is the dispersion of the gray seal called Ludo, about its recovery in the Algarve, Portugal, more specifically, at the “Porto d'Abrigo”, the Rehabilitation Centre for wild marine animals at the Zoomarine.

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70 RETRATOS NATURAIS

Vamos desenhar...

uma tartaruga-marinha

Tartaruga-de-escamas ou de pente (Eretmochelys imbricata)

U

m grupo particularmente cativante dentro da herpetologia e dos répteis são as inconfundíveis tartarugas, as quais possuem uma arquitetura anatómica particularmente estável na sua forma, independentemente de serem seres terrestres, de água doce ou marinhas. E afirmarmos serem cativantes porque não são raras as vezes em que as crianças as adoptam como animais de estimação preferidos (usualmente, as tartarugas de água doce, infelizmente espécies exóticas), graças a serem algo pachorrentos e herbívoros, “simpáticos” e tímidos (as espécies europeias conseguem esconder a cabeça e as patas, protegendo-os dentro de uma carapaça) e são “quase” indestrutíveis – uma condição essencial para sobreviver às mãos dos mais petizes e à sua esfusiante alegria. As tartarugas marinhas são animais que evoluíram das formas terrestres, à mais de 100 milhões de anos (adaptação secundária), tornando‑se mais hidrodinâmicas e bastante ágeis e ativas (pensa-se que as tartarugas evoluíram

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dos restantes répteis terrestres à mais de 215 M.a.). Em Portugal estão referenciadas apenas duas espécies de tartarugas de água doce (que aqui se designam por cágados), animais semi-aquáticos (vivendo entre terra seca e a água) e cinco espécies marinhas. O ciclo de vida dos quelónios é algo complexo e moroso e, independentemente do tipo de habitat, começa sempre num ovo enterrado no solo ou areia, em cavidades escavadas pelas patas traseiras das progenitoras. Independentemente da espécie e apesar das diferenças decorrentes da maturação da fase pós-eclosão (juvenil), usualmente apenas se desenha o indivíduo adulto em ilustração herpetológica (um das categorias da ilustração zoológica). Assim, o ilustrador herpetológico que queira realizar uma figuração da anatomia externa, ou seja, criar uma ilustração descritiva e com valor taxonómico (com poder de descriminar comparativamente entre espécies diferentes, auxiliando na sua diferenciação e identificação visual), terá que devotar grande parte da sua atenção à observação

da carapaça. Na realidade, o animal está ensanduichado entre duas carapaças diferentes: a carapaça ventral, ou plastrão, e a dorsal, ou espaldar. Na grande maioria destes répteis, estas proteções são compostas por placas ósseas, sendo que as do espaldar estão fixas ás apófises das vértebras dorsais, o que confere a necessária rigidez a todo o conjunto. Para aumentar a consolidação deste conjunto protetor, a revestir estas placas estão ainda rijas placas córneas (com exceção da tartaruga-de-couro, que quer o plastrão, quer o espaldar, se apresentam revestidos por uma pele enegrecida e elástica) em que as ligações (espaços ou suturas) não são coincidentes. Se bem que as formas dos espaldares são relativamente similares entre os vários grupos de tartarugas (terrestres ou aquáticas), assumindo uma forma mais eliptica ou ligeiramente oval, é no plastrão que a forma mais difere (as terrestres ou semi-aquáticas é elíptico, com quatro reentrâncias similares para os membros


vista ventral

plastrão

espaldar (v. dorsal) placas córneas

placas ósseas

M N G H C V

P

1

Ab Pg

Im

2

3

F A

M Sc

Mais dura que a pedra A carapaça óssea dos quelónios é uma das mais interessantes adaptações dos seres vivos à sobrevivência num mundo adverso. O espaldar é formado pelas placas ósseas vertebrais fundidas ás vértebras dorsais (1) e as costelas (2) não só se achataram, como também se fundiram (3) entre si, fechadas pelas placas ósseas marginais. Para conferir uma maior coesão e resistência mecânica, as escamas ou placas córneas; as que vemos e têm valor diagnosticante na identificação) estão ainda dispostas de modo a que as linhas de sutura entre placas não estejam alinhadas não coincidindo assim com as das ósseas.

E

Na

Cd

B

Plastrão: Pg - poros glandulares; Placas córneas: Im - inframarginais; G - gular; H - humeral; P - peitoral; Ab - abdominal; F - femural; A - anal. Espaldar (placas córneas): N - nucal; M - marginais; C - costais; V - vertebrais; Sc - supracaudal. Outras caracteres com valor diagnosticante: E - escamas/placas cefálicas; Na - narina/nostril; B - bico córneo; U - unhas das nadadeiras; Cd - cauda.

locomotores; nas marinhas é cinturado ao nível da cintura pélvica, onde se nota uma maior reentrância para permitir uma maior liberdade e força de impulsão às patas traseiras). Em ambas as carapaças é importante saber reconhecer e desenhar com rigor os diferentes tipos de placas, bem como as cores e padrões evidenciados em ambas, pois a identificação da espécies reside maioritariamente no diferente número e forma destas placas córneas. Claro que a forma da cabeça e número das escamas laterais e pré-frontais, a forma do bico córneo que reveste as mandíbulas (não têm dentes, em adultos), ou ainda as unhas em cada membro (barbatanas) também ajudam a esclarecer e reforçar a identificação. Sendo que identificação reside então mais no espaldar, do que no plastrão, resulta imediato que uma ilustração deste tipo de animais terá que ser encabeçada por uma pose em norma preferencialmente dorsal (visto de cima) ou então, e para uma maior riqueza de pormenor na visualização de caracteres diagnosticantes, em vista

Tartaruga-verde (Chelonia mydas)

U

dorso-lateral (fazendo uso implícito da simetria bilateral ao longo do maior eixo, o longitudinal, em que a metade esquerda é a especular da direita). Este é dos casos em que a vista escolhida, mais do que procurar conferir familiaridade na observação do espécime (em que ele é mais frequentemente visualizado, se em mergulho), procura mais ser sintética e cumulativa (evidenciar um maior número de carateres anatómicos distintivos). Por outro lado, a ilustração do corpo inteiro almeja transmitir alguma naturalidade pelo que os membros devem dar a ideia, sempre que possível, de impulsão e locomoção, colocando o corpo em sentido ascendente (subida da apneia, para respirar) ou descendente (mergulho). Para finalizar deve ser sempre desenhado de forma que a cabeça e a parte frontal do espaldar (onde se veja a placa nucal) estejam bem iluminados, de acordo com a convenção usualmente utilizada em ilustração científica, em que o foco de luz (o “sol”) surge em posição superior esquerda, com orientação

em diagonal e na direção de uma posição inferior direita – ou seja, a cabeça sempre para a nossa esquerda, ou evidenciando o lado esquerdo deste vertebrado. Caso queiramos dar uma outra envolvência nada melhor que “meter água”, não no sentido de fazer asneira, mas de criar um fundo marinho que tipifique o seu habitat, ou imortalizar o momento de uma tartaruga prestes a abocanhar uma medusa (um dos seus alimentos preferidos se for uma tartaruga-de-couro, ou macroalgas se for uma tartaruga-boba), ou ainda e para criar um maior dramatismo, a escapar de um ataque fulminante perpetrado por um dos seus maiores predadores naturais – ou as orcas, ou os tubarões! Texto e ilustrações

Fernando Correia Biólogo e ilustrador científico Dep. Biologia, Universidade de Aveiro fjorgescorreia@sapo.pt

www.efecorreia-artstudio.com

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72 ATUALIDADE

Formigas e dióxido de carbono

Simpósio Internacional sobre Pirilampos Entre 11 e 15 de agosto decorreu em Gainsville, na Florida, EUA, mais um Simpósio Internacional sobre Pirilampos. Segundo os organizadores, o evento é um alfobre de oportunidades de atualização de experiências e conhecimentos, o que é vital para o avanço da ciência e da conservação da natureza. No «Program & Abstracts Book», página 5, lê-se: «Esta série de simpósios que veio a chamar-se «International Firefly Symposium» surgiu em primeira edição em 2007 no Parque Biológico de Gaia, um centro de educação ambiental e reserva natural em Vila Nova de Gaia, Portugal». Encontra o documento em http://conference. ifas.ufl.edu/firefly/Program%20BOOK%202014.pdf

Que as árvores têm uma capacidade singular de absorver dióxido de carbono já se sabe, resta aumentar a eficácia. Quanto a formigas nem por isso, mas feitas as contas elas também estão em força a ajudar na mitigação das alterações climáticas: a nível mineral as formigas aceleram reações que capturam dióxido de carbono da atmosfera de forma tão expressiva que até podem entrar com justiça na lista das medidas afins. Os cientistas descobriram que algumas das espécies conseguem absorver CO2 em rochas acima de 335 vezes do que em áreas onde as formigas não existem. Ronald Dorn, professor de geografia na Universidade Estadual do Arizona, nos EUA, até construiu no jardim um muro de acolhedores tijolos especialmente dedicado a estes ativos insetos. Se o seu exemplo, apesar de algo estranho, se generalizar, quem sabe se não existe aqui mais um interessante meio de combater o aquecimento global?

Charles Darwin deixou escrito em 1880 que as terminações das raízes vegetais «atuam como o cérebro de animais». Daí para cá, investigadores evidenciam sucessivamente que as plantas revelam comportamentos sugestivos de linguagem, cognição, audição, visão, memória. Algumas até asseveram que são capazes nalguns casos de se verem como indivíduos e concretizam escolhas. Um dos autores de pesquisas sobre comunicação vegetal, Rick Karban, biólogo da Universidade da Califórnia, explicou que «as plantas são capazes de comportamentos muitíssimo mais sofisticados do que imaginávamos. Elas passaram por uma seleção em que tiveram de lidar com os mesmos desafios que os animais e desenvolveram soluções que, às vezes, guardam semelhanças com as deles».

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© Prod. Numérik - Fotolia.com

Plantas inteligentes?

As conhecidas revistas «Nature», «Science» ou «Plos One» têm publicado trabalhos relativos às conclusões de cientistas sobre esses desconhecidos talentos da flora. Concluem que não são os seres passivos que aparentam.

São capazes até de comunicar entre si através de químicos que exalam, fornecendo advertências por exemplo sobre a aproximação dos seus predadores herbívoros, Ao propagarem-se pela atmosfera a mensagem chega à vizinhança e esta responde com a produção de químicos dissuasores. Resultados deste género brotam de todo o planeta, nomeadamente da Universidade da Califórnia e da Universidade de Washington, nos EUA, do Instituto Max Planck e da Universidade de Bona, na Alemanha, ou da Universidade de Lausanne, na Suíça. Curiosamente Darwin já apontava esta abertura num dos derradeiros parágrafos do livro «O poder do movimento nas plantas: inteligência».


Manuela Leitão

Monstros no rio

O maior nível de CO2 dos últimos 30 anos

O jornal SOL dá nota no passado dia 3 de setembro da infestação de rios e albufeiras portuguesas. Está em causa um peixe euroasiático que pode ultrapassar os dois metros de comprimento, pesar cem quilos e viver durante 60 anos. Nome científico: Silurus glanis. Ao lado de outros peixes exóticos, como o achigã ou o lúcio, estes de origem americana, configura-se uma perda massiva de biodiversidade dos peixes nativos dos nossos ecossistemas, nomeadamente dos endémicos da Península Ibérica. Portugal terá proibido a sua detenção e comercialização em 1999, com vista a prevenir a introdução destes peixes nas bacias dos rios lusitanos, mas sem êxito, está visto, face a esta progressão que parece ter ocorrido de leste (Espanha) para oeste e de sul para norte.

O ano passado é considerado pelos cientistas como o período mais drástico no que toca ao aumento dos níveis de CO2 atmosférico nos últimos 30 anos. Por isso, atingiu 142% face ao que havia em 1750, antes da Revolução Industrial. A notícia parte de um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM). «O boletim de gases de efeito-estufa mostra que, em vez de reduzir, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera cresceu no último ano mais rapidamente do que nos últimos 30 anos. É imperioso reverter essa situação, cortando as emissões de CO2 e outros gases», declarou Michel Jarraud, secretário-geral da OMM. É certo que o aumento da temperatura global não é proporcional a esse crescimento, mas, garante, «o sistema climático não é linear, não está

necessariamente refletido na temperatura atmosférica, mas se consultarmos o registo das temperaturas dos oceanos vemos para onde o calor está a ir», afirmou Oksana Tarasova, da divisão de pesquisa atmosférica da OMM. O documento sugere que a elevação dos níveis de CO2 no ano passado se deve a um crescimento das emissões, claro, mas a isso liga-se uma quebra na absorção de carbono pela biosfera, facto este que foi observado pela última vez em 1998, altura do El Niño e ano em que ardeu muita biomassa. Do relatório constam igualmente elementos sobre a acidificação dos oceanos, derivada da abundância de dióxido de carbono. O estudo adianta ainda que esta acidificação está hoje no quantitativo mais elevado dos últimos 300 milhões de anos.

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74 PROJETO PAR Cada dia que passa há mais empresas e cidadãos a confiarem ao Parque Biológico de Gaia o sequestro de carbono Ajude a neutralizar os efeitos das emissões de CO2, adquirindo área de floresta em Vila Nova de Gaia com a garantia, dada pelo Município, de a manter e conservar e de haver em cada parcela a referência ao seu gesto em favor do Planeta

Para mais informações pode contactar pelo n.º (+351) 227 878 120 ou em carbono@parquebiologico.pt Parque Biológico de Gaia, Projeto Sequestro do Carbono 4430-681 Avintes • Vila Nova de Gaia

Sequestro de Carbono Agrupamento de Escolas Ovar Sul - Curso EFA B3 • Agrupamento Vertical de Escolas de Rio Tinto • Alice Branco e Manuel Silva • Alunos do 9.º ano (2012/13) da Escola Secundária do Castelo da Maia • Amigos do Zé d’Adélia • Amigos do Zé d’Adélia e Filhos • Ana Filipa Afonso Mira • Ana Luis Alves Sousa • Ana Luis e Pedro Miguel Teixeira Morais • Ana Miguel Padilha de Oliveira Martins • Ana Paula Pires • Ana Rita Alves Sousa • Ana Rita Campos, Fátima Bateiro, Daniel Dias, João Tavares e Cláudia Neves do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Ana Sofia Magalhães Rocha • Ana Teresa, José Pedro e Hugo Manuel Sousa • António Miguel da Silva Santos • Arnaldo José Reis Pinto Nunes • Artur Mário Pereira Lemos • Bárbara Sofia e Duarte Carvalho Pereira • Bernadete Silveira • Carolina de Oliveira Figueiredo Martins • Carolina Sarobe Machado • Carolina Birch • Catarina Parente • Cipriano Manuel Rodrigues Fonseca de Castro • Colaboradores da Costa & Garcia • Cónego Dr. Francisco C. Zanger • Convidados do Casamento de Joana Pinto e Pedro Ramos • Cursos EFA Básicos (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves • Deolinda da Silva Fernandes Rodrigues • Departamento Administrativo Financeiro da Optimus Comunicações, SA DAF DAY 2010 • Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária de Ermesinde • Departamento de Matemática e Ciências Experimentais (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Dinah Ferreira • Dinis Nicola • Dulcineia Alaminos • Eduarda e Delfim Brito • Eduarda Silva Giroto • Escola Básica da Formigosa • Escola Dominical da Igreja Metodista do Mirante • Escola EB 2,3 de Valadares • Escola EB 2,3 Dr. Manuel Pinto Vasconcelos, Projecto Pegada Rodoviária Segura, Ambiente e Inovação • Escola EB 2,3 Escultor António Fernandes de Sá • Escola Secundária Almeida Garrett - Projecto Europeu Aprender a Viver de Forma Sustentável • Escola Secundária Augusto Gomes • Escola

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Secundária do Castelo da Maia • Família Carvalho Araújo • Família Lourenço • Fernando Ribeiro • Francisco Gonçalves Fernandes • Francisco Saraiva • Francisco Soares Magalhães • Graça Cardoso e Pedro Cardoso • Grupo ARES - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária dos Carvalhos • Grupo Ciência e Saúde no Sec. XXI - Turma 12.º B (2009/10) da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves • Grupo de EMRC da Escola Básica D. Pedro IV - Mindelo • Guilherme Moura Paredes • Hélder, Ângela e João Manuel Cardoso • Inês, Ricardo e Galileu Padilha • Joana Fernandes da Silva • Joana Garcia • João Guilherme Stüve • João Monteiro, Ricardo Tavares, Rita Mendes, Rita Moreno, e Sofia Teixeira, do 12.º A (2011/12) da Escola Secundária Augusto Gomes • Joaquim Pombal e Marisa Alves • Jorge e Dina Felício • José Afonso e Luís António Pinto Pereira • José António da Silva Cardoso • José António Teixeira Gomes • José Carlos Correia Presas • José Carlos Loureiro • José da Rocha Alves • José, Fátima e Helena Martins • Lina Sousa, Lucília Sousa e Fernanda Gonçalves • Luana e Solange Cruz • Manuel Mesquita • Maria Adriana Macedo Pinhal • Maria Carlos de Moura Oliveira, Carlos Jaime Quinta Lopes e Alexandre Oliveira Lopes • Maria de Araújo Correia de Morais Saraiva • Maria Guilhermina Guedes Maia da Costa, Rosa Dionísio Guedes da Costa e Manuel da Costa Dionísio • Maria Helena Santos Silva e Eduardo Silva • Maria Joaquina Moura de Oliveira • Maria Manuela Esteves Martins Alves • Maria Violante Paulinos Rosmaninho Pombo • Mariana Diales da Rocha • Mário Garcia • Mário Leal e Tiago Leal •

Marisa Soares e Pedro Rocha • Marta Pereira Lopes • Mateus de Oliveira Nunes Miranda Saraiva • Miguel Moura Paredes • Miguel Parente • Miguel, Cláudia e André Barbosa • Nuno Topa • Paula Falcão • Pedro Manuel Lima Ramos • Pedro Miguel Santos e Paula Sousa • Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Professores e Funcionários (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Protetores do Ambiente Professores e Alunos da Escola Básica de Canidelo • Regina Oliveira e Abel Oliveira • Ricardo Parente • Rita Nicola • Sara Pereira • Sara Regueiras, Diana Dias, Ana Filipa Silva Ramos do 11.º A (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Serafim Armando Rodrigues de Oliveira • Sérgio Fernando Fangueiro • Tiago José Magalhães Rocha • Tiago Pereira Lopes • Turma A do 6.º ano (2010/11) do Colégio Ellen Key • Turma A do 8.º ano (2008/09) da Escola EB 2,3 de Argoncilhe • Turma A do 9.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma A do 11.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma A do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma A do 12.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma C do 10.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma D do 10.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turma D do 11.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma E do 10.º ano (2008/09) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma E do 12.º ano (2010/2011) da Escola Secundária de Ermesinde • Turma G do 12.º ano (2010/11) - Curso Profissional Técnico de Gestão do Ambiente do Agrupamento de Escolas Rodrigues de Freitas • Turma IMSI do Curso EFA - ISLA GAIA (2008/09) • Turmas A e C do 10.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A e C do 11.º ano; A e B do 12.º ano e Professores (2010/11) da Escola Secundária de Oliveira do Douro •Turmas B e C do 12.º ano - Psicologia B (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas B e D do 11.º ano (2009/10) da Escola Secundária de Oliveira do Douro • Turmas A, B e G do 12.º ano; G e H do 11.º ano e F do 10.º ano (2010/11) da Escola Secundária de Ermesinde • Vânia Rocha


Colégio Luso-Francês

Posto de Abastecimento de Avintes

Para aderir a este projeto recorte o seguinte rectângulo e remeta para: Parque Biológico de Gaia • Projeto Sequestro do Carbono • 4430 - 681 Avintes • Vila Nova de Gaia O regulamento encontra-se disponível em www.parquebiologico.pt/sequestrodocarbono

Pretendo/Pretendemos aderir à Campanha Confie ao Parque Biológico de Gaia o Sequestro do Carbono apoiando a aquisição de

m2 de área florestal X € 50 =

Junto se envia cheque para pagamento

euros.

1 m2 = €50 - 4 kg/ano de CO2

Procedeu-se à transferência para o NIB 0033 0000 4536 7338 05305

Nome do Mecenas Recibo emitido à ordem de Endereço N.º de Identificação Fiscal

Telefone

e-mail

O Parque Biológico pode divulgar o nosso contributo

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76 BIBLIOTECA

Guia Prático para a

Identificação de Plantas Invasoras em Portugal

Este guia surge no seguimento do “Guia prático para a Identificação de Plantas Invasoras em Portugal”, de 2008. Os conteúdos foram revistos e atualizados e foram incluídas mais espécies que, além do continente, surgem também nos arquipélagos dos Açores e Madeira

Guia Prático para a Identificação de Plantas Invasoras em Portugal Helena Marchante, Maria Morais, Helena Freitas, Elizabete Marchante Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014

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O guia começa com uma introdução ao tema e informação sobre as invasoras identificadas na legislação portuguesa (Decreto-lei n.º 565/99, de 21 de dezembro). Adicionalmente inclui outras plantas exóticas (espécies casuais e naturalizadas) com potencial invasor, quer em páginas ilustradas quer numa lista resumida no final. Também faz referência a espécies que surgem em áreas Filipe Vieira limitadas e em regiões com climas semelhantes aos do território português, isto porque a precaução é a melhor atitude quando se trata de gerir as invasões biológicas e evitar o alastramento a áreas maiores. No final, pode-se consultar um glossário ilustrado e um índice remissivo de nomes vulgares e científicos. As espécies exóticas invasoras são uma das principais ameaças à biodiversidade a nível global e também têm grandes impactes sobre o nosso modo de vida. As espécies invasoras têm sido uma das principais causas de extinção de espécies nos últimos séculos e afetam, em alguns casos, a saúde das pessoas. Estamos numa época em que os decisores estão, finalmente, a abordar o problema das espécies invasoras de forma mais séria, e muitos países e instituições europeias estão a desenvolver nova legislação sobre o problema. As invasões biológicas resultam quase sempre, de forma direta ou indireta, de atividades humanas. O sucesso da luta contra as espécies invasoras passa por nos sentirmos, cada um de nós, um interveniente ativo e conhecedor das melhores soluções. O guia é uma edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, e foi co-financiado pela UE/FEDER, através do QREN (Programa Fatores de Competitividade – COMPETE) e por fundos nacionais através da Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, pelo que a sua distribuição é gratuita. Vá a invasoras.pt e procure “Guia Prático”.


CRÓNICA 77

Jorge Paiva Biólogo

Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra jaropa@bot.uc.pt

A nova Ilha de Páscoa A Ilha de Páscoa (Rapa Nui na língua nativa) situada no Oceano Pacífico (Polinésia Oriental) e que hoje pertence ao Chile (3700 km da costa oeste deste país) esteve coberta por uma floresta subtropical antes da chegada de polinésios há cerca de 1600-1700 anos (300-400 depois de Cristo). Esta floresta foi completamente devastada pelos rapanuios, o que, praticamente, provocou a extinção deste povo

A

pesar de se saber isso, a grande maioria da população mundial não tem a mínima noção do que está a acontecer ao planeta em que vivemos e que não é mais do que uma pequeníssima “ilha” do Universo, que temos vindo a desflorestar, assim como também é uma enorme “gaiola”, que temos vindo a abarrotar de lixo há milénios. Sabemos que as florestas, particularmente as equatoriais (pluvisilva), devido à elevada biomassa vegetal que elaboram diariamente, são ecossistemas de elevadíssima biodiversidade. Sabemos, ainda, que os seres vivos (biodiversidade) constituem a nossa fonte alimentar, fornecem-nos substâncias medicinais (cerca de 90% são de origem biológica), vestuário (praticamente tudo que vestimos é de origem animal ou vegetal), energia (lenha, petróleo, ceras, resinas, etc.), materiais de construção e mobiliário (madeiras), etc. Até grande parte da energia elétrica que consumimos não seria possível sem a contribuição dos outros seres vivos pois, embora a energia eléctrica possa estar a ser produzida pela água de uma albufeira ou por aerogeradores, as turbinas precisam de óleos lubrificantes. Estes óleos são extraídos do “crude” (petróleo bruto), que é de origem biológica. Sabemos, ainda, que a nossa espécie depende de biodiversidade elevada, pois aparecemos na Terra quando existia o máximo de biodiversidade no nosso planeta e formamo-nos junto aos ecossistemas terrestres de maior biodiversidade, as florestas tropicais africanas. Além disso, constantemente se descobrem novas utilidades de plantas, animais e outros seres vivos, que, apesar de serem conhecidos há

muito, ainda não estavam suficientemente estudados, alguns até já em vias de extinção. Apesar de se ter este conhecimento, as florestas continuam a ser derrubadas a um ritmo verdadeiramente alucinante e drástico. Atualmente, por cada 10 segundos é derrubada uma área de floresta tropical correspondente à superfície de um relvado de um campo de futebol. Assim, resta no Globo Terrestre pouco mais de 20% da cobertura florestal que existia depois da última glaciação (Würm), isto é, após o início do período atual, o Holoceno (Antropogénico). Números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que, na década de 2000 a 2010, 13 milhões de hectares/ ano dessas florestas tropicais foram derrubados. Por exemplo, no Brasil, que está entre os cinco países com maior área de floresta, a perda chegou a 2,6 milhões de hectares anuais. Da “Floresta Atlântica” brasileira (não confundir com “Floresta Amazónica”), vulgarmente designada por “Mata Atlântica”, resta menos de 6% da que existia quando os portugueses descobriram o Brasil. A maioria dos países com áreas florestadas não sabe viver da floresta, pois derrubam e não replantam. Alguns dos países nórdicos sabem viver da floresta que têm, a taiga, pois por cada árvore que cortam, os proprietários são obrigados a replantar uma ou mais da mesma espécie. Desta maneira, têm sempre a mesma área de floresta. Se continuarmos a derrubar as florestas como temos vindo a fazer, calcula-se que antes do fim deste século o planeta onde vivemos, praticamente, não terá

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florestas. Isto é, a Terra estará transformada numa “ilha” sem florestas, tal qual como aconteceu com a Ilha de Páscoa. Como já referimos esta ilha esteve coberta de uma floresta subtropical, onde vegetavam palmeiras, que tiveram uma enorme relevância na vida do povo polinésio que, primeiramente, as colonizou. Atavés de restos e gravuras esquemáticas dessa palmeira e, pelo vasto conhecimento que John Dransfield, consagrado estudioso de palmeiras, tem deste grupo de plantas, conseguiu-se não só ter conhecimento da utilidade que a palmeira teve para o povo ilhéu, como também as razões que levaram à extinção da palmeira e da floresta. John Dransfield, com quem conversei várias vezes nos Royal Botanic Gardens, quando éramos jovens (1975-1977), toda a vida estudou intensamente palmeiras. Assim, descobriu que esta palmeira era extremamente semelhante ou, porventura a mesma espécie, que a palmeira do Chile (Jubaea chilensis), que já teve uma vasta área de distribuição e que, atualmente, ocorre apenas numa restrita área central do Chile (entre 32ºS e 35ºS). Felizmente, é uma palmeira monóica (flores masculinas e femininas no mesmo indivíduo) e que se cultiva bem, particularmente em regiões de clima mediterrânico. Eu tive a oportunidade de conhecer muitas das características e utilidades da Jubaea chilensis, pois existiu um esplêndido exemplar, com mais de cem anos, no Jardim Botânico de Coimbra, que se encontrava numa jardineta perto da entrada lateral da grande estufa, junto à escadaria principal do Jardim. A palmeira do Chile (Jubaea chilensis) é uma das espécies de palmeira com espique mais maciço e grosso (atinge 5 m de perímetro). Lembrome que já era uma palmeira grande (pode atingir 25 m de altura), quando iniciei os meus estudos universitários há sessenta anos (1954). Só há esta espécie de Jubaea (género monotípico), que é nativa da América do Sul e que, atualmente, se encontra em risco de extinção na Natureza, pois está reduzida a 2,5% das que existiam no princípio do século XIX. A diminuição drástica de exemplares selvagens deve-se ao facto desta palmeira ser muito utilizada pela população chilena e à devastação da área onde vegeta naturalmente. O fruto é uma drupa (coco) ovóide, de

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 Reprodução de grifos da palmeira da Ilha de Páscoa

3-3,5 cm de diâmetro, amarelo-alaranjado, com uma polpa (0,5-0,75 cm de espessura) oleosa e suculenta, muito saborosa, que o povo chileno aprecia. Comi muitos destes coquinhos do referido exemplar do Jardim Botânico. Acontecia até virem garotos apanhar os caídos à volta desse exemplar. Por vezes até tentavam fazêlos cair à pedrada. Quando o Hospital da Universidade de Coimbra ainda funcionava no Convento de S. Jerónimo, situado nas proximidades do Jardim Botânico, as famílias ciganas que “acampavam” no relvado dos Arcos do Jardim, na altura da palmeira ter cocos maduros caídos à sua volta, vinham apanhá-los para comerem, enquanto esperavam pela saída do familiar internado no Hospital. As ratazanas e os esquilos também gostam muito desses cocos e, por isso, era frequente circundar o tronco com um anel de chapa zincada para os animais não treparem, porque o Jardim Botânico precisava dos cocos para as permutas que tem com outros Jardins Botânicos. Os chilenos também partem os caroços e comem as amêndoas, que designam por “coquitos”. Comi algumas amêndoas do exemplar do Jardim. Os chilenos, além de comerem as amêndoas e as drupas, de onde obtêm ainda um óleo, também extraem a seiva elaborada da palmeira, para, por fermentação, produzirem uma bebida alcoólica e até uma espécie de xarope, conhecido por mel-de-palma. Esta bebida alcoólica, conhecida por vinhoda-palma, é também produzida de outras palmeiras, como, por exemplo, da africana Elaeis guineensis (palmeira-dendém), da canariense Phoenix canariensis (palmeira das Canárias) e da arábica Phoenix dactylifera (tamareira). A extração da seiva elaborada é feita por incisão no topo do estipe, junto


ao vértice vegetativo apical da palmeira, o que faz com que ela deixe de produzir frutos viáveis e, na maioria das vezes, acabe por morrer. Por isso, é proibido fazer vinho-da-palma nos palmares de produção de tâmaras da Phoenix dactylifera e nos palmares para produção de óleo de palma da Elaeis guineensis. Além destas utilizações que provocam uma enorme diminuição da propagação natural da Jubaea chilensis, também tem ocorrido uma drástica destruição do ecossistema onde vegeta. Assim se compreende que seja uma planta com o estatuto de espécie vulnerável nas listas da IUCN (International Union for Conservation of Nature). Por isso, os exemplares cultivados nos Jardins Botânicos são extremamente relevantes para a preservação desta espécie em vias de extinção. Infelizmente, o belo e mais que centenário exemplar de Jubaea chilensis do Jardim Botânico morreu em finais de 2012 (foi deitado abaixo em 2013), vítima do escaravelho-vermelho (Rhynchophorus ferrugineus), que tem infestado as palmeiras do nosso país desde 1995, particularmente a Phoenix canariensis. Nos finais do século passado, com o conhecimento pormenorizado das características desta palmeira do Chile, que incluem também carateres polínicos (grão de pólen elipsóide, monossulcado,

Escaravelho-vermelho (Rhynchophorus ferrugineus)

Jubaea chilensis, Jardim Botânico de Coimbra (2012)

com exina de teto reticulado) e composição do respetivo DNA e através de restos dos cocos, espiques, raízes, pólen e DNA da palmeira extinta da Ilha de Páscoa, John Dransfield conseguiu descrever e nomear cientificamente esta palmeira. Chamou-lhe Paschalococos disperta, publicando, em 1991, a descrição na revista Palmarum Hortus Francofurtensis. Também foram extraordinariamente importantes os grifos gravados em placas de madeira, representando esquematicamente a palmeira que existiu na ilha. Essas gravuras esquemáticas

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 Fotografia ao microscópio eletrónico do grão de pólen elipsóide, monossulcado, com exina de teto reticulado, da palmeira das Canárias (Phoenix canariensis), idêntico ao da palmeira do Chile (Jubaea chilensis) e ao da palmeira da Ilha de Páscoa (Paschalococos disperta)

lembram bem a Jubaea chilensis. Esta descoberta científica foi valiosíssima para se entender o que aconteceu na Ilha de Páscoa, após a chegada dos primeiros humanos e o que pode acontecer ao nosso planeta se continuarmos a ter um comportamento semelhante ao desses primeiros habitantes daquela ilha. Pois, como já referimos, se continuarmos a derrubar as florestas como temos vindo a fazer, calcula-se que antes do fim deste século o planeta onde vivemos, praticamente, não terá florestas. Na floresta subtropical desta ilha existiu a referida palmeira Paschalococos disperta, que foi importantíssima para a população da ilha, que era de 2000 a 3000 indivíduos, quando a ilha foi descoberta já, praticamente, sem árvores, em 1722, pelo

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navegador holandês Jacob Roggeveen. Calcula-se que a população chegou a ser de 15000 habitantes. A palmeira Paschalococos disperta extinguiu-se, pois não só o respetivo coco era comestível (as ratazanas, levadas pelos polinésios, também se alimentavem deles), como também comiam o palmito (renovo tenro da palmeira) e as folhas eram utilizadas para cobertura das habitações, para as quais também utilizavam os troncos. As canoas eram feitas dos troncos escavados. Os troncos cilíndricos serviram também para transportarem os pedregulhos e respetivas estátuas gigantescas (moais). E não sabemos se, também, já produziam vinho-da-palma, o que teria sido mais um contributo para a extinção desta palmeira. Quando acabaram de extinguir a floresta e as palmeiras deixaram de poder

pescar golfinhos e muitos dos peixes do mar largo de que se alimentavam. Além disso, sem floresta ficaram sem frutos e muitos outros produtos vegetais de que se alimentavam e com pouca possibilidade de fazerem fogueiras persistentes (a erva seca, produz fogo pouco duradouro). Dessa maneira sobreveio a fome e ocorreram guerras fratricidas até quase à extinção da população (reduzidos a cerca de uma centena de indivíduos, em 1877). Sem florestas, onde estão as árvores, que são os maiores produtores de biomassa, com grande capacidade despoluidora pela quantidade de dióxido de carbóno (CO2) que utilizam, e que são enormes fábricas naturais de oxigénio (O2), não sobreviveremos e a Terra será uma “ilha” universal, desfloresta e desabitada.


SPEA

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Diga não aos passarinhos na gaiola e no prato Sabia que hoje em dia comprar um chapimreal está à distância de um clique? Ao navegar na Internet em sites de vendas é comum encontrar ao lado daquela bicicleta em 2.ª mão ou mesmo ao lado do par de sapatos ainda por estrear, um pica-paumalhado, um pisco-de-peito-ruivo, um melro ou mesmo alguma ave de rapina. A venda destas espécies pode até ser legal, caso se trate de um criador autorizado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, mas na maioria dos casos estes anúncios representam a venda ilegal de aves por parte de pessoas que não estão registadas como criadores. Hoje em dia também continuamos a encontrar por todo o país estabelecimentos que vendem "passarinhos fritos", também conhecidos por "voadores", ou pessoas que os consomem em sua casa, como pretexto para uma boa patuscada entre amigos. “Aquilo não tem nada que comer” é algo que se ouve frequentemente, mas a prática continua a subsistir, por ser algo culturalmente aceite, sem alvo da devida punição pelas autoridades. No entanto, a captura de aves silvestres, não cinegéticas, para consumo é uma prática ilegal e prejudicial à natureza. A Sociedade Portuguesa para o Estudo

das Aves lançou em parceria com a Aldeia, o Cervas, o Rias, A Rocha e a Quercus, a campanha “Diga não aos passarinhos na gaiola e no prato” com o objetivo de colocar na ordem do dia o tema da captura e venda ilegal de aves. A SPEA realizou um estudo com o apoio da BirdLife International e de várias entidades nacionais, que revelou que a toutinegra-de-barrete, o pisco-de-peito-ruivo, o pintassilgo e o tentilhão são das aves mais afetadas e que os distritos de Faro, Porto e Lisboa são as regiões onde se registam mais casos de captura e abate ilegal. Embora a captura de aves silvestres, não cinegéticas, para cativeiro ou consumo seja uma prática ilegal, ela continua a ser feita recorrendo a armadilhas, redes ou visgo (uma espécie de cola artesanal, que faz com as aves fiquem presas pelas penas). A lei pressupõe a aplicação de coimas para os casos de captura, abate ou cativeiro ilegal de aves. Mas os casos em que a lei é aplicada são ainda uma minoria face à realidade nacional e também pouco é feito no que diz respeito à sensibilização da população. O Algarve destaca-se por ser dos locais em que existe mais captura para consumo, em que o pisco-de-peito-ruivo e a toutinegrade-barrete são os que acabam mais frequentemente na frigideira. As regiões de Lisboa e Porto destacam-se pela captura de pássaros e outras aves para serem comercializados como animais de companhia na Internet e em feiras locais.

A campanha pretende envolver mais as entidades responsáveis por este problema. Por exemplo, é proibido vender aves selvagens, mas no OLX encontramos anúncios todos os dias de chapins-reais, piscos-de-peito-azul ao lado de bicicletas e malas em 2.ª mão. Por outro lado, não é proibida a venda de armadilhas e redes para captura (mesmo que no anúncio seja explicado o fim da mesma), mas é proibido usá-las para capturar aves selvagens. Trata-se de uma incoerência na lei, que devia motivar uma intervenção urgente do Ministério do Ambiente. A campanha pretende ainda alertar para os passos que deverão ser dados no caso de um cidadão querer fazer uma denúncia. O SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente da GNR) é a entidade policial que trata deste tipo de ocorrências. Poderão ser contactados através da linha SOS Ambiente e Território: 808200520 ou do e-mail sepna@ gnr.pt. Mais informações em: www.spea.pt/pt/ participar/campanhas/captura-ilegal/ Por Joana Domingues

Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Avenida João Crisóstomo, 18 – 4º Dto 1000-179 Lisboa – Portugal Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 spea@spea.pt • www.spea.pt

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Exposição Insetos em Ordem a caminho dos Açores Integrado no programa “O Mundo na Escola” do Ministério da Ciência e Educação, a exposição Insetos em Ordem tem viajado por todo o país. Durante dois anos de itinerância teve um total de 43633 visitantes. A aventura começou no Porto em outubro de 2012, seguiu para Santarém, Viseu, chegou a Bragança e atravessou todo o país para passar o verão em Tavira. Voltámos a subir para apresentar a exposição em Évora e terminámos o ano em Coimbra. No segundo ano de itinerância, os Insetos em Ordem estiveram em Castelo Branco, Viana do Castelo, Arouca e Palmela. Os insetos seguiram em viagem atlântica no cargueiro “Ponta do Sol” com destino à ilha Terceira. A exposição abre ao público no Centro de Ciência de Angra do Heroísmo/Observatório do Ambiente dos Açores em janeiro de 2015.

Mais informações www.mundonaescola.pt www.facebook.com/MundoNaEscola

Tagis - Centro de Conservação das Borboletas de Portugal Museu Nacional de História Natural Rua da Escola Politécnica, 58 1250-102 Lisboa Tel. + Fax: 213 965 388 info@tagis.org • www.tagis.org

O vale do Guadiana, no concelho de Mértola, acolheu em 16 de dezembro dois linces-ibéricos, segundo o jornal “Público” de 9 do mesmo mês. Inicialmente os animais ficaram instalados sob vigilância num cercado de cerca de dois hectares, configurando assim uma primeira etapa que tem em vista devolver à natureza oito linces, Lynx pardinus, no território português. Em Espanha o programa está mais avançado. Ao longo dos últimos anos vários felinos desta espécie ameaçada de extinção, endémica da Península Ibérica, foram reproduzidos em cativeiro no Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, em Silves. A União Internacional para a Conservação da Natureza classifica o lince-ibérico como em “Perigo Crítico” de extinção. A já referida área cercada em que ficaram retidos terá feito com que os linces se adaptassem progressivamente ao seu habitat natural, onde foram reintroduzidos para ali viverem pelos seus próprios meios. O êxito desta medida dependerá basicamente da disponibilidade do seu alimento principal, o coelho-bravo.

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João L. Teixeira

Mértola: lince-ibérico


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