EXPEDIÇÃO DOS ENGENHOS E DA CACHAÇA

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Sistema FAEPA apresenta

MEMÓRIA DOS ENGENHOS E DA CACHAÇA NA AMAZÔNIA


AG RO FO RT E . PA R Á FO RT E . BR ASIL FO RT E . Maior produtor do Brasil de: açaí, abacaxi, cacau, dendê, mandioca, pimenta do reino e de pes pescado artesanal. Maior produtor avícola da região Norte do Brasil

Um dos 10 maiores produtores de soja, laranja e milho do Brasil

Maior rebanho bubalino do Brasil 5º maior produtor de banana, 6º maior produtor de guaraná e 7º maior produtor p de arroz e castanha de caju do Brasil

Faepa, rumo aos 70 anos em defesa do produtor rural e do agronegócio paraense. Trabalho,tecnologia e preservação ambiental. É o AGRO promovendo o desenvolvimento do Pará.

3º maior produtor de coco e 4º maior produtor de limão e urucum do Brasil 4º maior rebanho bovino e maior exportador de boi vivo do Brasil


Sistema FAEPA apresenta

EXPEDIÇÃO CACHAÇA DA AMAZÔNIA

Carlos Fernandes Xavier - Idealizador

BRASIL - AMAZÔNIA - PARÁ

2021



APRESENTAÇÃO

A

preservação do patrimônio e da memória de um lugar possibilita, dentre outros fatores, a democratização do conhecimento através do acesso às informações permitindo o resgate de saberes e valorização desse patrimônio. Nessa perspectiva o objetivo desse projeto, idealizado pelo produtor rural e presidente do Sistema Faepa, Carlos Xavier, se concentra em registrar as “memórias e caminhos da cachaça” nos engenhos e alambiques da Amazônia. Este registro se fez primeiramente por meio de pesquisa bibliográfica, aqui destacamos a obra-prima Memória dos Engenhos do Baixo Tocantins de Maria Graça Lobato /Eládio Lobato, os livros Caminho de Canoa Pequena, Cidade das Palmeiras Imperiais, Igarapé-Miri do Século XVIII do escritor Eládio Lobato, do livro Igarapé-Miri - A verdadeira Terra da Cachaça (Ascenção e Declínio dos Engenhos de cana-de-açucar no município de Igarapé-Miri) do professor e escritor J. SANTIAGO, “Igarapé-Miri” Fases de sua formação histórica, de Ernesto Cruz, (1945), “O Negro no Pará” de Vicente Salles e o clássico CHRONICA DE IGARAPÈ MIRY do Tenente Agostinho Monteiro Gonçalves de Oliveira publicado em 1899. Munido dessas literaturas pudemos iniciar nossa jornada atrás dos resquícios e vestígios do que fora em outros tempos a primeira e a principal atividade econômica do Estado. Através do levantamento e mapeamento desses locais identificando a história da produção e comercialização da cachaça, obtivemos registros de mais de 100 engenhos instalados apenas em Igarapé Miri e dezenas em Abaetetuba e em Barcarena. Contudo, com a crise da produção, o patrimônio material e a história de uma época cantada em verso e prosa, foram caindo no esquecimento. Assim, por se tratar de um projeto institucional que visa atender as dimensões que articulam a educação, o ensino profissionalizante, a produção agroindustrial, a inovação, novas tecnologias, o empreendedorismo, a comercialização, o turismo, a gastronomia e outros conhecimentos integrados. Pretendemos expandir o projeto com a par em parceria com instituições e com a participação de pesquisadores, personagens dos engenhos, cachaçólogos, apreciadores de cachaça, os quais vem atuando para a sistematização e organização do acervo e para a criação de um espaço museológico, como forma de valorização patrimonial através da educação. Dentre os problemas encontrados na execução do projeto de pesquisa, o mais desafiador foi a logística de transporte fluvial, uma vez que todos os engenhos de cachaça observados desde o início da pesquisa estão localizados na vasta porção insular dos município destacados, vias que eram as rotas por onde passavam os navegadores portugueses na época da colonização do Pará, a partir do século XVII em diante, pelas quais escoavam muitos produtos extraídos da região, dentre eles o cacau, a borracha, a madeira, o açucar e a cachaça. Nesta edição destacamos o Engenho São João do proprietário João Boi, documento vivo de uma época que guarda em sua memória um cenário que se encontra vilipendiado pelos homens, deteriorado pelo tempo e absorvido pela natureza. Entretanto, o “Engenho São João” preserva, através dos seus familiares o patrimônio imaterial, a grandiosidade do que foram os Engenhos de produção da cachaça em Igarapé Miri. E mesmo os que não possuem mais a estrutura erguida, os achados registrados na visitação reforçam essa importância, mas também assinala o descaso com a preservação de seu patrimônio e o esquecimento das suas memórias, pois são moendas, caldeiras e uma infinidade de materiais abandonados nas matas e nas margens dos rios de Igarapé-Miri que vamos recontando.

Editores Carlos Pará 2165 - DRT/PA Joel Buecke Pesquisa Carlos Pará Marcela Botelho Produção Executiva Renato Rodrigues Diagramação Amazon Black Gold Impressão Marques Editora Distribuição Belém, Pará, Brasil Contatos (91) 98335-0000 email expedicaodacachaca@gmail.com Twitter @expedicaodacachaca Facebook https://www.facebook/expedicaodacachaca cartas Av. Dr Moraes 10 Nazaré - Belém (PA).


ROTEIRO DA EXPEDIÇÃO prefácio

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apresentação

O idealizador da Expedição da Cachaça, Carlos Xavier e Darlene Pantoja, presidente do sindicato dos produtores de Igarapé Miri falam do projeto

Dr. Carlos Xavier, produtor rural E presidente da FAEPA é o grande entusiasta da cultura da cana de açucar. ele fala do programa de desenvolvimento regional - propará e sobre a meta de plantar cana de açuca em 2 milhões de hectares

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pREFÁCIO

Havia a cachaça no caminho de do Engenheiro Agrônomo - Joel Buecke para lhe mostrar os períodos históricos, socioeconômico e culturais do Brasil. A cachaça de alambique, bebida que normalmente está amparada na riqueza sensorial peculiar de aromas e sabores, fez dele um bom apreciador da branquinha, e de suas diversas matizes.

ENTREVISTA

Igarapé-miri

história

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igarapé - miri

Localizado na margem direita do rio Igarapé Miri, na zona fisiográfica Guajarina, região de integração do Baixo-Tocantins, Igarapé-Miri é conhecida como capital mundial do açaí e era conhecida como Terra dos Engenhos e da Cachaça

CANA-DE-AÇÚCAR NO PARÁ

Graça Lobato fala do processo de colonização europeia na bacia amazônica que teve início no final do século XVI e começo do XVII com a conquista do Maranhão e entrada no rio Amazonas por holandeses, ingleses e franceses, que possuíam extensas plantações de cana-de-açúcar estimularam a comercialização do açúcar na região.

economia

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a indústria aguardenteira

O artigo publicado no livro Caminhos de Canoa pequena do escritor Eládio Lobato descreve a indústria aguardenteira como uma das mais florescentes da Amazônia, às margens dos rios de Igarapé-Miri.

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ENGENHOS DE AçÚCAR E DE AGUARDENTE NO PARÁ

O escritor e folclorista Wilson Amanajás em seu artigo nos revela o aspecto panorâmico da época da colonização portuguesa, seus métodos de trabalho e produção, na zona aguardenteira do Tocantins, no Estado do Pará.

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ENGENHOS NA VÁRZEA:

Scott Douglas Anderson analisa o funcionamento do sistema de produção na sua forma tradicional, apontar os fatores que, a nível local, causaram as mudanças no seu ritmo de atividade, e investigar se o seu eventual declínio poderia, ou não, ter sido evitado.


economia

36 engenhos

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regatão

engenhos

Nossa cachaça

Marinaldo Pantoja Pinheiro, Filósofo, Historiador e Mestre em Educação. Imortal da Academia Igarapemiriense de Letras (AIL) Cadeira 16 descreve de forma afetiva sua memória no tempo em que viajava com seu pai pelos engenhos em Igarapé Miri

engenho liderança

De engenho de aguardente a rede de supermercados Grupo Líder, a história do engenho Liderança é um capítulo da história de Jerônimo Rodrigues que 1962, deixou de fazer o comércio de regatão e passou a administrar o engenho Liderança, que produzia a cachaça Preta Velha e depois a cachaça Rodrigues.

engeNho são judas tadeu

Arcelino Corrêa, deu origem ao Grupo Supermercadista Nazaré, instalou o engenho São Judas

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a origem de igarapé-miri

O

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livro do século XIX, Chronica de Igarapé - Miry escrito pelo Tenente Coronel Agostinho Monteiro Gonçalves d’Oliveirra publicado pela Tipografia da Imprensa Nacional em 1899 faz uma Descrição Cronológica do município desde o início de suas origens ATÉ 1899. Nessa época, a principal produção de Igarapé-Miri era: - a goma elástica e de maçaranduba, a do jutahy, o breu, a cana de açúcar, aguardente de cana (cachaça), o mel do açúcar, o cacau, o milho, o arroz, a farinha de mandioca, o sabão de cacau o da chiriuba, o azeite de andiroba e o patauá, a folha do ubussú, couros de veado, o urucu, o ucuhuba e o pouco café. Existiam madeiras para construção entre elas: - o acapú, o marupá, o tamaquaré e outras muitas. No Município de Igarapé-Miri em 1899 existiam 79 estabelecimentos comerciais (que pagam imposto), 27 engenhos movidos a vapor, 7 movidos a água e 5 por animais, para fabricação de açúcar, mel e aguardente. O comércio de Igarapé-Miri progredia em virtude da passagem por ali de tantas embarcações que proviam do necessário para a viagem, e outros vendiam a carne seca e o pirarucu a troco do açúcar, da aguardente e do mel ali fabricados.


PREFÁCIO

a cachaça

no meu caminho uma poética da cachaça artesanal nas margens dos rios Amazônicos

A

cachaça, bebida do povo, por muitas décadas não fez parte da minha dieta alcoólica, porque ela simplesmente cruzou o meu caminho e seguiu em frente nos passos de sua popularidade, sem tentar me seduzir. É somente no início dos anos noventa que suas poucas doses me acharam, quando eu estudava agronomia em Minas Gerais, estado que mais consumia cachaça no período colonial, especialmente no faiscar das minas de ouro. Quis o destino que a cachaça mineira voltasse a me achar no interior do estado do Pará, em Tailândia, lugar onde morei e trabalhei

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por cerca de vinte anos. Esta cidade fica nas proximidades de Moju, Barcarena, Igarapé-Miri, Abaetetuba e Acará, municípios do Baixo Tocantins, que abrigaram engenhos de açúcar e aguardente que remontam ao século XVII. Ali eu não pude vivenciar o auge e as ruínas dos engenhos em Igarapé-Miri e Abaetetuba, porque cheguei no final de 1997, bem depois da opulência aguardenteira ocorrida entre os anos sessenta e setenta. Ao longo de pelo de, pelo menos, duas décadas estive tão perto da história da cachaça na Amazônia tradicional e de fronteira, mas não percebi o quanto ela marcou a vida do caboclo ribeirinho, mesmo conhecendo Igarapé


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA Miri e Abaetetuba, municípios que chegaram a representar 90% do cultivo de cana-de-açúcar no estado do Pará e 100% da produção de cachaça de toda região Amazônica. O apreço pela branquinha, ocorreu no meio da minha trajetória como engenheiro agrônomo, quando me tornei um amante da cachaça, por influência de amigos de Minas Gerais que trabalhavam e conviviam comigo. Depois disso, passei a estudar sobre a cachaça, que é a própria história do Brasil e do estado do Pará. Neste contexto posso dizer que a Expedição dos Engenhos e da Cachaça na Amazônia é uma boa oportunidade para conhecer os caminhos fluviais e terrestres percorridos pela cachaça desde os seiscentos nas terras paraenses. Ela foi um produto nobre que movimentou a economia estadual principalmente na Região do Baixo Tocantins. Se quisermos entender a formação his-

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PREFÁCIO Cana-de-açúcar é um grupo de espécies de gramíneas perenes altas do gênero Saccharum, tribo Andropogoneae, nativas das regiões tropicais do sul da Ásia e da Melanésia e utilizadas principalmente para a produção de açúcar e etanol. Tem caules robustos, fibrosos e articulados que são ricos em sacarose. A planta tem entre dois e seis metros de altura. Todas as espécies de canade-açúcar mestiças e as principais cultivares comerciais são híbridos complexos. A cana pertence à família Poaceae, uma família de plantas economicamente importantes, como milho, trigo, arroz e sorgo e muitas culturas forrageiras. A sacarose, extraída e purificada em fábricas especializadas, é utilizada como matériaprima na indústria de alimentos humanos ou é fermentada para produzir etanol, que é produzido em escala pela indústria da cana do Brasil. A planta representa a maior colheita do mundo em quantidade de produção

tórica, cultural, social e econômica do Brasil e do Pará, podemos começar a estudar os caminhos da cachaça, desde o período colonial até o século XXI. Ela nasce como escumas do caldo de cana na indústria açucareira dos quinhentos, para depois se tornar uma bebida que conquistará os quatro cantos do nosso território. Esta publicação vem resgatar os passos da cachaça, baseados em referências históricas, culturais e econômicas da Amazônia, no contexto da indústria açucareira, que originou uma série de produtos como o açúcar, o melaço, a rapadura, o álcool e a própria aguardente da terra. É resgatando novamente a história da cachaça paraense, com seus

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erros e acertos que serão reduzidos os riscos de uma nova ruína do setor aguardenteiro amazônico. O aprendizado permitirá que o segmento se organize em torno da produção sustentável da cana-de-açúcar e de seus derivados como a cachaça de alambique, bebida que normalmente está amparada na riqueza sensorial peculiar de aromas e sabores. Um belo exemplo é a cachaça Indiazinha que já foi eleita uma das melhores do País, sendo a primeira marca da Amazônia a obter registro no MAPA (Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), em pleno século XXI. Este acontecimento voltou a atrair os olhos dos apreciadores de uma branquinha

para a região de Abaetetuba. E quem sabe isto sirva para alavancar ainda mais o setor, que naturalmente depende de políticas públicas de incentivo. Há espaço para isto, porque apenas uma pequena parte da cachaça produzida no Brasil é obtida por destilação em alambiques de cobre, que muitas vezes traz consigo séculos de tradição familiar na arte de produzir uma boa cachaça, cujo segredo está na fermentação, que para mim representa 80% do sucesso desta bebida genuinamente brasileira, que tem suas raízes fincadas no Pará há mais de 400 anos. Espero que agora, possamos ter um novo ponto de partida para o verdadeiro reconhe-


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Reunião sobre a Expedição com o Dr. Carlos Xavier, Presidente da FAEPA

cimento da cachaça, bebida popular que sofreu preconceitos e mesmo sendo a “filha-do-senhor-de-engenho”, ela nunca discriminou ninguém e seguiu apreciada a goles pequenos como aperitivo ou remédio, curando os males da vida de muita gente. Entre restrições, taxas e impostos abusivos a cachaça ficou com o povo para se tornar o símbolo de valorização da identidade cultural brasileira, na Semana de Arte Moderna ou Semana 22, ocorrida em São Paulo, entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922. Agora, a cachaça tem a chance de ser a bebida oficial do evento de divulgação da publicação Expedição dos Engenhos e da Cachaça na Amazônia e assim, ser reconhecida como um dos mar-

cos da identidade regional, em especial do Baixo Tocantins. Isto tudo só está sendo possível graças ao apoio do Dr. Carlos Xavier, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará - FAEPA, produtor rural e apreciador de uma boa cachaça de alambique, a quem aproveito para expressar os meus sinceros agradecimentos pelo convite de poder contribuir para o resgate da Memória dos Engenhos e da cachaça na Amazônia, onde permaneço seguindo os passos dessa bebida, que é reconhecida além do atlântico como uma bebida típica do povo brasileiro, cuja voz costuma louvá-la: “O figo atrapaia a pinga”. E “a bebida é o pior inimigo do homem, mas o homem que foge do seu inimigo é um covarde”.

Joel Buecke - Engenheiro Agrônomo com especialização na Proteção de Plantas pela Universidade Federal de Viçosa e especialização no Manejo Integrado de Pragas e Receituário Agronômico pela Universidade Federal de Lavras. Atuou por 19 anos no agronegócio da palma de óleo, popularmente conhecida como dendê, exercendo cargos técnicos, operacionais e estratégicos de Assistente Técnico a Diretor Executivo onde cuidou de 54.000 ha de plantios, 6 fábricas de extração de óleo e 64.000 ha de reservas florestais. Neste período firmou parcerias com agricultores familiares, produtores integrados e assegurou a certificação das normas ISO 9001, ISO 14001, OHSAS 18001 e RSPO liderando uma equipe com aproximadamente 3.500 trabalhadores e trabalhadoras, mediante conhecimentos acumulados em treinamentos, processos educacionais, palestras, seminários, workshops, conferências e congressos. Seu aprendizado enriqueceu com intercâmbios nacionais no agronegócio de cana-de-açúcar e eucalipto, bem como em intercâmbios internacionais na cultura da palma de óleo, que lhe permitiu visitar os principais centros produtores no Equador, Colômbia, Honduras, Guatemala, Tailândia, Malásia, Indonésia, Costa Rica, Peru e Papua Nova Guiné. Hoje ele é sócio da Cachaçaria Modolo que em breve abrirá as suas portas com a missão de comercializar cachaças ricas em aromas, sabores e cores, para garantir a satisfação dos apreciadores de uma bebida genuinamente brasileira.

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ENTREVISTA

O senhor do engenho

Dr. Carlos Xavier, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará - FAEPA, produtor rural é o grande entusiasta da cultura da cana de açucar. ele fala do programa de desenvolvimento regional - propará e sobre a meta de plantar cana de açucar em 2 milhões de hectares no estado.

A

Expedição dos Engenhos e da Cachaça na Amazônia entrevista, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Pará - FAEPA, Carlos Fernandes Xavier, o grande entusiasta da cultura da cana-de-açucar e da produção de seus derivados na Amazônia, favorecendo cultivos sustentáveis desenvolvendo em áreas antropizadas e como cultura cíclica em sistemas agroflorestais sendo mais uma fonte de renda aos produtores rurais do Pará, explica os avanços do setor nos últimos anos, a redução do trabalho pesado nos canaviais e aumento do uso de tecnologias nas lavouras. Além disso, Xavier anuncia a meta de plantio de 2 milhões de hectares dentro do Programa PROPARÁ Nesta entrevista, ele comenta os cenários da produção canavieira e fala com otimismo sobre as condições para o produtor.

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EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

Dr. Carlos Xavier: É romper a imagem da cana-de-açucar ser uma cultura prejudicial ao meio ambiente e ser associada ao trabalho escravo. A outra é unir os diversos atores da agricultura em prol da retomada dessa produtividade, seja nas questões genéticas, inovação, novas tecnologias, assistência técnica, financiamento, industrialização, verticalização, comercialização. Sempre esbarramos na burocracia do estado, das agências reguladoras e outras. Agora, com o Programa de Desenvolvimento Regional - PROPARÁ, priorizamos a cana-de -açúcar e temos como meta o plantio em 2 milhões de hectares.

riais, composta pelas entidades: é alinhada com o Conselho de Desenvolvimento do Estado – CDE, presidido pelo governador Helder Barbalho. A consciência ambiental, a inovação, a política de Integração da Amazônia, o contexto atual e as potencialidades do Pará, estão nas metas e nas dimensões do programa. O Pró Pará envolve: Melhoria da Produtividade – visando a realização de ações concretas para garantir segurança jurídica e as condições mínimas de desenvolvimento de sua atividade na

priorizamos a cadeia produtiva da CANA-DE-AÇÚCAR por considerar estratégica essa cultura para retomar seu cultivo e ampliar a produção, estruturando uma área plantada de 2 milhões de hectares. Vamos unir nossas especialidades para promover o que o Pará tem de melhor, compreendendo a força do setor produtivo do nosso estado. Essa proposta abrirá novas frentes de trabalho, possibilitando políticas de incentivo e a atração de investimentos direcionados para alavancar o desenvolvimento do estado do Pará.

Priorizamos a cadeia produtiva da CANADE-AÇÚCAR por considerar estratégica essa cultura para retomar seu cultivo e ampliar a produção, estruturando uma área plantada de 2 milhões de hectares. Vamos unir nossas especialidades para promover o que o Pará tem de melhor, compreendendo a força do setor produtivo do nosso estado.

No que consiste o Programa do Desenvolvimento PROPARÁ? Dr. Carlos Xavier - O “PROPARÁ – Agronegócio Competitivo” consiste, a exemplo do Pró Brasil, do Governo Federal, na apresentação de propostas de entidades parceiras públicas e privadas com objetivo de integrar e aprimorar ações estratégicas para a retomada do crescimento econômico pós-pandemia, sobretudo, alavancando o desenvolvimento do Pará, explorando suas potencialidades. A iniciativa do setor produtivo, através do Fórum das Entidades Empresa-

infraestrutura e nos ambientes de inovação tecnológica (Ciência e Tecnologia, Formação Profissional e Assistência Técnica e Gerencial); Logística – Investimentos Estruturantes – Com 1,2 milhão de km2, o Estado do Pará impõe desafios para a produção, os quais exigem recursos em larga escala para fazer frente a portos, estradas, ferrovias e hidrovias; Segurança Jurídica Fundiária e Ambiental – A adequação fundiária e ambiental da propriedade e das atividades produtivas do Estado exige tempestividade. Neste sentido

Expedição - Para o alcance desses objetivos, ambiciosos, porém factíveis, quais as metas estabelecidas para o setor da cana-de-açucar no Pará? Dr. Carlos Xavier - De todos os desafios a serem enfrentados para a produção de cana-de-açucar no Pará no ano de 2021, os principais são o de ampliar a área plantada para 2 milhões de hectares e conseguir uma produtividade de 78 toneladas por hectare com até 05 corte por ciclo na produção. Com isso, vamos gerar em torno de 15 mil empregos diretos e uns 60 mil empregos indiretos, de acordo com o estudo da ESALQ que mandamos preparar. Isso na fase de implementação do agronegócio. Tratando-se da verticalização da produção, em parceria com o Sistema FIEPA, nossa meta é estabelecer 87 usinas de produção de etanol e açúcar gerando mais de 6 mil empregos diretos

Expedição: O senhor está capitaneando a retomada da produção da cana-de-açúcar na Amazônia. Quais os desafios para implementar essa cultura na região Norte, especialmente no Pará?

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ENTREVISTA e mais de 25 mil empregos indiretos. Pensando na produção de Etanol 100% podemos alcançar 11 bilhões de litros, Etanol 50% podemos produzir 5,5 bilhões de litros e Açúcar 50% podemos produzir, 116,5 Milhões de sacas de 50 Kg. Expedição - E com a questão dos resíduos dessa produtividade toda, foi pensado algo? Dr.Carlos Xavier - Com relação aos resíduos desse processo podemos gerar energia, ração de animal e outros insumos. Em parceria com o Prof. Carlos Maneschy da Secretaria de Ciencia e Tecnologia - SECDECT, vamos absorver as start ups que tiverem soluções para os resíduos da cana e de qualquer outro produto ou serviço ligados ao agro. Expedição - O Pará foi o estado com o maior índice de desmatamento da Amazônia Legal durante o mês de abril, de acordo com o Boletim de Desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Segundo o levantamento, cerca de 530 km² foram desmatados em toda a Amazônia legal. Desse número, 32% estavam no Pará. Então, como retornar esse cultivo da canade-açucar, sem afetar a área de floresta? Dr.Carlos Xavier - Em outra perspectiva o PROPARÁ atende os requisitos da Lei Estadual 6.745/2005 - Macrozoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Pará, a qual nos dá o privilégio de ser a primeira Unidade Federativa a estabelecer princí-

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pios reguladores para o ordenamento territorial que Definiu o percentual de 35%, no máximo, para consolidação e expansão de atividades produtivas, áreas de recuperação e áreas alteradas. Isso nos dá para trabalhar nada menos do que 43,4 milhões de hectares, uma área do tamanho do Estado de São Paulo e Paraná juntos. Com essa lei também fica criada a Cota de Proteção Ambiental, título representativo de unidade de conservação legalmente instituída pelo

A execução das ações integradas com todos os atores envolvidos contribuirá para que o Pará seja um referencial na produção de cana-de-açucar no país, alavancando a economia do Estado no setor. O crescimento da cadeia produtiva da cana-de-açucar é uma das nossas prioridades para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Estado do Pará Zoneamento Ecológico Econômico realizado ou seja, 60% do território paraense (74.945.500 ha) constituem áreas públicas protegidas, na forma de Unidades de Conservação e Terra Indígena. Lançamos o desafio de promover, consolidar, ampliar e expandir a rede produtiva da cana-de -açúcar e mais 10 setores da economia (pecuária, grãos, floresta plantada, palma de óleo, mandioca, citros, açaí e outros) dialogando com o Governo Federal, Governo do Estadual, Sindicatos, Cooperativas, Associações com a responsabilidade do

desenvolvimento socioeconômico e territorial, assumindo o amplo cumprimento da legislação ambiental pelo setor produtivo, com consciência ambiental e valoração da natureza. Expedição - Com esse estigma de degradar o meio ambiente e outras críticas, o que difere na produtividade atualmente? Carlos Xavier - As mudanças na última década foram muito grandes, nós somos do tempo em que se queimava cana e se fazia o corte manual, onde o trabalho era muito mais difícil. Com as novas tecnologias, veio a sistematização do solo e, em sequência, a colheita mecanizada. Isso eliminou a queima da palha e o corte manual, que exigiam muito do trabalhador. Os sistemas de irrigação e de colheita também estão muito avançados e as legislações ambientais, no Brasil, são as mais exigentes. Os Sistemas de Produção Sustentáveis com as tecnologias disponibilizadas pela Embrapa para Agricultura de Baixo Carbono: Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILSF), Plantio Direto, Recuperação de Pastagens Degradadas; Fixação Biológica de Nitrogênio; Florestas Plantadas; Tratamento de Dejetos Animais; Adaptação às Mudanças Climáticas; Sistemas Agroflorestais (SAFs). Expedição: Como reduzir custos de produção? Carlos Xavier: Podemos usar a agricultura de precisão para


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA reduzir a quantidade de adubo e, assim, aplicar o fertilizante com taxa variável, seguindo a carência do solo. Em uma única área há vários perfis e a agricultura de precisão permite que o agricultor coloque a quantidade necessária de adubação no solo para determinada área. Outra indicação é fazer a ambientação de solo, que permite não errar na escolha da variedade genética de cana-de-açúcar que se deve plantar. Para isso deve-se fazer um estudo para identificar os ambientes do solo. Infelizmente, não temos um denominador único que mostra que a cana será eficaz sem essa avaliação. Por exemplo, no Pará por conta de sua dimensão territorial continental, temos 12 regiões de integração e diversos de solo e tipos de ambientes. Às vezes, podem-se ter duas a três variedades que se adaptam em cada região.

FINAM – Fundo de Investimento da Amazônia, Bônus Florestais e outros.

Expedição - E de onde vem a origem dos recursos para subsidiar essa empreitada? Dr. Carlos Xavier - A origem dos recursos contempla a criação do Fundo Preservar de apoio a Parcerias Público Privadas - PPPs, investimentos setoriais e logísticos. Podemos elencar os principais agentes a serem mobilizados: Agências de Fomento, Bancos Internacionais, Bancos Nacionais - Privados, BNDES, BID, FINEP, FNO, FDA, Orçamento Geral da União, Emendas Parlamentares, Apoio de Mineradoras - Responsabilidade Social, Lei Kandir - Fundo de Compensação

sanal e outros derivados da cana-de-açucar. Se aproveitarmos nossas potencialidades, vamos ser protagonistas na transformação social da sociedade e na produção de alimentos. A execução das ações integradas com todos os atores envolvidos contribuirá para que o Pará seja um referencial na produção de cana-de-açucar no país, alavancando a economia do Estado no setor. O crescimento da cadeia produtiva da cana-de-açucar é uma das nossas prioridades para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Expedição - Quais as condições favoráveis para que seja bem sucedido o plano? Dr.Carlos Xavier - As condições naturais e clima estável, nos diferencia no mercado mundial de produção e somos o único país no mundo que podemos estar dentro de todas as etapas do processo de produção de açúcar, alcool, cachaça arte-

Priorizamos a cadeia produtiva da CANADE-AÇÚCAR por considerar estratégica essa cultura para retomar seu cultivo e ampliar a produção, estruturando uma área plantada de 2 milhões de hectares. Vamos unir nossas especialidades para promover o que o Pará tem de melhor, compreendendo a força do setor produtivo do nosso estado.

Expedição: O Pará tem história na produção de cachaça de alambique e de grandes mestres alambiqueiro. Existe algum plano ou ação para este setor? Carlos Xavier: Atualmente estamos desenvolvendo levantamento histórico dos engenhos e da produção de cachaça no Pará. Através do levantamento e mapeamento desses locais identificando a história da produção e comercialização da cachaça, obtivemos registros de mais de 100 engenhos instalados apenas em Igarapé Miri e dezenas em Abaetetuba e em Barcarena. Contudo, com a crise da produção, o patrimônio material e a história de uma época cantada em verso e prosa, foram caindo no esquecimento. Assim, por se tratar de um projeto institucional que visa atender as dimensões que articulam a educação, o ensino profissionalizante, a produção agroindustrial, a inovação, novas tecnologias, o empreendedorismo, a comercialização, o turismo, a gastronomia e outros conhecimentos integrados. Pretendemos expandir o projeto em parceria com instituições e com a participação de pesquisadores, personagens dos engenhos, cachaçólogos, apreciadores de cachaça, os quais vem atuando para a sistematização e organização do acervo e para a criação de um espaço museológico, como forma de valorização patrimonial através da educação.

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HISTÓRIA

Chronica, Tenente Agostinho Monteiro Gonçalves de Oliveira

igarapé miry Obra lançada em 1890 pela tipographia nacional

O

livro do século XIX, Chronica de Igarapé - Miry escrito pelo Tenente Coronel Agostinho Monteiro Gonçalves d’Oliveirra publicado pela Tipografia da Imprensa Nacional em 1899 faz uma Descrição Cronológica do município desde o início de suas origens com a Lei n° 113 de 16 de outubro de 1843 quando elevou-a a Vila; depois a Lei número 885 de 16 de abril de 1877 que criou a Comarca; e classificou-a de primeira entrância com o decreto n° 692 de 14 de agosto de 1878, sendo instalada a 26 de outubro do mesmo ano. Igarapé-Miri foi elevada à categoria de Cidade pela Lei n° 438 de 23 de maio de 1896, no governo do Exm.° Sr. Dr. Lauro Sodré, que designou o dia 25 de julho do mesmo ano para a cerimônia

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Vila Sant'Ana de Igarapé-Miri, por Edouard Riou, 1867


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA de sua instalação, realizada efetivamente nesse dia com enorme massa de povo, grande pompa e geral satisfação do povo Igarapemiriense. Nessa época, a principal produção de Igarapé-Miri era: - a goma elástica e de maçaranduba, a do jutahy, o breu, a cana de açúcar, aguardente de cana (cachaça), o mel do açúcar, o cacau, o milho, o arroz, a farinha de mandioca, o sabão de cacau o da chiriuba, o azeite de andiroba e

o patauá, a folha do ubussú, couros de veado, o urucu, o ucuhuba e o pouco café. Existiammmadeiras para construção entre elas: - o acapú, o marupá, o tamaquaré e outras muitas. O açúcar cuja fabricação elevou-se a um total aproximado de 400 arrobas diárias pelos diversos engenhos, depois deixou de ser fabricado no município de Igarapé-Miri, por falta de braços e outros elementos. No Município de Igarapé-Miri em 1899 existiam 79 estabelecimentos comerciais (que pagam imposto), 27 engenhos movidos a vapor, 7 movidos a água e 5 por animais, para fabricação de açúcar, mel e aguardente. E banhado pelos rios Guanapú ou Anapú, Pindobal, Meritipucú e Meruhú, cujos Nessa época, a principal produção de Igarapé-Miri era: - a goma elástica e de maçaranduba, a do jutahy, o breu, a cana de açúcar, aguardente de cana (cachaça), o mel do açúcar, o cacau, o milho, o arroz, a farinha de mandioca, o sabão de cacau o da chiriuba, o azeite de andiroba e o patauá, a folha do ubussú, couros de veado, o urucu, o ucuhuba e o pouco café. Existiam madeiras para construção entre elas: - o acapú, o marupá, o tamaquaré e outras muitas.

são ligados entre si por meio de grandes furos, como sejam: - o furo camarão-quára, o Mahúba, o Panacauéra, o Cotijuba, o Juarembú, o furo do Coelho, o Tucunaréhy, o Jamorim, o Meruhú-miri, o Maiauatá e muitos outros menores. O rio Meruhú tem por afluentes o Pirateua, o Cagy, o Sant’Anna de Igarapé-Miri, o Santo Antônio, o Itamimbuca, o Mamangal-assú e o Mamangal-Miri. O muritipucú tem por afluente o Mamangal propriamente dito. Existia no reinado de Dom João V, no lugar onde é assentada a cidade de Igarapé-Miri, uma fábrica nacional para aparelhamento e extração de madeiras de construção, servindo também de depósito delas, que daí eram exportadas para Belém, em abundância e das melhores qualidades. Das fábricas nacionais da província do Grão-Pará, a de Igarapé-Miri era a mais proveitosa e de maior nomeada, sobressaindo para isso estar situada em terrenos planos, sólidos e férteis que se estendiam desde a margem do rio de Sant’Anna de Igarapé-Miri pelo centro, até a descida do rio Itamimbuca, numa distância de uma e meia léguas, marginando, em sua maior parte, o Igarapé

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HISTÓRIA Cataiandeua que demorava acima da dita fábrica, e pelo qual facilmente desciam as madeiras lavradas no centro; bem como, pela fertilidade de caça, riqueza dos agricultores circunvizinhos a fábrica, como também por ser um lugar salubre, onde não eram conhecidas as febres paludozas, que existem em grande parte do interior do Estado do Pará. João de Melo Gusmão conseguiu, em 10 de outubro de 1710, do Governador, capitãogeral do Maranhão, Christóvão da Costa Freire - Senhor de Pancas - a cessão de duas léguas de terras no IgarapéMiri, as quais começavam da divisa do capitão-mor Luiz de Moraes Bittencourt, cuja divisa era o Igarapé Cataiandeua, ao lado direito, entretanto nessa cessão os terrenos em que era estabelecida a fábrica nacional, prolongando-se até ao Rio Santo Antônio onde completou as duas léguas cedidas; não mencionando a “Sesmaria” a extensão de fundos da mesma sessão. Esse ato do Governo em favor de quem não residia sequer nos terrenos cedidos, causou grande descontentamento entre os atuais posseiros, agricultores e comerciantes ali estabelecidos e convisinhos, e grande número deles prejudicados, dirigiam suas

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Prospecto da Freguezia de Sta Anna, no Garapé-Mirim, de André SchWebel (1756).

reclamações ao Governador que não atendeu, sendo a “Sesmaria” confirmada por El-rei Dom João V em 20 de janeiro de 1714. A demarcação da Sesmaria, foi requerida por Mello Gusmão, e contestada por diversos posseiros, que exigiram elevadas indenizações pelas benfeitorias existentes nos terrenos em que eram localizados; por isso foi Gusmão obrigado a vender-lhes a

maior parte dos terrenos, cabendo o Jorge Valério Monteiro, portugueses, agricultores e comerciantes, comprar a parte onde era situada a referida fábrica. Monteiro casou-se com D. Anna Gonçalves d’Oliveira filha do agricultor Antonio Gonçalves d’Oliveira, e devido ao seu casamento e a boa compra que fez, veio prosperar o seu comércio; pelo que mandou erigir uma linda capela


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FÁBRICA NACIONAL Existia no reinado de Dom João V, no lugar onde é assentada a cidade de Igarapé-Miri, uma fábrica nacional para aparelhamento e extração de madeiras de construção, servindo também de depósito delas, que daí eram exportadas para Belém, em abundância e das melhores qualidades.

em louvor de graças a N. S. Sant’Anna, madrinha de sua esposa, em cuja capela era anualmente festejada a Imaculada Virgem. Precisando Monteiro educar seus filhos na Europa, resolveu de acordo com sua esposa, vender ao agricultor João Paulo Sarges de Barros, suas propriedades que constavam da capela, engenho, casas da fábrica e da moradia e retirouse para a Europa bastante rico, em 1730. João Paulo de Sarges Barros, sucedendo a Monteiro, prosperou inigualmente; e os gêneros de sua produção, como melaço, açúcar, aguardente e tecidos de algodão, tinham a melhor procura. Barros continuou a festejar N. S. Sant’Ana com maior pompa ainda que seu predecessor, mandando, por isso, abrir uma grande área nas vizinhanças da capela, onde anualmente eram feitas centenas de barracas para receber o povo que concorria as festas ali celebradas. A fertilidade do solo de Igarapé-Miri, a riqueza de seus habitantes e o brilhantismo dessas festas corriam longe, prendendo a atenção geral, motivo porque lá imigravam muitos estrangeiros, estabelecendo-se comerciantes e agricultores. Tudo isso, contribuía para

João V de Portugal - O Magnânimo (1689-1750)

a riqueza de Sarges de Barros, o qual em louvor de N. S. Sant’Ana mandou reconstruir a sua capela, dando-lhe então a forma de uma boa Igreja. Tinha Barros um filho nos estudos, e todo o seu empenho e desejo, era que esse filho, de nome João Sarges de Barros, ordenando-se, viesse a ser um dia o, vigário de sua adorada igreja; e neste intuito ofereceu-a, e dela fez entrega ao Bispo - Dom Frei Miguel de Bulhões, o qual, pela “Pastoral” de 29 de dezembro de 1752 a erigiu em Paróquia colada, sendo secretário da visita de S. Exma. Revdma. o padre Manuel Ferreira Leonardo, que escreveu a seguinte «Pastoral». “Achando-nos actualmente em visita e procedendo ao beneplácito e consentimento dos Reverendos Parochos da cidade, e campinas e mais formalidades de direito, fun-

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HISTÓRIA damos e erigimos em Parochia collada esta Egreja de Sant Anna de Igarapé-Miry, a qual d’aqui por diante fica pertencendo ao Padroado Real, cujos limites - principião d’esde a bôcca do mesmo Igarapé-Miry no rio Mojú, até no rio Piquirana, inclusive para a parte do Abaeté; e pelos rios Meruhú e Guanapú até a sahida de um outro na bahia do Marapatá, em cuja erecção interpomos a nossa auctoridade ordinária e Decreto judicial.” S. Exma., o Bispo, voltou em visita à Paróquia colada de Igarapé-Miri em junho de 1754, e em sua presença compareceu João Barros que declarou-lhe doar á Imaculada N. S. Sant’Ana o terreno que ali possuía. Dessa doação foi lavrado o competente termo, em 25 de junho do referido ano, sendo testemunhas o beneficiado João Coelho da Silva, Manuel Caetano d’Azevedo, Manuel Pereira Soares, Pedro Celestino Lobato, Alexandre Luiz da Silva, Antônio Gonçalves d’Aguiar e Romualdo de Sá e Souza. Da Paróquia colada de Igarapé-Miri, foi seu primeiro vigário, conforme desejos de seu pai, o Rvm° padre João Sarges de Barros, que faleceu no ano de 1777. A fundação da paróquia de Igarapé-Miri deu-lhe novos elementos de vida desenvol-

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vimento, de grandeza e prosperidade, concorrendo também para isso, não somente a fertilidade do solo, mas também a existência de um Furo no «Igarapé-Rebibio» do rio Mojú, que vara do Igarapé -assú do rio Sant’Anna de Igarapé-Miri. Lendo-se a “Pastoral de Dom Frei Miguel de Bulhões” de parte relativa aos limites da paróquia, supõe-se serem eles a começar da boca do Igarapé-Miri à entrada do canal do mesmo nome, no rio Mojú; mas, ao tempo da referida “Pastoral”, esse canal ainda não existia, mas simplesmente o Furo acima citado, que hoje é conhecido pelo Furo do Igarapé-Miri velho, e que naquele tempo dava passagem a grandes barcos que desciam do Amazonas e Tocantins em demanda do porto de Belém do Pará. Navegantes havia que davam preferência a ficar fundeados dias em frente a paróquia de Igarapé-Miri, à espera das águas-vivas que lhes dessem passagem naquele Furo, a ter de sujeitarem-se aos perigos da viagem por fora, isto é, descer a baía do Marajó, até a Capital. Entre os barcos que navegavam pelo Furo do Igarapé-Miri velho, alguns eram de tal grandeza que conduziam três e quatro mil arrobas, e eram tripulados por 12 e 14 remei-

ros que, á porfia, subiam o rio fazendo roncar as suas vogas ao som dos cânticos do foi... foi!.. O comércio de Igarapé-Miri progredia em virtude da passagem por ali de tantas embarcações que proviam do necessário para a viagem, e outros vendiam a carne seca e o pirarucu a troco do açúcar, da aguardente e do mel ali fabricados. O Furo do Igarapé-Miri velho, acha-se atualmente quase parado, e só dá passagem a


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pequenas montarias, quando maré cheia e fica na distância de uma e meia légua da boca do canal, subindo o rio Mojú. Existia em 1810, no rio Sant’Anna de Igarapé-Miri, a distância aproximada de meia légua, uma importante fazenda agrícola de propriedade de Sebastião Freire da Fonseca por antonomásia Carambola, casando com D. Maria Monteiro Freire Paraense. Carambola era natural de Mazagão em Portugal;

exercia, em distrito em que morava em Igarapé-Miri cargo de comandante geral de índios, gozava de boas relações com o Governador, Capitão geral Marcos de Noronha e Brito (Conde dos Arcos), que o recomendou ao seu sucessor capitão general José Narciso de Magalhães de Meneses. Era homem trabalhador, franco, generoso com todos os que o procuravam, génio empreendedor e caprichoso, sendo difícil fazê-lo

recuar de uma intenção feita. Em sua fazenda trabalha com pessoal cativo e fabricava açúcar, melaço, aguardente (cachaça) pano de algodão, redes de fio, e colhia arroz, milho, feijão, que exportava, assim como madeiras e telhas, para a capital do Pará. Dizia Carambola, que canas plantadas em Igarapé-Miri eram bens de raiz e podiam os canaviais ser cortados eternamente, desde que o dono fosse trabalhador e tivesse cuidado de capiná-lo. Realmente vi na Ponta Negra uma capoeira de matas onde Carambola plantara canas, havia 30 anos, na qual existia ainda muita cana. Entre os escravos de Carambola havia um que era seu professor de gramática, e contam que quando o discípulo não sabia a lição, dava bolos no professor para que explicasse melhor. Contam ainda que tendo sido entregue um dia a Carambola uma carta amorosa que o padre Mathias, vigário de IgarapéMiri, escreveu a sua sobrinha Mana. Carambola ordenou a um seu escravo ferreiro que se fingisse de doente e pedisse confissão. Assim cumpriu o escravo, e para atender ao pedido do doente mandou Carambola equipar a igarité com oito remos e ir em busca do padre Mathias, que não se fez esperar. Ao chegar o

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HISTÓRIA padre, convidou-o Carambola a entrar no quarto do doente que, fingidamente, dava altos gritos e gemidos; fechou a porta atrás de si e guardou a chave no bolso, obrigou o padre a ouvir a leitura da carta que dirigira a Maria, aplicoulhe depois uma grande surra de mucuná (mucunan) mandando em seguida levá-lo em casa. O padre comunicou o ocorrido ao Bispo, e este excomungou Carambola, o que deu causa a fugir dele grande parte de seus amigos. A esse tempo estava-se construindo no arsenal de Marinha de Belém um navio de guerra, cuja quilha de angelim media 70 palmos e estava encomendada a Carambola, tendo o efeito da excomungação o privado da execução dessa obra. Não tendo o governo encontrado outro obreiro que se encarregasse de executar o trabalho da quilha, necessário foi obter do Bispo o levantamento da excomungação, que teve como resultado a pronta remessa da quilha, que por Carambola foi então oferecida ao governo. A despeito de ter o governo mandado dez índios para conduzir a dita quilha, Carambola lutou com dificuldades quase insuperáveis na passagem dela pelo furo do Igarapé-Miri velho, pela manifesta

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falta de água que apresentava, notando que ele secava constantemente, e que dentro de poucos anos, seriam grandes os barcos privados de navegar por ali. Então lhe sugeriu a ideia de empreender a abertura de um canal que comunicasse as águas do rio Mojú com os de Sant’Anna de Igarapé-Miri e comunicou essa sua ideia ao Capitão-general Antonio José de Souza Manoel de Meneses (Conde de Villa Flor), que depois de ouvi-lo, encarregou-se da escolha do local, promentendo-lhe mandar fazer a obra por conta do governo de sua Majestade, afim de que TAP empresa tivesse pronta execução. De volta Carambola empregou todo o seu zelo e atividade na escolha do local para a abertura do canal com menos dispêndio para os cofres públicos, e depois de demorados estudos, em setembro de 1819 escolheu o lugar e com o seu pessoal fez todo o serviço de derruba e roçagem, abrindo uma estrada de cem palmos de largo, que partiu da margem do rio Mojú em direção a um pequeno braço do rio de Sant’Anna de Igarapé-Miri, acompanhando este até descer no referido rio de Sant’Anna onde terminou a aludida estrada. Regularíssimo foi feito o serviço das obras do canal de Igarapé-Miri até a sua conclu-

são no ano de 1823. Impossível me foi obter a data precisa da conclusão das obras do canal, a despeito dos esforços que para tal empreguei, afim de com maior clareza e verdade poder informar aos leitores a última fase desse serviço: entretanto, fidedignas informações me foram dadas a tai respeito do seguinte modo: Em dias do mês de novembro de 1823, por ocasião das águas vivas desabou com o peso delas, a parede de madeira que demorava ao lado de Igarapé-Miri, e as águas penetraram com tanta impetuosidade no leito do canal, que não deram tempo a alguns trabalhadores que ainda ali se achavam de desvencilharem-se do perigo, fazendo -os vitimas; e os seus corpos, envoltos com o turbilhão das águas, levaram em sua frente a destruição das três mocoocas de terra, e foram sepultar as suas vítimas no profundo rio Mojú! E é de crer que assim tenha sido; porque no lugar onde existe a cachoeira, era a segunda tapagem (mocooca) e o lugar indica não ter sido feito (nas pedras) escavação alguma, e que a terra que as cobria, foi arrastada pela impetuosidade das águas pela forma já referida. Nessa ocasião, segundo as informações, por ali passou a primeira canoa tripulada por


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA FURO DO IGARAPÉ MIRI VELHO Entre os barcos que navegavam pelo Furo do Igarapé-Miri velho, alguns eram de tal grandeza que conduziam três e quatro mil arrobas, e eram tripulados por 12 e 14 remeiros que, á porfia, subiam o rio fazendo roncar as suas vogas ao som dos cânticos do foi...foi!.

Sebastião Freire e sua gente que, cheios de contentamento foram comunicar ao coronel Geraldo José de Abreu, membro da junta provisória, a conclusão das obras do canal, que ficou ligando os rios Mojú com os de Sant’Anna de Igarapé-Miri. Esta obra veio trazer à Igarapé-Miri novos elementos de grandeza e prosperidade com a constante navegação de barcos de todos os tamanhos, que se multiplicavam dia a dia conforme se ia propagando a notícia desse grandioso acontecimento que a todos os espíritos trazia uma nova esperança e alegria. Desde logo, começou a levantar ali grandes estabelecimentos comerciais, como os de Gregório José de Araújo, Manuel Raymundo da Pureza, Manuel Monteiro d’Oliveira, João Francisco Tourão, Jeronymo José dos Reis, Manuel Francisco Penna, Eusébio Ribeiro, João Maria Guelé. José Bensabat, Leão Sephati, José da Silva Coral, Manuel Borges, José Sepeda, Antonio

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HISTÓRIA Ferreira Borges, Manuel Ourives, Antonio Assis e outros muitos além dos botequins e diversas casas de artistas. E desse modo tudo progredia admiravelmente prometendo a Igarapé-Miri um esperançoso futuro. Pelos rios do distrito notava-se também um grande movimento comercial com a constante exportação em seus barcos, de carregamentos de milho, farinha, sabão, algodão, cacau, açúcar, cachaça, mel, madeira, urucu, redes de fio, cuias, urupemas, azeite de andiroba, feijão, algum café e muito arroz, que alguns comerciantes diretamente exportavam para a Europa. Na cidade de Igarapé-Miri em 1844, por iniciativa do sr. Antonio Lopes Brandão, foi edificada a capela de N. S. da Conceição, no largo que hoje tem este nome; em 1860, por iniciativa do sr. Rodrigo Lopes de Azevedo, teve começo a edificação da do Senhor Bom Jesus dos Passos, sendo uma e outra edificação feita com o concurso e auxílio dos comerciantes e agricultores do lugar. Em tudo isso estava o impulso que em pouco tomou Igarapé-Miri. Entretanto, atualmente Igarapé-Miri é o município da tristeza; do desanimo e da pobreza; e para isso três causas concorreram: - a primeira foi ter de lá de-

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saparecido a navegação por barcos e canoas, que por ali passavam para a capital, por efeito da navegação por vapores de grande calado para todos os pontos do Amazonas e Tocantins; a segunda foi a abolição dos escravos que em sua maior parte eram agricultores em Igarapé-Miri, cujo número era superior a mil e quinhentos; e a terceira finalmente, a permanência do juiz de direito no Abaeté, com sensível prejuízo da sede da comarca, que é a cidade de Igarapé-Miri, porque dela retira toda a concorrência dos que procuram a justiça. Quando a segunda causa, ela pode ser superada com engenhos centrais, com subvenção de juros do capital empregado: - agricultores estimulados com prêmio pecuniários dados pelo Estado por excesso de cultura além de estipulado; criação de núcleos agrícolas. Estas providências darão pronto desaparecimento da segunda causa do desânimo da agricultura local. Vou aqui especificar o que foi a grandeza agrícola de Igarapé-Miri e o que está sendo atualmente. Os 27 engenhos a vapor, pertencem: o da Carmo, a os senhores Ramos e compº; da Capelinha, ao tenente-coronel Pedro Mattos; Santo Antonio, ao tenente José Domingos

Corrêa; Perina, ao Agostinho Sosinho; Paraíso, a Manuel Domingos de Oliveira Pantoja; Camarão-quara, a João Clímaco; Santa Maria, ao coronel Garcia; Sant’Anna, ao Coronel Augusto Pinheiro; São Domingos, ao barão de Igarapé-Miri; Murutipucú, a José Valois; Hyppolito, ao tenente-coronel Hyppolito; Panacauéa, ao coronel Thomas Amanajás; Mahuba, a João Corrêa; Arara, ao capitão Raymundo Pinheiro Lopes; Juarembú, ao padre Jeronymo; Anapú, a João Sandim; Livramento, ao coronel Garcia; Carmo do Anapú, a Antonio Barão Filho; Carmello, a Manoel Lourenço Corrêa de Miranda; Boa Vista, ao capitão José Fleury; São Joaquim, ao capitão Aprígio; Caria, a João Longuinhos; Santa Luzia, ao tenente Napoleão; Nazareth a João Paulo; Conceição, ao tenente Domingos Quaresma; São João, a Pantoja e Irmão; e Camões, de Anrtonio Joaquim da Costa. Os 7 movidos por água pertencem a Sebastião Lobato, João José Rodrigues, a viúva Castilho, a Manoel Rendeiro, Felippe Pinheiro, Hilário Lobato, e João Baptista dos Santos Quaresma. Os cinco movidos por animais, são dois no rio Tucumanduba; um no Igarapé-Juparitê, um no Timbuhy e o do Athanazio no rio Meruhú-assú. A produção do município de


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CACHAÇA EXPORTADA Além da cachaça exportada para Belém, embarcava em diversos barcos para Cametá, Guamá e município de Breves, mais de 3.000 frasqueiras de cachaça no exercício de 1988. Ao lado a representação do caboclo envasando cachaça na frasqueira

Igarapé-Miri no ano de 1898 foi a seguinte: Cachaça (aguardente de cana).... 42:166 frasqueiras; Cacau............................61:702 kilos Borracha........204:450!/2 idem Couros de boi e veado.......814 idem Melaço...................1.885 potes Folhas de ubussú...............118 barcasos Madeiras...............1.126 peças Grude de peixe........................78 kilos Farinha.....................7 alqueres O município de Igarapé-Miri arrecadou de impostos desta produção a quantia de 31:699$213, e o Estado e o município de Belém perto de 60:000$000 de impostos de caes e consumo da mesma produção. Ainda o Estado arrecadou de impostos de exportação da mesma produção a quantia de 444:376$605; anexo juntos. A coletoria do Estado em Igarapé-Miri, também arrecadou no exercício de 1897 - 1898 a importância de 12:0795418. Além da cachaça exportada para Belém, embarcou em diversos barcos para Cametá, Guamá e município de Breves, mais de 3.000 frasqueiras de cachaça no dito exercício. Entretanto estas produções não tem a menor comparação com as de outros tempos

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HISTÓRIA Além da cachaça exportada para Belém, embarcou em diversos barcos para Cametá, Guamá e município de Breves, mais de 3.000 frasqueiras de cachaça no dito exercício. Entretanto estas produções não tem a menor comparação com as de outros tempos em que Igarapé-Miri exportava para o estrangeiro navios carregados de arroz, que sobrava do consumo de toda a população do Estado do Pará. em que Igarapé-Miri exportava para o estrangeiro navios carregados de arroz, que sobrava do consumo de toda a população do Estado do Pará. Lembra-me que no ano de 1877, ainda comprei mais de 1.000 alqueires deste gênero, em quanto o sr. João Braga comprou 4.000 que os revendeu de uma só vez. Ainda nesse ano os vizinhos srs., Eduardo Sosinho colheu perto de mil alqueires; d. Maria de Souza, 600; Clemente Costa, mais de 800; Manuel Antonio Braga, 600; que se venderam a mil e tantos réis por alqueire; no entanto hoje, que se vende a 8 e 9$, não colhe-se mais em Igarapé-Miri, um só alqueire! Ainda há poucos anos, Igarapé-Miri exportava para Belém mais de 86:00@ de açúcar, que vendido ao mínimo preço de 500 réis, por kilo, produzia a elevada soma de 634:521

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$500, assim distribuídos para maior esclarecimento: Suponhamos que o comendador Acatauassú só fabricava diariamente 40 @ Francisco Teixeira 30 @ Tenente-coronel Lima 30 @ Coronel Antonio Machado 30 @ Capitão Manuel Lourenço 25 @ Capitão João Frade 25 @ Bensolar 20 @ Capitão Manuel Sebastião 20 @ Manuel José Corrêa 20 @ Manuel Roberto 15 @ Coronel Thomas Amanajás 15 @ Captião Severo 20 @ Coronel Augusto Pinheiro 15 @ Engenho Livramento 15 @ Engenho Caria 20 @ Engenho São Joaquim 20 @

Total diário

360 @

De sorte que em 20 dias de trabalho, num mês são 7.200 @ é por tanto em um ano 86.400 @ ou sejam 1:260.043 kilos. Estes cálculos examinados por qualquer senhor de engenho local, serão reconhecidos exatos e aprovam a baixa da produção real dos mesmos engenhos atualmente. Azeite, presentemente não se colhe 10% do que se tirava antigamente; madeira não mais 1% do que exportava-se, exportava-se cacau, a metade do que exportava-se; farinha, feijão, café, milho, açúcar; ucuhuba, urucu, algodão, fio, pano de algodão, redes, já importa-se tudo da capital, para

o consumo; mel, não exporta mais 1%. Para que se reconheça a decadência agrícola do município de Igarapé-Miri, vou nomear aqui os engenhos que desapareceram depois da abolição da escravatura, uns por serem demolidos e outros vendidos para fora da comarca. A vapor quatro, que foram: o engenho Central, o enseada da Ponta Negra, o do Capitão João Miranda e o de Mansolar, a água, o engenho Santa Rosa, o do tenente Raymundo Pinheiro, do tenente João Portugal, o de Joaquim Bahia, o de Faria Miasil, o do coronel Pedro Honorato, o do capitão Manoel Moura o de Manoel Lins, o de D. Anna Penna do Anapú, o de D. Juanna Penna no Santo Antonio, o do capitão Manoel Fuiz, o de Manoel Victorio, o do capitão Crescêncio, e o de Antonio J. Pinheiro Lobato. Total 14 engenhos. Os de animais já não existem os: de Ivo Pantoja, do Carmo da Espera, de Manoel José Pantoja, do Chidó, de Francisco Quaresma, do Bandeira, de Francisco Pinheiro, de Luiz Rodrigues da Silva, de Rodrigo da Silva, de João da Matta, de Antonio Felix, de Manoel Antonio Lobato, de D. Izabel Monteiro da Ponta Negra, de Desidério Affonso, de Felisardo Quaresma, de


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA Luciano Guaresma, de José Ricardo da Costa, de Antonio Quaresma, de Januário Algravio, de Francisco Lobato de João Romão, de Inêz Pinheiro, de Gaspar Corrêa de Luiz Amorim, de José da. Silva, de D. Ângela Albuquerque, do Camões e do Totó, e todos estes nas margens do rio IgarapéMiri descendo em uma distância de 2 léguas; sem entrarem nesta conta mais de 50 engenhos que existiam nos rios Anapú, Pindobal, Meruhú, Cagy, &.&. Dos engenhos de moer urucu já não existe um só dos 8 que haviam. Como os engenhos, desapareceram ou foram abandonados, as importantes olarias da Capellinha, S. Jerônimo, Caria, Enseada, Bexiga, Menino Deus e outros. Além destas outras pessoas que seria longo enumerar, residem em Igarapé-Miri: - o rvd.° padre vigário Alexandre de Lyra Lobato, o juiz substituto, o subprefeito, o tabelião de notas, o coletor das rendas do Estado, o escrivão de polícia, o do registro de nascimentos e óbitos, o agente do correio, o carcereiro, e o destacamento da comarca e o sr. Promotor público; etc. Na cidade de Igarapé-Miri há carne fresca de gado duas vezes por semana, sendo a marchanteria subvencionada pela intendência municipal

local, com a quantia de três contos de réis, para abastecer a cidade. Eis em síntese o que foi e o que está sendo atualmente o município de Igarapé-Miri. Outrora tão próspero e feliz e hoje tão pobre e abandonado dos poderes públicos. Entretanto, vem ao caso perguntar-se: si em 1821 os habitantes de Igarapé-Miri e de Belém concorreram tão patrioticamente em subscreverse para beneficiar o lugar com a abertura do canal; si, arrostando dificuldades e lutando com sacrifícios, o povo de Igarapé-Miri tão doado e patrioticamente uniu-se nos trabalhos dessa grandiosa obra para o seu governo, si a junta do governo provisório prestou em ocasião bem criada, todo o seu apoio e da nação para esse glorioso fim, porque não temos agora o mesmo patriotismo, o mesmo desinteresse, o mesmo desprendimento que os nossos antepassados para completarmos a sua obra? Só um fim visou o meu interesse de escrever esta crónica, e Oxalá ele possa calar no espírito dos meus amigos, e conterrâneos, para que eu o posso ver realizado: é o desejo imenso que noutro de que seja aproveitado a ideia que apresento da escavação do canal de Igarapé-Miri afim de

Capa do Livro: Chronica, Igarapé Miry. Obra lançada em 1890 pela Tipographia Nacional que a ele possam voltar a alegria, o progresso e a prosperidade, enfim a felicidade que em outros tempos já gozou. E Oxalá que os ouvidos dos poderes públicos também cheguem este grito meu de dor e de tristeza, por ver em tão desoladora situação o solo que aprendi a querer e a venerar, e que em seu espírito também cale a minha suplica e preste o seu apoio a esta necessidade até hoje olvidada, e esta será a única glória que espero com o resultado destas linhas.

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história HISTÓRIA Railson Wallace

IGARAPÉ MIRI garapé-Miri é um município do estado do Pará, no Brasil, que pertence a Mesorregião do Nordeste Paraense. Igarapé-Miri é conhecido como a “Capital Mundial do Açaí”, por ser o maior produtor e exportador do fruto no mundo, título confirmado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que em estudo divulgado no ano de 2017, aponta que o município chega a produzir 305,6 mil toneladas, equivalente a 28% da produção nacional. Apesar da fama ligada ao plantio do açaí, a hospitalidade da população é outro ponto forte do município. Localizado na margem direita do rio homônimo, na zona fisiográfica Guajarina, região de integração do Baixo-Tocantins, Igarapé-Miri é também conhecida como Terra dos Engenhos e da Cachaça

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O CICLO CANAVIEIRO Com a chegada dos europeus, coube a Cristovão Colombo a introdução do plantio da cana na América, em 1493, na hoje República Dominicana. No Brasil sua chegada é creditada a Martim Afonso de Souza, que teria trazida as primeiras mudas em 1532, iniciando seu cultivo na Capitania de São Vicente, onde constrói o primeiro engenho de açúcar. No entanto, é no Nordeste, principalmente nas Capitanias de Pernambuco e da Bahia, que os engenhos de açúcar se multiplicaram. É a partir de Pernambuco, através de pernambucanos, que a cana é introduzida no Estado Pará, tendo chegado a Igarapé-Miri, através de um ci-

acervo jorge machado

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Localizado na margem direita do rio igarapé miri, na zona fisiográfica Guajarina, região de integração do BaixoTocantins, Igarapé-Miri é também conhecida como Terra dos Engenhos e da Cachaça


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA dadão conhecido apenas pela alcunha de Pernambuco, que a plantou, inicialmente, no Rio Anapú, expandindo-se, a partir daí, para outras regiões do Município.

HINO DE IGARAPE-MIRI I Cantamos, nobre mocidade, O hino que retrata nossa terra natal Os heróis que lutaram com bravura Na invasão e na revolta dos cabanos

PAISAGEM TRANSFORMADA

A produção de cachaça e, sua comercialização, foi de grande importância para a economia do município de Igarapé-Miri. No auge da sua produção, no princípio do século XIX, o município chegou a ter cerca de 100 engenhos em funcionamento dentro seus limites territoriais.

BRASÃO DE IGARAPE-MIRI

II Amada terra onde nascemos Na margem do gigante Tocantins... És cidade um presente de glória eterna, majestosa, De um passado venerável E Marchemos sempre junto a ti Com pensamento de esperança Para vencermos a luta Devemos ter coragem e confiança Avante companheiros Cantemos alto, nossa gentil canção Com viva a liberdade Enaltecemos a Bandeira e o Brasão. III Salve bela natureza Com lindas fontes e rios que o céu retrata De campinas e palmeiras seculares São esplendores que simbolizam nossa terra IV Verdejantes são os canaviais Às margens dos barrentos igarapés... Ouvindo a sinfonia dos engenhos E o murmurar das cachoeiras Desaguando no mar. Marchemos sempre junto a ti Com pensamento de esperança Para vencermos a luta – Devemos ter coragem e confiança Avante companheiros Cantemos alto, nossa gentil canção Com viva a liberdade Enaltecemos a Bandeira e o Brazão.

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HISTÓRIA Data de 1712 a instalação de um pequeno engenho movido a água, o qual foi chamado de Santa Cruz, considerado o primeiro do município, onde fabricavase mel, rapadura, açúcar batido e, posteriormente, aguardente. Este teria sido a origem de uma série de engenhos que viriam a ser instalados no município, que podem ter chegados, no auge de seu funcionamento, a um número próximo de cem Data de 1712 a instalação de um pequeno engenho movido a água, o qual foi chamado de Santa Cruz, considerado o primeiro do município, onde fabricava-se mel, rapadura, açúcar batido e, posteriormente, aguardente. Este teria sido a origem de uma série de engenhos que viriam a ser instalados no município, que podem ter chegados, no auge de seu funcionamento, a um número próximo de cem. Estes engenhos, produtores de cachaça, foram responsáveis por um período de grande desenvolvimento econômico de Igarapé-Miri, tendo a Coletoria de Rendas Federais local, nos anos de 1938 e 1939, alcançada a maior renda do Norte do Brasil, com os impostos arrecadados, principalmente, em função da produção e venda deste produto.

Ribeirinho miriense cortando cana

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acervo jorge machado

EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

A Matéria prima dos engenhos era a cana-de-açúcar, a partir da qual era produzida a cachaça ou aguardente. Para obter este produto o dono de engenho tinha que financiar o agricultor. O financiamento era feito em dinheiro e o contrato era verbal, ou seja, segundo o nosso informante, não se tinha nenhuma garan-

tia quanto ao cumprimento do acordo firmado, podia acontecer de, estando crescida a cana, a mesma fosse vendida para outro engenho. Neste caso, na tentativa de evitar malogros, o negócio era feito com pessoas de extrema confiança.

A Matéria prima dos engenhos era a canade-açúcar, a partir da qual era produzida a cachaça ou aguardente. Para obter este produto o dono de engenho tinha que financiar o agricultor. O financiamento era feito em dinheiro e o contrato era verbal

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HISTÓRIA Verdejantes são os canaviais Às margens dos barrentos igarapés... Ouvindo a sinfonia dos engenhos E o murmurar das cachoeiras Desaguando no mar. A plantação podia ocorrer tanto na terra do agricultor, como na do dono do engenho, ou na de terceiros. Segundo Agenor Martins, terra para plantar cana, nesse tempo, não era problema, pois as pessoas não tinham outro destino para ela. O negócio era fechado na base do terço. Este processo se dava da seguinte forma: Um terço da produção da cana era de quem havia realizado a plantação, um terço do dono da terra e, o terço restante do dono do engenho que tinha financiado o plantio. A partilha acabava se dando, no entanto, em relação ao produto final, ou seja, em relação à cachaça produzida. Como, geralmente, nem o agricultor nem o dono do terreno tinham para quem vender a cachaça, eles acabavam recebendo em dinheiro as partes que lhes cabiam por direito, ou seja, o dono do engenho comprava a parte dos outros dois sócios. Do valor total destinado ao produtor era descontado o valor recebido a título de financia-

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EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA A produção de cachaça e, sua comercialização, foi de grande importância para a economia do município de Igarapé-Miri. No auge da sua produção, no princípio do século XIX, o município chegou a ter cerca de 100 engenhos em funcionamento dentro seus limites territoriais.

mento da produção, este recebia então, em dinheiro, o saldo a que tinha direito, apos concluído o negócio. A produção de cachaça e, sua comercialização, foi de grande importância para a economia do município de Igarapé-Miri. No auge da sua produção, no princípio do século XIX, o município chegou a ter cerca de 100 engenhos em funcionamento dentro seus limites territoriais. Atualmente não existe mais nenhum engenho em funcionamento no município, daí a importância deste texto, como uma contribuição para a memória desta atividade, que perdurou por pelo menos três séculos em nosso município.

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ECONOMIA Graça Lobato

CANA DE AÇUCAR NO PARÁ

Graça Lobato descreve o processo de colonização europeia na bacia amazônica que teve início no final do século XVI e começo do XVII com a conquista do Maranhão e entrada no rio Amazonas por estrangeiros que possuíam extensas plantações de cana-de-açúcar

O

processo de colonização europeia na bacia amazônica teve início no final do século XVI e começo do XVII com a conquista do Maranhão e entrada no rio Amazonas. Holandeses, ingleses e franceses, que possuíam extensas plantações de cana-de-açúcar estimularam a comercialização do açúcar na região. A lavoura da cana-de-açúcar proliferou no estado do Pará, embora de forma incipiente, tendo como aliada a facilidade de escoamento da produção, através do emaranhado de rios existentes na região, principalmente nas cercanias de Belém e prosseguiu com maior intensidade, pelas mar-

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gens dos rios Guamá, Capim, Acará, Moju e Igarapé-Miri. Da mesma forma que se expandiu no estado do Amazonas na zona do Remanso. As terras situadas às margens dos rios foram ocupadas por europeus que se miscigenaram com a população indígena dando origem aos caboclos ribeirinhos, favorecendo que a cultura da cana-de-açúcar se enraizasse e adquirisse importância econômica. Segundo a pesquisadora Leila Mourão em seu livro “Memórias da Indústria Paraense”, as primeiras iniciativas manufatureiras no Pará, foram os engenhos de açúcar e aguardente, que em pequena escala fabricavam mel e rapadura.

Arthur César Ferreira Reis, de forma enfática diz que no período compreendido entre 1662 a 1667, sete engenhos movimentavam a economia de Belém. Encontramos registros de que os primeiros engenhos no Pará foram instalados pelos holandeses, possivelmente antes de 1600 e o primeiro engenho português começou a funcionar entre 1616 e 1618. A casa grande, que no nordeste simboliza o sistema senhorial, típico da região de lavoura de cana-de-açúcar, teve paralelo na Amazónia, com a suntuosidade das edificações e a opulência dos senhores, embora de forma menos expressiva. A prova contundente é a visão do engenho


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Murucutu, situado próximo a cidade de Belém, à margem direita do rio Guamá, que retrata a fase áurea da canade-açúcar em nosso estado; assim como merece destaque o engenho do Jaguarary, construído pelos jesuítas, que depois passou para as mãos de Ambrósio Henriques da Silva Pombo, Barão de Jaguarary, no rio Moju; ambos palcos de sangrentas lutas por ocasião da Cabanagem, sendo totalmente destruídos pelos rebeldes. Registramos a importância do engenho Cafezal, situado no furo do Cafezal, próximo da baía de Carnapijó, hoje município de Barcarena, onde ainda estão de pé as ruínas do engenho e da fazenda, possivelmente

um dos mais antigos, e com maior destaque económico; assim como, o engenho Santa Tereza de Monte Alegre de propriedade dos Frades do Carmo, situado à margem esquerda do rio Bujaru que data de 1627. Mapeamos, ainda, o engenho Palheta, no Distrito de Villa Muaná, de propriedade de Manoel Antônio Cardoso Amanajás, que se originou do canavial plantado por Francisco de Melo Palheta. Para melhor situar os sítios arqueológicos está sendo desenvolvida pesquisa arqueológica histórica, desde a década de 1990 nas proximidades de Belém. Até hoje já foram registrados cerca de 40 sítios de engenhos alicerçados e construídos em alve-

naria de pedra argamassada ou em madeira, oriundos do fim do século XVII até o início do século XX. As ordens religiosas no intuito de proteger os índios formavam aglomerações populacionais, as aldeias, que davam origem às vilas que depois se transformaram nos atuais municípios. No livro “Caminho de Canoa Pequena”, Eládio Lobato cita que Manuel Diegues Júnior, em sua obra “O Engenho de Açúcar” diz que os pernambucanos foram os disseminadores do plantio da cana-de-açúcar na Província do Grão-Pará, que marcou a ocupação humana do litoral brasileiro até o alto dos rios amazônicos.

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Na mesma obra Eládio Lobato registra que nos idos de 1700 um homem identificado pela alcunha de Pernambuco, o que indicava sua origem, chegou a Igarapé-Miri trazendo mudas de cana-de-açúcar, plantou em terras do rio Anapú, tendo as mesmas proliferado em abundância, de maneira que foram levadas por um cidadão não identificado para o rio Panacauera em 1712, onde foram plantadas. Com o roçado de canade-açúcar florescendo, foi instalado no igarapé Calha, afluente do Panacauera um

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engenho movido à água represada que foi denominado de Santa Cruz. O proprietário deu início a produção de mel, rapadura, açúcar mascavo e, posteriormente, aguardente em alambique instalado em uma caldeira de barro, conhecida como Carapuça, onde era colocada a garapa depois de fermentada para a evaporação da aguardente. Como a técnica era rudimentar levava muito tempo e trabalho para obter uma pequena quantidade do produto. Tendo em vista, o aumento dos roçados, foram instalados inúmeros engenhos ou

engenhocas com moendas grosseiras, feitas de madeira, alguns movidos a braços humanos e outros à tração animal. Tempos depois, vieram diretamente da Inglaterra, maquinários movidos a vapor com alambique apropriado e fervura especializada, que permitia uma produção média de cem litros por hora com capacidade contínua de funcionamento. Concomitantemente, a cana-de-açúcar foi levada para diversas localidades da Freguesia de Santana de IgarapéMiri e Abaetetuba, sendo que as plantações em Abaetetuba


só se expandiram a partir de 1850. O sistema de manejo seguiu os moldes dos demais roçados da região do baixo Tocantins, sendo feito de maneira bastante rudimentar. Os primeiros engenhos que se têm notícias no município de Abaeté são: fazenda e engenho São Francisco, de propriedade do senhor Antonio Corrêa Caripunas; fazenda e engenho Boa Vista, à margem esquerda do rio Maratauira, de propriedade do Comendador da Ordem da Rosa, senhor Francisco Augusto da Gama e Costa; fazenda e engenho São José à margem esquerda

do rio Tucumanduba, de propriedade do Comendador da Ordem de Cristo senhor José Honório Roberto Maués. Engenhos ou engenhocas dos municípios de Igarapé-Miri e Abaetetuba embora modestamente equipados, utilizavam mão-de-obra barata e produção canavieira de boa qualidade, aliada à crescente venda em áreas ribeirinhas da região Amazônica, propiciavam a obtenção de bons rendimentos econômicos, possibilitando aos proprietários fazerem investimentos na aquisição de caldeiras, moendas e alambiques mo-

dernos vindos até mesmo da Inglaterra. Ernesto Cruz cita em seu livro “Historia de Belém” que, em 1751 João Antônio da Cruz Diniz Pinheiro, ouvidor da Província do Grão-Pará, informou à Metrópole a existência de 24 engenhos de açúcar e 77 de aguardente, a maioria utilizando tecnologia europeia. Leila Mourão diz que no século XIX, ocorreu um aumento no número de engenhos, alguns dos quais passaram a produzir rapadura. No século XX, ocorreu o ápice da produção aguardenteira, seguida da derrocada do

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ECONOMIA sistema, com a falência dos engenhos. O declínio do tradicional sistema agroindustrial canavieiro poderia ter sido evitado ou pelo menos atenuado, se o governo, agente de mudança, integração e modernização tivesse avaliado os efeitos do desequilíbrio ecológico, econômico, social, cultural e introduzido de forma paulatina a política de desenvolvimento da Amazônia rural.

A PARTICIPAÇÃO DO NEGRO NA AGRICULTURA DA AMAZÔNIA A entrada de escravos negros na Amazônia se deu a partir da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755, a fim de substituir o trabalho do indígena na lavoura, visando estimular a produção agrícola. Embora num primeiro momento, a solução para colonizar o Brasil e desenvolver a agricultura tenha sido a es-

cravização dos indígenas, os chamados negros da terra, a igreja católica se baseando em uma lei datada de 1680 que proibe a escravização de índios nas terras da colônia, condenava a prática. Fato que muitas vezes era ignorado pelos chefes de províncias, gerando sérios conflitos entre os colonos e as diversas missões religiosas atuantes na região. No Grão-Pará a defesa pela liberdade dos indígenas realizada pelos missionários,

O declínio do tradicional sistema agroindustrial canavieiro poderia ter sido evitado ou pelo menos atenuado, se o governo, agente de mudança, integração e modernização tivesse avaliado os efeitos do desequilíbrio ecológico, econômico, social, cultural e introduzido de forma paulatina a política de desenvolvimento da Amazónia rural. e, posteriormente, o agrupamento nos quilombos. Temos registros de negros, aqui escravizados, cuja mãode-obra foi empregada na lavoura de cana-de-açúcar, em engenhos como o Murucutu, Benfica, Caraparu dentre outros, localizados próximo a Belém. O núcleo da cabanagem formada por diversos negros destruiu o engenho Murucutu, motivando o general Andréia a organizar três expedições a fim de expulsar os rebeldes.

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Tendo em vista, o movimento da Cabanagem, tanto a cultura canavieira como os engenhos de aguardente sofreram intensas mudanças, provocando a desorganização dos alicerces do latifúndio escravista, que só foram reconstituídos de forma lenta e gradual muitos anos depois. Conforme Reis (1969), na segunda metade do século XIX, quando a imprensa deu início à campanha de libertação dos negros, muitos proprietários de indústrias reagiram.

Em Abaetetuba se destacou um abolicionista, José Gonçalves Chaves que se encarregou de incentivar os demais a promover a libertação dos escravos, e assim, outros se juntaram a ele. Após a assinatura da Lei Áurea, os negros foram libertados em todo o país, oportunidade que em Abaetetuba e Igarapé-Miri, passou a utilizar a mão-de-obra dos caboclos ribeirinhos, que de certa forma se assemelhava com a escravidão do negro. Em


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA criou condições para a importação de escravos africanos. Os portugueses que já usavam a escravidão negra resolveram introduzi-la na Amazônia, não obstante em número inferior ao de outras regiões do país; em decorrência de que a atividade básica da região, o extrativismo florestal, exigia o conhecimento da floresta amazônica e os negros não o tinham. No Pará e no Maranhão os negros foram destinados, sobretudo, para canaviais e as lavouras de ar-

roz e algodão. Algumas áreas ao longo do grande rio Tocantins foram importantes polos de escravidão africana na Amazônia colonial e pós-colonial, com uma ocupação negra iniciada em fins do século XVII. No início do século XX, com o fim do cativeiro, alguns segmentos entraram em declínio, passando a desenvolver apenas o extrativismo, inclusive com a extração da seringa. Às margens dos rios Guamá, Capim, Acará, Moju e Igara-

pé-Miri, a cultura da cana-de -açúcar se enraizou e adquiriu importância econômica, propiciando a instalação de diversos engenhos e a concentração de escravos, estabelecendo um regime social típico. A história da escravatura africana no Pará passou pelos mesmos processos das outras regiões, provocando, como em toda parte, as mesmas reações dos escravos. A mais frequente, a busca da liberdade através da fuga

As mudanças ocorridas na Região Amazônica no século XX, visando o desenvolvimento, conduziram entre outras consequências, a degradação do meio ambiente e ao desiquilíbrio social, não só na fronteira agrícola como nas áreas ribeirinhas ocupadas por europeus.

Igarapé-Miri existem muitas famílias descendentes de negros escravos que de acordo com pesquisas ainda não comprovadas, fugiram e viveram em quilombos por longos anos. AMAZONIA TRADICIONAL E AMAZONIA DE FRONTEIRA As mudanças ocorridas na Região Amazônica no século XX, visando o desenvolvimento, conduziram entre outras consequências, a degradação do meio ambiente

e ao desiquilíbrio social, não só na fronteira agrícola como nas áreas ribeirinhas ocupadas por europeus. Podemos comparar estas mudanças ocorridas ao longo do tempo na Amazônia tradicional com a denominada de fronteiras, e perceber os efeitos e consequências vividas pela população das diferentes regiões. A população regional passou a ser marginalizada e a desenvolver a cultura da subsistência fundamentada

nas práticas ecologicamente sustentáveis, como atividades voltadas ao mercado; baseada no extrativismo vegetal, criação de animais , além de pesca; em contrapartida na Amazônia de fronteira, a presença do governo foi direta, além da construção de estradas destinou financiamento de projetos agropecuários e de colonização, o que levou ao desiquilíbrio ecológico.

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ENGENHOS

O AGRO NEGOCIO NO BAIXO TOCANTINS A economia na área de abrangência da bacia do Tocantins, durante mais de dois séculos foi constituída de um sistema agroindustrial voltado ao cultivo da cana-de-açúcar e a fabricação de aguardente. Entretanto, no rastro dos engenhos vinham uma serie de outras atividades produtivas como fabricas de refrigerantes, vinagre, torrefação de café, olarias e serrarias. Na época, a canoa a vela era o único meio de transporte que penetrava nos furos, paranás e rios da Amazônia, tendo em vista inexistência de rodovias interligando as regiões do Tocantins, Salgado e do Baixo Amazonas. Desta maneira, o sistema de regatões

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era de fundamental importância no abastecimento das necessidades básicas dos habitantes daquelas regiões. Os ribeirinhos compravam a aguardente e forneciam ou vendiam a preços irrisórios seus produtos, como látex, cacau etc. Por ocasião do apogeu dos engenhos, ocorreu a melhoria dos meios de transportes; as canoas a vela foram substituídas por esporádicos naPor ocasião do apogeu dos engenhos, ocorreu a melhoria dos meios de transportes; as canoas a vela foram substituídas por esporádicos navios a vapor que queimavam lenha, seguidos da ascensão dos motores a diesel instalados nos barcos da região,

vios a vapor que queimavam lenha, seguidos da ascensão dos motores a diesel instalados nos barcos da região, que possuíam a vantagem de consumir um combustível concentrado e capacidade de maior carregamento para negociar no baixo e médio Amazonas. Com isto tanto o setor agrícola como industrial tiveram um acelerado crescimento Em meados de 1970, com diversas ações do governo Federal visando integrar a Região Amazônica ao restante do país, foram sentidos pelos segmentos da economia local, baseado na agroindústria tradicional e arcaica não conseguiram acompanhar as mudanças trazidas com o desenvolvimento. A implantação de estradas e investimentos do governo nas áreas chamadas Amazônia de fronteira, o sistema agroindustrial das áreas de várzeas entrou em declínio, tendo em vista que os produtos vindos do Sudeste e Nordeste, produzidos com melhor tecnologia, chegavam a preços mais competitivos. O declínio do tradicional sistema agroindustrial canavieiro poderia ter sido evitado ou pelo menos atenuado, se o governo, agente de mudança, integração e modernização tivesse avaliado os efeitos do desequilíbrio ecológico,


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA A implantação de estradas e investimentos do governo nas áreas chamadas Amazônia de fronteira, o sistema agroindustrial das áreas de várzeas entrou em declínio, tendo em vista que os produtos vindos do Sudeste e Nordeste, produzidos com melhor tecnologia, chegavam a preços mais competitivos.

econômico, social, cultural e introduzido de forma paulatina a política de desenvolvimento da Amazônia rural. O engenho de aguardente e a usina de açúcar funcionaram até meados de 1970, quando diversas ações na Justiça do Trabalho condenaram a empresa a indenizar os trabalhadores em seus direitos

trabalhistas, precipitando sua falência. Do ponto de vista social, a decadência da indústria aguardenteira provocou o êxodo rural , forçando o caboclo a migrar para a sede do município ou para a capital do estado, em busca de melhores condições de vida. Sem formação técnica, mui-

tos ocuparam invasões e passaram a desenvolver trabalho braçal. Quanto aos empresários, traziam a aptidão pelo comercio e a maioria cresceu economicamente, deixando um legado a seus descendentes que estudaram e se direcionaram para outras profissões. O encerramento do ciclo gerou efeitos de desiquilíbrio ecológico, econômico, social e cultural, deixando a população rural reduzida a pobreza. Após vários anos ocorresse uma tomada de consciência da própria população ribeirinha que desenvolveu um processo de organização social, constituído em nível de planejamento ambiental e manejo integrado, voltado a plantação do açaí e sua industrialização.

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ENGENHOS Eládio Lobato

A indústria aguardenteira o artigo publicado no livro caminhos de canoa pequena* do escritor eládio lobato A indústria aguardenteira foi uma das mais florescentes da Amazônia , às margens dos rios de igarapé-miri

A

indústria aguardenteira foi uma das mais florescentes da Amazônia, pois, às margens de seus gigantescos rios, a cana, uma vez plantada, fornece até oito cortes consecutivos sem exigir maiores trabalhos; bastando conservar limpo o terreno, enquanto brotam novamente as pequenas hastes. A cana, originária da região de Bengala, na Industão, foi primeiramente explorada na Pérsia, depois transportada pelos muçulmanos para o Mediterrâneo Oriental e para o Norte da África. Os Cruzados a teriam introduzido em Chipre e na Sicília. E destas ou do continente Negro, saíram as mudas para as terras conquistadas pelos portugueses e espanhóis, de

acordo com Basílio de Magalhães. Ainda o mesmo autor, referindo-se a “História do Açúcar”, diz: “A cana foi levada para o Brasil, de São Tomé, onde faziam escalar os navios em viagem para a Índia; primeiro em São Vicente do Sul e deste em Vila Rainha, no Rio Paraíba”. Entretanto, Pernambuco seria a primeira cidade brasileira a se projetar no conceito mundial, como Cidade produtora de açúcar, iniciando o aproveitamento e industrialização da cana-de-açúcar, na Cidade de São Cosme e Damião, mais tarde Vila dos Cosmos, onde posteriormente foi erguida a Cidade de Iguaçu. Os historiadores dizem que a prosperidade da Capitania de Pernambuco resultou principalmente da cana-de-açúcar

Os pernambucanos foram os disseminadores do plantio da cana-de-açúcar na Província do Grão Pará, pois, expandiram até o extremo Norte o plantio de cana e construíram engenhos. A cana e os engenhos marcam a ocupação humana do litoral brasileiro, até aos altos rios amazônicos. As terras de várzeas, são de ótimas condições e propícias ao plantio de canas. Terras férteis e abundantes: tem sido justamente em torno dessas terras baixas, ao longo dos rios grandes e alagadiços que a cana vem florescendo há séculos.

*LOBATO, Eládio. Caminho de Canoa Pequena. Belém: Falangola, 2007 42 EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

Por ocasião do apogeu dos engenhos, ocorreu a melhoria dos meios de transportes; as canoas a vela foram substituídas por esporádicos navios a vapor que queimavam lenha, seguidos da ascensão dos motores a diesel instalados nos barcos da região,

e por isso, também, sofreu a invasão dos mercenários da Companhia Privilegiada das índias Ocidentais. Manuel Diegues Júnior, em “O Engenho de Açúcar”, diz: “a economia açucareira no Brasil partiu da época da colonização. Logo prosperou o plantio da cana-de-açúcar em dois focos principais Pernambuco e São Vicente”.

Além destes dois núcleos, outros iniciaram a semeadura de canas: Espírito Santo, Ilhéus e Porto Seguro. Já nos meados do século XVI, o açúcar pernambucano era considerado o melhor do Brasil. Segundo o referido autor, os pernambucanos foram os disseminadores do plantio da cana-de-açúcar na Província do Grão Pará, pois, expan-

diram até o extremo Norte o plantio de cana e construíram engenhos. A cana e os engenhos marcam a ocupação humana do litoral brasileiro, até aos altos rios amazônicos. As terras de várzeas, são de ótimas condições e propícias ao plantio de canas. Terras férteis e abundantes: tem sido justamente em torno dessas terras baixas, ao

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ENGENHOS

longo dos rios grandes e alagadiços que a cana vem florescendo há séculos. Para Igarapé-Miri a cana foi trazida por um cidadão, que pela sua alcunha de Pernambuco diz a possível origem do pioneiro. Tendo a canade-açúcar sido plantada primeirante no rio Anapú e daí expandindo-se para toda a região. “Pernambuco” não só plantou a cana-de-açúcar, como ins-

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talou um pequeno engenho movido à água para a moagem de canas e um alambique instalado em uma caldeira de alvenaria, conhecido como Carapuça, onde era colocada a garapa, depois de fermentada, para a evaporação da aguardente que não tinha graduação certa. A fim de conseguir determinada quantidade era preciso muito tempo e trabalho. Com o decorrer dos anos,

foram trazidos diversos engenhos diretamente da Inglaterra, estes já movidos a vapor, inclusive alambiques, tendo havido oportunidade do Município de Igarapé-Miri produzir, não só a melhor cachaça, como a maior quantidade dela. Essa aparelhagem e a mão-de-obra fácil, trouxeram enriquecimento ao município. Nos anos de 1938 e 1939, a Coletoria de Rendas Federais


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

Com o decorrer dos anos, foram trazidos diversos engenhos diretamente da Inglaterra, estes já movidos a vapor, inclusive alambiques, tendo havido oportunidade do Município de Igarapé-Miri produzir, não só a melhor cachaça, como a maior quantidade dela. Essa aparelhagem e a mão-de-obra fácil, trouxeram enriquecimento ao município.

em Igarapé-Miri alcançou a renda máxima da região Norte do Brasil. A cana-de-açúcar em Igarapé-Miri passou a ser a fonte de renda do município e os senhores de engenhos não se limitaram a produzir só cachaça. Surgiu a firma Avelino Joaquim do Vale, no rio Panacauéra, onde as canas tinham um teor de sacarose excepcional, que resolveu instalar uma usina de açúcar

cristal. Nela, chegou a produzir grande quantidade de açúcar, que não exportou mais em razão da quota dada à usina pelo Instituto do Açúcar e do Álcool ser limitada. Em seguida, surgiu a firma João Nicolau Fortes, instalando outra usina que não produzia menos que a do Panacauéra, não só pela boa localização em rio Meruú, no lugar Novo Horizonte, como pelo teor sacarose da cana

dessa região também ser elevado. Em terceiro lugar surgiu a de Santo Antônio do Botelho, da firma João Tourão de Miranda, que foi menos feliz, pois teve negada a autorização para o fabrico do açúcar na região, em consequência do Monopólio do Instituto do Açúcar e do Álcool não permitir a instalação de novas usinas a fim de evitar a superprodução, nociva ao lucro

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ENGENHOS capitalista. As próprias duas primeiras usinas tiveram suas quotas reduzidas e a exportação de açúcar fiscalizadas por funcionários federais que percorriam o município periodicamente, desestimulando assim os industriais, que passaram a procurar outros negócios mais lucrativos. Passaram as usinas existentes em Igarapé-Miri reduzidas a sucatas de ferros velhos. Dos engenhos de aguardente, que chegaram a somar quarenta e oito, em principio reduziu a dez e, finalmente, o restante foi leiloado pela Justiça do Trabalho. Outro entrave à produção açucareira em Igarapé-Miri, foi a falta de incentivo bancário e recurso ou financiamento por parte do poder Público, pois, só no ano de 1968 foi instalado a agência do Banco da Amazônia, porém sem nenhum incentivo à produção açucareira ou aguardenteira. Atualmente instalou-se a agência do Banco do Brasil. A razão dos numerosos engenhos espalhados por todo o município foi o responsável pelo aumento demográfico em Igarapé-Miri, hoje considerado que chegou a ser o sétimo município em população do Estado do Pará, e atualmente é o 17°. Os engenhos montados no Município, eram todos do sé-

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culo XVIII e XIX. Encontramos no engenho São Raimundo, da firma Raimundo Monteiro de Sousa, um moinho fabricado em 1859 e uma caldeira fabricada em 1873; em Santa Cruz, caldeiras com a mesma data de fabricação, vindas da Inglaterra, da firma FAWCETT PRESTON & C° EMGINEERS LIVERPPOOL.

Outro entrave à produção açucareira em Igarapé-Miri, foi a falta de incentivo bancário e recurso ou financiamento por parte do poder Público, pois, só no ano de 1968 foi instalado a agência do Banco da Amazônia, porém sem nenhum incentivo à produção açucareira ou aguardenteira.


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

Os engenhos montados no Município, eram todos do século XVIII e XIX. Encontramos no engenho São Raimundo, da firma Raimundo Monteiro de Sousa, um moinho fabricado em 1859 e uma caldeira fabricada em 1873; em Santa Cruz, caldeiras com a mesma data de fabricação, vindas da Inglaterra, da firma FAWCETT PRESTON & C° EMGINEERS LIVERPPOOL.

PRIMEIRO ENGENHO IGARAPÉ-MIRI

EM

Depois da introdução da cana-de-açúcar no Município, trazida de Pernambuco para o rio Anapú, ela proliferou com abundância em Panacauéra, fazendo com que um cidadão, do qual não nos foi possível conseguir o nome,

instalasse em 1712, um pequeno engenho movido à água por uma represa montada no igarapé Calha. Foi-lhe dado o nome de Santa Cruz e localizado no lugar onde hoje está edificado o prédio da escola municipal “Graziela Gabriel”. Nele fabricava-se mel, rapadura e açúcar mascavo, e, posteriormente, aguardente em alambique com caldeira de alvenaria, conhecido como alambique de Carapoço, o qual, para conseguir determinada quantidade de aguardente, dependia de grande trabalho. A seguir, foi o engenho de Santa Cruz adquirido por Leandro Monteiro Amanajás de Tocantins e sua esposa dona Izabel Amanajás de Tocantins. Nas mãos do casal o engenho progrediu. Tiveram eles um filho de nome Tomaz Monteiro Cardoso Amanajás de Tocantins, que passou à história por ter escondido o Cônego Batista Campos na

fazenda de seus pais. A propósito diz Carlos Roque em a “Grande Enciclopédia da Amazônia”: O principal alvo de Lobo de Souza era a prisão de Batista Campos. No dia 19 de novembro de 1834, encarregou o tenente João Luiz de Castro trazer, para a Capital da Província, o Cônego revolucionário, refugiado, segundo denúncias, exatamente na fazenda “Santa Cruz”, localizada no furo Timboí, distrito de Igarapé-Miri. Na realidade, Batista Campos ali se encontrava, sob a proteção de Tomaz Cardoso Amanajás, filho dos proprietários daquela fazenda. Avisado a tempo, o Cônego viajou para Barcarena, escondendo-se no mato em humildes casebres. Estava sofrendo de um tumor debaixo do queixo. Sucedeu que em certo dia, ainda na fazenda de Amanajás, cortara uma espinha carnal, quando fazia a barba; adveio-lhe daí grande inflamação. Não tomou os cuidados necessários: obrigado a vagar pelo mato, não podia ter medicação necessária a fim de combater o mal. Por isso, no dia 31 de dezembro, pelas duas horas da tarde, faleceu, depois de confessado e ungido pelo vigário da Freguesia de Barcarena, sendo seu cadáver sepultado às 10 horas da manhã do dia

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ENGENHOS

seguinte, na igreja paroquial. Como se vê, a prematura morte de Batista Campos ocorrida em Barcarena, foi encontrado e realmente na fazenda Santa Cruz no Panacauéra. Com o falecimerito do pai de Tomaz, a mãe deste, dona Izabel, assumiu a direção do engenho. Tomaz com muita vocação para os negócios, embora sob a chefia de sua mãe, dona Izabel, ajudou a progredir a indústria paterna. Adquiriu outro engenho a vapor que instalou logo abaixo do primitivo, feito o galpão todo em árvores de acariquara,

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que até pouco tempo ali permanecia, cobrindo a área do engenho e usina de açúcar cristal SANTA CRUZ. Tomaz foi nomeado Coronel da Guarda Nacional, e casouse com dona Rosa de Lira Amanajás, e construiu do outro lado do rio Panacauéra nova vivenda a que deu a denominação de CASA NOVA, e onde o casal passou a residir. Havendo problema na travessia do rio, querendo, porém, o casal continuar com os negócios industriais em SANTA CRUZ, instalaram um serviço telefônico entre a residência e a indústria, podendo, dessa maneira, se comunicarem a

Os engenhos montados no Município, eram todos do século XVIII e XIX. Encontramos no engenho São Raimundo, da firma Raimundo Monteiro de Sousa, um moinho fabricado em 1859 e uma caldeira fabricada em 1873; em Santa Cruz, caldeiras com a mesma data de fabricação, vindas da Inglaterra, da firma FAWCETT PRESTON & C° EMGINEERS LIVERPPOOL.


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA toda hora com seus empregados. Isso possibilitou que os trabalhos não sofressem solução de continuidade. Pelo contrário, continuassem e progredissem. Sabedor de que outro industrial de nome Teixeira, localizado no lugar de nome Central, no rio Meruú, tinha adquirido uma lancha a vapor a que chamou de CEZAR, procurou Tomaz importar da Alemanha embarcação semelhante que denominou de ROSINHA, a qual posteriormente vendeu ao Major João Longuinhos. O casal Amanajás teve doze filhos. Dois deles mandaram para a Europa a fim de estudar, não foram, porém, felizes. Pela perda do pai, que veio a falecer nesse período, tiveram que regressar. Com o falecimento do Coronel Tomaz Amanajás, seus herdeiros venderam máquinas e caldeira a uma serraria que se instalava no vizinho município de Cametá. Os demais acessórios do engenho, deles desfizeram-se como ferro velho. O próprio terreno venderam a Porfírio Antônio Lobato e este ao português Avelino Joaquim do Vale, proprietário do engenho Santa Bárbara, no mesmo rio, logo acima de SANTA CRUZ. Em 1925, Avelino Vale resolveu transferir seu engenho Santa

Bárbara para a sua nova propriedade, isto é, para o galpão da antiga Santa Cruz, que ficava melhor localizada. Teve como seu auxiliar na instalação o então empregado de engenho João Vasconcelos Alves, a quem pediu ajuda, não só porque Vasconcelos era homem trabalhador, como que Avelino, havendo perdido a mão quando procedia a moagem de canas ,ainda no engenho Santa Bárbara, tivera sua capacidade de trabalho diminuída. Em 1931, resolveu Avelino instalar no município uma usina de açúcar cristal. A Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri, que tinha como prefeito, o cidadão Moisés Levy, propôs ao então interventor do Estado Major Magalhães Barata, que aprovasse a dotação de 5:000$000 (cinco contos de réis) ao negócio de Avelino, considerando-o isento de impostos por cinco anos, exatamente por ter instalado a primeira usina de açúcar no Município. Essa importância realmente foi paga em parcelas mas a outros que não a Avelino Joaquim do Vale, que todavia assinou o recibo de quitação. Esse fato causou um inquérito administrativo. Foram apontados como culpados Avelino e o Prefeito Moisés. Encaminhado o processo à Justiça, o Juiz de Di-

reito da Comarca, dr. Mariano Antunes, depois dos trâmites legais, prolatou sua sentença da seguinte maneira: Se considerarmos Avelino, ladrão, porque assinou e não recebeu; se considerarmos Moisés, ladrão, porque pagou, temos que considerar também ladrão quem autorizou o pagamento, no caso o Interventor do Estado”. E absolveu os réus. Como prêmio à atividade e à capacidade de trabalho de seu empregado, o português naturalizado brasileiro, João Vasconcelos Alves, Avelino admitiu-o como sócio da firma, e mais tarde Vasconcelos casou-se com uma filha de Avelino, a senhora Izabel do Vale Alves passando, desta maneira, a gerente geral da empresa, cargo que manteve até sua extinção, embora possuindo outros negócios na Capital do Estado. No local achava-se instalado o engenho de fabricação inglesa da marca FAWCETT PRESTON & CO LIVERPOLL n.° 3270, do ano de 1877, com máquina do ano e fabricação. A usina permaneceu montada como relíquia da família, aberta à visitação pública por muitos anos, talvez até a década de 80.

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ENGENHOS Wilson Amanajás

ENGENHOS DE AÇÚCAR E DE AGUARDENTE NO PARÁ O escritor e folclorista Wilson Amanajás em seu artigo publicado na Revista Brasil Açucareiro em Agosto de 1972 nos revela o aspecto panorâmico da época da colonização portuguesa, seus m[étodos de trabalho e produção, na zona aguardenteira do Tocantins, no Estado do Pará.

O

aspecto panorâmico dos velhos engenhos da época da colonização portuguesa, seus métodos de trabalho e produção, ainda se conservam os mesmos em nossos dias, na zona aguardenteira do Tocantins, no Estado do Pará. Até mesmo os engenhos construídos mais recentemente não deixam de seguir a forma e as normas de trabalho dos primitivos, variando somente quanto ao modo de conduzir a cana dos roçados para as moendas. Antigamente, o transporte era feito a peso da força dos músculos dos negros escravos e posteriormente dos caboclos, pendurados no cabo de grandes remos de faia, na “ginga” bamboleante do corpo, caindo da direita para a esquerda, horas e horas ao sa-

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Engenho de Egídio Pacheco, no Quianduba;


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA bor da corrente. Agora, os referidos “batelões” são rebocados por lanchas (motores), cabendo ao “passador” segurar o remo de faia e pilotar a pesada embarcação pelas coleantes avenidas líquidas dos furos e dos igarapés. O Estado do Pará, que contava com mais de uma centena desses engenhos, espalhados pela quase totalidade de seus municípios, alguns deles produzindo açúcar, vê-se hoje reduzido a cinqüenta e quatro, os quais produzem somente aguardente, fixando-se em dois municípios, Abaetetuba e lgarapé-Miri, na seguinte ordem:

I. Engenhos de Abaetetuba 1. Engenho Paraíso, dos herdeiros de Francisco Ferreira, no Rio Jarumã; 2. Engenho Santa Cruz, de Murilo Carvalho, no Rio Campompema; 3. Engenho de Dioclécio Tocantins Via­na, no Rio Urubuéua; 4. Engenho de Raimundo Correia, no Rio Sapocajuba; 5. Engenho São Jerônimo, de Noé Guimarães Rodrigues, no Rio Panacauéra; 6. Engenho Primavera, de Miguel Silva & Cia., no mesmo rio; 7. Engenho de Henrique Costa, ainda no mesmo rio; 8. Engenho de Manoel da Silva Filho, no Furo Grande; 9. Engenho dos herdeiros de lndalécio Guimarães Rodrigues, no Furo Grande; 10. Engenho Santo Antônio, de Didico Guimarães, no Furo Grande; 11. Engenho de Abel Guimarães Rodrigues, no Rio Bacuri; 12. Engenho dos herdeiros de Antônio Pinheiro, no Quianduba; 13. Engenho de Egídio Pacheco, no Quianduba; 14. Engenho de Venâncio Ferreira, no Quianduba; 15. Engenho D. Bosco, dos herdeiros de Chiquinho Ferreira, na Costa Maratauíra; 16. Engenho São Pedro, de Álvaro Araújo, também na Costa Maratuíra; 17. Engenho de Luiz Nobre, no Rio Taue-

Até mesmo os engenhos construídos mais recentemente não deixam de seguir a forma e as normas de trabalho dos primitivos, variando somente quanto ao modo de conduzir a cana dos roçados para as moendas. Antigamente, o transporte era feito a peso da força dos músculos dos negros escravos e posteriormente dos caboclos

rá-Açu; 18. Engenho dos herdeiros de Francisco Nobre, no Rio Piquiarãna; 19. Engenho de Joaquim de Freitas Castro, no Rio Piquiarãna; 20. Engenho São Sebastião, de Raimundo Quaresma, no Arumanduba; 21. Engenho Santa Rosa, de Raimundo Solano de Albuquerque, no Guajarazinho; 22. Engenho São João, de Claudinor Tocantins Viana, no Guajarazinho; 23. Engenho Feliz lI, de Aprigio Veloso Dias, no Rio Maracapucu. lI. Engenhos de lgarapé-Miri 24. Engenho Carmo, de herdeiros de Amadeu Pinheiro, no Rio lgarapé­Miri; Engenho Cacoal, de André Pinheiro, no mesmo rio; 26. Engenho Santa Helena, ainda no mesmo rio, da família Martins; 27. Engenho Brasil, de Julião Simplício de Oliveira, no Meruú-Açu; 28. Engenho Indiano, de Plácido Nonato, no Meruú-Açu; 29. Engenho São João, de Ranulfo Costa, no Meruú-Açu; 30. Engenho Cariá, de Silvestre Correia de Miranda, no Meruú-Açu; 31. Engenho de Agenor Martins, no Meruú-Açu; 32. Engenho São Sebastião, de Anilo Cardoso, nó Japuretê; 33. Engenho São Paulo, de José Roberto de Araújo, na Ilha da Espera; 34. Engenho São Raimundo, de Quaresma & Irmãos, no Mamangal; 35. Engenho São José, de Tito Martins, no Furo do Seco; 36. Engenho Fortaleza, dos Borges, no Maiauatá; 37. Engenho Santana, da viúva Sampaio & Filhos, idem; 38. Engenho da viúva Julião Lobato, idem; 39. Engenho de Didi Machado, idem; 40. Engenho de Sampainho, idem; 41. Engenho de Arcelino Correia, idem;

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ENGENHOS

42.Engenho da familia Bastos, no Rio ltamimbuca; 43. Engenho Livramento, de Eládio Lobato, idem; 44. Engenho Pará, de Caetano Leão, no Rio Santo Antônio; 45. Engenho Recreio, da viúva de Acácio Leão, idem; 46. Engenho dos herdeiros de Rufino Leão, no Rio Anapú; 47. Engenho Santa Cruz, de João Vasconcelos, no Panacauéra; 48. Engenho de herdeiros de Poca Nahon, no mesmo; 49. Engenho de Raimundo Trindade, idem; 50. Engenho de Plácido Justo da Silva, no Rio São Domingos; 51. Engenho de Jamba Forte, no Rio Juaimbu. ***

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Interventor Major Joaquim de Magalhães Cardoso Barata Vivia-se os dias da revolução de 1930. O Interventor Major Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, insatisfeito com os proprietários dos engenhos (engenheiros, como são chamados na região), responsabilizou-os pela apatia, indolência e improdutividade dos caboclos e

achou por bem decretar uma lei, cognominada de “lei seca”, que proibia o funcionamento dos engenhos de aguardente, a menos que se dedicassem à produção de açúcar branco. Os dois municípios, lgarapé-Miri e Abaetetuba, que têm sua economia alicerçada na lavoura de cana e no fabrico da aguardente - que, diga-se de passagem, é de ótima qualidade - sofreram uma crise sem precedentes. Somente estavam em condições de funcionar, segundo a lei, os engenhos: Palheta, no Município de Muaná, da família Maués, o melhor aparelhado, podendo produzir 30 sacos por “tachada” e hoje desaparecido; o Engenho Santa Cruz, no Município de lgarapé-Miri, de propriedade da firma J. do Vale; o de José Saul, no Rio Abaeté, Município de Abaetetuba, e um outro engenho de


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Abaetetuba, o Feliz, situado no Rio Paramajó, de propriedade de Aprígio Veloso Dias, que estava aparelhado com a maquinaria comprada dos proprietários do antigo engenho Granja Eremita, no Município de São Francisco do Pará (região bragantina), com capacidade para produzir 50 sacos por “tachada”, porém o Instituto do Açúcar e do Álcool não lhe forneceu, nem viria a fornecer, no futuro, a necessária licença para poder fabricar açúcar. A expressão produzir açúcar por “tachada” deriva da forma de produzir o mesmo pelo processo rudimentar de ferver a garapa em grandes tachos de ferro, sob os quais se queima lenha, até transformar o caldo em açúcar ‘’moreno” (mascavo), que depois de frio é transferido para as turbinas, a fim de transformá-lo em açúcar branco grosso.

Dos engenhos que produziam açúcar naquela época, estão atualmente funcionando como produtor de aguardente o Engenho Santa Cruz, pertencente a João Vasconcelos. Os demais desapareceram. Procurando inteirar-nos do por quê da produção exclusiva da aguardente, obtivemos a seguinte explicação do Sr. Aprígio Veloso Dias: “Todo o plantio da cana na zona tocantina, onde os engenhos estão localizados, é feito nos terrenos baixos, às margens dos rios e dos igarapés, onde o pouco adubo conseguido é gratuito, pela entrada e saída das águas, no fluxo e refluxo das marés diárias, e que deixam uma leve camada de húmus sobre a terra encharcada. “A cana aí produzida tem a vantagem de possibilitar seis cortes sem precisar replantar, porém

é de pequeno, porte e de baixo teor de sacarose, podendo atingir, no máximo, de 6 a 8 pontos, estes últimos conseguidos em terrenos mais secos. Ora, a garapa, para fornecer açúcar não deficitário, precisa atingir de 12 a 14 pontos de sacarose, a exemplo da cana do Nordeste”. A agricultura da cana requer a derrubada dos açaízeiros, buritizeiros, pracaxizeiros, ucuubeiras e facãozeiros, árvores ribeirinhas, procedendo-se à queimada depois de 20 dias. O plantio do “olho” da cana (parte da rama, aparada a folha e a parte mais dura do caule) se processa com a distância de um metro de um para o outro. Sessenta dias após o plantio, é feita a primeira capina e, decorridos cento e vinte dias, após a primeira, faz-se a segunda. A cana está madura para corte, quando atingir quinze meses depois de

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ENGENHOS “Todo o plantio da cana na zona tocantina, onde os engenhos estão localizados, é feito nos terrenos baixos, às margens dos rios e dos igarapés, onde o pouco adubo conseguido é gratuito, pela entrada e saída das águas, no fluxo e refluxo das marés diárias, e que deixam uma leve camada de húmus sobre a terra encharcada.

plantada. Dois homens se incumbem de cortar e passar a cana, do roçado para o engenho, percebendo cada um Cr$ 15,00 por barcada. Uma barcada de cana se transforma em 25 frasqueiras de cachaça. Para se alcançar um batelão cheio de cana (uma barcada), são necessários 100 feixes, cada feixe contém 60 pedaços de 5 palmos e pesa 50 quilos e são conduzidos no ombro dos “passadores”, do roçado até a margem do rio. Um roçado plantado com mil mudas de “olhos”, produz cana para encher três batelões. Existem três categorias de engenhos na região tocantina: o pequeno, produzindo 40 frasqueiras de cachaça diariamente; o médio, que produz 60 e o grande, que produz 90. A cana é comprada do agricultor,

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tendo por base o preço por que esteja vigorando a aguardente, descontada a metade, que seria o pagamento do beneficiamento da matéria-prima, por parte do industrial. Exemplifiquemos: Cada batelão de cana que produzirá 25 frasqueiras de cachaça, cotada atualmente em Cr$ 160,00, renderá para o agricultor Cr$ 80,00, que lhe serão pagos pelo proprietário do engenho. Ouvidos os engenhistas, estes explicam que se tivessem que trabalhar para os agricultores, moer-lhes a cana e transformá -la em aguardente, teriam eles que pagar as despesas para tais serviços, que requerem à frente do engenho os seguintes empregados: um gerente, um alambiqueiro, um foguista e um ajudante de foguista (os engenhos são movidos por energia produzidas por caldeiras), 2 bagacei-

ros (carregadores de bagaço), 3 carregadores de cana e um metedor de cana na moenda. O foguista e o alambiqueiro percebem cada um a diária de Cr$ 8,00; o carregador de cana e o bagaceiro ganham Cr$ 6,00 cada, com direito ao café da manhã (em alguns engenhos), e o metedor de cana na moenda percebe Cr$ 7,00. Some-se a isso as despesas com os vasilhames, lenha para a caldeira, lanchas e seus tripulantes etc. O trabalho no engenho, para o preparo da aguardente, começa com a retirada da cana do picadeiro (cercado beirando a margem do rio, feito de estacas de acapu ou de massaranduba), levadas nas costas dos dois carregadores em grandes feixes de uns 50 quilos e depositadas junto ao metedor de cana, que as vai empurrando na moenda,


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA Terminada a moagem, a garapa é transferida para os tanques por meio de tubulações. Os tanques medem três metros de comprimento, por dois de largura e um metro e oitenta de altura. Três dias após, já fermentada, a garapa passa através de tubos para o alambique, onde é fervida sob grande pressão.

gradualmente. Terminada a moagem, a garapa é transferida para os tanques por meio de tubulações. Os tanques medem três metros de comprimento, por dois de largura e um metro e oitenta de altura. Três dias após, já fermentada, a garapa passa através de tubos para o alambique, onde é fervida sob grande pressão. O “suor” (vapor) esfria e corre por um tubo para a gigantesca dorna, tomando a denominação de cachaça ou aguardente e a água que a garapa continha é eliminada por outro tubo e toma a denominação de zurrapa. A cachaça assim produzida é de ótima qualidade e destilada na graduação de 20 a 21 graus. Tem sabor ligeiramente adocicado de cana e quando sacudida levemente forma na superfície e junto ao vidro da garrafa minúsculas bolhas, o “colar”, que a distingue como boa.

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ENGENHOS NA VÁRZEA: UMA ANÁLISE DO DECLÍNIO DE UM SISTEMA DE PRODUÇÃO TRADICIONAL NA AMAZÔNIA

O objetivo deste estudo é analisar o funcionamento do sistema de produção na sua forma tradicional, apontar os fatores que, a nível local, causaram as mudanças no seu ritmo de atividade, e investigar se o seu eventual declínio poderia, ou não, ter sido evitado. Scott Douglas Anderson UM CASO TRADICIONAL Um caso específico de mudança na Amazônia tradicional encontra-se nos municípios paraenses de Igarapé-Miri e Abaetetuba, localizados na foz do rio Tocantins. Nesta região, durante mais de dois séculos, a base da economia foi um sistema agroindustrial dedicado ao cultivo de cana-de-açúcar e fabricação de aguardente em pequenos engenhos. Este sistema, após um breve período de expansão, entrou, ultimamente, em brusco declínio a níveis bem abaixo dos tradicionais. O número de engenhos em atividade nesses dois municípios reflete as mudanças neste sistema. Desde o final da época da borracha até a década de 1950, o número de engenhos foi estável, em torno de 30. Depois, em pouco mais de dez anos esta quantidade dobrou e estabilizou-se em torno de 60 engenhos. Finalmente, a partir dos meados da década de 1970 houve uma rápida dimi-

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nuição, de forma que, no final de 1987, havia apenas 16 engenhos em atividade2. (Figura 1) A correspondente área plantada em cana-de-açúcar, a produção de aguardente, e o número de empregos diretos gerados nesta agroindústria refletem, ainda mais, estas variações. (Tabela 1 e Figura 2) Confrontando-se na Tabela 1 as estimativas com os dados do recenseamento de 1970, pode-se ter uma idéia da relativa importância que este sistema agroindustrial alcançou no seu período de auge. A área plantada nos muncípios de Igarapé­Miri e Abaetetuba representou mais de 90% da área plantada em cana-de-açúcar em todo o estado do Pará (IBGE 1970a:264). A produção de aguardente correspondeu a 100% da produção registrada em toda Amazônia (IBGE 1970b:272-73). O valor da cana-de-açúcar produzida nestes dois municípios representou mais de 80% da renda das ati-

Nesta região, durante mais de dois séculos, a base da economia foi um sistema agroindustrial dedicado ao cultivo de canade-açúcar e fabricação de aguardente em pequenos engenhos. Este sistema, após um breve período de expansão, entrou, ultimamente, em brusco declínio a níveis bem abaixo dos tradicionais. vidades agrícolas que empregaram a população nas suas extensas várzeas (IBGE 1970a: Tab. 101-4 e 106)3• Quinze anos depois, porém, o ritmo de produção não se manteve a um décimo desses níveis. Evidentemente, a ascensão e declínio desta agroindústria teve importantes consequências na economia, ecologia e sociedade regional e, ainda, pode refletir processos similares em outros sistemas de produção na Amazônia tradicional e nas sociedades por eles sustentadas.


Engenhos de Aguardente nos Municípios de Igarapé-Miri e Abaetetuba - Pará A área plantada nos muncípios de Igarapé­Miri e Abaetetuba representou mais de 90% da área plantada em cana-deaçúcar em todo o estado do Pará (IBGE 1970a:264). A produção de aguardente correspondeu a 100% da produção registrada em toda Amazônia (IBGE 1970b:272-73).

O SISTEMA.. DE PRODUÇÃO TRADICIONAL: 1920 - 1950 O meio ambiente Este sistema agroindustrial de estuário sempre se baseou no plantio de cana-de­açúcar em solos de várzea alta. Esta várzea é sujeita à inundação pelas marés de água doce da foz do rio Amazonas. As inundações não ultrapassam 40 cm de altura e duas horas de duração

e ocorrem vinte a trinta vezes durante os meses de fevereiro a abril, na estação de chuva, e eventualmente dez a quinze vezes de agosto a outubro, na estação menos chuvosa. Este regime é distinto, portanto, da grande inundação anual ao longo do rio Amazonas que chega a vários metros de altura e permanece durante meses. Uma consequência deste regime de inundação é a deposição de sedimentos na superfície do solo, que servem para manter a sua fertilidade. Além disso, o fluxo da maré, mesmo quando não chega a cobrir a superfície, penetra na várzea através de rios e igarapés, mantendo a umidade do solo mesmo nas épocas mais secas. Em contrapartida, estes mesmos rios e igarapés facilitam a drenagem do solo, evitando o seu encharcamento. Assim, os solos destas várzeas, quimicamente entre os mais férteis da Amazônia, beneficiam-se de um regime natural de adubação, irrigação e drenagem. Uma outra conseqüência deste regime de inundação reflete-se no acesso e transporte. Devido ao volume de água que escoa destas terras planíssimas, oriundo dos 2000 mm de chuva que caem anualmente e também dos 8000 mm·, ou mais, de água levados à terra pela maré, todas estas várzeas são cortadas por inúmeros rios, furos e igarapés. Portanto, existe uma rede natural de acesso por via

2 Em julho de 1991, havia 6 engenhos funcionando. 3 Nestes dois municípios, considerou-se para o valor total da produção da várzea: 100% do valor do cacau, cana-de-açúcar, andiroba, borracha e palmito; 50% da banana, coco-da-bala e manga; e 25% do arroz e milho.

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fluvial que, canalizando o fluxo e refluxo da maré, facilita ainda mais o transporte de produtos volumosos e pesados, como a cana-de-açúcar. A PRODUÇÃO DE CANA Aproveitando estas condições ecológicas, agricultores plantavam cana-de-açúcar nas várzeas ao longo dos rios e igarapés da região, desde os tempos coloniais. No período em consideração, os “roçados” de cana eram preparados pelos métodos usuais na Amazônia de derrubada e queima, desde pequenas ‘’pontas’’ até áreas de dez ou mais hectares. Os únicos tratos culturais dados à cana era uma ou duas capinas com terçado e o replantio de uma parte após o corte, conforme a necessidade. Geralmente, mantinha-se um roçado de cana em produção por três a seis cortes, embora existissem casos de dez ou mais cortes na mesma área. Todas as despesas de preparo, manutenção e corte de um roçado de cana eram por conta do agricultor que plantava a área, o ‘’canavialista’ ‘. Para alguns canavialistas era possível obter financiamento para estas despesas junto ao dono de um engenho, o “engenheiro”, pois este tinha interesse em garantir o fornecimento de cana para beneficiar. Em troca do ‘’aviamento’’ de um roçado de cana, o engenheiro esperava do canavialista a entrega de toda

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a sua produção em qualquer época que a mesma fosse solicitada. O aviamento não era feito em dinheiro, mas sim em produtos de consumo postos à disposição no “comércio” do engenho. Tais produtos eram usados para pagar ao canavialista e a seus ‘’diaristas’’ pelo preparo e manutenção do roçado. Sendo uma relação pessoal e informal, só uma minoria dos agricultores, em torno de um décimo, eram aviados como canaviallstas. Os agricultores sem recursos próprios ou aviamento acabavam relegados, em grande parte, a trabalhar como diaristas. Para plantar cana, o canavialista não precisava ser proprietário de terras, pois era comum na região o uso de terras de terceiros. Este uso era compensado median­te o pagamento ao proprietário da terra de um terço do valor recebido na venda da cana ao engenho, correndo todas as despesas por conta do canavialista. Esta relação era bastante comum, dando aos agricultores acesso às terras ociosas na região sem que os proprietários sentissem os seus direitos ameaçados. De fato, vários pro­prietários viviam de terços e até procuravam canavialistas para plantar em suas terras.

CORTE, TRANSPORTE E PAGAMENTO DE CANA Devido à ausência de baixa temperatura ou de estiagem que, como no resto do país, estimulam a concentração de açúcar no colmo da planta numa determinada época, na região de várzea, a cana era cortada durante o ano todo. Por causa deste corte contínuo, a população agrícola era relativamente estável, com suas atividades e renda distribuídas ao longo do ano, sem fluxos anuais de trabalhadores entrando e saindo da região por causa da “safra” de cana. Também, por trabalharem o ano inteiro, os engenhos não necessitavam de uma capacidade industrial tão grande, como em outras partes do país, para produzir anualmente uma mesma quantidade de aguardente. Cada roçado de cana era cortado a cada doze a dezoito meses, dependendo da maturação, do preço, ou da necessidade do engenho que o aviasse. A cana era cortada em pedaços de aproximadamente 80 cm de comprimento e amontoada no campo em feixes contendo o equivalente em volume a 100 pedaços de cana de primeiro corte. Daí, os feixes eram carregados a batelões, que entravam nos igarapés até os roçados, e amontoados em lotes de dez, formando assim uma “frasqueira” de cana. Na região, a frasqueira de cana era


Notas da Tabela 1 (1) 1920-75: de acordo com o Almanack Laemmert (1927) existiam 16 engenhos em Igarapé-Miri em 1927, e com a Fol/ Ul do Noite (1 janeiro 1940, p. 29) existiam 17 em 1940; dados da Prefeitura de IgarapéMiri indicam que existiam cm torno de 25 engenhos no período de 1950-60 e 30 engenhos durante o período de 1960-75. Na ausência de dados correspondentes para Abaetetuba, julgou-se procedente dobrar e arredondar os valores de Igarapé-Miri para obter um total geral para ambos os municípios, considerando que o comportamento e porte da agroindústria aguardentcira nos dois municípios vizinhos foi similar, posteriormente. 1987: dados de levantamento de campo.

(2) Estimativa feita por moradores na região cm função da capacidade de moagem, em frasquciras de cana por dia de oito horas (uma frasqucira de cana pesa aproximadamente 1/2 T.); daí: grande = 60 frasquciras/dia; médio = 40 frasquciras/dia; e pequeno = 25 frasqueiras/dia. (3) Calculado na base de: (nº de engenhos na classe) x (frasquciras de cana moída/dia) x (dias de moagem/ ano) I (Irasquciras de cana/ ha.) = ha. em cana-de-açúcar. Considerou-se para moagem: 1920-50 = 100 dias/ano; 195060 = 150 dias/ ano; 1960-75 = 200 dias/ ano; e 1987 = 75 dias/ano. Considerou-se para produtividade de cana: 1920- 60 e 1987 = 50 frasquciras/ ha; e 1960-75 = 80 frasqueiras/ ha.

(4) Calculado na razão de: 1 frasqucira de cana produz 24 litros de aguardente; dat, para cada período calculou-se: (hectares cm cana) x (frasqucira de canalha.) x (24 litros de aguardente/ frasqueira de cana) = produção de aguardente. (5) Estimado na base de: 19206.0 e 1987 = 1 cmprcgo/3 ha. cm cana. (6) Calculado na base do tamanho do engenho; assim: grande = 14 empregos/ano; médio = 10 empre- gos/ ano; e pequeno = 7 empregos/ ano; para 1987 considerou-se em torno da metade desta razão.

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Na região, a frasqueira de cana era a unidade de medida para fins de transação comercial entre o canavialista e o engenheiro. Sempre foi aceito na região que “o engenho tem direito à metade” de cada frasqueira de cana entregue pelo canavialista. Acredita-se que este direito tenha sua origem nos tempos coloniais, quando donos de engenhos de açúcar tinham obrigação de moer a cana dos produtores sem engenho, sendo compensados com a metade do produto finalmente obtido. Figura 2 - Evolução do Número de Engenhos, Área em Cana-de-Açúcar e Produção de Aguardente nos Municípios de lgarapé-Miri e Abaetetuba – Pará.

a unidade de medida para fins de transação comercial entre o canavialista e o engenheiro. Sempre foi aceito na região que “o engenho tem direito à metade” de cada frasqueira de cana entregue pelo canavialista. Acredita-se que este direito tenha sua origem nos tempos coloniais, quando donos de engenhos de açúcar tinham obrigação de moer a cana dos produtores sem engenho, sendo compensados com a metade do produto finalmente obtido. Como nesta região o produto final era aguardente e não açúcar, era difícil acompanhar um carregamento de cana para verificar o seu rendimento real, devido ao fato de misturar-se canas de vários canavialistas a fim de encher os tanques de fermentação, e de

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esperar-se dias para completar este processo. Assim, para pagar a cana com base na metade dos seu produto final, seria conveniente arbitrar a quantidade média de aguardente produzida por uma determinada quantidade de cana. Por estas considerações, acredita-se, sempre foi aceito, também, que uma frasqueira de cana produza 24 litros de aguardente. Esta quantidade de aguardente também era denominada de “frasqueira”. Deste modo, para cada frasqueira de cana entregue ao engenho, o canavialista recebia meia frasqueira de aguardente, a metade do seu rendimento, usualmente paga em produto. Desta renda bruta era descontado o valor dos produtos aviados pelo engenheiro e, se fosse o caso, o terço a ser pago dire-

tamente ao dono da terra. Assim, era garantida aos canavialistas, e indiretamente aos seus diaristas e aos proprietários de terra, a participação na metade do produto final da agroindústria. INDUSTRIALIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Transportada ao engenho por conta do engenheiro, a cana era jogada dos batelões ao “picadeiro”, lugar onde era empilhada, desordenadamente, para moagem. As moendas, de três rolos, eram movidas a vapor e alimentadas manualmente. A “garapa doce”, assim extraída, era bombeada para tanques de madeira para ser fermentada. A fermentação era espontânea, ou seja, através de leveduras encontradas naturalmente no


ar, nas canas, ou pregadas nos tanques de fermentação, demorando até oito dias. Terminada a fermentação a “garapa azeda” resultante era bombeada para colunas de destilação contínua. A aguardente obtida era transferida para dornas de madeira, pronta para a venda . A comercialização da aguardente era feita a granel em garrafões de 24, 36 e 48 litros. Vendedores itinerantes, regatões, compravam esta aguardente para revendê-la, junto com outros produtos, no estuário do Amazonas. Estes regatões usavam barcos movidos a vela que aproveitavam o fluxo e refluxo da maré para auxiliar o seu deslocamento. Os regatões podiam ser aviados pelo engenheiro quanto à aguardente, para em troca, trazer produtos agrícolas como farinha e tabaco, produzidos na terra firme nos arredores da várzea, peixe salgado do baixo Tocantins, gado dos campos da ilha de Marajó, e eventualmente, manufaturados que vinham de Belém. O SISTEMA TRADICIONAL Este sistema agroindustrial era caracterizado pela especialização e dependência mútua entre os seus componentes: proprietários de terra, canavialistas, diaristas, engenheiros e regatões. Os canavialistas dependiam dos engenheiros para aviamento, dos proprietários para acesso à terra, e concor-

riam entre si para os serviços de diaristas, que tinham ainda as opções de trabalhar nos engenhos, de cuidar de pequenos roçados, ou de explorar produtos extrativos locais. Por outro lado, os engenheiros, não produzindo a cana por conta própria, dependiam dos canavialistas para matéria-prima e, vendendo no porto, dependiam também dos regatões para comercialização. O papel do engenheiro no sistema era fundamental, apesar de não dominá-lo por integração vertical ou horizontal, devido a sua posição de intermediário entre os dois ciclos de troca de produtos que moviam o sistema. No ciclo externo, o engenheiro trocava aguardente com os regatões por produtos agrícolas, peixe, gado e manufaturados. No ciclo interno, o engenheiro aviava os canavialistas e seus diaristas com estes produtos e, em troca, recebia cana-de-açúcar para produzir aguardente. Estes ciclos eram relativamente fechados, na medida em que os seus recursos, atividades e produtos tinham origem e fim limitados ao estuário do Amazonas. Os ciclos só não eram totalmente fechados por causa da entrada de manufaturados de fora em pequena escala. O sistema de produção tradicional, movido por estes dois ciclos de troca, funcionou em equilíbrio ecológico e econômico durante os trinta anos em consideração.

Este sistema agroindustrial, relativamente fechado, inseria-se numa sociedade igualmente isolada. Os meios de transporte eram limitados a lentos barcos a vela e navios a vapor da época da borracha que atendiam algumas vezes por mês à região canavieira. As comunicações restringiam-se ao correio e telégrafo nas sedes dos dois municípios. No interior, a despeito de tradições paternalistas, alguns engenheiros exploravam os seus canavialistas e operários de forma até hoje ressentida. Em alguns lugares, especialmente nas cidades, havia malária e era comum uma mulher perder a metade de seus filhos por doença, senão a própria vida no parto. Em retrospecto, é importante notar como a diferença na qualidade de vida entre a cidade e o interior não era marcante nesta época. Tanto a cidade como o interior eram carentes de assistência médica e igualmente sem luz elétrica. Claro, a cidade podia ganhar em movimento, mas lá tudo se pagava em dinheiro. Em compensação, no interior, os recursos naturais eram pouco explorados e, dizem os idosos, a caça e a pesca, o camarão e o fruto do açaí eram abundantes. EXPANSÃO E DECLÍNIO: 1950 – 1987 A expansão: 1950 - 1960 As primeiras mudanças no tradicional sistema agroindustrial

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foram provocadas, ainda que indiretamente, pela disseminação de motores a diesel em barcos da região. Estes motores tinham a vantagem de serem mais compactos e de consumirem um combustível bastante mais concentrado em relação a motores a vapor que queimavam lenha. Assim, barcos com motores a diesel tinham muito mais capacidade disponível para carga, o que reduzia o custo de transporte de produtos pesados e volumosos, como a aguardente. O numerosos regatões movidos a vela no estuário, quando transformados a diesel, passaram a negociar também no baixo e médio Amazonas, suplantando os navios a vapor (McGrath 1989). A expansão do raio de atividades dos regatões resultou, para a região aguardenteira de Igarapé-Miri e Abaetetuba, na ampliação de vendas do seu produto. Este aumento na demanda da aguardente foi reforçado ainda pelo crescimento natural da população ao longo do Amazonas neste período, e também pelo aumento da sua renda, oriundo da venda de peles de animais silvestres destinados ao comércio internacional. Os regatões, ao subirem o rio, ofereciam aos comerciantes do interior produtos agrícolas e manufaturados, inclusive aguardente, em troca de peles e outros produtos extrativos. Ao retornar ao estuário e ao ne-

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gociar aguardente com os engenheiros, os regatões ofereciam produtos novos para aviar roçados, como carne salgada de jacaré e capivara e, graças à venda de peles para exportadores, podiam oferecer, também, manufaturados ou pagamento em dinheiro. Para atender à crescente demanda dos engenhos, o setor agrícola, no início, podia aumentar a sua produção de cana-de-açúcar mantendo os roçados de cana em produção por um maior número de cortes. Porém, aos poucos novos investimentos foram necessários para aumentar a área em produção, que chegou quase a triplicar, como mostra a Tabela 1. Este capital foi obtido dos engenheiros, mediante o tradicional aviamento, usando os produtos no crescente negócio com os regatões. É bom notar, também, que não houve impedimentos fundiários à expansão da área de produção, devido ao uso convencional de terras ociosas na região em troca do pagamento de “terços” aos proprietários. No setor industrial a crescente demanda para aguardente também podia ser atendida, inicialmente, pelo uso mais intensivo dos investimentos já existentes, moendo e alambicando mais frequentemente. Acredita-se que, nesta época, os engenheiros descobriram a técnica de misturar com a garapa doce, a “sorrapa”, resíduo

da destilação, que, baixando o pH do líquido, favorece o desenvolvimento de leveduras de fermentação alcoólica. Esta prática reduziu o tempo de fermentação de oito para três a cinco dias, permitindo uma produção maior com o mesmo volume de tanques de fermentação. Porém, para atender uma demanda três vezes maior, foi necessário adquirir equipamentos de maior capacidade para os engenhos já existentes, e montar engenhos novos. De fato, foi justamente nesta época que o número de engenhos em funcionamento mais cresceu. Os pequenos engenhos adquiriam, aos poucos, equipamentos novos, passando a ser médios, e os equipamentos descartados de menor porte serviram para equipar novos engenhos. Acredita-se que o capital desta expansão veio quase exclusivamente do crescente volume de negócios na agroindústria. Em alguns casos, engenhos novos foram montados por ex-canavialistas que conseguiram certo grau de capitalização. A expansão da produção, tanto agrícola como industrial, para atender à crescente demanda, ocorreu não tanto por inovações na tecnologia, mas essencialmente pela multiplicação das unidades em produção. O tradicional sistema produtivo era surpreendentemente divisível, podendo crescer em pequenas etapas. Apesar des-


ta expansão, as relações entre engenheiros, canavialistas e proprietários de terra não se alteraram, exceto pela monetarização da frasqueira, ou seja, o canavialista e o proprietário já não recebiam mais em produtos, mas em dinheiro. O engenheiro continuava pagando a metade das frasqueiras de cana entregues, porém a preço corrente no mercado de uma frasqueira de aguardente. Assim, o tradicional sistema agroindustrial respondeu ao estímulo do aumento da demanda e teve capacidade de quase triplicar seu porte numa década sem alterar a sua natureza. Da mesma forma, a sociedade na região aguardenteira começou a ter maiores contatos externos. Os meios de transporte, agora movidos a diesel, tornaram-se mais comuns. Houve migração à região de pessoas em busca de novos empregos, criados tanto no setor agrícola como industrial. Importante foi o crescente controle da malária, que também contribuiu para aumentar a população nas várzeas destes municípios. Nessa época foi criada a SPVEA (antecessora da SUDAM) e construída a rodovia Belém-Brasília que revelavam o interesse extra-regional no desenvolvimento da Amazônia. Porém, estes acontecimentos, ainda assim, não tiveram maiores impactos na região. Acredita-se que, com a expansão autônoma da agricultura e indústria na

região aguardenteira, criou-se um período de otimismo, e até mesmo de fartura, entretanto dentro dos moldes e meios da sociedade tradicional. O AUGE: 1960 - 1975 O sistema agroindustrial tradicional continuou a se expandir, atendendo a crescente demanda na Amazônia, porém a taxas menores. No setor agrícola, a área plantada em cana aumentou neste período apenas 20%, conforme a estimativa da Tabela 1, enquanto a produção de aguardente quase dobrou. Este aumento deveu-se à difusão de variedades de cana que produziram mais por hectare do que a variedade tradicional, cana caiana (40 T./ha., vs. 25 T./ha.), e também como eram viçosas, praticamente não precisavam de capina ou replantio. As novas variedades foram introduzidas na região por alguns engenheiros que as obtiveram na estação de pesquisa agronômica em Belém. Embora a área total em cultivo de cana-de-açúcar aumentasse em mais de três vezes, não se tem notícias de que tenha caído a produtividade devido ao empobrecimento dos solos ou à necessidade de aproveitar terras de qualidade inferior. Inclusive, a produção de cana nesta época foi, às vezes, além das necessidades dos engenheiros, pois são relatados casos de canavialistas que

destruíram roçados de cana, plantados por conta própria, que tinham passado do ponto de maturação sem serem negociados, a fim de desocupar a área para tornar a plantar cana nova. No setor industrial, a tecnologia continuou a mesma. O aumento de produção de aguardente neste período, estimado em quase 90%, deveu-se menos à instalação de novos engenhos do que ao aumento da capacidade dos engenhos existentes. Nos engenhos maiores, iniciouse o engarrafamento da aguardente pronta para ser vendida no varejo, em vez de a granel. Outros engenheiros tentaram engarrafar a sua produção através de uma cooperativa, que afinal não prosperou por desunião entre os associados. Esta iniciativa comercial de engarrafamento foi, em parte, uma resposta à entrada no mercado regional de aguardente de outras regiões do país, principalmente de São Paulo. Estes produtos iniciaram a concorrência em termos de qualidade, face à prática dos regatões de diluir a aguardente comprada a granel antes da revenda. Em certos casos, porém, quando os engenheiros passaram a engarrafar seu próprio produto, a situação até piorou, pois alguns adulteraram a sua aguardente com álcool industrial, água e, dizem, até pimenta do reino. Na Amazônia, ao contrário do nordeste e do sul do país, tomar uma

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“boa” produzida num pequeno engenho do interior nunca conquistou a preferência dos fregueses. A situação comercial ficou mais crítica quando, com o melhoramento das estradas entre a Amazônia e o resto do país, aguardentes de outras regiões começaram a concorrer no mercado regional também pelo preço. Os problemas que o sistema agroindustrial enfrentou no seu auge não eram oriundos de um desequilíbrio interno no seu funcionamento e nem da sua rápida expansão, mas sim, do rompimento do isolamento do seu mercado. Produtores de outras regiões desafiavam os engenheiros com um produto que concorria tanto na qualidade como no preço. Seria necessário enfrentar esta concorrência para garantir a viabilidade econômica dos engenhos e, portanto, a própria sobrevivência do sistema de produção tradicional. Também neste período a sociedade na região sentiu, mais intensamente, os impactos de fora. Os meios de transporte mudaram bastante, de forma que, para chegar a Belém, em vez de poder viajar só três vezes por semana, passando uma noite inteira de barco, a viagem das sedes dos municípios passou a ser diária, via ônibus e barco, e durava cinco, depois quatro, e finalmente três horas com o melhoramen-

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to das estradas. Nas cidades, chegou a energia elétrica e a água encanada, e foi instalado o serviço de telefonia, permitindo a comunicação não somente com a capital, mas com o país inteiro. A universidade da capital deixou de formar apenas uma pequena elite de profissionais e passou a atender em massa, de modo que até filhos do interior podiam aspirar a frequentá-la e a ser “Doutor”, caso a família pudesse arcar com as despesas de sustentá -los. Chegou a televisão, um divertimento empolgante, constante e barato, com programas idealizados e realizados ‘’no sul”. Percebeu-se pela primeira vez uma diferença marcante de qualidade de vida entre a cidade e o interior, e o interior ficou para trás. Lá, a população continuou a crescer, não tanto mais pela migração, mas sim, como consequência da entrada de antibióticos e de uma melhoria nos níveis de saúde pública. A abundância de caça e pesca, de camarão e açaí começou a ser ameaçada. O DECLÍNIO: 1975 - 1987 O desafio da concorrência de fora coincidiu com o declínio do sistema de comercialização através dos regatões. Este declínio ocorreu em parte porque o comércio de peles foi diminuindo, devido a sua supere exploração e posterior proibição, e em parte porque caminhões, via estradas e balsas, permi-

tiram que comerciantes das cidades do interior se abastecessem diretamente em outros centros, sem a intermediação dos regatões (McGrath 1989). Na medida em que o número de regatões diminuía, os engenheiros foram forçados cada vez mais a sair de um mercado informal, ou pelo menos mal fiscalizado pelo governo, e entrar em um mais formal, no qual os produtores de outras regiões já estavam plenamente integrados. Mas este mercado mais formal exigia práticas de higiene no engarrafamento e selos de imposto nas garrafas. No decorrer do tempo ficou cada vez mais difícil burlar a lei, como os engenheiros estavam acostumados a fazer, sem criar problemas com os fiscais da saúde e do erário. Também nesta época a aguardente de qualquer origem passou a disputar com a cerveja, até no interior, a preferência como bebida mais popular. Tudo isso fez com que os custos dos engenheiros aumentassem, enquanto as suas vendas caíam. Com a crescente presença do governo federal na região, os engenhos também passaram a ser efetivamente sujeitos à legislação trabalhista, especialmente depois da implantação de uma Junta da Justiça de Trabalho em Abaetetuba no final de 1974. Inicialmente, a reação dos engenheiros foi de ignorar as exigências e despesas decorrentes desta legisla-


ção e de manter o tradicional regime paternalista e pessoal. Pelo menos em dois grandes engenhos, todas as carteiras de trabalho entregues aos patrões para serem assinadas simplesmente sumiram. Porém, sem receber os benefícios garantidos pela lei, os empregados empreenderam e ganharam causas na Junta contra os patrões, de forma que parte do capital acumulado pelos engenheiros passou a ser distribuído entre os funcionários. Como reflexo disso, alguns dos engenhos que continuam funcionando até hoje estão em mãos de ex-empregados. Em outros casos, engenhos inteiros foram tomados pela Justiça, para pagamento de dívidas trabalhistas, e permaneceram parados, em processo de deterioração, por não acharem compradores interessados em reativá-los. Neste período, a inflação chegou a atingir as relações internas do sistema tradicional, movido, como foi, a aviamento. Acostumados a acertar as contas de aviamento em valores históricos, a inflação descapitalizava os engenheiros. As consequências foram mais acentuadas quanto maior o montante de crédito e prazo de pagamento, especificamente no setor agrícola, com as despesas de abrir roçados e o prazo de retorno de até um ano e meio. Assim, foi cada vez mais reduzido o aviamente de roça-

dos novos, favorecendo a manutenção dos já existentes. Na medida em que as taxas de inflação cresceram e foi diminuindo o capital de giro dos engenheiros, até este apoio à manutenção dos roçados acabou, sendo possível obter aviamento só para o corte de cana. Ao longo do tempo, a produtividade dos roçados caiu e a tendência era de cada vez mais retrair o fornecimento de cana aos engenhos. Finalmente, a desintegração interna do sistema foi marcada pelo rompimento da relação entre canavialistas e engenheiros baseada na frasqueira, a qual servia de referencial para a distribuição de renda no sistema. Este rompimento decorreu da concorrência dos produtores de outros centros, o que fez o preço da aguardente na região cair em termos reais. Justificados por esta imposição, os engenheiros conseguiram desvincular, gradativamente, o preço da frasqueira de cana do preço da frasqueira de aguardente, e passaram a pagar pela cana preços bem mais baixos. Desta forma, terminava a garantia tradicional da participação de canavialistas, diaristas e proprietários de terra na metade da renda global da agroindústria. Na medida em que entrou em declínio, o sistema agroindustrial passou a viver do que restava de seu auge. Cada vez mais, a cana que entrava nos

engenhos era obtida de velhos roçados e passava a ser tratada como uma espécie silvestre explorada extrativamente. Os engenhos ainda em atividade canibalizavam os desativados, aproveitando as suas peças velhas para reposição, pois não tinham capacidade financeira real de se manter em funcionamento. O engarrafamento parou, por não atender às exigências legais de higiene, e os engenheiros voltaram a vender a sua aguardente a granel aos poucos regatões que ainda circulavam no estuário. Mas isto não significava um retorno aos velhos tempos, pois o sistema não estava mais fechado, em equilíbrio, mas numa espiral de declínio que continua até hoje. Evidentemente, a sociedade rural sentiu o impacto deste declínio. Com a perda de empregos na agricultura e na indústria, centenas de pessoas mudaram-se para a cidade para tentar a sorte. Outras passaram a trabalhar em improvisadas serrarias e olarias na região, em fase de expansão, justamente para atender a construção de casas para as populações crescentes nas cidades. No campo, o cacau e a borracha voltaram a ser aproveitados apesar de preços baixos. Famílias inteiras se dedicaram à confecção de rudes cestas vendidas aos regatões, a preços irrisórios. Neste contexto, os recursos tradicionais de alimentação foram explora-

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dos cada vez com mais intensidade: a caça foi praticamente extinta; a pesca passou a render pouco; o camarão em vez de complementar a dieta familiar foi capturado predatoriamente para revenda; e açaizais inteiros foram derrubados para vender o palmito a fábricas. A antiga abundância acabou. ANÁLISE DAS CAUSAS DO DECLÍNIO Da perspectiva local, o que aparentemente mais pesou no declínio do tradicional sistema agroindustrial foi o fato de os engenheiros não terem podido concorrer com os produtores de outras regiões quanto ao preço e qualidade do produto posto no mercado. A consequente redução de vendas e lucros dificultou a entrada dos engenheiros em um mercado mais formal e fiscalizado, facilitou os problemas com a Justiça do Trabalho e, finalmente, levou à desarticulação interna do sistema com o descarte da frasqueira como referencial. Com o objetivo de saber se o declínio deste sistema poderia ou não ter sido evitado, como também a degradação ecológica e o desequilíbrio social que o seguiram, procurou-se identificar os fatores que conduziram a este processo. CUSTOS E TECNOLOGIA Como a concorrência de fora aparentemente desencadeou

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o processo, buscou­se primeiro averiguar como produtores de São Paulo puderam concorrer em termos de preço num mercado tão distante como o da Amazônia. Num levantamento comparativo feito nas duas regiões, verificou-se que no setor agrícola, os custos para produzir e cortar uma tonelada de cana, dependendo muito de mão-de-obra tanto na Amazônia como lá, não são nitidamente diferentes e, por causa do uso de adubos químicos, talvez até sejam maiores em São Paulo. Porém, a cana entregue ao engenho na Amazônia tem, em média, um teor de açúcar menor em relação àquela colhida em São Paulo, 15° vs. 18°Brix (Valsechi 1960: 13). Assim, para se obter uma determinada quantidade de açúcar para fermentar, é necessário plantar, cortar, transportar e moer 20% mais cana na Amazônia. Este problema de qualidade da cana é agravado pelos processos usados nos engenhos da Amazônia que convertem em álcool apenas 50% do açúcar inicialmente presente na garapa, contra uma conversão de 80%, ou mais, em São Paulo (Valsechi 1960:77-79). Assim, para se obter uma determinada quantidade de álcool como produto final, é necessário, na região amazônica, fermentar 60% mais açúcar. Por causa destes dois fatores, para produzir uma determinada quantidade de álcool, deve­

se beneficiar 92 % mais cana na região amazônica do que em São Paulo. Evidentemente, as vantagens peculiares do sistema tradicional de adubação natural pelos sedimentos da maré e de transporte de cana via água, não são suficientes em si para compensar estas deficiências. A incapacidade de concorrer em preço deveu-se, portanto, aos custos de produção mais altos dos engenheiros, consequência dos teores menores de açúcar na cana produzida na região e dos processos usados nos engenhos que convertiam menos desse açúcar em álcool. Conclui-se, então, que a tecnologia de produção menos eficiente, tanto no setor agrícola como no setor industrial, foi fundamental no processo de declínio do sistema tradicional. Com este diagnóstico, procurou-se determinar as possibilidades de superar esses problemas técnicos. No setor agrícola, com auxílio de agrônomos do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido (CPATU) da EMBRAPA, que não mais efetua pesquisa com cana-de-açúcar, buscou-se em Pernambuco treze variedades novas de cana. Depois de mais de um ano num campo experimental em Abaetetuba, todas se mostraram adaptadas às condições da várzea, sem sintomas de praga ou doença, com bom desenvolvimento vegetativo e pelo menos quatro


variedades apresentaram teores de açúcar comparáveis aos padrões de São Paulo. No setor industrial, com auxílio de químicos industriais da Universidade Federal do Pará, os processos de moagem, fermentação e alambicagem foram acompanhados num engenho tradicional. Este estudo apontou a fermentação espontânea como responsável pela baixa eficiência industrial, o que poderia ser corrigido com o uso de leveduras de panificação para iniciar a fermentação, como em São Paulo (Menezes 1988: 17). Esta técnica ajudava também a garantir um produto final padronizado, com menores teores de produtos secundários de fermentação, e portanto, de melhor qualidade. Estas práticas de plantar novas variedades de cana e de usar leveduras de panificação, por se basearem em meios biológicos que se multiplicam naturalmente, seriam de baixo custo de implementação. Encontraram-se então, soluções técnica e financeiramente exequíveis, que poderiam encaminhar os engenhos da região a condições iguais de produtividade e eficiência de seus concorrentes de outras regiões do país. O fato destas soluções técnicas não terem sido implementadas a tempo não significa que não existissem ou que não fossem acessíveis. Destarte, não se pode concluir que, inviáveis técnica ou economica-

mente, os engenhos tenham sido condenados, inevitavelmente, à extinção frente a concorrentes de fora - embora seja isto o que esteja acontecendo. A viabilidade, em potencial, desses engenhos é ainda substanciada pelo fato de que a produção de aguardente, dentro do padrão técnico sugerido aqui, continua sendo um bom negócio. Afinal, “pequenos” engenhos observados em Piracicaba, São Paulo, muitos com equipamentos e escala de produção similares aos dos engenhos “médios” e “grandes” da região amazônica, estão atualmente produzindo normalmente com esta tecnologia, e até aumentando a sua produção, justamente no estado de origem dos produtos que tanto concorrem na região. Estes fatos levam-nos a perguntar: Se o declínio dos engenhos não foi inevitável e se os engenhos eram, e ainda são, potencialmente viáveis, por que, num período de tantas inovações vindas de fora, não foram estas também introduzidas no campo e na indústria? O PAPEL DO GOVERNO Da mesma forma que a presença de órgãos do governo como fiscais foi marcante na Amazônia tradicional, foi também marcante a ausência dos órgãos encarregados de apoio. O órgão máximo de desenvolvimento regional, a Superinten-

dência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), ao que se sabe, nunca em todo este período encaminhou assistência, direta ou indiretamente, aos produtores de cana ou proprietários de engenhos em Igarapé-Miri e Abaetetuba. Aparentemente, passou despercebida pela SUDAM que só nestes dois municípios foram perdidos quase 2000 empregos diretos no setor agrícola, ou seja, mais de 60% de todos os empregos criados pelos projetos agropecuários incentivados pela SUDAM em todo o Estado do Pará nos vinte anos até 1985. O órgão responsável pelo setor açucareiro no país, o Instituto de Açúcar e Álcool (IAA), quando presente na região, só fiscalizava a obediência as suas quotas que restringiam a produção de açúcar. Centralizando a pesquisa de cana-de -açúcar ultimamente, este órgão, controlado pelos grandes usineiros dos centros açucareiros do Nordeste e Centro-Sul, interessou-se pouco em apoiar produtores em outras regiões, nem mesmo com a expansão da produção na época do Proálcool. O órgão de extensão rural, EMATER, prestou a maior parte de sua assistência em áreas de terra firme, acessíveis por carros- via estradas e raramente em áreas de várzea, acessíveis por barcos via rios, deixando assim os produtores de cana

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nestas ricas terras fora de seu alcance. Evidentemente, estes órgãos, encarregados de fomentar e fornecer a assistência técnica imprescindível a evitar o declínio do sistema de produção tradicional, foram todos omissos neste caso. Por outro lado, órgãos de pesquisa não tão direta­mente envolvidos, como o CPATU e a Universidade, quando consultados a respeito de problemas levantados no interior, responderam em pouco tempo e a baixo custo com soluções técnicas, ou pelo menos apontando caminhos para soluções. Mesmo assim, diante dos problemas, porque os mais interessados não buscaram a tempo soluções? Afinal, estavam em jogo o patrimônio dos engenheiros, a prosperidade dos canavialistas e donos de terra, e os empregos que sustentavam diretamente quase quinze mil pessoas. A causa não foi mero conservadorismo ou falta de visão, pois foram justamente indivíduos desta sociedade tradicional que atenderam ao aumento da demanda inicial e expandiram a capacidade produtiva do sistema agroindustrial. Como grupo chave, foram os engenheiros responsáveis pela introdução de inovações em todos os setores: as novas variedades de cana no campo, o uso de sorrapa na fermentação, e o engarrafamento na comercialização. Por que este processo

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de inovação, liderado pelos engenheiros, parou? Como se explicar esta passividade, senão a displicência, dos engenheiros face ao desafio dos produtores de outras regiões? O PAPEL DOS ENGENHEIROS Quando começou a crise de concorrência de fora, com a necessidade de buscar e implementar inovações técnicas, uma parte dos engenheiros já havia se deslocado para as cidades da região e para a capital do Estado. De modo geral, quando se mudaram para a cidade, estes engenheiros não tiraram o seu capital dos engenhos, mas os deixaram sob a direção de terceiros, como gerentes ou arrendatários. Assim, se estes engenheiros moravam na cidade, portanto mais próximos das fontes de soluções técnicas, por que não implementaram estes melhoramentos a tempo nos seus engenhos? Acredita-se que os fatores que motivaram o deslocamento às cidades ajuda a explicar esta omissão. O primeiro foi a expansão da universidade que, frequentada por um grande número dos filhos desses engenheiros, separou-os de suas famílias e de seus negócios no interior, de forma que não mais quiseram continuar no ramo dos pais. O segundo, mais geral, foi a mudança da própria qualidade de vida nas cidades,

representada pela chegada da televisão que, tanto quanto qualquer outro elemento, contribuiu para que as pessoas da região percebessem a diferença entre a qualidade de vida na cidade e no interior. Diante disso, muitos engenheiros, financeiramente bem na época do auge, desinteressaram-se pelos negócios no interior, identificando-os como atrasados em relação à cidade e sem futuro para os filhos, e assim se deslocaram para as cidades. Uma vez na cidade, muitos tentaram outros negócios e, de fato, alguns tiveram êxito, mas este dinamismo, este espírito empresarial, não foi mais direcionado em benefício do sistema tradicional centrado nos engenhos. Por estes motivos, quando ocorreu a crise de concorrência, aparentemente nenhum engenheiro na cidade procurou as soluções técnicas, tão próximas, para o seu engenho. Para os engenheiros que permaneceram no interior e sentiram os problemas dos engenhos mais de perto, foi difícil buscar as soluções necessárias. Eles estavam longe das fontes de soluções técnicas e preocupados o ano todo com o seu dia-a-dia numa indústria cada vez mais em crise. A sua situação foi agravada ainda mais pelos objetivos imediatistas dos engenheiros na cidade, que só se interessavam na renda do engenho para se sustentar, e dos seus gerentes e ar-


rendatários, nenhum dos quais com interesse, a longo prazo, nos problemas do sistema tradicional. Além disso, qualquer iniciativa sua de responder à concorrência era desestimulada pelo clima, sentido nos engenhos, de abandono, tanto pelos outros engenheiros, que largavam um negócio problemático em troca de uma vida melhor na cidade, quanto pelo governo, que promovia ·benefícios que só lá apareciam. Enfim, quanto à busca das soluções técnicas para enfrentar a concorrência de fora, os engenheiros que foram à cidade tiveram as condições mas não mais o interesse, e os que ficaram nos engenhos tiveram o interesse mas não as condições. Diante deste dilema, o processo de inovação parou, selando o declínio do sistema tradicional. *** Em suma, por existirem soluções técnicas para os problemas econômicos dos engenhos, que lhes permitiriam enfrentar a concorrência de produtores de outras regiões, concluiu-se que o declínio do tradicional sistema agroindustrial não foi inevitável. Pelo contrário, este declínio foi uma contingência da vontade humana. Primeiramente, políticas e ações governamentais fomentaram a ruptura do isolamento da região, sem dar apoio ao sistema de produção assim

afetado. Em seguida, a omissão ou impossibilidade dos engenheiros de buscar soluções em resposta à concorrência selou o declínio do sistema. Neste contexto, a concorrência de fora provocou o declínio dos engenhos, o tradicional sistema agroindustrial desintegrouse, e as bases econômicas e ecológicas da sociedade rural entraram em desequilíbrio. IMPLICAÇÕES DO CASO EM ESTUDO O desfecho do caso em estudo encerra muitos eventos do processo de mudança no mundo de hoje: o fim dos meios de vida tradicionais, ecologicamente equilibrados; o declínio de sociedades e culturas sustentadas por estes meios; o surgimento do uso indevido de recursos naturais e sua consequente degradação; a distribuição de benefícios sociais que favorece mais a cidade do que o interior, mais a elite do que a massa; a migração para as cidades. Tudo isto ocorreu numa pequena região da Amazônia que mal chega a medir 20 por· 40 km. Para destrinchar estes eventos foi necessário, nesta reconstrução histórica, contestar a história e, neste estudo de uma economia local, ir além da simples consideração de fatores econômicos. Assim foi possível, experimentando no campo alguns elementos da

tecnologia de produção, certificar-se da existência de opções tecnológicas que não se manifestaram historicamente. Foi possível ainda determinar no seu contexto social, que as ações da elite local, apesar de cruciais para a economia que a sustentou, não foram motivadas necessariamente por considerações econômicas.”. Com esta metodologia, chegou-se à conclusão, ao contrário do desfecho histórico, de que o declínio do tradicional sistema de produção não era inevitável. Por tanto, consequências indesejáveis deste declínio, como a perda de uso produtivo de recursos naturais, seguido por sua degradação e a migração para as cidades, pode­riam ter sido evitadas, ou pelo menos atenuadas. A fim de aproveitar o caso e1n estudo para apontar caminhos o um desfecho diferente em casos similares, deve-se rever as ações dos responsáveis pelos resultados, isto é, o governo e os engenheiros. Como visto, o governo, ao incentivar o processo de desenvolvimento regional, afetou o sistema de produção com abertura de estradas, cobrança de impostos, exigências de higiene e aplicação da legislação trabalhista. O resultado foi equiparar os engenheiros com os seus concorrentes em tudo que onera, como o mercado, as obrigações públicas e sociais e ainda a inflação, mas em nada que

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rende, como a eficiência e a produção. O governo atingiu, também, a sociedade rural tradicional oferecendo-lhe a possibilidade de desfrutar de luz, água, telefone, televisão, educação de nível superior e saúde pública. Porém, estes atrativos, que beneficiam pessoas diretamente, manifestaram-se , com a exceção da saúde, só na cidade, nunca no Interior. Em resposta, como visto, uma parte dos engenheiros, por acolher esses benefícios de bem-estar pessoal, mudou-se para a cidade e deixou os seus negócios no interior à deriva, enquanto a outra parte, por permanecer no ramo no interior, não teve como procurar as soluções técnicas necessárias para evitar o declínio do sistema de produção. Desta forma criou-se o dilema central da Amazônia tradicional. Mesmo assim, diante do declínio que resultou deste impasse, e numa época de tantas atividades em outras frentes, por que o governo não ofereceu, também, apoio ao sistema tradicional? Acredita-se que a falta de apoio do governo a sistemas de produção na Amazônia tradicional tem sua base numa suposição, implicitamente aceita em planos econômicos regionais, de que o avanço dos processos de “integração”, “modernização” e ‘’urbanização’’ não só é bom, mas também inevitável. Esta suposição implica

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que, quando estes processos encontram e rompem o isolamento de tradicionais sociedades rurais, confrontando-as com um mundo maior, estas sociedades fatalmente entram em declínio, corno de fato vem ocorrendo na Amazônia tradicional. Partindo deste princípio, nada se poderia fazer quanto ao consequente desequilíbrio econômico, ecológico e social deste encontro, o que justificaria o descaso do governo. Porém, o fato do declínio em si, dessas sociedades não serve para confirmar esta suposição quanto a sua causa. Pelo contrário, como este estudo demonstra, o declínio de pelo menos um sistema de produção e da sua sociedade rural foi, mais do que isso, resultado da própria suposição. Considerando o caso em estudo, o custo da política desenvolvimentista fundamentada nesta suposição pode ser medido, não em termos de um produto não essencial em si, que deixou de ser fabricado na Amazônia, mas em termos de uma sociedade rural, desequilibrada ecológica, econômica e até culturalmente. Como alternativa, os resultados deste estudo apontam para uma outra suposição, mais válida, de que existe um meio termo entre estagnação e extinção para as sociedades rurais da Amazônia tradicional, e que este meio termo reside na adaptação das suas bases

econômicas ao mundo integrado, moderno e urbano. Além disso, como esta adaptação dificilmente pode ser realizada pela sociedade rural tradicional por si só, faz-se necessário, também, um apoio externo, até como contrapartida fornecida pelos agentes que iniciaram o processo de mudança. Em retrospecto, uma política fundamentada nestes dois princípios e voltada, enfim, ao desenvolvimento não da Amazônia mas dos amazônidas, teria invertido o desfecho do caso em estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. IBGE. 1970a. Censo Agropecuário. Pará. IBGE. 1970b. Censo Industrial. Produção Física. McGRATH, D. G. 1989. The Paraense Traders: Small-Scale, Long Dlstance Trade ln the Brazilian A,nazon. University of. ‘Wisconsin-Madlson, Tese de doutorado. MENEZES, L. B. C.; ANDERSON, S. D.; & BRAZ, V. N. 1988. Avaliação e Apoio Técnico-Econbmico das Microdlstilarias da Regido de Abaetetuba e lgarapéMiri. Universidade Federal do Para. De­partamento de Operações e Processos Químicos. 27 p. mimcografado. VALSECHI, O. 1960. Aguardente de Cana-de-Açúcar. Piracicaba, Livroceres. 116 p.


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ENGENHOS

Nossa Cachaça Marinaldo Pantoja Pinheiro

I

Igarapé-Miri e Abaetetuba eram tão famosos e invejados por outros municípios, tanto do nosso Estado, como de outros da União, eles faziam concorrências com o intuito de tirar o que mais tínhamos de precioso, o título de “Terra da Cachaça”.

Igarapé-Miri e Abaetetuba eram tão famosos e invejados por outros municípios, tanto do nosso Estado, como de outros da União, eles faziam concorrências com o intuito de tirar o que mais tínhamos de precioso, o título de “Terra da Cachaça”. Pois é isto aí, Igarapé-Miri dona de dezenas de indústrias de aguardente de cana de açúcar e da nossa tão famosa e saborosa cachaça, que povoou esta circunscrição e provocava cobiça às demais regiões que não tiveram a sorte de nos imitar, o que tínhamos era uma dádiva que só Igarapé-Miri e Abaetetuba gozavam os direitos de serem beneficiados no nosso Estado. Igarapé-Miri é só saudade dos bons tempos, quando

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se andava por seus rios quilômetricos a perder de vista, defrontávamos com imensos canaviais, que não só embelezavam o verde de suas paisagens como enriquecia cada vez mais nosso município famoso pela sua industrialização e produção. Aqui se importava e exportava e a região crescia. Até hoje estou por saber a razão da extinção das grandes indústrias de cachaça que dignificavam nosso município e mesmo o Estado do Pará. Que lembranças quando se navegava por nossos rios, encontrávamos batelões cheios de canas, outros de lenhas sendo conduzidos por bateleiros no ritmo das marés empurrados por varas e guiados por remos de faia, estando outros já portados no cais do porto ou picadeiros como eram conhecidos

Igarapé-Miri dona de dezenas de indústrias de aguardente de cana de açúcar e da nossa tão famosa e saborosa cachaça, que povoou esta circunscrição e provocava cobiça às demais regiões que não tiveram a sorte de nos imitar, o que tínhamos era uma dádiva que só Igarapé-Miri e Abaetetuba gozavam os direitos de serem beneficiados no nosso Estado.

os lugares de desembarque das canas e cargas. O movimento constante já era notório, quando se ouvia o bonito zunir das máquinas em funcionamento, o vapor das caldeiras disparando seu gás dando uma impressão de estar próxima a explodir, vinha aquele suspense, enquanto que na verdade significava o


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sinal de pronto para a destilação do suor da cana em pequenas quantidades que jorravam do interior do alambique, era a salutar aguardente adocicada que aparada numa cuia preta patenteava seu rosário e se fôssemos atraz do gosto saíamos alegres ou carregados daquele local pelo potencial do seu efeito e graduação.

O movimento constante já era notório, quando se ouvia o bonito zunir das máquinas em funcionamento, o vapor das caldeiras disparando seu gás dando uma impressão de estar próxima a explodir, vinha aquele suspense, enquanto que na verdade significava o sinal de pronto para a destilação do suor da cana em pequenas quantidades que jorravam do interior do alambique

Recordo-me das grandes moendas ligadas a eixos possantes e correias niveladas que faziam os movimentos dos maquinários e dos sarilhos que se jogavam as canas em feixes provocando um furor dos dois cilindros como se estivessem brigando para dilacerar os frutos e sugarem seu caldo, era uma cena emocionante que eu perdia horas observando aquela maravilha inesquecível. O encanto dos apitos das indústrias, aquilo era maravilhoso, na minha inocência de garoto e na minha imaginação eu calculava tratar-se de uma disputa de indústria para indústria, na Vila Maiauatá tinha a indústria Nazaré e as proximidades as indústrias Livramento, Fortaleza, Indiano, São Benedito, São João, Camarão e Ariramba, às seis, onze, treze e dezessete horas de cada dia chegavam o zunir dos apitos em nossos ouvidos, cada um com um som diferente, um querendo ser melhor do que o outro aproveitando o vapor da caldeira para prolongar mais e chamar atenção de quem trabalhava por horário, na verdade era fantástico, e muito bom recordar. Eram quatro apitos prolongados que tinham o significado de horários, às sete era a chamada do trabalho, às onze parada para o almoço, às treze volta para o servico e às dezessete fim da labuta diária, tam-

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ENGENHOS

bém existiam dois intervalos de uma buzinada repentina que significava a distribuição da merenda, constantemente café com beijuxica ou farinha de tapioca, como também mingau de arroz, farinha ou cruera com vinho de açaí, bacaba ou miriti. Outro apito instantâneo seguido do silvo prolongado depois das dezessete horas significava que naquela indústria haveria serão, melhor dizendo, horas extras que terminava às vinte e uma horas. O bonito nestas indústrias

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notava-se de longe as quantidades de chalés, pelo lado direito eram dependências dos trabalhadores, seguindo de uma capela, casa do industrial, uma cantina, a indústria e usina de luz elétrica, dando segmento pelo lado esquerdo com os chalés todos pintadinhos e numa organização de deixar inveja para um gestor administrando seu município. O que aconteceu com estas indústrias que faziam o nome de Igarapé-Miri? O que aconteceu com os industriais que

emprestavam seus nomes para trabalhar com orgulho e incansavelmente por seu município que gerava dezenas ou centenas de empregos, amparando famílias, dando condições de vida a cada uma e lutando pelo progresso de sua circunscrição? Povoavam nossos rios com casas, cantinas e comércios de causar inveja a outros municípios onde se andava horas de barco motorizado para encontrar uma casa ou uma venda, enquanto que nossa região era


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA O bonito nestas indústrias notava-se de longe as quantidades de chalés, pelo lado direito eram dependências dos trabalhadores, seguindo de uma capela, casa do industrial, uma cantina, a indústria e usina de luz elétrica, dando segmento pelo lado esquerdo com os chalés todos pintadinhos e numa organização de deixar inveja para um gestor administrando seu município. O que aconteceu com estas indústrias que faziam o nome de Igarapé-Miri? O que aconteceu com os industriais que emprestavam seus nomes para trabalhar com orgulho e incansavelmente por seu município que gerava dezenas ou centenas de empregos, amparando famílias, dando condições de vida a cada uma e lutando pelo progresso de sua circunscrição?

uma espécie de cidade ribeirinha cercada de canas por todos os lados. O que aconteceu com as fabulosas obras-primas, aquelas engenharias tão maravilhosas cobiçadas por diversos municípios de nosso estado que babavam de inveja pelo que representava a produção e rendimento econômico de Igarapé-Miri? O que aconteceu para o bate fora tanto de trabalhadores quanto de industriais que abandonaram tudo como se fosse um lixo contaminado, emigraram com seus

familiares para a sede do município, para capital do estado e outros municípios correndo da miséria, da fome que já se alastrava no campo que significava a maior fonte de renda da região, tomou doril? Venho insistindo em perguntar o que aconteceu com tudo isto, certamente que eu gostaria de saber, assim como a maioria dos filhos que amam este lugar, esta gente que administrou e que administra nossa cidade deverá ter uma explicação satisfatória para

nos esclarecer, uma vez que num passe de mágica sumiram as indústrias e depósitos de aguardente que deram o título de terra da cachaça para Igarapé-Miri, hoje só nos resta saudades, muitas saudades, massacraram nosso lugar. Lembro-me da Vila Maiauatá que representava o maior comércio da região, nos dias de domingo, a chegada de centenas de embarcações, a maioria destas carregadas de frasqueiras de cachaça que eram negociadas pelos indus-

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triais na troca de mercadorias e mantimentos, significava a manutenção semanal das famílias dos referidos e seus trabalhadores. Ali conheci o senhor André da Fonseca Pinheiro, homem honesto, trabalhador e bom conselheiro, amigo de meu pai e meu amigo, exortava-me a ter cuidado com as falsas amizades, na verdade foi um padrinho que eu ganhei e que hoje sinto sua falta, obrigado por tudo amigo, o senhor foi um exemplo de cidadão que dignificou nosso município, o Divino Pai o tenha recebido no

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seu eterno lar junto com os Anjos e Santos. Assim como o senhor André, dezenas de outros industriais portavam na Vila Maiauatá, ali era o porto de entrada do município, significava uma parada obrigatória para embarcações que faziam linhas com passageiros para as cidades do rio Tocantins, regiões das Ilhas, baixo e alto rio Amazonas, para onde parte desta aguardente era negociada, outra quantidade seguia para Belém Capital deste Estado, tomando destinos diferentes. Também deze-

nas de industriais do município de Abaetetuba eram negociadas nesta vila, mesmo aquela cidade tendo sua fonte de renda famosa por sua arrecadação, a Vila era um chamariz do comércio da região. O senhor Meneleu Correa Leão industrial no rio Joarimbu com grande visão de negócios, reconheceu que a localidade ideal para sua fábrica de aguardente seria nesta vila, com a experiência adquirida por anos de serviços no ramo, transferiu sua empresa para aquela localidade sendo constatado


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Anilo Martins Cardoso outro industrial no rio Japurete já com uma fábrica de refrigerantes instalada na vila, sentindo o progresso de seu trabalho montou um depósito de aguardente de cana gerando vários empregos para uma parte da população que se manifestavam com apoio para este industrial, inclusive o indicando como político chegando a se candidatar ao cargo de prefeito do município.

seu sucesso como industrial e como político, foi um dos nossos vereadores. Anilo Martins Cardoso outro industrial no rio Japurete já com uma fábrica de refrigerantes instalada na vila, sentindo o progresso de seu trabalho montou um depósito de aguardente de cana gerando vários empregos para uma parte da população que se manifestavam com apoio para este industrial, inclusive o indicando como político chegando a se candidatar ao cargo de prefeito do município. Alcides Pinheiro Sampaio,

prefeito do município duas vezes, outro que aderiu Vila Maiauatá, visando a maravilha de negócios que ela representava, tendo a frente o químico José Fonseca, instalou sua fábrica de refrigerantes mais um depósito de aguardente, quem ganhou com isto foi aquela localidade que progredia de vento-em-popa. Na realidade o município por um todo era progresso, onde se andava ouviam-se barulhos de máquinas, cheiro de garapa fermentada e uma louca vontade de parar para degustar, encontravam-se movimentos de trabalhos constantes que fazia o orgulho e a vaidade de quem nasceu neste lugar, pensando bem, será que dá para acreditar? Será que voltará? Você duvida, se este é seu caso preste atenção! Para conhecimento dos que não viram e não sabem a razão social das indústrias e depósitos de cachaça do Município de Iga-

rapé-Miri, aqui faço minha explanação in-loco, confiram a quantidade de indústrias, suas localidades e proprietários, ficando assim fácil definirem o que significava o movimento comercial da nossa comarca, vendo tudo isto, talvez você também fique revoltado e solte seu grito por Igarapé-Miri. Acácio Corrêa Leão, Indústria Recreio, Rio Santo Antonio; Manoel de Lima Martins, Indústria Santa Luzia, Rio Igarapé-Miri; Aladim de Lapa Sampaio, Indústria Veneza, Rio Meruú; Alacy Pinheiro Sampaio, Indústria Santa Maria, Rio Maiauatá; Alcides Pinheiro Sampaio, Indústria Santana e Gloria, Rio e Vila Maiauatá; Alvaro Araujo, Indústria Santa Helena, Rio Meruú; Agenor Martins de Lima, Indústria Santa S. Jorge Rio Meruú; André Fonseca Pinheiro, Indústrias Barro Alto e Cacoal, Rio Igarapé-Miri; Anilo Martins Cardoso, Indústrias Jari e Alegria Rio Japurete e V. Maiauatá; Antenor Pinheiro Sampaio, Indústrias Santo Antonio e Menino Deus, Rio Maiauatá; Antonio Pinheiro Pantoja, Depósito Confianca, Rio Meruú; Antonio Pantoja Quaresma Depósito Quaresma, Rio Meruú; Arcelino Pantoja Corrêa, Indústria Corrêa, Rio Murutipucu; Caetano Corrêa Leão, Indústria Pará, Rio Santo Antonio; Diquinho Fonseca, Depósito Lustre, Rio Cotijuba; Duquinha Corrêa

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Lobato, Indústrias Fortaleza e Lobatinha, Rio Maiauatá e Panacauera-Miri; Dario Pantoja, Depósito DG. Pantoja, Cidade de Igarapé-Miri; Divino e Pacheco, Indústria Divina Graca, Rio Camarao Quara, Jango Miranda, Indústria Santo Antonio do Botelho, Rio Maiauatá; Didi Machado, Indústria Machado, Rio Murutipucu; Eladio Corrêa Lobato, Indústria Livramento, Rio Meruú; Geraldo da Silva Sinimbu, Depósito Sinimbu, Cidade de Igarapé-Miri; Humberto Mota Pantoja Depósito Palestina, Rio Meruú; Isidoro Quaresma, Indústria Quaresma, Rio Mamangal; Jambas Fortes, Indústria São Sebastiao, Rio Joarimbu; Jerônimo Rodrigues, Indústria Rodrigues, Rio Murutipucu; Joaquim e Pedro

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Vieira Bastos, Indústria Ariramba, Rio Itanimbuca; João Quintino, Indústria Quintino, Rio Maiauatá; João Vasconcelos, Indústria Santa Cruz, Rio Panacauera; João Pereira de Moraes “Cameta”, Indústria Vale, Rio Maiauatá; João, Oseias e Micas Corrêa, Indústria Correinha, Rio Murutipucu; João Nicolau Forte, Indústria Novo Horizonte, Rio Meruú; José Araujo, Indústria São Paulo, Rio Meruú; Julião Simplicio de Oliveira, Indústria Brasil, Rio Santo Antonio; Julio Corrêa Lobato, Indústria Independencia, Rio Maiauatá; Luiz Quintino, Indústria Santa Rita, Ilha de Uruá, Meneleu Corrêa Leão, Indústria Nazaré, Vila Maiauatá; Manoel Pacheco & filhos, Indústria São Domingos,

Rio São Domingos, Placido Nonato, Indústria Indiano, Rio Meruú; Poca & Filhos, Indústria mambo, Rio Panacauera, Praxedes Sousa, Indústria Sousa & Irmao, Rio Meruú, Ranolpho Leal, Indústria São João, Rio Mamangal; Ricardo Cardoso Fernandes, Indústria São Benedito, Rio Caia; Rufino Corrêa Leão, Indústria Ponto Alegre, Rio Anapu; Silvestre Corrêa de Miranda, Indústria Miranda & Filhos, Rio Meruú; Tarcidio Pantoja & Filhos, Depósito Pantoja, Cidade de Igarapé-Miri; Tito Martins, Indústria São José, Furo do Seco; Teofilo Pantoja, Depósito Fé em Deus, Riozinho; Teotônio Bitencourt, Depósito Bitencourt, Rio Maiauatá; Valdemar e Ademar Sampaio, Indústria Trapiche Hipólito,


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Contou-me Tapuio Costa que a Indústria Brasil de propriedade do senhor Julião Simplicio de Oliveira, tratava-se de uma povoação representada como uma das maiores do município e trabalhava com 02 maquinários duplicando a produção da aguardente, ali tambem era movimentada 01 fábrica de refrigerantes, 01 fábrica de cerâmicas, 01 serraria, um alto comércio de fazer inveja a muitos da capital, 01 oficina mecânica e grande quantidade de embarcações tanto motorizadas como manuais, mais de 500 pessoas trabalhavam para este senhor

Rio Maiauatá; Coronel Martiniano Cardoso, Indústria Santo Antonio, Rio Joarimbu-Miri. Infelizmente não fizemos uma pesquisa para se ter a totalidade dos depósitos e seus proprietários, nosso levantamento teórico foi baseado por conhecimentos pessoais quando dentro de uma pequena embarcação saíamos comercializando pelo município vendendo sal, sabão e mantimentos, negócio de meu amigo José Maria Afonso, onde muitas das vezes eu recebia a aguardente como pagamento do produto e revendia na Vila Maiauatá. Verifique com atenção que no meu raciocínio nem todos os Indútriais constam na lista pelo nome próprio como me refiro em minha explanação, na realidade eu não tenho o nome deles completos e por outro lado é bem melhor como deixei relacionado por que é nesta forma que eles eram ou são conhecidos neste lugar. Contou-me Tapuio Costa que a Indústria Brasil de propriedade do senhor Julião Simplicio de Oliveira, tratava-se de uma povoação representada como uma das maiores do município e trabalhava com 02 maquinários duplicando a produção da aguardente, ali tambem era movimentada 01 fábrica de refrigerantes, 01 fábrica de cerâmicas, 01 serraria, um alto comércio de fazer inveja a muitos

da capital, 01 oficina mecânica e grande quantidade de embarcações tanto motorizadas como manuais, mais de 500 pessoas trabalhavam para este senhor, todos remunerados e merecedores de respeitos, se adoecia um servidor imediatamente eram tomadas providências. Isso, eu confirmo porque dificilmente era o dia que não chegava uma condução da Indútria Brasil levando um servidor ou membro de sua família para ser medicado por meu pai, as despesas de responsabilidades do proprietário. Não era só esta Indústria com esta qualidade de movimentos, competindo com ela fazendo divisa de terrenos. Tínhamos a Indútria Recreio do Senhor Acácio Leão e do outro lado do rio cerca de 50 metros de largura estava a Indústria Pará do Senhor Caetano Leão, entre um movimento e outro aquele rio era uma pequena cidade, tratando-se em recursos alimentícios a sede do município ficava devendo para estas três indústrias, agora calcule as dezenas espalhadas na região. A Indútria Novo Horizonte do Senhor Major João Nicolau Fortes a maior do município, recebia até navios no seu porto tal era a importância do movimento, um terço das terras do município provavelmente lhe pertencia, comprava dos proprietários, adquiria legalmente

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ENGENHOS

da União, confiava para agricultores que por sua vez plantavam a cana de açúcar que daria a produção de aguardente, estas terras posteriormente eram negociadas ou doadas para estes agricultores dependendo do período que trabalhavam para o Industrial e as vantagens oferecidas. Davilândia e Trapiche Hipólito eram duas belezas juntas, uma embarcação quando se aproximava tinha-se impressão que estava portando numa cidade, Davilândia movimentava cachaça que era o ramo do negócio, depois o destilamento de azeite de andiroba e ucuuba para fábricação de sabão em barras. Trapiche Hipólito tambem fábricava cachaça e o

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famoso Batatão Hipólito, um depurativo eficiente que depois sua patente foi vendida para um laboratório que usa esta fórmula medicinal extraordinária, até nos dias de hoje podendo ser encontrada nas farmácias. Indútria Valle no desembocar do rio Tocantins mais precisamente na foz do rio Maiauatá, realmente era super famosa na região Tocantina, dominou Cametá, Mocajuba, Baião, Itucuruí e Marabá, nestes municípios se não fosse cachaça Valle outra não servia mesmo sendo desta região, João Cametá estava famoso nesses lugares como o melhor fábricante de cachaça do Pará, na realidade toda fábricação era de primeiro nível, tratava-se de questão de gosto e

preferências de regiões, no Tocantins só deu João Cametá. O depósito Cocal no município de São Sebastião de Boa Vista comprava toda produção disponível dos Municípios de Igarapé-Miri e Abaetetuba, engarrafava na sua razão social, depois importava para o Estado do Amazonas e exportava para Portugal. Algumas das indústrias e depósitos que não foram relacionamos na verdade não sabemos precisar, apenas afirmo que falta bastante, o município vivia exclusivamente deste negócio lucrativo e pensar que tudo desapareceu estupidamente, fico imaginando, será que realmente existiu tudo isto aí e sumiu por falta de compe-


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A Indútria Novo Horizonte do Senhor Major João Nicolau Fortes a maior do município, recebia até navios no seu porto tal era a importância do movimento, um terço das terras do município provavelmente lhe pertencia, comprava dos proprietários, adquiria legalmente da União, confiava para agricultores que por sua vez plantavam a cana de açúcar que daria a produção de aguardente, estas terras posteriormente eram negociadas ou doadas para estes agricultores dependendo do período que trabalhavam para o Industrial e as vantagens oferecidas.

tência ou por ação trabalhista, e um sonho que não consigo acordar. Mordo meu dedo, meu braço e me belisco, sinto dores e volto a realidade, estou acordado, então é verdade acabaram com o Título de Terra da Cachaça de Igarape-Miri e transformaram suas indústrias em sucatas que foram levadas pelo ferro velho para aproveitamento como ferragens de construções depois de derretidas na Copala. Para quem não sabe estes maquinários vinham exportados da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Portugal, esperava-se um ano no pedido para chegar a seu destino via fluvial por navios a vapor que a metade de sua carga eram lenhas que alimentavam as caldeiras. Fortunas aplicadas que fazia a alegria de todos, não era apenas um maquinario chegando, significava gerações de empregos, assentamentos de familias e renda para o município. Ninguem fez nada, ninguem se mexeu, não defenderam suas reliquias, os representantes do município estavam e ainda estao dormindo, por esta razão faço minha pergunta, o que aconteceu com a vida própria de Igarapé-Miri, o chamariz das embarcações e dos homens de grandes negócios, onde mesmo pequeno ainda tenho na lembrança o discurso do General Joaquim de Maga-

lhães Cardoso Barata, Governador do Estado, estando de visita na Vila Maiauatá. “Povo de Igarapé-Miri, hoje de braços abertos com este município, parabenizo vossos incentivos como fabricantes da nossa cachaça que é a melhor do Estado, ela sera homenageada como brinde no almoço dedicado para nossa comitiva”, o Pará se orgulha de Igarape-Miri. Todos aplaudiram. “Lembro-me também da comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, quando o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso no Estado da Baía de São Salvador recebeu seus convidados servindo-os com a tão falada cachaça no toque da caipirinha”. Todos aplaudiram. O que o Governador Magalhães Barata elogiou na vila deste município, o Presidente Fernando Henrique mostrou para o mundo, Igarape-Miri jogou fora sua fonte de renda, não sei se é falta de compostura ou burrice, apenas afirmo que devemos agir e se houver boa vontade de quem dirige o município ampliar projetos fazendo sérios orçamentos plantando cana de açúcar que terra para isto nos temos, vamos competir com o açaí, ai teremos dois titulos entre outros para orgulho de seus filhos, IGARAPÉ-MIRI TERRA DA CACHAÇA e CAPITAL MUNDIAL DO AÇAÍ.

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ENGENHO LIVRAMENTO O engenho Livramento de propriedade do Capitão Arcelino de Miranda Lobato e seu filho Eládio Corrêa Lobato, situava-se no rio Itanimbuca, na década de 1940. Constituído de pequeno maquinário que, com um trabalho concentrado, alcançava uma produção de excelente qualidade, da qual engarrafava 70%, que vendia para os regatões que comercializavam nas áreas ribeirinhas do rio Guamá/Pa e estado do Amazonas, e o restante para as grandes engarrafadoras. O Capitão Arcelino detinha conta corrente no Banco de Crédito da Borracha S/A, na agência localizada na cidade de Abaetetuba, o que facilitava as transações comerciais, inclusive lhe permitia a venda com faturamento através de cobrança bancaria em 45 dias, sistema pouco utilizado na época. No início da década de 1960, o senhor Raimundo Mito Ribeiro foi admitido como sócio e no final da mesma década, os sócios se envolveram em outras atividades nas cidades de Igarapé-Miri e Abaetetuba, o que os levou a vender o engenho para o senhor Borges Gonçalves, que trabalhou na atividade até 1975.

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VOCE SABIA!

O encanto dos apitos das indústrias, aquilo era maravilhoso, na minha inocência de garoto e na minha imaginação eu calculava tratar-se de uma disputa de indústria para indústria, na Vila Maiauatá tinha a indústria Nazaré e as proximidades as indústrias Livramento, Fortaleza, Indiano, São Benedito, São João, Camarão e Ariramba, às seis, onze, treze e dezessete horas de cada dia chegavam o zunir dos apitos em nossos ouvidos, cada um com um som diferente, um querendo ser melhor do que o outro aproveitando o vapor da caldeira para prolongar mais e chamar atenção de quem trabalhava por horário, na verdade era fantástico

Que sumiram com nossas indústrias, emigrou os industriais e trabalhadores parecendo que tudo acabou, na verdade restou uma plebe, uma herança que a maioria dos filhos de Igarape-Miri desconhece, estou falando de Raimundo dos Santos Cardoso, o nosso popular “Bromário”. Este cidadão trabalhou quase ou em todas as indústrias de aguardente de Igarape-Miri, também várias de Abaetetuba, era maquinista e pelo seu conhecimento passou a ser mecânico de caldeiras, aonde acontecia um defeito ele era chamado e acabou abraçando a profissão, hoje continua no trabalho de caldeiras nas indústrias de conservas de palmitos que substituiram nossa aguardente. Batendo um papo com “Seu Bromario”, disse-me ele sentir saudade dos tempos da cachaça onde me confidenciou que depois que acabou tudo muitos industriais foram a falência, a maioria dos trabalhadores passava

fome, denunciavam os patrões na Justiça do Trabalho, levaram tempo para receber uma indenização que não podiam mais usufruir, recebiam para assumir compromissos e ainda ficavam devendo aos credores, muitos se desviavam, os filhos se marginalizavam e aí virou um verdadeiro caos. Quero esclarecer que não estou fazendo apologia ao fato, faço comentários porque sou filho de Igarapé-Miri, amo meu Torrão Natal e tenho por obrigação de cobrar, de saber a razão por que não tomaram providências para defender o que tínhamos como fonte de renda ou estrada do progresso, meu dever é repassar para meus patrícios, sendo de direito que tomem conhecimentos dos fatos, quem sabe um representando o governo queira nos ajudar, e nisto que estou torcendo. O autor. Marinaldo Pantoja Pinheiro

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ENGENHOS Graça Lobato

ENGENHO LIDERANÇA DE ENGENHO DE AGUARDENTE A CADEIA DE SUPERMERCADOS

A

história de Igarapé-Miri é, em grande medida, a memória dos engenhos do Baixo Tocantins. É também a história das famílias, empresas e empreendimentos decorrentes das atividades do comércio pelos rios da região, entre meados do século vinte e o começo deste século. Daí jorra talvez a fonte mais preciosa de informação histórica e antropológica sobre a economia e a formação da sociedade tocantina. Eládio Lobato, que foi por duas vezes prefeito do município, Arcelino Corrêa, Alcides Sampaio, Júlio Corrêa Lobato e Jerônimo Marques Rodrigues, são alguns dos construtores dessa história. Não é uma história de riqueza ou lances espetaculosos de bravura, mas uma belíssima história de trabalho. Homens que felizmente não tiveram de dar sangue por sua terra, mas por ela deram muito suor e até lágrimas. Tomemos como exemplo a vida e os duros trabalhos de Jerônimo Marques Rodrigues (1917/2009).

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a saga de jerônimo rodrigues No ano de 1946, o senhor Jerônimo Marques Rodrigues adquiriu do senhor Júlio Corrêa Lobato uma canoa à vela que denominou de São Benedito, por ser profundo devoto do santo.” Em suas primeiras viagens o senhor Jerônimo Rodrigues contou com o apoio do senhor Júlio Lobato para prover a referida embarcação de cachaça, telhas, potes e moringas de argila. Abastecido, foi comercializar os produtos no sistema de regatão, inicialmente no rio Capim, seguindo até o rio Santana, ambos no estado do Pará, recebendo o pagamento decorrente da negociação em farinha d’àgua do Guamá. Em seu retorno, próximo a cidade de Belém, resolveu atravessar para a ilha do Marajó, trocando

Nesta época, os moradores das áreas ribeirinhas da região que o senhor Jerônimo comercializava, passavam por grande dificuldade financeira. Ouvindo comentários de que na região do Salgado a cachaça era vendida a dinheiro, em 1957 resolveu aventurar-se para aquela região, visando negociar seus produtos, nas localidades de Curuçá, Marudá e Maracanã.


EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

Jerônimo Rodrigues Jerônimo Rodrigues e seus filhos, a partir de Igarapé Miri, com uma pequena frota de quatro embarcações, abastecia os ribeirinhos na rota do Marajó, na região do Salgado e, depois, no Baixo Amazonas. Em suas primeiras viagens o senhor Jerônimo Rodrigues contou com o apoio do senhor Júlio Lobato para prover a referida embarcação de cachaça, telhas, potes e moringas de argila. Abastecido, foi comercializar os produtos no sistema de regatão. a mercadoria obtida por peixe seco como: tamuatá, traíra, etc, que foram vendidos em sua volta no município de IgarapéMiri. Com o resultado auferido na viagem, pagou parte dos produtos que havia levado e efetuou novo carregamento. Nesta época, os moradores das áreas ribeirinhas da região que o senhor Jerônimo comercializava, passavam por grande dificuldade financeira. Ouvindo

comentários de que na região do Salgado a cachaça era vendida a dinheiro, em 1957 resolveu aventurar-se para aquela região, visando negociar seus produtos, nas localidades de Curuçá, Marudá e Maracanã. Naquela época não existia rodovia interligando a região do Salgado com a do Tocantins e os comerciantes relutavam em se arriscar pelo mar para comercializar, por outro lado, a

região tocantina encontrava-se carente de géneros alimentícios. Dessa maneira, as mercadorias oriundas do Tocantins, como a cachaça e a cerâmica eram altamente valorizadas no Salgado e os produtos alimentícios ali adquiridos supriam a necessidade dos moradores das margens dos afluentes do rio Tocantins, sendo vendidos rapidamente, resultando em bons lucros.

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ENGENHOS

Reprodução do engenho Liderança em Igarapé-Miri-Pará, realizada pelo pintor Rubens Portilho.

Jerônimo Rodrigues teve cinco filhos do sexo masculino: Osmar, Oscar, João, José e Celso Corrêa Rodrigues e quatro do sexo feminino: Maria Neuza, Maria de Nazaré, Maria Celma e Marinete. Quando o Osmar e o Oscar atingiram a adolescência, seu genitor procurou pelo amigo Júlio Lobato, demonstrando desejo de iniciá-los nas atividades de regatão, desta forma, comprou outro barco à vela, denominado São Benedito II, abasteceu e entregou aos filhos para iniciarem as viagens a partir da Baia do Sol, seguindo para Vigia, São Caetano de Odivelas e demais área do Salgado. Com o crescimento das vendas e o fato das viagens em ca-

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noa à vela serem muito difíceis, o senhor Jerônimo e os filhos Osmar e Oscar novamente procuraram pelo senhor Júlio, expressaram a vontade de adquirir um motor para adaptar na canoa São Benedito e solicitaram sua ajuda. Imediatamente, o amigo encomendou um motor “MWM”, que chegou pouco tempo depois. Ocasião em que Julio propôs a venda de seu navio “Pinheiro”, recentemente adquirido, para instalar o referido motor; que foi aceito prontamente. Após a montagem do motor, a embarcação passou a se chamar de “São Jerônimo”, em homenagem ao patriarca dos Rodrigues, bastante conceituado junto aos fornecedores da capital.

Com o barco motorizado Osmar e Oscar aventuraram-se para negociar em localidades mais distantes, seguindo o curso do rio Amazonas, passaram por Juruti chegando até Faro, limite do estado do Pará com o Amazonas. Levaram além de aguardente, utensílios de barro e frutos oleaginosos proveniente do extrativismo vegetal do município, negociaram todo o carregamento trazendo pirarucu, peixe seco, carne de jacaré, além de pele de onça, jacaré e outros animais silvestres, que existiam em abundância. Ao chegar venderam aos exportadores, considerando que naquela época sua comercialização não era proibida. Com o aumento das vendas


PZZ_IGARAPÉ MIRI

DOCUMENTÁRIO

EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

VILA NO MUNICípIO IGARApé NA REGBAIxO TOCANTINS, VilaCORRÊA Corrêa em Igarapé-Miri às DE margens do RioMIRI, Murutipucu de onde advém a famíliaAS Rodrigues MARGENS DO RIO MURUTIpUCU DE ONDE ADVéM A FAMíLIA RODRIGUES

de aguardente, concluíram que produzindo sua própria cachaça, alcançariam melhor lucro. Adquiriram um equipamento do senhor José Timóteo, que possuía um engenho no rio Meruú e o instalaram às margens do rio Murutipucu, na propriedade de seus familiares, próximo aos engenhos São Judas Tadeu pertencente a seu primo Arcelino Corrêa e o Aliança, dos Irmãos Corrêa. Em 1962, o senhor Jerônimo deixou de fazer o comércio de regatão e passou a administrar o engenho Liderança, que produzia a cachaça Preta Velha. Os filhos Osmar e Oscar permaneceram na atividade de regatão nas margens do rio Amazonas e o João iniciou no

ramo, viajando para a região do Salgado na canoa à vela São Benedito. Em 1963, constituíram a firma Jerônimo Rodrigues & Filhos, composta pelo patriarca e seus filhos Osmar, Oscar, João, além de José e Celso que nesta época já participavam das atividades comerciais. Passaram a trabalhar além do período diurno, a utilizar mãode-obra feminina, objetivando produzir aguardente suficiente para abastecer seus barcos, e vender o excedente para outros comerciantes, inclusive, lançaram a cachaça Rodrigues. Este movimento financeiro permitiu que comprassem um motor importado para instalar em outro barco.

Em 1962, o senhor Jerônimo deixou de fazer o comércio de regatão e passou a administrar o engenho Liderança, que produzia a cachaça Preta Velha CHEGANDO A BELÉM Com a evolução dos negócios, decorrente do elevado senso administrativo do Grupo, em janeiro de 1973, contando com o incentivo do Instituto Brasileiro do Café - IBC, que concedia altas bonificações aos empresários do ramo, compraram uma torrefação de café no Porto do Sal, na cidade de Belém, passando a comercializar diretamente com os barcos que faziam a rota do rio Amazonas, o que propiciou o aumento da produção levando-os em pou-

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Loja em Belém, na Av. Alcindo Cacela, que deu origem ao atual Grupo Líder. co tempo a tornarem-se um dos maiores produtores de café moído do Pará, chegando a obter uma cota do IBC de até quinhentos sacos de café de sessenta quilos por mês. Envolvidos na industrialização e comercialização do café, passaram a se dedicar integralmente ao comércio, iniciando a construção de uma loja em Belém, na Av. Alcindo Cacela, que deu origem ao atual Grupo Líder. Deixaram o engenho sob a administração de um gerente de nome Bertino, conhecido como Fiapo, que pouco tempo depois o desativou, permanecendo na atual vila Corrêa em outra atividade.

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DO MERCADINHO AOS MERCADÕES Em daí para frente os Rodrigues foram construindo, mais que uma rede de supermercados, um respeitável grupo de empresas. Hoje, além de 20 supermercados Líder, o Grupo já conta com 17 Magazans (lojas de departamentos), 21 farmácias da Farmalíder, 13 Óticas Líder, 5 Home Centers Líder, o Castanheira Shopping Center, o Cartão Liderzan, o Café Líder, o Líder Saúde, para atendimento de seus funcionários, o Líder Fomento Mercantil, a Transforma, empresa de preparação dos seus resíduos sólidos para reciclagem, e as Fazendas três Marias. Dessa maneira os descendentes do empresário Jerô-

Com a evolução dos negócios, decorrente do elevado senso administrativo do Grupo, em janeiro de 1973, contando com o incentivo do Instituto Brasileiro do Café - IBC, que concedia altas bonificações aos empresários do ramo, compraram uma torrefação de café no Porto do Sal, na cidade de Belém, passando a comercializar diretamente com os barcos que faziam a rota do rio Amazonas, o que propiciou o aumento da produção levando-os em pouco tempo a tornarem-se um dos maiores produtores de café moído do Pará, chegando a obter uma cota do IBC de até quinhentos sacos de café de sessenta quilos por mês.


Em algumas décadas, os Rodrigues, homens de grande capacidade empresarial, ganharam credibilidade e construíram o Shopping Center Castanheira.

Castanheira Shopping Center nimo Marques Rodrigues que faleceu em 2009, com 92 anos de idade, assim como outros homens bem sucedidos neste país, transformaram-se de produtores de aguardente de cana-de-açúcar no interior do município de Igarapé-Miri, em proprietários de uma das maiores redes de supermercado do Brasil. O que nos leva a concluir que quem progrediu com a fabricação da cachaça em Igarapé-Miri e Abaetetuba foram os engenheiros que souberam aliar a produção com a circulação de mercadorias, e usar de inteligência para saber a hora de diversificar suas atividades.

O NOVO CENTRO ADMINISTRATIVO O novo Centro Administrativo,à rua dos Pariquis, no bairro do Jurunas, abriga vários e importantes setores de administração e logística das empresas do grupo. Em uma área com cerca de 50 mil metros quadra-

dos, trabalha uma equipe de mais de 480 funcionários. Este espaço congrega a estrutura de gestão das 12 empresas, desde a diretoria até o centro de treinamento, com cinco auditórios. E mais o departamento médico e toda a sua infraestrutura, com sete consul-

Centro Administrativo do Grupo Líder naRua Pariquis em Belém do Pará

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tórios, ambulatório, laboratório e salas de observação. Não existe nenhuma estrutura empresarial de atendimento médico interno particular com porte semelhante em toda região. O LÍDER É COM VOCÊ Além de seus colaboradores, o Líder tem uma relação fundamental com o seu público. Essa relação se funda num compromisso com seu próprio desempenho como empresa e, para cumpri-lo, com sua responsabilidade social em relação à comunidade em que trabalha. Daí que a frase “Você é líder do Líder” tem que expressar esses compromissos. Ou seja, é mais que um slogan, é mais que uma solução em termos de comunicação e propaganda. Porque tem que ser verdadeira. O consumidor só reconhece essa postura como verdadeira se a empresa o respeitar, trabalhando para ser melhor e oferecendo a maior variedade de produtos e lojas modernas, bonitas e confortáveis. É por isso que os clientes percebem a busca por excelência como a atitude de trabalho básica do Grupo. O Líder quer sempre fazer mais, atender e funcionar melhor para seus clientes. Para isso, mantém a postura de inovar e se superar. E de praticar uma política de preços que, oferecendo vantagens ao consumidor, fortaleça e enfatize o seu compromisso com a qualidade.

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O CDAM Na Avenida Augusto Montenegro, em Belém, fica uma das maiores e mais modernas estruturas de logística de uma empresa de varejo na região Norte. Num terreno de 150 mil m2, o Grupo Líder construiu o CDAM - Centro de Distribuição Augusto Montenegro. É onde ficam armazenados todos os produtos de supermercado magazine, farmácia, peixaria, marcenaria, serralheria, a Transforma e o Café LÍDER. O espaço conta com uma equipe de quase mil colaboradores, que se preocupa em manter não só os produtos em ordem, mas também a qualidade que são marcas re gistradas do grupo UM HISTÓRIA FEITA DE SABEDORIA E TRABALHO A história do Líder se deve muito ao carisma miriense e à importância das percepções

das oportunidades para o crescimento empresarial. Saber perceber os momentos, saber identificar as oportunidades e agir com determinação e inteligência – eis aí a chave para o sucesso dos negócios. De qualquer negócio e de um negócio de suprema importância para o Pará: o Grupo Líder e suas empresas


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ENGENHO SÃO JOÃO

Carlos Pará

Engenho São João

do furo seco

uma poética da resistência nas margens de IGARAPÉ MIRI

O

Engenho de propriedade do senhor João Souza de Paiva, conhecido como João Boi, situado no furo do Seco, funcionou precariamente até 1992, quando encerrou suas atividades. Possuía um maquinário a vapor do século XIX, de fabricação inglesa, com a inscrição W&A. McOnle Glasgow, 1872, e o moinho Rousselts com patente de 1890. O engenho, na fase áurea, produzia cerca de cem frasqueiras por mês, passando a produzir em 1991 apenas vinte, com quatro empregados, além dos três filhos do proprietário, visto a falta de recursos para adquirir a cana e a redução da procura do produto.

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EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

O SENHOR DO ENGENHO João de Sousa Paiva, mais conhecido como João Boi, é um dos personagens mais notáveis e um dos poucos remanescentes do período áureo dos engenhos de cachaça de Igarapé Miri. Homem incansável no trabalho, sempre era procurado por amigos e por pessoas que lhe chamavam para montar e desmontar engenhos, en-

JOÃO DE SOUSA PAIVA - JOÃO BOI

João de Sousa Paiva, João Boi, dono do engenho São João do Furo Seco em Igarapé -Miri O engenho, na fase áurea, produzia cerca de cem frasqueiras por mês, passando a produzir em 1991 apenas vinte, com quatro empregados, além dos três filhos do proprietário, visto a falta de recursos para adquirir a cana e a redução da procura do produto. genheiro mecânico, passou por diversos engenhos entre eles o São José, no furo do Seco, cujo proprietário era o senhor Raimundo Martins de Lima e seus filhos, que constituíram a firma R. M. de Lima & Filhos. Com habilidade comercial, os proprietários construíram considerado poder econômico, que lhes possibilitou montar outro engenho, e adquirir diversos imóveis no município e na capital do estado. Na década de 1960 o senhor Raimundo Martins de Lima (Tito Martins) que também

fora prefeito de Igarapé Miri, veio a falecer, permanecendo os negócios nas mãos de seus filhos, até a ocorrência da crise financeira que abalou o ciclo aguardenteiro, levando-os a vender o empreendimento ao João Boi que manteve o mesmo em funcionamento de forma precária, enfrentando grandes dificuldades, até os anos 80. Outro engenho que João Boi manteve foi o Cacoal do Sr.Amadeu Cristino Pinheiro e o próprio engenho São João do Furo Grande. Seu primeiro negócio começou quando um amigo seu lhe convidou numa para fazer um engenho. “Aceitei na hora o convite, mas não esperava que fosse verdade. Na segunda feira um carro foi me buscar para me levar no engenho que era do padrinho dele, um homem rico que os

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ENGENHO SÃO JOÃO

filhos não quiseram dar continuidade no negócio. Então caiu o engenho, as moendas todas estavam espalhadas pelo chão, abandonado. Ele me deu 2 meses para pagar o engenho e como eu era mecânico, não era só alambiqueiro, em menos de um mês já estávamos operando. Ampliamos de 02 para 04 homens que se movimentavam ligeiros no picadeiro, senão secava. Minha filha Maria Eugênia, cuidava da administração, fazia o pagamento dos funcionários e das despesas do negócio, ela que compra-

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va o peixe do pessoal que chegava nas canoas, anotava tudo e depois debitava. Eu trabalhava muito, comecei carregando bagaço, eu era bagaceiro, depois aprendi a montar os engenhos, montei uma vila de casa para os trabalhadores. O trabalho começava cedo, às 06 da manhã e ia até às 11. Depois parava meia hora e ia até 5 e 30 da tarde. Tínhamos uma meta de produção encher 02 a 03 tanques por dia. Comercializávamos a produção com os comerciantes locais e de outras localidades.

Abaetetuba apesar de ser um polo produtor de cachaça comprava cachaça do nosso engenho, vendia para comerciantes de Belém, da região do Salgado, para o Amazonas, tinha um português de Abaetetuba que comprava 100 frasqueiras de cachaça, vendia em frasqueiras de 24 litros depois vendíamos em carotes de 36 litros. Vendia de 100 garrafões, vendia até de 300 litros. Guardava o dinheiro num cofre grande que comprei do prefeito Tito Martins de Lima que era o antigo dono do engenho, tinha


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O engenho São João ossuía um maquinário a vapor do século XIX, de fabricação inglesa, com a inscrição W&A. McOnle Glasgow, 1872, e o moinho Rousselts com patente de 1890. O engenho, na fase áurea, produzia cerca de cem frasqueiras por mês, passando a produzir em 1991 apenas vinte, com quatro empregados, além dos três filhos do proprietário, visto a falta de recursos para adquirir a cana e a redução da procura do produto.

sacos de dinheiro. Depois compramos outro engenho o Cacoal, tinha uma moenda pequena de uns 40 cm de diâmetro e eu mudei colocando uma moenda grande. Nessa parceria já tínhamos motor, plantação de cana, batelão, duas vilas de casas e depois desapartamos. Montei uma serraria grande de se admirar, tinha motores grandes que geravam energia, há quem dizia que ganhei na loteria, barcos paravam para ver o empreendimento. As dornas de cachaça eram preparadas por um mestre carpinteiro de Abaetetuba, as dornas eram feitas de piquiá, a garapa era colocadas no tanque de louro vermelho. No tempo que foram se acabando os engenhos na região, fiquei ainda 20 anos produzindo cachaça, coloca-

va a surrapa para compensar a falta de cana, colocava 04 a 05 sacas de açúcar e um pouco de garapa pra ferver e fazia cachaça, só eu sabia fazer isso ou então fazia cachaça com mandioca moída e garapa de cana, colocava sacos de farinha para fermentar também e para poder me manter no negócio. Me tornei um Mestre Alambiqueiro, tinha engenheiros de produção que perdiam a cachaça por não ter um Mestre Alambiqueiro como eu. Meu padrasto era também um Mestre Alambiqueiro, eu via ele fazendo e de repente eu já estava fazendo melhor do que ele porque eu sempre me dediquei naquilo que faço, cuidava do meu serviço e nada me atrapalhava. Eu ensinei muita gente a alambicar, desde cedo eu

Engrenagens do antigo Engenho do Sr. João Boi, localizado no Rio Furo do Seco.

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ENGENHO SÃO JOÃO

Casa do Engenho era bonita, alta, grande, no começo tinha o chão de terra batida, depois fizemos piso de cimento. O picadeiro de lá era feito de maromba trançado de pau, a casa era cheia de maquinários tinha o batelão, tinha 03 dornas grandes de cachaça, os tanques eram feitos de madeira louro vermelho, tudo muito bem feito, bem acabado, tinha uma chaminé alta que ficava junto da caldeira, hoje está em ruína. Lá que eu conheci minha mulher tivemos filhos e ainda possuo terreno que nosso pai nos deixou.

João Paiva (João Boi) esposa e seus filhos. alambicava, vigiava o alambique, aprendi em muitos engenhos, meu alambique era de cobre e tinha uma boca de 12 polegadas. Colocava a cachaça no tanque e ia pro aparelho, a garapa só desce e a cachaça sobe e desce. Parei quando fiquei doente, peguei um abcesso no fígado e fiquei seis meses internado semi-morto. Isso foi no tempo do Tancredo Neves . PROCESSO DE FABRICAÇÃO Manoel de Santos Paiva filho de João de Sousa Paiva mais

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conhecido como João Boi, tivemos passagem por diversos engenhos entre eles, o Engenho São João na boca do Mamagal Grande, depois nos mudamos para o engenho São José, de lá fomos para o São Vicente e depois nos mudamos definitivamente para o engenho São João onde passei a minha juventude trabalhando carregando cana, fazendo bagaço, alambicando, tomando cachaça, um momento da minha vida muito produtivo enquanto durou. A Casa do Engenho

era bonita, alta, grande, no começo tinha o chão de terra batida, depois fizemos piso de cimento. O picadeiro de lá era feito de maromba trançado de pau, a casa era cheia de maquinários tinha o batelão, tinha 03 dornas grandes de cachaça, os tanques eram feitos de madeira louro vermelho, tudo muito bem feito, bem acabado, tinha uma chaminé alta que ficava junto da caldeira, hoje está em ruína. Lá que eu conheci minha mulher tivemos filhos e ainda possuo terreno que nosso pai nos deixou. Vinham as barcadas de cana, jogava no picadeiro, carregava no ombro e jogava perto do moinho, jogava no tanque, ela fermentava e depois de três, quatro dias, alambicava. Tinham os alambiques grandes. A cana de açúcar


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vinha do terreno próprio e a outra parte era comprado, cabeceira do meruú, riozinho, mamangal, aranaí, enchia os rabetãos rebocava, trazia e vinha embora para os engenhos, essa cana era de várzea e cana branca caiana e a cana de terra firme que chamavam de piajota ou cana roxa, e outros nomes, tinha a cana paulista mais adaptada em terra firme também, uma cana mole grande, FERMENTAÇÃO

A fermentação era feita meia de garepa, meia da burra da surrapa que é tirada a cachaça, enche o tanque e de onde é tirada Enche o tanque passa 04 dias fermentando por ela mesmo, ferve, senta, fica amarelo e depois que faz esse processo, passa pelo aparelho e faz-se a cachaça. Tinha o manômetro que usávamos para medir a temperatura, íamos graduando a garapa e quando dava 21 graus ela já estava boa, fica morna e um deleite provar.

Depois de 25 anos João Boi retorna no local onde era o Engenho São João e só encontrou as ruínas do seu passado, ainda lúcido e vivo na sua memória e na história perpetuada nessa publicação

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história ENGENHO SÃO JOÃO

Além da cachaça fazíamos o mel pro consumo ADMINISTRAÇÃO Eu sou a Maria Eugênia. Por ser a mais velha fui estudar na capital, passei 05 anos em Belém e voltei. Hoje eu sou professora, pedagoga mas passei a vida inteira no engenho. Quando voltei pra Igarapé Miri, fiquei a frente da compra do engenho São João. Eu nasci no engenho São Paulo onde vivi toda a minha infância até os 15 anos e depois fomos ao Engenho São João, lá tinha mercearia, comércio de aguardente e eu fui administrar o negócio da família e fiquei lá até o meu casamento. Casei, sai e depois voltei para o engenho São João e tomar conta de tudo, das finanças, de todos os trabalhadores, da compra da cana-de-açúcar que vinha ser processada no engenho, de quantos batelões tinham que vir carregados, de onde tinha que vir e de quem ia buscar. Adiantava recurso para quem viesse nos procurar para plantar. Tínhamos mercearia, então tinha produtor que pedia em mercadoria a antecipação do pagamento e assim investia e calculava a produção de quando chegava a safra e a colheita. De quantos batelões e de quantas frasqueiras tinham que vir. Tinha minas de caderno

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e caderninhos. Eu era a única que não podia sair de casa, todos podiam sair, menos eu. Era de domingo a domingo chegava um batelão e eu que tinha que anotar o movimento. Eu negociava tudo e depois prestava tudo conta com meu pai, ele não tinha preocupação com nada. Um período muito bom na minha vida. De vez em quando nós brincávamos de tomar um caipirinha com a cachaça do engenho. Passamos pelos Engenho Santa Luzia e pelo Engenho Cacoal que também passamos por lá. Foi uma época muito boa mesmo. Depois tivemos que abandonar o engenho porque meu pai adoeceu com um abcesso no fígado e tivemos que vir pra Belém, e o local foi se deteriorando aos poucos e saqueado por conta do abandono.


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História do produtor Os empresários de origem libanesa Antônio José Bittar e seu filho Rodrigo Bittar produzem a cachaça Cedro do Líbano desde 2006 em duas fazendas no interior

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OS ENGENHOS E O REGATÃO Jorge Machado

O regatão é uma jornada que ainda está para ser contada nos seus detalhes. Representou a maior dinamização comercial em de todo o Baixo-Tocantins em toda sua história e foi o responsável pela circulação de riquezas entre o Baixo-Amazonas e o Baixo-Tocantins, beneficiando a produção dos engenhos.

D

as relações com a natureza amazônica, ao mesmo tempo pródiga, ciclópica e às vezes opressora, nasceram as necessidades de sobrevivência em um meio hostil, que em Abaetetuba inicialmente se estabelecem sobre a agricultura de subsistência e o extrativismo e, posteriormente, sedimentam-se na indústria primitiva e em trocas comerciais seguindo as “ruas amazônicas”, os rios, que unem livremente as comunidades ribeirinhas da Amazônia. Dois exemplos de empreendimentos de abaetetubenses que marcaram a história do município são os engenhos de aguardente (que possibilitaram ao município a alcunha de “Terra da Cachaça”) e o comércio de regatão, autênticas “mercearias” que percorriam os rios da região e que foram, em certa época, importantes atividades econômicas.

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EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

O sistema de aviamento e os engenhos de cachaça

acervo jorge machado

No entender de Roberto Santos , o sistema de aviamento foi instituído como um sistema de crédito capaz de induzir à progressiva monetarização da economia amazônica, que era essencialmente de escambo até então. Foi forma de ampliar as fronteiras econômicas da região, junto com estímulos externos (oriundos da explosão na demanda por borracha a partir de 1895) e a superação de dois estrangulamentos re-

gionais: o primitivo sistema de transportes e a escassez de mão-de-obra. A rigor, o aviamento do século XIX era a adaptação regional em miniatura do que ocorria no Brasil. Em Abaeté esse sistema perdurou praticamente em toda a existência dos engenhos de cachaça. O centro das operações de aviamento era uma casa comercial que funcionava anexada ao engenho, onde uma primitiva contabilidade registrava no “caderninho” as retiradas dos trabalhadores do engenho e a sua produção na forma de um salário combinado com o dono do engenho. No final do mês havia o acerto de contas onde as retiradas eram abatidas do devido ao trabalhador. O estímulo inicial de ter e poder usar o dinheiro era, porém, uma ilusão para o trabalhador. Seu isolamento e a quase absoluta exclusividade do seu vínculo com o dono do engenho (reforçada por um paternalismo que oferecia apadrinhamentos e atendimentos médicos de emergência como pequenos Costuma-se atribuir à Justiça e a relações trabalhistas mais sofisticadas o fim dos engenhos de cachaça. Tal representa um grande equívoco, uma vez que a decadência dos engenhos deve-se principalmente ao atraso tecnológico e ao apego ao sistema de aviamento em detrimento de práticas financeiras mais modernas.

No entender de Roberto Santos , o sistema de aviamento foi instituído como um sistema de crédito capaz de induzir à progressiva monetarização da economia amazônica, que era essencialmente de escambo até então. curativos, afomentações, aplicação de injeções, etc.) faziamno perder a liberdade de usar o que ganhava, se é que sobrava algo além do estritamente necessário à subsistência. A moeda praticamente só servia como meio de cálculo, pois o escambo persistia, embora disfarçadamente. Euclides da Cunha, em seus ensaios amazônicos (p.109) chama esse sistema de “a mais criminosa organização do trabalho que ainda engenhou o mais desaçamado egoísmo”. Sobre o seringueiro que era submetido ao aviamento, declara o jornalista-escritor: “O homem, ao penetrar as duas portas que levam ao paraíso diabólico dos seringais, abdica as melhores qualidades nativas e fulmina-se a si próprio, a rir, com aquela ironia formidável. (...) O seringueiro realiza uma tremenda anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se.” Esses sistema econômico primitivo suportou quase um século da principal atividade econômica de Abaeté, atividade sem paralelos na história do município, importante suporte

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EXPEDIÇÃO DA CACHAÇA

ao comércio de regatão (e por ele suportada numa perfeita simbiose) que gerou muita riqueza, embora não tenha necessariamente distribuído essa riqueza, mas a concentração nas mãos de poucas famílias de empresários, que com os lucros capitalizados posteriormente mudaram de ramo ou de cidade . Os engenhos funcionaram sempre de acordo com uma concepção primitiva de produção e de relação econômica. Os mesmos maquinários do século XIX que iniciaram a produção ainda eram utilizados

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no seu ocaso ao final dos anos 1960. Nenhum melhoramento tecnológico nos equipamentos ou genético na matéria-prima foi introduzido e, talvez, aí esteja a razão de sua decadência. Costuma-se atribuir à Justiça e a relações trabalhistas mais sofisticadas o fim dos engenhos de cachaça. Tal representa um grande equívoco, uma vez que a decadência dos engenhos deve-se principalmente ao atraso tecnológico e ao apego ao sistema de aviamento em detrimento de práticas financeiras mais modernas. Com a abertura econômica da Ama-

zônia ao grande capital, nos anos de 1960, as bebidas destiladas produzidas no nordeste e no sudeste do país invadiram a região, amparadas por financiamento bancário, por uma publicidade implacável e por preços sem concorrência. Essa invasão destruiu a indústria local, incapaz de reagir com o vigor necessário, o que dependeria de financiamento e medidas de planejamento econômico estratégico, ações que nunca vieram. Os engenhos surgiram inicialmente de pequenas moendas familiares onde se fabricava a


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acervo jorge machado

rapadura, o mel, o açúcar mascavo (chamado na região de “açúcar moreno”) e que posteriormente, com a linha do Amazonas, teve caminhos para o escoamento da produção, que começou a crescer em razão do aumento da demanda e resultou na instalação das primeiras máquinas a vapor destinadas à produção exclusiva da aguardente, cuja qualidade fez fama em todo o estado do Pará. Às moendas familiares coube continuar a fabricação do mel e da rapadura (uma vez que o açúcar refinado passou a ser importado) que ainda as-

sim tinham mercado garantido, embora agregassem pouco valor ao produto, num processo rústico de produção que condenava à estagnação quem nele permanecia. Bem diferente era o que acontecia com a cachaça. O Estado, percebendo os grandes lucros oriundos dessa atividade econômica e as inúmeras possibilidades de sonegação fiscal, depressa estabeleceu coletorias que cuidavam da arrecadação de impostos e da emissão de “selos” a serem colocados sobre as tampas das garrafas de cachaça numa pro-

va de que o produto nada devia à fazenda estadual. Na virada do século XIX para o XX e até mesmo depois de 1912, ano que em geral tem sido estabelecido para demarcar o final da belle époque amazônica - período de riqueza e delírio para uma elite pretensamente afrancesada que gravitava em torno da exportação do látex coagulado da seringueira e que teve seu mundo radicalmente modificando quando o látex produzido a partir de seringueiras cultivadas na Ásia passou a ser comercializado e desbancou o produto extraído penosamente de seringais naturais da amazônia, levando a região à falência - os engenhos de Abaeté continuaram produzindo e sustentando, ainda que em menor escala, certa elite local que chegava a importar lanchas de ferro e maquinário para os engenhos. Com as linhas fluviais do Tocantins e do Amazonas, o produto - de excelente qualidade, aliás - era exportado e isso garantiu a sobrevivência dos engenhos até o início dos anos 1970, tendo o último dos engenhos vindo a encerrar sua produção regular já no século XXI. O COMÉRCIO DE REGATÃO O regatão foi a mais notável aventura comercial dos abaeteenses, uma jornada que ainda está para ser contada nos seus detalhes. Representou a

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maior dinamização comercial do município (e de todo o Baixo-Tocantins) em toda sua história e foi o responsável pela circulação de riquezas entre o Baixo-Amazonas e o Baixo-Tocantins, beneficiando a ambos. Esse tipo de atividade comercial funcionou com a instalação de verdadeiros armazéns à bordo de embarcações dos mais diversos tipos e calados, que saíam de Abaeté rumo ao Baixo-Amazonas indo geralmente até Santarém, embora algumas se aventurassem até o Peru. O início da atividade ainda era em embarcações a vela, passando depois para barcos movidos a motores diesel. Contam os que participaram dos primeiros anos do regatão que quando faltava vento e a maré corria conta o movimento do barco era necessário que os marinheiros, ladeando o rio, puxassem o barco de terra através de um grande cabo, o que demandava um esforço físico enorme que extenuava a todos. Na ida, os comerciantes levavam os produtos de Abaeté, principalmente a cachaça, os refrigerantes (os mais famosos eram o guaraná Amazônia, o guaraná Abaeté, o guaraná e a cola Alvorada) o mel e a rapadura, bem como querosene, sal e açúcar refinado, medicamentos e produtos industrializados adquiridos de atacadistas em Belém do Pará. Na volta, traziam os produtos da região,

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principalmente o pirarucu salgado, as peles de animais silvestres e a juta, importante fibra vegetal que abastecia os teares da CATA (Cia. Amazônia Têxtil de Aniagem) em Belém, na fabricação de sacos de aniagem. A criação da zona franca de Manaus, em 1967, implantou uma zona de livre comércio de importação e exportação na Amazônia e abasteceu os viajantes que retornavam “do Amazonas” (na verdade, como já dito, a maioria ia somente até Santarém, mas de lá recebiam os produtos da zona franca de Manaus) para Abaetetuba com produtos importados, aparelhos eletro-eletrônicos, brinquedos, perfumes (como o famoso Artimatic ou o Reve d’or e o Ramage, que muito sucesso faziam nas festas e nas tardes de domingo) ou cortes de seda importada que alegravam as costureiras e as jovens às vésperas da Festa de Conceição. Aproximadamente na mesma época houve a proibição da caça e comercialização da pele de animais silvestres, embora os regatões ainda tenham continuado a trazer as peles, principalmente as de jacaré, que atingiam alto preço no mercado exportador. A decadência do regatão devese a dois fatores principais: a abertura das grandes rodovias amazônicas, como a Belém -Brasília, a Santarém-Cuiabá e a Brasília-Acre, e a elevação dos custos de operação das embar-

cações, principalmente devido ao choque do petróleo de 1973. No primeiro caso, os produtos começaram a entrar direto do centro-sul para o Baixo-Amazonas sem o custo de ir até Belém para só depois chegarem àquela região. No segundo caso, a elevação dos custos de manutenção e operação das embarcações tornava inviável


a competição com outras formas de comércio direto com o Baixo-Amazonas, notadamente a praticada por grandes armazéns atacadistas do CentroSul, como aqueles do interior de Minas Gerais que, em caminhões, depressa dominaram o mercado da região com bons preços e prazos maiores, uma vez que financiados por gran-

des bancos, o que não acontecia com os regatões, que não dispunham de qualquer forma de financiamento para oferecer crédito aos clientes além do caderninho de contas e do ajuste destas durante a viagem de volta, cerca de 30 dias depois da ida. Muitos comerciantes pratica-

ram o comércio de regatão intensamente, com mais vigor no final dos anos 50 e toda a década de 1960. Ao perceberem o início da decadência, procuraram mudar de ramo, geralmente estabelecendo-se como comerciantes em Abaetetuba ou em cidades vizinhas. Alguns ainda praticam o regatão até hoje, no início do século XXI, embora realizando essa atividade comercial de forma bastante diferente, valendo-se daquilo que a tecnologia coloca hoje à disposição. Sobre esta, aliás, vale ressaltar que a precariedade das comunicações na época dos regatões era impressionante. Os viajantes valiamse principalmente do telégrafo sem fio, serviço prestado pelos correios. Havia as cartas tradicionais e as mensagens pelo rádio (um serviço conhecido como “alô interior”) De Santarém era possível telefonar aos berros para os poucos aparelhos que a COTELPA (Companhia Telefônica Paraense) instalara em Abaeté. Rádios, somente os de ondas médias e ondas curtas instalados em poucas cidades do interior, além das estações de Belém. Deixar as famílias em casa e sair para comercializar pelo rio Amazonas de cidade em cidade era, como vimos, uma aventura, uma história de coragem ainda por ser contada.

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O Plantador de

CanaVerde S

ADEMIR ROCHA

obre o Monumento do Plantador de Cana-Verde, obra em concreto criada por Ray Cardoso para homenagear o Ciclo Canavieiro de Abaetetuba, e que foi colocada à beira-rio, em frente da cidade de Abaetetuba, e que pelo alvorecer e entardecer criava um efeito belíssimo junto com as luzes do nascente e poente, essa peça, sabese lá por que razões, foi retirada do local em que estava e, desde aí, desapareceu sem nenhuma explicação plausível de parte dos administradores do município. Como esse antigo Monumento do Plantador de Cana-Verde era a peça mais representativa do Ciclo Canavieiro de Abaetetuba, o Coordenador do Campus Universário de Abaetetuba (2013), junto com seus pares da mesma entidade, e por estudantes que procuram resgatar a HistóriaMemória de Abaetetuba e, em especial a História-Memória do Ciclo Canavieiro de Abaetetuba, convidaram o multi-artista Ray Cardoso para executar outra obra em concreto que pudesse resgatar essa importante parte de nossa Cultura, peça a ser montada em uma Praça que está sendo implantada nesse importante Campus. Ray não se fez de rogado e executou outro importante

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Monumento do Plantador de Cana-Verde, que foi solenemente inaugurado em 4/4/2013, com a presença de convidados especiais, TV Record, Professor e escritor Jorge Machado, Professor Garibaldi Parente, demais professores, alunos e tantos outros convidados para essa inauguração. Foram momentos de palestras, poesias e valiosas informações partidas de Jorge Machado e outros convidados desse verdadeiro Ato Cultural. Esse novo monumento, no nascente e no poente, ou outras quaisquer horas do dia, causa os belos efeitos visuais do anterior, ou até mais expressivos que aquele. Um novo monumento foi encomendado pelo Coordenador do Campus, e na imaginação do artista Ray Cardoso, será um monumento com 3 varas de cana entrecortados, sustentando uma fraqueira (garrafão) de 15 litros, isto é, o maior dos antigos garrafões e esse garrafão jorando "pinga", para também ser implantado no Campus, como parte da História-Memória do Ciclo Canavieiro de Abaeteuba. O belo verso abaixo, publicado pelo cantor e poeta Adenaldo Santos Cardoso, na página Xarão Cultural, do poeta João de Jesus Paes Loureiro, foi recitada no dia da inauguração do novo Monumento ao Plantador de Cana Verde.


HELLY PAMPLONA

CANTO ANGUSTIADO AOS PLANTADORES DE CANA Plantador de Cana Verde, das terras de Abaetetuba, por que só tu quem trabalha, por que teu filho não estuda? Plantador de cana verde, das terras de Abaetetuba. Teus braços plantam doçuras, colhem braçadas de dor, o sol que te cresta a pele, doura a praia do senhor. Teus braços colhem doçuras, colhem braçadas de dor.

Trabalhas luas e sóis, vai teu patrão ao Senado votar as leis que te fazem viver mais escravizado. Trabalhas luas e sóis, vai teu patrão ao Senado. Quantos filhos já tivestes? Quantos deles já morreram? Uma cruz de cana verde foi o quanto que tiveram. Quantos filhos já tiveste? Quantos deles já morreram?

Tuas mãos acendem esperanças de um certo verde esplendor. É um verde mar que propagas, um doce mar plantador. Tuas mãos acendem esperanças de um certo verde esplendor.

Quantos filhos na moenda perderam o braço e a infância? que plantar cana e moê-la é seu brinquedo e folgança? Quantos filhos na moenda perdaram o braço e a infância?

Não vês, porém, que esta cana é cano cruel que aponta o lucro do teu patrão para o teu lar que não janta? Não vês. porém, que esta cana é cano cruel que aponta? Acaso foste a uma escola que teu patrão te mandasse? Acaso teu filho estuda na escola que não estudaste? Acaso foste a uma escola que teu patrão te mandasse? Teu filho acaso não nasce como nasce o do patrão? Por que só o dele é doutor e o teu não tem instrução? Teu filho acaso não nasce como nasce o do patrão?

Deu-lhe o patrão outro braço? Deu-lhe o patrão outra infância? Em vez de matar no pólen a sua flor de esperança? Deu-lhe o patrão outro braço? Deu-lhe o patrão outra infância? Não deu porque de teu filho só quer a mão que trabalha. A mente que pensa e cria envolve em metal mortalha. Não deu porque de teu filho só quer a mão que trabalha.

Não há ninguém que nascesse para aprender, outros não... Teu filho merece escola como o filho do patrão. Não há ninguém que nascesse para aprender, outros não...

Só quer que a sua cartilha seja da cana cortada. Mas essa cana arrebenta os sulcos de tua alvorada. Só quer que a sua cartilha seja o da cana cortada. Que verde alvorada verde há de brotar de tua mão, plantador de cana verde ao som de voz: hoje não! Que verde alvorada verde há de brotar de tua mão.

Teus braços farão rolar os canaviais da injustiça. pondo final nesta infâmia pondo final nesta liça. Teus braços farão rolar os canaviais da injustiça. Então vais viver decente da cana que tu plantaste. Então vais comer o açúcar da cana que tu plantaste. Então vais vestir a roupa da cana que tu plantaste. Então vais tomar remédio da cana que tu plantaste. Então vais jantar a carne da cana que tu plantaste. Então vais educar teu filho da cana que tu plantaste. Então vais plantar tua casa da cana que tu plantaste. Então vais morrer como homem da cana que tu plantaste. Plantador de cana verde das terras de Abaetetuba, a liberdade é mais doce que a cana nova e polpuda! Plantador de cana verde das terras de Abaetetuba! (Poesia extraída do livro “João de Jesus Paes Loureiro, o meu irmão”, autoria de Raimundo Nonato Paes Loureiro) João de Jesus Paes Loureiro

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