LITERATURA
amazon town de charles wagley por mário santos
música
Terruá Pará por Elielton amador e Bruno Pellerin
FILOSOFIA
A IDENTIDADE DA METAFÍSICA POR HERBERT EMANUEL
teatro
Carlos Correa santos
ensaio Fotográfico Tanha Gomes
CRÍTICA DE JOÃO DE JESUS PAES lOUREIRO
expedições
científicas JOÃO MEIRELLES FALA DA RELAÇÃO ENTRE ARTE E CIÊNCIA, MITO E CONHECIMENTO PRODUZIDOS SOBRE A AMAZÔNIA
moda da tribo
cinema
chico carneiro IDENTIDADE COLETIVO CASA PRETA por vivi mattos
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O mapa e o território
D
esde cedo a Amazônia é objeto de interesse e curiosidade de estrangeiros, especialmente motivados por instintos colonialistas. Durante longos períodos, até os dias atuais, equipes estrangeiras com todo seu aparato tecno-científico vem mapeando, estudando, catalogando e se apropriando da riqueza vegetal, mineral, energética, biogenética do nosso ecossistema para servir como fonte de seus propósitos. Para eles, primeiramente, viajar pelo interior da exótica região como verdadeiros guerreiros armados, além da pólvora e da sífilis, de lápis e pincéis, vieram com a máquina fotográfica, o satélite e o GPS. Ameaçados por doenças tropicais, ataques indígenas e pelo medo, silêncio e vazio da mata, que muitas vezes os levavam à loucura, esses viajantes passavam por inúmeras dificuldades, já que as ligações com o interior eram praticamente inexistentes. Um isolamento que explica, de certa maneira, o fato de que as terras do continente americano ainda permanecessem inexploradas e desconhecidas quinhentos anos após sua descoberta, despertando a cada dia, o interesse econômico e extrativista pela região por parte das multinacionais e de conhecimento, pesquisa, preservação e desenvolvimento sustentável por parte de instutos e ong´s. Contudo, a farta documentação recolhida nas viagens exploratórias realizadas nos séculos XVI ao XXI possui enorme valor histórico e imagético. Essa documentação constitui-se hoje fonte de pesquisa importante para as ciências naturais e sociais. João Meirelles, pesquisador e autor do livro Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (1500-1930) vol 1 e vol 2, em seu artigo “Os viajantes” descreve alguns dos principais nomes que vieram à Amazônia por conta própria ou patrocinados pelos países imperialistas. Descreve a relação entre ciência e arte, entre mito e conhecimento produzidos sobre a Amazônia. O devassamento das fronteiras internas, característico de trabalhos como o de Rondon em 1840, foi retomado com a Primeira Comissão Demarcadora de Limites capitaneada por Euclides da Cunha em 1928. Ela contém além do registro paisagístico e geográfico da Amazônia brasileira limítrofe dos países pan-amazônicos e registros dos índios que habitavam as cabeceiras do país. Essa disponibilidade ímpar para perder-se nos rincões de nossa região, embrenhar-se nas matas e atravessar, nos mais diferentes meios de transporte, rios, lagos, igarapés, não flagramos apenas nos expedicionários, essa disponibilidade, para os encontros inesperados que acompanham cada viagem, para as intermitências do coração e do acaso, para interromper o fluxo do conhecido e atirar-se às aventuras que redundam em “grandes” descobertas, encontramos no trabalho de Chico Carneiro, cineasta documentarista, que na série “Barcos da Amazônia” produz cinco filmes sobre os diferentes tipos de utilização dos barcos que navegam nos rios da Amazônia paraense revelando a vida dos homens que trabalham em barcos e o seu meio. Na relação entre mapa e território utilizando o corpo como expressão artística instaurando fronteiras, a fotografia de Tanha Gomes, o ensaio sobre o Terruá Pará por Bruno Pellerin mostrando novos rostos da música brasileira, a moda de Kátia Fagundes renovando com estilo e criatividade a estética tradicional da Moda. No Brasil a questão da visualidade amazônica tem sido objeto da Revista PZZ que busca atuar e discutir o conceito no campo das artes visuais, onde a imagem em relação à sociedade, assume um papel fundamental para a compreensão e reflexões sobre a realidade amazônica. Boa Leitura Carlos Pará Rilke Penafort Pinheiro Realizadores daRevista PZZ
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Editor Responsável Carlos Pará 2165 - DRT/PA Editor de arte/Projeto Gráfico Rilke Penafort Pinheiro Produção Executiva Carlos Pará, Pedro Vianna e Narjara Oliveira. Computer to Plate: Hélio Alcântara Impressão: Gráfica Sagrada Família Distribuição: Belém, Pará, Brasil.
A Revista é uma publicação Bimestral Editora Resistência Ltda Cnpj : 10.243.776/0001-96 Issn: 2176-8528 Assessoria Jurídica: Alfredo de Nazareth Melo Santana 11341 OAB-PA Contatos (91) 3351-5188 - 9616-4992 email: revistapzz@gmail.com Twitter: @revistapzz Facebook: http://www.facebook.com/ revistapzz cartas Av. Duque de Caxias, 160 Loja 14 - cep.: 66.093-400 Marco - Belém - Pará - Amazônia - Brasil site: revistapzz.com parceiros
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itinerário
literatura 10 poesia: o artista multimídia Tchello Barros e sua poesia visual espalha-se pelo Brasill e pelo mundo. romance: Mário Santos Neto narra o
encontro, em 1945, entre o antropólogo
audiovisual 22
cinema: O cineasta Chico Carneiro, produz uma Série
de cinco filmes que mostram as diferentes utilizações dos barcos amazônicos na vida e no cotidiano das pessoas que se contrabalançam no Mar Doce, ramificado de rios, furos
filosofia 30 metafísica: A Metafísica da Identidade Cultural -
Hebert Emanuel fala sobre subjetividade, cultura, identidade e suas imbricações no processo de subjetivação contemporânea, a partir da perpesctiva de Félix Guattari e Gilles Deleuze.
documentário 66 Desenho da Capa (detalhe da cabeça de urubu-rei) pertence ao acervo produzido pela expedição capitaneada por Alexandre Rodrigues Ferreira, que na qualidade de naturalista do Reinado de D. Maria I (1777-1816), foi ordenado para uma Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. A idéia era dinamizar a exploração econômica e a posse das conquistas em áreas de litígio. Em 1783 o naturalista deixou o seu cargo no Museu da Ajuda e, em Setembro partiu para o Brasil, para descrever, recolher, aprontar e remeter para o Real Museu de Lisboa amostras de utensílios empregados pela população local, bem como de minerais, plantas e animais. Ficou também encarregado de tecer comentários filosóficos e políticos sobre o que visse nos lugares por onde passasse. Esse pragmatismo será o que leva a expedição a ser distinta de suas congêneres, mais científicas, comandadas por outros naturalistas que vieram explorar a América. Inventariou a natureza, as comunidades indígenas e seus costumes, avaliou as potencialidades econômicas e o desempenho dos núcleos populacionais. Foi a mais importante viagem durante o período colonial.
história: Os Viajantes - João Meirelles Filho, descreve a relação entre ciência e arte, entre mito e conhecimento produzidos sobre à Amazônia, através das expedições científicas. Em seguida as expedições da Comissão Demarcadora de Limites na Amazônia.
dramaturgia 36 teatro: um recorte da dramaturgia - Carlos Correia
Santos, movimenta-se pelas veredas da Dramaturgia, Romance, Crônica, Roteiro e Poesia.
música 40 Terruá: retratos musicais - Elielton Amador descreve o trabalho de Bruno Pellerin, que amplia seu álbum de Retratos com os artistas do Terruá Pará.
moda 48
Da Tribu: Tramas, fértil raiz. A Moda produzida pela
estilista Kátia Fagundes produzindo peças exclusivas, amalgamadas à poesia, ao conhecimento empírico e as suas memórias familiares.
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ensaio 56 fotografia: Traduzindo a Intuição Fundadora -João de Jesus Paes Loureiro, fala do trabalho da fotógrafa Tanha Gomes. “Toda foto é uma forma de destino”,
artes plásticas 96 Salão do Humor: Provocar reflexões sobre a relação do homem com o meio ambiente, de uma forma irreverente e crítica, fez do Salão Internacional do Humor da Amazônia
identidade 104 resistência: Ser negro é resistir - “essa é a pala-
vra que define a existência do Coletivo Casa Preta. Conheça as ideias e as ações desse coletivo midiático. entrevistado por Vivi Mattos.
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literatura
poesia
entreotextoea
imagem É a partir de Belém, onde o artista multimídia TCHELLO BARROS radicou-se, que sua poesia visual espalha-se pelo Brasil e pelo mundo. Para além das lides com a palavra, divide-se entre a fotografia e outras linguagens.
A
neve cobria os campos e cidades do planalto catarinense. Frio abaixo de zero. Um adolescente de quinze anos, esquentava as mãos no fogo-à-lenha e degustava o chimarrão de erva da serra, enquanto lia as narrativas de Inglês de Souza, em livros emprestados de bibliotecas públicas. Surgia ali a semente de um dia conhecer e quem sabe viver na mítica Amazônia. Passadas duas décadas, produzindo obras em diversas linguagens, com ênfase na Literatura e nas Artes Visuais, realiza as primeiras viagens à capital paraense, mas pode-se dizer que a obra foi chegando antes do autor. Um soneto distribuído num casamento, textos publicados no site Ver-O-Poema e em 2009 chega a cidade a exposição itinerante de Poesia Visual ’’Convergências’’, abrigada na Galeria Graça Landeira, pelo curador Emanuel Franco. Em seguida, o convite para diri-
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por André
Ferreira Leite
A retrospectiva itinerante de Poemas Visuais da série ’’Convergências’’ já foi apresentada em vários Estados, como PA, PB, AL, SC, RJ, ES e RS e neste 2012 participam da mostra de arte brasileira no Ano do Brasil em Portugal.
gir uma revista e assim a escolha de viver finalmente na Amazônia, tendo como base, a antiga e bela Belém do Pará. Desde logo, buscou aproximar-se das atividades culturais da região, participando com declamações dos saraus do Movimento Cultural Extremo Norte, dos happenings promovidos pelo Corredor da Amazônia e dos encontros culturais realizados pelo projeto Zona Cultural, do Sindfisco. Numa cidade considerada um polo de produção fotográfica, tratou logo de apresentar um pouco de sua produção nessa área, e assim surgiu uma trilogia de exposições fotográficas, ocorridas no expaço de exposições do IFPA, no espaço alternativo do Corredor da Amazônia e na Biblioteca Arthur Vianna, no Centur. Além disso tem participado de coletivas fotográficas, no Sesc Boulevard, Fórum Landi e Sindfisco. No segmento do audiovisual, tem participado das atividades do NuPA, Núcleo de Produção Audiovisual (UFPA + Sesc Boulevard) e das produções da Muirakitam Filmes, onde assina roteiros e a direção de fotografia. Já na área teatral, teve algumas performances, encenadas por atores locais, dirigidas por Ronaldo Aparecido e Joyce Bervelly, como Outra Jaula Para Pound, Feminilidades, Poema Ao Pé do Ouvido e a intervenção Fila de Poesia.
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T poesia
chello d’Barros é um catarinense que gosta de chimarrão e reside atualmente em Belém, Amazônia. É um poeta da palavra e da imagem que não mede esforços e nem recusa a possibilidade de utilização da tecnologia disponível. Passeia pela Literatura e pelas Artes
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Visuais e gráficas com enorme desenvoltura. Além disso, escreve Literatura de Cordel sem deixar de ser contemporâneo, escreve Literatura Infantil sem deixar de ser lúdico. Na Poesia Visual deixa sua marca com forte expressividade e criatividade, através de trabalho duro e extensa pesquisa. No Brasil não podemos esquecer os poetas do Concretismo, os irmãos Campos e Décio Pignatari, que merecem reverência e respeito. Além deles, citemos ainda Leminski, José Lino Grünewald, Philadelpho Menezes e o Poema-processo de Wlademir Dias-Pino. Tivemos ainda várias revistas alternativas nas décadas de 70 e 80, que foram difusoras e entusiastas da Poesia Visual, isso para citar somente algumas fontes e para dizer que esta ainda se faz com entusiasmo
na contemporaneidade, como no caso do trabalho de Tchello d’Barros, fundamentado na pesquisa e na experimentação radical. Se pensarmos na trajetória da Poesia Visual no mundo, podemos perceber sua marca desde tempos idos, passando pela revolução explosiva de Mallarmé e seu Lance de Dados, Apollinaire e seus Caligramas ou mesmo os poetas radicais do Futurismo, Dadaísmo e Surrealismo, sem esquecer os re-descobridores de Lautréamont e Rimbaud, poetas fundamentais - e mesmo visuais - por produzirem uma poesia imagética e sensorial. Ao trabalhar com a multilinguagem, Tchello d’Barros vai além e insere-se na produção contemporânea brasileira sem se repetir, ou mesmo se reduzir, mas com uma tendência de se expan-
dir sempre e cada vez mais. Poemas como Me dê Cifras ou mesmo A Teia, nos remetem ao humor e ironia tão necessários ao cotidiano e a poesia, os signos falando, transmitindo, comunicando, a teia, a rede, o labirinto, o homem e seu próprio labirinto. Somam-se o enigma, o jogo, o som, a imagem, a palavra e a interpretação intersemiótica, como propunha Julio Plaza. Alçar vôo e ir além, inserção em circuito nacional itinerante e repleto de ação, numa obra em progresso. Convergências é uma série consistente de pesquisa e contínua construção, que se insere no contexto da produção atual da Poesia Visual, e como não podia deixar de ser, ora surge uma referência a Borges, ora a Brossa, com homenagens sinceras e referenciais, já que são construções produzidas a par-
tir de uma pesquisa prévia e paciente. A proposta de itinerância desta exposição é um processo de suma importância para a divulgação e ampliação da Poesia Visual criada por poetas contemporâneos do Brasil, quiçá na América Latina e no mundo. A itinerante exposição de poemas visuais Convergências, impressiona não apenas pela força imagética, mas principalmente pela atualidade, sinceridade e humor. Tchello d’Barros criou um mundo de imagens gráficas, recheadas de simbolismo e de palavras que vão além do óbvio, fazendo com que o olhar do expectador se expanda e se surpreenda com detalhes sutis inseridos em sua obra. A circulação e itinerância destes trabalhos nos dão a dimensão e a importância da Poesia Visual para o
mundo contemporâneo e acelerado que vivenciamos hoje. Às vezes, é preciso parar e meditar para se perceber o que sempre está lá na nossa frente, na nossa cara. TCHELLO D’BARROS EM NÚMEROS 315 AÇÕES CULTURAIS 05 LIVROS PUBLICADOS 42 ANTOLOGIAS 25 EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS 55 EXPOSIÇÕES COLETIVAS 07 CURADORIAS REALIZADAS 41 TEXTOS CRÍTICOS SOBRE SUA OBRA 04 CURTAS DE FICÇÃO 12 ATUAÇÕES EM PEÇAS TEATRAIS 01 ATUAÇÃO EM LONGA METRAGEM 05 DRAMATURGIAS ENCENADAS 20 PAÍSES VISITADOS 06 PREMIAÇÕES 07 OFICINAS MINISTRADAS
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literatura
romance
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AMAZON
TOWN em 1945, o antropólogo charles wagley realizou uma viagem para a cidade de gurupá, na ilha do marajó, onde encontrou DALCÍDIO JURANDIR e logo depois escreveu o livro amazon town por Mário Santos Neto
E
ntre junho e setembro de 1948, o antropólogo norte-americano Charles Walter Wagley (1913-1991) complementou a coleta de dados iniciada em 1942, e ampliada em 1945, que culminaram no livro Amazon town. A study of man in the tropics (1953). Na visita à comunidade amazônica de Gurupá (PA), em 1945, o antropólogo contou com o apoio do escritor Dalcídio Jurandir (1909-1979), que colaborou na pesquisa e inclusive, segundo Moacir Werneck de Castro, “o ajudou escolher a pequena cidade paraense de Gurupá – onde, aos vinte anos fora secretário do prefeito” (2006: 200). Essa estadia de Dalcídio na comunidade ocorreu em 1929, quando foi nomeado Secretário-Tesoureiro da prefeitura do município por seu amigo, o “Intendente”, Rainero Maroja. Foi nesse curto período que aí ficou (outubro de 1929 a novembro de 1930) que o então jovem escritor esboçou o primeiro romance de seu futuro projeto literário: a série Extremo Norte, um conjunto romanesco constituído por dez volumes, que narram a trajetória do jovem Alfredo, compondo um vasto panorama social, cultural e histórico da Amazônia – conjunto mais tarde chamado de Saga do Extremo Norte por Jorge Amado (1996: 17). Essa “saga” acompanha o percurso do personagem desde a infância, por volta dos dez anos, passada no Marajó (Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras), até à maturidade, aos vinte. O último romance da série, Ribanceira, narra a experiência de Alfredo como Secretário-Tesoureiro em uma cidade situada à beira do rio Amazonas – repetindo ficcionalmente a biografia do escritor. No auge da Segunda Guerra Mundial ocorria um processo novo de aproximação entre EUA e Brasil. Os norteamericanos estavam interessados em matérias primas importantes no Brasil, borracha na Amazônia e mica e quartzo no Vale do Rio Doce. Daí, relata Moacir Werneck, “elaboraram um programa de assistência médica e sobretudo de saenamento básico para marcar presença” (2006: 201). O antropólogo Charles Wagley, após um rápida pesquisa de campo em terras indígenas, em 1942, assumiu a Divisão do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), programa surgido da parceria entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos para “fornecer assistência médica aos produtores de matérias-primas estratégicas”, entre estes, os seringueiros do Vale Amawww.revistapzz.com 15
romance zônico (Wagley, 1988: 19-20). Nessa ocasião, o antropólogo contou com a ajuda de Dalcídio Jurandir, que com “seu profundo conhecimento da vida da cidade e o grande círculo de amigos” tornou possível que ele, Wagley, aprendesse mais sobre Gurupá “em um mês, do que o teria conseguido em dois meses” sem o auxílio do escritor (Wagley, 1988: 21). Dessa experiência Charles Wagley acumulou dados que o ajudaram a compor o livro Amazon town. A study of man in the tropics, “estudo de caso” realizado em Gurupá entre junho e setembro de 1948. A tradução brasileira desse livro, Uma comunidade amazônica. Estudo do homem nos trópicos, realizada por Clotilde da Silva Costa, foi publicada em 1956 – a 3ª edição, de 1988, conta com um novo prefácio de Charles Wagley e um posfácio escrito por Darrel Miller, aluno do antropólogo. Uma comunidade amazônica apresenta oito capítulos. No primeiro, “o problema do homem dos trópicos”, o antropólogo norte-americano tenta responder a questões relativas ao desenvolvimento de uma região “atrasada”, analisando vários aspectos, do clima à economia. O segundo capítulo, “uma comunidade amazônica”, faz uma descrição da cultura de Itá (nome fictício de Gurupá no estudo antropológico), encarada como produto da fusão entre as culturas europeia, negra e indígena. O terceiro capítulo, “o meio de vida nos trópicos”, trata da organização econômica da comunidade de Itá e descreve, por exemplo, a pesca e a extração da borracha com seu “sistema do aviamento”. O quarto capítulo, “as relações sociais em uma comunidade amazônica”, tematiza a estratificação social em Itá, descrevendo como os habitantes da comunidade se classificam quanto a sua classe social (“gente de primeira”, “gente de segunda”), como ocorre a mobilidade social, etc. O quinto capítulo, “os assuntos de família de uma comunidade amazônica”, aborda a família e as relações de compadrio como estratégia para alargar o círculo de relações pessoais. O sexto capítulo, “a gente de Itá também se diverte” descreve as festas religiosas. No sétimo capítulo, “da magia à ciência”, Wagley narra o choque entre as práticas da medicina científica e da medicina popular. E para concluir o livro, o oitavo capítulo, “uma comunidade de uma área subdesenvolvida”, reforça as teses contidas em todo o livro comparando a comunidade de Itá com a pequena cidade de Plainville (EUA). Nessa comparação, o pesquisador afirma que Itá é a mais atrasada, na maioria dos aspectos analisados, entre as duas comunidades. Segundo ele, o motivo pelo qual a região amazônica é atrasada reside na cultura e na sociedade, e que só com uma reforma cultural e a chegada da técnica é possível desenvolver a região. As “notas de campo” do pesquisador, feitas du16 www.revistapzz.com
rante a pesquisa por toda a equipe que ele liderou, nos possibilitou, entre outras coisas, observar a semelhança, em parte, dos processos de levantamento de dados realizados tanto pelo escritor no contexto do seu projeto literário quanto pelo antropólogo; e nos ajudou também a estabelecer algumas convergências entre o romance e o estudo antropológico, abordando aspectos da vida social e histórica da comunidade amazônica de Gurupá. A partir disso, observamos melhor o diálogo entre as duas obras, e ampliamos assim a reflexão sobre a transposição ficcional feita por Dalcídio, no romance, baseado na própria vivência na comunidade e nos dados coletados por Wagley. Além disso, alguns desses dados dialogam com os dados que levantamos quando realizamos, em fevereiro de 2012, a visita de campo na comunidade. A convergência que estabelecemos, nesse primeiro momento, entre as duas obras, se detém especificamente na relação entre alguns aspectos da comunidade referidos pelo romance que são tratados no estudo antropológico, e encontram testemunhos nas “notas de campo” do pesquisador – apesar de algumas dessas “notas” não terem sido utilizadas no livro. Nas fichas de pesquisa de Charles Wagley encontramos o nome verdadeiro de alguns comerciantes importantes da localidade, dentre os quais destacamos os nomes de Liberato Borralho e Samuel Castiel, que provavelmente serviram de base para a criação dos referidos personagens do romance Ribanceira. Tanto a família Borralho quanto a família Castiel (que é judia, assim como a família Bensabá no romance), foram muito referidas quando, na visita de campo, em Gurupá, realizamos uma entrevista com Adelino Freitas, historiador e morador antigo da comunidade. A possibilidade de consultar as “notas de campo” da pesquisa do antropólogo foi importante para analisar o processo pelo qual o pesquisador protege seus informantes, em seu livro: ele cria nomes fictícios para cada um deles, cujo “efeito simbólico seria o de despertar a confiança dos habitantes e dos informantes na e da comunidade” (Francisco Rosa, 1993: 50). A característica principal desses nomes é a proximidade sonora com o nome verdadeiro. Em Uma comunidade amazônica, o comerciante Liberato Borralho, por exemplo, é referido como Lobato; a zeladora da igreja de Santo Antônio, D. Inacinha, é, no estudo, a D. Branquinha; e assim por diante. Em Ribanceira, essas duas figuras históricas aparecem, respectivamente, como o Seu Guerreiro, o “Não-me-Meto-em-Política”, e na D. Pequenina, a “Mata-Marido”, viúva várias vezes, assim como D. Inacinha, que declara em uma das fichas de pesquisa do antropólogo que “não é nada agradável fazer enterro de marido”.
Segundo Wagley, o motivo pelo qual a região amazônica é atrasada, reside na cultura e na sociedade, e que só com uma reforma cultural e a chegada da técnica é possível desenvolver a região.
São benedito
é um personagem mítico que desponta com poderes sobrenaturais no romance de Wagley e de Dalcídio .
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romance Alguns depoimentos colhidos pela equipe de Charles Wagley evocam, de imediato, trechos do romance. Em um ficha consta o depoimento de uma moradora local que expressa o clima decadentista da época. Nas palavras de D. Felícia “Gurupá está agora [em 1948] muito decadente, já foi um lugar, tinha luz, telégrafo.” Na caminhada aos cemitérios, no início do romance, o “guia” de Alfredo, Intendente Dr. Januário, também refere o desamparo da comunidade: “O entulho nos engole. Venho administrar o outrora, o que já foi. E cidade foi, sim, com hotel, piano, harpa, banda de música, coche fúnebre, jornal, biblioteca, advogados e um Trapiche-cais. Os santos fugiram, alega aquele bêbedo lá da raiz de mangueira. Santo Antônio e São Benedito são só fantasmas. Desmente o Coletor Federal, o Sede de Justiça: Quem daqui saiu no Lobão, com as imagens num saco de borracha, senão o Meritíssimo? Mas me servindo um cálice de Porto, afiança o seu Guerreiro: Não, o Juiz não, foi o ex-Intendente. Fazendo acordo com o Diabo, destelhou a igreja para cobrir com as telhas sagradas a casa do filho no Jocojó. O filho torrou as imagens em Belém, trocou uma a bordo por um pacote de quinino (Ribanceira = R: 35-36). Em um diálogo constante, esse trecho evoca, ainda, outros dados da pesquisa antropológica. Além do desamparo por conta da situação de declínio econômico experimentado após o auge do “ciclo da borracha”, o personagem romanesco se refere também aos “causos” envolvendo os dois santos da cidade. Na comunidade de Gurupá, ainda hoje, como pudemos observar na visita de campo, Santo Antônio e São Benedito, convivem juntos na igreja de Santo Antônio, [foto]. Charles Wagley, no seu livro, se refere à lenda do edifício da prefeitura, que, nas palavras do antropólogo, “deveria
ter dois andares e uma escada majestosa descendo do segundo andar até à praça pública, defronte do rio Amazonas”, mas por volta de 1912, não foi acabado então porque o prefeito havia desapropriado para a prefeitura o material de construção que vinha sendo acumulado para erigir a igreja de São Benedito, de quem a população de Itá se tinha tornado profundamente devota. “O santo pôs uma maldição no prédio”, dizem ainda hoje os moradores da cidade (Uma comunidade amazônica = UCA: 69). No romance, a mesma lenda aparece, agora dentro da coerência do enredo, no mesmo trecho em que o Intendente está acompanhando Alfredo na “vistoria aos cemitérios”, destacando também a “escada majestosa”: Aqui, do que seria o Palacete Municipal, só foi armado o esqueleto. Olhe a escada para o segundo andar. A obra parou no mesmo ano em que desceram aqueles preços. O ex-Intendente passou no cobre os materiais da construção. Mas entre o povo corre que foi arte de São Benedito. Os materiais pertenciam ao santo para a sua igreja que nunca saiu da pedra fundamental. Foram requisitados pelo Intendente para a obra do palacete. Zangou-se o santo. Consta que São Benedito anda farto de morar em casa alheia, a casa é do Santo Antônio. Mas agora não tem remédio. Os dois santos se tolerem secula seculorum debaixo do mesmo telhado (R: 33). A obra antropológica e a obra literária continuam o diálogo no que se refere às histórias sobre os santos que “corriam” na comunidade na época em que, tanto o escritor quanto o pesquisador, lá estiveram. Na página 36 de Ribanceira, os dois santos são referidos como “fantasmas”; em Uma comunidade amazônica, um trecho relata duas narrativas
Pactos entre linguagens
A pobreza do lugar reside na cultura e na sociede amazônica.
Alguns trechos dos livros evidenciam o dialogo entre as obras amazon town e ribanceira, e a colaboração de Dalcídio Jurandir na coleta de dados sobre a cultura de Gurupá para a pesquisa do antropolgo Charles Wagley.
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que aparecem no romance: Cada santo é considerado uma divindade local. Santo Antônio e São Benedito, cujas imagens ocupam o altar-mor da igreja matriz, chegaram mesmo a ser vistos à noite caminhando pelas ruas. O pai de Juca contou-lhe ter avistado os dois santos passeando certa noite sob as mangueiras da rua principal; usavam hábitos de monge e dirigiam-se à igreja, onde os viu entrar [...] Em outra ocasião, um soldado viu dois homens caminhando pela rua, altas horas da noite, e como não atendessem à sua ordem de alto, fez fogo. Ambos continuaram caminho e ele os reconheceu como os dois santos, tendo o zelador da igreja no dia seguinte encontrado um orifício produzido por bala na imagem de Santo Antônio (UCA: 221). No romance, a lenda do “baleado Santo Antônio”, que por isso está “perdendo sangue” (ao longo do romance essa é a referência principal ao santo), aparece em uma conversa entre Alfredo e Bi, quando estão em busca dos músicos para o baile de D. Benigna: Pisavam no chão de pedras, varre o rei, varre a rainha, lá embaixo o baque dos cedros na praia. Cismo que esta hora é a folga daqueles dois — fala Bi com voz resignada. — Que dois? O rio e a noite? — Santo Antônio e São Benedito saírem juntos para tomar fresco. — Se livrarem um pouco do cheiro da santidade e dos morcegos? — Os dois costumam sair, sim, o branco e o preto. Mas agora, não, ah, nem me lembrava! São Benedito anda em tiração de esmolas. Vem das Ilhas, cobrando óbolos. — Óbolo ao Papa? — Ao Papa? Sabe que Santo Antônio foi, uma noite, alvejado? Levou uma bala lá nele que até hoje traz a marca. Foi numa das suas saídas de noite. Os santos que fugiram de Itá: Santo Antônio e São Benedito
mário santos neto viajou para adentrar no cenário do romance e pesquisar referência da Obra, na cidade de Gurupá na Ilha do Marajó.
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romance — Por isso perde sangue? (R: 140) Para o autor de Ribanceira, “a ficção é mais verossímil quanto mais inventada tendo como base a realidade” (D.Jurandir, 2006: 52), e por isso seu processo de criação envolvia muitas viagens, pesquisas, coleta de material, e uma reflexão constante a respeito da técnica composicional do romance – seus grandes mestres neste campo foram Flaubert e Tolstói. Seus colaboradores mais ativos nessa recolha de dados eram seus irmãos, Ritacínio e Flaviano, a quem pedia coisas como mapa de rios, cidades, dados históricos sobre algumas cidades (Ponta de Pedras e Belém, principalmente), detalhes sobre determinadas profissões, etc., que o romancista “preenchia [em] vários cadernos com anotações diversas, como ditos e crendices populares, citações de autores clássicos, lendas, etc.” (B.Nunes et al., 2006: 165). Tudo isso demonstra o grau de consciência e cuidado que Dalcídio Jurandir tinha com a composição de seus romances, os sacrifícios que lhe exigiam e ainda as dificuldades que enfrentava, como, por exemplo, a distância, o escritor longe, no Rio de Janeiro, e os irmãos e amigos em Belém. Nesse ponto, observando o processo de levantamento de dados realizado pelo romancista, percebemos o quanto se assemelha, em parte, ao levantamento realizado pelo antropólogo. Como comprovação disso, cabe citar o fato de termos encontrado, em meio às “notas de campo” do pesquisador, uma quadra popular do município, coletada em 1948, não utilizada no estudo antropológico, que figura em Ribanceira. A quadra que diz: “Tigre preto, Tigre branco/ Que vem nas ondas do mar/ Tigre preto, Tigre branco/ Já tornou sabiá” aparece quando Alfredo volta de sua experiência frustrada no Rio, e logo em seguida vai visitar sua madrinha, Magá, no ponto de venda de tacacá, e da boca dela ouve parte da quadra anotada por Charles Wagley: Com três cuias de tacacá, bem pimenta, um camarão e jambu, regalou-se, fazendo render a goma para pedir mais tucupi. Magá servia aos fregueses, cantarolando: Tigre preto Tigre branco Que vem nas ondas do mar 20 www.revistapzz.com
Beiço a tremer da folha do jambu, Alfredo ouvia e isso era reaver o nome, o conhecer-se de novo, o restituir-se ao chão (R: 12). Esse trecho aponta que Dalcídio Jurandir e Charles Wagley coletaram cada um por seu turno, a mesma quadra popular. A não ser que tenha havido uma colaboração do romancista nessa tarefa, no caso, fazendo parte da equipe de pesquisa do antropólogo (o que certamente não deixaria de ser referido no prefácio do livro deste) é pouco provável que o escritor tenha acessado o material dos antropólogos. Concluímos, então, que era o seu processo de levantamento de dados para a criação romanesca que se assemelhava ao mesmo processo dos antropólogos. Os pontos de contato entre Uma comunidade amazônica e Ribanceira se referem a vários outros aspectos da comunidade de Gurupá. A convergência que propomos agora se detém sobre o espaço real de Itá/Gurupá e o espaço ficcional da “ribanceira”, além da relação entre alguns informantes do antropólogo e alguns personagens relevantes da trama do romance, como o Seu Guerreiro e o Seu Bensabá, comerciantes locais que de fato existiram e estão presentes na ficção. A descrição da cidade no romance, por exemplo, vai ao encontro em muitos pontos da descrição feita por Charles Wagley, diferindo apenas a maneira pela qual essa descrição é feita. No estudo antropológico a cidade aparece descrita de uma maneira seca, informativa, destituída de efeitos estilísticos, característica do texto objetivo, científico: Vista do rio, a cidade é uma pausa repousante na monótona sucessão de matas que cobrem as margens do Amazonas. Destaca-se, nítida e colorida, do fundo verde-escuro da vegetação. A igrejinha, branca e luminosa, com o seu telhado cor de barro, é o primeiro edifício que se distingue (UCA: 45; grifo nosso). Itá apresenta ao rio o seu melhor perfil, mas, vista de perto, até a sua orla fluvial está estragada pelo uso (UCA: 46). Por outro lado, no romance a descrição da “ribanceira” aparece transfigurada pela linguagem poética, que personifica a cidade fazendo-a assumir
comportamentos humanos (timidez), por não “querer” revelar sua pobreza à primeira vista; no trecho a seguir, o ponto de vista em primeira pessoa flagra a cidade “saindo do seu ouriço, se pondo de cócoras”. Vejamos: Mas a cidade? Ainda encaramujada na ribanceira. Reserva-se, quer nos pegar de surpresa, tapando nossos olhos com suas mangueiras ou mostrar-se, telha por telha, retraída nas paredes, preguiçosa de se levantar. Do barranco, que se empinou na várzea, a testa é sabrecada, endurecida, nos coices do rio, agora aqui e ali pendura suas folhagens. Em pedra se assenta o terreiro com um sobejo de almas, aí foi um hospício, fortim, uma cidade? Breve estou naquele moquém debaixo deste algodoado azul, o sol esfolando o rio. Onde os abacateiros? Quando a minha febre? Te desencaramuja, cidade, ou que foi, mais não é, suspende teus jiraus, solta teus morcegos, teus galos, teu cancan os teus podres. Agora a igreja com uma penugem de
Forte de Santo Antônio de Gurupá garça velha, cidade saindo do seu ouriço, se pondo de cócoras (R: 9-10; grifo nosso). Esse trecho denuncia além das características da prosa poética de Dalcídio Jurandir, a estrutura da narrativa complexa da obra, particularmente, nesse caso, o jogo entre a descrição física e a descrição psicológica: “Onde os abacateiros? Quando a minha febre?” Outra diferença se refere à estrutura frasal nas duas obras: em Uma comunidade amazônica os períodos são curtos, marcados geralmente por orações coordenadas, e a pontuação, padrão, respeita os preceitos gramaticais. Em Ribanceira as frases são longas, cheias de imagens, metáforas, expressões idiomáticas, as palavras usadas ou são pouco comuns (“sabrecada”) ou são neologismos (“encaramujada”), e a pontuação é livre. Apesar da existência de vários pontos de contato entre o romance e estudo antropológico, o que sugere até uma relação de “influência” de um em re-
lação ao outro, a maneira como cada um representa a mesma comunidade amazônica é diversa. À diferença do gênero textual correspondem, naturalmente, duas representações sobre a vida social da comunidade de Gurupá: uma “científica”, outra literária; um texto é descritivo-dissertativo, enquanto outro predominantemente narrativo-ficcional. O texto literário diverge, em várias características, do texto científico. Primeiramente porque, segundo o estudioso da estrutura da linguagem poética, Jean Cohen, “toda linguagem literária é estilizada” (1976: 100). Em se tratando de um romance de Dalcídio Jurandir, as características mais marcantes são justamente sua prosa poética e a estrutura complexa da narrativa. Após a apresentação e comparação das obras de Dalcídio Jurandir e Charles Wagley, podemos concluir que o romance e o estudo antropológico tratam, obviamente, do mesmo espaço urbano-regional (Itá/Gurupá/Ri-
banceira), pelas descrições da cidade e da vida social no interior de cada obra. Como vimos, as representações contidas em cada obra estão ligadas ao estatuto textual. O estatuto científico do texto do antropólogo prevê a argumentação em defesa de uma tese (o “atraso” da região amazônica) e a proposição de uma solução (reforma cultural); o estatuto literário do texto do romancista, por sua vez, questiona ao invés de afirmar, e seu discurso metafórico abre, diante do leitor, um horizonte de significações. Os discursos científico e literário acabam sendo duas maneiras de encontrar “respostas” para os problemas da região. Charles Wagley, como o personagem do romance, acaba desiludido também, ao ver as mudanças pelas quais a Amazônia passou com a “chegada da técnica” (os “grandes projetos” na Amazônia no período da ditadura militar); Alfredo, apesar de desiludido, “de tudo que lhe cortava o peito fez uma alegria” (R: 11). www.revistapzz.com 21
audiovisual
cinema
barcos Amazônicos
O cineasta Chico Carneiro, produz uma Série de cinco filmes que mostram as diferentes utilizações dos barcos amazônicos na vida e no cotidiano das pessoas que se contrabalançam no Mar Doce, ramificado de rios, furos e igarapés. Os documentários relatam, junto com a beleza da região, o extrativismo vegetal, a degradação ambiental, nos transportes de madeira, pessoas, cerâmica, gado e peixe.
fotos Chico
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por Carlos Pará Carneiro e Amilcar Carneiro
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“A escolha do seu Didico foi meramente casual – mas foi uma escolha das mais felizes, acertadíssima, tamanha é a dimensão do personagem que ele interpreta, ou seja, ele mesmo: típico caboclo paraoara, sagaz, experiente, divertido, simples, um “velho boto dos rios”, e com um vigor que não transparecia nos 74 anos de vida que ele carrega viajando, desde os 24, por rios da Amazônia paraense e o meu papel foi simplesmente de deixar a câmera ir registrando o que fluía nos rios da filmagem”.
o primeiro filme da série BARCOS DA AMAZÔNIA, “Seu Didico - Velho Macho”, o documentarista Chico Carneiro, registrou ao longo de 2 semanas em 2 viagens feitas no barco “Samaria”, o cotidiano e o processo de quem vive na Amazônia do transporte da madeira. O fluvimovie começa pela cidade de Inhangapi, pequena cidade à beira de um bonito rio do mesmo nome, a 17 km de Castanhal (PA), cidade a 70 kms da capital paraense, na rodovia que liga Belém a Brasília. Em Inhangapi existe um porto de descarregar madeira, tijolos e telhas, que vêm de diferentes zonas do Pará, para abastecer o comércio de Castanhal e outras cidades do interior. Ali foi o porto/ponto de partida e de chegada. Chico Carneiro e seu irmão, o fotógrafo e produtor cultural, Amilcar Carneiro, zarparam em condições pouco confortáveis debaixo de chuva e pequena acomodação dentro do barco. Comiam o mesmo rango da tripulação: peixe, caça, carne com arroz e feijão e claro, como não poderia faltar, o alimento básico da região, o açaí. Dormiam no barco ancorados em algum lugar da região sob as nuvens, as estrelas e aos sons místicos da mata. Parando nas cidades de Bujarú, Belém, Igarapé-Miri, passaram pelos Rio Mojú, Rio Acará, Rio Igarapé Miri, Rio Caji, Rio Meruú l, Rio Guamá, furos, igarapés, veias abertas de florestas, todos com a paisagem típica do interior da Amazônia: floresta, palafitas, açaizais, um ou outro barco a motor e a população em pequenas canoas, rabetas. “Popopôs” seria o verdadeiro nome da série devido a onomatopeia dos sons produzidos pelos barcos da região. Em seu diário de bordo retrata com detalhes as viagens. Seu Didico o protagonista do filme, com uma larga experiência de navegação, tinha a tranquilidade de quem conhece o seu métier, e sabia que a atenção permanente é a garantia de uma viagem segura. Nenhum detalhe relacionado com a segurança escapava ao seu permanente e atento olhar. Nesse trajeto foram feitas as entrevistas com ele pegando o depoimento de quem trabalha no barco viajando pelos
rios comercializando a madeira em forma de ripas, ripão e pernamancas, de madeiras comuns na região como a Cupiúba e Anani. A madeira carregada em seu barco perfaz-se em 9 toneladas que é a capacidade do barco. O “Samaria” tem uma capacidade de carga de 18 toneladas. Esse total só é conseguido acondicionando madeira também fora do porão, no convés, prática ilegal, mas comum aos barcos que transportam madeira na região. A viagem do filme revela o percurso que a madeira atravessa até ser processada para a venda. Desde a sua retirada, o transporte em jangadas, o empilhamento em toras na beira dos rios, corte e laminação, até serem carregadas para o barco e desembarcadas nos portos. Cenas do filme mostram a madeira sendo carregada pelos trabalhadores rolando os troncos do rio para a serraria e, nesta, procedendo ao corte das toras, transformando-as em tábuas. Tudo manualmente. No igarapé Felipequara (estreito e cheio de curvas, mas de águas limpíssimas), cenas oníricas do transporte de toras pelo igarapé, indo das matas para as serrarias. Levadas por jangadas, toras de madeiras flutuando para seu destino final, inusitado meio de transportar a madeira em que o documentarista ia registrando e fazendo malabarismos para pegar diferentes ângulos do cortejo vegetal. Mesmo com chuva, o carregamento do barco não para. As filmagens eram rodadas mesmo em baixo de chuva e depoimentos como o do Sr. Zé Melquides nos mostram o conhecimento sobre a vida e as condições sociais e econômicas que vivem os povos da amazônia, verdadeira filosofia de um povo que sobrevive sem as amarras do Estado e que sabem e pensam perfeitamente sobre a condição existencial que lhes foram submetidas. E nos relatos de seu diário de bordo, Chico Carneiro que são trechos de fimes, a descrição subjetiva da viagem: “Subimos o igarapé durante 1 hora e meia e era impressionante ver o quanto suas águas eram limpíssimas, e o quanto a mata, em muitos pontos, era cerrada, com o igarapé espraiando-se em várias direções de tal modo que muitas vezes perdíamos a noção www.revistapzz.com 23
cinema de onde estávamos (onde a inevitável pergunta: como aqueles homens conseguiam transportar a madeira por aquele caminho que, muitas vezes, parecia não ter espaço suficiente para as toras passarem?). Foi uma visão impressionante: várias canoas com diversas toras amarradas de ambos os lado, com um ou dois homens em pé sobre as toras utilizando varas para movimentá-las e controlá-las, desciam o curso de água ao lento sabor da correnteza e em meio a uma permanente troca de palavrões que funcionava como uma brincadeira entre eles e quebra da monotonia. Depois de filmá-las a partir da nossa canoa passei para uma das canoas-jangada e, dela, para as outras, para poder ter outros ângulos de filmagem. Algumas canoas são pilotadas por apenas um homem, a maioria dos casos; outras, por dois. No início as canoas-jangada vêm juntas, quase que coladas umas às outras. Mas aos poucos, e dependendo do ritmo e da perícia de cada condutor (ou condutores), elas vão distanciando-se entre si. Chico Carneiro, tem larga experiência como cineasta e documentarista. O seu primeiro trabalho profissional em cinema, como assistente de câmera, foi no antológico “Iracema” (Bodanzky-Senna, 1974), clássico filme que narra a história do impacto provocado pela rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo militar, do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969 a 1974), considerada uma “obra faraônica”, cortando sete estados brasileiros: Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas. No Pará e no Amazonas, a rodovia não é pavimentada e o que foi a grande rota do progresso e justificativa para a ocupação territorial na Amazônia é um grande descaso público e uma grande ferida na selva amazônica, um entrave para o desenvolvimento regional onde a grilagem impera, a degradação humana com a prostituição, a malária e o trabalho escravo e da natureza com as paisagens do desmatamento, queimadas e devastação. A relação do social e do ambiental abordado pelo cinema foi o inicio da formação deste cineasta que procura revelar a realidade da Amazônia em que vivencia em seus filmes e que revive nela. A estética que percorre é construída 24 www.revistapzz.com
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cinema
num caminhar cinematográfico profissional – totalmente empírico - cedo envereredou pela trilha de querer fazer um Cinema de cunho mais social, ou político. Isso deveu-se não somente ao tipo de Cinema no qual esteve envolvido mas certamente, e sobretudo, pela sua visão social do mundo. Que o Cinema só fortaleceu.
Balsa Boieira
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esses labirintos líquidos, além de canoas, barcos, balsas que transportam mercadorias pelo rio, o filme mostra embarcações muito comuns no Estado que é o segundo maior produtor de rebanho bovino do país recortado com a geografia
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hidrográfica que o delimita. Essas balsas são conhecidas como “boieiras”, que a pronúncia cabocla transforma em “buieiras”. As Balsas Boieiras fazem o típico transporte de gado por rios da Amazônia Paraense. O filme, em 65 minutos, documenta os 9 dias de viagem de uma dessas balsas - a Santa Clara – que saindo de Belém com mercadoria seca, sobe os rios Amazonas e Xingu, até Belo Monte, na Transamazônica, de onde retorna trazendo bois para abate. O documentário revela o cotidiano de sua tripulação, a paisagem amazônica, as dificuldades da navegação, os problemas da população ribeirinha e o sofrimento dos animais – registrando pelo caminho a degradação da floresta amazônica favorecida
Chuva Braba Nem com chuva braba sobre mim Mesmo longe a casa, o meu amor , eu vou... encurralando o gado a mesma dor em mim a chuva engole o rosto me leva pelo rio encurralando o choro o mesmo boi em mim a chuva lava a alma e o rio. (Allan Carvalho – Cincinatto jr.)
pelo fogo que desmata para fazer os campos de pastagens. As filmagens foram realizadas em abril e maio de 2007, e reuniram 30 horas de filmagem no total com produção de baixo custo. O lançamento ocorreu na cidade de castanhal, berço do cineasta, na Fundação Cultural de Castanhal (Funcast). Após o lançamento, os músicos Allan Carvalho, Lívia Rodrigues e Veudo, encerraram o evento com chave-de-ouro com as canções que fazem parte da trilha sonora do filme. Em 2009, o filme ganhou o troféu AMAZÔNIA PRATA como melhor média-metragem no Festival Amazônia Doc.
Nos Caminhos do Rei Salomão
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a Amazônia, rios são veias abertas desaguando em oceanos do planeta, rios são estradas, verdadeiros caminhos líquidos que unem cidades, regiões, por onde movimentam mercadorias, matérias-primas, os barcos são o principal meio de transporte da população ribeirinha. Mais de 50.000 barcos compõem a malha de transporte fluvial, grande parte deles dedicando-se ao transporte de passageiros. Este filme documenta a viagem de 36 horas do Navio-Motor “Rei Salomão”, que transporta passageiros e carga, entre as cidades de Belém (capital do Estado do Pará) e Anajás (no centro geográfico da Ilha do Marajó – a maior ilha fluvial do mundo, na foz do Rio Amazonas). O documentário retrata a movimentação do porto no dia da partida do barco;
Mais de 50.000 barcos compõem a malha de transporte fluvial, grande parte deles dedicando-se ao transporte de passageiros.
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cinema a viagem e o cotidiano da tripulação e dos passageiros; a paisagem amazônica; as dificuldades da navegação; os problemas da população ribeirinha; a incessante destruição da floresta amazônica e aspectos da cidade de Anajás –que vive da extração da madeira, do palmito e do açaí, além de deter o maior índice brasileiro de pessoas afetadas pela malária. Chico Carneiro mora há 30 anos em Moçambique na África, trabalhando com audiovisual, indo e vindo a Amazônia, e nesse traslado observa que a realidade de lá, em termos de degradação social e ambiental são muito semelhantes ao norte do Brasil.
Nas Barrancas do Rio Cariá
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idéia inicial do tema no quarto filme da série é focar sobre o transporte da Cerâmica. Foi escolhida a região de Abaetetuba sendo um lugar conhecido como produtor oleiro-cerâmico. O produtor dos filmes, o seu irmão Amilcar Carneiro dirigiu-se à procura de revendedores de cerâmica. O Rio Cariá fica no baixo Tocantins, ele sempre foi um local de olarias (entre outros rios da região). A partir da cidade de Abaetetuba (uma das cidades onde o seu pai durante algum anos explorou a atividade de exibição cinematográfica) vai-se de rabêta numa viagem de cerca de 1 hora. É um rio pequeno que deságua no rio Maracapucú, um dos rios afluente do rio Campopema que banha a cidade de Abaeté. A produção de cerâmica nessa região não é uma atividade preponderante, mas seu exercício nos faz refletir sobre uma atividade cultural que está em extinção pela precariedade das condições de trabalho, pela falta de investimento do setor público, uma atividade praticamente familiar, que exige muito esforço e conhecimento específico sobre o processo. É trabalho de domingo a domingo, desde às 5 da manhã, enfrentando a saúde e as intempéries. Na figura do seu Badu, personagem principal do filme, podemos entender como funciona esse ofício, verdadeira arte e sabedoria transmitida de pai para filho. Como observamos no primeiro
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filme da série Seu Didico Velho Macho, a questão do trabalho e do trabalhador, da realidade social, econômica e ambiental é alinhavado pelo documentarista como forma processual que tange a linha dos filmes. “À medida que vamos conhecendo melhor o processo de trabalho, e quem faz o quê, então as peças do quebra-cabeça vão encaixando-se, de modo a que tenha-se o registro completo de todas as fazes do processo produtivo. O impacto visual da olaria do Seu Badu, me fez mudar de ideia e centrar o filme na produção de potes e telhas - que eram os produtos alí fabricados - o que poderia fazer o gancho para a extração do barro e da madeira - para alimentar os fornos que “queimam” os produtos - e por extensão tocar na questão ambiental da destruição da floresta. relata Chico Carneiro. O quinto filme é sobre pescas, que ainda está sendo filmado. Foi filmado uma parte ano passado na cidade de Óbidos e será concluído as filmagens em fevereiro/março vindouros. O documentário focará a pesca no Rio Amazonas, a pesca nos lagos e a pesca em alto mar, a partir de Vigia.
Música
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uanto a escolha da música, foi uma feliz parceria com o Grupo Quaderna que desde o primeiro filme desta Pentalogia vem engrandecendo a série com sua música, compostas pelo Allan Carvalho (voz, violão e banjo) e Cincinato Jr (voz e violão). Só para este filme Nas Barrancas do Rio Cariá compuseram 9 músicas, incluindo a participação especial do Ronaldo Silva! Outros músicos colaboram com o projeto. Estou falando de feras como o Adamor do bandolim, o Nego Nelson, o Birantan Porto, Rubens Stanislaw no contrabaixo, o Bruno Mendes e Edgar Chagas na percussão. Lívia Rodrigues com sua voz lindíssima, participou de 2 dos 4 filmes. E a figura incansável e sempre bem disposta do técnico de gravação do técnico de gravação Márcio Góes e do estúdio Midas. Acesse o link: http://grupoquaderna. blogspot.com.br/2009/03/cenas-boieiras.html
“Como o filme não tem roteiro, deixo o rio me levar mas sempre atento pros inúmeros acontecimentos que, se bobear, passam batido e a gente acaba perdendo um bom assunto”.
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filosofia
metafísica
A metafísica
identidade cult Subjetividade, cultura e identidade, e suas imbricações no processo de subjetivação contemporânea,a partir da perspectiva de Félix Guattari e Gilles Deleuze. por Herbert Emanuel
Vontade de identidade = vontade de origem = vontade de verdade. De onde vem essa vontade? É fruto, talvez, do espírito do peso, que a vingança do homem contra o tempo inventou? Nietzscheanamente falando. Afinal, são séculos e séculos de tradição filosófica, de banho metafísico! Não é fácil se enxugar, acreditem, ainda estamos tentando. Quem sabe uma toalha grande, 30 www.revistapzz.com
bastante felpuda, fabricada no século 21, venha nos secar. Ou não. Kant também acreditou que tinha despertado do “sono dogmática”, com os seus Prolegômenos a Qualquer Metafísica Futura que Possa Vir a Ser Considerada como Ciência. E aqui estamos nós ainda a chocar esse velho ovo metafísico! Desde Platão – esse “signo excessivo e pai claudicante”, como disse Deleuze - ele
sobrevive e nos persegue. Mas não vamos ficar aqui nos lamentando, como velhas e/ou velhos solteirões amargurados, órfãos desse “pai claudicante”. Convém agora retornarmos à pergunta inicial: de onde vem essa vontade de identidade? Para início de conversa, não dá para pensar a questão da identidade sem relacioná-la a algumas outras palavrinhas
da
tural também de peso metafísico, inclusive: cultura e subjetividade. Neste texto, explicitaremos, a partir da perspectiva de Félix Guattari e Gilles Deleuze, dois expoentes do pensamento filosófico contemporâneo, os conceitos de subjetividade, cultura e identidade, suas imbricações no processo de subjetivação contemporânea, através do qual se fabricam sujeitos, estabelecem-se prá-
ticas discursivas de controle, vigilância, criam-se identidades postiças, de acordo com as exigências do mercado globalizado, do capitalismo mundial. Para Félix Guattari, a palavra cultura teve vários sentidos no decorrer da história: o seu sentido mais antigo, segundo ele, é o que aparece na expressão “cultivar o espírito”. É a “cultura-valor”, pois revela um julgamento de valor que determina quem tem cultura e quem não tem. Possui um sentido bastante elitista, aristocrático, na verdade: há os que pertencem a meios cultos e os que pertencem a meios incultos. Há um segundo sentido da palavra cultura: “cultura-alma coletiva”, sinônimo de civilização. Surge com a modernidade, com o Romantismo e a revolução burguesa. É o sentido que vai mais nos interessar aqui, pois possui uma relação direta com a noção de identidade, que veremos mais adiante. É um sentido muito democrático, pois não se trata mais de ter ou não ter cultura. Todos têm, todos podem reivindicar sua identidade cultural. É a partir desse sentido que se pode falar em cultura negra, cultura indígena, cultura técnica, etc. Segundo Félix Guattari, esse conceito de cultura se prestou a toda espécie de ambiguidade: serve tanto para as reivindicações nazi-fascistas, cultura ariana, superior, pura, quanto para os numerosos movimentos de emancipação que querem se reapropriar de sua cultura, de sua “identidade cultural”. Há ainda um terceiro sentido da palavra cultura, que corresponde à cultura de massa, a cultura-mercadoria. Neste sentido, não há nem julgamento de valor nem territórios coletivos da cultura. A cultura são todos os bens produzidos: equipamentos culturais, as casas de cultura, as pessoas que trabalham nesse tipo de equipamento, produtores culturais, todas as referências teóricas relativas a esse funcionamento, produção de filmes, cds, livros, etc... Produz-se cultura da mesma forma que se produz cigarros, coca-cola, sabonete. O interessante disso tudo, é que esses três conceitos de cultura estão intrin-
Féliz Guattari, filosofo e revolucionário francês, atuou junto com Gilles Deleuze. Juntos escreveram Anti-Étipo, Capitalismo e Esquizofrenia e O que é Filosofia?. Foi muito longe nesta desterritorialização e criou uma obra na qual o ploblema do desejo singular é inseparável do político, da industria, dainformática, das ijnstituições. Incociente institucional, para além, aquém, junto com o inconciente individual. Coloca o problema da subjetividade - em um sentido diferente da tradição filosofica - no centro das questões políticas e sociais contemporâneas. Teorizou também sobre a questão da transdisciplinaridade.
Para Deleuze, “a filosofia é criação de conceitos”, coisa da qual nunca privou-se (máquinas-desejantes, corpo-sem-órgãos, desterritorialização, rizoma, ritornelo etc.)
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metafísica secamente relacionados, existe uma espécie de complementaridade entre eles. A cultura de massa produz cada vez mais objetos com pretensão à universalidade e, ao mesmo tempo, produz identidades prêt-à-porter, figuras glamourizadas, sedutoras, que são consumidas como prótese de identidades, “sob todas as formas e para todos os gostos”, como diz Suely Rolnik: “são as miragens de personagens globalizados, vencedores e invencíveis, envoltos por uma aura de incansável glamour, que habitam as etéreas ondas sonoras e visuais da mídia; personagens que parecem pairar acima das turbulências do vivo e da finitude de suas figuras.” As xuxas, as mulheres-frutas, só para ficar nas personagens brasileiras, são exemplo disso. Por outro lado, o conceito de cultura como “alma coletiva” cria uma esfera autônoma da cultura, completamente separada de outros níveis culturais, como os da política, da economia, etc. É esse conceito que permite falar-se em departamentos de cultura, políticas culturais e identidades culturais. É esse conceito que permite isolar-se a cultura - que é processo vivo, heterogêneo, que se dá em todos os níveis de atividades semióticas - reificando-a, tornando-a um produto, uma coisa estática, morta, que permite manipulá-la, padronizá-la, capitalizá-la, transformá-la em mercadoria. Um exemplo disso: quando compramos cesto ou uma flecha, ou qualquer objeto de origem indígena, a maioria de nós acredita que dessa forma está contribuindo para a valorização e preservação da cultura indígena, quando na verdade só estamos legitimando esse processo de reificação, pois esse objeto já perdeu sua vibração cultural, já foi ressemiotizado pela sociedade capitalista. Comprar um cesto ou um sabonete dá no mesmo. Na verdade, o que se quer mostrar aqui, a partir de um enfoque guattariniano, é o caráter problemático e reacionário desses conceitos: eles fecham mais do que abrem possibilidades de se pensar a cultura, o seu devir. E que precisamos forjar novos referenciais teóricos, e mais do que 32 www.revistapzz.com
isso, precisamos também fazer funcionar, como diz Félix Guattari, “práticas efetivas de experimentação tanto nos níveis microssociais, quanto em escalas institucionais maiores”. Esses novos referenciais teóricos não podem estar subsumidos aos campos cretinizantes do saber acadêmico ou tecnocrático. Eles devem atravessar todo o social, transversalmente, com suas categorias mutantes, seus devires: devir-música, devir-planta, devir-animal, devir-mineral, devir-multidão, devir-cosmos, devir-mulher, devir-criança, devir-homem, devir-amazônia, devir-sonhos, etc..., com sua “densa nuvem não histórica”, nietzscheanamente falando: “L’âge de la pierre, du don, n’est pas seulemant un temps historique sur l’échelle évolutive de l’humanité. C’est un rapport au minéral, un défi au temps, le rapport amoureux de l’homme à la matière qui perdure.” O que eu quero dizer, em outras palavras, que esses referenciais teóricos devem ser forjados do mesmo modo que o artista forja a sua obra: singularmente, inventivamente. Diz Rimbaud, que o poeta é ladrão de fogo. O novo teórico deve ser uma espécie de poeta, ladrão de pensamento. Séculos de metafísica sempre entenderam a subjetividade como uma coisa em si, às vezes confundida com individualidade, centrada no indivíduo, numa instância egóica, do eu. Isso é uma herança cartesiana, a idéia de um sujeito pré-existente, um être-là, uma espécie de suposta natureza humana. Essa herança cartesiana continua contaminando a filosofia e as ciências humanas de um modo geral. O próprio marxismo não escapou disso, pois relacionou a subjetividade à superestrutura ideológica. A idéia de subjetividade aqui é a idéia concebida por Gilles Deleuze e Félix Guattari, “(...) de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente produzida, fabricada, modelada, recebida, consumida.” Para Guattari, a subjetividade é produzida da mesma forma que se produz um bem de consumo industrial: “Esquematica-
mente falando, eu diria, assim como se fabrica leite em forma de leite condensado, com todas as moléculas que lhes são acrescentadas, injeta-se representações nas mães, nas crianças – como parte do processo de produção subjetiva.” A subjetividade, portanto, não se situa apenas no campo individual – aliás, nesta perspectiva, indivíduo ou individualidade é simplesmente um modo de subjetividade – mas está inserida em todos os processos de produção social e material. Essa idéia de subjetividade, a meu ver, é muito mais potente, mais poderosa. Se entendermos a subjetividade como essencialmente produzida, o conceito de identidade também não escapa desse processo de produção. “Mesmo porque a identidade é também uma invenção imaginada e, como tal, social. Nesse contexto, a identidade pode ser repensada, desconstruída.”
Na verdade, o que se quer mostrar aqui, a partir de um enfoque guattariniano, é o caráter problemático e reacionário desses conceitos: eles fecham mais do que abrem possibilidades de se pensar a cultura, o seu devir. O conceito de cultura como “alma coletiva”, advindo do romantismo alemão, fabricou um outro conceito, o de “identidade cultural”, como sendo a natureza essencial de algo, pré-existente, portanto, imutável. Prestou-se, como se disse, aos mais ambíguos fins: desde a necessidade de unificação da Alemanha, no século XVIII*, passando pelas reivindicações nazi-fascistas, até os vários movimentos emancipatórios e/ou nacionalitários do final século passado e início deste. É um conceito que ainda resiste, influenciando uma infinidade de ideias e posturas, principalmente so-
bre as questões ditas culturais ou, mais a fundo, sobre todo o processo de produção da subjetividade nas sociedades contemporâneas globalizadas. Por este motivo, é que se faz necessário repensá-lo, ou melhor, desconstruí-lo. Como operar esta desconstrução? Em primeiro lugar, é preciso pensar para além de uma filosofia e de uma ciência régia, crítica, cartesiana e cognitiva da subjetividade, instaurando outra via de produção da realidade, mais nômade, mais gaiata, mais rizomática, mais para o delírio, para a experiência ético-estética que para uma razão imperial e dominadora, cujo propósito é aplacar nosso desassossego. Só a partir dessa recusa é que podemos traçar novas linhas de fuga, outras possibilidades de intervenção conceitual sobre essa questão. Eleger novos e criativos interventores convém. Transitar por outros saberes – como o da arte, por exemplo – é fundamental. Deixar-se afetar por ela. Só assim podemos criar um pensamento filosófico mais ao rés do chão. Caetano Veloso, na música “Língua” nos diz que só é possível filosofar em alemão. Na verdade, esta frase é do filósofo Heidegger que afirmara que, depois do grego antigo, a língua mais adequada para a filosofia era a alemã. Exageros e preconceitos a parte, acho que ele tinha razão, - pelo menos no que diz respeito a certo tipo de filosofia: a filosofia das alturas, vertical, ascendente-transcendente, do ser de Parmênides e das verdades robustas de Platão. Esta, sem dúvida, tem muito pouco a ver com a gente – “a gente” entenda-se: nós, brasileiros, mestiçosmulatosmalandros, orientupis, como disse o poeta Arnaldo Antunes. Mas, para um jeitinho assim, um cantinho assim e um violão, outra filosofia convém (ou não?): uma filosofia ao rés do chão, horizontal, em profuso e profundo atrito com a superfície imanente das coisas. Portanto, mais quente, caliente, dos trópicos onde ruídos e silêncio tropeçam abaixo da linha do equador. Uma filosofia litorânea, do surf, do skeite, dos esportes radicais; mas também ur-
bana, do rap, do rock, do funk, do samba; mas também cabocla da Amazônia, pororoqueira, mutante como um Boto Tucuxi. Uma filosofia do devir. Que quer ser ruptura com toda a tradição do pensamento metafísico ocidental que – como disse Nietzsche -, a vingança do homem contra o tempo inventou. Que quer ser um diálogo com outro ocidente, mais ao oriente do oriente e que não possui o peso da palavra ser, para quem angústia não é um reles conceito abstrato, mas o coração em cinzas. E ensinar é lançar palavras no rio. Uma filosofia pop (Deleuze), não no sentido de popular, mas para um além do que foi a pop art: subversão, transgressão de uma certa idéia de profundidade, de seriedade. Molecagem filosófica. Para uma filosofia assim convém o chão e não as nuvens. “Mergulhando na Terra, como faria um Pré-Socrático, com suas sandálias de bronze (Empédocles), ou vagando como um nômade pelos territórios, assim como um estóico, se apresentam enquanto alternativa para a imagem do filósofo ascencional e nirvânico, pronto a almejar o céu do saber”. (Vasconcellos, 1997). Ciência sim, mas gaiata, como a dos troubadores. Gaia Ciência. Geofilosofia. Rizomaticamente fincada na terra, penetrando-a, fertilizando-a. Ato de criação, de invenção, portanto. Há um quadro de René Magritte, cujo título é “A Ponte de Heráclito”; neste quadro, há uma ponte que parece interrompida ou inacabada por causa das nuvens que a encobrem; no entanto, seu reflexo no rio indica que ela está completa. Esta filosofia começa quando se ousa atravessar sobre os reflexos da ponte no rio, que também é o de Heráclito, sem mapas, sem pistas, sem orientação; ao saber e ao sabor do próprio acontecimento. Qualquer desconstrução teria que passar por isso. A questão fundamental, a meu ver, que se coloca hoje, é que, com o processo de globalização que, inevitavelmente, vem pulverizando as identidades locais e criando outras, identidades postiças, globais, “(...) o
que se coloca para as subjetividades hoje não é a defesa de identidades locais contra identidades globais, nem tampouco a identidade geral contra a pulverização; é a própria referência identitária que deve ser combatida, não em nome da pulverização (o fascínio pelo caos), mas para dar lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos. Recolocado o problema nesses termos, reivindicar identidade pode ter o sentido conservador de resistência a embarcar em tais processos.” Dar lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos, o que significa isso? Afirmar a plenitude dos devires que nos atravessam: nunca somos completamente homens, mulheres, crianças, negros, nordestinos, judeus, guianenses, amapaenses; há sempre um componente esquizo, de devir: animal, humano, vegetal, mineral... “Sou eu um homem? Sou eu uma mulher? Sou eu uma pedra? Só a Esfinge responderá e a palavra revelada atingirá meu rosto – como um murro.”
A idéia de subjetividade aqui é a idéia concebida por Gilles Deleuze e Félix Guattari, “(...) de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente produzida, fabricada, modelada, recebida, consumida.” Esse componente do devir está muito bem ilustrado numa bela passagem de um livro de Deleuze em que ele fala de sua parceria com Felix Guattari: “Nós somos desertos, mas povoados de tribos, de faunas e floras. Passamos nosso tempo a arrumar essas tribos, a dispô-las de outro modo, www.revistapzz.com 33
metafísica a eliminar algumas delas, a fazer prosperar outras. E todos esses povoados, todas essas multidões não impedem o deserto, que é nossa própria ascese; ao contrário, elas o habitam, passam por ele, sobre ele. (...) O deserto, a experimentação sobre si mesmo é nossa única identidade, nossa única chance para todas as combinações que nos habitam.” Fruir dessa paisagem – o deserto - usufruir de todas as suas riquezas, existentes e não existentes, con-fundir-se com elas, pensar o impensável, inventar novas possibilidades de vida – a isso chamo singularidade ou processo de singularização. É uma idéia mais rica e mais potente - de um ponto-de-vista ético e estético, inclusive - do que a de identidade. A vontade de identidade, independente das formas em que ela
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se expresse, sejam identidades locais ou globais, possui um propósito não muito nobre: domesticar as forças, as multiplicidades, conter os devires, negar as possibilidades de sermos, às vezes, inteiramente outros. “Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns. Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que sonha no Outro.”
A identidade – enquanto representação dada a priori da subjetividade, isto é, enquanto referência identitária, metafísica - nos impede de sonhar o outro. E mais do que sonhar o outro, nos impede também de devorá-lo, no sentido da antropofagia de Osvald de Andrade**, deglutindo suas melhores partes, “de forma que partículas do universo desse outro se misturem às que já povoam a subjetividade do antropófago e, na invisível química dessa mistura, se produza uma verdadeira transmutação.” A desconstrução de toda referência identitária da cultura passa, no meu modo de ver, pelo desejo de afirmar plenamente essa trasmutação, a fim de que possamos, por meio dela, reverlar-mo-nus.
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cênicas
teatro
recorte da dramaturgia:
Carlos Correia Santos por Tchello d'Barros
Revista PZZ: Entre as diversas modalidades literárias (ou subgêneros da Prosa e da Poesia) em que você se expressa, alguma delas é predominante ou tudo depende do momento e do projeto em que está empenhado?
O escritor paraense Carlos Correia Santos, que não gosta de rótulos, por vezes tem dificuldade em ser definido como referência em alguma modalidade literária, já que se movimenta pelas veredas da Dramaturgia, Romance, Conto, Crônica, Roteiro, Poesia e Letras Musicais, entre outras. Autor plural e prolífico, abre generosamente espaço na movimentada agenda para contar um pouco aos leitores da PZZ sobre um aspecto bastante específico de sua vasta produção: sua obra dramatúrgica, em especial as produções em que o autor faz um mergulho profundo na vida e obra de grandes vultos da história e da cultura do Pará.
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Carlos Correia Santos: Tudo depende de tudo (risos). Sou alguém viciado no todo, dependente de tudo. Às vezes, tenho que me forçar a desconectar. Minha vontade, minha ânsia de criar é subversiva na medida em que faz motins contra a minha quietude. Só estou bem se estou inquieto. Nesse sentido, então, interessa-me sempre todas as formas de expressões possíveis. Meu prazer é exercitar. Quando o twitter surgiu, logo reclamei: cento e quarenta caracteres? Isso é o fim da falta de contendas para a palavra. Mas daqui a pouco lá estava eu no twitter exercitando o microconto, o micropoema, a microcrônica. Entrementes, uma coisa para mim é clara hoje: qual gênero literário vai melhor suportar essa ou aquela ideia narrativa que me ocorra. Já sei que tal enredo rende melhor num conto. Já entendo que aquela trama precisa da extensão de um romance. Já me é claro que aquele caso que quero levar a alguém cabe melhor numa peça de teatro. Tenho aparentemente escrito mais peças de teatro porque o contato com a arte do palco é devorador e sequestrante. O teatro nos abduz. É incrível. Isso porque a resposta do público é muito imediata. Se a escrita não funciona, a plateia não responde. Esse feed back é raro para um escritor
em outros segmentos. Mas, enfim, eu quero tudo, eu me reparto em escrita no todo que eu puder. Revista PZZ: Que dramaturgos - ou peças teatrais - estão entre suas leituras referenciais? Poderia revelar um pouco sobre suas preferências em Dramaturgia?
“Um autor de teatro precisa estar atento a criar um texto que faça com que o público mova suas emoções com a trama, com os atores, com a encenação.” Carlos Correia Santos: Eu sou apaixonado, fissurado mesmo por Nelson Rodrigues. O universo e o sistema dramatúrgico dele são de revelações e achados preciosos para quem quer escrever para o teatro. A dramaturgia é a arte que quer sempre comover uma plateia. E o que seria esse comover? Significa mover com. Um autor de teatro precisa estar atento a criar um texto que faça com que o público mova suas emoções com a trama, com os atores, com a encenação. Se a dramaturgia não surte esse efeito tenha ela qual proposta for, há um problema. O Nelson foi um mestre nesses artifícios. Um dos mais interessantes era a chamada traição ao espectador. Seus enredos tinham
Nu Nery - espetรกculo inspirado em Ismael Nery
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teatro Theodoro - espetáculo sobre Theodoro Braga
muito de bofetões na sociedade hipócrita e chauvinista de seu tempo (só do tempo dele? Risos). As tramas rodrigueanas propõem mergulhos e inquietações aos quais ninguém, em sã consciência, quer ser submetido. Imagina! Pagar um ingresso para ter minhas bizarrias íntimas reviradas? Nunca. Então, ele traía o espectador. Isso é pura técnica. O espectador senta-se e começa a assistir um espetáculo aparentemente cheio de banalidades, trivialidades, até com certa picardia e leve comicidade. Quando esse espectador já está seduzido, o Nelson começa a jogar em sua cara situações, questionamentos e afirmações psicológicas bem indigestas. Não haverá mais como fugir, tudo terá que ser visto até o fim. Isso muito me inspira, muito me cerca. Interesso-me por fazer isso no teatro. Revista PZZ: Considerando-se que são raros os dramaturgos brasileiros 38 www.revistapzz.com
que se dedicam a escrever peças de cunho histórico, como surgiu essa série e quais seus objetivos?
“Um trabalho artístico é, antes de qualquer coisa, provocação. Não é elucidação. O que ficou sem ser dito ou mostrado terá que ser descoberto pelo espectador.” Carlos Correia Santos: Essa série de peças minhas de cunho histórico e todos os meus outros trabalhos literários com esse viés, a exemplo da minha série de romances, que chamo de Sagas da Amazônia, são resultado de uma busca pela minha identidade como ser amazônico. Sou o único paraense de uma família ferrenhamente pernambucana. Meus familiares vieram para Belém e nasci na cidade. O que acon-
tecia era que dentro de casa minhas referências eram todas nordestinas. Eu não tinha um repertório memorialístico nortista. Mas quando eu saia de casa, esbarrava num cotidiano em que tudo me pedia esse repertório. Todo meu entorno social era paraense. Para entender a minha terra, eu comecei a estudá-la com afinco. E escolhi dois caminhos de estudos que são sempre colossais: a História e a Literatura. Logo percebi que muito da História nortista foi construída por grandes artistas da palavra. E também logo vi que os movimentos artísticos sempre envolvem ou mesmo moldam episódios históricos. Então, naturalmente, sem que eu forçasse ou mesmo percebesse, meus enredos foram namorando personagens histórico-culturais. Descobri a relevância de Ismael Nery e pensei: isso pode ir para o teatro. Bestifiquei-me com o surreal capítulo que foi o projeto Fordlândia e concluí: isso é potencialmente interessante para
Duelo do Poeta com Sua Alma de Belo Espetáculo inspirado em Antônio Tavernard
um romance. De repente, eu tinha um manancial grande de textos que versavam sobre História. Houve um momento em que pensei: vou parar com isso. Não quero rótulos para mim. Mesmo porque a escrita histórico-investigativa é um dos meus caminhos. Como já disse aqui, eu me interesso por tudo e pelo todo. Mas, como bem diz Harold Bloom, o artista precisa perder o medo das referências. Elas existem, são cabais e inevitáveis. Decidi me sentir confortável nesse segmento e apostar vivamente nele. Revista PZZ: Por ser uma modalidade tão específica, poderia contar um pouco como é seu processo de criação e pesquisa para essas peças teatrais onde a História também é protagonista? Carlos Correia Santos: É um processo extenso. Começa sempre com a pesquisa. Quando decido escrever sobre um determinado personagem
ou episódio histórico, meu primeiro passo é o que chamo de fase do “farto engravidamento”. Preciso me emprenhar com todas as informações possíveis a respeito daquilo. Então, eu leio vorazmente, consulto as mais diversas fontes, busco material digital, impresso, fotos. Vou montando um dossiê de dados. Depois vem a fase da entrevista. Procuro pessoas que sejam referências naquele assunto e as entrevisto. Nessa fase, não uso gravadores nem faço anotações. Ouço apenas. Quando volto para casa, escrevo o que a mente registrou da entrevista. Isso é o que se chama de seleção memorialística. O que fica na memória é o que vai servir à criação. A união do que foi obtido na pesquisa e na entrevista forma o que chamo de “Teia Criativa”. Um grande e pulsante emaranhado de informações. Então, preciso me afastar um tempo de tudo isso. Para que fique tudo orgânico, latente. Quando sinto que as coisas estão
domadas, começo a traçar a trama. Procuro os aspectos que cercam o episódio ou personagem histórico que me pareçam mais eivados de dramaticidade. Pinço momentos com relevância, com apelo narrativo e estabeleço uma trajetória. Preciso fazer escolhas e elas terão que ser arbitrárias. É impossível abarcar a plenitude nesse tipo de trabalho. Cumprida essa etapa, começo a urdir uma trama ficcional para emoldurar a narrativa, afinal jamais será interessante se o resultado parecer uma aula de História. Crio, assim, uma circunstância ficcional. Um enredo com personagens paralelos. E trago os traços biográficos que filtrei. Deste modo, nasce a narrativa ficcional sobre um personagem ou episódio histórico. ______________________________
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Terruá Pará: retratos da música brasileira Bruno Pellerin, fotógrafo francês que mora em Belém, registra artistas da terra durante evento organizado pela Rede Cultura de Comunicação e amplia seu álbum de retratos por Elielton
Amador fotos Bruno Pellerin
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uatro dias ininterruptos de apresentações da nova temporada do Terruá Pará, no Theatro da Paz, em Belém, e a excitação é enorme nos bastidores. O fotógrafo francês Bruno Pellerin, que há quase três anos mora na cidade e retrata os artistas da terra, vê nesse movimento a oportunidade de acrescentar ótimos retratos ao seu trabalho que já contém quase uma centena de artistas e deve vai virar livro em breve. Foi assim que ele teve a ideia de levar seu estúdio portátil para a varanda do Theatro (Pellerin mora há cerca de 100 metros do local do evento). Trata-se apenas de um painel de fundo, onde os artistas ficam a vontade para se expressar diante do fotógrafo de 56 anos que se formou na escola técnica francesa e trabalhou nos desfiles de grandes estilistas como Yves Saint-Laurent, John Galliano, Christian Dior e Jean Paul Gaultier, entre outros. Toni Soares traz a sua banjola, instrumento que ele mesmo inventou e que toca com um arco de rabeca. Enfeitado com as roupas do show, ele é capturado na ambiência do artista por Pellerin. Mestre Laurentino, com seus 84 anos, fica a vontade para tirar chapéu e os tradicionais óculos escuros de roqueiro. Posa como uma criança, segurando sua gaita cromática de 12 semitons, com a qual logo mais vai animar o público
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tocando “Loirinha Americana”. Usando apenas a luz natural ou um ponto de luz artificial, Pellerin conseguiu captar a espontaneidade e a emoção latentes no semblante de cada artista, no calor da hora da correria do evento que ocorreu entre os dias primeiro e 4 de agosto de 2012. Mestre Vieira, por exemplo, ele registrou tocando guitarra nas costas como Jimi Hendrix. “Ele [Vieira] disse que não podia fazer todas as peripécias que ele faz no show solo durante a participação no Terruá, mas ele costuma fazer isso [tocar com o instrumento nas costas] nos shows dele e fazendo outros movimentos. Ele queria ser fotografado assim”, contou o fotógrfo. É assim que Pellerin registra os artistas, como eles se mostram, apesar de estarem diante de um estúdio. “A fotografia é deles, não é minha. Eu registro o que eles querem. Em geral, é por isso que eles gostam tanto do meu trabalho”, explica. Dona Onete estava fotografando quando Vieira chegou. Ele ganhou um beijo na cabeça, o fotógrafo ganhou o registro exclusivo. Pipira do Trombone, Manezinho e Pantoja do Sax: as Metaleiras da Amazônia se mostram em separado. Paturi, Nazaco e Marcio Jardim, o Trio Manari posa junto, mas também separado. Edilson Moreno faz cara de
superstar; Pio Lobato, de intelectual curioso. E corre, e vai, procura mais alguém que esteja de “bobeira” pelos corredores do Theatro da Paz. Quem aparece: Gang do Eletro. Pellerin nunca fez fotos de uma banda ou artista de tecnobrega. No próprio Terruá, Gaby Amarantos estava de saída, ia entrar no palco e no dia seguinte sairia para um show fora do estado. Mas topou fazer depois no estúdio. Os multicoloridos uniformes da Gang ficaram cheios de contraste e profundidade na foto do francês. DJ Waldo Squash, Maderito e William Love carregaram Keila Gentil para fazer a foto, é claro. Mas quem fez charminho mesmo foi Luê Soares, uma das revelações do Terruá, com sua rabeca em punho. Ficou belíssima no contraste. Mas ela não foi a única a fazer pose de superstar. Mestre Solano, com camisa brilhosa, chapéu, óculos escuros e sua guitarra Les Paul em punho faria a sua “Americana” paid’égua cheia de orgulho. Orgulho paraense, compartilhado com Almirzinho Gabriel, que também apareceu e deu uma canja com Toni Soares no palco. Esdras de Souza, o mago dos metais, também foi retratado. Imagens magníficas. Cada uma dessas (todas em preto e branco) tem um contraste que dá aos artistas paraenses a aura dos desfiles de moda, o élan que ajuda a criar os
Toni Soares traz a sua banjola, instrumento que ele mesmo inventou e que toca com um arco de rabeca. Enfeitado com as roupas do show.
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mitos. Economicamente falando (falando das economias simbólicas, é claro), Pellerin agrega à música paraense o valor dos mercados mais sofisticados, sem a “transformar”, pois não interfere no som. Simbolicamente falando (falando em cultura, é claro) Pellerin cria um outro bem simbólico que não é apenas registro é abstração, é instigante, provocativo, como deve ser a arte. “Eu também sou um artista”, afirma, num dos raros momentos em que deixa a modéstia de lado. Na prática, Pellerin agrega parceiros para transformar seu projeto e seus registros em um livro. Convidou-me para escrever os textos sobre os artistas da cena musical de Belém. Senti-me satisfeito e provocado pela proposta. A música paraense merece a qualidade técnica e a sensibilidade de Pellerin. _______________________________ *Elielton Amador é músico, produtor e jornalista, mestrando do Programa Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará. 46 www.revistapzz.com
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Músicos que participaram do Terruá Pará, fografados por Bruno Pellerin 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
- Manelzinho do Sax - Mestre Laurentino - Trio Manari - Edilson Moreno - Manoel e Felipe Cordeiro - Mestre Vieira - Pantoja do Sax - Dona Onete e Mestre Vieira - Pio Lobato - Gangue do Eletro - Luê Soares - Mestre da Curica - Mestre Solano - Almirzinho Gabriel - Edras de Souza - Pipira do Trombone
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moda
da tribu
Tramas, fértil raiz Assim também o sonho Da Tribu que plantei no chão da minha casa, no coração dos meus filhos. Eles, minhas cria(çõe)s mais plenas de perfeição amorosa, filhos-meus-jardineiros-fiéis, no cultivo permanente e zeloso de um miúdo broto.
por Kátia Fagundes
A Da Tribu é um empreendimento familiar que atua no setor da moda, especificamente na produção de acessórios. Os fios, tecidos e produtos reutilizáveis constituem a matéria prima com a qual criamos e produzimos peças exclusivas, amalgamadas à poesia, ao conhecimento empírico e as minhas memórias familiares.
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Foto: EstĂşdio Lazuli
Modelos Tati Braun e Ana Luisa Fagundes
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anatribu da miranda
Modelo: Camila Honda. 50 www.revistapzz.com
á três anos atuando na Moda em Belém/Pa, a Da Tribu vem sendo divulgada e apreciada em outras paragens, porque neste mundo global interconectado pela tecnologia e suas virtualidades as idéias circulam muito mais rápido, dissolvendo espaços fronteiriços, num tempo também reprogramado pelas contingências da Modernidade. Buscando se afinar conceitualmente aos chamados do Planeta, num processo de equalização com a Natureza e entendendo a partir dela que da Cultura nada se perde, tudo se ressignifica, utilizamos antigos saberes (a costura tradicional, o papel machê, o crochê e o bordado), conjugados a vários tipos de resíduos: sobras de tecido, vinis antigos, embalagens longa vida, entre outros. Este é o movimento que realizamos: aliar as técnicas manuais e elaboradas aos materiais contemporâneos na produção de uma Eco Moda, o que significa também realizar uma Moda Ética. Em tempos de Fast Fashion, propomos a valori-
Foto: Estúdio Lazuli
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zação do trabalho artesanal na produção de peças únicas. As fotos que ilustram nosso trabalho nesta edição da Revista PZZ foram selecionadas das coleções “Alquimia” e “O que vejo da minha janela”. A primeira coleção foi inspirada nos preceitos da ciência alquímica Por esta razão, investimos no brilho do ouro e da prata e na monocromia do preto e suas nuances, à procura de um elixir que conferisse às peças desta coleção refinamento e elegância para pessoas que se vestem com sofisticação. “O que
vejo da minha janela” é nossa última coleção, na qual buscamos integrar a natureza aos elementos da cultura urbana. Da janela do nosso atelier capturamos imagens e sons e os materializamos em colares, brincos, pulseiras, anéis e arranjos confeccionados através de muitas experimentações. Dentre elas, o aprimoramento de técnicas do trabalho com o papel machê, da pintura à mão livre, além da pirografia e da modelagem. Sentidos apurados geram acessórios únicos, carregados de história e autenticidade.
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Foto: EstĂşdio Lazuli
da tribu
Modelo: Ana Luisa Fagundes da Silva.
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ara participar do Movimento HotSpot, a Da Tribu produziu um Vídeo Arte no qual não pretendeu mostrar um projeto específico, mas traduzir as forças motrizes do nosso processo criativo e de produção: ancestralidade, modernidade e sustentabilidade. Este vídeo foi pensado e produzido por meio de trocas de conhecimentos, de bens e serviços, pois a gestão compartilhada constitui-se uma estratégia do nosso trabalho diário do fazer e pensar, onde o núcleo familiar, os colaboradores e parceiros têm participação ativa. Acreditamos e exerci-
Foto: Estúdio Lazuli
Design participativo, economia criativa
Modelo Michele Campos. tamos este tipo de gestão na busca e realização de projetos comuns entre uma rede de atores, aliando produção cultural e econômica. Recentemente, a Da Tribu foi contemplada com o Prêmio da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, por meio do Edital de Fomento a Iniciativas Empreendedoras e Inovadoras. Este prêmio, para nós, representa uma grande conquista que ultrapassa a maravilha de um investimento financeiro extra que oxigenará bastante nossa produção. Ele significa, antes de tudo, o reconheci-
mento nacional de nosso trabalho, dos esforços dedicados a um sonho familiar, indicando-nos que estamos no caminho certo. Percebendo a Moda enquanto instância simbólica que condensa e representa o espírito do tempo (LIPOVETSKY, G. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas, 1998) e a polifonia da cultura brasileira, sejamos sementes de um novo tempo, farto em criatividade e produção cultural, um mundo alicerçado num modelo de desenvolvimento efetivamente sustentável.
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fotografia
Traduzindo a intuição fundadora por João de Jesus Paes Loureiro
Toda foto é uma forma de destino. No entanto, o que salta como universal, na fotografia de Tanha Gomes nessa mostra, é que tudo se transforma em cor pigmentada por um raio de luz. Com isso, Tanha instaura a cor no reino das sombras. Dá-nos a impressão que, de câmera na alma e Mao na objetiva da lente, diz “faça-se a cor” e Clic!- a cor se faz.
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fotografia
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Toda foto ĂŠ uma forma de destino
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fotografia
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Há um gesto temático nas obras selecionadas para esta exposição. São dois grupos definidos em variações lírico-conceituais do corpo feminino: o corpo da mulher tatuado pelos destinos do mundo; e o corpo da mulher invisibilizado pelos panos culturais do mundo. Se, no primeiro, temos o corpo da mulher que é invisibilizado pela visibilidade cartográfica que não reconhece as diferenças; no segundo, observa-se o corpo feminino a se visibilizar sob a invisibilização dos mantos com que os preconceitos o recobrem.
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fotografia O que marca a fotografia de Tanha Gomes é que ela instaura uma percepção plástica do mundo factual e conceitual, na forma de uma sensibilidade convertida em imagem simbólica. Cada foto é um signo e um símbolo. Revela iminência estética de sua significação. E transcende a essa significação , mostrando também, como quem olha por cima do ombro da imagem, sua transcendência, sua reflexão sobre o ser e o mundo. Chega à essência por via da aparência. A imagem fotográfica contém em si sua legitimidade. Há uma voz que soa da imagem e toca no silencio, arrebata a indiferença. São pedaços de corpo cobertos de pele de transparente frescor. Imagens ora com inscrições, ora entalhadas em blocos de cor, como fragmentos de pedras lascadas da alma. Ainda que estreante a artista já domina a imagem fotográfica e objetivos artísticos da objetiva de sua câmera. Estreante, mas não improvisadora. Suas fotos nascem do livre jogo entre reflexão e sensibilidade, percepção pregnante e fina delicadeza de expressão. Há um gesto temático nas obras selecionadas para esta exposição, São dois grupos definidos em variações lírico-conceituais do corpo feminino: o corpo da mulher tatuado pelos destinos do mundo; e o corpo da mulher invisibilizado pelos panos culturais do mundo. Se, no primeiro, temos o corpo da mulher que é invisibilizado pela visibilidade cartográfica que não reconhece as diferenças; no segundo, observa-se o corpo feminino a se visibilizar sob a invisibilização dos mantos com que os preconceitos o recobrem. Ambos são corpos sufocados na perdição das identidades destroçadas. Uma poética da presença em um mundo alargado de ausências. Toda foto é uma forma de destino. No entanto, o que salta como universal, na fotografia de Tanha Gomes nessa mostra, é que tudo se transforma em cor pigmentada por um raio de luz. Com isso, Tanha instaura a cor no reino das sombras. Dá-nos a impressão que, de câmera na alma e Mao na objetiva da lente, diz “faça-se a cor” e Clic!- a cor se faz.
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documentário
história
Os Viajantes joão meirelles filho, autor do livro “ grandes expedições à amazônia brasileira, vol. i vol. ii, descreve neste artigo a relação entre história e documento, pintura E FOTOGRAFIA, ARTE E CIÊNCIA, CONHECIMENTO E MITO, PRODIZIDOS SOBRE A REALIDADE AMAZÔNICA. por João
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Desenho de Orbigny - Belém - 1834
Meirelles Filho*
como um cometa inesperado a cintilar no espaço! (Xavier de Maistres Viagem ao redor do meu quarto)
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*É glorioso abrir uma nova carreira, e aparecer de repente no mundo sábio, um livro de descobertas na mão,
Qu’il est glorieux d’ouvrir une nouvellecarrière, et de paraître tout à coup dans le monde savant, un livre de découvertes à la main, comme une comète inattendue étincelle dans l’espace ! (Xavier de Maistres, Voyage Autour de ma Chambre)*
hist贸ria
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À esquerda, o príncipe e seus companheiros de viagem Lith. von Wildt, 1847 - litografia a partir de desenho de A. Schimidt GTZ. Druck Deskonigl, 14,8 X 19,9 cm, à direita, ilustração para livros do século XIX.
O viajante é sempre um intruso, um incômodo, um enxerido. Como uma criança, que não se fia por peias, ele (ou ela) nos faz perguntas incômodas, mordas vezes, representa um soco no estômago de quem vive a região. E isto é bom, muito bom, por que ele (ela) nos obriga, e à sociedade como um todo, a mover para diante. O Amazônida, aquele que vive na Amazônia, brasileira ou continental, sofre há cinco séculos esta invasão e suas enormes consequências. A Amazônia de hoje ferida, pilhada e ameaçada, é a demonstração cabal de como nós, Pobres Brasis, tratamos nossos povos originais e o próprio Planeta. E, se antes escondíamos as
barbaridades cometidas sob as grossas paredes da Colônia, as cortinas esgarçadas da Belle Époche ou os mirabolantes planos governamentais ao longo do século XX, hoje os desrespeitos aos direitos fundamentais do Homem podem ser presenciadas por milhões de telespectadores, em transmissões ao vivo a partir de aparelhos de telefonia celular. Se esperávamos que estas escabrosidades se arrefecessem ou fossem se esconder nos grotões dos Pobres Brasis, enganamo-nos, pois a conquista se reforça, célere e perversa, num afã pelo máximo de recursos e terras, antes que se façam cumprir as leis (que já aí estão) ou o vexame público o impeçam de expor a hipocrisia em paz. Em tempo, se viajar pela Ama-
zônia demandava meses, ou mesmo anos, somas consideráveis, preparativos detalhados, sob pena de fracasso absoluto, imensas incertezas e grandes esforços e sacrifícios, na atualidade não há local na região que não se alcance em um par de horas, a partir de uma cidade com pequena que seja a infra‐estrutura para apoiar esta visita. Se no momento conta‐se, fortuitamente, com uma imprensa profissionalizada em múltiplos meios de comunicação, ainda que pululem os beletristas e co pistas, organizações da sociedade civil atuantes e articuladas, movimentos sociais e ambientais de forte reconhecimento público, uma academia algo atenta, até mui recentemente as notícias que se teria da Amazônia dependeriam, ora da carta de um religioso, do diário de um militar, de pedidos de comerciantes e, ora, eventualmente, de um ou outro viajante, naturalista ou de outro cunho científico, capaz de escrever algo minimamente coerente e interessante. Lembremo‐nos, ainda, censura auto ‐imposta pelas ordens religiosas, militares e aos diplomatas, subordinados a rígidas hierarquias e visões de mundo muitas vezes sob a égide do delírio e esquizofrenia. Surpreendentemente, mesmo em pleno século XX, adentrando este XXI em que nos situamos, serão estes viajantes, ainda, importantes fontes a nos darem notícia da Amazônia real, ou pelo menos, de alguma Amazônia que ousaram captar, e assim o fazem www.revistapzz.com 69
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Onça luta com tamanduá bandeira, Ilustração para o livro O Naturalista no Rio Amazonas de Henry Bates de 1863; Acampamento no Rio Madeira, Franz KellerLeuzinger; á direitra, em cima, Pescador com a pesca, Keller-Leuzinger, 1867;
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como jornalistas, escritores, cientistas ou aventureiros esfaimados por conquistas. Em boa medida, a visão que se tem da Amazônia vem dos viajantes, até mais do que a da academia, desde o nome que a região recebe, a lendas relacionadas a tesouros, guerreiras, povos exóticos, animais impressionadores. No entanto, no processo geral de Pensar o Brasil, os viajantes ainda são considerados na academia como algo menor, e sua leitura pela sociedade em geral pouco se observa. Não se quer defender aqui a sua qualidade literária, muitas vezes sofrível, e sim a oportunidade que nos oferecem, a partir suas perspectivas, de sua maneira, muitas vezes atabalhoada, de descrevê-la e analisá-la. Sua contribuição é ainda mais importante quando são pioneiros no contato com grupos indígenas isolados, ou mesmo moradores, quilombolas, caboclos ou outros, de regiões afastadas dos grandes centros e pouco visitadas.E este Pensar o Brasil, mesmo no século XX, quase sempre relevou a Amazônia. Ainda se pensa a Amazônia da mesma maneira que Portugal fazia
como uma outra colônia, agora não mais lusitana, mas do Brasil. O curioso é perceber que a Amazônia reage insuficientemente, e pouco convence com seu discurso que seu território é maior do que o restante do Brasil talvez, inclusive, pela falta de representantes ou intelectuais preocupados com o sucedido. E as renovadas descobertas da importância da Amazônia em relação a seus povos nativos, a sua cultura, ao clima do Planeta, a conservação da biodiversidade, a reserva de água doce, terras e outros quesitos, que deveriam, esperar-se‐ia, reforçar a tese que o Brasil sem a Amazônia seria apenas mais um país com limitados atributos socioculturais, parecem não encontrar o eco que merecem, como nos assevera, entre outros, o jornalista Dal Marcondes: o diferencial do Brasil é a Amazônia. [Depoimento ao autor, 2011] E Pensar a Amazônia precisa ser valorizado como uma linha de pensamento, um campo de preocupações, que, abranja, inclusive, com suas lianas, musgos, perfumes e xerimbabos, as fronteiras nacionais; afinal, há uma Pan‐Amazônia cobrindo o borrão ver-
de e úmido desta parte do planeta, e que encerra nove países, onde o Brasil posiciona‐se, novamente, como abençoado, na feita que detém, como sempre, o maior quinhão. Retornemos, entretanto, às viseiras que o pensamento brasileiro (o do Pobres Brasis) vem conduzindo a nossa carroça. Mesmo no século XX, Pensar o Brasil é pensar o Nordeste, o Sudeste, o Sul e até algum Centro‐Oeste, e não a Amazônia. A Amazônia não faz parte da geografia brasílica senão como terra incógnita, o espaço selvagem, a floresta, o exótico. Explica‐se? Talvez o Pensar o Brasil reproduza a aguçada observação de Frei Vicente Salvador no início do século XVII. Os portugueses andavam como caranguejos, arranhando o litoral. Talvez este Brasil deleite-se mais nas areias que se copacabanam diante do cenário montanhoso e tropical, ou fascine-se com as confusas metrópoles que surgem, em reiteradas tentativas de se diferenciar das reverberações européias, ou mesmo, quando ousa no regionalismo, não passe além de autores-cometas, isolados das constelações, que se encerram em suas próprias fórmulas, qual Guimarães Rosa, ainda que produzam altíssima literatura. E o Século XX como se expressa Rondon em uma de suas conferências, será servil à crença paternalista, que o litoral poderia ajudar, civilizar o interior. “Nós, os descendentes dos conquistadores destas terras, podemos realmente fazer muito em beneficio dos habitantes dos sertões”. [RONDON, C.M. 1922, p. 81] No início do século XX alguns viajantes passaram do Brasil para a Amazônia, mas o fizeram rapidamente, como em fuga ou laivo de curiosidade, entre eles, exímios pensadores do Brasil, como Euclides da Cunha e Mário de Andrade, visitados no livro Grandes Expedições à Amazônia Brasileira 1500-1930, do qual este é uma suíte. Suas obras amazônicas e de outros em igual situação, mesmo que prestidigitadoras, não provocaram suficiente reflexão necessária ao país, não comwww.revistapzz.com 71
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Nosso primeiro encontro com os Caripunas, Rio Madeira Franz KellerLeuzinger, c. 1874 (xilogravura, 22,5 x 14,1 cm)
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põem o Pensar o Brasil. E isto mesmo considerando as palavras de Florestan Fernandes, de que a realidade cultural do Brasil é e será ainda durante alguns anos a descrita por Euclides da Cunha em Os Sertões. [Fernandes, 1979]
Guerreiro Ramos comenta, no entanto, lembra-nos como a visão de Euclides da Cunha devassa o Brasil do interior à opinião pública. A visão euclidiana do Brasil é algo a restaurar, e implica uma altura do espírito que se devem esforçar por atingir os novos sociólogos. Ela
na penumbra secular em que jazem no âmago de nosso pais, um terço de nossa gente. Iludidos por uma civilização de empréstimo, respingando em faina cega de copistas, tudo o que de melhor existe no código orgânico de outras nações, tornamos, revolucionariamente, fugindo ao transigir mais ligeiro com as exigências de nossa própria nacionalidade, mais fundo o contraste entre o nosso modo de viver e o daqueles rudes patrícios mais estrangeiros nessa terra que os imigrantes da Europa. Porque não no‐ los separa um mar, separam-no-lo três séculos. [CUNHA, E. 1913, 3a edição]
Pensar a Amazônia
tornou dramaticamente perceptível a alienação da cultura brasileira. (in Introdução Critica à Sociologia, 1995). [LIMA, N., 1999, p. 17] Euclides da Cunha, em Os Sertões, no terceiro capítulo, a Luta, pergunta:
Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo em que pelejam reflexos da vida civilizada, tivemos, de improviso, como herança inesperada, a República. Acendemos de chofre, arrebatados no caudal dos ideais modernos, deixando
E se perguntados quem pensa a Amazônia? A grande maioria, mesmo entre os intelectuais, terá dificuldade em citar, de pronto, nomes e obras respeitáveis e suficientemente abrangentes e mais, minimamente influentes. Talvez um cruel sintoma de que o Brasil não pensa a Amazônia. No livro Grandes Expedições à Amazônia Brasileira 1500-1930, procuro contribuir a este desafio, ainda que estejam de fora importantes nomes que pensam a região, mas não o fazem na perspectiva do viajante, e sim do ficcionista como Antônio Cândido, Dalcídio Jurandir, Giovanni Gallo, Milton Hatoum ou Márcio Souza, ou de outras áreas do conhecimento que não pude, pelas limitações físicas, considerar, como a obra de Aziz Ab’Saber, Darcy Ribeiro, Manuela Carneiro da Cunha, Paulo Vanzolini Warren Dean, Charles Wagley, Protasio Frikel ou Tastevin, e tantos outros que figuram, asseguradamente, como pensadores do Brasil e da região. Sucede que neste meu roteiro percorrendo o século XX e além, encontro três pensadores, que ora merecem capítulos: um poeta e verdadeiro pan‐amazônico, Thiago de Mello, um artista plástico em fúria ebolutiva permanente, Frans Krajcberg, e os pacifistas em prol da causa indígena, os irmãos Villas Bôas.
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história
Pode-se, mesmo, falar da Amazônia Antes da Motosserra – AM e da Amazônia Pós-Motosserra – PM. A motosserra emite um som-mensagem: sou a destruição em moto-contínuo (perpetuo mobile). A motosserra, como símbolo, substitui qualquer outra linguagem e banaliza a violência. E se pressionado fosse, para destes escolher um, eu não teria dúvidas que Orlando e Cláudio Villas Bôas são aqueles que souberam Pensar a Amazônia a partir do Pensar o Brasil. E de uma maneira inédita, pois, não violenta, benevolente, paciente, onde a voz do outro, dos outros, tem vez. Mas a nossa leitura sobre os Villas Bôas é muitas vezes, folclórica, como a procurar classificá-la rápida e, assim, superficialmente, como so e acontecer com o pensamento fácil. Pois foi o pensamento dos Villas Bôas, ou quiçá, a sua imensa capacidade de viver este pensamento, e com alegria, e de exercitá‐lo a cada dia, que interrompeu algo que era (e ainda é) o desastre do Brasil -as investidas rasgando o sertão sem qualquer escrúpulo, expandindo a fronteira pioneira, o espaço que a sociedade nacional reclama aos povos originais. A própria denominação de sertão é prepotente e belicosa, na medida em que pretende reconhecer que ali não há gente, não há dono, não há história, é mato virgem! Os irmãos Villas Bôas transformaram uma expedição para ocupar um vazio territorial (aos olhos do Pensamento
À esquerda, Navegando entre árvores, ilustração de relacionada à viagem de Alexander Von Humbolt, 1802. À direitra, em baixo, ilustração para obra de Robert Schömburgk
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história Brasil), em uma longa viagem em prol de reconhecimento da causa dos povos originais que ali habitam há séculos. Os Villas Bôas escancaram a urgência em se repensar o Brasil, baseado nos direitos dos povos originais, segundo outros preceitos, uma vez que ainda haveria algum tempo, não muito, mesmo depois de quatro séculos e meio de conquista. E Interromper o avanço da fronteira pioneira é um tema que o Brasil discute molemente, ou seja, não está na pauta do Pensar o Brasil, pois este considera esta ocupação como necessária, como a alimentar a caldeira da locomotiva, a partir da derrubada de sua floresta. Deveras, o maior desafio do Brasil no século XXI é eliminar a palavra fronteira pioneira do vocabulário, tal qual sertão. E interromper este avanço é algo bastante complexo, mas possível. E primeiro depende de desmascarar os ardis pelo qual este ocorre, principalmente sob a égide das políticas oficiais. Pois, entre os milhares que se dizem representar o povo, a imensa maioria vê nesta ocasião o enriquecimento rápido e o uso da coisa pública para fins privados. Sucede que a dimensão da fronteira pioneira é de tal monta que não há precedente na história da humanidade. O Pensamento Brasil entende a Amazônia como uma reserva de espaço físico a ser ocupado. O Pensamento Amazônico exige moratória, reflexão, para reconhecer o que as diferentes vozes locais tem a dizer, e não apenas os índios, caboclos e quilombolas, como as mulheres, os jovens, os moradores das vilas, das cidades, dos assentamentos..... E os viajantes, de certa maneira, fazem uma ponte entre um pensamento e outro porque transitam, sem muita dificuldade, entre este e aquele, oferecendo‐nos tanto registros dramáticos e relevantes, como alguns fulgores do que poderia ser a Amazônia se esta fosse minimamente respeitada e não dilapidada. Porque para o Pensamento Brasil, o Brasil deve usar a Amazônia, 76 www.revistapzz.com
Índio Ja pregado n decarga d demarcado ezuela. Rio
tal qual o Brasil usou o Brasil. As problemáticas contemporâneas, como a das mudanças climáticas, da crescente escassez de terras agricultáveis e de água potável no planeta, das ameaças à biodiversidade, da concentração populacional em metrópoles, a clara finitude de recursos antes considerados abundantes e facilmente renováveis, como a madeira, os recursos pesqueiros, e a do reiterado
desrespeito a populações locais, cada vez mais excluídas, empurram-nos a uma nova agenda amazônica. Agenda que propiciaria fortalecer algo que seria o Pensamento Amazônico, que não existe enquanto tal, com a sensação de pertencimento que este exige para sua auto‐alimentação e auto‐compreensão e apropriação, e apenas se encontra rascunhado e proposto de maneira incompleta e em algumas especialidades.
amachi, emno trnsporte da comissão ora na Veno Catrimâni.
Uma cozinha no Rio Amazonas, James Orton, 1873 (gravura, 7,5 x 11,5 cm)
conhecer a região em sua amplitude. As fronteiras estaduais são barreiras imensas e as nacionais representam abismos. Curiosamente a metropolização polariza a atenção da maioria, sem que se busque compreender e vivenciar as outras amazônias. Como lembra Mário de Andrade, “O brasileiro vive o Brasil e não o descobre”. Entre os viajantes, muitos se utilizaram da Amazônia para brilhar, completar o seus currículos de maravilhosos, buscando o seu exotismo para ganhar dinheiro, vender livros, filmes, provar a sua tese, levar a fé de seu credo a povos que viviam muito bem, obrigado, sem os seus teísmos e doenças, para financiar seus projetos, ou seja, viram numa região aparentemente desprotegida a oportunidade de exercer o seu domínio e tirar partido para sua glória. Na contramão, mesmo em breves jornadas, gente como o paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx nos abre os olhos para a beleza da flora amazônica, e a possibilidade de seu emprego melhorar a nossa qualidade de vida urbana. No entanto, por recomendação do fotógrafo Luiz Claudio Marigo, ele também um viajante, encontrei o relatório da Expedição Burle Marx dormindo no esquecimento de uma gaveta do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas -CNPq por mais de vinte anos. Provavelmente desta saibam e, eventualmente, refiram‐se, alguns poucos que dela participaram. Diversos são os que seguirão em busca de grupos indígenas não contatados, alguns para realizarem estudos inéditos e se projetarem com tal fato, como o antropólogo Frances Claude Lévi‐ E há ainda o desafio do Pensar Pan- Strauss, outros, efetivamente, para Amazônico, do Pensar Amazônias. protegê-los, como Curt Nimuendajú e Agora, considerar o Pensar Amazônia Cláudia Andujar. A sensação maior é em compasso como Pensar o Brasil que o encontro do viajante e um grupo indígena isolado se não registrado pouco se cogita. Difícil é encontrar aquele que deixa a adequadamente jamais haverá outro posição de espectador em prol de um momento para fazê‐lo, que, por exempapel crítico. Mesmo entre os Amazô- plo, levou Claude Lévi‐Strauss, um nidas não serão muitos, mesmo diante bom escritor ainda que viajante sofrída possibilidade oferecida pelos meios vel, a formular: Dentro de alguns centos de transporte e de comunicação de de anos, outro viajante, tão desesperado www.revistapzz.com 77
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como eu, neste mesmo lugar, chorará o desaparecimento daquilo que eu teria podido ver e que não aprendi. [LEVI STRAUSS, 1981,s/n]. Outros se dedicarão a esta tarefa imensa e exigente que é a de classificar os seres vivos e buscar maneiras de protegê‐los, como o botânico e entomologista Adolphe Ducke ou Marcio Ayres. Este último foi além, contribuindo para criar uma nova maneira de proteger ambientes e as populações ribeirinhas que dele vivem, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável -RDS. A arrogância também estará presente, mesmo quando demonstram heroísmo, em viajantes como o francês Henry Codreau, o inglês Percy Fawcett e norte‐americano Hamilton Rice, quiçá estes estejam entre os últimos expedicionários desta estirpe colonialista, preconceituosa e que parte da premissa de sua superioridade diante dos locais. 78 www.revistapzz.com
Outros cumprirão missões oficiais, como a de demarcar fronteiras, como Brás de Aguiar, e o capítulo que se lhe dedica visa, de certa maneira, apresentar um pouco deste Brasil pouco conhecido, igualmente pouco revelado pela diplomacia brasileira e bem preservado na 1a Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, do Ministério de Relações Exteriores, em Belém. De qualquer maneira, entre os viajantes aqui tratados, nenhum visava o lucro fácil, para depois usufruir o seu butim em sua terra natal, contrastando, naturalmente com os outros mercenários empreendedores que encontram no caminho. Pelo contrário, a maioria sofrerá enormemente com a fome, as doenças que abreviarão suas vidas, os desconfortos e os perigos das viagens, sem contar as dificuldades no relacionamento com autoridades e as comunidades locais. Então, o que desejam estes personagens? Certa-
O Pirarucu (The-pirá-rucu), ilustração de Franz Keller-Leuzinger, utilizada por James Orton, 1873 (gravura, 10,8 x 6,9 cm) mente, um ponto comum seria, o que na expressão popular se diz colocar a Amazônia no mapa, ou seja, demonstrar que ali não é uma terra incognita, como sucede com Fawcett, Rice, Brás de Aguiar, Villas Bôas e outros. Outro em comum seria a certeza de que os resultados de suas viagens causaria forte impacto no público dos centros urbanos aos quais estão ligados. Assim, livros, mapas, fotografias, filmes, reportagens, exposições, palestras e outros documentos seriam tão importantes quanto a viagem em si. E estão aí os Cousteau, os Coudreau e outros a provar. Poucos irão à região, despretensiosamente, sem um plano pré- traçado, como Mário Palmério, e sem a obrigação de realizar esta tal
grande obra resultado de uma grande expedição, ou repetidas jornadas. E por que selecionei estes personagens e não outros? Há simpatia? Identificação? São modelos para algo? Inspiração? Há um pouco de tudo e, também, é preciso dizer que o século XX não busca modelos, ícones, e sim estes que representam personagens que nos auxiliam a discutir esta complexidade, formular o Pensar a Amazônia. O que se pode facilmente depreender é o desprendimento, a generosidade, de muitos destes biografados, iluminada no caso dos Villas Bôas, recatados em cientistas como Helmut Sick e Adulphe Ducke, e mesmo em Frans Krajcberg, aparentemente de uma dureza inflexível, doa‐se a cada escultura ou fotografia, inclusive deixado ao Brasil (sob guarda do Governo da Bahia) as suas obras e sítio‐escultura. E diante das denúncias de Andujar, Krajcberg, o casal Moss e outros,
pergunta- se: há um projeto possível para a Amazônia para o século XXI? Um projeto de construção de um Pensamento Amazônida, capaz de reverter o determinismo catastrofista do Pensamento Brasil? Uma conclusão possível da leitura da presente obra é que o século XX seria o enorme fracasso do processo de ocupação que não mereceria o nome de processo civilizatório. O resultado é a pobreza que se multiplica e as injustiças que se fortalecem, a destruição pela destruição, para determinar quem é dono do que, a prosperidade dos que se servem da política, o pacto pela mediocridade, pelo corporativismo estulto, estão a vencer quase todas as batalhas e a nos levar à bancarrota como Nação.
Utilitaristas x conservacionistas Os visitantes, bem como os habitantes,
Caça de Jacarés, ilustração de Keller-Leuzinger, Utilizada por James Orton, 1883 da Amazônia poderiam, num primeiro crivo, ser divididos em dois grupos: o dos utilitaristas e o dos conservacionistas. Os primeiros se caracterizariam por cifrar tudo, em forma de riquezas presentes e possíveis, domando a natureza para lhe tirar proveitos. Os segundos são os que se pasmam de admiração com a diversidade, sorriem diante do espetáculo da convivência do índio com a floresta, respeitam o viver do homem local e a beleza da natureza, preferindo o contemplar a desmanchar, o cuidar e o respeitar, ocultivar e reproduzir. Os utilitaristas são ainda, ufanistas, prometem mundos maravilhosos à região com a chegada do progresso. Os conservacionistas são céticos e, também, românticos. www.revistapzz.com 79
história Ilustração de Hercule Florence para a Expedição Langsdorff em 1828. O naturalista alemão, o Barão Georg Heinrich von Langsdorff, pretendia empreender uma expedição científica por várias províncias do país, incluindo a Amazônia, e necessitava de um desenhista. Florence conseguiu ser admitido no cargo pelo seu talento artístico e pelos seus conhecimentos de cartografia. Juntamente com Aimé-Adrien Taunay completou a dupla de desenhistas incumbida de realizar a documentação iconográfica ao longo do extenso trajeto da expedição. Deve-se a Florence o relato completo dessa aventura, percorrida ao longo de 13.000 quilômetros entre os anos de 1825 a 1829, assim como a maior parte da documentação iconográfica. Nela se percebe sua preocupação em registrar com rigor científico a natureza e os índios das regiões visitadas. Essa coleção de imagens é de valor inestimável para os estudos antropológicos e etnográficos, conforme é atestado por cientistas brasileiros e estrangeiros. O fato é que ambos tratam de desmistificar, desvelar, como este texto do geógrafo francês Paul Le Cointe, que merece um capítulo adiante: Para quem imaginou as florestas tropicaes como são descriptas nas historias romanescas de viagens imaginarias em paizes desconhecidos, a primeira impressão recebida ao percorrer alguma parte da floresta amazônica, seja viajando, seja explorando qualquer dos seus numerosos productos naturaes, ou simplesmente, seguindo a pista de alguma caça, será antes, de surpresa, misturada talvez de uma certa decepção: si Ella nã tem nada de precisamente seductor, nada tem tão pouco de terrível. Não corresponde nem ás descripções pomposas que della fizeram, sem lê‐la jamais visto, alguns poetas de imaginação fértil, nem os qualificativos pouco amáveis com que a gratificam alguns pseudo-exploradores que, do convez de um confortavel paquete, terão divizado apenas as mattas pantanosas da embocadura do Rio, ou mesmos das margens do seu curso medio, alagadas periodicamente pelas enchentes annuaes, e que julgaram descrevela perfeitamente declarando-a horrivel, fetida, absolutmente impenetravel, verdadeiro covil 80 www.revistapzz.com
de cobras e de insectos peçonhentos. [LE COINTE, 1945,p.184] Pois é, não houve outra maneira, este livro está sobejado de utilitaristas ‐ pois poucos são os conservacionistas que sobrevivem ao descaso e ao desuso e são capazes de criar algo que seja defensável. Há os que lutam por toda uma vida e não se cansam. Frans Krajcberg, com quem convivi intensamente entre 1984 e 1987, e que teve influencia determinadora em minha vida, é um destes cavaleiros da esperança. Quando me sentei na amurada do Museu Rodin, em Salvador, Bahia, neste maio de 2011, para comemorar seus noventa anos, depois de um hiato de duas décadas sem nos vermos, reconheci o mesmo fulgor em seus olhos, a mesma perspicácia no manuseio das palavras, a mesma vontade de
busca por algo autêntico, transformador, algo que comunicasse ao Homem o que está a destruir, enfim, alguém que fulguraria na academia do Pensamento Amazônico. Mas o tempo presente, vive a sinfonia das motosserras e tratores de esteira, os alto-falantes das igrejas e das músicas estridentes, impossibilitando o espaço para o meditar e silenciar. E isto reforça ainda mais o ser utilitário, na medida que altera a escala e a dimensão da destruição. Pode- se, mesmo, falar da Amazônia Antes da Motosserra – AM e da Amazônia Pós- Motosserra – PM. A motosserra emite um som‐mensagem: sou a destruição em moto‐contínuo (perpetuo mobile). A motosserra, como símbolo, substitui qualquer outra linguagem e banaliza a violência.
fato de mais da metade das citações referirem‐se ao século XX. Está certo que o século XIX, especialmente após a independência do Brasil (e os movimentos de independência em outros países sul‐americanos), verá elevado substancialmente o número de viajantes (cerca de 250 verbetes deste total de 700). No entanto, nada se compara ao período pós-2a Grande Guerra, em que estamos. A presente relação, para este período encontra-se bastante incompleta e será muitas vezes maior que esta ora apresentada.
A questão é perguntar: como será a Amazônia do século XXI? Ou melhor, como é a Amazônia que queremos? Que forjaremos?Continuaremos de bubuia na história, açoitados pelo interesse alheio, ou nos imporemos como uma Amazônia plenamente latino-americano, a Pan-Amazônia?
A relação de de viagens Uma leitura demorada dos quase 700 verbetes da Relação de Viajantes, rapidamente evidenciará a ausência de Amazônidas entre estes. Por que os Amazônidas não viajam na própria Amazônia? Como querer alcançar um pensamento amazônida se não um conhecimento acerca do território. Da mesma maneira, o intercâmbio intra‐regional é bastante limitado, este ocorre, ainda, entre as metrópoles e as colônias, entre os grandes centros do Sudeste principalmente e as diferentes regiões da Amazônia. E se extrapolarmos para a Amazônia continental o intercâmbio e o conhecimento acerca do outro é limitadíssimo. Outra questão que se revela é o
Afinal, serão centenas de esforços das diferentes áreas da ciência, bem como as iniciativas religiosas, empresariais e militares aqui ainda não transcritas. A Amazônia do século XXI Quem será o viajante do século XXI? Em primeiro lugar há que se esperar que sejam capazes de levar adiante o Pensar a Amazônia, a Pan- Amazônia, principalmente. Em segundo lugar, augura‐se sejam estes iluminados e capazes de gestos de enorme generosidade, que não levem apenas belas fotos e histórias, e sejam capazes de ouvir e compreender, e sejam suficientemente provocadores e não meros deslumbrados e ilusionistas. E isto porque não há tempo para diletantismo, para o turismo pelo turismo, para a aventura hedonista, porque o avanço da fronteira pioneira precisa encontrar seu capítulo final. Senão repetiremos a análise arguta de Sérgio Buarque de Hollanda, no clássico Raízes do Brasil: A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado
de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico de consequencias. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e teimando manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. [HOLLANDA, S.B., 1990, p.31] E deveremos cuidar para não reproduzir, dois séculos depois, o pensamento do francês Alexis de Tocqueville em visita aos Estados Unidos, registrado em A democracia na América, comentando sobre os viajantes muito esclarecidos, muito sábios, muito poderosos por sua inteligência, e uma multidão muito ignorante e fortemente limitada [TOCQUEVILLE, A. Livro 2, p 17] Em outro momento, Tocqueville comparando as duas Américas escreve: A America do Norte apareceu sob outro aspecto: ali, tudo era grave e sério, solene; disse‐se que fora criada para se tornar província da inteligência, enquanto a outra era a morada dos sentidos [TOCQUEVILLE, A. Livro 2, p 26] Se a Amazônia no século XVI ao XVIII é ibérica, no século XIX apresenta‐se na múltipla europeidade; no século XX sofrerá forte influência da supremacia norte- americana, sem falar no próprio avanço dos estados nacionais sobre seus territórios amazônicos. A questão é perguntar: como será a Amazônia do século XXI? Ou melhor, como é a Amazônia que queremos? Que forjaremos? Continuaremos de bubuia na história, açoitados pelo interesse alheio, ou nos imporemos como uma Amazônia plenamente latino‐americana, a Pan- Amazônia?
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expedições
fronteira norte
FRONTEIRA N
caminhos sem por Antonio
José Ferreira Simões*
Com o objetivo de alcançar as regiões apenas indicadas pelos mapas que a partir de 1928, os trabalhos de demarcação tornaram-se sistemáticos, a cargo das Comissões Demarcadoras de Limites do Ministério das Relações Exteriores. Como mostram as fotos selecionadas para este ensaio, o itinerário percorrido pelos demarcadores estava longe de ser um idílico retorno ao mítico paraíso perdido.
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NORTE: volta
Transporte das embarcações na Cachoeira a jusante da confluência Marari - Venezuela
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fronteira norte
Em 1904, Euclides da Cunha parte para o Acre. Recém nomeado pelo Barão do Rio Branco para a Comissão Mista de Fronteiras do Rio Purus, Euclides tinha uma árdua função: em parceria com os representantes peruanos da Comissão, deveria conferir o traçado do Rio Purus e assinar um relatório a respeito com o país vizinho. Passados oito anos desde que testemunhara, na Bahia, os desmandos da luta contra Antonio Conselheiro, Euclides queria seguir os passos de outros desbravadores. Antes dele, e desde pelo menos o século XVII, Alexander Humboldt, Von Martius, Henry Bates e Alfred Russell Wallace tinham percorrido a Amazônia. Impregnados da estupefação ao vislumbrar as densas florestas da região, seus depoimentos em muito transcendiam o meramente científico. Seguindo suas pegadas, Euclides também deixou vários textos, emocionados, sobre o que vira no Alto Purus, 84 www.revistapzz.com
reunidos no livro póstumo “A Margem da História”. Em pleno ciclo da borracha, o Acre tornou-se o último bastião do processo de negociação das fronteiras brasileiras. Os 100 mil nordestinos contratados pelos seringalistas para trabalhar no vale dos Rios Purus, Juruá e Madeira encontraram-se com os caucheros, que desciam os mesmos Rios, vindos da Bolívia, Peru, Venezuela e Colômbia. Euclides chegou a comentar que, não fosse a índole pacífica das nações sul-americanas, teria sido deflagrada uma “Guerra Mundial da Borracha”. De fato, venceu o diálogo e a diplomacia. Para retomar as palavras de Mário Quintana, Euclides logrou riscar no mapa a fronteira entre Brasil e Peru, pacificamente, sem incidentes de maior monta. Essa é apenas uma das muitas histórias envolvendo a delimitação dos cerca de 10 mil quilômetros da fronteira Norte
À esquerda, índios Tarianos e Tucanos dançam em volta do marco brasileiro, 1933 - Colômbia; à direita, Monte Roraima e a Cachoeira de Arabopô – Venezuela, à esquerda, Serra de Tapirapecó vista do acampamento do Mararí – Venezuela
As fronteiras foram riscadas no mapa, a Terra não sabe disso: são para ela tão inexistentes como esses meridianos com que os velhos sábios a recortavam como se fosse um melão (Mário Quintana)
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fronteira norte
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Á esquerda, lancha Cuiarí, navegando com reboques no Rio Padauirí - Venezuela; à direita, em cima, Cachoeira da Anta, Rio Pacú – Venezuela; em baixo, lancha Brasil descarregando material no acampamento de Porteira. Rio Trombetas – Guiana
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fronteira norte do Brasil. Concluída a negociação dos tratados que definiram as fronteiras brasileiras com seus vizinhos, restava executar, no terreno, as suas disposi ções. Foi com o objetivo de alcançar as regiões apenas indicadas pelos mapas que, a partir de 1928, os trabalhos de demarcação tornaram-se sistemáticos, a cargo das Comissões Demarcadoras de Limites do Ministério das Relações Exteriores. Como mostram as fotos selecionadas para este ensaio, o itinerário percorrido pelos demarcadores estava longe de ser um idílico retorno ao mítico paraíso perdido. Os percursos podiam durar um ano sob chuvas épicas e um calor renitente. Durante a travessia, as equipes do Brasil e dos países vizinhos se desdobravam para montar acampamentos em regiões inóspitas, para realizar observações astronômicas em clareiras abertas com dificuldade sob o dossel da mata, para atravessar rios a pé contra a correnteza, carregando todos os equipamentos nas costas. Mas também permitiam encontrar populações
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“o homem (...) é ainda um intruso impertinente”. (Euclides da Cunha)
Em cima, passagem de um batelão por terra, alto Jaquirana – Peru; à esquerda, em baixo, Rio Cauaburi – Venezuela; à direita, em baixo, Cachoeira de Camanaus, Rio Negro – Venezuela.
tradicionais ainda isoladas, levar-lhes vacinas, realizar registros das 41 famílias lingüísticas da Amazônia, elaborar estudos topográficos, recolher amostras de espécimes de regiões nas quais, nas palavras de Euclides, “o homem (...) é ainda um intruso impertinente”. É precisamente na dimensão humana do trabalho demarcatório que se revela todo o potencial das fronteiras. Superados os paradigmas que viam as fronteiras, seja como uma conquista militar, seja como uma oportunidade de cruzada espiritual junto a povos bárbaros, as expedições demarcatórias conjuntas com os vizinhos acabaram por constituir também oportunidade para congraçamento, como um prenúncio da integração que hoje se constrói na América do Sul. Integração essa cujos grandes atores são, como não poderia deixar de ser, as próprias populações que vivem ou transitam por essas regiões fronteiriças. Mais além do registro, é também uma homenagem que este ensaio pretende prestar – homenagem aos primeiros demarcadores das nossas fronteiras. Graças a eles foi possível realizar as campanhas em uma Amazônia até então amplamente desconhecida. Foram os carregadores, os intérpretes, os mateiros, os guias, os cozinheiros, os marinheiros, os timoneiros - muitos dos quais nem mesmo chegavam a ser registrados nos relatórios de viagem os que levaram as equipes até as linhas riscadas nos mapas imaginários. Desde o ilustre Euclides da Cunha, até os desconhecidos trabalhadores contratados, muitas vezes às pressas na própria floresta, sem ter deixado nenhum registro, todos contribuíram para iniciar essa epopéia que foi o desbravamento pacífico e fraterno da Amazônia que, ainda hoje, continuamos a integrar e desenvolver. ______________________________ *ANTONIO JOSÉ FERREIRA SIMÕES Embaixador/Sub-Secretário Geral da América do Sul, Centrale do Caribe /Ministério das Relações Exteriores
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fronteira norte
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Trecho onde o Rio Catrimâni se estrangula em caneletes de cerca de 8m de largura média, próximo à Cachoeira da Garganta – Venezuela
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fronteira norte
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Todos os trabalhos topográficos estão apoiados sobre cuidadosas operações astronômicas, o que confere um grau de precisão bastante grande as cartas geográficas organizadas pela Comissão.
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fronteira norte
Considerações Gerais sobre a Obra
E
por Patrick
ste ensaio faz parte do Livro: FRONTEIRA NORTE: DEMARCANDO E APROXIMANDO A AMAZÔNIA - PRIMEIRA COMISSÃO DEMARCADORA DE LIMITES (8 DÉCADAS) no qual apresenta uma fração representativa do arquivo fotográfico da Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, ou seja, uma seleção (entre outras possíveis) das “melhores fotografias” produzidas e preservadas pela PCDL ao longo da sua história. A obra não tem a pretensão de espelhar a história da Comissão ou de cobrir todos os aspectos das expedições demarcatórias que estão documentados nas centenas de fotografias do arquivo. O critério que orientou a concepção desta obra e determinou a seleção das fotografias, e que o projeto gráfico procurou valorizar, é o critério da qualidade em termos de arte e linguagem fotográficas, que permite situar estas imagens como produção no campo das artes visuais. O período de realização destas fotografias começa em 1920-26 com as imagens referentes à campanha do Peru (que antecede a fundação da PCDL como órgão permanente, em 1928), e se estende até o início da década de 1970, quando termina a fase histórica
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Pardini (fotografo/Museu daUFPa)
de demarcação da Fronteira Norte e inicia-se a fase atual, de inspeção e manutenção dos marcos. O auge das campanhas demarcatórias e da produção fotográfica da Comissão de Limites corresponde às décadas de 1930 e 1940 e à gestão do Almirante Braz Dias de Aguiar (1928-1947). A maioria destas fotografias deve ser creditada a Raimundo Fernandes de Araújo, fotógrafo da PCDL no período de 1934 a 1957. Outro fotógrafo contratado pela Comissão, o russo Dimitry Agafonoff, trabalhou num curto período anterior, nas campanhas de 1932 e 1933. Sabemos que alguns profissionais que participaram das campanhas na qualidade de “cinematografistas” (como Henrique Medeiros e José Louro) podem ter atuado ocasionalmente como fotógrafos, a exemplo do “cinetelegrafista” Oscar Araújo, que alternava as funções. As fotografias referentes à região do rio Oiapoque (fronteira França) constituem uma exceção, pois apresentam – em álbum separado – um registro explícito de autoria: a do Major Thomaz Reis. As fotografias da PCDL se apresentam aqui com todas as marcas dos danos que sofreram ao longo do tempo. De cada foto selecionada, optou-se por digitalizar, prioritariamente, o negativo; na ausência deste, digitalizou-se a melhor cópia disponível. O tratamento da imagem limitou-se à correção de brilho e contraste, sem tentativas de retoque ou restauro. As pesquisas destinadas a verificar/ corrigir, completar e contextualizar as informações originais, bem como as ações visando higienizar/estabilizar as
cópias e matrizes fotográficas e even tualmente restaurar as imagens danificadas, dizem respeito a um projeto de outra natureza, no campo da preservação de patrimônio documental e acervos culturais, absolutamente relevante e necessário, previsto no plano de metas da PCDL. As legendas que acompanham as fotografias reproduzem as anotações originais, manuscritas ou datilografadas, feitas no verso das cópias arquivadas na PCDL ou nos envelopes acondicionando os negativos, às quais se acrescentou a referência ao país fronteiriço correspondente. A grafia foi atualizada. Essas anotações geralmente não têm indicação de data nem de autoria. Em alguns casos, a ausência de anotações foi suprida com informações obtidas de outras fontes. O código alfanumérico incorporado às legendas corresponde ao sistema de registro do arquivo da PCDL, adotado na organização por álbuns implementada em 1947. Exemplo: 2 39 A = nº do álbum (2) + nº da página (39) + posição da foto na página (A). Em alguns casos, a letra foi substituída por um número. As fotografias sem código identificador não foram incorporadas ao sistema dos álbuns. Compondo as páginas de abertura de cada capítulo, foram realizadas montagens com mapas históricos da região amazônica e fragmentos fac-símile de relatos de viagem alusivos ao tema do capítulo. A imagem em marca d’água nas páginas de texto refere-se a uma das pinturas que ornamentam a sede da Comissão de Limites em Belém, construída em 1912.
da esquerda para a direita
Medidas antropométrica de caboclos do alto Rio
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O período de realização destas fotografias começa em 1920-26 com as imagens referentes à campanha do Peru (que antecede a fundação da PCDL como órgão permanente, em 1928), e se estende até o início da década de 1970, quando termina a fase histórica de demarcação da Fronteira Norte e inicia-se a fase atual, de inspeção e manutenção dos marcos. www.revistapzz.com 95
artes plástica
salão de humor
ecologia no
TRAÇO QUARTO SALÃO INTERNACIONAL DE HUMOR DA AMAZÔNIA por Márcia
P
Macedo Coordenadora execultiva
rovocar reflexões sobre a relação do homem com o meio ambiente, de uma forma irreverente e crítica, fez do Salão Internacional do Humor da Amazônia um grande sucesso de público e de opiniões. Apesar de ser novo em comparação a outros salões nacionais, o Salão Internacional do Humor já recebeu milhares de visitações, trouxe grandes nomes do humor nacional e internacional e consagrou Belém como a capital do humor ecológico em 2010, quando ganhou o troféu HQMIX de melhor Salão de Humor da Associação dos Cartunistas do Brasil (ACB) e do Instituto Memorial de Artes Gráficas (IMAG). “Não dava pra ter outra temática que não a relação do homem com a natureza, seria um contra-censo se nós não sublinhássemos esse tema. O Salão de Humor traz um debate através de uma linguagem artística que de cara provoca o riso, mas esse riso vem junto com uma reflexão. Acho que toca mais do que dizer: não maltrate o meio ambiente”. Com o patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), o Salão Internacional de Humor deste ano trouxe como tema “Ecologia no Traço”, em um projeto realizado pelo artista e produtor cultural Biratan Porto. Participam da mostra, 172 trabalhos de 37 países. Esses trabalhos foram selecionados por uma equipe de profissionais do Estado, incluindo o cartunista, chargista e desenhista J. Bosco. Do total de obras inscritas, foram selecionados 70 trabalhos da mostra de cartuns ecológicos, 50 trabalhos para a mostra de cartuns livre, 40 para a mostra de caricaturas e 12 para a mostra em homenagem ao filósofo paraense Benedito Nunes. Essas obras ficaram expostas de 22 a 30 setembro, durante a Feira Pan-Amazônica do Livro, no Hangar.
1º Lugar, Cartum Livre, LA, CONDICIÓN HUMANA, autor - Lucho, Peru 96 www.revistapzz.com
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artes plástica
salão de humor
Em cima, 2º Lugar, caricatura, Kadafi, autor Mechain, México A direita, 2º Lugar, cartum livre, autor - Leslie, Espanha 98 www.revistapzz.com
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artes plĂĄstica
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salĂŁo de humor
2째 lugar, Cinza Ecologia, autor - Erasmo, S찾o Paulo, Brasil.
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artes plĂĄstica
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salĂŁo de humor
1째 lugar, Ecologia, autor - Seri, S찾o Paulo, Brasil.
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identidade
coletivo casa preta
RESISTÊNCIA
NEGRA por Vivi
“Ser Negro é resistir. Essa é a palavra que define nossa existência depois de séculos desse sequestro da África para as Américas”. Assim pensa o coordenador mais jovem do Coletivo Casa Preta, Anderson de Sousa, mais conhecido como Don Perna. A instituição é um braço da Rede Mocambos no Pará. A Mocambos é formada por negras e negros de âmbito nacional que se 104 www.revistapzz.com
Mattos
conectam por meio das tecnologias da informação com comunidades quilombolas rurais e urbanas. O objetivo, tanto do Coletivo Casa Preta, quanto da Rede Mocambos, é buscar parcerias para que de forma colaborativa e coletiva, possam ser reunidos diferentes programas, projetos e ações voltados para o desenvolvimento humano, social, econômico, cultural
e ambiental. Preservando sempre o patrimônio histórico-memória das comunidades afrodescendentes. O Coletivo Casa Preta fica localizado em uma residência no bairro do Canudos, na capital do Pará. É com muita luta que os coordenadores desenvolvem diversos projetos para conseguir patrocínio e assim pagar o aluguel do espaço no qual produtores, músicos, arte-edu-
FOTOS arquivo casa preta
Integrantes do Coletivo Casas Preta, Guine, Don Perna, Negro Lamar e ao lado, página à direita, os membro do grupo Afro Bloco Firme
cadores, entre outros, se reúnem com um aglomerado de crianças e jovens, em sua maioria negros e negras, que formam um grupo em movimento que trabalha com diversas áreas envolvendo a tecnologia e a ancestralidade. Sempre desenvolvendo a identidade negra e a auto-estima, o coordenador explica um dos conceitos que norteiam o coletivo. “Nós queremos propagar
os segmentos do afro-universo, uma celebração que lida com ‘afrofuturismo’ e aborda a música e a comunicação. Estabelecendo dessa forma um contato direto com espaços fechados e a rua”. Guiné Ribeiro e Lamartine Silva também são coordenadores do Casa Preta. Um dos focos do coletivo é aliar a tecnologia e a ancestralidade. Por isso, os colaboradores da entidade trabawww.revistapzz.com 105
coletivo casa preta FOTOS arquivo casa preta
lham com a empresa-projeto Negoocio Soluções em Tecnologia da Informação. Cujo trabalho é fornecer recursos para que as pessoas usem a internet, produzindo resultados com praticidade e consistência. “Por meio da internet você pode comunicar, trocar informações, registrar as suas manifestações culturais; pode ter visibilidade na sua comunidade. Pode fazer um documentário com uma pessoa que não teve acesso a escola, que não sabe escrever, mas domina a cultura oral”, exemplifica Don Perna. O Casa Preta atua em parceria com outros projetos e coletivos como o Terra Vibra, Cosp Tinta Crew, Traumas Vídeo, Veg Casa, Dudu do Skate, Núcleo de Resistência Periférica (NRP), Crew UBI-Zulu Bambaataa, entre outros. Esses movimentos promoveram diversas atividades à comunidade belenense com programação cultural que valoriza e fomenta a cultura afro. Oficinas como as de Dança e Tranças -afro, Tambores e festas “Bambas Dicanudos - Samba de Rua”, “Rap Life - Festa da Cultura Hip-Hop” e o 3º Mutirão de Graffiti com direito a Batalha de Mcs são exemplos dessas ações culturais. Acompanhe a entrevista com o coordenador do Coletivo Casa Preta, Don Perna ( Anderson de Sousa) realizada pela jornalista Vivi Mattos: PZZ - Como é ser negro no Brasil em pleno século XXI? Don Perna - Ser Negro é resistir. Essa é a palavra que define nossa existência depois de séculos desse sequestro da África para as Américas. Do ponto de vista do combate ao racismo, ser negro é acima de tudo saber de onde veio, como veio e pra onde se quer ir. Eu não carrego a escravidão como minha única condição de memória, diferente de uma conduta que tenta ‘embraquecer’ nossas referencias, eu encaro o fato de ser negro como uma busca fundamental por uma identidade étnica que me reconecta com essa Africa que me foi negada, é um reconexão física e espiritual. Ser negro é pele e é espirito. Eu acredito na 106 www.revistapzz.com
Africa como mãe do mundo, ela me traduz tudo que preciso saber pra viver essa humanidade que me cabe. Acredito que o homem ser-humano original é Africano, é um ser negro. E não acredito nisso como forma de hierarquia ou vantagem ou como uma forma de supremacia, pelo contrário, acredito nisso como respeito e reconhecimento de uma humanidade de origem africana. Esse fato é tão determinante que não explica, nem traduz como a Africa de hoje é uma Africa extremamente explorada, negada, usurpada. Como deixamos nossa semente original ficar
assim??? Como temos uma cultura tão rica e tão transformadora que influenciou e influência as Américas a mais de 5 séculos e ainda temos problemas em se assumir como negro ou negra. Como aprendemos a odiar nossa origem? Na pura calma faço minhas reflexões e vejo tudo isso como um grande plano de dominação, eu não me engano, existe sim um plano de ódio traçado contra a raça negra. meu dever como Africano nascido no Brasil é ir pro front e despertar mais irmãos e irmãs. PZZ - Embora a maior parte dos bra-
Graffiti: arte de rua, poesia e protesto “Toda a cultura hip-hop, incluindo o graffiti, é ato resistente numa cidade que sonega direito, sonega a voz. Ela ocupa, traz visibilidade, dá voz. Além disso, o graffiti tem um papel de revitalização – dá vida ao que não tem cor”, diz Paulo Carrano, professor da Faculdade Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o graffiti humaniza e transforma o espaço urbano. Embeleza, ao mesmo tempo em que defronta a cidade e suas contradições, obrigando-a a contemplar sua própria miséria. Projeta imagens dialéticas. Reflete outro lado da organização social da metrópole. Em cada mensagem, a denúncia pelo direito à cidade – o direito fundamental à dignidade dentro desse mosaico social. Por Carolina Gutierrez
sileiros neguem, mas na sua opinião, o Brasil ainda é um país racista? Don Perna - É como eu disse na outra pergunta, existiu e existe um plano de supremacia racial, uma acomodação do tipo” deixe as coisas como estão, pra que falar disso hoje em dia, vivemos num país hibrido”! Hibrido pra quem, cara pálida? Esse plano é engenhoso é estratégico, nega-se a existência do Racismo, nega-se a necessidade de uma devida reparação de um erro cometido na história da humanidade. Esse erro não interessa somente a nós
negros, interessa sim aos brancos e outras raças e etnias. Racismo é Racismo não é apenas uma questão de negro reclamando dos brancos. Racismo esta relacionado a relação de poder de uma raça sobre a outra, e a construção de um país sem racismo não se faz somente com negros, é necessário que os brancos desse tempo tenham interesse em corrigir e ampliar seus privilégios de raça para contribuir na construção desse novo mundo. Se existe um país feito de 3 raças então devemos muito a raça negra e indígena. Ainda hoje, mesmo depois de 5 séculos de seques-
tro e massacre dessas duas culturas, ainda são brancos que ocupam os melhores cargos, cargos de decisão, referencias e imagens nos meios de comunicação. Se moro nesse país miscigenado, porque sei tanto e pratico tanto a cultura deixada pelos brancos e ironizo, duvido e tenho vergonha das outras duas raças...infelizmente a televisão, as revistas, as referencias que temos de sucesso e inteligencia não carregam essa parcela negra-indígena no país. Somos a maioria e não nos vimos além do nosso cotidiano diário, invejamos, idolatramos as personagens www.revistapzz.com 107
coletivo casa preta da TV, não conseguimos valorizar nossa cultura sem o estimagtismo do poder que nos marca com a chibata da falta de conhecimento e auto-estima. PZZ - A cultura negra ainda não é valorizada como deveria. O que você acha que deve ser feito para que esse reconhecimento e respeito à cultura afrodescendente ocorra? Don Perna - Existe as ações afirmativas que já são um começo dessa valorização. Politicas públicas e organizações de movimentos sociais também devem fazer parte desse projeto. Eu acredito em tecnologia e ancestralidade, acredito nessas duas ferramentas de transformação para se chegar nessa valorização da cultura negra. Não acredito que a solução venha e aconteça da noite pro dia, como eu disse, são mais de 5 séculos de resistência contra um sistema que nos impede de cohabitar igualmente com outra raças e etnias, cohabitar no sentido de empoderamento simultâneo de oportunidades, desde a educação, escola, moradia, saúde, trabalho e etc. Oportunidades e referências é isso que esta sociedade precisa no momento. Compreender o seu papel no mundo. PZZ - Enquanto a mídia, brasileira ou norte-americana (uma das mais críticadas quando ‘tenta retratar o negro’) o que você acha que deve ser mudado ao representar os negros e negras? Don Perna - Pra começar, deixemos nós negros e nós negras nos representar de fato. Como pode um poder não negro como a mídia geral retratar alguma coisa ou retratar nosso povo sem que o povo opine sobre si mesmo. Quem escreveu nossa história?? Quantos negros escreveram nossa história? É o suficiente??? Confesso que não espero nenhuma mudança por parte da grande mídia, hoje sou adepto a seguinte regra: “sejamos nós a mídia que precisamos”. PZZ - A luta pela consciência negra vai ser sempre eterna, ou, na sua opinião, 108 www.revistapzz.com
haverá um dia em que as pessoas não mais se importaram com a cor e outras características das pessoas? Don Perna - Um irmão, o falecido Preto Ghoez, maranhense, negro, militante, nordestino e rapper tem a seguinte frase: “ enquanto não houver justiça para os pobres, não vai haver paz para os ricos”. Esse dia é utópico por enquanto. Temos muito que caminhar ainda. PZZ - Qual é a função do Coletivo Casa Preta na sociedade paraense? Don Perna - Não só nessa socieda-
de, mas no mundo, nossa função é trabalhar nesse despertar, é trabalhar na criação dessas referencias, nossa função através da cultura negra é construir esse futuro com equidade. Meu Mestre Lumumba me diz que através dos tambores ele entendeu que trabalha na cura do mundo. Acho que nosso papel é esse também. PZZ - Para quê vocês lutam e quais são as maiores dificuldades? Don Perna - Lutamos por tudo que eu já disse, primeiro individualmente e depois coletivamente temos afinidades
com dinheiro e viver sem dinheiro, não transformá-lo no deus que todos querem e fazem tudo para tê-lo. Depois de 17 anos vivendo nesse meio, vejo que a falta de compreensão é maior dificuldade que temos. A falta de compreensão e fé na gente mesmo é o que te impede de realizar sonhos em plena luz do dia, já dizia meu outro mestre, o velho TC.
particulares do Brasil? Don Perna - Dialogando, esse é o 1º passo. Organizar os movimentos e exigir essa transformação. Existe grupos no Brasil todo construindo esse dialogo e nosso papel é apoiar e gerar conteúdos. FOTOS arquivo casa preta
PZZ - Como você se sente sabendo que é parte integrante de um movimento que luta pela valorização da cultura afro? Don Perna - Diferente de muitos, eu não sobrevivo, eu vivo! Eu sou o que faço e faço o que sou e ser quem deseja ser é tudo que me basta pra continuar vivendo. PZZ - Você é à favor da criação de cotas para negros nas universidades?
ideológicas, somos tribais, carregamos esse legado, o legado da mudança, o legado do pensar e agir diante desse momento que vivemos e relacionar tudo isso dentro um sistema capitalista não é nossa maior dificuldade. O problema deixou de ser como sobreviver, o problema é como administra isso ou aquilo, quem podemos chamar pra ajudar, colaborar, antes eu achava que isso era maior dificuldade, achava que grana era um problema, e hoje já não acho mais isso. O dinheiro se torna consequência de trabalho, isso é um fato pra mim hoje em dia. Porém não basta achar isso e pronto, é necessário aprender a viver
Don Perna - Totalmente a favor, o estado nos deve isso, a classe dominante nos deve isso, é necessário aliar o conhecimento acadêmico ao conhecimento da rua na liberação dos negros e negras no Brasil. Quando mais jovem achava que universidade era coisa de branco, de rico, de Playboy. Hoje em dia não, hoje eu estudei, hoje eu tenho conhecimento sobre o assunto e sobre um decreto de 1854 que proibia a admissão de escravos e condicionava o estudo a disponibilidade dos professores. Ou seja é natural que somos a minoria na universidade e a maioria nas favelas e presídidos, tudo parte do grande plano de exploração de uma raça sobre a outra. Esse crime não será resolvido apenas com as cotas, mas será o começo de uma nova condição educacional, o começo de uma nova referência na sociedade. A sabedoria não poder ser um privilégio, nem tão pouco uma propriedade, eles já fazem isso a mais de 5 séculos, está na hora de corrigirmos esse erro. PZZ - O que o movimento está fazendo para exigir o ensinamento da história afro nas escolas públicas e
Quem desejar conhecer melhor o “coletivo“, pode entrar em contato com os seus coordenadores no endereço: Roso Danin, 780, no bairro do Canudos ou ligar para os fones: (91) 3274-1014/ 8107-3715 / 81412491 / 8310-4591. Rede Mocambos.....Articulação Norte Coletivo Casa Preta- Tecnologia e Ancestralidade Bloco Terra Firme - Tambores da TF Negoocio Soluções em Tecnologia da Informação http://www.negoocio.com.br/ http://amazonafrica.wordpress. com/ http://twitter.com/donperna http://www.mocambos.net/ http://coletivocasapreta.wordpress.com http://twitter.com/agocasapreta
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