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O ESCRITOR E POETA RUY BARATA

O CHEIRO E A ALMA DE ENEIDA DE MORAIS

QUEM É A MULHER QUE VOA?

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ANTONIO LEMOS: REVISANDO UM MITO


LITERATURA DO PARÁ

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sumário

LITERATURA

ARTES PLÁSTICAS

08 LITERATURA

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PARAENSE

1º Festival de Música Popular do Baixo Amazonas por Vicente Malheiros da Fonseca.

MODA

FOLCLORE

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LANÇAMENTO

Coordenada pela Prof. Viviane Barreto, traduzida por Agenor Pacheco, MELGAÇO, EM VOZES E VISUALIDADES.

POPULAR

O Samba Amazônico de Arthur Espíndola - Artista que incorpora instrumentos e ritmos regionais ao samba tradicional.

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DOCUMENTÁRIO

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PARÁ

Felicia Assmar Maia fala sobre o estilista Tony Palha que desenvolve sua arte conceitual com destaque na moda nacional e internacional.

TEATRO

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EXPEDIÇÕES

MÚSICA

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POESIA

O livro “Pesca, Encontros e Desencontros”, 30 anos de trabalho do pesquisador João Henrique Neto, foca a pesca brasileira e uma visão crítica.

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A poética existencial e política de Ruy Barata expõe a importância histórica de sua Obra. “Estórias do Boto Malhado na Baía do Sol, Mósqueiro/PA”, por Pedro Rocha Silva.

TEATRO

PARAENSE

Ester Sá fala sobre o processo de criação do espetáculo teatral “Iracema Voa” inspirado vida e obra da Mestra de Cultura Popular, Iracema Oliveira.

DANÇA

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CINEMA PARAENSE

“Tambatajá de Marrí”, filme do diretor Rudá Miranda, rodado em dezembro do ano passado na ilha de Colares, traz uma história ousada de amor.

SOLO PARA MINHATERRA

“Solo Para Minha Terra”, a onda encantada: tecido acrobático, teatro, dança e magia por Yvana Crizanto.

AUDIOVISUAL

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ACONSTRUÇÃO DE UM MITO

A historiadora Maria Nazaré Sarges incursiona pela biografia de Antonio Lemos, para deixar que os interlocutores descubram as evidências de um tempo histórico infinito - lacunar e multifacetad0. A relembrança é uma reconstrução orientada pela vida atual, pelo lugar social e pelas necessidades do presente e, neste momento, relampejam insistentemente a história e as memórias de uma cidade que caminha em direção aos seus 400 anos.

HUMOR

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HACHURADOS

O livro “Caricaturas de João Bosco” – Apresenta personalidades brasileiras e internacionais de destaque na

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CINEMA

FOTOENSAIO

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CRIATIVIDADE

O estado do Pará e as potencialidades das diversidades culturais despontam para a economia criativa em Belém, por Lenon Rodrigues.

FOTOENSAIO

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IMAGENS DE BELÉM

Lemos, a Razão da Razão. Antonio Lemos retorna das cinzas, como mito, pelas mãos de Mnemosine de modo a nos ensinar mais uma vez que a Razão tem sempre razão e as imagens para não nos deixar esquecer.

ARTESVISUAIS

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PINTURA

“Quando Árvores Psicodélicas Brotam”. Exposição de quadros do artista Tarcísio Ribeiro comemorando mais de 20 anos de trajetória do artista.

FOTO: JORDY BURCH

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ITINERÁRIO

música, na literatura, no cinema, nas artes e na política.

ECONOMIA

HUMOR

Para Cecim, escrever é descer às profundezas dos antigos registros duma vivência anterior e interior e qualquer coisa encontrar que lhe dê sentido, significado para o existir, perceber e poder penetrar na memória do Universo, emergir do Vazio, da eterna condição inexprimível do verso que se mostra aos homens como substância múltipla e transitória do Uni-verso. E, ao retornar transfigurado, não ter mais palavras, só um imenso olhar, imenso como a noite que busca atravessar. O leitor, por sua vez, faz a sua própria Viagem a Andara invisível através das páginas visíveis de A asa e a serpente, Os animais da terra, Os jardins e a noite, Terra da sombra e do Não, Diante de ti só verás o Atlântico, O sereno, Música de areia, Silencioso como o Paraíso, Ó Serdespanto, K O escuro da semente, oÓ: Desnutrir a pedra. Travessia de uma noite de escuras árvores, de um mundo “onde não faltam mistérios”, uma floresta de símbolos onde podemos ver sem os olhos e passar “entre os homens que dormem com um rosto de pedra. entre a realidade, sonhos, vozes e silêncios, movimentos e inércias, o ar, o fogo, a terra, a água, o vegetal, minerais profundos e principalmente, insone, o animal.


REDAÇÃO

A REVSTA PZZ NA ROTA DO DESENVOVIMENTO

O

Projeto Editorial da Revista Pará Zero Zero - PZZ: Arte, Educação e Cultura, em suporte impresso, digital e videográfico é o projeto editorial inovador produzido na Amazônia que possibilita o mapeamento, a divulgação, a reflexão, a crítica conceitual, a economia criativa, a diversidade, a circulação, o acesso e a cidadania às diversas expressões simbólicas da cultura brasileira, históricas, científicas, contemporâneas, de valor universal, formadores e informadores de conhecimento, cultura e memória brasileira protagonizada por seus autores. A PZZ por caracterizar-se com uma programação eminentemente criativa, cultural, educativa, informativa, artística, empreendedora e inovadora procura elevar a qualidade de vida da população ao promover e aprofundar o diálogo sobre os conceitos de Arte, Comunicação e Cultura, estimulando o papel conscientizador e transformador do Conhecimento. Além do papel de revista, estimulamos a formação de redes sociais de artistas, leitores, escritores, pesquisadores, editores, produtores culturais e comunicadores na Amazônia. O perfil editorial da revista aos poucos vai se incorporando às complexidades e questões cruciais abordando a geopolítica, a indústria criativa e a economia. A economia do Pará está dividida em três eixos: projetos de desenvolvimento de energia, mineração, agronegócio e infraestrutura; economias tradicionais do extrativismo, agricultura familiar, pesca artesanal, economia de subsistência; e inovação, economia criativa, turismo, biotecnologia e todo o potencial de desenvolvimento de setores menos tradicionais e mais modernos da economia. É nesse sentido, e a partir desses três eixos, a Revista PZZ procura em suas próximas edições abordar assuntos pertinentes ao desenvolvimento da nossa região. Dentre essas realidades vale destacar que: o Pará possui a maior província mineral do planeta e as substâncias minerais de melhor qualidade; a mineração deve ser associada a questão do desenvolvimento econômico e da sustentabilidade como premissa; que essas riquezas minerais são finitas e, na essência, pertencem à sociedade que precisa ser compensada por sua exploração; o setor mineral é um dos alicerces para o desenvolvimento econômico do Pará e do país como um todo nas próximas décadas e grandes ainda são os desafios enfrentados pela mineração para melhorar a qualidade de vida da população. Além da mineração investimentos no setor pecuário, agricultor, turístico, cientifico, cultural, educacional e tecnológico fazem necessários. E neste momento podemos refletir sobre nossa atual situação no contexto nacional e internacional. É um assunto tão importante para o Estado e causa estranhamento a sociedade não discutir isso. Desta forma vamos articular políticas públicas voltadas principalmente para a os adolescentes, e disseminar a economia criativa, a cultura de paz e o desenvolvimento sociocultural da cidade para diminuir os índices de criminalidade e violência que são alarmantes. Encontramos na educação e no meio digital, ações transversais para estimular a formação cultural e educacional para incluir as novas tecnologias no cotidiano de jovens e comunidades excluídas do processo de financiamento a cultura, das políticas públicas, dos processos de produção e da inclusão digital. A modernização das relações facilita a educação, o aprendizado, a comunicação social, o protagonismo juvenil, o empreendedorismo e a formação de redes socioculturais e econômicas através da PZZ Boa Leitura

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Edição 17 | maio/junho de 2013

Diretoria Executiva Carlos Pará e Fábio Santos Editor Responsável Carlos Pará 2165 - DRT/PA Editor de arte/Projeto Gráfico Rilke Penafort Pinheiro Produção Executiva Almir Trindade Neto, Pedro Vinna, Narjara Oliveira, Pavel Fernandes, Virginia Cecim Fotógrafo Bruno Pellerin Computer to Plate Hélio Alcântara Impressão: Gráfica Sagrada Família Distribuição Belém, Pará, Brasil. Assessoria Jurídica: Alfredo Nazareth Melo Santana 11341 OAB-PA Contatos (91) 3351-5188 - 9616-4992 - 9616-3400 email revistapzz@gmail.com Twitter @revistapzz Facebook @revistapzz cartas A Revista PZZ é uma publicação bimensal da Editora Resistência Ltda - Av. Duque de Caxias, 160, Loja 14, Belém, Pará, Amazônia, Brasil Cep 66093-400 Cnpj : 10.243.776/0001-96 Issn: 2176-8528 site revistapzz.com

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LITERATURA POÉTICA

Alfredo Oliveira

O SIGNO RESSOA RUY PARANATINGA BARATA, ESCRITOR HOMEAGEADO NA XVII FEIRA PANAMAZÔNICA DO LIVRO, REVELA A FILOSIFIA E POLITICA EM SUA OBRA

R

uy Guilherme Paranatinga Barata (Santarém, 25 de junho de 1920 — São Paulo, 23 de abril de 1990) foi um poeta, político, advogado, professor e compositor brasileiro. Filho único de Maria José Paranatinga Barata e do advogado Alarico Barros Barata, recebeu o nome Ruy em virtude da admiração paterna por Rui Barbosa. O indígena Paranatinga vem do lado materno, que significa rio (paraná) branco (tinga), “rio de águas claras”. Seu avô materno, Antônio Bentes Paranatinga, incorporou a palavra indígena Paranatinga ao sobrenome em homenagem ao rio Paranatinga, que nasce no norte de Mato Grosso e faz parte da grande bacia do Amazonas. O sobrenome original “Bentes” é da família que se

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instalou no baixo amazonas, ainda no século XVII, cujos membros eram judeus. Ruy foi alfabetizado pelo pai. Aos dez

Em 1943, publica seu primeiro livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir. anos vem para Belém para continuar os estudos. Primeiro, no internato do Colégio Moderno; depois, no Colégio Nossa Senhora de Nazaré, dirigido pelos Irmãos Maristas. Faz o pré-jurídico

no Colégio Estadual Paes de Carvalho, onde tem como professor o intelectual Francisco Paulo do Nascimento Mendes, de quem se torna amigo para a vida inteira, e se inicia na poesia escrevendo na revista literária paraense Terra Imatura. Em 1938 entra para a Faculdade de Direito do Pará. Em meio aos estudos jurídicos sente aumentar a paixão pela poesia. Mergulha fundo nos poemas de Maiakovski, Garcia Lorca, T.S. Elliot, Mallarmé, Rilke, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Jorge de Lima, entre outros. Abre-se ao pensamento de esquerda através da leitura do Manifesto Comunista de Marx e Engels. Em 1941 casa-se com Norma Soares Barata. Em 1943, forma-se em direito e,


LUIZ BRAGA

“O NATIVO DE CÂNCER” Ruy Barata morreu em 23 de abril de 1990, durante uma cirurgia, em São Paulo, para onde viajara a fim de coletar dados sobre a passagem de Mário de Andrade pela Amazônia.

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LITERATURA POÉTICA como orador da turma, em plena ditadura do Estado Novo, faz um discurso em que pede a volta do país ao Estado de Direito e defende teses avançadas no campo da justiça social. Nessa fase, prefere trocar o exercício da advocacia pela presença na redação do jornal Folha do Norte, de Paulo Maranhão. Passa a frequentar a roda de papo do Central Café, no centro de Belém, liderada pelo professor Francisco Paulo do Nascimento Mendes, onde convive e integra a mais brilhante geração de intelectuais paraenses republicanos, que gravitou em torno de Chico Mendes. Entre eles, Mário Faustino, Paulo Plínio Abreu, Benedito Nunes, Haroldo Maranhão, Waldemar Henrique, Machado Coelho, Nunes Pereira, Cauby Cruz, Napoleão Figueiredo e Raimundo Moura.

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir.

Ainda em 1943, publica seu primeiro livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir. Nessa época, o pai de Ruy, Alarico Barata, exercia forte liderança política na região do Baixo Amazonas contra a violência do chamado Baratismo, liderado pelo então caudilho e interventor do Pará, Joaquim Magalhães de Cardoso Barata, que integrou o grupo de tenentes da Revolução de 1930. Em decorrência dessa luta contra o autoritarismo de Magalhães Barata, Ruy Guilherme Paranatinga Barata entra na política partidária e, aos 26 anos, em 1946, é eleito deputado para a Assembleia Constituinte do Pará, pelo Partido Social Progressista (PSP). Embalado pelo clima de explosão democrática que sucedeu a vitória dos aliados contra o nazi-fascismo na Europa, nenhum tema relevante aos direitos humanos escapou da percepção do jovem deputado naquela 10 www.revistapzz.com

AUTO-RETRATO Entre a espuma e a navalha sou legenda. O espelho neutraliza o ângulo da morte, a barba estrangulou a metafísica e o problema do mal é bem remoto. Aqui sim. Aqui resistirei à mímica, ao dicionário e ao laboratório. (a herança do punhal brilha de novo o fantasma de Abel não me intimida) Vejo a testa crescer entre espirais de fumo, o olhar que não vacila da ruga à pré-história e o peito rasgado pela fúria do poema. Aqui sim, aqui iniciarei a espécie nova, aqui derrotarei o homem-harpa e pronto estou para a descoberta do sexo. O pincel dá-me o poder do patriarca, a navalha reduz a timidez e o medo, o palavrão rola na boca e salva o mundo.

A LINHA IMAGINÁRIA Vida suplementar, tão próxima de ti, tão evidente, nas dobras deste enigma sereno. Um pensamento só, voltar à infância, um desejo qualquer, basta a esperança, e refloresces em dádivas e gestos. Este braço de mar é teu, - podes guardá-lo, esta paz, este azul, este piano, esta nesga de céu que o vento espalha. Tudo tão próximo de ti, tão ligado ao teu cotidiano, ao teu suor diurno, às tuas vigílias, às tuas palavras que emprestas uma outra significação. Só agora percebes a tua absurda neutralidade diante deste fim de tarde, deste sino que é a tua primeira e única

memória musical, desta noite, caindo leve sobre a tua cidade. Só agora buscas o espelho que procuravas evitar, só agora tentas restabelecer todos os elos que ainda justificam tua mísera existência, reconstituir todos os fatos, - mesmo os não evidentes o Fiat, a Paixão, os elementos, o riso do amigo mais amado. Só agora te permites a inutilidade deste gesto fraterno; só agora ousas confessar a saudade que há tanto tempo agasalhaste na sombra, - de ti mesmo, - dos teus brinquedos favoritos, - da mansa voz do teu primeiro amor. Só agora te serves desta aurora, tão próxima de ti, tão evidente, nas dobras deste enigma sereno.

CANÇÃO DOS QUARENTA ANOS Poema, suspende a taça pelos dias que vivi. Espelho, diz-me em que jaca mais fiel me refleti. Quarenta anos correram e neles também corri. Quarenta anos, quarenta! (Quantos mais inda virão?) Morrerei hoje de infarto ou amanhã de solidão? Serei pasto da malária? Serei presa do avião? A morte engendra esperança A morte sabe fingir. A morte apaga a lembrança da morte que vai ferir. E em cada instante que passa a morte pode surgir. Quem pode medir um homem? Quem pode um homem julgar? Um homem é terra de sonhos,


sonho é mundo a decifrar : naveguei ontem no vento, hoje cavalgo no mar. Hoje sou. Ontem, não era. Amanhã de quem serei? Um homem é sempre segredos (Por qual deles purgarei?) Dos meus netos, qual o neto, em que me repetirei? Que virtudes foram minhas? Que pecados confessar? Que territórios de enganos a meus filhos vou legar? A quem passarei meu canto quando meu canto passar! Ah! como a vida é ligeira! Ah! como o tempo deflui! Este espelho não mais fala da criança que já fui, das minhas rugas ruindo apenas um nome rui. Quede rede balançando? Quede peixinhos do mar? Quede figo da figueira pru passarinho bicar? E o anel que tu me deste em que dedo foi parar? Dezembro chama janeiro, (fevereiro vai chamar?) Monte-Cristo se me visse não iria acreditar. Como está velho, diria a donzela Dagmar. Um homem cresce espalhando — o reino em que foi feliz. — Onde Athos? Onde Porthos? Onde o tímido Aramis? Um homem cresce querendo e cresce quando não quis. Crescer é rima de vida mas também é de morrer. Crescer é terna ferida que só dói no entardecer. Em cada raiz da morte há sempre um verbo crescer. E cresço: macho e poeta. (Subo em linha, volto em cor) cresço violentamente, cresço em rajadas de amor, cresço nos filhos crescendo, cresço depois que me for.

Cresço em tempo e eternidade, cresço em luta, cresço em dor, não fiz meu verso castrado nem me rendo ao opressor, cresço no povo crescendo, cresço depois que me for.

PUBLICAÇÕES DE RUY BARATA

HOMENAGEM A LEO BOY Saberás quem somos pela ausência da voz, pelo rio envelhecido e na fadiga das frases dissipadas. Diante de ti a nudez falará por nós pois as dádivas e sonhos dispersamos e as mãos vazias dissiparam o tempo. A fêmea e a cidade conquistamos, mas do Invisível a rosa que colhermos será sempre viçosa e fresca sobre a nossa tumba. Somos da terra o sal mas nem sabemos e deitados na Parábola morreremos na primavera das palavras novas, no segredo que faz nossa alegria. Estrangeiros na pátria que elegemos vazios do santo amor, pobres da Graça, a saudade da hora não cumprida, a tristeza do rei que inveja o escravo.

Capa do livro ANTILOGIA de Ruy Barata. Obra lançada em 2000 é uma coletânea de poemas organizada pelo próprio Ruy, entre janeiro e fevereiro de 1990.

Do livro A linha Imaginária Edição Norte - 1951

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legislatura. A luta pela paz num mundo traumatizado pela morte de milhões de seres humanos nos campos de batalha, o horror da ameaça atômica que exterminara as populações de Hiroshima e Nagasaki, o respeito à autodeterminação dos povos, o Estado de Direito no Brasil, a defesa da soberania da Amazônia e a luta contra a pobreza foram temas caros a Ruy Barata. Foi reeleito em 1950. Em 1951 publica os poemas de A Linha Imaginária (Edições Norte, Belém). A partir daí e depois, como deputado federal (1957 a 1959), se afirma como a voz progressista no Pará em defesa do monopólio

Capa do livro A LINHA IMAGINÁRIA Publicado em 1951 (Edição Norte). A coletânea de vinte poemas é dedicada à memória de Maria Hernandes Alvarez, nascida em Páramo-de-Sil, distrito de Leon, Espanha, e falecida em Santarém.

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LITERATURA POÉTICA estatal do petróleo, das grandes causas nacionais e da paz mundial, nos momentos cruciais da chamada guerra fria. Em 1959 saúda a revolução cubana com o poema Me trae una Cuba Libre/ Porque Cuba libre está. Nesse mesmo ano, entra para a militância clandestina do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. A filiação ao PCB tem reflexo na própria criação poética, que opta por evidenciar, nessa fase, um tom político. Sua poesia busca o caminho das palavras acessíveis à compreensão popular. Denuncia claramente a miséria e a injustiça social. Nessa época, provavelmente, dá início à construção de O Nativo de Câncer, poema inacabado com força épica a contar a história de uma cultura em face da invasão de culturas estranhas, um impressionante inventário das coisas e do homem amazônico, incluindo aí o inventário do próprio poeta, um nativo de câncer. O primeiro canto do poema foi publicado em fevereiro de 1960 no jornal Folha do Norte. Em 1964, com o golpe militar, foi preso, demitido de seu cartório (então 4º Ofício do Cível e Comércio da Comarca de Belém) e aposentado compulsoriamente do cargo de professor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará, com menos de 10% de seus proventos. Para sobreviver passa a exercer a advocacia no escritório de seu pai, Alarico Barata, e escreve artigos e reportagens com pseudônimos, como Valério Ventura, para os jornais Folha do Norte e Flash. A partir de 1967, Ruy Barata, que tinha, desde a juventude, uma estreita ligação com a música, passa a compor em parceria com seu filho, o então jovem músico e instrumentista Paulo André Barata. Ruy mostra-se um exímio letrista para as melodias do filho. Compõem dezenas de músicas, de cunho rural e urbano, que se tornaram sucessos nacionais e internacionais. Em 1978 lança mais um capítulo do estudo sobre a Cabanagem, a revolução paraense de 1835, cuja publicação iniciara no ano anterior pela revista do Instituto Professor Sousa Marques (Rio de Janeiro): O Cacau de Sua Majestade, O Arroz do Marquês, 12 www.revistapzz.com

ACERVO DA FAMÍLIA

PARANATINGA - palavra indígina que significa rio (paraná) branco (tinga). Ruy Barata, à esquerda, em 1939, com 19 anos. Na foto à direita, em 1988, já com 68 anos.

A Subversão do Cacau e do Algodão, A Economia Paraense às Vésperas da Tormenta. Em 1979, com a promulgação da Lei da Anistia, Ruy Barata é aposentado como cartorário e reintegrado ao quadro de professores da Universidade Federal do Pará – e volta a ensinar Literatura Brasileira. Em1984, é publicada a primeira edição do livro Paranatinga, de Alfredo


MIGUEL CHIKAOKA

Oliveira, que traz um estudo biográfico sobre o poeta. Ruy Barata morreu em 23 de abril de 1990 durante uma cirurgia em São Paulo, para onde viajara a fim de coletar dados sobre a passagem de Mário de Andrade pela Amazônia. Deixou nove filhos. Sua estátua está nos jardins do Parque da Residência, antiga casa dos governadores do Pará, que hoje abriga a

Secretaria de Cultura do Estado. Empresta seu nome a uma avenida, ainda em construção, que margeia as águas da baía do Guajará em Belém. Em 2000 foi lançado o livro Antilogia, uma coletânea de poemas organizada e revisada pelo próprio Ruy, entre janeiro e fevereiro de 1990, pouco antes de sua morte, cuja edição reúne 14 poemas e uma das correspondências que lhe foram enviadas pelo poeta Mário

Faustino, onde comenta fragmentos de “O Nativo de Câncer”. O trabalho de Ruy Barata continua a inspirar músicas, poesias, vídeos, cinema, trabalhos escolares, teses, documentários, dança, artes plásticas e dezenas de outras manifestações políticas e culturais em todo o Pará, para reverenciar a memória do poeta que disse em uma canção: “Tudo que eu amei estava aqui". www.revistapzz.com 13


LITERATURA FOLCLÓRICA

Pedro Rocha Silva

ESTÓRIAS DO BOTO MALHADO NA BAÍA DO SOL N

a ‘‘Geografia dos Mitos Brasileiros”, Luiz da Camara Cascudo classifica os mitos brasileiros. em Mitos Gerais, isto é, os correntes no Brasil e nos países estrangeiros, como a Mãe-d’água, o Lobisomem, a Burra de Padre; os Mitos Secundários ou Locais, que abrangem a grande maioria dos mitos de todos os Estados Brasileiros e, finalmente, os Mitos Primitivos, onde está incluído o Boto, objeto dc estudo deste artigo. Na crença dos moradores de nossa região, o mundo sobrenatural é povoado por entidades que moram nas águas do rio e seus afluentes. Essas entidades protegem os animais das águas e também os homens, sendo conhecidas com o nome genérico de “visagem” ou “bichos visagentos”. Entre elas se inclui o boto (Sotalia fluviatilis, da família Delphinidae),

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um dos mais populares seres do folclore amazônico, que tanto pode proteger os viajantes como também “malinar”, especialmente com as mulheres. Suas estórias multiplicam-se por todas as localidades ribeirinhas da região. Essas estórias contadas de pai para filhos por muitos anos, já foram registradas por alguns autores como, por exemplo: José Carvalho, em “O Mulato Cearense e o Caboclo do Pará” - “Minha avó conta (dizia-me um paraense, meu empregado) que num baile em que ele estava, no Igarapé dos Currais, apareceram dois moços, bonitos e desconhecidos. Dançaram muito. Ela dançou com um deles. Beberam, também, muito. (Esta observação é o principal da história). Antes, porém, de amanhecer, desapareceram eles, sem que pessoa alguma soubesse para onde tinham ido. A casa em que

dançavam ficava distante do rio; mas no meio do caminho havia um poço com pouca água. Com o dia viram que nesse poço estavam dois botos. Ora, ali nunca se tinha visto boto. Os moradores e convidados foram buscar arpões: arpoaram os botos, puxaram- nos para a terra e os mataram.Partiram as cabeças dos mesmos, donde exalou o cheiro de pura cachaça! Umberto Peregrino, em “Imagens do Tocantins da Amazônia”. - O Dr. Gete Jansen me refere o caso recente dc uma mulher que, levado o filho num serviço médico, quando lhe perguntaram o nome do pai, para o competente registro, respondeu com absoluta convicção: - Não tem não senhor, é filho de boto. A mulher era casada, tinha outros filhos, cuja paternidade atribuía pacificamente ao marido, mas aquele teimava em dar


CONTADOR DE ESTÓRIA Diácono da Arquidiocese de Belém, Geógrafo, Mestre em Solos e Nutrição de Plantas, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Membro do Centro Paraense de Estudos do Folclore.

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LITERATURA DO PARÁ como filho de boto. - Esse é filho de boto, eu sei Não houve quem demovesse, o registro foi feito à sua revelia Leandro Tocantins, em ‘‘O Rio Comanda a Vida’’ - Aliás, a fêmea do boto, em muitos casos, é confundida com a Iara, a Mãe-d’água, de extraordinária beleza”. Em certas regiões da Amazônia, também contam estórias do boto-fêmea: dizem possuir órgãos sexuais semelhantes aos de uma mulher. E um homem que com ela tem relações sexuais morre, exausto de tanto repetir o coito. Em outras regiões ouvimos a mesma estória, mas com a lara no lugar do boto-fêmea. Estórias como estas são contadas, até hoje, pelos pescadores da Baía do Sol, vila pesqueira da Ilha de Mosqueiro PA. Todavia, enquanto os autores falam de um boto genérico, as estórias que ouvimos e coletamos, naquela vila, são muito

Dalcídio é um desbravador da alma humana e sua literatura traduz uma desmedida valorização da subjetividade do ser humano. Em seus romances estão presentes como característica marcante, os longos diálogos íntimos, em que se escancaram os sentimentos, os sonhos, as incompreen precisas em apontar qual a espécie “visagenta”. Como sabemos, o boto é o nome de numerosos mamíferos aquáticos encontrados com frequência no litoral brasileiro. O boto é também chamado de golfinho e toninha. Das espécies brasileiras as mais conhecidas são: o boto da Baía de Guanabara, o bolo Branco do Amazonas (Steno tucuxi). O botinho ou golfinho é considerado o mais manso. Juntamente com o boto branco, vivem exclusivamente nas águas doces do rio Amazonas e seus afluentes, possuindo um corpo que mede de 2 a 3 metros. Há ainda o boto malhado que, segundo descrição dos pescadores do mar é vermelho, mede mais de 4 metros e é perigoso, pois costuma atacam as embarcações e 16 www.revistapzz.com

comer todos os peixes das redes dos pescadores. É justamente o boto malhado o herói das narrativas populares; o agente dos casos de “malineza” e também de sedução. Muito se fala, por exemplo, sobre as peripécias do boto malhado que gosta de mulheres novas e bonitas. Pescadores antigos da Baía do Sol, a maioria já falecidos como os senhores Manoel Aurino da Silva (Seu Macário), Lázaro Eulálio da Silva (Seu Lazico), Aristáquio da Silva (Seu Maropa), e o Mauro Francisco da Silva (Boiosa), foram os contadores das estórias. E outros mais jovens como Basílio Almeida da Silva (Espalha), Manoel da Silva (Pacamão), Waldir da Silva e Francisco da Silva (Fio) continuam pescando e pre-

senciando até hoje as “paradas do boto malhado”. O Seu Macário, o mais velho do grupo, nos contou que viu o boto malhado em uma casa à beira do rio, olhando por cima da janela do quarto onde dormiam uma menina. Ele tentou entrar, mas não conseguiu porque o pai das moças acordou e deu alarme. Então o boto correu em direção à ribanceira do rio e se jogou n água... tibungo! Ele também conta sobre uma parenta sua que foi certa vez atacada pelo boto malhado. O marido dela era embarcado e eles moravam na beira da praia. Na ausência do marido, todos os dias o boto ia tentar a mulher. Um dia os vizinhos e parentes perceberam que ela estava ficando amarela (pálida) e todos ficaram


coma a grande dúvida se ele (o boto) “se servia” ou não, da mulher. O fato é que, quando o marido voltou de viagem, foi preciso se mudar do local para que o boto deixasse a mulher em paz. Outras estórias interessantes dizem respeito às mulheres quando menstruadas. Consta que quando as mulheres estão assim, “ruim da coisa”, vão tomar banho na praia, o boto se aproxima e “fica buiando por perto”, levando perigo para as demais pessoas que estão tomando banho na praia. Seu Lazico, outro pescador antigo, contou também que, retornando de uma festa com várias mulheres, por volta das cinco horas da manhã, remando sua montaria, percebeu a presença de vários botos do lado da embarcação. Ele ficou

com medo e perguntou ao rapaz que o acompanhava, o porquê da presença dos botos, o rapaz respondeu que era por causa das mulheres que vinham na embarcação. Em outra ocasião, ele foi ao lugar chamado São João, lugarzinho distante nas ilhas próximas, onde havia uma menina que o pessoal da Vila falava que andava com o boto. “Eu não acreditei. Um dia eram duas horas da tarde, eu estava na cabeça da ponte, quando o rapaz que estava comigo disse, olha! olha! Quando eu vi, era ele (o boto). La correndo por cima da estiva de miriti e... tibungo n’água! Olha seu menino, era verdade, era mesmo o Boto Malhado!” Como se pode observar, há nessas estórias uma recorrência sempre envolven-

do, em relações sexuais, uma Mulher e um Animal Macho (boto malhado). Ao contrário do que registrou Leandro Tocantins, não encontramos nenhuma estória falando de relações entre um animal fêmea (o boto fêmea) e um homem. Mas há um ponto em comum cruzando a literatura anterior e as estórias por nós coletadas, qual seja: - a existência de um mundo em desordem, pois, de um lado vemos uma natureza que se humaniza, enquanto de outro, são os homens que deixam de serem seres culturais para se tomarem Seres da Natureza. Nesse grande quadro de inversões, é interessante verificarmos que são as crianças os (re) ordenadores do mundo. É que no imaginário dos pescadores consta ainda que o boto malhado persegue mulheres bonitas. O animal vai à festa aonde chega geralmente vestido de terno branco e chapéu de palhinha. “Ele senta-se à mesa e bebe como uma pessoa comum, escondendo, porém, os seus pés até o momento em que, de repente, “os moleques safados” vão por trás e olhando os pés do boto dizem: olha, o pé de pato está aqui”! O Boto então se aborrece e vai embora. Além disso, o boto malhado é perigoso porque, ao lado de suas peripécias amorosas, ele também pode atacar as embarcações de pesca e destruir (comer) o produto do trabalho do homem. Perguntados sobre o que se deve fazer para afastá-los da rede de pesca, os pescadores disseram que o “alho (Allium sativum” e o “caroço de uxi (Umbrosissima)” são os meios mais utilizados para afastar o boto malhado de suas redes. Quer dizer, os mesmos recursos largamente usados para se “descarregar” ou afastar os espíritos (seres) perturbadores dc um determinado ambiente. Mas, se o boto malhado em alguns momentos é mau, outros botos são bons, pois sabemos que na região do Baixo Tocantins acredita-se que existem botos mansos que ajudam os pescadores a empurrar o peixe para dentro de seus cacuris1. De onde se conclui que, o boto, seja ele o Malhado, o Tucuxi, o Branco, o Botinho, etc., extrapola uma condição de simples exemplar de nossa fauna para se tomar um encantado e, como tal, possuindo sentimentos humanos do tipo: prazer, medo, vaidade, raiva, bondade, maldade, www.revistapzz.com 17


LITERATURA LANÇAMENTO

João Henrique Neto

PESCA: ENCONTRO E DESENCONTRO O

livro PESCA – ENCONTROS E DESENCONTROS foca a pesca brasileira através duma visão de avaliação de objetivos, alcançados, ultrapassados ou simplesmente perdidos. O livro é fruto de 30 anos de trabalho do Sr. João Henrique Neto, em que se tentou fincar uma atuante política de pesca artesanal, empresarial e industrial, construindo uma força de trabalho em atividade de risco sócio-econômico, indiscutivelmente que necessita ser apoiada, levada à posição que merece ter e, continua almejando alcançar o destaque merecido no cenário da economia nacional, de um país continental, com toda a fronteira oriental e norte, banhada pelo Oceano Atlântico, com mais de 4.300 milhas marítimas. “Sonho restrito a uma noite de verão, realidade alcançável, se, os homens o tivessem querido, pois só deles dependia e continua dependendo, passar do sonho à realidade. Reúne ela todos os ingredientes necessários para fazer do

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Brasil um país auto-suficiente em pesca, como ainda manter um bom nível de exportações em algumas espécies, como camarão, lagosta, pargo, atum, piramutaba e outras, quando o Governo se decidir a encará-la e a enquadrar, dentro do respeito que merece pelo que representa no todo brasileiro. Até para ajudar a mitigar a fome de tanto brasileiro esfaimado e acabarem os fictícios “arrendamentos” que, nunca passaram e continuam, no aluguel puro de sua área de exploração econômica marítima. Beneficia ele, não o Brasil, sim, há muitos anos, interesses outros que conviria fossem esclarecidos e melhor conhecidos, para que igualmente melhor fossem combatidos, benéfico para muito poucos, nunca para uma potência que se apresenta como comercial, industrial e econômica aos olhos do mundo, que aluga seu mar territorial, à exploração de outros países, de uma potencialidade extrativa como a pesca, a outras nações, por incompetência do empresário-armador nacional ou pior,

por incompetência das entidades oficiais que superintendem a Pesca Nacional – atualmente uma Secretaria da Pesca”. Declara João Henrique Neto. O livro fala de um período de ação, considerando algumas confusões políticas e econômicas, que tornaram instável o setor na era do Presidente José Sarney. Quando ações nefastas que nomeava e removia superintendentes da então SUDEPE, Superintendência do Desenvolvimento da Pesca. Fala da nefasta era Color e este apaga da história da pesca a SUDEPE, como se ela fosse a culpada, não mais uma vítima das disputas políticas e da incompetência administrativa dos Governos. Filha sim, dos desmandos políticos e governamentais, apesar de, com todas as suas deficiências conhecidas, ainda conseguir respaldo no segundo escalão do Ministério da Agricultura, ativando muitos pleitos surgidos nos interesses da pesca. E depois que essa responsabilidade foi, transferida para um IBAMA sem expressão na ativi-


dade, subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, cujo Ministério, nunca provou conhecer o que nela acontecia, como acabou sendo verificado e registrado pelos fatos ao longo dos anos. Relegada por tanto a um quarto escalão, onde sem dúvida não existia conhecimento dos múltiplos problemas que a assoberbam, onde os acontecimentos se atropelam e necessitam de uma ação imediata, acabou por se perder a maior valia do trabalho produzido por esses homens ao longo de anos. Acaba por isso a pesca, no ostracismo, no desmembramento ostensivo e contínuo, a culminar no confuso biênio de 1989/90, quando tem início o maior e mais brutal desequilíbrio estrutural, econômico e financeiro da história do setor. PESCA – ENCONTROS E DESENCONTROS, publicado pela editora Resistência, não é um quadro abstrato pintado em pinceladas desencontradas, em que a imaginação tem de encontrar a mensagem do pintor. Sim em cores bem definidas no enfoque de uma paisagem de tons bem gritantes, dos rios, igarapés, selva amazônica e oceano limítrofe de nossa costa, na apresentação de linhas definidas, onde os personagens se movimentam, tendo vida própria e onde os fatos falam por si, para imporem a visão de uma pesca, que vem nos últimos anos apesar de desmantelada e denegrida pela insolvência, persistindo em sobreviver, lutando contra ventos e correntes, para encontrar seu rumo e um lugar ao sol brasileiro. Simplesmente nestas páginas procuraremos focar e expor lutas, obstáculos surgidos, vencidos, perdidos, apresentar posições assumidas, por vezes contraditórias. Os entraves encontrados nos meandros burocráticos nessas décadas, os alertas transmitidos às entidades que tinham obrigação, dada a posição usufruída e representativa ocupada no governo de agir ou, ter agido, no momento certo, tomando a iniciativa das decisões sem a necessidade da pressão das entidades ligadas à pesca. Apresentar alternativas políticas, definir rumos a seguir, muitos deles pela obrigação de salvaguardar seus interesses, lutar por uma melhoria a não servir só às classes envolvidas, a pesca artesanal e industrial, mas

PESCA NO BRASIL “Apresentar alternativas políticas, definir rumos a seguir, muitos deles pela obrigação de salvaguardar seus interesses, lutar por uma melhoria a não servir só às classes envolvidas, a pesca artesanal e industrial, mas ao próprio Brasil cujos interesses cujos interesses foram olvidados, mas que deveriam ser prioritários na tomada de todas as decisões.”

ao próprio Brasil cujos interesses cujos interesses foram olvidados, mas que deveriam ser prioritários na tomada de todas as decisões. Infelizmente, parece que no Brasil, as entidades governamentais, e, por extensão o próprio Governo, não age, ou, não quer agir preventivamente, antecipando-se aos acontecimentos. Só quando o caos se impõe, os fatos se apresentam cruamente e o clamor público explode, a pressão se torna insustentável, se movimentam por imposição, normalmente atrasados e nem sempre pelo melhor caminho. Procuram remediar situações que teriam sido muito menos onerosas, financeira e socialmente, quando não, igualmente de muito menores custos políticos, se atacados e resolvidos no momento oportuno. Isto porque no momento em que o autor escreveu estas páginas, ainda ao Governo falta uma Política de Pesca definida, que vem sendo pedida por todos os intervenientes na pesca nacional, desde os primórdios dos anos setenta. Singra, anos a fio, por repartições governamentais e Congresso, podendo dizer-se ou, afirmar-se, que por falta dela, a pesca está perdendo sua segunda geração de desenvolvimento.

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LITERATURA EXPEDIÇÃO

Agenor Sarraf Pacheco

MELGAÇO EM VOZES E VISUALIDADES: POR UMAOUTRACARTOGRAFIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

O

utubro emerge em nossas vidas despedindo-se dos festivos tempos do antecipado natal paraense. Uma ideia rizomática ganha corpo e avança em mentes sedentas pelo desconhecido: um capitão artista, uma artista descentrada, um historiador marginal, um trovador marajoara, um fotógrafo perspicaz, um fotógrafo NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) e um grupo multidisciplinar de alunos estavam prestes a se entrelaçar. Era preciso um tema midiático para atar nós de destinos e implodir os desejos criadores: IDH, Marajó, foram palavras mágicas que aguçaram a sede de desenhar uma outra cartografia do desenvolvimento humano para o premiado município de Melgaço: pior lugar para se viver digna e socialmente no Brasil, segundo relatório oficial publicizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD). O pensar decolonial, que valoriza as vozes, visualidades, trajetórias e tem-

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pos de dentro a partir do olhar local, no entanto, conduziu o despejar de nossas energias para outros territórios da cultura. Patrimônios materiais e imateriais de populações tradicionais marajoaras, apreendidos em saberes-fazeres de professores, parteiras, foliões, pajés, agricultores, vaqueiros, músicos, dançarinos, cantores, poetas, contadores de outras histórias, emergiram em pensares coletivos e orientaram composições cartográficas. Para captar a riqueza deste patrimônio invisibilizado pela mídia sensacionalista e mercadológica, uns desejaram fotografar ou desenhar, outros filmar ou narrar. Por dias caminhamos apenas com a ideia, muitos sonhos e desejos de experimentar o diferente, o diverso, o imprevisível. Sonhadores são seres sem fronteiras e conectados cosmicamente a forças colaborativas. Depois que a promessa das passagens escaparam de nossos horizontes e fomos obrigados a comprar o sonho de realizar os per-

cursos, alcançamos a infraestrutura necessária por intermédio de gratas e generosas surpresas. Com (in)segurança, rasgamos, então, cursos e tempos de águas amazônicas. Euforia, desafio, poéticas, conexões, registros midiáticos de vivências nômades em tempo real iam compondo mapas de nossos repertórios compartilhados, enquanto deixávamos águas da baia do Guajará, rio Para, baia do Rosário, estreito de Breves para avistar Breves e fazermos nossos primeiros desembarques. Registros visuais e audiovisuais desestabilizaram cenas da vida urbana. Homens, mulheres, crianças, automóveis, barcos de variadas estéticas e designares foram enchendo nossas memórias digitais. Três lanchas embarcaram nossas bagagens, junto a elas interligamos emoções, expectativas e curiosidades para avistar, navegar e mergulhar nas águas e histórias da baia de Guarycuru, nome que inspirou nossa expedição.


IRACEMA VOA Sobre sua vida e sua obra o espet谩culo vai revelar muito mais: revela a mim mesma, a trajet贸ria cultural da cidade, e das pessoas que nela viveram e vivem.

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À proporção que as lanchas aproximavam-se da terra de Nogueiras e Mamedes, a famosa Turquesa do Pará, como a batizou o imortal e popularmente conhecido Francisco Mamede, uma paisagem natural, culturalmente transformada não apenas pela ação física de mulheres e homens ao longo dos tempos, mas também pelo olhar sensível de visitantes, fotógrafos e curiosos, fazia fervilhar memórias, devaneios poéticos e visuais, histórias, narrativas literárias. Entre as muitas histórias que carregávamos, uma aflorava com intensidade de memórias do capitão e do historiador: o episódio de 12 de agosto de 1996, o inesquecível ato de sublevação popular que resultou na queima do prédio onde funcionava a prefeitura, a câmara, os correios e anunciou para o Brasil a necessidade de intervenção estadual para Melgaço. Memórias de 16 anos passariam a atualizar-se a partir daquele desembarque. Inicialmente, antes destas rememorações invadirem teias da vida dos demais participantes da expedição, o pisar na antiga aldeia Guarycuru, depois Vila São Miguel de Melgaço, hoje município de Melgaço, estava sentimentalizado na representação social do poder oficial. Incrivelmente, o modo como o antigo capitão militar, hoje capitão artista, sorria, abraçava e emocionava-se ao ser acolhido pelo caloroso e carinhoso abraço dos mais diversos melgacenses, desmontava-se o nacionalmente instituído e hierarquizado lugar da autoridade política. As vivências dos últimos quatro meses da gestão pública de 1996, sob a regência do capitão/prefeito, urdiram-se por labirintos e artimanhas de memórias que colhíamos para a produção de um documentário, exposições fotográficas, HQs (Histórias em Quadrinho), a serem socializados com variadas comunidades marajoaras, paraenses, brasileiras... Por asfaltos, calçadas comidas, terras de chão batido, pontes de madeira, açaizeiros, ruas de rios, interagimos com moradores de Melgaço, cartografamos a riqueza patrimonial da cidade e da floresta, impressionamo-nos com o festival de brinquedos da pré-escola municipal; narrativa da parteira que, diferente de outras aparadeiras de vidas, não guarda em sua memória insucessos de seu ofí22 www.revistapzz.com

cio; o impactante altar barroco da Igreja de São Miguel Arcanjo e as histórias do santo padroeiro; a força e energia do patrimônio material musical e simbólico e a performance revelada nas cantorias dos foliões da paróquia de São Miguel; ficamos vidrados na confissão de vida socializada por uma pajé, mulher sábia no trato com plantas detentoras de poderes medicinais e espirituais. Na primeira noite como cartógrafos de vozes e visualidades melgacenses, mergulhamos e emocionamo-nos com um sarau artístico e cultural preparado pelo município para receber nossa expedição. Ao som de melodias de sopro, percussão e tambor ecoadas das habilidades em manusear instrumentos pela Escola de Música, coreografia com músicas regionais como a dança do boto, performance de jovens capoeiras ou danças litúrgicas, as horas foram avançando e configurando um retrato da cultura amazônica registradas em flashes e áudios a partir do Marajó das Florestas. Poéticas de artistas da terra, homens e mulheres, bordadas e ampliadas com a voz e gestualidade do inconfundível Boto do Marajó, poeta do mundo, Antônio Juraci Siqueira, ecoaram em mentes e corações que assistiam, gravavam e aplaudiam aos números do espetáculo da literatura de Melgaço. Os convidados especiais, juntamente com a população local foram, ao final, brindados com poéticas musicalizadas em voz forte e afinada de Rildon Tavares. Na segunda manhã, cortando rios e avistando florestas, partiu a expedição para a milenar terra onde possivelmente habitaram as mais antigas nações indígenas melgacenses que se tem conhecimento em pesquisas arqueológicas. Na contemporânea fazenda Vitória, de Demétrio Cardoso, chegamos e fomos recebidos por latidos de cachorros avisando que o proprietário ou seu principal vaqueiro não se encontravam. Depois dos medos iniciais, fomos recebidos pelo vaqueiro auxiliar que nos conduziu para a fazenda e o incrível sambaqui. Num lance de vista, miramos restos de ostras, uruás, ossos de animais e pedaços de cerâmicas enterradas em terra preta, fertizada pelo cálcio. Das vozes do historiador e do poeta deslancharam histórias reais e imaginarias que revelam significados atualizados do uso

do solo e do patrimônio material deixado por aquelas populações nômades da Amazônia. Com nossos equipamentos carregados de histórias e memórias do patrimônio melgacense, trafegamos a agitada e temível baia de Portel em tempos de fúria das águas para desembarcar na Comunidade do Paricatuba. Apesar do sol escaldante, o ronco da voadeira retirou as crianças de suas habitações e afazeres cotidianos para ver quem chegava. Em gesto comum ao mundo infantil marajoara que tudo sabe e informa porque são os mais exímios comunicadores do lugar, alteramos sua rotina e fizemos adentrar, a seu modo de ser e viver, no baú de repertórios que vínhamos colhendo. O baú engordou com narrativas do morador mais antigo e fundador da comunidade, agricultor que socializou a


arte do saber-fazer da farinha e pescador que aprendeu a profissão com o pai. No final da tarde, depois do retorno da expedição para Melgaço, uma cena envolveu a todos, levando, inclusive, aos participantes a entrarem na fila de disputa: na comunidade dos pescadores, localizada na Estrada do Moconha, um rústico e criativo balanço foi encontrado como o maior brinquedo de crianças, jovens e adultos que ali tomavam banho. Uma indagação martelou nossas cabeças: o que significava para aquelas gentes deste outro lado do Marajó o conceito de desenvolvimento humano tão fortemente cobrado pelos meios de comunicação? O domingo amanheceu cedo para a expedição. Depois do café e de alguns inesperados incidentes, atravessamos a baia Guarycuru, o rio Carnajuba, desta

IRACEMA VOA Sobre sua vida e sua obra o espetáculo vai revelar muito mais: revela a mim mesma, a trajetória cultural da cidade, e das pessoas que nela viveram e vivem.

vez para conhecer uma pequena porção do labirinto de ilhas que conforma o roteiro das Ilhinhas: a comunidade São Sebastião, no rio Cacoal. Moradores locais, da circunvizinhança e aqueles que ficam em ires e vires entre Melgaço e Breves estavam se organizando para

celebrar o culto dominical, com suas peculiaridades para viver a fé católica no espaço rural marajoara. Membros da expedição foram convidados a entrelaçar-se nos roteiros da celebração e compartilharam ideias que motivaram o movimento social local. Em seguida, vozes de uma parteira afroindígena dominaram as lentes de nossos equipamentos tecnológicos. A fala firme de quem soube administrar contradições e carências sociais pelo dom de trazer ao mundo vidas da/na floresta expandiu ângulos e questões dos repertórios em captação. Faltava uma última caminhada pelo solo onde verdejam e secam cacauais para completarmos os percursos planejados e continuamente remodelados: o sítio arqueológico do Cacoal. Rumamos, então, para o quintal e rasgamos as trilhas atualmente abandonadas pelos deslocamentos que os membros da comunidade precisaram realizar. Avistamos, entre folhas secas, pedaços de cerâmica, ostras, uruás. Neste ambiente de artefatos que unem diferentes tempos históricos, ouvimos da boca do dirigente da comunidade a história de uma botija de ouro enterrada que pela ganância do vizinho encantou-se e revelou-se apenas em pedaços de carvão. Como o patrimônio cultural local, as formas singulares de viver, divertir-se e experimentar a felicidade em suas outras dimensões não compõem o índice de desenvolvimento humano, já que as chamadas políticas públicas com base em outros padrões, geografias e temporalidades não são referências para análises oficiais, modos de ser diferente continuam sendo postos nas páginas subterrâneas das agências que produzem diagnósticos e dados da vida em cidades-florestas e espaços rurais marajoaras. Com essa iniciativa orientada pelo pensar e fazer cartográfico, a expedição Guarycuru almeja contribuir para que o acervo de registros da cultura marajoara e melgacense que será publicado nas mais variadas mídias escritas e digitais torne-se antídoto para os poderes instituídos deixarem aflorar suas sensibilidades humanas para lidar, dialogar e ouvir o outro, seja ele visibilizado em rostos melgacenses, marajoaras ou amazônidas, historicamente desqualificados e desrespeitados em seus direitos fundamentais. www.revistapzz.com 23


MÚSICA PARAENSE

O SAMBA

AMAZÔNICO DE ARTHUR ESPÍNDOLA ARTISTA PARAENSE INCORPORA INSTRUMENTOS E RITMOS REGIONAIS AO SAMBA TRADICIONAL.

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rthur Espíndola é cantor, compositor e multi-instrumentista. A precocidade deste jovem despertou aos 10 anos quando, como muitos, ingressou no conservatório de música Carlos Gomes, em Belém do Pará. A curiosidade, o ouvido aguçado e o instinto fazem com que Arthur Espíndola transite com naturalidade pelo violão, teclado, bateria, contra baixo, guitarra, cavaquinho e percussão. Instrumentos que, em conjunto com a sensibilidade poética e voz afinada, lhe permitem ser extremamente versátil em suas composições, navegando por ritmos e gêneros musicais que vão desde o carimbó e o lundu (sua memória regional auditiva) até a MPB, o POP, e, claro, sua paixão, o samba. A partir de 2006 Arthur começou

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Dalcídio é um desbravador da alma humana e sua literatura traduz uma desmedida valorização da subjetividade do ser huma a investir profissionalmente em sua carreira musical, com um trabalho de MPB-Pop produzindo 15 músicas promocionais que não chegaram a ser comercializadas. O Cd, nominado “Coisas que peço”, foi gravado nos estúdios da “Cia dos Técnicos” (antiga RCA), no RJ. O trabalho foi produzido por Marcelo Nami e Demétrio Gil, com um time de músicos de primeira: Márcio Bahia, Rômulo Gomes, Lito Figueiroa, Marcos Suzano, Nicola

Krassik, as Cordas do Grupo Bessler, Julinho Teixeira, Dirceu Leite, Roberto Marques, Tuca Alves, Christiano Galvão, Alceu Maia, entre outros. A mixagem foi feita nos estúdios da “Casa do Mato”, pelo engenheiro de áudio Ronaldo Lima. A masterização é de Raul Marçal no PMCD estúdio. Entre idas e vindas do Rio à Belém, fez participação em vários shows e cantou ao lado de Lucinha Bastos, Walter Bandeira, Lia Sophia, Felipe Cordeiro, Juliana Sinimbú, entre outros artistas da terra. Mas apesar de investir em uma outra proposta musical como a MPB, Arthur sempre esteve nas rodas dominicais do samba. Por esse motivo, algo maior o fez investir definitivamente neste estilo para produzir uma música brasileira feita na Amazônia. Toda essa experiência, um tanto quanto precoce,


vivida por Arthur, fez com que o compositor, aos 28 anos de idade, desenvolvesse um trabalho sólido e de bom gosto. Sua sensibilidade demonstrou que a sua desenvoltura e ousadia em construir seu próprio estilo musical se faz marcante para a nova geração do samba no Pará. No segundo semestre de 2012, Arthur começou a investir em um novo trabalho. Depois de três anos de produção lança o CD “Tá Falado”, refletindo o esforço em unir o samba com os instrumentos e ritmos regionais como carimbó, lundo e samba de cacete. A essência do disco é contribuir para a musicalidade paraense, e redescobrir o samba que nasce ao norte brasileiro, que na voz de Arthur Espíndola se consolida através dos instrumentos regionais que compõe a nova geração do samba no Brasil. O CD “Tá Falado” foi produzido e materizado no Rio de Janeiro pelos engenheiros de áudio Ronaldo Lima e André Dias, do estúdio “Casa do Mato” e “Post modern mastering” respectivamente. Quem ouve o disco sente a presença do lundu, do carimbó, do marabaixo, do retumbão, do samba de cacete, do banguê e do boi bumbá. Tudo misturado com os principais ritmos da música brasileira como o baião, o ijexé e principalmente o samba, com a presença marcante em 90% do CD. A obra conta com a participação de Gaby Amarantos, Felipe Cordeiro, Mestre Curica, Luê e também conta com as bênçãos da Velha Guarda da Mangueira. Além do lançamento do CD, Arthur também reforça o recente trabalho com o clip Making off da música “To fora de Moda” com a participação de

IRACEMA VOA “Iracema Voa” é um encontro. Sou eu, atriz, que recebo as pessoas e conto-lhes sobre minha experiência de encontrar outra atriz, Iracema Oliveira. Narrando sobre sua vida e sua obra o espetáculo vai revelar muito mais: revela a mim mesma, a trajetória cultural da cidade, e das pessoas que nela viveram e vivem.

Gaby Amarantos, Mestre Curica e Felipe Cordeiro e também o clipe da música “A Passista” com a participação da Velha Guarda da Mangueira”, ambos lançados nas redes sociais e presentes no Youtube. Em meados de 2012 Arthur foi o vencedor do festival de música paraense, promovido pela RBA (Rede Brasil Amazônia de comunicação) Entre a divulgação de seu CD e shows, Arthur também capitaneia um projeto de pesquisa chamado “Amazônia Samba”, aprovado no edital de bolsas para experimentação e pesquisa do Instituto de Artes do Pará (IAP), onde se estuda e divulga a obra de grandes compositores da Amazônia legal que são autores de sambas de grande sucesso nacional nas vozes de intérpretes consagrados. Autores como Chico da Silva, natural de Manaus, Edmundo Souto, natural de Belém, Antônio José, da cidade de Santarém, entre outros. Um desses compositores é o paraense Toninho Nascimento, que fez um show no SESC Boulevard em Belém com direção geral de Arthur Espíndola. Toninho é compositor de grandes sucessos de Clara Nunes como “Conto de Areia” e “A Deusa dos orixás”, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Fundo de quintal, e também da agremiação carnavalesca Portela nos anos de 2012 e 2013. Arthur Espíndola está em estúdio fazendo a direção musical e arranjos do CD de Toninho. Arthur Espíndola, também ministra oficinas no projeto “Cordão do Peixe-Boi” do Arraial do Pavulagem, onde além de cantar toca banjo regional com o tradicional grupo e também com o seu Batalhão da Estrela. Arthur integra também o projeto “Música na Estrada” que através de um seleto edital contemplou quatro artistas paraenses para percorrer fazendo shows em alguns municípios do estado. Arthur está entre os artistas paraenses escolhidos por uma respeitada curadoria para a Mostra Terruá Pará de música, um dos maiores projetos de difusão da música paraense, que na edição passada revelou pra o Brasil nomes como Gaby Amarantos, Lia sophia, Felipe Cordeiro, Gang do Eletro, Luê, Dona Onete entre outros. www.revistapzz.com 25


MÚSICA PARAENSE

Vicente Malheiros da Fonseca

1º FESTIVAL DE MÚSICA POPULAR DO BAIXO-AMAZONAS

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conteceu em 1970... Em Santarém, a “Pérola do Tapajós”... Em 1967, eu integrei a Comissão Julgadora do Festival de Música promovido pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, em Belém, presidida pelo Maestro Waldemar Henrique, o primeiro, no gênero, no Pará. No intervalo do Festival, apresentou-se o Chico Buarque de Hollanda. Em 1968, residente na “Casa da Juventude”, na capital paraense, participei ativamente da organização do “1º Festival da Música Popular da Amazônia”, realizado no Ginásio “Serra Freire”, ocasião em que também integrei a Comissão Julgadora desse certame musical, sob a Presidência de Waldemar Henrique. Em 1969, surgiu a ideia de um Festival em Santarém (PA), minha terra natal. Em 1970, então, foi realizado o 1º Festival de Música Popular do Baixo-Amazonas, cuja Presidência da Comissão Organizadora tive a honra de exercer, por indicação de seus idealizadores e organizadores – uma plêiade de jovens idealistas –, dentre os quais tive a satisfação de integrar naqueles áureos tempos de juventude. Residindo em Belém, como aluno do Curso de Direito (UFPA), fiz contatos com as autoridades governamentais,

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com a imprensa e musicistas da Capital do Estado. Conseguimos apoio financeiro, publicidade e alguns integrantes do júri, dentre os quais Waldemar Henrique, para a realização da etapa final do evento, realizada no Cinema Olímpia, de Santarém, com enorme sucesso e com a participação de numeroso público que lotou literalmente as dependências daquela casa, em 19 de dezembro de 1970. Foi nessa ocasião que o Maestro Wilson Fonseca conheceu, pessoalmente, o Maestro Waldemar Henrique, que viajou para Santarém a fim de presidir a Comissão Julgadora do Festival. Fico muito feliz de ter proporcionado a aproximação entre os dois consagrados maestros paraenses. Waldemar Henrique era, na época, Diretor do Theatro da Paz, em Belém. Wilson Fonseca, o grande compositor santareno, no interior do Pará. Foi também na mesma oportunidade que Waldemar Henrique convidou Wilson Fonseca para se apresentar no Theatro da Paz, que acabou evoluindo para a realização da histórica “Semana de Santarém” (outubro/1972). Os idealizadores do Festival foram: Paulo Roberto Rabelo, José Machado, Apolonildo Brito, Edwaldo Campos e Vicente Fonseca. A equipe da apresentação da fase final

do Festival esteve sob o comando do radialista Osmar Simões. Não havia ainda televisão em Santarém. A decoração do ambiente ficou a cargo do artista Laurimar Leal. As medalhas, outorgadas aos ganhadores do Festival, foram confeccionadas pelo artífice João Sena. E a capa do convite para o evento era fruto do belo trabalho da talentosa artesã Dica Frazão. O convite era ilustrado com o texto poético da canção “O Canto do Uirapuru” (letra: José Wilson Fonseca; e música: Vicente Fonseca), um poema em forma de acróstico com o nome das sete notas musicais; e da “Canção de Minha Saudade” (letra: Wilmar Fonseca; e música: Wilson Fonseca), esta adotada como Hino do Festival. O poeta Emir Bemerguy completava a arte do convite com um belo texto explicativo sobre as razões da escolha do UIRAPURU como símbolo do Festival e da cunhagem do pássaro amazônico nas insígnias concedidas aos ganhadores do concurso. A Comissão Julgadora do Festival era assim constituída: Maestro Waldemar Henrique (Presidente), Isaac Dahan, Avelino do Vale, Maria Lúcia do Vale, Wilson Fonseca, Emir Bemerguy, Wilde Fonseca, Nélia Vasconcelos Dias, Sebastião Ferreira, Edenmar da Costa Machado, Vicente Fonseca e Cecília Simões.


José Agostinho da Fonseca Neto, meu irmão, ficou incumbido de preparar os principais arranjos das músicas do Festival, como integrante do Conjunto “Os Hippies”, dirigido pelo cantor Odilson Matos, o primeiro a gravar o bolero “Um Poema de Amor”, de autoria de meu saudoso pai. Eis os vencedores do Festival: I – Gênero Música Jovem: 1º lugar – “Corina” (Edwaldo Campos de Souza e Renato Siqueira. Intérprete: Francisco José Lemos – Joe); 2º lugar – “Louco fui demais” (Marcília de Souza. Intérprete: João Octaviano de Matos Neto); 3º lugar – “E nunca mais sair do teu caminho” (autora e intérprete: Fátima Oliveira). II – Gênero Tema Regional ou Folclórico: 1º lugar – “Corrida” (au-

Meschede); 2º lugar – “Chico Brasileiro” (Otacílio Amaral Filho. Intérprete: Luís Carlos Botelho do Amaral); 3º lugar –“Rosa Maria” (Arnaldo Batista Figueira. Intérprete: Ray Brito). Medalha melhor intérprete: João Octaviano Mattos Neto (Prêmio “Expedito Toscano”). Medalha melhor arranjo (Prêmio “Prof. José Agostinho da Fonseca”): “Iemanjá”. Wilson Fonseca (Maestro Isoca) guardava, em seus arquivos, em Santarém, gravações, em fitas magnéticas, da quase totalidade das músicas inscritas no Festival. Se esse inestimável material ainda estiver em bom estado, bem que poderia ser aproveitado para a gravação de um CD.

Promoção Social, Secretaria Executiva de Cultura e Secretaria Executiva de Educação), parte do Projeto Nossos Autores, coordenado pelo Sistema Estadual de Bibliotecas Escolares (SIEBE), lançado em Santarém (PA), em 17 de novembro de 2006. Nessa mesma obra também está transcrita a entrevista que concedi à jornalista Lana, publicada em sua página literária denominada “Lana em Tom Maior”, na edição de 22/23 de março de 1970 do jornal “A Província do Pará” (Belém-PA). Há referências ao memorável Festival no livro “A Vida e a Obra de Wilson Fonseca (Maestro Isoca)”, de minha autoria, editado pela Gráfica do Banco

tor e intérprete: Antônio Waughan); 2º lugar – “Iemanjá” (autores e intérpretes: João Sílvio e Íris Fona); 3º lugar – “Vida de Caboclo” (Maria Alciete Lemos Neves. Intérprete: Shirley Lima). III – Gênero Música Popular Brasileira: 1º lugar – “… E a vida passa” (Oldemar Alves de Souza. Intérprete: Carlos

A respeito do histórico e bem sucedido Festival existe farto material registrado, com ilustrações fotográficas, no livro “Meu Baú Mocorongo” (p. 749777, volume 3), de Wilson Fonseca, impresso por RR Donnelley Moore (SP) e editado pelo Governo do Estado do Pará (Secretaria Especial de

do Brasil, em 2012, em homenagem ao centenário de seu nascimento. Para quem quiser conhecer melhor esse inédito evento cultural – um dos mais importantes movimentos da arte musical no Baixo-Amazonas –, eu recomendo a leitura desse material histórico. Lá se vão mais de 40 anos!...

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MODA PARÁ

Felicia Assmar Maia

CONSPIRAÇÃO

A FAVOR DA

MODA

ARQUIVO

O ESTILISTA PARAENSE TONY PALHA DESENVOLVE SUA ARTE NA MODA SEM DEIXAR DE LADO O TINO COMERCIAL.

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MODA PARÁ

Q

ue o universo sempre conspire a favor para que Tony Palha continue materializando sonhos na mais pura realidade, e fazendo do ofício de costurar roupas uma arte sublime que dá energia à beleza feminina. Quem assiste um desfile do estilista paraense consegue perceber que há uma troca de amor entre criador e criaturas, essas cada uma das peças que Tony Palha cria com o dom que Deus lhe deu. Aliás, Antônio Carlos Palha, de nascimento, acha que veio ao mundo destinado por Deus para fazer algo, um algo, que pode ser dito “algo mais”, que vem dando certo há mais de 25 anos, que ele explica como uma conspiração favorável do universo para quem tem talento, amor ao que faz e uma grande capacidade de se doar. E isso ele exercita através dos inúmeros desfiles beneficentes que fez durante sua carreira e através dos ensinamentos aos aprendizes que acompanham seu trabalho, como ultimamente tem feito com estudantes de moda em Belém. No Rio de Janeiro, onde mantém seu ateliê, muitos o chamam de “pé-de-coelho” devido sua capacidade de emitir fluídos positivos para aqueles com quem trabalha. E depois de muito suor e noites sem dormir, “tudo dá certo”, afirma Tony, com sua habitual energia e “sede” de conhecer sempre mais. “Não fechei nenhuma porta durante esses anos de profissão, na verdade sempre quis ‘ganhar’ o mundo, e foi trabalhando em prol da beleza que encontrei a felicidade”. Felicidade que Tony compartilha com as mulheres que ele veste, que por mais que dure uma única noite, eterniza-se na memória de quem vive aquele momento. “Não existe felicidade eterna, mas quando uma mulher se veste para um evento, ela experimenta um momento de intensa felicidade, “e é isso que faz a vida caminhar”, arremata Tony Palha.

O INÍCIO: BELÉM- RIO Antônio Carlos Palha nasceu em Belém numa família de seis mulheres e ele o filho mais novo, e por isso recebia mais “atenção especial” dos pais e das irmãs. No final da década de 70, já estudando Arquitetura, Tony foi para um congresso em Salvador, Bahia, e lá descobriu que não queria mais morar em Belém, 30 www.revistapzz.com

que queria ter experiências em outros lugares. Mas como dizer à família que iria embora? Esperou o final de 1979, formou-se, e foi embora para o Rio de Janeiro como se estivesse indo passar férias, mas a intenção era de por lá ficar. Ao chegar no Rio, ficou hospedado na casa de uma amiga, Malena Rodrigues, que era cantora e tinha belos vestidos de noite, que Tony admirava, afinal em Belém, ele já acompanhava os concursos das Rainhas do Carnaval e Miss Pará, e até guardava o sonho de vestir essas moças com criações suas. O Rio de Janeiro era o início do sonho, mas como ficar lá se ele não tinha emprego? Um dia, andando pelas ruas de Copacabana, passou por uma casa de tecidos e perguntou se eles não queriam um figurinista. Responderam que ele faria um teste e mandaram que voltasse no dia seguinte. Ao contar para a amiga Malena o que ocorrera, esta o achou um “louco”, porque jamais fizera aquilo antes, mas decidiu ajudá-lo. Deu a ele uma revista de moda e mandou que ele tentasse imitar os desenhos que estavam lá. Ele começou a desenhar, e não é que tinha talento para aquilo. Mas não bastava copiar, tinha que criar. Aí, ele abriu o baú da amiga cantora e lá encontrou lamés, tafetás, cetins e com os tecidos começou a criar usando a técnica da moulage, que na época ele não sabia do que se tratava, embora a intuição o guiasse para a criação. No dia seguinte lá estava ele na Casa Lindoia para começar o oficio. Uma das clientes que entrou na loja naquele dia foi a paraense Maria Augusta Teixeira, a famosa modista conhecida como Guta Teixeira, mas que Tony não conhecia. Primeiro ela observou os traços de Tony. Sentou-se então na sua frente e pediu que ele desenhasse três borboletas. Mesmo sem entender nada, Tony fez os desenhos e foi elogiado pela estilista, que lhe disse que tinha talento. Observando que o sotaque de Tony não era carioca, indagou de onde ele era. Ao saber que era paraense, interessou-se por ele, informando seu telefone e dizendo que ele poderia procurá-la. Com a intuição de que estava prestes a ingressar no universo da moda, pela qual tinha aptidão e talento, Tony foi ao apartamento de Guta Teixeira e se deslumbrou ao ver fotos dela ao lado de nomes da alta costura internacional como

Givenchy e Oscar de La Renta, este último uma espécie de padrinho da “Chanel brasileira”, que inclusive levou suas coleções para serem expostas na 5ª Avenida em Nova York. Tony Palha jamais vai esquecer o conselho de Guta, que lhe disse para não ter medo de “bater na porta”, pois nunca se sabe o que está do outro lado, mas um “guerreiro” precisa abrir a porta. Isso Tony levou para o exercício de sua vida profissional. Guta aconselhou Tony a ir para São Paulo e procurar o também paraense Dener Pamplona de Abreu, que já havia feito muito sucesso na alta costura no país, e que poderia ajudá-lo. Tony seguiu para a rodoviária do Rio e pegou um ônibus para São Paulo; não sem antes passar na Casa Lindoia, pois precisava do emprego, mas que acabou por recusar, pois que o patrão propusera assinar sua carteira de trabalho como vendedor. Isso ele não queria. Se saíra de Belém para buscar outros horizontes, como se conformar em ser vendedor, e como mostraria à família que progredira no oficio que escolhera para sua carreira profissional.

DE SAMPA PARA MILANO Chegou em São Paulo e, por engano, desceu na Estação da luz. Mas, essa também foi uma das vezes que o universo conspirou a favor. Com apenas 23 anos e sentindo-se perdido naquela cidade grande, sentou-se num bar para tomar um café e lá estava um paraense com quem começou a conversar. Esse lhe disse que conhecia uma paraense que trabalhava na TVS, do Silvio Santos. Era Acácia Cavallero de Macêdo. E levou-o na TV para encontrá-la. Foi Acácia quem o levou até Dener, que naquela época não tinha mais seu próprio ateliê, mas trabalhava numa loja de noivas da Rua São Caetano. Foi lá apenas para visitá-lo, mas foi logo ouvindo de Dener, já doente indebilitado, que este precisava de alguém para desenhar para ele, e expressou-se da seguinte forma: “esse rapazinho parece comigo”. Eu falo, você desenha....e o salário você resolve com aquelas lá dentro (referindo-se a dona da loja). Sem mesmo ter tempo para pensar, lá estava Tony trabalhando ao lado de Dener. Mas, infelizmente, foi por pouco tempo, pois mais ou menos


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MODA PARÁ seis meses depois, Dener faleceu. Pouco, Mas precioso tempo, relata Tony, que diz lembrar do “inventor de moda brasileira”, ensinamentos tais como a informação de que a mulher tem um “império” dentro dela. Ela é vaidosa e por isso ao criador de moda cabe a função de fazer com que a mulher goste mais dela mesma e para isso, em primeiro lugar, ele precisava gostar de mulher e de sentir prazer de fazê-la feliz. Quando Denner se foi, Tony assumiu o trabalho de criação na loja de noivas. Não era fácil, era preciso muito talento e arte. “Não era como hoje, que se tem rápido e fácil acesso à informação na Internet”, lembra Tony, que diz que muitas vezes ia ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para tentar achar nas bancas de revistas, algumas publicações internacionais de moda para pesquisa. Nessa época, Tony se inscreveu para um concurso da TV Manchete, que era promovido pelo programa do estilista Clodovil Hernandes. Foi classificado com dois vestidos, um no segmento de prêt-à-porter e outro de alta costura. Foi quando conheceu Markito, naquela altura uma revelação de alta costura, e que estava no auge da fama. Nessa época Tony trabalhava apaixonadamente, pois havia descoberto o “elixir da minha vida”, relata ele com brilho nos olhos. Brilho que Tony revela sempre que fala de suas criações. “Desenhava vestidos de noiva, fazia vitrines, organizava desfiles”, diz ele. Uma cliente então sugeriu que ele abrisse seu próprio ateliê e foi aí que outra “conspiração do universo” fez com que ele encontrasse um imóvel para alugar na Alameda Lorena, em São Paulo, quando abria um jornal para procurar nos classificados um carro para comprar. Já instalado em seu ateliê, Tony deu “asas à imaginação”, criando roupas de noite, bordadas e muito elaboradas. Conheceu gente famosa como Nice, na época casada com o Roberto Carlos, a cantora Wanderléia e as cantoras Ana e Cléo, do Trio Los Angeles. Para esta última fez muitos vestidos glamourosos e com quem passou a ter uma sociedade num ateliê maior. Mas, infelizmente, não deu certo. Um episódio que fez Tony sentir-se desgostoso e por isso decidiu “dar um tempo” na carreira. Não tardou muito para que o talento de Tony viesse à tona novamente, pois, ao 32 www.revistapzz.com

ser informado pela amiga Silvia Mufarej de que havia um concurso no consulado Italiano para uma bolsa de estudos no Instituto Marangoni de Design, em Milão, ele se inscreveu, e em meio a 350 candidatos, foi o vencedor. Em 1986, voou para “Milano”, como ele diz, e lá aprendeu o ofício da costura. Finalmente ele aprendia a fazer, para assim fazer o que sua imaginação mandasse, não mais dependeria de costureiras. Com o domínio da costura, confecciona suas criações e sozinho construiu as quinze peças de sua coleção de conclusão de curso. Também teve a oportunidade de fazer um curso sobre Teatro e Cinema com Frederico Fellini, o que muito contribuiu para a teatralidade que passou a imprimir em seus desfiles.

AFINAL, MAISON VALENTINO Curioso e observador, Tony procurava tirar de cada experiência, o aprendizado de uma vida. Certo dia andando pela avenida Monte Napoleone, em Milão, deparou-se com um rapaz fazendo a vitrine da Maison Valentino. Era Gianfranco Fenicia, então vitrinista das casas do famoso estilista, e que ao terminar o trabalho foi ao encontro de Tony para saber o porquê de ele ter ficado parado todo aquele tempo acompanhando o trabalho de montagem da vitrine. Após conversar com o paraense, o italiano disse que precisava de um assistente e que estava indo para Paris, e que se Tony quisesse poderia acompanhá-lo. E lá foram eles de trem, para Paris. Até hoje não sabe porque, mas o italiano só viajava de trem. Monsieur Valentino preparava a coleção inspirada no personagem Robin Hood, e seria desfilada por modelos que Tony conhecia pela fama internacional: Naomi Campbel, Linda Evangelista, Cláudia Schiffer, dentre outras. Foi um sonho, revela ele, mas que era real. E aí vem outra daquela “conspiração” de que Tony na época não tinha consciência, mas que, por certo, o universo já fazia a favor dele. Ao ser encaminhado para ajudar na prova de roupa, pegou um vestido de Valentino, um daqueles vermelhos glamourosos, com uma saia balonê, um dos hits dos anos 80, que de tão perfeito no lado do avesso, fez Tony prová-

-lo na modelo, dessa forma. Foi chamada sua atenção pelo assistente que Valentino, Jean Carlos Gianeti, mas Gianfranco (responsável pelo styling) disse que esperaria pela opinião do “mestre”. E não foi que Valentino gostou, pois o avesso mostrava um primoroso trabalho em tule, verdadeiro retrato da alta costura. Este foi o episódio de entrada na Maison Valentino, onde trabalhou durante dois anos, passando pelas três linhas da casa: prêt-à-porter, prêt-à-porter de luxo e alta costura. De lá só saiu para o show business, outro sonho que ele materializou.

DE VOLTA PARA O ACONCHEGO O caminho de volta para a Itália também seria o de volta pra o Brasil. Tony, então, participou do concurso Mitel Moda Premium, que acontecia na cidade de Florença (Firenzi), cujo prêmio para os três primeiros lugares era um stand no Milano Vende Moda. Como Tony garantiu sua colocação ficando em 3º lugar, participou da feira e expôs dois vestidos que ficaram famosos: Aids e Dona do Mundo. O primeiro foi uma denúncia contra o preconceito. Ganhou destaque em capas de revistas em Roma, até porque fez parte da exposição comemorativa dos 30 anos de magia de Valentino, uma iniciativa da atriz Elizabeth Taylor, que era curadora da exposição e grande ativista da causa da Aids no mundo. Com seus inúmeros laços vermelhos, a roupa posicionada na entrada da exposição, oferecia um souvenir aos visitantes. Os dois vestidos, Aids e Dona do Mundo, participaram da exposição que ficou em cartaz em Belém, no Boulevard Shopping, em outubro de 2013. A participação no Milano Vende Moda foi o inicio do caminho de volta para o aconchego do país natal. Era o ano de 1998, e uma brasileira que visitara a feira na Itália convidou Tony para vir ao Brasil mostrar sua moda em Belo Horizonte,onde ele começou a vestir mulheres importantes da sociedade local, inclusive a mulher do governador do Estado. No ano seguinte já com a volta para a Itália marcada, Tony conheceu o promoter Zeca Marques, que organiza o Magic Ball do Copacabana Palace, que acontece no sábado de Carnaval reunindo a alta sociedade do país e celebridades do


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MODA PARÁ mundo todo. E o fascínio pelas fantasias que Tony guardava desse os tempos de adolescência com as Rainhas do Carnaval paraense aflorou e ele embarcou no ritmo do samba e até hoje sua moda continua “dando samba” no famoso baile. Já fez fantasias para as jornalistas Glória Maria e Hildegard Angel, para a modelo Daniela Sarahyba e para a socialite Narcisa Tamborindeguy. Foi ficando no Rio e após conhecer Ruth de Almeida Prado, que na época morava às proximidades do Copacabana Palace, que muito incentivou seu trabalho, resolveu abrir seu ateliê na Cidade Maravilhosa. Uma de suas primeiras clientes foi a atriz Juliana Paes, ainda em início de carreira e que participar de Celebridades da Rede Globo, e precisa de um vestido para festa de lançamento da novela. Para Tony, aquela beldade tinha que explorar as belas pernas e criou para ela uma minissaia. Acertou em cheio: Juliana “arrasou”, descreve Tony maravilhado.

BELÉM- PARÁ AMAZÔNIA Em suas idas e vindas para visitar a família que mora em Belém,, Tony foi convidado pela TV Cultura para participar de um documentário sobre a vida e a obra de Dener Pamplona de Abreu. Durante as gravações, em mais uma daquelas “conspirações” a favor que o universo sempre lhe preparou, ele conhece Felicia Assmar Maia, coordenadora do Amazônia Fashion Week, o maior evento de moda da região norte. E ali recebeu o convite para participar do evento. Foram dois anos de ensaio para afinal adentrar nas passarelas de sua cidade natal, e em desfile contar a trajetória de sua vida. Foi em 2012, no Salão Karajás, do hotel Belém Hilton, que o paraense usou o tema “A Estela sobe” para mostrar uma carreira percorrida da Belém dos anos 80 à Belém do século XXI em 25 anos de carreira. Fascínio, glamour, elegância e criatividade foram qualidades daquela coleção inesquecível, quando o estilista couturier apresentou roupas que pareciam vir de um encanto, de um extraordinário poder de magia, capaz de traduzir a poesia do sonho em realidade. Rendas, organzas, sedas e tafetás em intensas tonalidades, ora fluídas e plissadas, ora com volumes inusitados, celebravam o encontro feliz

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da arte com a moda. Eram peças exclusivas desenhadas para momentos únicos, que e mesmo definiu como dreams in dresses (sonhos em vestido). Para Tony, o calor e a força da raiz paraense foram fundamentais em sua trajetória, tendo-lhe aberto as portas do mundo fashion. Em 2013, Tony Palha voltou às passarelas paraenses, mais uma vez no Amazônia Fashion Week, dessa vez com a coleção Criaturas, enfocando o bem e o mal que existe em cada pessoa, mas enfatizando que o bem sempre vence. A coleção explorou os brilhos e as novas tecnologias aplicadas à construção de moda. O final do desfile foi apoteótico com a apresentação de uma “noiva tecnológica”, que parecia acender e mudar de cor na passarela. Uma “odisseia no espaço” da Estação das Docas, em Belém.

MODA SUSTERNTÁVEL E ECONOMIA CRIATIVA “A Terra tem o suficiente para todas as nossas necessidades, mas, somente o necessário”. As palavras atribuídas ao grande pacifista Mahatma Gandi levam à reflexão da premência de se adotar atitudes sustentáveis, e dentre elas está inserida a questão da produção de itens de moda. Se a idéia é não agredir no planeta exaurindo seus recursos naturais, por que não reaproveitar, reutilizar? Esse deve ser o caminho a ser seguido pela moda para acompanhar o desenvolvimento sócio-econômico deste país de modo a permitir o atendimento das necessidades das presentes gerações sem comprometer o atendimento das gerações futuras. Além disso, vale salientar que atualmente as sociedades humanas têm enfrentado crises sociais, econômicas, ambientais e culturais, o que demonstra que o modelo de desenvolvimento adotado por esses grupos na contemporaneidade carecem de inovação. E, então, entram a criatividade e o intelecto como formas de promover um desenvolvimento não só sustentável como inclusivo. O grande desafio passa a ser o de transferir o foco do produto para o processo cultural, surgindo a relevante e tão em voga discussão sobre a economia criativa e o consequente aparecimento das indústrias criativas. A tradição da moda é de valorização do novo, daí que inovações científicas e tecnológicas são valorizadas além da


preocupação com os direitos autorais. A criatividade individual transforma-se em capital a ponto de ser apontada ao lado da cultura como um dos principais ativos econômicos do mundo contemporâneo. Um estudo da FIRJAN- Federação das Indústrias do Rio de Janeiro- realizado em 2008 constata que a economia criativa está em ascensão por incentivar uma espécie de democracia cultural advinda da comercialização de idéias e inovações. É o trabalho intelectual gerando valor econômico e revitalizando as indústrias tradicionais de produtos e serviços. A pesquisa da FIRJAN demonstra que as atividades da cadeia criativa correspondem a aproximadamente 16,4% do PIB nacional. E dentre os setores que aparecem como grandes responsáveis pela parcela mais significativa da indústria criativa em nosso país está a moda. Mas, ela ainda recebe pouco investimento. É preciso que se tenha a consciência de que no alvorecer deste século XXI, a moda produzida no Brasil só vai sobreviver se encontrar um diferencial. Hoje, a competição com a qualidade do produto europeu ou com o baixo preço do produto chinês só não levarão ao colapso do mercado de moda no Brasil, se os profissionais da área souberem usar seu pote3ncial criativo para gerar as soluções que a indústria nacionalçde vestuário tanto requer. Buscar as raízes da cultura brasileira, valorizar o conhecimento individual, pesquisar matérias primas alternativas, incentivar micro e pequenas empresas, fazer o intercâmbio entre o conhecimento do designer e do artesão, estudar alternativas de substituição da matéria prima importada pela nacional são algumas das atitudes que podem ser adotadas para “virar o jogo”. Alguns estilistas paraenses, como Tony Palha e Sandra Machado, já estão nesse caminho. E colhem frutos. Ao buscar a afirmação de uma identidade brasileira , passam a ter reconhecimento nacional e internacional. Nesse contexto, a atuação das universidades tem sido o combustível decisivo para gerar essa nova moda que transforma cultura em produto, mostrando o potencial de inserir aspectos locais em produtos de valor agregado. Que venha o investimento das empresas! Que venha a criatividade de nosso povo! Que venha a engenhosidade de nosso criadores de moda! Que o universo, enfim, conspire a favor da MODA PARAENSE! www.revistapzz.com 35


TEATRO PARAENSE

FOTOS: ANDRÉ MARDOCK

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Ester Sá

Quem é a mulher que voa? “ERA UMA VEZ UMA ATRIZ, QUE ENCONTROU OUTRA ATRIZ, E DESSE ENCONTRO NASCEU ESSE MOMENTO, QUE NÓS VAMOS VIVER A PARTIR DE AGORA”.

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TEATRO PARAENSE

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FOTOS: ANIBAL PACHA

C

om entusiasmo recebi o convite da Revista PZZ para publicar parte deste ensaio, que criei em 2009, sobre o processo de criação do espetáculo teatral “Iracema Voa”. É uma chance de dividir com mais pessoas um pouquinho do processo criativo de concepção deste espetáculo, que é para mim algo muito especial. Acredito que o que vai escrito aqui seja do interesse de profissionais de teatro, ou outras linguagens da arte, e também para o leitor em geral, que se sinta curioso do “como nasce” uma obra artística. O espetáculo fala da vida e da obra de Iracema Oliveira, Mestra da Cultura Popular, Guardiã do Pássaro Junino Tucano, das Pastorinhas “Filhas de Sion”, coordenadora do grupo Parafolclórico “Frutos do Pará”, e dona de uma história entrelaçada com a cultura do estado do Pará. Mulher forte da qual tenho grande admiração e respeito. O espetáculo trás a temática da vida à tona sob o olhar artístico, emoldura, faz prestar atenção no simples, que é o que há de mais belo. É um teatro encontro. É um teatro essencial. O ensaio completo tem 96 páginas, é verdade, há muita coisa pra dizer. Mas fiz uma compilação de um pequeno trecho que, acredito, tem coerência destacado do restante da obra. Agradeço de coração a quem optar em se debruçar sobre estas páginas que seguem, estará dividindo um pouco de mim:

O ESPETÁCULO Iracema voa é um documento cênico do encontro entre duas mulheres artistas: Iracema Oliveira e Ester Sá. O espetáculo narra a trajetória da vida e da obra da artista Iracema Oliveira, destacada per-

IRACEMA VOA “Iracema Voa” é um encontro. Sou eu, atriz, que recebo as pessoas e conto-lhes sobre minha experiência de encontrar outra atriz, Iracema Oliveira. Narrando sobre sua vida e sua obra o espetáculo vai revelar muito mais: revela a mim mesma, a trajetória cultural da cidade, e das pessoas que nela viveram e vivem.

sonalidade da Cultura Popular Paraense. A pesquisa, realizada pela atriz Ester Sá, deu origem a dramaturgia deste espetáculo, que através da trajetória de Iracema, promove um encontro com parte da história cultural do estado do Pará. O espetáculo foi construído como um encontro, que por natureza do ato teatral, é eternamente refeito, a cada vez que novos olhares entram na sala de espetáculo. (Ester Sá, trechos do texto do folder do espetáculo Iracema Voa). Iracema Oliveira nasce em 21 de março de 1937. Aos sete anos de idade estreia na cena, vivendo o personagem Anjo Gabriel, na singela tradição das Pastorinhas , e no ano seguinte, levada pelo seu pai, o artista popular Francisco Avelino de Oliveira , estreia no Pássaro Junino Cigarra Pintada, como o personagem Porta-Pássaro . Além de coordenar, em conjunto com sua família, o grupo Parafolclórico “Frutos do Pará”. Iracema é uma das mais importantes representantes da cultura popular do Estado do Pará. Mestra popular ensina o conhecimento e o amor pela tradição dos Pássaros Juninos e a Pastorinhas, heranças que recebeu na infância e que leva como bandeiras de vida.

UM ENCONTRO QUE PEGOU DE GALHO Os primeiros lampejos em direção à construção de “Iracema Voa” vieram do desejo de conhecimento. Eu vivia um momento em que, enquanto artista, me cobrava por conhecer tão pouco sobre a história da cultura de meu estado, e optei por construir um espetáculo que me proporcionasse, durante seu processo, estudar esse passado. Outras questões me moveram, e uma delas foi a admiração por Iracema Oliveira, pela sua trajetória artística, sua personalidade, e pela sua representatividade para a cultura popular do Estado do Pará. Iracema possui uma história de vida intimamente ligada à arte e a cultura popular: rádio, televisão, teatro moderno, cinema; teatro popular de Pássaros e Pastorinhas, além de movimentos da cultura popular como as quadrilhas juninas foram vivenciados por Iracema em alguma etapa de sua vida. Iracema é testemunha viva de todos esses acontecimentos, seria, portanto uma excelente guia para me revelar www.revistapzz.com 39


TEATRO PARAENSE este passado. Reconhecia em sua trajetória uma ponte para o encontro com a história cultural do estado do Pará, além do fato de ela estar até os dias atuais em plena atividade, unindo passado e presente cultural. Fui até ela pedir autorização para a pesquisa, ela, com seu bom humor característico, disse-me: “Chique né, imagina... Má rapaz ,não tem problema...nós tamo ai né mana (...) Bora fazer essa porra ai!. Iracema abriu as portas de sua casa e de seu coração. Durante a pesquisa de campo, tivemos muitos encontros, num deles aconteceu um fato determinante, o qual agora vou lhes contar: Na primeira vez que visitei a casa de Iracema, ela me presenteou com pequena planta de seu quintal, arrancou um galho e me deu para que eu plantasse; e afirmou várias vezes: “...É boa porque pega de galho...pega fácil...pega de galho”. Mais adiante percebi que esse gesto dela passaria a ter um significado ampliado. O galho foi plantado em meu quintal e de maneira metafórica em minha pesquisa e minha vida. Cuidar, regar, observar essa planta, pensar como ela pegou de galho, se espalhou e continua viva fica sendo o motivo dessa empreitada. Este texto, então, estrutura-se como esta planta, que foi crescendo e se desenvolvendo, e que continua viva, em movimento, como a arte teatral.

AO ENCONTRO DE IRACEMA NUM CAMPO FLORIDO Pesquisa de campo, com Iracema Oliveira, é coisa deliciosa de se fazer. Iracema me deixava à vontade, ao mesmo tempo em que com habilidade na narrativa ia me dando informações preciosas. Preferi proceder de maneira informal, tentando não interferir nem atrapalhar os andamentos dos afazeres dela. As entrevistas foram coletadas de forma ativa, ou seja, eu acompanhava suas atividades, muitas vezes solicitando a ela que me desse algo em que eu pudesse ajudar, como, por exemplo, bordar algum figurino. Porém, durante os ensaios eu apenas observava, não interferia com nenhuma opinião ou sugestão. Fotografava, filmava, e registrava o áudio. Meu gravador mp3 muitas vezes foi pendurado (como um colar) no pescoço de Iracema e o ensaio acontecia com o áudio na íntegra sendo capturado. 40 www.revistapzz.com

Desta vivência na pesquisa de campo, pude observar e assinalar dois pontos característicos, que posteriormente foram levados para o corpo do espetáculo: os procedimentos de Iracema, ou seja, o que ela faz, e a narrativa de Iracema, o que ela conta. Os procedimentos artísticos de Iracema, o seu modo de fazer e sua poética de criação ofereciam pistas que abriam possibilidades cênicas, ou seja, havia a possibilidade de eu me apropriar de tais procedimentos e transformá-los em matrizes para criação de cenas ou de elementos do espetáculo. O caso em questão refere-se a um proce-

“A intenção do artista é pôr obras no mundo. Ele é, nesta perspectiva, portador da necessidade de conhecer algo, que não deixa de ser conhecimento de si mesmo, (...) cujo alcance está na consonância do coração com o intelecto”. dimento que Iracema realiza em relação aos figurinos dos personagens dos Pássaros Juninos. Os figurinos contêm bordados em paetês e lantejoulas. E é característico dos Pássaros Juninos a alta rotatividade de figurinos, pois os personagens, durante uma apresentação, trocam de roupa muitas vezes. Também anualmente, os figurinos não se repetem, pois a roupa é um dos elementos surpresa e ícone de beleza e qualidade dos Pássaros. Então, Iracema procede da seguinte forma: ao invés de bordar diretamente na roupa, e desta forma criar um figurino único, que não poderá ser mudado, ela faz os bordados em tecidos separadamente, e depois os aplica nas roupas; desta forma, terminada a quadra, o bordado de uma roupa poderá ser reaproveitado e reconfigurado no ano seguinte, em outra peça de vestuário. Vou citar um trecho de meu relatório de pesquisa, onde eu falo e considero sobre esta possibilidade de metáfora. Estivemos na casa dela (de Iracema)

no dia 06/04/2008 em que ela e Dona Darcy, sua colaboradora fiel no pássaro junino estavam planejando os figurinos do pássaro para este ano, uma informação preciosa que consegui neste dia e que acredito posso usar como metáfora na dramaturgia é o fato de que os figurinos são fragmentados e reconstruídos a cada ano, ou seja, os bordados são tirados de roupas e aplicados em outras gerando novas configurações e novas


Iracema Oliveira nasce em 21 de março de 1937. Aos sete anos de idade estreia na cena, vivendo o personagem Anjo Gabriel, no ano seguinte, levada pelo seu pai, o artista popular Francisco Avelino de Oliveira, ingressa no Pássaro Junino Cigarra Pintada, como o personagem Porta-Pássaro.

combinações de vestuários para os personagens do pássaro. Essa imagem para mim é bastante significativa da artista que reinventa-se a cada ano, e, em minha concepção ela servirá de metáfora para significar um quebra cabeça de acontecimentos e sensações que montarei no espetáculo, aos olhos do espectador. Esta característica foi incorporada pela encenação, materializada no elemento cenário. O Cenário é moldado criando várias

reconfigurações que vão simbolizando etapas e ações da vida de Iracema.

UM CAMPO CENÁRIO VOADOR “Um imenso tecido que cobre tudo”. Essa foi a descrição da concepção do cenário que ouvi de Aníbal Pacha . Enquanto me explicava sua ideia com palavras, seu corpo falante e seus olhos brilhantes já tratawww.revistapzz.com 41


TEATRO PARAENSE vam e me convencer, e dizia: “Eu sei que é algo que vai interferir no teu trabalho de atriz, modificar o teu corpo”. Dava um certo medo, Aníbal colocara um elemento que estaria entre meu corpo e o chão. Poderia ser liso, escorregar, havia riscos... Mas não pisar no chão é condição imprescindível pra se voar... Era um novo campo... Era o meu campo, pronto pra ser cultivado. Ele teria de ser para mim um ninho para a criação. Seria também um elemento a ser investigado, a ser moldado, em diferentes configurações, para gerar imagens, sugerir, participar e interagir na cena. Para confeccionar o cenário, chamei Mestre Nato; sua obra plástica com a arte da costura dialoga com a cultura popular e por este motivo achei que ele seria a melhor pessoa para criar esse cenário, aliás, toda a equipe do trabalho comungava desta opinião. O prazer com que Mestre Nato realizou esta construção contaminava a todos, era lindo vê-lo trabalhar. Iniciamos trabalhando com um tecido-dublê (era um tecido que tínhamos à mão e que tinha, em média, o mesmo tamanho do que pretendíamos usar) Resolvemos usá-lo provisoriamente para fazer experimentações antes de comprar o material para construção do definitivo. Toda a equipe experimentou formas de manipular o cenário, e juntos fomos descobrindo as suas possibilidades. O tecido ganhou a aplicação de uma franja, e ficou parecendo um grande tapete, então, acabou ganhando da equipe o apelido carinhoso de Tapete-Mágico (que por sinal, também voa!). Nosso Tapete-Mágico foi ganhando outras aplicações em tecidos e bordados, as quais são reveladas as funções conforme o andamento da encenação. Ao manipular o cenário ele vai dando movimentação ao espetáculo, pois é um elemento surpresa: transforma-se em adereços, transforma-se em figurinos, vai cena à cena se revelando. Além disso esse cenário tornou-se um suporte para os relicários de memórias culturais que a platéia é convidada a escrever na última cena do espetáculo. Este tapete-cenário ao se configurar e reconfigurar ganhou a característica que havia observado na pesquisa de campo, sobre a configuração e reconfiguração dos bordados, o poder de recriação e 42 www.revistapzz.com

reinvenção dos Pássaros Juninos. Outras ações de Iracema percebidas durante a pesquisa de campo foram incorporadas no espetáculo, estas estão descritas no ensaio completo.

IRACEMA CONVERSA COM AS FLORES Outro ponto marcante e significativo da pesquisa de campo era material em áudio coletado nas gravações das entrevistas ativas. Iracema é uma pessoa com facilidade e fluxo de expressão. Nas entrevistas ela conta, explica, ensina, revela seu jeito de falar e de ser. Fala com propriedade de sua história e dos seus, aos quais ela representa, então, estas narrativas já despontavam como importante material para a confecção do espetáculo.(...) a narrativa dela foi uma das primordiais matérias da pesquisa e do espetáculo. “Iracema Voa” é obra fronteiriça entre arte e vida, não é um espetáculo de ficção. Havia minha preocupação quanto à abordagem e tratamento do objeto real, meu interesse em criar algo que dialogasse com a história, além da consciência ética para com os conteúdos a mim confiados. Iracema me confiou sua narrativa de vida e experiência, na forma a qual sua memória privilegiou: pontos marcantes, de significado para ela e para os seus. Qual a forma predominante de memória de um dado indivíduo? O único modo correto de sabê-lo é levar o sujeito a fazer sua autobiografia. A narração da própria vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de lembrar.” (Ecléa Bosi) Da pesquisa de campo tínhamos nove horas, cinqüenta e cinco minutos e cinco segundos de áudio em entrevistas, mais sete horas em fitas de vídeo, incluindo as apresentações de seu pássaro nas mostras oficiais que acontecem em Belém do Pará. Em meados de junho de 2008, comecei a transcrever o material coletado em áudio. A opção de eu mesma realizar as transcrições foi uma estratégia, desta forma iria ouvir muitas vezes as falas de Iracema, e acreditava que isso poderia me ajudar no raciocínio: quanto mais íntima eu estivesse da matéria-prima da obra, mais seria fácil manipulá-la para a concepção, e eu estava correta nessa suposição. Embora fosse muito difícil achar símbolos gráficos para passar para o pa-


pel a forma como Iracema me narrou, com as inflexões, as pausas, a maneira dela de falar, eu conhecia essa forma, de cór e salteado, de tanto que os ouvi ao realizar as transcrições. Foi uma fase trabalhosa, porém deliciosamente rica, pois, o trabalho, quase “braçal” de transcrever não me exigia um raciocínio de montagem ainda, ou seja, eu não estava preocupada em compor cenas, nem encadeá-las num roteiro, eu apenas ouvia as entrevistas de Iracema somente com a preocupação de copiá-las

“A intenção do artista é pôr obras no mundo. Ele é, nesta perspectiva, portador da necessidade de conhecer algo, que não deixa de ser conhecimento de si mesmo, (...) cujo alcance está na consonância do coração com o intelecto”. para o papel. Exatamente por eu não estar ainda me cobrando a responsabilidade de criar cenas, o exercício da transcrição me florescia possibilidades; eu podia ter ideias e deixá-las ecoar livremente. Além do quê, ouvir a voz da entrevistada muitas vezes foi importante para o meu trabalho de atriz: pude perceber o timbre da voz de Iracema, o tom e sua maneira de falar. No início do mês de agosto de 2008, era chegada a hora de ir para a cena: experimentar, testar. Tínhamos o material bruto em mãos e esta fase indicava o momento de partir para a ação criadora. Agora, era ir à cena compor o espetáculo! Minha prática dramatúrgica é intimamente ligada com o processo de encenação, motivo pelo qual comumente eu realizo as duas tarefas. Não consigo sentar e escrever um texto e só depois encenar. Meu processo de escrita é um caminho de duas mãos, vou e volto da cena para o texto e do texto para a cena, muitas vezes. E foi isto que fiz quando achei que tinha em mãos, material suficiente para compor o espetáculo. Os textos transcritos me serviram como

um pré-texto bruto, ao qual eu poderia usar como uma massa, moldando a narrativa, porém, sempre atenta para não perder a essência do discurso, nem a espontaneidade da entrevistada. Também usei de outro recurso que foi separar as transcrições por blocos de assuntos, embora eu mantivesse a cópia original na íntegra para consultas. Outra fonte de consulta foi um mapa cronológico que criei, que me localizava a ordem que os fatos foram acontecendo na vida de Iracema e a relação temporal deles com o contexto histórico geral. Então, comecei a selecionar temáticas que achava importante estarem no espetáculo e a trabalhar dramaturgicamente. Fiz um arquivo no computador que chamei de texto em processo , lá elenquei temas possíveis para cenas. Colocava os blocos de depoimentos que falavam sobre determinado assunto e ia trabalhando ideias para as cenas, editando os textos, sem portando perder ou mudar o sentido que ela havia dado na entrevista. Devagar eu ia editando os textos das entrevistas transcritas, tirando excessos, recortando e colando falas que tivessem sintonia no discurso, assim como um editor de cinema faz numa ilha de edição . Com zelo e cuidado, o meu texto (meu depoimento, minha opinião, minha história) foi entrando, quando se fazia necessário.

TODO CORPO É TESTEMUNHA A minha fala entra ao lado da de Iracema quando comunica, interage, dialoga, depõe. A minha fala ficou sendo um fio condutor e um elo da história, a minha fala é narrativa do encontro, revelando não somente o que acontecia quando eu estava com ela, mas também os ecos que esse encontro foi causando em mim. Quando abro o espetáculo, deixo claro ao espectador que ele viverá um encontro comigo, em nenhum momento eles verão uma representação de um personagem. Estou ali, como pessoa, é a Ester em performance. Desta forma, explico ao espectador que lhes colocarei o meu olhar sobre a vida e a obra de Iracema Oliveira, e que cada um receberá e lerá o meu olhar através do seu. É importante frisar aqui a diferença da representação de uma peça teatral, nos moldes clássicos, de um trabalho perforwww.revistapzz.com 43


TEATRO PARAENSE

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Em 1954, com apenas 16 anos, Iracema estreia como rádioatriz , trilhando uma carreira sólida na era do rádio, onde participou de rádionovelas , programas humorísticos, e também de programas musicais, como cantora. Até hoje Iracema trabalha como radialista, em parceria com Santino Soares. Iracema participou como atriz de diversas peças de teatro apresentadas em Belém e no interior do Estado do Pará, sob a direção de Cláudio Barradas , dentre outros diretores. Também participou do filme “Brutos Inocentes”, do cineasta Líbero Luxardo , na década de 70. Na década de 80 assumiu a função de guardiã do Pássaro Junino Tucano, a qual executa até os dias atuais, levando anualmente à quadra junina sua apresentação. Também na quadra natalina, Iracema mantém viva a tradição das Pastorinhas com seu grupo “Filhas de Sion”.

mático no teatro. Nos moldes clássicos o ator representa um papel, vive um personagem, é outro. Na linguagem da performance o artista está em performance, defendendo uma idéia, uma concepção pessoal sobre a vida. Embora o ato teatral, em ambos os casos, nos traga sempre um ator “vivo” em relação com o espectador, na linguagem da performance é onde vamos ter com mais proximidade esse cruzamento de arte e vida. O artista em performance defende seu argumento de forma poética.: “Em performance a figura do artista é o instrumento da arte. É a própria arte.” (BATTCOCK apud COHEN, 2007, p.16) E é desta forma que pensamos o trabalho desenvolvido em Iracema voa. Sou eu, a atriz Ester, em encontro com a plateia, narrando sobre meu encontro com Iracema Oliveira. Quem está à frente do espectador é o ser humano que se propôs a estetizar a vida de outro e por esse motivo vira personagem da trama teatral. Quem conta esta história e a mesma pessoa que a buscou, encontrou e trilhou o caminho de sua produção. O depoimento sobre esse trajeto também estruturou o espetáculo, também é um pilar da encenação. Ao contar participo da trama, a fala do espetáculo também é a minha fala. Entrelaço minha história com a pesquisa e faço do meu depoimento um texto espetacular.

A VOAR SOBRE AS FLORES O espetáculo foi uma experiência de concepção com a vida, que é mutável e em constante fluxo e proliferação. Esse ato de multiplicação que existe num espetáculo teatral acontece quando quem assiste é tocado de alguma forma pela experiência artística: sai da sala de espetáculo diferente de quando entrou, leva para sua vida algo do que foi vivenciado ali. Esse toque imaterial do encontro humano é o que temos vivenciado desde a pré-estreia do espetáculo. A forma como as pessoas o têm recebido nos trás muita alegria: as pessoas se emocionam, lembram de suas histórias, sentem-se parte do espetáculo. As histórias nele contadas transcendem a individualidade de Iracema, passam a ser do coletivo emocional que se estabelece a cada sessão. O espetáculo é afetivo, e aciona a afetividade das pessoas. Tocamos e somos tocados pela plateia. Algo que nos deixa muito feliz é o fato de

Iracema e sua família terem reconhecido no espetáculo uma homenagem. Acredito que, para Iracema, ver sua vida representada e reconhecida é uma renovação de suas escolhas. Ela gosta de se ver refletida no espetáculo, e sempre vai assistir suas apresentações, fazendo questão de levar parentes e amigos. Essa qualidade de relação humana que se estabelece nos deixa felizes. Toda a equipe: Eu, André Mardock, Sônia Lopes, Baety Magalhães,

A minha fala entra ao lado da de Iracema quando comunica, interage, dialoga, depõe, ficou sendo um fio condutor e um elo da história, a minha fala é narrativa do encontro, revelando não somente o que acontecia quando eu estava com ela, mas também os ecos que esse encontro foi causando em mim. que estamos presentes a cada apresentação, e outros artistas colaboradores Mestre Nato, Aníbal Pacha, Renato Torres, Karine Jansen dentre outros que direta ou indiretamente fazem parte desse trabalho, nos sentimos cumprindo nossas missões de artistas.

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CINEMA PARAENSE

MISTICISMO E ROMANCE EM COLARES 46 www.revistapzz.com


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CINEMA PARAENSE

“T

ambatajá de Marrí”, filme do diretor Rudá Miranda, que estreou no último dia 7, no Cine Olympia, traz uma história ousada e foi rodado em dezembro do ano passado na ilha de Colares, situada na região do nordeste do Estado do Pará, município famoso por sua beleza, mas principalmente por ter sido um local visitado por seres extra terrestres no final dos anos 1970, de acordo com registros da Operação Prato, realizada pela aeronáutica brasileira, na época. O tema já foi abordado no cinema, no documentário “Chupa Chupa, a história que veio do céu”, um projeto Doc TV. No entanto, o filme de Rudá, que tem cenas ainda em Belém no Rio de Janeiro, feitas em janeiro deste ano, não foca este aspecto, embora a atmosfera mística do lugar esteja em seu contexto, mas sob outras perspectivas. Também não faz uma ligação direta à lenda do Tambatajá, imortalizada na canção de Waldemar Henrique, como o nome Tambatajá de Marrí pode sugerir. “Eu sempre quis usar o universo de Colares como o pano de fundo ou mesmo como tema central de um filme, inclusive eu planejo fazer outros trabalhos relacionados a ilha. Já a lenda do Tambatajá só tem a ver por se tratar também de uma história de amor”, diz o diretor. O roteiro, do próprio Rudá, traz doses de misticismos que nos levarão ao romance que surgirá entre um carioca, que chega a Amazônia em busca de renovação e, após fazer um tratamento espiritual, acaba encontrando um pescador da região, por quem se apaixona. A ideia do filme foi baseada em fatos reais. “Quando eu era criança, na ilha de Colares, existia um amigo da minha mãe que se intitulava assim ‘Tambatajá de Marri’, nome que ele mesmo havia dado para si. O filme baseia-se numa história real, vivida por ele. Eu acho que o ‘de Marrí’ foi uma invenção dele para que o seu apelido adquirisse uma conotação “chic’ ou “chique”, pois eu já pesquisei essa palavra ‘marrí’ e nunca encontrei nada. Acho que a intenção era de criar um lugar hipotético, que remetesse à França, elevando o status do apelido”, reflete Rudá. No elenco principal estão os atores Luiz de Lemos e Milton Aires, que fazem os personagens centrais da trama, e ainda Élida Braz, André Lobato e Renato Tor-

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res. Não se trata de um curta, o filme tem mais de 40 minutos, inspirados em histórias da própria ilha. A direção de fotografia é de Erik Boccio e a produção executiva, de Tereza Miranda. CENAS FEITAS NAS BELAS PRAIAS DE COLARES ................................................... “Há também atores encontrados em Colares (inexperientes) e outros escolhidos através de audições com estudantes de teatro da UFPA. No elenco temos uns 15 atores com participação significativa, com falas, e tivemos também muitos figurantes, a maioria encontrados ali mesmo na ilha de Colares”, explica. Rudá Miranda é paraense, filho da produtora cultural Tereza Miranda, conhecida como Tereza de Colares a quem o filme é dedicado, e irmão de duas outras artistas, a cantora Andrea Pinheiro e a atriz clown e professora de teatro Patrícia Pinheiro, do Grupo Os Palhaços Trova-

dores. Ele teria nascido em Colares, em 1977, não tivesse ocorrido o pânico causado pelas tais aparições dos discos voadores na ilha, levando muitos moradores irem embora, de lá. “Nasci na época do Chupa Chupa - ou discos voadores - que assombravam a ilha. Minha mãe, receosa, me veio “ter” em Belém, mas logo depois voltou para a ilha. Eu cresci aqui no Pará”, diz Ricardo Miranda (nome original) que, aos 16 anos foi morar no Rio de Janeiro e com 21 partiu para os Estados unidos para trabalhar como acrobata num circo americano. “Nesse Circo, o Ringling Brothers, eu trabalhei numa turnê de quase três anos e viajei o país inteiro”, conta. Encerrada a circulação circense, Ricardo Miranda (seu nome de batismo) resolveu ficar nos EUA para estudar cinema, um sonho que tinha desde a infância. “Trabalho com cinema desde 2007, mas de forma esporádica. Tenho experiência em várias funções, como assistência de produção e edição; Já dirigi um longa filmado em Los Angeles, que estou editando


ANTONIO LEMOS A elegancia do Intendente, na época, era motivação suficiente para multiplicar várias editorias de jornais comparando o Senador aos nobres tiranos da Europa.

agora e outros vários curtas, inclusive dois filmados em película. Fiz videoclipes e comerciais, mas o que me interessa realmente é o sonho de fazer um cinema autoral”, continua. GRAVAÇÕES DENTRO DA FLORESTA ................................................... Nunca uma produção de cinema é simples e filmar na Amazônia prescinde de uma boa logística, no entanto, até mesmo pela relação de Rudá com a ilha, acabou ajudando para que tudo ocorresse com mais tranquilidade, bem diferente do que ele vem experimentando em trabalhos feitos nos Estados Unidos. “Foi um lugar fácil para filmar. Em Los Angeles e qualquer local dos USA uma produção precisa de inúmeras autorizações. A indústria do cinema nos USA, principalmente na Califórnia nos impõe uma série de limitações que só serão superadas com dinheiro.

Lá, precisamos de dinheiro pra tudo. É também um processo burocrático. Aqui nos filamos na maior tranquilidade. Utilizamo-nos de luz natural para 95% das cenas, cenários naturais e figurantes da própria Colares. Foi tudo muito divertido; muito diferente do processo convencional de um “set” de filmagem. Filmar na Amazônia, nestas condições, nos proporcionou certa espontaneidade criativa que acabou por contribuir para a estética e filosofia de produção do filme”, revela. A ilha de Colares por si só já nos traz o fator inusitado. Rudá diz que muitas coisas “interessantes” aconteceram durante as filmagens e destaca dois momentos. “Aconteceram muitas coisas maravilhosas, como a cena que simulamos uma partida de futebol onde o personagem Ossanha tenta provar que mesmo sendo homossexual “também” tem a sua masculinidade. Filmamos de um modo altamente espontâneo e criativo... na realidade filmamos uma verdadeira partida de futebol, pra valer, com os atores no meio, até eu joguei ... (risos). Outra cena curiosa foi uma cena que interpretamos uns rituais performáticos que ocorriam no sítio da minha mãe em Colares. Iluminamos a cena com luzes de fogueira (já que não existe luz elétrica no meio da floresta). A cena foi um verdadeiro ritual por si só...” Depois de toda esta jornada, tudo levou pouco mais de um ano entre a produção e a estreia do filme, a única coisa que Rudá quer é mostrar o resultado para um público amplo “Pretendo exibi-lo o máximo possível. Depois que um filme fica pronto a gente quer mostrá-lo e é essa a intenção. O tamanho do filme, a sua duração (44min), porém, é muito peculiar, isso dificulta qualquer intenção de comercializá-lo”, diz. E enquanto o Tambatajá de Marrí circula Rudá tenta viabilizar outras possibilidades de trabalho com audiovisual por aqui. “Conheci pessoas aqui que estão muito a

fim de fazer cinema e isso é ótimo. Tenho outros projetos para a Amazônia e para Colares, mas eles ainda são incipientes e esperam que ocorram logo. E se eles rolarem com certeza irei trabalhar com algumas pessoas que estiveram no set de filmagem de Tambatajá de Marrí”, antecipa o diretor. O filme teve um baixíssimo orçamento de pouco mais de 20 mil reais e contou com uma equipe que já trabalhos importantes no circuito audiovisual paraense, além de outros profissionais convidados por Rudá. A produção teve apoio da Sol Informática, da Fundação Tancredo Neves, RSCA Funds to Research. “E também de outros investidores como Robério Oliveira, Gabriel Chaves, Ricardão (o seu Hippie) e Conan Transportes Fluviais”, finaliza Rudá.

FICHA TÉCNICA Rudá Miranda Diretor, roteirista, produtor e editor

Tereza Miranda

produtora executiva

Erik Boccio

Cinematógrafo

Cezar Moraes Primeiro assistente de câmera

Lucas Escócio

Assistente de direção

Micahel Pateras

Segundo assistente de câmera

Eliana Pires

Segunda assistente de direção

Marluce Jares Figurino

Michelini Penafort Maquiagem

Aldo Cardoso Eletricista

Letícia Cardoso Coordenadora de produção (e atriz)

Beto Pêgo

Fotógrafo das cenas no rio de Janeiro

Jaqueline Gaia

Assistente de Produção

Betinho de Colares

Assistente de Produção

Leo Chermont Som Direto

Shaun Burdick Desenho de Som

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DOCUMENTÁRIO

Maria de Nazaré Sarges

ANTONIO LEMOS:

A CONSTRUÇÃO DO MITO O

trabalho de um historiador é uma empresa difícil, sobretudo quando ele incursiona pela biografia. Para escapar das armadilhas ao revisitar um mito é que fui obrigada a olhar para trás, acompanhar a trajetória pública do personagem Antonio José de Lemos e deixar que os interlocutores descobrissem as evidências de um tempo histórico infinito, lacunar e multifacetado. A relembrança é uma reconstrução orientada pela vida atual, pelo lugar social e pelas necessidades do presente e, neste momento, relampejam insistentemente a história e as memórias de uma cidade que caminha em direção aos seus 400 anos. Reunidos aqui, rememorando a figura do Intendente Antonio Lemos, especialmente no dia de seu aniversário de nascimento (lá se vão 170 anos) e no ano do centenário de sua morte, parece um ajuste de contas depois de um século de história da

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república paraense. Trata-se de um ajuste de contas com o tempo e para com o indivíduo que se reencontrou com a vida, no dizer do emocionante discurso proferido pelo escritor paraense Corrêa Pinto, diante do túmulo

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. do Intendente na cidade do Rio de Janeiro, por ocasião do traslado dos restos mortais para a cidade de Belém, no dia 15 de dezembro de 1973: “Com a vida que foi madrasta, nos últimos dias da tua existência, e que agora te é maternal, no reconhecimento

de teus méritos, na glorificação de teus feitos, na reabilitação de teu nome”. Não esquecera o escritor de quanto este indivíduo foi maltratado em vida, lembrando que “a multidão que o levou ao triunfo, o levou igualmente ao opróbrio [...] esse povo que o cobriu de ultrajes [...] acabou por enxotá-lo como um réprobo”. Na cerimônia fúnebre, o escritor assumira o papel de redentor de uma memória que ao longo das décadas fora relembrada apenas como uma alma penada que assombrava as noites escuras de Belém. Havia chegado o momento da cidade se preparar para o erguimento de um panteão em sua memória: Antonio Lemos deixaria de ser “a criatura funesta, como chamavam os seus inimigos”, para ficar eternizado como o administrador da cidade que a memória teima em não esquecer. De certa forma, a morte recupera o seu caráter público, condição que ela teve na Idade Média


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DOCUMENTÁRIO e, neste caso, a relembrança do morto também tinha este sentido. Todas as honras militares lhe foram prestadas. As bandeiras do Maranhão, do Pará e de Belém cobriam a urna exposta no saguão do aeroporto militar, guardada solenemente pelos soldados da Aeronáutica. Uma multidão que se misturava com as representações religiosas, civis, militares, de sindicatos e de colégios aguardava o cortejo que se realizaria no dia 17 de dezembro. Todos estavam curiosos, afinal quem era aquele homem que todos conheciam pelo “ouvi contar”? A vinda honrosa dos restos mortais do Intendente para Belém faz-nos lembrar do que teria registrado Humberto de Campos em relação ao espírito vaidoso de Lemos. O traço curioso, segundo Campos, é que o político temia que a sua memória fosse enterrada com o seu corpo. Disfarçava esse temor dizendo: “Eu não dispenso as homenagens a que tenho direito no dia da minha morte. Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. As honras, as homenagens, o barulho se concretizaram, não na ocasião pensada pelo político, mas naquele dia de dezembro de 1973, quando retornaram à cidade os restos mortais envolvidos na forma triunfal de sua memória. No dia seguinte, o jornal A Província do Pará transcreveu o depoimento de um morador da cidade que, aos 80 anos, teria dito: Eu o conheci pessoalmente e assisti queimarem “A Província” e a casa dele. Não foi o povo que expulsou o senador Antonio Lemos de Belém. Foi uma meia dúzia. O povo mesmo o amava e continua amando, como a gente pode ver [...]. O depoimento, as lembranças, o ritual de glorificação do ilustre morto se espalhará pela cidade e repousará no palácio e, naquela lápide ficará marcado o triunfo de uma memória que lançará fachos de luz sempre que a cidade for ameaçada em sua história. E, são nesses fachos de luz que buscarei a figura do Intendente Lemos para trazê-la à cena, mais uma vez, neste dezembro do ano de 2013. 52 www.revistapzz.com

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No ano de 1904, auge da administração lemista, o jornalista Carlos Fernandes torna pública uma biografia do Intendente, em que a figura do homem no seu gestual, no seu modo de vestir, nas tarefas cotidianas, constitui-se em elementos de composição de uma personagem trabalhadora, refinada e exigente: São três horas da madrugada, Antônio Lemos vai principiar a sua faina. Assenta-se à mesa de trabalho, diante da vela acesa e começa a leitura da correspondência da época [...] quando termina essa tarefa exaustiva, já reluz por trás das venezianas um pálido e esquivo raio de sol [...] segue-se o arranjo simples e distinto de sua toilette. Colarinho decotado, um laço preto, horizontal, preso ao botão por um elástico, às vezes à moda do Príncipe de Gales, alindado com um alfinete de pérola ou diamante. Calça de casimira de cor e sobrecasaca negra, em cuja boutonniére há sempre uma flor colhida de fresco. Botinas de pelica também negras, bem polidas, com a sola sempre limpa e o tacão sempre perfeito [...] Agora é somente por a cartola bem anediada e tomar uma de suas artísticas bengalas, saltar para a sua elegante e lustrosa vitória e trotar pelo distrito e ver e examinar o estado das obras municipais, a conservação dos jardins, o asseio das sarjetas, o calçamento das ruas, a segurança da higiene e todo esse mundo de coisas, que fornecem o assunto do Detalhe da Intendência. Nesse tom de embevecimento pela figura do Intendente, Carlos Fernandes vai construindo a imagem do homem elegante e distinto. Mesmo que registrasse que o seu vestuário fosse simples, não deixou de construir a imagem do homem público de vestes finas e elegantes, afinal botina de pelica, cartola, sobrecasaca e alfinete de pérola ou diamante são apenas alguns símbolos que tornaram Antonio Lemos a marca da distinção e da elegância. O trajar de Lemos destacado por Fernandes, no entanto, será ridicularizado por outro biógrafo, Valente de Andrade, que considerava o vestuário do Intendente uma postura exibicionista numa cidade de calor escaldante, coisa própria de quem “se

sentia bonito, elegante, rico, querido e popular”, como registrou em relação ao oligarca. Contudo, devemos considerar que, no caso de Lemos, que não pertencia a nenhuma família da aristocracia local, era natural que assim se comportasse diante do círculo fechado da alta sociedade paraense. São sinais exteriores necessários a uma sociedade, a qual, por meio das roupas, marcava o seu lugar e mantinha o poder de controlar a ascensão social e política do indivíduo, como observou a historiadora Gilda de Mello e Souza. É importante observar que apenas “um detalhe” – a roupa – foi apropriado pelos biógrafos para dar significados diferentes, o que nos permite afirmar que tanto para Fernandes como

“não é fácil a tarefa de contar uma vida, seja com luz ou papel, realidade ou imaginação”. para Andrade o vestuário não passou despercebido da composição da figura pública do Intendente, visto que são meios apropriados pelo indivíduo para imprimir admiração, respeito e, sobretudo, autoridade considerando o cargo ocupado por Antonio Lemos. Mas este homem vaidoso era cheio de virtudes no dizer de Fernandes. Pai de família exemplar dedicava à esposa e aos filhos um amor incondicional, condição necessária aos homens daquele tempo, afinal o respeito e a honradez estavam intrinsecamente ligadas à devoção ao lar. Valente de Andrade desmistifica, no entanto, a áurea de “bom esposo” quando relata a paixão que o “velho” Intendente devotou a uma jovem professora do interior, ao ponto de pedir a membros da Igreja que desaparecessem com o registro de casamento religioso, o que, na certa, não foi atendido, provocando-lhe um ataque de fúria e de desafio à sociedade, ao exclamar que “no civil eu caso quantas vezes quiser”, segundo os relatos do biógrafo. Essa fama de conquistador de Lemos corria a cidade, como bem enfatizou

Dalcídio Jurandir em sua obra Belém do Grão-Pará, ao colocar uma fala do personagem Virgílio que, “vendo Inácia (sua esposa) no auge do fervor lemista, temeu pela fidelidade da mulher, pelo menos por sua reputação”, o que decerto é considerado por Humberto de Campos mais uma das maledicências criadas pelos inimigos políticos. Era um devoto, tanto que, apesar de ser maçon, recebeu das mãos da Ordem Romana o título de Grão Cavaleiro da Ordo Romanus Princeps Patronorum a Sancto Petro, concedido pelo papa Leão XIII. Valente de Andrade, Ricardo Borges e Carlos Rocque viram com desconfiança esse ato, por considerarem Lemos capaz das mais insuspeitas artimanhas para consolidar a sua autoridade e poder no cenário político paraense. O Intendente era considerado “a encarnação de um czar-mirim, um sátrapa de sobrecasaca e cartola, um sultão fardado de coronel da Guarda Nacional”, segundo Valente de Andrade. Para a Folha do Norte não passava de um “florido Cavour indígena”. Vejam quantas metáforas nessas representações: o sátrapa e o Cavour italiano simbolizam o tiranismo, o expansionismo e a dominação. De minha parte, também fico a me perguntar: como um indivíduo que muito antes de ser Intendente de Belém havia se envolvido numa querela com o padre Mâncio acerca dos jogos de loteria poderia receber uma honraria tão importante? Lemos os considerava imorais, enquanto o padre os defendia por motivos humanitários, afinal o dinheiro serviria para libertar os escravos, promover obras pias e ajudar a instrução pública. O Intendente se envolveu ainda em outra briga com o dito padre em torno de um projeto de construção de um teatro no Largo das Mercês, defendido por membros do Partido Liberal. Tal projeto colocaria abaixo a Igreja e parte do convento dos mercedários. E, por último, houve a famosa briga com o clero por não concordar com a anulação do seu casamento religioso. São apenas reflexões que nos convidam ao debate, afinal, como diria o historiador Benito Schmidt: “não é www.revistapzz.com 53


DOCUMENTÁRIO ANTONIO LEMOS A elegancia do Intendente, na época, era motivação suficiente para multiplicar várias editorias de jornais comparando o Senador aos nobres tiranos da Europa.

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DOCUMENTÁRIO IMPOSTOS Populares e comerciante, no comércio de Belém, indignados com a cobranças de impostos municipais e contra a oligarquia dos Lemos, segundo os jornais da época. A fotografia mostra a manifestação, que era comandada pelos políticos Justiniano de Serpa e Lyra Castro, da bancada do governador João Coelho, no Largo de Nazaré.

fácil a tarefa de contar uma vida, seja com luz ou papel, realidade ou imaginação”. Cada relato traz a marca do indivíduo, então continuemos a capturar as impressões de homens que viveram a contemporaneidade de Lemos e daqueles que foram recolher em tempos vividos os fragmentos das memórias lemistas. Entre 1915 e 1919, Humberto de Campos, jornalista que havia trabalhado na A Província do Pará, escreveu um livro intitulado Carvalhos e Roseiras, enfocando as mais ilustres personalidades brasileiras e, dentre elas, obviamente, estava a figura de Antonio Lemos. O escritor reconhecia que tudo o que haviam escrito sobre Lemos era com desmesurada paixão: ou o amavam ou o odiavam, e aqueles que lhes teciam os maiores louvores, geralmente, eram pessoas que o haviam servido servilmente. Por essa razão estava escrevendo após a morte do Intendente. Distanciando-se do indivíduo e do tempo, propôs-se a descrever a vida pública daquele “cuja corte era proporcionalmente, a corte de um prín56 www.revistapzz.com

cipe italiano da Renascença”. O texto de Campos é mesclado de alegorias. Figuras da antiguidade e da renascença italiana são apropriadas para retratar o indivíduo e o político biografado. Considera o Intendente a reencarnação de um Lourenço de Médici, visto que “como um homem sem uma cultura refinada poderia ter um espírito acabadamente aristocrático, prezando o luxo, amando a magnifi-

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. cência, apreciando as artes, protegendo as letras em uma sociedade burguesa e mercantilizada, sem o auxílio de uma cultura que lhe sugerisse tais sentimentos?”. Somente uma explicação considerava plausível, a crença na metempsicose. Como “os homens se repetem nos homens, não seria difícil ver em Antonio Lemos a inoportuna

repetição de um Médici ou do Rei Sol, desvalorizada, apenas, no homem e na obra, pelo evidente prosaísmo da época e pela triste vulgaridade do cenário”, enfatizava o escritor. Antonio Lemos seria a concepção da majestade e da beleza, pena que o cenário fosse uma pequena cidade na longínqua Amazônia, o que nos leva a afirmar que o literato valorizava padrões europeus de civilização. Preocupou-se o escritor em detalhar as festas promovidas pelo Intendente consideradas elegantes e civilizadas. Até mesmo uma simples regata na baía do Guajará mostrava soberba e magnificência desse. Eram regatas dignas das dos Doges de Veneza, no dizer de um memorialista. O que dizer então do carnaval? Mesmo sendo uma festa popular, a Intendência derramava conto de réis, como aconteceu em uma em que foram construídos camarotes para a elite e arquibancadas para o povo. Enfatizava que até mesmo Calígula construindo uma Via Ápia sobre as ondas e César construindo uma suntuosa residência não escandalizavam tanto a sociedade romana como Antonio


Lemos com os seus gastos nababescos na promoção de festas. Murilo Menezes relembra a suntuosidade das festas de carnaval, comparando-as aos carnavais de Nice, justificando que isso era possível porque a cidade e o seu comércio nadava em ouro. Mas, o Intendente era também um apreciador das artes, como Augusto que apreciava vasos famosos, um Francisco I que amava as esculturas, um Lourenço de Médici que adorava os pintores. Bastava olhar o seu gabinete na intendência e a sua residência que mais parecia um museu de Arte. Machado Coelho registra que “a cidade inteira era um autêntico museu e as galerias de pintura pertencentes a amadores, ao Estado e à Prefeitura municipal ostentavam telas dos mais renomados pintores nacionais e estrangeiros”. Eram objetos do mais apurado bom gosto, sobretudo, da França, da Itália, da Inglaterra e da Holanda. Voltando a Humberto de Campos, o escritor não podia deixar de observar que aquele homem que aparecia, todas as manhãs, com sobrecasaca irrepreensível, gardênia no peito, bengala

de marfim incrustada de ouro e de pedras, não deixava de lembrar a figura de um grão-duque educado em Paris. Assim, o Intendente era pintado em tons coloridos, vibrantes e refinados por um biógrafo que fez questão de registrar que escrevia sem a paixão daqueles que lhe emprestaram extravagantes qualidades de demônio ou de deus. Mais grandiosa do que essas palavras de Humberto de Campos é

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. impossível encontrar outras com tanto vigor na busca dos rastros de uma vida tensa, ambígua, que insiste na diferença e que coloca ao historiador o desafio de dar a palavra a todos os protagonistas dessa história. A figura de Lemos precisava ser constantemente revigorada, portanto, nada mais oportuno do que come-

morar a data de nascimento do ilustre político. Com a finalidade de comemorar o aniversário do Intendente, foram criados clubes de honra como o União e Perseverança (o qual criou até uma folha dedicada a esse dia – o 17 de Dezembro), União e Firmeza, a Liga Política Senador Lemos, os quais eram apoiados em suas programações do dia 17 de dezembro pela A Província do Pará. Eram agremiações cujo fim específico era transformar a data numa verdadeira expressão de prestígio e poder do senador. O próprio Lemos reforçava essa imagem, tanto que em seu Relatório de 1907 transcreveu uma nota de jornal que registrava que: O dia 17 de dezembro tornou-se, com efeito, no Estado do Pará um dia de regozijo geral, um feriado popular, em que todos, em um conceito unânime, procuram patentear a sua gratidão a este cidadão. A notícia procurava dar a dimensão dos festejos que começavam de madrugada com o toque da Alvorada, com os espocar das girândolas no ar e com as fanfarras que animavam a presença dos que se concentravam em frente à sua residência. Em sewww.revistapzz.com 57


DOCUMENTÁRIO guida, era celebrada uma missa em louvor à vida, cerimônia da qual deveriam participar todos aqueles que quisessem cair ou permanecer nas boas graças do aniversariante, segundo a acidez de Valente de Andrade. Posteriormente, o Intendente dirigia-se à sua casa para ler as mensagens enviadas pelos amigos e correligionários, eram cartas, cartões e telegramas que vinham de todas as paragens; era a ocasião de conferir os presentes que poderia ser desde “um simples bom-bocado que se desmancha na boca”, segundo Romeu Mariz, até uma medalha de ouro, uma valiosa estatueta ou uma carruagem de luxo. Os presentes eram tão valiosos que chegavam a ficar expostos em lojas da cidade, como ocorreu no aniversário do ano de 1902: No Palais Royal está em exposição um presente oferecido ao senador Antonio Lemos, pelos empregados da Recebedoria, no dia do seu aniversário natalício. Na Casa Krause & Irmãos também se acha em exposição outro presente [...]. Esse periódico, O Notícias, costumava sempre reproduzir os mínimos detalhes da festa, sobretudo a programação estabelecida pelos clubes como a executada pelo Clube União e Perseverança, no Instituto Carlos Gomes, que começava com uma “Marcha da ópera Aída, executada pela banda do Corpo de Bombeiros municipais, sob a direção do professor Cincinato de Souza”, terminando com o Paso doble “La Banda Trompetas”, depois do eloquente discurso proferido por Paulino de Brito. No aniversário do ano de 1908, ainda é possível perceber, mesmo que timidamente, a reunião de apoiadores em torno da data. O próprio Intendente assim descreveu em seu Relatório anual: No Hotel Paris reuniram-se ontem vários amigos do sr. Senador Antonio Lemos, em almoço íntimo para comemorar a data de seu aniversário natalício[...] Foi servido o seguinte menu: Hors d’oeuvre, poisson; Entrée: grillé, legumes; dessert: fruit, fromages; vins, champagnes; eaux minérales, café et liqueurs. Mesmo que o número de amigos fosse reduzido, ainda permaneceria o refinamento na Comemoração, como 58 www.revistapzz.com

podemos perceber no cardápio oferecido pela ocasião, afinal o menu demonstrava requinte e apreciação da língua de Victor Hugo. O dia 17 de dezembro era o dia estabelecido para o beija-mão, uma prática que faz-nos lembrar de Pedro II, que apreciava o ritual dos sábados na Quinta da Boa Vista. No aniversário de Lemos não era diferente, afinal essa prática monarquista era reproduzida por aqueles que faziam parte de seu círculo político ou de amizade, ou que desejavam integrá-lo e, dessa forma, procuravam mostrar admiração, subserviência por meio de reverências, de poesias, de notas de júbilo e louvor pela data. Enfim era um dia de louvações “ao venerando chefe”,

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. “ao grande estadista”, “ao proeminente senador”, ao “benemérito”, chegando-se muitas vezes a compará-lo a Napoleão “com o peito inexpugnável diante das pirâmides do Egito”. Os áulicos não cansaram de homenageá-lo e Lemos sabia muito bem que essas comemorações significavam o momento de reafirmar a sua autoridade, ao mesmo tempo em que servia para reforçar a “política do favor”, prática que espelhava a política central e tão bem aproveitada pelos amigos e parentes que desejassem obter concessões para a exploração de serviços urbanos ou para a construção de obras. Os contemporâneos procuraram, de uma forma ou de outra, manter esse vínculo com o passado lemista, aprisionar a sua memória, estabelecer lugares da memória, mesmo que os acontecimentos violentos de 1912 tivessem marcado as lembranças da cidade. Portanto, relembrar as festas de aniversário era uma forma de buscar a permanência do passado pelos guardiões da memória. Passados alguns anos após a expulsão

de Antonio Lemos da cidade, diante da crise econômica que havia atingido, sobretudo, os negócios públicos, começaram a surgir os primeiros relampejos de uma memória saudosista, que foram se tornando cada vez mais fortes e presentes ao passar das décadas. E, um dos indícios eram as reclamações contra o abandono e a sujeira da cidade, como bem registrou Franciane Lacerda em um dos seus textos, ao relembrar as imagens da cidade de 1916, veiculadas na imprensa destacando a contundente frase “Belém era porca como Constantinopla”. Em 1924, A Província do Pará reavivou a memória do seu fundador com um artigo “Senador Antonio Lemos: seu dia natalício”, um texto laudatório que procurava retirar das cinzas a imagem do administrador chamuscada pelo fogo dos incêndios de 1912. Em 1931, o jornalista Romeu Mariz, retomando as imagens do aniversário do Intendente, comparava os presentes recebidos no dia do aniversário a ex-votos, como se este homem pudesse ser comparado à veneração dos santos. Os vestígios do senador intendente não se apagaram e, em 1940, Raul Azevedo publicou, em A Província do Pará, um longo artigo retratando a administração lemista e ratificando o caráter bondoso do administrador, ao lembrar o seu esforço junto a Lauro Sodré para trazer o maestro Carlos Gomes para Belém, embora este já estivesse bastante enfermo. Em 1943, é a vez do Instituto Histórico e Geográfico do Pará rememorar o político, ao promover uma sessão em homenagem ao centenário de nascimento de Lemos. Romeu Mariz, mais uma vez, foi o escolhido para fazer a saudação ao homenageado. Enfatizando os traços pujantes do homem, do político, do administrador e do jornalista, procurou colocar essas lembranças num lugar de permanência da memória de um determinado grupo. A partir da década de 1960, uma série de obras, embora algumas não tivessem um caráter propriamente biográfico, privilegiou em seu enfoque a figura do grande urbanizador da cidade, numa espécie de salvamento


A PROVÌNCIA A sede do Jornal A Província do Pará crivada de bala pelos opositores de Antonio Lemos.

de uma memória ameaçada pelo esquecimento. Constituiu-se num esforço da construção de uma memória coletiva. Basta observar que em 1963 o escritor Leandro Tocantins, sob a forma de um guia histórico, escreveu Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Segundo o autor, o propósito não era descrever a figura do político que a oposição teimava em afirmar que este não sabia ter adversários, pois, mesmo que assim fosse, as suas obras e o seu desempenho na Municipalidade “o redimiriam dos erros ou dos excessos de mandonismo”. A memória de Mariz lembra um pouco aquela

que biografou Humberto de Campos, ao comparar o Intendente às grandes figuras da história universal, além de

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. considerá-lo um precursor de Burle Marx na concepção brasileira de paisagismo. Para Tocantins era o sufi-

ciente dizer aos seus leitores que Antonio Lemos foi o grande responsável pela “Renascença” experimentada pela cidade. Em 1968 vem a público a obra de Corrêa Pinto, intitulada Belém: Imagens e Evocações. No capítulo dedicado à “Belém da Belle Époque”, o escritor faz uma apologia do tempo lemista, considerando que Lemos foi um governante de todas as classes ao procurar nivelar a todos num só ideal: o engrandecimento da cidade. Assim como Tocantins, o escritor Corrêa Pinto tentou redimi-lo de suas ações caudilhistas, pois: Na realidade, atribuíram-lhe atos que nunca praticou, frases que jamais proferiu, vinganças que nem por sombra concebeu. E mesmo que houvesse cometido um sem número de erros, como político, o que realizou em Belém, como administrador, dava-lhe direito ao amor público irrestrito e perene. Essa memória abominável não era a que deveria ser cultuada, é o indizível que os seus guardiões procuram tornar subterrânea, é como se todas as ações condenáveis pudessem ser enterradas debaixo das grandes realizações do esteta, do homem público que protegia as artes e embelezava a cidade. No jogo da memória, há um tempo que deve ser conservado e consagrado. Como diz Marina Maluf, a memória é sagrada e a história, profana, dessacralizadora dos mitos, mas , nesse jogo enquadramento da memória, a figura de Lemos sobressai como o elemento redentor de um passado de glória. O ano de 1973 marca uma série de acontecimentos nesse circuito de rewww.revistapzz.com 59


DOCUMENTÁRIO avivação da memória lemista. Nesse ano do traslado dos restos mortais do Intendente para Belém, o jornalista Carlos Rocque publicou o livro Antonio Lemos e sua Época, obra encomendada pelo prefeito Nélio Lobato, para fazer parte dos eventos de retorno das cinzas de Antonio Lemos. Rocque propôs-se a fazer uma “análise fria” para que “o leitor sinta com mais crueza ou mais realismo”. Compartilhando com autores que escreveram no início do século XX, ele deu ênfase aos embates político-partidários e às vozes dos biógrafos lemistas, desprezando um olhar social que pudesse trazer à cena os indivíduos anônimos, os trabalhadores da cidade, a gente simples que circulava nas ruas, atores dessa história construída em fragmentos. O autor, ao mesmo tempo em que tenta justificar a neutralidade de sua

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. análise, enfatiza que não saberia dizer em que Lemos foi mais perfeito, visto que: Como político, criou a maior oligarquia que já houve no Pará, enfrentando os mais respeitáveis nomes do republicanismo local; como jornalista, fez de “A Província do Pará” o melhor jornal de todo o Norte, e sem qualquer exagero, um dos maiores do Brasil; como administrador transformou a pequena Belém em uma das mais modernas metrópoles do país. Trata-se de uma análise fragmentada muito comum nos escritos biográficos de então, lembrando que Carlos Fernandes, um dos primeiros biógrafos de Lemos, também havia pensado a sua obra compartimentando as ações do Intendente, no homem, no político, no jornalista e no administrador. Aliás, esta mesma compreensão tinha Romeu Mariz, como se o indivíduo a cada momento tivesse que desempenhar um papel que lhe era atribuído. É sabido que o contexto econômico 60 www.revistapzz.com

da época favoreceu a execução de um audacioso projeto de urbanização da cidade, assim como a qualificada equipe de jornalista de A Província do Pará deu-lhe condições para tornar-se chefe de um dos melhores jornais do país, assim como a própria conjuntura política lhe favorecera a sua ascensão política. Isto não quer dizer que não possamos reconhecer a competência do urbanizador e o seu compromisso com a cidade que lhe acolhera, tanto que é possível afirmar que as obras de urbanização sobreviveram ao seu desaparecimento, funcionando como testemunhos de um passado que deverá ser sempre lembrado. Nesse mesmo ano de 1973, dedicado ao sesquicentenário da Adesão do Pará à Independência do Brasil, o his-

toriador Ernesto Cruz, com o patrocínio da Universidade Federal do Pará, publicou um livro em dois volumes, intitulado História de Belém, no qual dedica um dos capítulos a Antonio

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. Lemos. Nesta obra, o historiador fez questão de ressaltar apenas as obras urbanísticas realizadas na cidade que se transformou em “um ninho de cultura e de beleza [...], por isso não era


PEIXE COM FARINHA A charge publicada na época que representa os comerciante contra a taxação de imposto sobre o preço da farinha e do pescado na cidade de Belém.

[...] possível calar, a admiração profunda e respeitosa pelo esteta que soube fazer de uma cidade despretensiosa, a mais bela capital do Norte”. Como herdeiro de uma tradição positivista, Ernesto Cruz procurou inserir a cidade de Belém no modelo de civilização, a partir da compreensão dos fatos, e ao consolidar a imagem de Lemos como “um verdadeiro urbanista, um artista primoroso, plasmando com o cinzel de sua imaginação a cidade que amava com o enternecimento de um poeta”. Em 1978 surge uma publicação intitulada Antônio José de Lemos, o plasmador de Belém: em defesa de um nome, de autoria de Augusto Meira Filho, engenheiro, político, historiador, em resposta ao ataque à figura do Intendente, feito por Emanuel Sodré em uma en-

trevista concedida a Carlos Rocque. Sodré teve a pachorra de chamar o ilustre Intendente de “jardineiro”. Em desagravo à memória de Antonio Lemos, o vereador Meira Filho fez mais: utilizou a tribuna da Câmara Municipal e proferiu um contundente discurso em resposta “ao terrível e grande veneno de intrigas e ódios” destilado pelo filho de Lauro Sodré. Lembrava o orador que a memória de Lemos estava sendo deturpada da mesma maneira que enxovalharam a memória dos cabanos, que por muito tempo foram considerados sanguinários, bárbaros, por isso, era preciso combater esta associação da imagem do político a da destruição. Afinal, dizia Meira em tom pedagógico, que era preciso que a mocidade paraense “tomasse conhecimento de exemplos do passado, conhecer a vida política do Estado, nos albores do século para dignificá-la”. Ainda ressaltava que esta era uma vida de um homem com “um cabedal de inteligência insuperável”, que conseguiu superar até mesmo a sua própria condição humana. Enfatizava que os seus “filhos iriam tomar conhecimento e reconhecer no maranhense de nascimento o notável paraense de coração”. Percebe-ae que há uma tensão na memória do “político de fora”. Osvaldo Orico registra que Lauro Sodré levava vantagem sobre Lemos, por ser “paraense nato, caboclo da terra – à qual estava unido por vínculos de sangue e sentimento”. Portanto, esse entrelaçamento dos lugares de Lemos reflete uma necessidade de enraizar não só o indivíduo, mas também a sua própria memória. No lugar do Maranhão, Antonio Lemos teria a sua memória assentada definitivamente no solo paraense. Todas as obras conhecidas até a década de 1970 procuraram ligar a figura de Antonio Lemos ao de o maior urbanizador da cidade. Os guardiões da

memória não o vincularam a seu poder de mando político. Ele se constituiu no mais competente urbanizador da cidade, e suas obras devem sempre ser relembradas, pois é este o passado que continua dando à cidade o estatuto de civilização. Há um intenso trabalho de enquadramento dessa memória e ela fez-se necessária para firmar um passado cuja imagem deveria manter os referenciais do grupo social que ajudou a construir o mito da belle époque. Ainda penso que a recuperação do tempo de Lemos ainda é necessária, é a utopia, é “o sonho que nós ainda podemos sonhar”, como escreveu um anônimo, é a esperança que paira sobre a cidade e que busca preencher uma lacuna que ainda perdura. Ao longo deste texto, procurei apresentar os fragmentos das memórias do idealizador da belle époque, percorrer os rastros de um mito e, como os mitos não podem ser simplesmente destruídos, aqui está a história de um deles, talvez o mais poderoso, o mais revisitado, o mais emblemático da história republicana paraense.

Maria de Nazaré Sarges possui graduação em História pela Universidade Federal do Pará (1968), mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1990),doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1998) e pós-doutorado pela Universitat de Barcelona/ES (2011). Atualmente é professora associada da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império, atuando principalmente nos seguintes temas: Belém, cidade, Amazônia, migrações, belle époque. (Texto informado pelo autor)

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MOVIMENTO

Yvana Crizanto

UM SOLO PARA MINHA TERRA A ONDA ENCANTADA: TECIDO ACROBÁTICO, TEATRO, DANÇA E MAGIA

U

ma mistura de acrobacias no tecido, dança, performance teatral. O espetáculo que encantou o público de municípios do Pará e também do Amapá, em 13 apresentações de apresentações, foi de encanto: uma troca de experiências entre a bailarina e performer, Tatiana Benone, e quem assistiu de perto. A Onda Encantada integra o projeto Um Solo para Minha Terra, uma investigação cênica em dança-teatro-tecido acrobático contemplada pelo Prêmio Funarte Petrobras de Dança Klauss Vianna/2012, e que em Belém teve apoio cultural do Instituto de Artes do Pará (IAP), Pará 2000, Hangar Centro de Convenções da Amazônia,

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Estação das Docas, Secretaria de Estado de Cultura (Secult) e Governo do Pará. O projeto foi uma rica e profunda experimentação, diz a bailarina. Quando o espetáculo inicia é uma oportunidade de interagir com o público, sua cultura, a natureza do lugar, e situações que transformam cada uma das apresentações. Um Solo para Minha Terra foi uma homenagem da bailarina paraense à sua terra natal, utilizando o tecido acrobático, um aparelho circense, como um modo de ampliar as possibilidades da expressão corporal e dança. A suspensão alarga as fronteiras do espaço e relação com a gravidade, em expressões que ora estão a poucos metros da plateia,

ora crescem para até 7 metros. Ainda é possível ver a artista de perto, no solo, em uma cena de teatro e intervenções. A artista visitou expressivas cidades paraenses e também amapaense. A itinerância iniciou no mês de julho na ilha do Marajó, nas cidades de Soure e Salvaterra, e se estendeu Bragança, Santarém, e a capital amapaense, Macapá, até o mês de setembro. Em outubro, mês do Círio de Nazaré, a artista se apresentou na bela árvore samaueira do Hangar, e à beira do rio, na Estação das Docas. Encerrando a temçporada, três belas apresentações, em Casantahal e no sítio Jalam das Águas, em Benevides, culminando com arte uma vivência com a natureza.


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MOVIMENTO Em cada uma das cidades o espetáculo ocorreu na sede dos municípios e em comunidades mais distantes. A cidade de 400 anos, Bragança, recebeu A Onda Encantada, primeiro em uma apresentação na praça da Aldeia, um espaço vivo, de intensa atividade, seja de esportes, do passeio do final de tarde, de encontros e depois na Vila dos Pescadores, em Ajuruteua. Em Macapá, a cena foi vista por um grande público na festa de 70 anos da cidade e, dias depois, na comunidade Quilombo do Curiaú, uma paisagem típica da região, com um povo acostumado a interagir com a natureza. A bailarina busca se apresentar em locais próximos ao rio e mar, em árvores, com cenário exuberante da água, céu, e o pôr-do-sol. Todas as apresentações foram às 17h, utilizando-se da luz do dia para mostrar o que experimentou durante a vida acadêmica, no curso de dança da Universidade de Campinas (Unicamp), mas também nas tardes que esteve de férias com a família, na infância, em Mosqueiro, ouvindo os sapos cantarem ao fim de tarde. Retrata também as garças, tão próximas até mesmo de quem vive nos centros urbanos da região, e que podem ser vistas com toda sua exuberância em praias no Marajó. O objetivo foi levar o espetáculo solo acompanhado de um rico processo de troca de experiências também for a de cena em oficinas de improvisação em dança com o tecido acrobático, trabalho que tem recebido o foco da artista nos últimos anos. Trata-se de uma ação diversa para a dança, que explora o movimento do nível do corpo ainda no chão. Todas as oficinas são realizadas gratuitamente, e tem atraído público das mais diferentes faixas etárias. O Solo para Minha Terra ocorreu nos municípios também pelo apoio cultural das Secretarias Municipais de Cultura, de Soure, Salvaterra, Bragança, Macapá e Santarém, que possibilitaram espaços públicos para essa experiência cênica. A maioria das apresentações foram transmitidas online, em tempo real, em links que o público acessou pelos perfis do projeto nas redes sociais ou no site do projeto - www.tatibenone.com – no qual ainda é possível conhecer um pouco mais sobre a trajetória e proposta dos espetáculos, por meio de textos, vídeos e fotos. 64 www.revistapzz.com


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HUMOR

CRIATURAS DE JOテグ BOSCO

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SALÃO DE HUMOR

J

oão Bosco, cartunista, ilustrador, caricaturista e chargista do jornal O LIBERAL, de Belém do Pará, desde 1988. Possui vários prêmios nacionais e internacionais em salões de humor, cinco livros editados. Tem trabalhos publicados nas revistas Veja, Você SA, Semana, Imprensa, Focus, revista Francesa Le Monde Magazine. Livros didáticos das editoras Scipione, Saraiva,Moderna, ÁTICA e FTD. Em 2008 fez sua primeira exposição individual de caricaturas de empresários paraenses “cara e coroa” num total de 60 peças.Em 2009 fez a 2ª edição de “Cara&Coroa”com 86 caricaturas. Autor das tiras “Colarinho pão e vinho” ,”Capitão feijão” e “Mundo cão”, publicadas diariamente no caderno magazine de O Liberal. Presta serviços de ilustração, para várias agências de publicidades e produtoras de vídeo em Belém. Produz caricaturas por encomendas. O livro “Caricaturas de João Bosco” – Apresenta personalidades brasileiras e internacionais de destaque na música, na literatura, no cinema, nas artes e na política, incluindo Glauber Rocha, Ulisses Guimarães, Altamiro Carrilho, João Cabral de Melo Neto, Pablo Neruda, Luiz Melodia, Zé Ramalho, Eça de Queiroz, Ariano Suassuna, Pedro Almodóvar e Mario Moreno “Cantinflas”, John Coltrane, Chet Baker, Pixinguinha, Pedro Almodovar, Jackson do Pandeiro e Chico Buarque de Hollanda entre muitos outros vultos notáveis da arte, estão entre as celebridades reveladas pelo traço de Bosco publicadas no livro. Obra que traz 80 caricaturas de personalidades para festejar tempo de carreira no jornal O Liberal. Quando estudante do colégio Souza Franco, o jovem J.Bosco gostava de desenhar os professores. Ele levava isso muito a sério, enquanto os colegas de classe aproveitavam os desenhos para satirizar os docentes. O tempo passou, mas os traços ficaram na vida de J. Bosco, demonstrando que o talento do estudante só fez aumentar ao longo de 30 anos de carreira como artista gráfico. “O livro mostra a maturidade do trabalho do Bosco, mostra o amor, a

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dedicação e a pesquisa dele na área gráfica, um trabalho feito em via digital e que resgata o chamado ‘bico de pena’”, afirmou o cartunista Biratan Porto, 62 anos, dos quais 35 como artista gráfico. Além de Bira, jornalistas, publicitários, repórteres fotográficos, atores, escritores e convidados em geral prestigiaram o lançamento do livro, que pode ser encontrado em livrarias de Belém e na fan page Cara & Coroa no Facebook. Para o jornalista e publicitário Orly Bezerra, J. Bosco vive o cotidiano no jornal e retrata “o dia a dia com maestria, com uma leitura política, crítica e bom humor, o que é essencial a um cartunista, e pelo talento na caricatura, pelo traço do Bosco, esse é um trabalho diferenciado, com a marca desse autor”. Alípio Martins Júnior, amigo de J. Bosco, enalteceu o trabalho do “ícone dentre os artistas paraenses”. “J. Bosco Caricaturas” é o quarto livro autoral dele, que possui oito obras com outros artistas gráficos. J. Bosco destacou que teve grandes mestres ao longo da carreira, como “Biratan, meu grande professor, aqui em Belém”. Amigo inseparável do artista gráfico Waldez, J. Bosco teve como organizadora do livro a mulher dele, Vânia Queiroz. O artista lançou o livro e um conjunto de canecas também de caricaturas. O artista do traço, todavia, foge ao


óbvio e, ao invés de fazer uma retrospectiva de sua trajetória, optou por um trabalho original. Para o livro, ele trabalhou apenas com as cores preto e branco, como um resgate da tradicional dupla papel e nanquim. A partir dos rascunhos em papel, os desenhos foram digitalizados e finalizados no computador. “É uma forma de resgate à caricatura clássica em hachuras (traçado de linhas finas)”, explica.

Foram convidados a compor o júri desta edição do prêmio, Jean Galvão (SP), Ulisses Araújo (RJ), Cássio Loredano (RJ), Orlando Pedroso (SP) e François Gabourg (Martinica), cartunistas, caricaturistas, ilustradores, desenhistas e chargistas reconhecidos por seus trabalhos independentes em jornais, revistas e na internet

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SALÃO DE HUMOR Um país que gerou gênios como Millôr Fernandes, Jaguar, Henfil, Fortuna, Ziraldo, Chico e Paulo Caruso, entre tantos outros, é um país rico; rico em material humano, rico em rir de si mesmo e de suas mazelas. O cartum se tornou aqui como que uma espécie viva de nós mesmos, a nossa cara, o nosso jeito, assim como a crônica e a música, de outros tantos e tantos gênios. E o Jota JBosco Azevedo)está entre eles. Vinícius Alves – editor e escritor

Foram convidados a compor o júri desta edição do prêmio, Jean Galvão (SP), Ulisses Araújo (RJ), Cássio Loredano (RJ), Orlando Pedroso (SP) e François Gabourg (Martinica), cartunistas, caricaturistas, ilustradores, desenhistas e chargistas reconhecidos por seus trabalhos independentes em jornais, revistas e na internet

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J. Bosco, que nos últimos dois anos e meio extrapola muito bem no uso das hachuras, cria um novo e particular estilo onde desconstrói com sutil habilidade e delineia o caricaturado em preto e branco numa magnificência e leveza como eu nunca havia visto antes. Um estilo que logo, logo , não tenham dúvidas, vai influenciar muita gente! Mas ele é único, e creio que assim o será por muito tempo! Miran (Oswaldo Miranda ) Cartunista, Editor/Diretor de arte da “Gráfica-Arte Internacional” Parafraseando uma frase importante que anda perdida em tempos de homens perdidos, há homens que criam um dia e são bons. Há outros que criam muitos dias e são melhores. Porém há os que criam todos os dias: esses, são os imprescindíveis. J.Bosco não só afilia a esta última categoria de seres criativos como também passa com louvor no quesito da prova dos 9 do pensar: a práxis. Práxis? Como assim, chargista, ilustrador e caricaturista tem práxis? Pois vos digo que sim. Ela se desdobra em dois planos: um é o fruto da prática, continuada, que refina o traço, aprimora, permite ao artista do traço descobrir novos atalhos e outros caminhos mais longos, também. O outro, é o do criador que por ter amor ao que faz, se ocupa de tornar mais próximos os que militam em sua área. Com a exceção do Bira Dantas, que é um anjo caído nesse país de crescente individualismo instigado pelo consumismo, J.Bosco está logo ali, na primeira fila dos que sempre fazem juntos, vislumbrando sempre como expor lado a lado a arte de seus colegas. Marco Ajdaric – Neorama de Quadrinhos J. Bosco Habemus Papa!

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SALテグ DE HUMOR

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O cartunista, chargista e ilustrador J. Bosco, um dos papa-salões de humor no Brasil e pelo mundo afora, foi se deixando seduzir pelo tempero destemperado da caricatura como linguagem. Sem papas na língua, este seu trabalho mais recente, J.Bosco Caricaturas coloca diante de nós oitenta personalidades dignas de serem traçadas, antropofagicamente falando, deglutidas e oferecidas ao sabor de leitores dos mais variados paladares. Visivelmente influenciado por um dos “chefs” expert no assunto, Cássio Loredano, J. Bosco vai cozinhando texturas e psicologias saborosas em cada uma das iguarias por ele selecionada. Escritores, cineastas, atores, músicos ou compositores, Almodôvares, Cortázares, Mazzaropis e Lupiscínios, são servidos por esse artista paraense que nos mostra claramente com quantas garfadas se devora uma psichê. O jantar está servido, a papa tá na mesa: “-Bom apetite!” Paulo Caruso Chargista, caricaturista do programa Roda Viva, TV Cultura SP

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BRUNO PELLERIN

Lenon Rodrigues*

O PARÁ E A ECONOMIA CRIATIVA E AS POTENCIALIDADES DE DIVERSIDADE CULTURAL PARA A ECONOMIA CRIATIVA EM BELÉM

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Pará passa por um período de generosa visibilidade nacional. Na grande mídia, o Pará e o paraense estão representados, por exemplo, no grande sucesso de Gaby Amarantos e suas constantes aparições em programas como o Domingão do Faustão, Esquenta, Encontro com Fátima Bernardes, além de já ter emprestado suas músicas para compor as tramas diárias de algumas novelas globais. Para muitos esta não é a melhor forma de aparecer para

to, meio ambiente e sustentabilidade estão fortemente “impregnados” de Amazônia. A maior floresta tropical do mundo é o carro-chefe deste novo paradigma que, não concernindo apenas o Brasil, atinge uma escala supranacional. Há um pouco mais de um ano, estive na Rio + 20 e pude constatar a presença amazônica na programação das palestras temáticas e dos stands de empresas e instituições nacionais e internacionais mostrando seu interesse em investir na região, propondo alternativas sustentá-

tes do Brasil e do mundo lá presentes foram unânimes em afirmar a Cultura como o quarto pilar da sustentabilidade, junto com os três outros pilares habitualmente ressaltados: o econômico, o ambiental e o social. Dentro desta recente e ampla discussão no setor cultural, a dimensão econômica da Cultura e a sustentabilidade convergem para um conceito ainda em fase de formulação: a Economia Criativa, o novo paradigma da economia da Cultura. Desde 2005 o setor cultural brasileiro vem se

o Brasil, mas é incontestável a visibilidade e o alcance proporcionados pela toda poderosa Globo, mesmo que tal efervescente visibilidade possa ser efêmera. Seria correto afirmar também que, pelo “efeito Amazônia”, o Pará goza de certa visibilidade internacional, com a vantagem de poder se abrir para o mundo através de sua grande porta, Belém. Os debates recentes sobre desenvolvimen-

veis e inclusivas socialmente. De certo era fácil também identificar as empresas que se travestiam do paradigma da sustentabilidade para praticar o mais do mesmo tão nocivo à vida da floresta. Foi na Rio + 20 também que pude estar presente, durante uma semana, em uma série de palestras e debates sobre cultura e sustentabilidade promovidos pelo Ministério da Cultura. Representantes do setor cultural de várias par-

motivando com as novas possibilidades projetadas na onda da Economia Criativa. Os setores criativos, segundo o próprio Ministério da Cultura, que em 2011 criou a Secretaria da Economia Criativa, “são todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação de preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econôwww.revistapzz.com 75


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Em se tratando de Amazônia, nunca desejamos conceituar economia como algo tão presente na vida das pessoas, e sim apresentar o panorama (recente) da Economia Criativa no Brasil. mica”. É um conceito ainda em formação, mas as discussões que o permeiam, no Brasil apontam para uma tendência a descentralizar as ofertas e fazeres culturais, valorizando a diversidade cultural do país como elemento diferenciador e agregador, gerador de riquezas e promotor da inclusão social e da qualidade de vida da população. Tendem, da mesma forma, a valorizar os espaços públicos, como meio de encorajar as trocas socioculturais, de pôr a arte e a tecnologia em encontro constante com o público-cidadão, valorizando as atividades criativas. Estas seriam, no linguajar dos economistas da cultura, as cidades criativas. Belém, na condição de maior representante da cena cultural paraense (nada anormal em se tratando da capital do Estado) e da região amazônica, já tem um terreno fértil para plantar a semente das cidades criativas: uma programação cultural diversa e artistas que, de uma maneira ou de outra, estão presentes em menor escala na cena cultural nacional. A inauguração do escritório do Criativa Birô em Belém será mais um combustível para esta cena. É o momento de artistas, intelectuais, produtores culturais, empresários e o poder público terem maturidade e visão suficientes para se apropriarem das disUM JOGO ESTRATÉGICO O território amazônico é palco, produto e condicionante de dinâmicas territoriais diversas, onde as “peças” dos agentes moderadores do espaço estão postas à mesa, como em um jogo de tabuleiro, aguardando os movimentos estratégicos de avanço ou recuo de interesses,.

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Lenon Rodrigues*

Da esquerda para a direita: Paolo Carlucci, Marcia Lima, Carmen Lorenzetti, Rosa Helena Nascimento Neves, Monica Alvarez, Maurizio Giuffredi, Piergallini Rossella, Beatrice Buscaroli, Manuela Bergonzoni, Airton Lisboa Fernandes.

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UM JOGO ESTRATÉGICO O território amazônico é palco, produto e condicionante de dinâmicas territoriais diversas, onde as “peças” dos agentes moderadores do espaço estão postas à mesa, como em um jogo de tabuleiro, aguardando os movimentos estratégicos de avanço ou recuo de interesses,. cussões, ações e possibilidades geradas pelo novo paradigma da Economia Criativa e capitaneadas por este braço da Secretaria da Economia Criativa do MinC no Pará. Ter visão e maturidade significa, sobretudo, entender a transversalidade da cultura, incluí-la em outras esferas da vida social. Significa não só investir pontualmente em artistas e eventos culturais, mas promover um ambiente criativo. Para isto é obrigatório investir na qualidade de vida da cidade, dos espaços públicos, compreendê-los como um espaço vivo e democrático de trocas simbólicas e intelectuais. É, da mesma forma, imprescindível investir na formação da maior matéria prima da criatividade: o ser humano, quer seja na sua condição de criador ou de público-cidadão consumidor de produtos e bens simbólicos, pois como afirma Ana Carla Fonseca Reis, uma das maiores estudiosas da Economia Criativa no Brasil, “a criatividade é um combustível renovável e cujo estoque aumenta com o uso”. Desta maneira, o novo desafio que as cidades paraenses devem enfrentar, sobretudo Belém, é de consolidar o Pará como um polo nacional de cultura, exportador e importador de diversidade cultural, em harmonia com um ambiente sustentável, apoderando-se do território sem fronteiras da cultura como um meio e o um fim para a qualidade de vida da população. Quem sabe, em um futuro não muito longínquo, poderemos deslumbrar um cenário onde o Pará se revele ao Brasil, através de sua criação artística e intelectual, na condição de sujeito, e não apenas como um objeto exótico, sem voz ativa na construção de seu próprio imaginário; onde, por exemplo, a moda paraense, inspirada em traços e desenhos marajoaras, esteja presente nas vitrines das lojas do Brasil e do mundo; onde arquitetos e designers se inspirem nesses mesmos traços para desenhar fachadas de prédios, objetos de decoração e móveis; onde o Pará se transforme em um polo de produção e exportação de conteúdos audiovisuais, contando histórias em séries, filmes e animações inspiradas em contos, lendas e personagens da mitologia indígena; onde estas lendas e contos também ganhem novas releituras a partir da imaginação de escritores locais, presentes nas prateleiras de livrarias de todo o Brasil e, traduzido em outras línguas, nas prateleiras de lojas pelo mundo afora; onde todo este universo simbólico inspire a arte contemporânea local, e artistas paraenses participem de exposições e feiras de arte nacionais internacionais; onde Belém faça parte do circuito de grandes feiras e exposições de arte; onde a música paraense seja escutada frequentemente por brasileiros de todas as regiões do país. Enfim, um cenário onde grandes artistas, locais e nacionais, encontrem no Pará o espaço, o público e a inspiração para a sua criação. Lenon Rodrigues é formado em Políticas Públicas de Cultura na Univ. Paris VII. Atua c/ projetos culturais em Belém (PA) e Brasília (DF).

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Emanuel Matos

A RAZÃO DA RAZÃO PARAENSE NASCIDO NA CIDADE DE BELÉM, O FOTÓGRAFO BRUNO CECIM VEIO AO MUNDO NO ANO DE 1978. PARTE DA INFÂNCIA FOI PASSADA EM SALVADOR. NA ADOLESCÊNCIA, ESTUDOU UM ANO EM WASHINGTON (EUA), MAS FOI EM SÃO PAULO QUE O FOTÓGRAFO COMEÇOU A TRILHAR SEUS PRIMEIROS PASSOS NO MUNDO DAS IMAGENS.

Não creio que seja exagerado dizer que a trajetória politica de Antonio Lemos possa ser vista como a confirmação da Razão como conquista irrevogável da civilização ocidental tal qual concebida desde o inicio da modermidade e consolidada nos Sécnlos XVlll e XIX com o Iluminismo e as Ciências Sociais. O fato de O Velho Intendente ter estudado somente até o Liceu, hoje correspondente ao Ensino Médio, não significa que dele possa ser retirado a extraordinária competência no trato com as Ciências, as Artes e a Educação, assim como dele não pode ser retirado a condição de personagem político próprio de um momento de transição entre o modo primitivo de fazer política e aquele das luzes que ainda hoje reclama vez e legitimidade. É ele, sem duvidas, um homem do seu tempo que além de caminhar entre as esferas maçônicas tão próprias do ou daquelas das forças armadas, a marinha em depositárias da cultura positivista, mostrou-se capaz de seguir os faróis de um novo tempo cuja base era as Luzes da Razão. No rastro dos movimeutos das grandes capitais europeias, deveria, assim, estar presente na pauta administrativa deste político de formação humanista, não apenas a reformulação do Código de Postura da Cidade, logo batizado de 80 www.revistapzz.com

Código de Polícia Municipal a revelar preocupações com o bem-estar, a saúde pública, os novos traçados urbanos e as ágoras quase bucólicas das cidades oitocentistas capazes de humanizar a vida da pólis ou de ampliar os seus horizontes de modo a consagrá-la como a invenção mais bem acabada da modernidade. É o Poder Publico que será instado a modermitar-se seja como conduta, seja com seus monumentos arquitetônicos capazes de construir no imaginário da população a ideia da ordem e do progresso. Belém estava posta, finalmente, na trilha do sonho de que a felicidade e o controle sociais poderiam, enfim, triunfar. Tinha-se agora um “Gestor Esclarecido” sensível à educação e às artes ao ponto de ser considerado mecenas para os artistas e o exemplo de administrador. A partir de 1807, são catorze anos de gestão como Intendente da cidade. ‘Período histórico quando por exemplo, o Curso de Filosofia Positiva de Augusto Conte já se consagrara, e princípios como “onde não há lei não há liberdade” (Locke) dominavam os ideários políticos. Mas também, o período das grandes riquezas produzidas pela economia da borracha que possibilitou a Lemos realizar obras estruturantes e fundamentais para Belém se tornar a

metrópole da Amazônia. Mas o ciclo da borracha haveria, como todos aqueles de uma economia extrativista, chegar ao fim e Lemos, amargará, no caldo de uma política alimentada por contradições ideológicas e de interesses privados oriundos de todos os lados, uma derrocada trágica para quem houvera experimentado as louros de um grande estadista. Em 1912 ele é deposto, expulso e exilado de Belém. Um episódio que anuncia também que chegara o fim de um período econômico que haveria de deixar saudades eternas no povo paraense e nos filhos de Bélem particularmente. Lemos, pode ser visto assim, ainda que devamos considerar todas as contradições dos processos sociais, como aquele cadáver exposto para a condenação tal como aquele da tragédia. E como aquele do mito que ressurgirá das cinzas. São maravilhosas algumas das construções feitas por estudiosos, (Geraldo Mártires Coelho, Maria de Nazaré Sarges, Fábio Castro, Aldrin Figueiredo) do retorno do politico ao cenário histórico-político do Pará. E eu aqui me permitiria, apenas, fazer outra vez uma alusão mítico-poética porque o seu retorno a Belém em 1973, quando seus restos mortais recebem tão ao gosto das simbologias religio-


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sas e positivistas todas as homenaqens de um grande personagem da história paraense. Assim concluiria dizendo que Antonio Lemos retorna das cinzas, como mito, pelas mãos de Mnemosine de modo a nos ensinar mais uma vez que a Razão tem sempre razão.

EMANUEL MATOS sociólogo

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Índios Kuikuro (Alto Xingu), em visita à Toca da Raposa, São Paulo. www.revistapzz.com 95


ARTES PLÁTICAS

Luciana Meideiros

QUANDO ARVORES PISICODELICAS BROTAM EM MAIS DE 20 ANOS DE TRAJETÓRIA, TARCÍSIO RIBEIRO, EXPÕE “CINCO”. “ÁRVORE EM CÉU QUENTE”, “ESCUTA”, “AO POR DO SOL”, “ULALÁ”, E “BAILARINA” SÃO AS CINCO OBRAS QUE INTEGRAM SUA RECENTE EXPOSIÇÃO. PINTURAS QUE FORAM REALIZADAS EM MOMENTOS DIFERENTES DE SUA CARREIRA ARTÍSTICA.

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ivididas em três partes: o céu (copa da árvore); a terra (raízes) e o tronco (conexão entre terra e céu), as obras trazem cores vivas, que pulsam revelando folhas, galhos e outros mistérios da natureza. Amante de música, cinema e literatura, além das artes visuais, claro, Tarcísio Ribeiro nasceu em Bragança, onde viveu até os 18 anos de idade, quando se mudou para Belém. “A mais antiga entre elas foi pintada em 2006 e a mais recente em 2012, elas vão surgindo espontaneamente apenas a partir da necessidade de pintar, os quadros que se sucedem, em geral, tem cores e formas opostos”, diz o artista em entrevista ao Holofote Virtual. Trouxe desde lá, certamente, em sua veia artística, a admiração pela natureza e pela região amazônica. Isso tudo sempre foram inspiração, mas não espere necessariamente ver pai-

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sagens naturais, seus traços trazem interferências da vida que resultam em traços transcendentes. Atualmente envolvido com a criação de uma galeria para deixar obras suas em exposição permanentemente, Tarcísio conversou com o Holofote Virtual e contou mais do que o instiga e lhe leva a pintar. Luciana: São 25 anos dedicados à pintura. O que isso significa isso pra ti? Tarcísio: Ficou claro pra mim que a vida passa rápido, em determinado momento a morte se faz presente, então acho importante me aperfeiçoar no que gosto de fazer e participar onde vivo. Existem as coisas por fazer, escolhemos algumas, outras nos escolhem, outras são pensamentos que nem chegam a se materializar. Tenho planos com pinturas, trabalhos e estudos. Bom, é o mistério da vida, é sutil, vamos ver o que acontece.

Luciana: Ao longo desse tempo você muitas vezes trabalhou de forma solitária. Mas também fez exposições, vendeu quadros e também presenteou amigos. Como você analisa esta trajetória pública? Tarcísio: Olhando para o assunto dessa forma, lembro de amigos que nasceram junto com quadros e de alguma maneira fizeram e fazem parte deles. Não lembro de maiores adversidades provocadas pela pintura nesta dita trajetória pública. Em algumas situações as pinturas provocaram emoções, arrepios, lágrimas, são boas essas lembranças. Quero dizer com isso que fiz alguns amigos em virtude das pinturas, assim como estreitei laços de amizade. Luciana: Tuas reflexões sobre a vida estão ligadas ao que você produz, fatalmente. Quais seriam


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ARTES PLÁTICAS questões mais pertinentes na hora de pintar? Tarcísio: Creio que as músicas respondem essa pergunta por mim, melhor do que eu. Veja bem. Muitos dos assuntos (quase todos os assuntos) são tratados nas músicas e com muitas variações, muita graça, melodia, ritmo, então tem dias que é Tom Jobim, João Gilberto essa turma, tem outros dias que é o Prodigy, tem épocas de rock, épocas de samba. Ouvir música combina bem com minha forma de pintar. Quanto às conversas, enquanto estou pintando, prefiro assuntos mais descontraídos. Agora, o pensamento, o pensamento se governa. Luciana: E como estas trilhas embalam teu trabalho? Onde são refletidas? Tarcísio: Como falei a pouco, sim, permeiam, ditam ritmo das pinceladas grosso modo; ou acalmam a mente, os pensamentos, o coração, de modo sutil, o que permite pintar com maior atenção e criatividade. O problema na hora de pintar é o bloqueio, achar que o quadro em andamento está feio, duvidar da própria capacidade de superação, ou por outro lado, achar que está bom demais, ficar vaidoso no ato de pintar, todas essas coisas atrapalhem... e a música tem uma função bem importante neste momento. Luciana: Nesta exposição de árvores vês-e boa dose de psicodelismo... Tarcísio: Sim, também acho, mas não ligo muito não, é o jeito delas, no fundo são simpáticas. Brincadeiras a parte, creio que há similaridades de minhas pinturas com imagens psicodélicas, mas em uma rápida pesquisa na rede mundial de computadores, pode-se perceber que as imagens psicodélicas são um pouco mais “emaranhadas“ ou “confusas” do que minhas pinturas. E o psicodelismo já é uma experiência visual agradável aos olhos. Luciana: Quais outros alimentos nutrem tua arte? Tarcísio: Acredito que a dor é o principal alimento para a arte, os outros todos são bem menores. Mas não é ruim assim, a ideia é transformar a dor em quadros que transmitam sentimentos positivos, certa alegria, esse é o desafio. Luciana: Produzes em demasia? Tarcísio:Acho que produzo o bastante, mas gostaria de produzir ainda mais. Estive um tempo empenhado em organizar o espaço da Galeria T, que é onde distribuo meus quadros, foi um tempo gasto para distribuir 40 quadros aproximadamente expostos em 100 m3 de ga98 www.revistapzz.com


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leria, e isso leva tempo. Além disso, tenho outras tantas em telas enroladas. Por outro lado estou sempre envolvido com estudos e trabalhos sobre estatísticas, sistemas de informações e afins e isso também toma um tempo considerável. Luciana: Humm... Então a Galeria T é a grande novidade do momento? Tarcísio: Estou em vias de concluir o projeto Galeria T, que tem por objetivo manter uma exposição permanente com quadros de minha autoria. Em um primeiro momento, contém aproximadamente 30 obras, de diferentes momentos de criação. A obra mais antiga do acervo é de 1997, foi pintada a dedo e trata-se de um auto retrato, em acrílica sobre duratex. Outro quadro relevante na galeria são 27 miniaturas, divididas em quatro partes, que simulam a galeria em miniatura, pintado em 2002. Até chegar à série de pinturas sobre árvores serie iniciada a partir de 2007. A ideia é que, entre uma exposição e outra, sempre haverá possibilidade de visitação das minhas pinturas, em ambiente propício.

Luciana: Viver de arte é tua meta? Tarcísio: Não reclamaria de viver de arte não, porém também desenvolvi o hábito de gostar de trabalhar com estatísticas e sistemas de informações. Compreendo que tenho por onde contribuir nessa área também. O ideal pra mim é combinar essas atividades, e não só elas, mas também, ainda incluir outras não menos importantes, como culinária, esportes, atividades sociais e culturais, e o repouso.

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