Livro miriti

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Organizadores: Carlos Pará Flavio Contente

OLHAR FOTOGRÁFICO

Realização: Olhar Fotográfico Alisson Durant / David Rodrigues / Diego Viégas / Edney Souza / Flávio Contente / Joanaldo Silva / Luís Azevedo / Marcelo Vaz / Sérgio Rodrigues / Valdeli Costa

FOTOETNOGRAFIA

MIRITI

MÃOS QUE TECEM

SONHOS

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Organizadores: Carlos Pará Flavio Contente Realização: Olhar Fotográfico Alisson Durant / David Rodrigues / Diego Viégas / Edney Souza / Flavio Contente / Joanaldo Silva / Luís Azevedo / Marcelo Vaz / Sérgio Rodrigues / Valdeli Costa

MIRITI MÃOS QUE TECEM

SONHOS 1a. Edição

Belém - Pará 2017


REALIZAÇÃO GRUPO OLHAR FOTOGRÁFICO ORGANIZAÇÃO Flavio Contente Carlos Pará TEXTO DE APRESENTAÇÃO Ricardo Gomes Lima PREFÁCIO João de Jesus Paes Loureiro PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Carlos Pará / Marques Editora FOTÓGRAFOS Alisson Durant / David Rodrigues / Diego Viégas / Edney Souza / Flavio Contente / Joanaldo Silva / Luís Azevedo / Marcelo Vaz / Sérgio Rodrigues / Valdeli Costa AGRADECIMENTOS Fundação Cultural Abaetetubense - Inésio Rodrigues; Recanto verde - Kika Oliveira; Casa das Peças - Eunice Nunes; Maternidade Dr. Edilson Souza - Edilson Souza; JB - Tiago João Ferreira; Valdeli Costa (MIRITONG). APOIO:

* Os direitos de reprodução total ou parcial desta obra pertencem ao Grupo Olhar Fotográfico


PORQUE FOTOETNOGRAFIA Utilizar o recurso visual para documentar assuntos relevantes para a sociedade sempre esteve no contexto do uso da fotografia, porém, na organização imagética o campo da etnofotografia e da fotoetnografia conceituam-se como técnicas aprimoradas e relevantes no processo de registros como instrumento de resgate, afirmação e valorização de grupos sociais. Temos então, uma ligação destas vertentes fotográficas com a Antropologia que oferecem vantagens e formas de executar um trabalho que utilize a imagem como referência principal para representar um grupo em estudo e que apresente um caráter de documentação histórica e científica. O estudo etnográfico buscar identificar em grupos da sociedade, as sua características antropológicas, sociais e culturais. Neste contexto a fotografia é utilizada como ferramenta principal no registro sequencial de um trabalho. Os parâmetros utilizados na realização dos ensaios fotoetnográficos presentes nesta publicação, seguem os conceitos da Antropologia Visual. As pesquisas de campo e os critérios de análises e interpretação possibilitam observar o perfil do grupo fotografado. A obra FOTOETNOGRAFIA DA BIBLIOTECA JARDIM, de Luiz Eduardo Robisson Achutti configura-se, na referência destes conceitos, trazendo a tona uma discussão a cerca desta ferramenta de registro documental. A narrativa fotoetnográfica, não deve sobrepor outras formas narrativas: ela deve ser valorizada em suas especificidades. Uma sequência fotográfica deve ser apreciada lentamente, e, para tal, se faz necessário saber se dar tempo e se permitir, se tocar pela emoção. Assim, é importante lembrar as palavras de Pierre Verger: “A fotografia permite ver aquilo que não se tem tempo de ver, porque ela fixa o instante. Eu diria ainda mais, ela memoriza, ela é a memória...(...) O milagre é que esta emoção que emana de uma fotografia muda testemunha um fato que foi fixado sobre um instantâneo e que vai ser sentido por outras pessoas, revelando assim um fundo comum de sensibilidade, freqüentemente não expressa, mas revelador de sentimentos profundos quase sempre ignorados”. (Verger.1999) Sempre devemos ter uma narrativa fotoetnográfica sequenciada por uma série de fotografias que se relacionam entre sí e que compõe no seu conjunto uma história sequencial de informações visuais. A metodologia fotoetnográfica propõe a leitura da imagem através da aprendizagem paciente, provocando ao leitor uma aproximação minuciosa com o objeto do assunto pesquisado, estimulando o desenvolvimento de uma percepção seletiva do leitor, detalhes de uma prática pouco observada nos cotidianos das populações. Flavio Contente


6 Foto: Adriana Lima


OLHAR FOTOGRÁFICO

APRESENTAÇÃO MIRITI: mãos que tecem sonhos Ricardo Gomes Lima Houve um tempo em que eram só brinquedos. Apenas brinquedos de criança. Canoa, barquinho, tatu, pombinha, cobra preenchiam a infância dos curumins que viviam nas margens dos rios, furos e igarapés do baixo Amazonas e brincavam com miniaturas de um mundo que a seus olhos se mostrava tão grande. Com o tempo os brinquedos chegaram à Belém. Nossa Senhora, padroeira da cidade, os chamava para povoar as ruas e colorir sua festa. Ali chegaram vestidos de voto e exvoto em rogo e reconhecimento à Virgem de Nazaré. Dizem que chegaram já no primeiro Círio acontecido ainda no século 18 quando, por intercessão da santa, o ribeirinho se salvara do naufrágio no grande rio; o bebê, que dormia na rede, fora socorrido a tempo do ataque de uma cobra peçonhenta; o sonho da casa própria se tornara realidade, não importando que a casa fosse pequena, construída sobre palafita, sujeita ao sobe e desce das marés. Barco, cobra, casa, em forma de milagres, ano a ano têm sido depositados aos pés de Nossa Senhora de Nazaré, a Santinha, como muitos devotos a tratam, revelando a intimidade que aproxima o homem e o sagrado, numa relação tão própria do catolicismo popular. Do ato gratuito da brincadeira infantil, da sacralidade incorporada ao objeto pelo contato com o plano religioso, o brinquedo passou a ser desejado por muitos. Quero um. Como ter? Onde encontro? Assim, o brinquedo de Abaetetuba se converteu em mercadoria. Mostrou-se ao mundo já não apenas sobre a cabeça do romeiro mas exposto em estrutura, denominada girândola, conduzida pelas ruas de Belém pelo “homem do brinquedo” (ou “girandeiro”). O brinquedo é feito de miriti (Mauritia flexuosa, L), palmeira abundante dos alagados da Amazônia. Primo irmão do buriti (Mauritia vinífera, L), o miriti é tido como palmeira santa, por sua associação à Virgem e também porque dele “tudo se aproveita”. Do tronco são feitos esteios e vigas de sustentação, do caule é feito mobiliário, de sua casca são feitos paneiros, abanos e tipitis, as folhas servem de cobertura para construções, a flor dá fino licor, o fruto é comestível. É do miolo do talo, no entanto, também denominado bucha,que se faz seu produto mais singular: o brinquedo. Atualmente, mais de uma centena de artesãos, homens e mulheres, trabalham em tempo integral ou parcial, isoladamente, com a família ou reunidos em oficinas e associações. Reinventam modelos ancestrais e criam novos brinquedos que, sob forma de souvenir, imã, móbile, quadro ou como qualquer outro elemento de decoração, rompem fronteiras regionais, nacionais e expandem sua presença pelo mundo.

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FOTÓGRAFOS

EDNEY SOUZA Edney Nascimento de Souza, nasceu em Belém em 1977. Formado em medicina pela UEPA em 2004, tem especialização em ginecologia, obstetrícia, medicina fetal (Brasília-DF) e ultrassonografia (Ribeirão Preto-SP). Tem a música e a fotografia como hobby. É um dos idealizadores do grupo olhar fotográfico em Abaetetuba-PA.

JOANALDO SILVA Joanaldo de Jesus Silva , atua como fotogra-

JOANALDO SILVA fo há 20 anos, com expressivos trabalhos

de cunho publicitário, possui trabalhos publicados na Revista Círios xxx e Revista PZZ 2016. Foi premiado em Concursos fotográficos, entre eles, o “Imagens do Círio 2016” com o 4° lugar. É integrante do grupo Olhar Fotográfico, de Abaetetuba, onde as atividades consistem em registrar as belezas naturais e o cotidiano de sua terra. Conceitua o ato de fotografar como uma forma de expressar o seu prazer de viver.

SÉRGIO RODRIGUES Abaetetubense, atua na fotografia desde 2013, não se enqadra em estilos específicos, porém, aprecia a diversidade dos elementos da natureza e cotidianos de vida como forma de expressar os elementos que compõe o seu entorno. Possui experiências nas III e IV expedição fotográfica ao Marajó, e belos registros nos VI Jogos Tradicionais Indígenas em 2014 na cidade de Marudá Marapanin (PA).

MARCELO VAZ

MARCELO VAZ Natural de Abaetetuba no Pará. Graduado em Ciências Naturais pela UEPa 2006, Especialista em Gestão Ambiental pela Faculdade Monte Negro 2011 e Graduado em Design De Interiores pela UNAMA 2016. Também tem a fotografia como vertente artística para composição de seus projetos. Seus trabalhos abordam questionamentos sobre o ser e suas interações no meio natural durante o processo de construção da essência. Afirma “... o processo criativo “alimenta”, e o que chega aos nossos sentidos é apenas parte do processo...”

DIEGO VIÉGAS

LUÍS AZEVEDO

Abaetetubense e estudante de Engenharia florestal. A fotografia é uma paixão que lhe trouxe diversas oportunidades. Além da fotografia é amante da música e apaixonado pela culinária local. Um dos seus maiores sonhos é encontrar formas diretas ou indiretas de exaltar a cultura de Abaetetuba, para que, não apenas os problemas sociais da cidade sejam vistos, mas toda a riqueza cultural encontrada”.

Abaetetubense apaixonado pelos diversos movimentos artísticos é Comunicólogo Publicitário, filmmaker e fotógrafo. Já participou de diversos festivais de audiovisual. Responsável pelos registros das produções fotográficas do grupo Olhar Fotográfico, sempre participa das diversas expedições, tentando capturar não somente o objeto fotográfico, mas também o sentimento dos LUÍS AZEVEDO fotógrafos envolvidos.

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OLHAR FOTOGRÁFICO

ALISSON DURANT

VALDELI COSTA

Natural de Abaetetuba trabalha no polo Industrial de Barcarena-Pa e é integrante do Grupo Olhar Fotografico, entusiasta da fotografia, fotografa por Hobby. A fotografia surgiu para ele, de forma espontânea, suas atividades na arte da fotografia consiste em registrar o dia-a-dia de Abaeteteuba. A fotografia em sua vida é algo prazeroso e essencial.

Abaetetubense é Artesão de Miriti e presidente da MIRITONG (Fábrica de Sonhos), pai de 04 filhos e avô do João. Artesão que vive da arte, brinca de fazer brinquedos de miriti, mas especializou-se na feitura de pássaros e se encantou com a fotografia, com seu olhar sensível e peculiar busca registrar emoções, sensações, algo que vai além do objeto fotografado.

DAVID RODRIGUES

FLAVIO CONTENTE

Autônomo, Concelheiro de políticas culturais de Abaetetuba, desenhista, pintor , amante das artes plásticas, fotografa por hobby. Integrante do grupo Olhar Fotográfico, de Abaetetuba, onde as atividades consistem em registrar as belezas naturais e o cotidiano de sua terra. A fotografia em sua vida corresponde a retratar imagens que façam parte de experiências formadoras do indivíduo.

Fotógrafo profissional de SOCIOBIODIVERSIDADE, Educador Ambiental, atualmente é diretor de relações institucionais no INSTITUTO ARIRI VIVO. Atuação no CONSELHO NACIONAL DAS POPULAÇÕES EXTRATIVISTAS em RESEX Marinhas e Florestais, Voluntário no Projeto AMA - Escola de Referência Ambiental Eidorfe Moreira Escola Bosque, atualmente fotografa para Agência Futura Press de fotojornalismo-SP. Tem experiência na área de Recursos Florestais e educação ambiental através de oficinas que conectam a fotografia com o cotidiano de populações tradicionais e educadores.

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O Olhar fotográfico foi criado há aproximadamente 1 ano por 10 amigos amantes da fotografia. O grupo é fruto da vontade de fotógrafos que objetivaram a necessidade da organização da classe, do associativismo e do conhecimento técnico na busca do bem comum e para atuar na divulgação das riquezas e diversidades do Estado do Pará, principalmente das cidades do interior. O grupo é composto de pessoas que usam essa associação para compartilhar experiências. A proposta da equipe é fazer registros fotográficos e vídeos como uma forma de divulgar a cultura do Estado do Pará bem como exaltar Abaetetuba no que se diz respeito a suas belezas naturais, o seu cotidiano e sua cultura em geral. O grupo não está vinculado a qualquer interesse político partidário. É formado por profissionais liberais que nas horas vagas se reúnem no chamado QG (casa do Valdeli Costa – Artesão de miriti e fotógrafo) para organizar as saídas fotográficas e eventos locais. Hoje o grupo possui um acervo fotográfico grandioso para serem usadas em exposições, revistas, livros, jornais, mídias sociais, entre outros. Possuem uma página no facebook chamado “Olhar Fotográfico” onde são postadas fotos e lá são curtidas, comentadas e compartilhadas. Acessem! Página do Olhar Fotográfico: https://www.facebook.com/fotosabaetetuba/


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OLHAR FOTOGRÁFICO

ÍNDICE

60 ZÉ MARIA POR DIEGO VIÉGAS

12 BRINQUEDOS DE MIRITI POR JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO

62 BETO POR ALISSON DURANT

38 NINA ABREU POR JONES GOMES

64 MANDUCA POR ALISSON DURANT

42 VALDELI COSTA POR FLÁVIO CONTENTE

66 GUILHERME CARNEIRO POR LUÍS AZEVEDO

44 DONA PACHECO POR EDNEY SOUZA

68 MIRANDA POR LUÍS AZEVEDO

46 SANTINHO POR EDNEY SOUZA

70 AMADEU GONÇALVES POR MARCELO VAZ

48 GÉ POR VALDELI COSTA

72 RAIMUNDO PEIXOTO (DIABINHO) POR MARCELO VAZ

48 ZECA BECHÓ POR VALDELI COSTA

74 GUGU POR SÉRGIO RODRIGUES

52 NILDO FARIAS POR JOANALDO SILVA

76 GREICY BARREIROS POR SÉRGIO RODRIGUES

54 PIPOCA POR JOANALDO SILVA

78 MESTRE CITA POR DAVID RODRIGUES

56 MESTRE JESSÉ POR JOANALDO SILVA

80 MESTRE CÉLIO POR DAVID RODRIGUES

58 VITORINO POR DIEGO VIÉGAS 11


PREFÁCIO

BRINQUEDOS DE MIRITI POR JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO * SITUAÇÃO E CONTEXTO

A VAGA HISTÓRIA DAS ORIGENS

Os brinquedos de miriti são uma forma de artesanato artístico característico da cidade de Abaetetuba. São fabricados com material da polpa ou bucha do miriti, palmeira abundante no município e comum nas áreas de várzea da Amazônia.

A origem histórica dos brinquedos de miriti está perdida no tempo vago da cultura oralizada na Amazônia. A rememoração e a oralidade da tradição são vias que reimplumam as asas da imaginação, ultrapassando a realidade prática, na eterna busca das fontes, que caracteriza o desejo de autoconhecimento e conhecimento da vida que move todos os homens. O caboclo da Amazônia não poderia fugir a essa atitude e condição.

Abaetetuba fica localizada na zona fisiográfica Guajarina, a margem direita do rio Tocantins, em frente à baía de Marapatá, no Baixo Tocantins. É cidade antiga do Pará, fundada no século XVIII em um ponto situado a 50 km em linha reta da capital do Estado. A topografia é plana, sendo o solo representativo de três tipos: o solo de várzea, na chamada Zona das Ilhas, constituída, em parte, por mais de 45 ilhas; os tesos; e, finalmente, os solos de terra firme. Em virtude do clima quente e seco, sujeito a enchentes periódicas dos rios e igarapés, os miritizais se desenvolvem no alagado. A importância dessa situação climática é percebida na produção, fabricação e acabamento dos brinquedos, que exigem material perfeitamente seco. São brinquedos artisticamente criados, que revelam a necessidade e o desejo de concretizar na matéria os frutos de sonhos e experiências vividas. “Eu aprendi a fazer brinquedo da minha cabeça mesmo, olhando os outros fazendo, eu aprendi, mas nunca imitei ninguém”, explica o artesão Antonio Silva.”(1)

Em Abaetetuba, acredita-se que foram as crianças que começaram a utilizar o miriti para fazer pequenos brinquedos, sobretudo pela maciez do material para entalhe e sua possibilidade de flutuar nas águas dos rios, igarapés, lagos e poça d’água deixadas pela chuva. Eram pequenas montarias e vigilengas navegando por entre as inúmeras atividades lúdicas infantis. Costuma-se associar o início da comercialização dos brinquedos de miriti ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, na suposição de que tal fato tenha ocorrido já durante a realização do primeiro Círio, em 1793. Hoje, esses brinquedos estão de tal maneira integrados a essa procissão, que se constituem num de seus mais representativos signos culturais. O Círio de Nazaré é uma procissão religiosa culminante do culto da padroeira dos paraenses, realizada todos os

* PAES LOUREIRO, João de Jesus. Cultura Amazônica-Uma poética do imaginário. (Vol.4) 1ª. Edição. São Paulo: Escrituras Editora, 2000. - Cultura amazônica: uma poética do imaginário é a tese de doutoramento de Paes Loureiro, elaborada na Sorbonne-Paris, sob a orientação de Michael Maffesoli. Apresenta uma análise da cultura amazônica sob o ângulo dominante de uma poética advinda do imaginário. O mais importante conceito formulado, além do imaginário poetizante como o ponto vélico da cultura amazônica, o de conversão semiótica - processo de mudança na qualidade do signo no movimento de deslocamento de sua função dominante.

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OLHAR FOTOGRÁFICO anos no segundo domingo de outubro. É uma espécie de apoteose epifânica da fé do povo do Pará percorrendo as ruas de Belém. Representa uma modalidade de síntese cultural, pela complexidade e diversidade de realidades e simbologias que constituem o seu processo e a sua estrutura. De origem latina, cereus, o vocábulo “círio” designa uma tocha grande como a vela pascal. Tanto em Portugal como no Brasil, serve para designar romarias ou mesmo procissões de maior porte em celebração do santo padroeiro do lugar. Isidoro Alves considera que o Círio exerce na festa do padroeiro o papel de intercâmbio ritual, no processo de trocas simbólicas. É um poderoso aglutinador, em torno de uma generalizada ideia de identidade regional”, constituindo-se em “um campo ritual de cruzamentos de várias dimensões da vida social” (02). Estima-se, atualmente, que cerca de um milhão de pessoas-romeiros — acompanham o Círio de Nazaré durante suas 4 ou 5 horas de percurso, desde a Sé Catedral, na Cidade Velha, até a suntuosa Basílica de Nazaré, no centro da cidade, num percurso que se estende por 4,5 Km, aproximadamente. As circunstâncias de vinculação com o Círio revelam o caráter cíclico e periódico dos brinquedos de miriti. De certa maneira, há um componente de mercado motivado durante a festa, o que estimula essa periodicidade é, ao mesmo tempo, explica o caráter social evidente no processo desse artesanato artístico. Torna-se, inclusive, um elemento a mais no conjunto plástico da monumental procissão. Nessa condição pode ser visto também como uma “arte representativa de uma festividade tradicional de cunho religioso, com características essencialmente da Amazônia”(03). Essa relação pode ser testemunhada pelos próprios artesãos. Seu Abaeté, por exemplo, explica que foi vendo os brinquedos sendo vendidos no Círio que aderiu a ideia de se tornar também um fabricante. “Eu acho tão bonito aquilo. Se eu não vou, eu me sinto ruim. Eu não vou só vender os brinquedos não... eu vou pra ver a Santa também” (As coloridas girândolas de miriti). No entanto, sua produção atende também a outras finalidades, isto

é, como pagamento de promessas feitas à Santa, depositadas no carro dos milagres (onde são depositados ex-votos no decorrer da procissão), miniaturas de barcos ou casas, em reconhecimento a uma graça alcançada. A própria literatura da Amazônia já registra essa utilização ritual dos brinquedos de miriti. O personagem central do conto Carro dos Milagres, de Benedicto Monteiro, diz: “Olhe compadre, nem quero lhe contar a triste sina deste meu barco a vela feito de tala de miriti. Eu trouxe ele, mas foi pra colocar no Carro dos Milagres”(04). São numerosos os artesãos que confirmam essa hipótese: Começou a ideia de vender com as canoinhas de promessa. No Círio de Nazaré, o promesseiro levava aquelas canoinhas, que ele fazia promessa. Uma pessoa do interior, por exemplo, fez uma promessa de uma canoa dele que sumiu. Se aparecia, ele levava uma montaria para Nossa Senhora”(05). Portanto, o uso desses brinquedos é diversificado. É um sinal de sua plurissignificação. Servem como signo mágico-religioso na forma de ex-votos, de brinquedos propriamente, de recordação da festa ou da região, de objeto estético entre os artistas plásticos e colecionadores, de elemento de decoração, de artefato museológico da cultura popular. “Quem compra mais é a criança (...) Outros compram pra enfeite, mas é mais brinquedo de criança. Qualquer brinquedo pode servir de enfeite. Muita gente de fora compra pra recordação. Agrada.” (06) Luís Carlos Morais afirma que o brinquedo “tem sua função sócio educativa no lazer,na religião, como adorno, objeto decorativo para turista ou coisa de agrado para uma pequena parcela de admiradores” (07). O SUPORTE MATERIAL Os brinquedos são modelados em um material que é a bucha do miritizeiro, uma polpa vegetal fibrosa e leve, de grande maciez e flexibilidade. O miritizeiro, que é uma palmeira abundante na região de Abaetetuba, comum nas áreas alagadas, tem uma altura que varia de 30 a 50 metros. Seu nome científico é mauritia flexuosa. Trata-se de um material familiar de múltiplo uso, seja como meio de subsistência para os índios e caboclos, uma vez que 17


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OLHAR FOTOGRÁFICO seu fruto tem agradável sabor e inúmeras utilidades; seja como material de construção de habitações; seja pelo uso de suas talas na magnífica cestaria regional; seja na fabricação dos brinquedos com a polpa ou bucha. O miritizeiro é, portanto, uma árvore cultural da região onde estão disseminadas, embora predominem nos baixos ou áreas alagadiças resultantes do transbordamento dos rios. Um dos motivos da intensa produção dos brinquedos em Abaetetuba resulta da grande quantidade de tremendais de miriti existentes no município. A densa rede potâmica que o divide em um arquipélago, com ilhas que também são entrecortadas de rios, lagos e igarapés, criou condições para que se tomasse abundante essa espécie vegetal no município. Para que a polpa ou bucha do miritizeiro fique apropriada ao trabalho de entalhe, deve ser observada uma adequada metodologia. Em primeiro lugar, retiram-se as talas, que são fibras duras que revestem a polpa. Em seguida, as toras da polpa são postas ao sol para secar a fim de que o material adquira a consistência adequada ao entalhe. Os artesãos vão adquirindo o material ao longo do período de novembro de um ano até julho do outro quando os trabaIhos serão iniciados, para que fique bem seco no período menos úmido e quente do inverno. Nessas condições o miriti fica com a textura adequada ao corte e ao lixamento. “O miriti, a gente compra ele verde e bota pra secar com a quentura do tempo, dentro de casa. No sol, ele seca por fora, mas não fica bem seco. Dentro de casa, da tempo pra ele secar todo, descansa. Então ele fica bem apurado.”(08) O PROCESSO DE TRABALHO COM O MATERIAL A fabricação do brinquedo de miriti estabelece a relação profunda que há entre o artista e sua obra, 0 fabricante é um artesão que tem a execução material de sua obra acompanhada de uma interação e um gesto estetizante em sua modelagem. É evidentemente possuidor de uma técnica apurada, a serviço de uma concepção de forma

significante no contexto cultural em que está inserido. Fabricando integralmente o seu objeto estetizado, ele reproduz ou cria modelos, assumindo sua completa execução. “Pra mim é uma arte, porque tem gente que faz aquilo que vê, eu crio” (Seu Abaeté, in Amazônia Hoje, p. 18). Em aditamento a essa visão do brinquedo reconhecendo sua artisticidade, opina o pesquisador Luís Carlos Morais: “Pelo visto, o brinquedo de miriti se apresenta como arte (...).(09) Os fabricantes de brinquedos de miriti trabalham fazendo sua obra, com reduzida utilização de instrumentos mecânicos e sem o caráter de série, próprio dos casos em que se utiliza a máquina. É grande sua habilidade manual. “A gente tem de estar com a cabeça fria. Trabalhar com muito cuidado, às vezes eu largo e vou embora, dar uma volta. Quando a gente tá fazendo o brinquedo, tem de tá com o olhar certo, com a visão certa, porque qualquer vacilo a gente tá se furando, se cortando.”(10) As obras apresentam uma individualidade ou diversidade real em meio a uma aparente uniformidade, nunca sendo absolutamente iguais. Por isso, constituem-se objetos estilizados na modalidade de artesanato artístico, garantindo cada peça sua originalidade. Dentre seus principais procedimentos técnicos de criação estão o corte, o lixamento, a montagem e a pintura. É aparentemente fácil modelar pelo corte a polpa do miritizeiro. Ela é extremamente macia e não tem fibras que dificultem o corte e os entalhes. Mas as facas precisam estar afiadas e a concentração permanente. A penetração da lâmina, o corte, o lento desbastar de seus contornos tem uma voluptuosidade carnal. A matéria não oferece quase resistência. A faca penetra como se estivesse trabalhando numa forma suspensa no ar. À maneira dos ceramistas que, especialmente na poteria, vão com as mãos esculpindo formas no ar, assim os fabricantes desses brinquedos vão recortando suas formas no miriti, 0 artesão de brinquedos vai penetrando na intimidade da matéria miriti, a medida que nele vai objetivando sua imaginação seu desejo. Vai atribuindo sentidos a matéria extraída na natureza. Seu ponto de partida é uma espécie de espiritualidade poéti-

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PREFÁCIO ca. Pela fragilidade do material é como se fosse entalhando o efêmero. Os objetos e as figuras resultam numa simplificação de traços, persistindo os essenciais significantes, sem detalhamento naturalista, pois a textura do material não permite, assim como as lâminas de entalhe utilizadas. Há uma perfeita adequação entre procedimento, instrumentos e material para a obtenção desse resultado estético que define um gênero de criação. Dessa maneira, o artesão de brinquedos de miriti é uma espécie de entalhador do sonho. O artesão de brinquedos de miriti faz de suas mãos um instrumento vivo e inefável de sua relação com a matéria. Como se dialogasse com o miriti, ela vai extraindo as suas formas imanentes, vai convertendo — numa operativa conversão semiótica - a forma natural em forma expressiva. Ação libertadora de energia, a mão, além de veículo de trabalho, parece conter o sentimento do artesão nela impregnado. Elas vibram com intensidade diante da matéria leve e efêmera que é a polpa do miriti, no ato de atribuir-lhe a duração individualizadora da forma artística. Geralmente sentados no chão ou numa pequena banqueta, o fabricante de brinquedos estabelece com os materiais e objetos uma intimidade familiar e efetivizada. É o seu mundo. Com as mãos ele segura cuidadosamente um pedaço de miriti, confere sem pressa sua condição material, acaricia-o com as mãos ou algum instrumento a sua superfície levemente rugosa, a fim de torná-la uniforme e lisa. Corta com minuciosa delicadeza os contornos configurando as peças ou partes do brinquedo. Não parece ferir, nem agredir a matéria que se oferece rica de possibilidades. Toca naquela polpa como no próprio corpo da ternura. Segura a lâmina como o poeta sua pena, como o pintor segura o pincel. Separa do geral da matéria domesticada o particular que é o brinquedo, criando um objeto estético universal na sua significação. Cria um objeto distinto da natureza. Esse inútil essencial que constitui a magia dessas formas tão frágeis e singelas da beleza, esse mundo miniaturizado que o artesão sonhou naquela 20

matéria e que vai nascendo de suas mãos. “A curiosidade da infância, o artista a prolonga e privilegia além dos limites dessa idade. Ele toca, ele apalpa, ele estima o peso, ele mede o espaço, ele modela a fluidez do ar puro e prefigura a forma, ele acaricia o contorno de todas as coisas, e é da linguagem do olhar — um tom quente, um tom frio, um tom pesado, um tom vazio, uma linha dura, uma linha mole.”(11) O artesão desnuda a polpa do miriti de sua veste de talas. Imprime nela uma forma econômica simples. A mesma mão que faz barcos de verdade, constrói casas, forja o ferro, navega e pesca, é a que imobiliza no miriti o acaso do seu devaneio. A mão do trabalho pesado fazendo o trabalho da leveza. Após a conformação da figura pelo entalhe, é necessário o lixamento, a fim de que as formas tenham suas superfícies e contornos alisados ou amaciados. Toda aspereza deve ser desbastada. As superfícies devem estar suavizadas para o recebimento das cores, do toque das mãos e do olhar. É um processo, de suavização da matéria que se processa após os cortes modeladores. Objetiva-se a eliminação das farpas da polpa do miriti, a fim de que as peças tenham superfície alisada e suavizada. Pode-se dizer que é também um gesto de ternura. O objeto estético é criado por meio de movimentos que traduzem uma aproximação efetiva da matéria, uma efetivação crescente, à medida que a obra se vai configurando. Como o ceramista, o fabricante de brinquedos de miriti acaricia as formas objetivadas de sua imaginação criadora, impregnando-as de uma humanidade concentrada, transferida pelo toque das mãos, da pele, da emoção sensível. Com o uso complementar do cabo da lâmina do entalhe, a superfície porosa adquire uma impermeabilização que favorece à pintura. Quando há brinquedos compostos de várias partes, eles precisam ser montados — fixados por cola ou estiletes de tala — para receber a forma final. Os brinquedos estão prontos, mas ainda apresentam a cor neutra do mi


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OLHAR FOTOGRÁFICO riti. Alguns artesãos mantêm neles essa tonalidade. Outros, pintam-nos de cores ou signos. Poucos fabricantes, como, por exemplo, Antonio Jarumã, substituíam ou substituem a pintura das figuras por vestimentas. “Eu comecei a fazer com a idade de 7 anos. Aprendi lá no interior, em Jarumã. Fiz da minha cabeça, ser ninguém ensinar. Tinha uma turma de 5 a 6 moleques. A gente ia pra beira do igarapé, tirava miriti, botava pra secar e fazia barco pra brincar na água. Fazia avião, fazia currupio. A gente fazia barco grande, de vela de pano, enchia de pedra e punha pra disputar no rio. Tinha 8 a 10 canoas correndo todo dia de domingo. Fomos aprendendo assim, cada qual fazia um mais bonito. A tinta, cada um fazia de açaí, porque não tinha tinta, não havia nem de anilina. Então nós pegávamos o açaí preto, amassava ele puro e botava limão. Ficava vermelho. Quanto mais limão, mais muda a cor, mais vermelha a tinta. Agora eu não uso mais porque ficou tão caro o açaí, e tem também a facilidade de ter tinta.”(12) O fabricante desse artesanato artístico atenta para a sua artisticidade mesmo quando sua finalidade é lúdica ou utilitária. Trata-se de uma espécie de arte do tipo equivalente as artes momentâneas como as instalações ou a arte do cartaz. Nessas artes, a sua destruição está intimamente ligada à sua existência. À destinação para o eterno próprio das artes auráticas, opõem uma fragilidade mortal e sem conflitos, incorporando a brevidade como um valor inerente a elas mesmas. Artes do efêmero - o cartaz, as instalações, os brinquedos de miriti - têm na destruição pelo uso uma contingência constitutiva e não uma forma de valor negativo. No entanto, a utilização como brinquedo propriamente é apenas um dos destinos desse artesanato artístico, capaz de alcançar durabilidade nos museus de arte popular e na decoração. Os brinquedos de miriti estão impregnados de uma artisticidade singular adequada ao material do qual é feito, representando a penetração dessa esteticidade nutri-

da no devaneio operativo e poetizante da vida amazônica. Revela uma sensibilidade instintiva participando objetivamente das formalizações da vida. O brinquedo de miriti é uma confluência dessas duas tendências que permitem converter em uma forma sensível o desejo de liberdade do espírito. O caráter lúdico convive com a beleza. O brinquedo de miriti, por sua aparência artística e sua destinação lúdica, é uma forma intercambial de jogo e de beleza. Mesmo porque, sendo a arte um análogo do jogo, essa intersecção analógica constitui um dos fatores de legitimação do brinquedo de miriti como artesanato artístico. Após a valorização da estética industrial, certas discussões sobre arte e utilidade perderam em grande parte seu fôlego. Evidentemente que, na mão das crianças, a função dominante do brinquedo de miriti é a de jogo. Mas é o mesmo que acontecera, em condições equivalentes, com os bonecos e bois do mestre Vitalino, que estão entre os mais representativos artesanatos artísticos brasileiros. O que ocorre no brinquedo de miriti é que persiste nele ainda a finalidade lúdica, não se tendo deslocado a produção para o campo prioritário da recepção ou do consumo dominantemente artístico. Aliás, esse componente lúdico ainda é presença também dominante na produção. Os seus artesãos se confessam gratificados com esse trabalho, como pode ser testemunhado por seu Abaeté que, vendo o sucesso comercial de venda dos brinquedos durante o Círio de Nazaré, em Belém, ou o Círio de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Abaetetuba, concluiu que “era bonito e dava dinheiro certo”: “Pra mim é uma arte, porque tem gente que faz aquilo que vê , eu crio”. Como todo artesão, ele vende pessoalmente seus objetos artísticos: “Eu acho tão bonito aquilo. Eu não vou só vender os brinquedos não... eu vou pra ver a Santa também”. Todos esses artesãos se confessam levados pelo prazer de fazer e vender os seus produtos. A perfeição desse jogo, a harmonia das formas produzidas, a originalidade, a composição plástica,- o cromatismo resultam em sua esteticidade.

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OLHAR FOTOGRÁFICO Em sua localização como artesanato artístico, onde se percebe “o encontro de uma técnica e de uma intuição”, o brinquedo de miriti situa-se na zona fronteiriça entre a arte e a criação extra-artistica. Nele, a função estética e muito mais visível do que em outros tipos de brinquedos e outras formas de artesanato da própria região, como os brinquedos de madeira e a poteria. Pela forma, pela cor, pelo conjunto expressivo e originalidade, o brinquedo de miriti é valorizado como objeto por via de sua aparência formal. Com Isso, ele adquire uma independência ante a realidade. Foi por esse motivo de evidenciação estética que esse brinquedo ultrapassou o público infantil destinatário, para conquistar com uma finalidade não finalística ou lúdica, mas estética, um outro público para esse “mundo sem idade”, de que fala Luis Carlos Morais (13). Mukarovwsky considera que o artesanato artístico pode ser configurado historicamente nos fins do século XIX e inícios do século XX. São casos em que se opera uma evidenciação dos aspectos estéticos, evoluindo para casos em que a função utilitária se degrada, a intensidade de uso vai sendo anulada, surgindo objetos que, sendo anteriormente de uso — como, por exemplo, taças — não podiam mais ser usados, mas somente apreciados. Eram taças para ver e não para beber. No caso dos brinquedos de miriti, fora do uso como brinquedo infantil, mas apreciados nos museus e nas decorações, ou nas coleções particulares, houve a conversão em brinquedos para serem contemplados e não mais para brincar. Convertem-se em objetos para os adultos. Há uma transposição de estados, uma conversão semiótica de artesanato em arte. Um trajeto cruzado por meio do qual cresce a função estética à medida que decresce a função lúdica e utilitária. Sem poder competir com a sedução e a eficácia dos brinquedos industriais, eletrônicos ou mecânicos, o brinquedo de miriti se resguarda protegido por sua cativante singeleza estética. O que atrai nele não é a complexidade de efeitos, mas o tempo de uma simplicidade atraente da infância nele concentrado. Volta-se aqui, ao conceito de temps comprimé ou concen-

trado de Gilbert Durand. Esses objetos deflagradores do tempo de uma vida, que fazem com que todo um passado possa emergir de uma taça de chá, ante o doce sabor de uma singela madalena. Esse fenômeno acontece em objetos intensamente energizados pela cultura, que são como um botão de epifania prestes a desabrochar ao toque dos dedos de um momento qualquer no curso da existência. Uma energização que se processa por acumulação de tempos e de vidas, sucessiva consolidação de significados universais, por via de uma cadeia de emoções individuais. Esses frágeis brinquedos de miriti, como um poema, como uma canção, como fragmentos de vida durando na memoria emotiva, quando são reencontrados em outras épocas ou lugares, recompõem todo um passado. Como todo caso de tempo comprimido (temps comprimé) são como o repetido rebrotar da fonte do devaneio. TIPOS E CARACTERÍSTICAS DOS BRINQUEDOS A execução material das representações do seu imaginário faz do trabalho de fabricação dos brinquedos de miriti uma atividade de cunho artesanal, uma vez que o fabricante tem a responsabilidade completa nos objetos produzidos. Utilizando a mão e um instrumento reduzido, ele mesmo comercializa seus produtos. Na sua condição de artesanato artístico, o brinquedo de miriti “é o produto único de uma atividade que se situa, algumas vezes, sobre o plano das atividades imaginárias de um grupo social dado”. Ele vai revelando o inesperado na sua matéria leve. O que antes era superfície, ângulos, rugosidade, vai-se refazendo em asas, braços, pernas, pássaros, figuras. A rugosidade se converte em maciez sob o toque das mãos dialogando com a matéria. Liberando o imaginário aprisionado na matéria. E as figuras de brinquedo intermedeiam relações entre uma e outra alma. Por sua aparente ingenuidade, o brinquedo de miriti representa uma espécie de glória efêmera da emoção, renovando e embelezando a matéria vegetal, que se torna cativante por recriar para o adulto uma encenação, a mis 25


PREFÁCIO en scêne de um estado de infância que vai ficando cada vez nos bastidores, à medida que o tempo passa. Para as crianças há uma adesão identificadora, uma vez que naqueles pássaros, aves, animais e homens no trabalho, há uma singela representação daquilo que elas não têm ainda a ventura de criar. Vai-se promovendo, ao mesmo tempo, uma pedagogia do gosto, uma educação da sensibilidade nos moldes teorizados por Schiller, visto que as crianças são atraídas para formas de beleza a partir de materiais e técnicas simples da região, do seu contexto, demonstrando-lhes possibilidades criadoras na relação com seu mundo. Um exemplo de como a matéria à sua frente pode se tornar sentimento e emoção. É nessa condição formadora de percepções de beleza — criação e recepção — como na educação da sensibilidade que repousa uma das características sociais da estética perceptível nos brinquedos de miriti. É um dos elementos que unem a população em torno de uma emoção partilhada, expansiva e extensiva. Essa atitude e emoção estéticas que penetram continuamente na vida, como uma das relações essenciais dos homens com a realidade. Como objeto estético, o brinquedo de miriti é o signo de sua própria simbolização. Dessa maneira, vão sendo orquestradas e renovadas as relações entre o caboclo amazônico e sua realidade sobre a qual seu comportamento se reflete. A respeito dessa relação entre a norma estética e a organização social, Mukarowsky demonstra bem (14) que é a condição social do homem que lhe permite compreender-se o caráter variável e obrigatório da norma estética. O contexto cultural amazônico, em que se observa uma intersecção do mágico no real, explica essa valorização estética do brinquedo de miriti e a sua esteticidade singela presente ou dominante. A variedade dos objetos produzidos é muito grande relacionamento entre o simbólico e o real, podendo-se dar alguns exemplos ilustrativos: A “montaria”, que é a representação em pequena escala de uma canoa ou igarité indígena. Pode ser encontrada 26

pintada ou sem pintura. Sua forma destaca-se pela plasticidade, reproduzindo fielmente as proporções do modelo original. A “canoa de vela” é um tipo mais complexo, uma vez que exige a cobertura no tombadilho, mastros, lemes com mobilidade e pintura onde aparecem, a par das cores básicas, os signos que fazem parte dos códigos semióticos das canoas grandes que navegam pelos rios da Amazônia. Os “navios ou motores”, seja do tipo “gaiola” ou “marabaense”, construídos segundo os modelos de grande porte, exigem maior complexidade na fabricação e na pintura. O mesmo acontece com os “iates” de dois mastros com velas, que se assemelham a um tipo de embarcação comumente utilizada para o transporte de gado bovino da ilha do Marajó. A “cobra-que-mexe” é uma reprodução na região. Ela é engenhosamente articulada, o que lhe permite um movimento coleante de réptil quando agitada pelo vento ou arrastada no chão por um fio. Divididas em partes de miriti que são unidas longitudinalmente por uma tira de pano que passa pelo meio da cabeça à cauda, as cobras-que-mexem tem no movimento um elemento visual constitutivo de sua função. Não é apenas uma cobra: é uma cobra-que-mexe. Outro componente dessa fauna de miriti é o “tatu”. O tatu também incorpora o movimento e tem nisso um de seus sinais de interesse. Tendo no corpo, que é o apoio do conjunto, uma tala enfiada numa das partes laterais, pode ser manipulado com a mão que o movimenta para a esquerda ou para a direita, oscilando como uma balança imaginária. Em consequência disso, a cabeça e o rabo, que são móveis, oscilam , numa estilização dos movimentos do animal vivo. O que permite esse movimento é um pequeno peso pendente em um fio sob o casco do tatu, cujas pontas estão atadas, de um lado, à cabeça e, de outro, ao rabo. Outro brinquedo de grande aceitação é o “soca-soca” representado por dois homens trabalhando com piladores, isto é, triturando uma substância imaginária no pilão. Es-


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OLHAR FOTOGRÁFICO tão ambos sentados segurando a mão-de-pilão para usar, um de frente para o outro. Entre eles fica o pilão. Por um artificio de fabricação, basta um pequeno movimento nas bases onde estão sentados — duas tiras articuladas e superpostas — para que, alternadamente, batam com a mão-de-pilão no pilão. Pintados com cores primárias, eles constituem um interessante objeto plástico e, à semelhança dos outros brinquedos, podem ser agrupados em forma de painel de grande efeito visual. Na mesma linha de concepção do conjunto cromático e plástico estão as “pombinhas”. São duas pombas pousadas numa - tira de miriti, uma de frente para a outra. Entre elas demora-se uma vasilha com imaginários grãos. Do pescoço articulado ao corpo de cada ave sai a ponta de um cordão que se une amarrando um pequeno peso que fica pendurado embaixo. Segurando-se numa tala que está espetada na base do brinquedo e oscilando-se pendularmente à esquerda e à direita provoca-se um movimento que faz as figuras simularem estar bicando alimento na vasilha. Os “dançarinos” representam um casal dançando. Estão abraçados e o movimento da dança pode ser provocado pelo vento, caso estejam pendurados, ou pelas mãos, à semelhança de marionetes. Esses dançarinos usam roupas de pano, o que os difere dos outros brinquedos. São alguns exemplos da variada tipologia dos brinquedos de miriti, representativas da invenção e do fértil imaginário do caboclo. Trabalhando com o miriti, complementam com outros materiais segundo a necessidade: algodão, argila, tecidos baratos, talas, fios, cola, resinas, tintas, etc. Vão se acumulando novos elementos desde que exigidos pelo processo de fabricação e atendendo às novas ideias criativas dos artesãos. Os brinquedos de miriti são expostos ou levados à venda em uma estrutura que tem a forma de uma cruz de braço duplo, feita com pedaços do mesmo material, tendo por volta de 2 metros na haste vertical e 1 metro nos braços

horizontais. Nessa estrutura são presos os brinquedos, formando uma espécie de painel de grande beleza visual. Os brinquedos são colocados sem uma necessária ordem, de modo que essa acumulação de formas, cores e movimento resulta em um conjunto estético original e atraente. São as “girândolas” ou “girandas”, como popularmente são conhecidas. O nome é apropriado: girândolas. O conceito de girândola é de buquê, conjunto de fogos de artifício, travessão em que se reúnem certo número de foguetes que sobem e estouram simultaneamente. Os brinquedos reunidos em girândolas são como fogos de artifício imobilizados no ar e no tempo. Permanecem com seu esplendor exposto, suspenso e sem se extinguir diante de olhares atraídos por essas formas e cores exibidas como uma composição plástico-cromática. Uma espécie de resplendor barroco levado pelas ruas. Uma árvore de signos. Deixado ao acaso das demandas do mercado e da produção individualizada, o brinquedo de miriti exerce uma dupla função que se alterna ou substitui como dominante: a lúdica e a estética. Ambas estão relacionadas com suas relações com o mercado. A demanda maior de mercado” resulta de sua situação lúdica. São relações que oscilam de forma pendular e inversante dentro da cultura. Quando a função estética domina, a lúdica torna-se secundária e vice-versa. Ocorre de uma forma dinâmica no campo sociocultural e o fenômeno que se vem denominando de conversão semiótica, isto é, uma alteração de dominante pela mudança de relação cultural no percurso de um objeto, de um acontecimento, de um signo. Ora triunfa o utilitário-lúdico, prosaico; ora o estético-expressivo, poético. Entendidos como ponto de encontro, “há neles” uma perfeita conjugação entre razão e emoção. Construídos como se obedecessem tão-somente à necessidade, sem excessos, sem desperdícios, o que resulta em pura poesia”(15). Representam um jogo de puxões: são produzidos manualmente para o público restrito e não-orientado, embora motivado, da época do Círio de Nazaré, em Belém ou do Círio de Nossa Senhora da Conceição, em 31


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PREFÁCIO Abaetetuba. Exprimem, nesse jogo, o devaneio de seus fabricantes: “Onde eu estou está cheio de criança. Todo o meu trabalho é feito para as crianças” (16).

sário uma verdadeira arqueologia a fim de descobrir-se o Brasil encoberto, onde restam fragmentos de culturas extintas ou desaparecidas. Idealiza uma espécie de retorno à identidade original, a partir do que todos se tornasEmbora haja a fabricação de um número limitado de ti- sem sujeitos a sua própria voz. pos dessa forma de artesanato, cada um dos objetos apresenta uma singularidade artística individualizadora. De certa maneira, essa ideia de compreensão profunda Todos têm uma forma, mas nunca uma fôrma. São, por- da sociedade amazônica por meio de sua arte, revelandotanto, densamente simbólicos. Nenhum é idêntico ao ou- se seu mundo cultural submerso, coincide com “o destatro, em sua condição artesanal. “Ora, o que caracteriza que de Francastel que arte é um método de escolha para o objeto onde o inacessível não é mais deixado ao acaso compreender a cultura escondida e os sentidos secretos da procura e da execução individuais, mas que é hoje em de uma sociedade, pois que através das visões do paleodia condenado e sistematizado pela produção, que asse- lítico nós percebemos as primeiras classificações natugura através dele (e a combinatória universal da moda) rais do espírito e o dualismo provável da visão de mundo sua própria finalidade.”(17) Quando vão para as mãos do das sociedades primitivas”, reiterado por Roger Bastide, colecionador, do decorador ou para museus, os brinque- ao estudar as origens das belas-artes numa perspectiva dos de miriti experimentam o fenômeno que Jean Bau- sociológica”(19). Para Emmanuel Nassar, um dos pontos drillard chama de abstração da função. Quando é usado de convergência visível e social desse mundo submerso como brinquedo, ele não é um objeto estético, mas um está nos brinquedos populares. “Na sua construção não brinquedo. Nas mãos do colecionador ou nos museus, ele estão as odiosas barreiras entre a ciência e a arte, entre o é esvaziado de sua finalidade ou função, convertendo- criar e o fazer, que tanto caracterizam a esquizofrenia da se em objeto estético. Há a transferência de dominante sociedade em que vivemos.” (20) nesse processo de conversão semiótica do brinquedo de miriti. Ele deixa de ser um instrumento para tornar-se um Os brinquedos de miriti são uma epifanização de uma objeto auto-reflexivo. Não é mais um caminho para uma cultura amazônica submersa sob as camadas culturais finalidade exterior a ele, mas um caminho para si mesmo. que se foram espalhando na Amazônia. Revelam, porNão é mais curiosidade e instrumento de jogo para quem tanto, essa outra que está além das evidências, essas rao utiliza, mas objeto de paixão de quem o possui. ízes submersas prontas a aflorar em atividades de cunho material ou simbólico do imaginário. Esse outro que a O PAÍS SUBMERSO cultura amazônica é além das aparências e que vem das realidades psicossociais encobertas por tantas fases de Em texto de abertura da Exposição de Brinquedos Popu- colonização ou desenvolvimento não engajado na cullares promovida pela Secretaria Municipal de Educação e tura. Esse país submerso pode revelar-se pela mitologia, Cultura de Belém, em 1984, o pintor Emmanuel Nassar por exemplo, nas encantarias situadas numa realidade afirma que foi atraído pelos brinquedos pelo seu colorido, além do real e da cultura manifesta. forma e curiosidade. Em seguida pelo interesse de resgatar o que ficou perdido no tempo, de alegria e, certamen- Ou mesmo nas cidades encantadas submersas no imagite, de emoção. “Algo me dizia que aqueles brinquedos nário, como Abaetetuba, transfigurada na ilha da Pacoca fazem parte daquilo que chamo de ‘país submerso’, que e guardada pela boiúna, a cobra-grande mítica. Nos briné o verdadeiro país por baixo da aparência imposta pelos quedos de miriti aparece uma espécie de outra natureza padrões culturais internacionais.” (18) Para ele é neces- miniaturizada, gulliverzada, fruto do encontro entre a 34


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OLHAR FOTOGRÁFICO técnica e a intuição. Uma espécie de memória da natureza e da infância esculpida no efêmero da polpa do miriti. Esse mundo sem idade guardado na memória da cultura originária e que constitui o lugar das realidades imaginárias, enraízadas na existência coletiva da sociedade amazônica. Uma outra característica, enfim, do brinquedo de miriti como artesanato artístico é sua efemeridade. Uma fragilidade que contraria sua condição de brinquedo e o aproxima da condição de objeto estético, sob a qual ele pode resistir ao tempo. Isto significa que a fragilidade material de seu suporte de miriti é mais coerente com a condição de artesanato artístico do que de sua destinação como brinquedo. Na sua outra condição marcada pela artisticidade artesanal, ainda que a fragilidade do suporte de miriti permaneça, a condição de esteticidade lhe atribui maior permanência no caso de seu uso como arte decorativa, nas mãos do colecionador ou na vitrine dos museus. O certo é que sua eficácia está também ligada à sua fragilidade. Como certas flores que têm a duração de um dia, o brinquedo de miriti é um artesanato artístico que não se propõe como duração indeterminada. Sua existência é a da brevidade. Faz do efêmero sua matéria e não tem na duração sua qualidade. Seu tempo é uma forma de acaso. Como o cartaz, a publicidade, a “instalação”, seu tempo é limitado à sua utilidade ou função. Somente o colecionador refaz sua aura. Não apresenta nem raridade nem especial dote em seu material. Todo seu efeito advém da estetização que o transfigura. É o jogo entre a finalidade o destino desse artesanato. O eixo em torno do qual se opera movimento dialético da conversão semiótica na mudança cultural de dominância de instrumento lúdico-para objeto estético, que pela fragilidade de seu material renuncia à expectativa aurática de duração ou eternidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01 - CORREA, Antônio Silva, né à Abaetetuba , dans la région de Tucumanduba, cité dans la publication de la Funarte (Fundation National d l'Art). O brinquedo de miriti, Belém/Rio de Janeiro, 1987. 02- O Carnaval Devoto - une étude sur la fête de N.S. de Nazaré. Petrópoles, Vozes, 1980, Cité dans Promessa é Dívida, Rio de Janeiro, Musée National, 1993, p.69. 03 - MORAES, Luiz Carlos. Aprendendo com o Brinquedo Popular. Belém, Secretaria de Estado da Cultura / Fundação Tancredo Neves, 1989, p.23. 04- Carro dos Milagres. Rio de Janeiro, PLG - Comunicação, 1980. 05 -MANUELZINHO. In O Brinquedo no Círio de Belém. Rio de Janeiro, Funarte, 1987, p.9. 06 - MANUELZINHO, in op. cit., 1987, p.9. 07 -Jornal O Liberal. Belém, 15 de novembro, 1987. 08 - MANUELZINHO, in op. cit., 1987, p.10. 09 -Aprendendo com o Brinquedo Popular. Belém, Secretaria de Estado da Cultura / Fundação Tancredo Neves, 1989, p.23. 10 -MANUELZINHO, in op. cit., 1987. 11 -FOCILLON, Henry. Vie des formes. Paris, Quadridge/Puf, 1943, p. 112. 12 - JARUMÃ, Antônio Rodrigues, O. O Brinquedo no Círio de Belém. Rio de Janeiro, Funarte, 1987, p.13. 13- Aprendendo com o Brinquedo Popular, op. cit. 1989, p.25. 14 - Função, norma e valor estético como fatos sociais. Estudos de Estética e Semiótica da Arte. LIsboa, Estampa, 1981, p. 39. 15 - NASSAR, Emmanuel. Brinquedos Populares (Introdução). Cadernos de Cultura, Estudos 2, Belém, Semec, 1984. 16 - TABARANÃ, artisan de joueets de miriti, Brinquedos Populares, Cadernos de Cultura, Estudos 2, Belém, Semec, 1984. 17 - BAUDRILLAD, Jean. Le systéme des objects. (T.A) Paris, Denöel/ Gonthier, 1968, p.13/14. 18 - NASSAR, Emmanuel, in op. cit. 1984. 19 - Art. et société. (T.A) Paris, Payot, 1877, p. 66. 20 - NASSAR, Emmanuel, in op. cit. 1984.

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HOMENAGEM Foto: Aran Rodriguez

NINA ABREU RESISTÊNCIA CULTURAL POR JONES GOMES Com frequência somos levados pela cultura popular a observar as resistências que o imaginário produziu no afã de se libertar de preconceitos, limitações e enquadramentos, e, sobretudo, numa civilização do paradoxo das imagens, pouco resta aqueles que desejam mostrar sua arte, tendo como referencia suas tradições. D. Nina Abreu é a face brilhante de uma artesã que com muito empenho, ousou criar numa cidade marcada pela invisibilidade das produções culturais; suas mãos que ainda tecem os muitos sonhos das crianças e adultos desta Amazônia ribeirinha são testemunhas vivas dessa história que envolve não somente uma atividade que ajudou a sustentar sua família, mas, que é prova da responsabilidade do artista diante do mundo e de seu tempo. D. Nina Abreu nasceu no dia 11 de setembro de 1935, mulher negra de cabelos brancos, com sorriso sempre ao alcance das pessoas, é uma fonte por onde jorram muitas memorias e vivencias. Conhecida pelo titulo de rainha do Folclore, continua a ser exemplo da resistência cultural na região. Fundou o clube do Pedrinho ainda no final década de 1980 e o Centro Cultural e Artesanal (CCANA) no mesmo período, foi incentivadora do teatro e das quadrilhas juninas e participou em muitos momentos do carnaval quando ainda prevaleciam os blocos e as Escolas de Samba, sem dúvida é uma das grandes referências quando se trata das pesquisas voltadas para Arte e o Folclore Abaetetubense. Ao lado disso temos estas imagens de D. Nina Abreu, feitas em seu ateliê de brinquedos de miriti pelo fotografo espanhol (catalão) Aran Neas Rodriguez, num colorido próprio de seus temas, a artesã e produtora cultural, ainda reina na forma como dá vida e movimentos aos seus brinquedos. No entanto, seu atelier é um retrato do quadro de abandono por parte do poder publico que se mostra distante, mas, é prova de que também na simplicidade encontramos a arte e a alegria, independente da vontade politica. PÁSSAROS JUNINOS Com base em suas memórias e vivencias os pássaros juninos que ocorrem na cidade de Abaetetuba (Festival de Cordões de Pássaros e Bois Juninos), foram registrados no estudo feito no Baixo Tocantins pelo Prof. Paes Loureiro, então, pesquisador da Fundação Cultural do Pará “Tancredo Neves”, nele podemos encontrar esses detalhes: “D. Nina começou

a brincar o pássaro desde 15 anos de idade, quando sua mãe, que organizava pássaros abandonou essa atividade, que foi assumida por Nina. Lembra-se de ter organizado os seguidores de pássaros juninos, nos últimos anos: A patativa, A borboleta Encantada, O Periquito, O papagaio, A arara, O pavão do Reino, O

beija-flor e o Canário. Algumas das encenações como A borboleta Encantada e A Arara obtiveram tamanho sucesso, que foram representadas três anos seguidos cada uma delas. Os enredos do auto, bem como as letras das músicas são escritos pela própria Nina, enquanto que as músicas até bem pouco tempo eram de autoria do Sr. Agenor Ferreira da Silva (Banda Virgem da Conceição). As apresentações das peças eram feitas inicialmente em um palco construído na própria residência da organizadora. Com os anos o palco se deteriorou e atualmente D. Nina Abreu consegue armar um tablado em frente a sua casa, contando com poucos recursos financeiros obtidos graças a um livro de ouro que faz correr nas casas comerciais da cidade. A mesma é responsável, além do texto, pelo guarda-roupa, maquilagem, cenário, iluminação e outras providências mais imediatas que a encenação requer. Queixa-se das dificuldades financeiras. Os enredos de pássaro junino em Abaetetuba seguem uma matriz mais ou menos comum, que revela uma certa miscigenação com outras manifestações da época como o bumba: festeja-se o noivado dos namorados ou o aniversário das noivas, quando um boi ou um pássaro é roubado, inicia-se a perseguição e quando o animal é recuperado, festeja-se com um alegre carimbo. Às vezes o animal é perseguido por um caçador, tal como os pássaros de outras regiões do Pará. É Curioso observar que em Abaetetuba o pássaro junino inclui com frequência as figuras lendárias como o Saci Pererê e a Matintaperera. Os personagens que tradicionalmente aparecem nesse tipo de auto em outras regiões, tais como: o caçador, a florista, o príncipe, estão também presentes, um dos personagens mais populares entre o público local é o cômico Miguel Pereira da Silva, antigo membro do grupo que por seus improvisos arranca fortes gargalhadas do público, fazendo números nos intervalos das encenações”. (LOUREIRO, 1989, p. 12-13). Anos depois, talvez inspirado pela obra de Nina Abreu, Loureiro em seu livro “Pássaros da Terra”, reescreve essas vivencias, que também aparecem em sua poética musicada numa espécie de opereta cabocla. Elas acabam por revelar experiências teatrais mais lúdicas advindas da espontaneidade do teatro popular.

AÇÃO TEATRAL

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BANHO DE CHEIRO Outro evento cultural que marcou gerações de Abaetetubenses foi o tradicional banho de cheiro da Tia Nina, ela que religiosamente cumpria o ritual desde a década de 1960, onde os festejos de São João Batista realizavam-se em sua casa na passagem do dia 23 para o dia 24 de junho, já no encerramento da quadra junina, movimento esse que dá continuidade a uma tradição bastante comum no interior do Brasil, mas, que aos poucos foram perdendo sua vivacidade, como as fogueiras, comidas típicas, danças a caráter e casamentos na Roça. O banho de cheiro teve tanta influencia em nossa cultura, que foi carinhosamente descrito pela escritora paraense Eneida de Moraes. Este ritual que se alimenta do símbolo da água como fonte de renovação e purificação, esta assentado no imaginário do catolicismo que aqui tomou formas sincréticas e populares de culto aos Santos. E isto tudo está associado ao costume de colher as ervas, folhas, cipós, cascas e raízes cheirosas de certas plantas para o preparo do “banho”. Entre essas plantas, temos Patchouli, Priprioca, Cipó-catinga, Cipó uíra, Pau de Angola, Alecrim, Najarana, Vindicá, Casca do buiuçu, Casca de capetiu. Esses produtos chegam à cidade pelas estradas e rios e são vendidos nas feiras, antes de casa em casa. Na noite da festa de São João toma-se o banho cheiroso de corpo inteiro para livrá-lo das impurezas e azares e ter sorte o resto do ano. Neste interim está lá a matriarca dos costumes, que humildemente se coloca de prontidão, para antes do amanhecer do dia, lavar o corpo dos presentes e alimentar suas almas num novo ciclo da vida que os aguarda, tudo isso, como exigência da crença e da fé do artista popular num mundo que já perde o encanto e a cor.

brinquedos ganham vida e passam a fazer o trabalho; ao raiar do dia a procissão está terminada. Está é uma realidade dos muitos artesãos que se arvoram em produzir sua arte pro círio, num ensejo de arte e fé que contagia toda Belém de alegria. Aprendiz do Mestre Jarumã ela cria as formas inspirada pelo espontâneo e o cômico do lugar que elegeu para amar. Estas mãos que tecem sonhos veem traduzir a infância e o brincar numa certa percepção de beleza que envolve a arte cuja feitura se perde no tempo, e que desde menina praticava- já que fazia seus próprios brinquedos- é com o manejo da faca, sovelas ou pistolas que ela utiliza cola, tintas e pinceis, entalha e pinta a bucha de miriti; o resultado vem em formas variadas oriundas de sua imaginação: o casamento de ribeirinhos conhecido como fofoia, o pato do Círio, o Ribeirinho e o rebolation são algumas de suas criações que encantam o olhar transeunte e de colecionadores que aguardam suas peças no Miritifest ou na Feira do Círio de Nazaré em Belém. Contemporânea do Mestre folha, Mestre Paú, Mestre Dico, Mestre Marinho, Mestre Cambota, agora a Mestre Artesã Nina Abreu se imortaliza em nossas memorias como grande expoente da cultura Abaetetubense. Não é pra menos, já que até a poesia se encaixa em sua feminina alma de rainha de todos nós: “Com sua saia rendada, cheinha de puro amor, cabelos brancos de neve, da Nina, minha fulô, a Boiúna vira e mexe bem debaixo do seu pé, Bubuiando no remanso, castigando a maré” (Letra de Nonato Loureiro “Nina Fulô” musicado pelo Grupo Sandália de Ambuá no álbum de 10 anos)

Foto: Aran Rodriguez

Mas suas contribuições com o teatro não param por ai, o Centro Cultural e Artesanal Nina Abreu (CCANA), sempre foi local de agregar os amantes da arte, Grupos de teatro como Outros Abaetés, Outros da Terra, Arte e Molecagem, Nova Geração, Viva Voz, Dublê de Corpo, Terra Chão, assumiram em parceria com a Rainha, a realização do I Festival de Teatro da Cidade de Abaetetuba no ano 1992, Nina Abreu marcou este momento ofertando o prêmio “Pinto de Ouro”, passando ganhar cada vez mais o respeito dos artistas da região. Como forma de incentivar jovens e adolescentes, no despertar das atividades culturais, funda nos idos da década de 1990 o grupo Parafolclórico “Abaete CCANA”, que muitas contribuições deram ao que nós conhecemos hoje por quadra junina de Abaetetuba.

BRINQUEDOS DE MIRITI Contudo, é com os brinquedos de Miriti que Dona Nina Abreu vai se dedicar nos últimos anos, foi inspirado nela que Andrei Miralha num curta de animação chamado “Nossa Senhora dos Miritis”, retratou o trabalho de uma artesã às vésperas do Círio de Nazaré, quando procura pagar a promessa de fazer sozinha uma procissão inteira em brinquedos de miriti. Mas, cansada acaba dormindo, e, neste intervalo um milagre acontece- os 39


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VALDELI COSTA O ensaio Mãos que Tecem Sonhos: O Bem-te-vi busca contextualizar por meio da fotoetnografia, uma narrativa visual do processo de construção, descrevendo os detalhes sequenciais do manuseio dos recursos utilizados, que propõe a valorização da técnica de produção dos brinquedos, que reproduzem objetos e seres da natureza regional e local, observando a diversidade, a particularidade e subjetividade do artista no movimento de criação do brinquedo de miriti. Dentre os valorosos artesãos, Valdeli Costa é artesão na cidade de Abaetetuba há mais de 20 anos. Utiliza a palmeira do miriti desde 1999 para criar sua arte que encanta pessoas principalmente no período do Círio de Nazaré. Os Brinquedos de miriti são mundialmente conhecidos pela sua beleza, leveza e criatividade, e nestes aspectos, onde Valdeli é especialista em produzir peças que representam réplicas de pássaros regionais e locais. Em seu atelier chamado carinhosamente de FÁBRICA DE SONHOS, desenvolve o projeto MIRITONG – Associação de Arte de Miriti de Abaetetuba, fundada em 2005, onde ensina jovens abaetetubenses as técnicas de confecção do artesanato de miriti, fomentando a inclusão de jovens em risco social no Município, garantindo a manutenção do conhecimento secular da fabricação do artesanato do miriti.

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DONA PACHECO Maria de Fátima Rodrigues Santos, conhecida popularmente como “Dona Pacheco” começou a trabalhar como artesã de miriti há 30 anos, mora no bairro do São João em Abaetetuba- PA, seu ateliê fica em sua casa e seus brinquedos dão um colorido todo especial pelo ambiente, teto, chão, paredes e mesas deixando aquele lugar muito vivo. Os seus artesanatos são as expressões da sensibilidade e da representação da realidade ribeirinha de Abaetetuba, é fácil identificar a sua arte, uma vez que predomina o formato espiral em seu artesanato. A matéria prima assim como de muitos artesãos vem da região das ilhas. As confecções dos artesanatos são feitas através de ferramentas rústicas como facas, facões, fios, lixas e tintas e o acabamento é realizado ali mesmo com toda paciência e carinho sempre com a ajuda de sua família. Além do artesanato de miriti Dona Pacheco prepara um delicioso licor de miriti que sempre oferece para aqueles que visitam sua casa. Seus brinquedos são confeccionados sob encomendas. Em Abaetetuba são vendidos principalmente no Miriti Fest e na Festa de Nossa Senhora da Conceição. Todo ano leva seus brinquedos para Belém na época do Círio de Nazaré, onde tem seu trabalho ainda mais reconhecido.

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EDNEY SOUZA

SANTINHO Sebastião Ferreira Cardoso, conhecido popularmente como “SANTINHO”, morador do bairro do São João em Abaetetuba, começou a trabalhar com o artesanato de Miriti incentivado pelo retorno financeiro que os brinquedos trazem, viu nessa forma de arte um meio de aumentar a renda da família. Sua matéria prima vem da região das ilhas assim como de vários outros artesãos. Seu ateliê fica no fundo de sua casa, onde estão disponibilizados todos os materiais necessários para confecção dos brinquedos (facas, colas, lixas, os braços de miriti etc). Há um envolvimento muito forte de toda sua família na produção dos brinquedos. Santinho prepara as formas dos brinquedos com todo zelo e cuidado, mas é sua esposa e seus filhos que dão o acabamento final como passar a lixa e a pintura dos mesmos. Hoje, tem a maior dedicação e prazer em produzir as famosas “ casinhas”, muito usadas para pagar promessas nos Círio de Nazaré. Sua produção é variada, araras, barquinhos, não tem como não se encantar com tamanha perfeição. Os brinquedos são confeccionados ao longo do ano e na época do círio são levados para Belém para serem comercializadas em praças, galerias e girândolas.

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VALDELI COSTA

MANOEL DE JESUS (GÉ) Manoel de Jesus Feio Sozinho (GÉ), abaetetubense, tem 49 anos, casado, pai de três filhos. Seu interesse pelo artesanato de miriti teve inicio ainda na infância quando observava a mãe Cecília fazendo paneiros (com a tala do miriti) e descartando a bucha (matéria prima do artesanato). Foi então que ele percebendo esse material no quintal jogados embaixo do Jirau, sem utilidade, passou a aproveitar o miriti inventando seus primeiros brinquedos. Passado algum tempo, foi convidado por outro artesão ( Miranda) a ir para Belém vender brinquedos. Começou neste primeiro ano fazendo casinhas e levou para o círio. Desde então foi se dedicando mais a arte de fazer brinquedos e não quis mais parar. Sua especialidade são os barcos, confecciona barcos de todos os tamanhos e modelos. Sua fonte de inspiração vem dos rios que cercam a cidade. Quando precisa de ideias, vai até a feira de Abaetetuba (na beira do rio), onde ele pode observar os barcos de todos os tipos que encostam na orla da cidade. Seu desejo é viver somente dessa arte, porém ainda não teve condições para construir seu atelier, com isso tem dificuldade para confeccionar suas peças e atender seus clientes. A época que mais vende seu brinquedo continua sendo no Círio de Nazaré, em Belém. No trabalho conta com a ajuda de uma filha e de sua esposa que contribuem desde a colagem das peças até aos acabamentos.

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VALDELI COSTA

ZECA BECHÓ Desde criança confeccionava brinquedos apenas para se divertir, quando cresceu viu que seria uma ótima fonte de renda e a quinze anos passou a dedicar-se ao artesanato para comercialização. Faz todos os tipos de brinquedo, porém dedica maior parte do seu tempo na confecção de barcos e canoas modalidade pela qual tem preferencia. Se inspira em seu cotidiano já que mora em uma das ilhas de Abaetetuba e quando vai vender açaí na feira de Abaetetuba( beira do rio), observa os barcos que passam de um lado para o outro, tira fotos, e chegando em casa vai confeccionar suas peças de acordo com o que viu e registrou. A matéria prima usada para confecção dos brinquedos é retirada de sua própria plantação. A melhor época para vender brinquedos é no círio de Nazaré e apesar de haver o Mirifest em Abaetetuba não tem tanto retorno financeiro como em outubro em Belém. Para ele deveria haver mais divulgação e incentivo dos poderes públicos em Abaetetuba para que houvesse a valorização da arte, pois para ele a melhor coisa no mundo é fazer brinquedo de miriti, e quem pudesse e quisesse aprender não se arrependeria, pois o artesão pode trabalhar por conta própria, tem liberdade para confeccionar a modalidade que preferir e faz seu horário de trabalho. Zeca tem varias profissões. Produtor e vendedor de açaí, Carpinteiro, pintor, restaurador de imagens ( o único na sua localidade) e artesão de miriti a qual mais lhe dá prazer, e diz que essa arte é tudo na sua vida.

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JOANALDO SILVA

NILDO FARIAS Nildo do Socorro Farias da Silva, 41 anos de idade, e 15 anos na profissão, sua produção é reconhecida pela abordagem diferenciada por reproduzir super-heróis, personagens de desenho animado entre outros. Dentre estes itens o que mais se identifica é o Ratinho. Seu pai foi sua primeira referência no contato com brinquedo de Miriti, pois o mesmo confeccionava para que pudesse brincar, pegavam a matéria prima do rio e faziam seu próprios barquinhos. A produção de brinquedos de Miriti é destinada ao MiritiFest (feira de Miriti que é realizado anualmente no Município de Abaetetuba) o Círio de Nazaré em Belém e para outros estados brasileiros. Afirma que o mercado é muito bom para este ramo, os brinquedos são muito bem aceitos.

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JOANALDO SILVA

PIPOCA Francisco Sozinho Magno ( Pipoca), 30 anos de idade trabalha há 20 anos exclusivamente com artesanato de Miriti. Teve influência de seu tio Manoel Pedro Sozinho o qual ensinou os princípios da artesania. A matéria prima é comprada na feira de Abaetetuba e sua produção e destinada às feiras de artesanato local, estadual e nacional. Em seu ateliê tem como aprendiz o sobrinho, o qual realiza o acabamento e pintura das peças, garoto que ainda tem os barquinhos de miriti como seu brinquedo diário. Dentre as varias peças produzias destaca-se as peças articuladas como: a cobra e o soca-soca. Devoto de nossa Senhora de Nazaré, Pipoca participa há 15 anos da venda do artesanato de Miriti nas festividades do círio em Belém. Ao fim da exposição doa peças em retribuição as boas vendas e graças alcançadas.

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JOANALDO SILVA

MESTRE JESSÉ Jucelino Leal Ferreira (Zé do Barco), 61 anos de idade e 40 anos na profissão de artersão, conciliada a atividade de feirante. Iniciou as atividades por incentivo de um amigo, que lhe pediu para fazer um barco, e nunca mais parou como afirma “... daí meu amigo me pediu vamo fazer um barco, disse não, não sei fazer, mas ele disse: - Não! nós vamos fazer o barco, desse eu tô até e hoje trabalhando no barco...”. Destina sua produção para o MiritiFest (feira de Miriti que é realizado anualmente no Município de Abaetetuba) e o Círio de Nazaré em Belém. Dentre as peças produzidas destacam-se os barcos de miriti o que justifica seu apelido. Todo o ano leva um de seus barcos ao círio como oferenda no carro dos milagres. Zé do barco trabalha sozinho, gosta de ter controle sobe a produção o que o limita a participar apenas de eventos regionais.

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DIEGO VIÉGAS

VITORINO Vitorino Rodrigues Ferreira, 65 anos de idade, casado há 48 anos, Abaetetubense e artesão de miriti há 40 anos. Vitorino começou a produzir brinquedos de miriti ao observar os que eram vendidos no Miriti Fest (evento tradicional em Abaetetuba). Seus primeiros brinquedos foram cobras, aves, aviões e outros mais tradicionais. A partir daí iniciou sua paixão e profissão com o artesanato. Movido pelo amor e dedicação ao que faz, o artesão sempre se sentiu motivado em repassar todo o seu conhecimento aos filhos e demais membros da família, que cotidianamente observavam-no dedicando horas e horas na produção de brinquedos. Suas maiores rendas anuais são durante o Círio de Nazaré e o Miriti Fest, eventos importantes na divulgação e venda dos trabalhos, devido ao elevado número de turistas que participam. Uma das insatisfações do artesão é a falta de visibilidade por parte do governo e a falta de incentivo local através de políticas públicas que valorizem a cultura local. Quando questionado sobre o incentivo para pessoas que queiram começar a produzir brinquedos de miriti, ele respondeu que é apaixonante e que só se faz bem quando se faz com amor.

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DIEGO VIÉGAS

ZÉ MARIA José Maria Araújo Brito (José Mária) trabalha com o artesanato de miriti há 20 anos. “Minha história com o miriti começou quando eu saí de casa e encontrei dois pedaços grandes de miriti e comecei a fazer galos. De lá pra cá eu não tive outra coisa para trabalhar, só o miriti.” É o único a trabalhar com o miriti da sua família, não tem filhos que possam ajudá-lo. Portanto, todas as etapas de preparação do brinquedo de miriti são realizadas por ele. “O dia que não pego no miriti me sinto doente” “Todos os dias eu vendo pelo menos um brinquedo de miriti aqui no meu ateliê, se eu não vender aqui tenho que sair para vender em outro lugar, porque se eu não vender não tenho o que comer.” A matéria prima é comprada por fornecedores no próprio município. “todos os brinquedos que a gente faz a gente vende.” Sua relação com círio é de fé e trabalho. Ele acha muito importante essa divulgação do seu trabalho através da publicação do livro. Em sua opinião, o grande problema não é a valoração do produto, mas a desunião dos artesãos, que pouco se ajudam no incentivo à produção e venda. “O que tem que ser feito é uma união entre os artesãos e os patrocinadores, porque muitas vezes nós não temos nem para comprar tinta e pincel. Aí tem que esperar Deus mandar.” 60


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ALISSON DURANT

BETO Natural de Abaetetuba-Pa, José Roberto do Carmo Ferreira atua hà 28 anos no ramo de artesanato, tem duas irmãs e um irmão que trabalham com ele . Trabalha somente com miniaturas e faz vários brinquedos e sua inspiração vem do dia-a-dia. A matéria prima da sua arte vem das ilhas de Abaetetuba, compra o miriti na feira da cidade e os fornecedores são acessíveis. O artesanato é vendido em feiras, no próprio ateliê e não tem loja que venda seus produtos. Vende mais no Círio de Nazaré em Belém no mês de Outrubro. Participou de feiras no Rio de Janeiro, as exposições o ajudam a aumentar as vendas. Não pretende passar a arte pros filhos, porém um deles já o ajuda e trabalha na produção. Apesar de ter incentivo do governo do Estado com o crédito cidadão. Precisa melhorar as condições de trabalho, pois não tem como produzir o artesanato sem o espaço adequado. E precisa de incentivo para participar de mais feiras para expor seus produtos. Pois as vendas não são o ano todo, é por época. Dedica-se ao artesanato e faz com amor, pois se não for dessa forma não iria longe na arte do artesanato.

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ALISSON DURANT

MANDUCA O artesão abaetetubense Manoel Antônio Santos Vilhena, popularmente conhecido como Manduca, é casado, feirante e vendedor de açaí. Trabalha há 20 anos com o artesanato de miriti, sua influência veio de Deus, só ele faz artesanato. Trabalha com barcos, canoa e casa. Sua inspiração vem do seu trabalho na feira como vendedor de açaí, vendo os barcos que chegam todo o momento na cidade. Sua matéria prima vem do interior, os fornecedores são muitos acessíveis. Seu artesanato é vendido em Belém e em Abaeté, no seu ateliê, na sua própria casa. Maior venda é registrada em Maio por ocasião do MiritiFest e em outubro no Círio de Nazaré em Belém do Pará. Não participou ainda de exposições fora da cidade. Sempre incentiva e ensina seus filhos a aprenderem a fazer a arte do artesanato de miriti, seus filhos ainda não ganham dinheiro com o artesanato, pois tem outras atividades. Não possui nenhum incentivo financeiro de Governo Federal, Estadual e Municipal. O conselho que daria para quem está começando no artesanato de miriti é dedicação e fazer com amor e bem feito.

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LUÍS AZEVEDO

GUILHERME Seu José GUILERME Medeiros Carneiro, nascido em 1957 na cidade de Abaetetuba é pai de duas filhas. Em 1999 iniciou seu trabalho como artesão de brinquedo de miriti e hoje é proprietário de uma loja de artigos culturais. Artista plástico de mão cheia e influenciado pelas maravilhas que a Capital do Brinquedo de Miriti lhe oferecia, se interessou em manusear a palmeira e logo percebeu que este era o caminho para novos projetos. Em suas peças sempre tenta representar o melhor da Amazônia, em especial os pássaros que embelezam os céus, além de produzir quadros e peças religiosas, a partir do miriti. O artesão trabalha com diversos fornecedores de miriti, porém todos vindo das ilhas, no interior de Abaetetuba, em quantidade suficiente para atender a demanda de um ano todo de trabalho. Sua produção, de inúmeros modelos de peças, procura atender todos festivais locais e principalmente o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará. A influência familiar para que suas filhas seja adeptas do artesanato, passa pelo pensamento de imortalizar a obra de arte, pois ele vê um valor muito grande na palmeira de miriti. Ele se sente um privilegiado em poder se sustentar da comercialização de suas obras de arte, em maioria os brinquedos de miriti, acolhidos pelos moradores da cidade e turistas. Seu GUILHERME está disposto a ser um propagador do artesanato de miriti para as novas gerações, e mesmo ainda faltando grandes incentivos dos poderes governamentais e privados, ela ainda acredita na arte e pretende continuar na luta de divulgação. 66


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LUÍS AZEVEDO

MIRANDA Seu Manoel Raimundo Sozinho MIRANDA, casado há mais de 25 anos, pai de três filhos; tem como profissão o artesanato de brinquedo de miriti. É artesão desde criança, pois sem condições financeiras, ainda com seus oito anos de idade começou a produzir seu próprios brinquedos, instruído pelo seu pai. Ao sair do interior para a cidade à procura de estudo e trabalho, continuou a desenvolver suas habilidades, e em 1993 foi convidado a levar seus brinquedos para a festa de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém. Recebendo um dinheiro maior do que esperava, e por intermédio da Padroeira dos Paraenses, percebeu que aquele artesanato faria parte de sua vida para sempre. Dedicado a qualidade de seus brinquedos, Seu Miranda compra a matéria prima, o miriti de diversos fornecedores das ilhas de Abaetetuba, porém somente no período do verão, na qual a palmeira está em melhor condições para armazenamento e uso. O artesão costuma dizer que o miriti é “uma palmeira santa” e que o dom que Deus lhe deu, sempre será agradecido por ele; pois em meio a tantas dificuldades no mercado de trabalho, ele junto de sua família consegue o sustento honesto e digno. Além de abrir portas de exposições em locais nunca imagináveis em todos os cantos do Brasil. Sua principal peça é O Barco de Miriti, que o trata com carinho e cuidado, a cada passada da lâmina, é como lapidada em uma rocha preciosa.

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MARCELO VAZ

AMADEU GONÇALVES Amadeu Gonçalves de Sarges, 59 anos de idade e 32 anos na profissão de artersão, fabrica aproximadamente 30 diferentes peças produzidas em seu ateliê, dentre as quais destacam-se a Cobra e os Dançarinos. Iniciou a produção de brinquedo de Miriti através de influência do Senhor Antônio (Mestre Folha) grande artesão do município de Abaetetuba. Amadeu define a arte do Miriti como a maior riqueza que tem, não apenas pela devoção à Nossa Senhora de Nazaré, mas devido à todas às graças alcançadas, mas também pelo amor ao brinquedo de Miriti, como relata “... já vim em cima de barco segurando plásticos para não vuar nossos brinquedos... já passamos muita dificuldade, antigamente os materiais eram muito diferentes, era pintado com anelina e cal, se molhassem manchava e saia tudo as cores... uma vez peguei chuva e manchou, pensei perdi tudo! Mas deixei na mão de Nossa Senhora e fui, vendi antes do que esperava ... A atividade com o brinquedo não está como gostaríamos, mas já melhorou muito antes só colocávamos um plástico preto e nos abrigávamos tipo “sem terra” na praça, tivemos essa luta por 12 ou 15 anos, depois que montamos a Associação dos Artesãos de Brinquedo de Miriti de Abaetetuba (ASAMAB) as parcerias as coisas foram melhorando. ”

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MARCELO VAZ

RAIMUNDO PEIXOTO Raimundo Silva Peixoto (Mestre Diabinho), 66 anos de idade, e 44 anos na profissão, dentre as diferentes peças produzidas em seu ateliê, destacase a peça do Jacaré, itens articulados é sua característica. Hoje o artesanato de Miriti é sua única atividade, “... gosto muito do Miriti...” diz Mestre Diabinho que teve influência do Mestre Sapo como afirma “... o Sapo me deu muita luz ... me ensinou muitas peças...” Orgulha-se em dizer que todos os filhos também fazem brinquedos, atualmente está inserido em um grande núcleo familiar de artesãos. O processo segue etapas em que cada um tem tarefas distintas como: corte, pintura e detalhamento final. Relata fatos sobre a tradição do artesanato de Miriti, quando diz “...meu sogro tinha 96 anos, antes de morrer, presta bem atenção, sentou aqui e me dizia que quando moleque ia para a prefeitura e via um senhor que fazia artesanato de Miriti para vender no arraial, olha o tempo que tem!... Outros antigos artesãos foram o Cabôco da Negó e o Cearense Zeca... Quando comecei aqui haviam poucos artesãos e foram largando, só agora tão voltando (sorrindo)...”

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SÉRGIO RODRIGUES

GUGU O artesão AUGUSTO COSTA DA COSTA (Gugu) tem 46 anos, e reside no ramal do Tauerá de Beja no município de Abaetetuba - PA. Trabalha há 15 anos confeccionando brinquedos de miriti, entre as peças que ele produz inspirado em seu cotidiano estão os pássaros regionais dos quais ele mais gosta de fazer. Gugu conta que começou a trabalhar com miriti por influência de um primo e posteriormente fez cursos para se aperfeiçoar. Lembra que no começo foi difícil produzir, porém, não desistiu, descobrindo assim sua paixão pela arte do artesanato de miriti. Todo o processo para a produção dos brinquedos é feito pelo próprio artesão, que vai desde o plantio da palmeira de miriti até a sua coleta, sendo esta produção de brinquedo a única fonte de renda do artesão. A produção e comercialização e vendida em Abaetetuba através de encomendas pessoais, contudo a festividade do Círio de Nazaré que ocorre na capital Belém, distante 122 km corresponde ao principal volume anual de vendas. Com a produção e venda no período nazareno associado às encomendas o artesão garante o sustento familiar composto por 5 filhos e a esposa. 74


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SÉRGIO RODRIGUES

GREICY BARREIROS A artesã GREICY ELLEN DOS SANTOS BARREIROS nascida e criada no município de Abaetetuba, tem 34 anos e trabalha com a produção de brinquedo de miriti desde 2003. Gosta de produzir peças em miniaturas tradicionais e contemporâneos inspiradas no seu cotidiano, além disso, participou de oficina na produção de brinquedo de miriti buscando o aperfeiçoamento das peças. Sua paixão pelo brinquedo de miriti começou quando ela estava no centro de formação e conheceu o professor Ricardo que ministrava uma oficina de brinquedo de miriti, ela foi convidada a participar e desde então não parou mais de produzir os brinquedos que naquela época tinham peças que mediam até dois metros de comprimento. A artesã consegue a matéria prima com o artesão Valdeli Costa, que também é responsável pelas vendas das peças , e as tintas e demais materiais para pintura e acabamento das peças compra nas lojas especializadas. Ela enfatiza que a única dificuldade que encontra é a falta de tempo, pois além de cuidar dos afazeres domésticos, cuida do filho que é imperativo e precisa de sua atenção integralmente, e com isso a produção de brinquedo se torna mais lenta e difícil. O artesanato está no sangre e na família, já que as tias da artesã vivem da venda de bordados,renda e pinturas. Um dos momentos mais marcantes na vida da artesã é que quando jovem, sem dinheiro para comprar material para estudar recebeu uma proposta de ser “avião” e receber 200,00 reais por entrega de drogas. Porém quando começou a oficina de brinquedo de miriti passou a produzir os brinquedos de madrugada e vende -los para garantir uma fonte de renda.

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DAVID RODRIGUES

MESTRE CITA Natural de Abaetetuba (Rio Ajuai), com 53 anos, mantém a atividade de Artesão de Miriti há 40 anos. Foi um dos fundadores da Associação ASAMAB (Associação dos Artesãos de Brinquedo e Artesanato de Miriti do Município de Abaetetuba). Sua inspiração foi seu pai, desde criança o via produzir barcos para brincarem, afirma “... inclusive na época, não usavam cola nem massa, meu pai calafetava o barco com barro e embarcava eu e meu irmão. Ficava muito legal...” Cita trabalha o ano todo com o miriti, expõe e vende suas peças principalmente no Círio de Nazaré em Belém e no Miritifest (feira de miriti realizada anualmente no município de Abaetetuba-Pa). No início das atividades as coisas eram diferentes afirma. “... Quando chovia colocávamos papelão no gramado e sacolas em cima dos brinquedos e pedras ao redor para o vento não levar e corríamos para se abrigar no outro lado, engraçado nesse dia, que a gente estava lá todos em fila , rapá! Deu um vento e caiu uma manga bem em cima e furou o barco , mas tínhamos levado tinta, pincel, então agente emaçou de novo pintou, e o barco foi vendido (risos)...” Cita participou com peças de Miriti em diversas exposições em: Abaetetuba, Barcarena, Igarapé Miri, Belém, São Paulo, Rio de janeiro, Brasília e eventos fora do Brasil. Dentre suas várias peças produzidas destacam-se o pila-pila , o barco e a pombinha.

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DAVID RODRIGUES

MESTRE CÉLIO Célio Vilhena Ferreira, nascido em 26/05/1956 no município de Abaetetuba. Começou a atividade de artesão com seu irmão. Expõe sua peças em várias cidades: França , Rio de Janeiro ,São Paulo, Brasília , Paraíba, Abaetetuba, Belém, Igarapé Miri, Cametá e Mocajuba. Trabalha o ano todo com o miriti e a maioria de suas peças são destinadas para o MiritiFest (Evento Anual de Artesanato e Brinquedo de miriti de Abaetetuba) e no Círio de Nazaré em Belém Trabalha com diversas peças: Canoa , Tucano , Arara , Tatu , Soca-soca , cobra e gaiola de passarinho, mas as peças que mais fabrica são: o Barco (seu favorito) a pombinha e o móbile (vários pássaros)

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Este livro foi impresso na Gráfica Sagrada Família Editoração: Editora Marques Papel: Couchê 150 gramas. Publicado em Março de 2017 Tiragem: 3.000 exemplares * Os direitos de reprodução total ou parcial desta obra pertencem ao Grupo Olhar Fotográfico.

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