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A origem do acervo do

MABE


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A origem do acervo do

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NA LARGADA, A UNIÃO DE TODOS. NA CHEGADA, UMA CIDADE MELHOR.

AFP PHOTO/PHILIPPE MERLE

Daqui a dois anos, Belém fará 400 anos. A Prefeitura já está trabalhando para fazer da cidade que a gente ama a Belém que a gente quer. A largada foi dada. A cidade está mais limpa. A operação Cuida Belém, Cuide Também retirou dos canais toneladas de entulho e a coleta de lixo está regularizada. Em vários bairros, ruas estão sendo asfaltadas. A operação Ver-o-Peso Novo de Novo deixou a feira de cara nova, mais bonita, organizada e segura, melhor para quem vende, para quem compra e para os turistas. O Ver-o-Rio foi totalmente revitalizado. Com a operação Icoaraci de Cara Nova, a Prefeitura levou ações de limpeza, drenagem e pavimentação ao distrito, onde 30 ruas estão sendo asfaltadas. O BRT agora é pra valer. Para melhorar o trânsito da cidade, operários trabalham dia e noite no Entroncamento. E para levar mais qualidade de vida a milhares de pessoas, a Prefeitura retomou as obras da macrodrenagem da Estrada Nova. É assim que a Prefeitura trabalha. Começando novas obras. Retomando as obras paradas. E recuperando as que foram abandonadas. Faça também a sua parte. Não jogue lixo nas ruas, mantenha os canais limpos, não pare em fila dupla, respeite a sinalização e não feche o cruzamento. Nossa cidade pede de nós união e uma nova atitude. Vamos juntos. Quem ama Belém, vem.

RUMO AOS 400 ANOS.

QUEM AMA BELÉM, VEM. GRIFFO

Vem com a gente fazer a Belém que a gente quer.


Redação

Todo Museu tem uma gota de sangue. N

o O estimulo a criação e o apoio a difusão dos bens artísticos, sem descuidar da preservação da memória, é missão institucional da FUMBEL, importando em manter e ampliar a rede de espaços por dos quais as ações culturais afetivamente se materializam. Por esse motivo, tornou-se prioritário para FUMBEL, apoiar a iniciativa da Associação dos Amigos do Museu de Artes de Belém – AMABE, no projeto de restauração do Salão Verde e a reabertura do Museu de Artes de Belém – MABE, espaço cultural vinculado a esta entidade funcional. Restaurar espaços tão ricos em histórias e em elementos artísticos e arquitetônicos que abrigam o Museu de Artes de Belém, fator imprescindível para a reabertura do Salão Verde, somente foi possível porque contamos com o apoio do prefeito Duciomar Costa. A todos quanto se envolveram na tarefa de devolver o Salão Verde a visitação pública, manifesto a gratidão da FUMBEL, em especial a AMABE, IPHAN/Minc e aos incansáveis servidores do MABE. Que este nobre espaço agora reaberto, seja cotidianamente frequentado por crianças, jovem e adulto, por nossa gente simples, por pesquisadores, acadêmicos e apreciadores das artes visuais; que usufruam dos bens culturais permanentemente expostos nesse espaço. Que os paraenses, por meio de acervo próprio e das ações museológicas do MABE, se apropriem simbolicamente de sua história e sua singular memória. Que a sala de exposição ora reaberta se consolide com marco referencial da qualidade e da eficiência do Museu de Arte de Belém no trato e compromisso institucional para como valorização das artes e a promoção da cidadania cultural. Após um longo período para a recuperação, o Museu de Artes de Belém _ MABE apresenta a Criado em 1991 como um departamento de Fundação Cultural do Município de Belém – FUMBEL, em substituição ao Museu da Cidade de Belém – MUBEL, o Museu de Artes de Belém reúne hoje em seu acervo, cerca de 1.680 obras entre pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, mobiliário de época, fotografias, construções artísticas, objetos interior e cerâmica. Integrantes do Sistema Brasileiro de Museu e membro do Internacional Council of Museums (ICOM) dede de 1996, o MABE assume sua função social de comunicar a propiciar o acesso democrático de todos os públicos ao seu acervo, como meio privilegiado de legitimar e valorizar suas obras como patrimônio material pertencente a toda sociedade que, como portadora deste patrimônio, precisa conhece-lo, se apropriar dele e transmiti-lo para as gerações futuras. Utilizando recursos expo gráficos modernos para atender esse público, um grande número de obras deixa a reserva técnica para serem expostas, sendo algumas inéditas. O MABE se fortalece como instituição museal, resultado do planejamento e trabalho de equipe que integra os setores de Conservação e restauro, Pesquisa e Documentação, Museografia, Biblioteca e Administração, entrelaçados com o coração pulsante do museu que é

Edição 17 | maio/junho de 2013

Diretoria Executiva Carlos Pará e Fábio Santos Editor Responsável Carlos Pará 2165 - DRT/PA Editor de arte/Projeto Gráfico Rilke Penafort Pinheiro Produção Executiva Almir Trindade Neto, Pedro Vinna, Narjara Oliveira, Pavel Fernandes, Virginia Cecim Fotógrafo Bruno Pellerin Computer to Plate Hélio Alcântara Impressão: Gráfica Sagrada Família Distribuição Belém, Pará, Brasil. Assessoria Jurídica: Alfredo Nazareth Melo Santana 11341 OAB-PA Contatos (91) 3351-5188 - 9616-4992 - 9616-3400 email revistapzz@gmail.com Twitter @revistapzz Facebook @revistapzz cartas A Revista PZZ é uma publicação bimensal da Editora Resistência Ltda - Av. Duque de Caxias, 160, Loja 14, Belém, Pará, Amazônia, Brasil Cep 66093-400 Cnpj : 10.243.776/000196 Issn: 2176-8528 site revistapzz.com

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A poética existencial e política de Ruy Barata, escritor homenageado na XVII Feira Pan Amazônica do Livro reacende a importância histórica de sua Obra.

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A trajetória do escritor e cineasta Vicente Franz Cecim rumo à Andara, seu Uni-verso amazônico rompendo as fronteiras regionais.

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Nazaré de Mello e Silva Soares aborda a literatura oral e a relação simbólica dos mitos amazônicos.

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Edmilson Rodrigues lança o livro Amazônia - Jardim de Águas Sedento.

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Vicente Malheiros da Fonseca relata a Vida e a Obra do grande compositor e maestro santareno Wilson Fonseca - Meste Isoca.

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Solo Marajó: A narrativa e a expressão literária do romance “Marajó” de Dalcídio Jurandir em 5 episódios marcantes no monólogo do ator e diretor Cláudio Barros.

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O filme: Juliana contra o Jambeiro do Diabo pelo Coração de João Batista dirigido por Roger Larrat

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A IV Mostra de Filmes da Amazônia chega configurando-se como uma das únicas plataformas de discussão, intercâmbio e circulação regional e internacional

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José Conrado dos Santos - Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará é o atual coordenador do Programa Pró-Ação Amazônia.

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geopolítica pará:O Mapa da Mina

Marcio Palheta desenha a geopolítica mineral do Estado e Christian Nunes fala das ações Territoriais na Amazônia.

AÇÕES TERRITORIAIS NAAmazônia

A riqueza advinda da mineração impulsionou o que seria a solução econômica para o Estado.

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Desenhar piada sobre questões políticas e ambientais é uma arte que poucos conseguem se expressar.

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A estilista que assina figurinos impressionantes, como a segunda pele indígena-futurista da Gang do Eletro e Iva Rothe, se destaca no centro da moda.


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110 ensaio

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Bruno Cecim sai pelo mundo a registrar o visível e o invisivel da realidade

documentário Oasilo das ma dalenas

1921, época em que as meretrizes tinham cadernete de identidade fornecida pelo Instituto Médico Legal do Pará

artes plásticas O exílio eaCor

Tikka inspira-se em Albert Camus para abordar, com distânciamento, o metafísico e a matéria, às vezes, ambos, para construír, sem dúvida, a sua própria maneira de existir.

Foto: Jordy Burch

fotojornalismo

Para Cecim, escrever é descer às profundezas dos antigos registros duma vivência anterior e interior e qualquer coisa encontrar que lhe dê sentido, significado para o existir, perceber e poder penetrar na memória do Universo, emergir do Vazio, da eterna condição inexprimível do verso que se mostra aos homens como substância múltipla e transitória do Uni-verso. E, ao retornar transfigurado, não ter mais palavras, só um imenso olhar, imenso como a noite que busca atravessar. O leitor, por sua vez, faz a sua própria Viagem a Andara invisível através das páginas visíveis de A asa e a serpente, Os animais da terra, Os jardins e a noite, Terra da sombra e do Não, Diante de ti só verás o Atlântico, O sereno, Música de areia, Silencioso como o Paraíso, Ó Serdespanto, K O escuro da semente, oÓ: Desnutrir a pedra. Travessia de uma noite de escuras árvores, de um mundo “onde não faltam mistérios”, uma floresta de símbolos onde podemos ver sem os olhos e passar “entre os homens que dormem com um rosto de pedra. entre a realidade, sonhos, vozes e silêncios, movimentos e inércias, o ar, o fogo, a terra, a água, o vegetal, minerais profundos e principalmente, insone, o animal.
















A origem do acervo do

ANUNCIO


A origem do acervo do

ANUNCIO


Autor: Irineu de Souza, José Título: Retrato do Coronel Antonio Lemos Dimensões: 134,5 cm x 91,5 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1903


Rosa Arraes Moema Alves

a origem do acervo do museu de arte de belém - mabe A coleção do MABE – que hoje é composta por 1.680 obras – se iniciou na gestão do Intendente Antonio Lemos. Ele tinha a idéia de organizar uma grande Galeria de Arte, com quadros dos mais diversos pintores brasileiros e estrangeiros que por aqui passavam naquele momento.

Na segunda metade do século XIX,

Belém foi impulsionada pelo desenvolvimento econômico da exploração da borracha o que favoreceu a consolidação do poder municipal. O crescimento das exportações de látex permitiu considerável aumento de capital ao cofre das elites. Juntamente com grande número de pessoas, circularam pela região amazônica – e não só Belém – mercadorias e obras de arte. Além disso, com a nova situação econômica e social aumentou a exigência pela concepção de um edifício próprio para as atividades políticas e administrativas do município. Nesse panorama é que surge o projeto para o Paço Municipal, de autoria de José Coelho da Gama Abreu, que se materializa depois de vinte e cinco anos de construção. Sua construção foi iniciada em 1860, conforme registra moeda comemorativa cunhada em 14 de abril daquele ano e terminada em 1885. Filho de um comerciante português, Gama Abreu nasceu nas proximidades do Palácio que viria a construir. Realizou estudos em Lisboa e Coimbra, tendo obtido diploma em Filosofia e Matemática. Voltado para a Baía de Guajará, o Palácio Antônio Lemos – que ganhou este nome na década de 1950 – faz parte do complexo arquitetônico situado no portão fluvial de entrada para a cidade de Belém, se configurando como um importante bem do patrimônio cultural do Município. Sua importância reflete a influência do neoclassicismo tardio europeu, herdado da Missão Artística

Francesa de 1816 e evidenciado nas colunas toscanas, no frontão triangular e na simetria da fachada. Guarnecido com ricos elementos decorativos, revestimentos nobres, diferentes tipos de madeira de lei da região, mármore, pedra de liós e ladrilhos hidráulicos, além dos forros trabalhados em estuque e chapa de zinco prensada com impressionante maestria, o Palácio detém um conjunto de bens integrados preciosos que o tornam uma edificação determinante da sua época. Desde a sua inauguração recebeu a Casa de Câmara e acolheu mais tarde o

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir. Tribunal de Relação, a Junta Comercial e a Intendência Municipal. A arquitetura pública e privada do início do século XX em Belém seguia as linhas do ecletismo, tendência mundial naquele momento. A linguagem arquitetônica do ecletismo local, no entanto, se caracterizava por uma assimilação de vários estilos históricos sem uma reflexão crítica mais aprofundada sobre a adequação às características regionais ou aos prédios e funções propostas. É nesse quadro que se insere a primeira reforma do Palácio,

quando são acrescentados ornamentos à moda européia e algumas modificações internas. Essa grande reforma foi realizada pelo Intendente da Cidade, Antônio José de Lemos, um dos políticos mais importantes da região Amazônica. As reformulações executadas por Lemos transformaram o prédio, acrescentando revestimentos, móveis e objetos que procuraram se adequar à moda européia. Os revestimentos de pisos e paredes foram escolhidos entre papéis de paredes em cores vivas e tons fortes, ou placas metálicas prensadas com motivos decorativos salientados por pintura artesanal. Todos os salões foram ornamentados com objetos de arte, encomendados para o Palácio, transformando o ambiente e seu acervo num dos mais importantes da cidade naquele momento. Outras intervenções relevantes ocorreram nos anos 1911, 1927 e em 1973. Na década de oitenta, todavia, o edifício já se encontrava em estado de degradação, o que impulsionou uma grande restauração, que durou cinco anos contados a partir de 1989. Voltando para o Intendente Lemos, durante o período de seu governo (1897 a 1911), se ocupou em modernizar a cidade, implementando planos de urbanização, além de se configurar como um de nossos maiores mecenas. Os relatórios de sua administração demonstram a preocupação com os aspectos visuais da cidade. Muito bem relacionado com os artistas locais e com uma rede de contatos internacionais invejável, Lemos


Autor: Angêlo Guido Título: Docas do Ver o Peso Dimensões: 78 x 100 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1926 Acervo: MABE



encomendou e adquiriu várias obras de recente, porém sua existência como instiartes, tanto para si como para ornamentuição está ligada à história da cidade de tar as paredes do Palácio da Intendência. Belém e a região amazônica. A filosofia Tinha idéia de organizar uma grande de trabalho do MABE lhe deu visibilGaleria de Arte, com quadros dos mais idade e reconhecimento quanto à sua diversos pintores brasileiros e estrangeiimportância enquanto órgão público, ros que por aqui passavam naquele mocriando sua própria identidade como mento. A coleção do MABE – que hoje instituição engajada nos princípios da é composta por 1.680 obras – se iniciou preservação, pesquisa, comunicação e em sua gestão. A primeira obra adquiriação educativa, além de promover ações da, “Os Últimos Dias de Carlos Gomes”, que possibilitaram o envolvimento direto encomendada à Domenico D’Angelis e do público visitante. A própria trajetória Giovanni Capranesi e datada de 1899, de constituição de seu acervo garante a deu início a essa coleção. relevância desta coleção para a reflexNo entanto, foi apenas em 1983 que ão do mundo das artes em Belém, e a a Pinacoteca Municipal de Belém foi memória projetada sobre eles. instituída. Primeiro Sem nunca ter deixado de em sede provisória ser a sede do Poder Público Em 1943, publica seu primeiro Municipal, o edifício do e sem infra-estrutura adequada para Palácio Antônio Lemos, livro de poemas Anjo dos guardar as obras do é uma das mais imporAbismos, pela José Olympio tantes construções públiacervo. Já em 1986, Editora, com o decisivo apoio do cas municipais de Belém. por meio da Lei romancista paraense Dalcídio Conhecido também como Municipal nº 7348, de 20 de outubro, a Palacete Azul está localJurandir. pinacoteca acabou izado na Praça D. Pedro por dar lugar ao II, no Centro Histórico de Museu da Cidade Belém (MUBEL). Belém, e é protegido pela legislação de E em 1991 muda novamente quando, tombamento nas três esferas do Poder finalmente, se cria o Museu de Arte de Público, como o guardião de sua história, Belém, um departamento da Fundação sua arquitetura e seus bens artísticos Cultural do Município de Belém (FUMintegrados. No momento atual, passa BEL). por mais uma intervenção: o restauro de Por ocasião das comemorações do 378º seu telhado. Seu acesso está limitado por aniversário de Belém, no dia 12 de jaquestões de segurança, no entanto, suas neiro de 1994, o museu foi reinaugurado portas estão abertas para quem quiser com sede do Palácio Antônio Lemos. Sua pesquisar sobre seu acervo e, inclusive, na comemoração dos 394 anos de Belém, concepção museológica é ser mais que convida a todos a repensar a cidade um espaço de salvaguarda, conservação, na qual vivemos através de suas telas, catalogação e exposição de seu acervo, através da exposição “Belém ontem, hoje mas também, e principalmente, um local e sempre”, dia 12 de janeiro no Hangar de referência sobre a História da Arte e a partir de fevereiro na sala Antonieta no Pará, respeitando os pressupostos Feio, no Palácio Antônio Lemos. do Conselho Internacional de Museus (ICOM). A história do MABE ainda é muito


Autor: Romeu Mariz Filho Título: Tragédia do Brigue Palhaço Dimensões: 127 x 145 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1936 Acervo: MABE


Autor: Antonieta Santos Título: A Mendiga Dimensões: 82 x 61 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1951 Acervo: MABE


Autor: Antonieta Santos Feio Título: Vendedora de Cheiro Dimensões: 105 cm x 74 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1947 Acervo: MABE


Autor: Antonieta Santos FeiTítulo: Retrato do Coronel Antonio Lemos Dimensões: 134,5 cm x 91,5 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1903


Autor: Dahlia Déa Título: Preto Velho Dimensões: 71 x 56 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1936 Acervo: MABE


documentรกrio

histรณria

BELร Mm obatismo visual

grandes telas histรณricas nascem com o destino da eternidade, tornando-se anรกlogas ao evento que pretendem narrar. por Aldrin

Moura Figueiredo


mítica THEODORO BRAGA: A Fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, 1908. Óleo sobre tela, 226 x 510 cm. Belém, Museu de Arte. - MABE

valores da estética [e por que não dizer do próprio ethos da obra] na bolsa das artes públicas e do patrimônio nacional. A narrativa do passado, por isso mesmo, tende a esclarecer o presente. Senão vejamos. Em 1908, a capital do Pará acompanhou o nascimento de um quadro feito para ficar na memória visual da cidade. O dia era 17 de dezembro daquele ano, a data de aniversário do principal chefe político de Belém – o intendente Antônio José de Lemos (1843-1913). O local era o suntuoso Teatro da Paz, a grande vitrine da civilização da borracha. O ato arece contra-senso era o vernissage de um pintor ainda poupensar que a vida lon- co conhecido mesmo nas searas brasileiga de uma tela seja ras, o Dr. Theodoro Braga. Nesta feita, marcada exatamente em meio a uma platéia de convidados pelo nexo do efêmero, ilustres, foi entronizada a tela A fundação da efeméride, do pas- de Belém, divulgada imediatamente na sageiro, do transitório. imprensa da época como a obra-prima Em suas origens, a no- de seu autor. Aqui vou tentar desvelar ção de efeméride – do grego ephemerís, um pouco da história desse quadro, que ídos, pelo latim ephemeride – esteve re- trouxe para o campo das artes plásticas lacionada, no entanto, a uma data exata, uma nova leitura da história da Amazôum marco que pudesse ser uma baliza nia. do tempo. Era, de fato, uma tabela que Tudo começa em 1899, quando os pinfornecia aos astrônomos, em intervalos tores italianos Domenico De Angelis de tempo regularmen(1852-1900) e Giovanni te espaçados, as coorCapranesi (1851-1936), denadas que situavam Encorajado pelo mestre, entregam à Municipaa posição de um astro. local, o painel Theodoro Braga viajou lidade Da natureza à cultura, Últimos dias de Carlos para o Rio de Janeiro, Gomes, retratando a céa efeméride guardou o sentido de grandiosidalebre morte do músico onde recebeu aulas de e eterno retorno dos ocorrida em Belém em de uma tríade já bem questionamentos que a 1896, sob um funeral tornariam uma data imconhecida nos círculos heróico. As dimensões portante. Por que seria cariocas: Belmiro de Al- da tela fizeram crer ao uma determinada obra intendente a necessidade seria obra-prima? Por meida (1858-1935), Daniel de uma outra para adorque seu autor seria um nar o salão do Conselho Bérard (1846-1910) e grande artista? Nesta cocom o feito Zeferino da Costa (1840- Municipal municação pretendo inrememorativo da funda1915). vestigar esse tema, aqui ção da cidade. O passo enquadrado nos limites seguinte foi encontrar o do centenário de uma tela histórica do artista “idôneo” para a feitura da obra e acervo do Museu de Arte de Belém - A que ao mesmo tempo pudesse empreenfundação da cidade de Nossa Senhora de der a arqueologia dos arquivos à caça dos Belém do Pará, considerada desde a sua documentos que ainda estavam à sombra apresentação, há exatos cem anos, a obra dos compêndios de história. O encontro -prima de Theodoro Braga (1872-1953). entre o intendente e o pintor ocorreu Porém, a história desse objeto de arte, em 1906, quando o artista retornado da imerso em diferentes memórias, remon- França começava a fazer sucesso com ta uma longa tradição da pintura histó- suas exposições no Rio de Janeiro, Recirica no Brasil das últimas décadas do sé- fe e depois Belém, sua terra natal. Exaculo XIX. Olhando o tema de hoje, o que tamente aí o velho projeto toma corpo e se nota é uma verdadeira oscilação dos Theodoro Braga, agora sob o patrocínio

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de Antônio Lemos, viaja para Europa em Julian, sob a orientação de Benjamin busca dos documentos originais sobre o Constant (1845-1902), Henri-Paul Royer fato que seria narrado pelas tintas. (1869-1938) e principalmente do expeAntes da escolha, o mecenas obviamente riente Jean Paul Laurens (1838-1921), havia se certificado das origens intelectu- havido então como o nome mais imporais do pintor, que então contava 36 anos. tante da pintura histórica na França. No Rapidamente o intendente percebeu o ateliê de Paris, o artista descobriu de fato gosto do artista pela história e, mal sa- a história, a pintura da história. bia ele que, naquela encomenda estava De volta à Amazônia, sob a proteção nascendo uma nova escrita da história de Antônio Lemos, e mais do que nunemersa da pintura. Theodoro Braga, ca impregnado pelo gosto do passado, como todos os seus contemporâneos, transformou a história em assunto de ambicionou o bacharelado, estudando na Estado e a pintura em tema de interesse Faculdade de Direito do Recife. Mas, en- popular. Embora atento às vanguardas quanto se diplomava, por que então explodiam volta de 1893, conheceu do lado de lá do AtlânO pintor encontrou o paisagismo pela mão tico, Theodoro Braga de Jerônimo Telles Júnior aqueles que julgou ser olhou com desprezo (1851-1914), um pintor até mesmo o impresseus prováveis despernambucano muito sionismo. Porém, essa cendentes. Os velhos desconfiança com sua influenciado pela pintura do século XVII, espeformação afrancesada e índios Tupinambá cialmente pela obra de modismos europeus estavam lá, nas notí- os Franz Post (1612-1680), lhe serviu para redesum dos grandes artistas cias sobre os Apiacá e cobrir a Amazônia nos do período holandês do dos Munduruku feitos fragmentos arqueológiBrasil. Mesmo quando o cos do Museu Paraenpor Hercules Florence se Emílio Goeldi e, daí assunto era a paisagem, a plena descrição da napara em diante, revisitar (1804-1879), tureza, a história tocava o próprio traço dos ínfundo o aprendizado do dios de antes de Cabral. jovem pintor. Encorajado pelo mestre, Foi assim que, ao mesmo tempo em reTheodoro Braga viajou para o Rio de Ja- pensava o cânone da pintura histórica, neiro, onde recebeu aulas de uma tríade ajudava a criar um novo movimento nas já bem conhecida nos círculos cariocas: artes da Amazônia, com a estilização da Belmiro de Almeida (1858-1935), Daniel flora e da fauna brasileira – o neomaraBérard (1846-1910) e Zeferino da Costa joara –, deixando vários discípulos. Não (1840-1915). O próximo passo foi dado bastava, no entanto, ser bom pintor. Era em 1899, quando ganhou o prêmio da fundamental o domínio da pesquisa Escola Nacional de Belas Artes, de via- histórica. O pintor teria se armar de hisgem à Europa. No ano seguinte, já estava toriador e vice-versa. Pintura e história, em Paris, como pensionista na Academia natureza e cultura: eis o encontro que re-

Teodoro Braga nasceu em Belém, 8 de junho de 1872. Pintor, educador, historiador, geógrafo e advogado, formou-se bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. Enquanto estudava Direito, tinha aulas particulares de pintura com Telles Júnior. Uma vez diplomado, viajou para o Rio de Janeiro onde foi aplicado aluno da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) na década final do século XIX. Em 1921, fixou residência em São Paulo, onde atuou como professor no Instituto de Engenharia Mackenzie e na Escola de Belas Artes. Assumiu o cargo de diretor da escola, ocupando-o até seu falecimento.

velou a obra prima de Theodoro Braga. Pelas tintas, o artista formulou sua primeira narrativa da história, traduzindo para outra linguagem passagens inteiras da obra de tratadistas, cronistas, missionários e homens de governo. Velhos documentos ganharam novas tonalidades; pintores-viajantes foram acolhidos pelos pincéis do mestre. Theodoro Braga passou em revista os primeiros registros escritos sobre a América Lusa, através dos relatos de cronistas portugueses como Pero Vaz de Caminha com sua Carta (1500), Pero de Magalhães de Gandavo com sua História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil (1576) e Gabriel Soares de Sousa com Tratado Descritivo do Brasil (1587), além das narrativas de viajantes franceses e alemães, como de Jean de Léry, autor de Viagem à Terra do Brasil (1578), e Hans Staden, que escreveu Duas Viagens ao Brasil (1557). Esses e outros testemunhos do passado estiveram entre os seus principais informantes. Em páginas impressas e noutras manuscritas, ficaram os registros dessa façanha da história como pintura e da pintura como história. Numa verdadeira arqueologia da arte, inventiva e subjetiva, Theodoro Braga redescobriu os antigos Tupinambá, que habitaram a costa do Pará no século XVII e que haviam sido riscados do mapa no século seguinte. Como reencontrar aqueles índios, suas marcas corporais, sua imagem enfim. O pintor encontrou aqueles que julgou ser seus prováveis descendentes. Os velhos índios Tupinambá estavam lá, nas notícias sobre os Apiacá e dos Munduruku feitos por Hercules Florence (1804-1879), comparadas com as informações colhidas em pesqui-


sa no acervo do Museu Paraense. Da fa- chegada de seus mortais inimigos”. Aqui mosa Expedição Langsdorff, no segundo houve o desejo de imprimir à cena uma quartel do século XIX, sobreveio um dos nova percepção desse reencontro: não se principais registros que poderia ser útil a tratava mais de representar a curiosidade um pintor – com sombras, luzes e cores, dos índios em relação ao branco e muito muitas cores. A história foi arte cara no menos a admiração com o desconhecido projeto de Theodoro Braga, tanto que europeu. Estava em jogo o fato histórico foi necessário explicar tudo aos primei- de os índios Tupinambá já conhecerem ros que compareceram diante da gran- os portugueses de longa data, em lutas, de tela. O quadro A fundação da cidade “através do Rio, Bahia, Pernambuco, Made Nossa Senhora de Belém do Pará tem ranhão e finalmente nas terras do Pará”. uma versão em livro, com grande parte Na imagem, os índios aparecem mondos conceitos, referenciais e inspirações tando posto num pequeno igarapé que presentes na tela. desaguava na baía do Guajará. A cena, vivida em 1616, vinha Mas como transpor para as tintas a narrativa literáao presente, em 1908, A imagem esquálida e por nova explicação: o ria da fundação do Pará? Theodoro usou dos pintoindigente da aventura pequeno curso d’água res renascentistas, optanonde estavam os nado pelo díptico, pois assim européia não combina- tivos “é o que mais va com o mito funda- tarde foi chamado poderia narrar duas cenas independentes e, ao mesdor da grande capital Ver-o-Peso”. Do escumo tempo, preservar uma ro das matas, rumo ao da borracha. Cabia visão de conjunto. Aqui igarapé, ainda “cheo díptico deve ser lido da ao pintor, reinventar, gavam outros índios direita para a esquerda, se- pelas tintas, uma outra retardatários de suas guindo o modelo oriental, tabas situadas no intecontrastando, portanto, imagem dos súditos de rior”. A margem do rio com as regras interpretatiPortugal e Espanha. era o lugar onde eles vas européias. Na primeiestabeleciam, aqui e ali, ra cena do quadro, vê-se, suas atalaias de defesa, ao longe, a chegada das três embarcações “pontos de espreita” segundo o pintor. que traziam “a expedição civilizadora” – A segunda cena, ao lado esquerdo do esuma caravela, um patacho e um lanchão, pectador, representa o adiantado estado tal como faziam crer os velhos anais da da conquista e do senhorio português marinha portuguesa, exaustivamente na nova terra. Esse enquadramento retoconsultados pelo artista. O pintor conce- mava as origens da ocupação da região: beu a pequena esquadra ainda não anco- “uma vez escolhido o lugar quase isolarada, indo ao sabor da corrente, revelan- do e boa altura defensável, deram mãos do o ângulo de observação em relação à à obra”. É fundamental perceber que essa beira do rio. Em terra, encontravam-se cena resultou de um grande esforço de os Tupinambá, “olhando com ódio a Theodoro Braga em sua tentativa de cons-

Na primeira cena do quadro, vê-se, ao longe, a chegada das três embarcações que traziam “a expedição civilizadora” – uma caravela, um patacho e um lanchão, tal como faziam crer os velhos anais da marinha portuguesa, exaustivamente consultados pelo artista. O pintor concebeu a pequena esquadra ainda não ancorada, indo ao sabor da corrente, revelando o ângulo de observação em relação à beira do rio. Em terra, encontravam-se os Tupinambá,“olhando com ódio a chegada de seus mortais inimigos”.

truir uma nova versão desse acontecimento fundador, com um acalorado debate com alguns eminentes historiadores sobre o padrão das construções depois da conquista. Todos os documentos de época referem-se a um fortim construído em madeira, uma simples paliçada. A grande capital da borracha não poderia, no entanto, aos olhos do pintor e principalmente de seu mecenas – o intendente Antônio Lemos, ter experimentado uma origem tão simplória. O presente reinventou o passado na paleta do pintor: fez-se então um forte de pedra, como sólida e eloqüente deveria ser a certidão de batismo da cidade. Apesar dessa polêmica, o significado da distância da imagem babélica de um primeiro contato entre europeus e indígenas deveria ser preservado a todo custo na primeira imagem da Amazônia. Índios e europeus começavam aí a falar uma mesma língua. À sombra de uma visão singela do trabalho de construção de uma “pequenina igreja” no interior de um forte de pedra, o pintor procurou dar cabo a uma elaborada interpretação da política sobre a chegada dos portugueses à Amazônia. De primeira olhada, vê-se, na tela, a igrejinha consagrada à Nossa Senhora de Belém, levantada “em taipa, coberta de palhas, ainda não ressequidas e já pronta”. Ao fundo, apareciam as modestas habitações dos novos colonos, simples casebres e algumas palhoças. Mais à frente, o principal alvo da tal querela historiográfica: o forte do Presépio. Na imagem, “o forte, com a sua frente de cestões entre os quais peças de artilharia já estão assentadas começa a terminar-se; um muro com a sua guarita é construído e o resto avança rápido”. Nos contornos

De primeira olhada, vê-se, na tela, a igrejinha consagrada à Nossa Senhora de Belém, levantada “em taipa, coberta de palhas, ainda não ressequidas e já pronta”. Ao fundo, apareciam as modestas habitações dos novos colonos, simples casebres e algumas palhoças. Mais à frente, o principal alvo da tal querela historiográfica: o forte do Presépio.


internos da moldura, começava a sobres- terra sob as bênçãos da Igreja. Ao invés sair o vaivém dos trabalhadores portu- de uma celebração, como fizera frei Hengueses e indígenas. rique em Porto Seguro, em 1500, unindo Com efeito, era necessário marcar o ato na assistência os infiéis e os cristãos, na histórico com a presença de um herói epopéia amazônica os índios já sabiam fundador. Na horizontal, o quadro é que os portugueses traziam outros cosdescrito em duas cenas. Na vertical, em tumes diferentes dos seus, pois que eram, dois planos, divididos ao meio pelo lon- na visão de Theodoro Braga, remanesgo risco da floresta na outra margem do centes daqueles mesmos Tupinambá que rio. No primeiro dos planos, ao centro da habitaram o litoral da Bahia ao tempo de tela, “sob a espessa sombra de grandes Cabral. A presença dos padres na narárvores”, estava o herói, Francisco Cal- rativa visual causou polêmica. Os histodeira Castelo Branco, antigo capitão-mor riadores da época sabiam apenas que os do Rio Grande do Norte, cercado por franciscanos acompanham a expedição seu estado-maior, os comandantes das de Jerônimo de Albuquerque para a conembarcações. O instante procurou tra- quista do Maranhão, em 1615, mas não duzir a preparação da viagem de Pedro acreditavam na seqüência de viagem ao Teixeira ao Maranhão, Pará, em 1616. As fontes “a fim de levar a nova da documentais possíveis A moldura é aqui um à época informavam fundação da cidade de Belém”. Este enquadracampo de bricolagens, tão somente que, desde mento está diretamente 1617, os ditos padres se de mistura e tradurelacionado à cena da instalam no sítio Uma, ção cultural. Sobre construção do forte do nos arredores da rePresépio, na qual Theoa madeira, o ferro e cém-fundada Belém do doro Braga redesenhou Pará. Os franciscanos o estuque, o artista a imagem dos homens de Santo Antônio esque vinham na frota de esculpiu, modelou, forjou tão, portanto, na leitura Castelo Branco. Contra- e pintou uma Amazônia visual da de Theodoro riando seus confrades de Braga por terem sido brasileira. ofício, o novo historiaos primeiros religiosos dor insistia que “os expea chegar à Amazônia. dicionários não vinham nem na miséria, Em 1617, quatro missionários dessa ora ponto de pedirem o que comer aos dem estavam em Belém: Frei Antônio de índios, nem desprovidos de tudo, como Mercianna, Frei Cristóvão de São José, é corrente, a ponto de serem ajudados Frei Sebastião do Rosário e Frei Felipe de por piedade pelos caboclos do Guajará São Boaventura, os dois últimos ignorana construção do forte e habitações”. A dos na tela da fundação. imagem esquálida e indigente da aventu- Descrita a história, era imprescindível ra européia não combinava com o mito emoldurar a cena com a exuberância fundador da grande capital da borracha. da natureza amazônica em seus míniCabia ao pintor, reinventar, pelas tintas, mos detalhes. O pintor migra então da uma outra imagem dos súditos de Por- ciência da história para o domínio das tugal e Espanha. Do mesmo modo, a ciências naturais. Pela primeira vez, as presença da Igreja Católica nessa história águas da baia do Guajará, na conflufoi ponto de discórdia entre os especialis- ência dos rios Pará e Guamá, trazem tas no assunto. Tentando mais uma vez uma moderna representação dos rios retificar as leituras dos historiadores Do- tributários da foz do Amazonas: a cor mingos Antonio Raiol (1830-1912) e Ar- barrenta, turva e amarelada. Esse viso thur Vianna (1873-1911), o artista trouxe era algo impensável para os pintores ao acontecimento dois religiosos francis- do século XIX, muito marcados pecanos: frei Antonio de Mercianna e Frei los modelos e contornos dos rios euChristovão de S. José, que teriam acom- ropeus. Em contraste com a lenda de panhado Castelo Branco no episódio da um Danúbio Azul, como na música fundação. Já que não havia nenhuma pis- de Johann Strauss, Theodoro Braga ta sobre uma primeira missa, restava en- pincela um Amazonas barrento, com tão apresentar os clérigos envolvidos na arrepios de brisa, reflexos do céu em empreitada da construção de uma nova algumas manchas azuladas em meio

à tonalidade do rio. Às margens estão os verdes em seus diferentes tons e escalas. A vegetação que orna a vista foi pensada como espécimes de um herbário característico da flora equatorial do Brasil. Ao centro, duas árvores com fortes conotações simbólicas para a Amazônia: a seringueira, responsável pelo triunfo do progresso contemporâneo do artista, via exploração do látex, e a imbaubeira, típica de floresta secundária e, por isso mesmo, representando o trabalho de colonização da região. Enrolada em cipós, ao centro da tela uma grande árvore – uma espécie de síntese visual da flora amazônica, exibindo “a majestade grandiosa das nossas florestas tropicais”. Houve lugar ainda para a palmeira do açaí, que produz o fruto de onde se extrai a bebida mais popular entre os paraenses e, à beira d’água, plantas aquáticas da Amazônia, como o mururé e a aninga, comuna nas redondezas de Belém. E o cenário foi composto por analogia às características ecológicas do litoral lamacento que circundava o Guajará, em cuja vegetação de mangue vicejavam também os aturiás, vistos no quadro como uma espécie de símbolo da vegetação amazônica. Muito evidente foi a intenção do autor em mostrar o contraste dessa pequena planta com “as árvores colossais e enormes das matas paraenses”, que cresciam em direção à terra firme. Ao fundo, no horizonte, aparece a “longa fita arroxeada da verdejante Ilha das Onças”, intacta e contínua, fronteiriça ao desembarcadouro dos portugueses. Todo esse corpus fitológico foi concebido como a parte ornamental da natureza amazônica transposta para um retrato da história, a fim demarcar seus contornos. Trata-se, portanto, da certidão de origem de uma cidade que nascia em meio a maior das florestas do mundo. Ao lado da magnitude da flora local, parecia essencial reconstituir um retrato climático do evento que, ao mesmo tempo, refletisse o traço meteorológico mais comum naquela latitude. O pintor fez assim um “céu tranqüilo e belo” como adorno ao empreendimento da fundação, “enquanto que para o lado da embocadura do rio uma nuvem plúmbea lembra-nos as fortes bátegas da chuva quase diária”. Theodo-


ro Braga se voltou à comparação com que é alegoria da mestiçagem e do ena realidade presente, em 1908, quando contro de culturas. o regime pluviométrico da área da foz No alto, ao centro da moldura, como do rio Amazonas praticamente não insígnia de Belém, está o Brasão de apresentava flutuações e mudanças Armas. Aqui está uma legítima prova bruscas de tempo. Com isso, o artista das proezas arqueológicas do artista. imprimiu uma espécie de cena inter- A primeira versão desse emblema temediária, na qual aparecem, sobre o ria sido feita por Bento Maciel Parenhorizonte, as “pesadas nuvens bran- te, capitão-mor do Pará entre 1621 e co-azuladas”, características daquela 1626. Perdido, a notícia desse escudo hora da manhã e, ao lado direito do ficou guardada numa biblioteca de expectador, as nuvens mais escuras da antiguidades em Braga, Portugal. Em chuva tradicional do início da tarde. 1825, o gosto pela heráldica e pelos Desse modo o pintor conclui a feitura demais registros da história, caro aos da tela. Mas o empreendimento ainda intelectuais do romantismo brasileiro, estava pela metade. Para uma gran- levou Paulo José da Silva Gama, barão de cena, uma grande moldura. Uma de Bajé (1779-1826), a mandar repropintura histórica só é capaz de eclodir duzir em tela a descrição do brasão. num quadro de grandes dimensões, No final do século XIX, vários artistas guarnecido e emoldurado com a mes- e intelectuais se debruçaram sobre essa ma eloqüência da cena narrada pelas peça, entre eles o próprio Theodoro tintas. Braga. Grosso modo, Theodoro Braga constrata-se de um brasão truiu para sua obra E o cenário foi compos- esquartelado: O priem azul, ostenta -prima uma moldura to por analogia às ca- meiro, os braços com flores e capaz de traduzir as mudanças que procu- racterísticas ecológicas frutas e a legenda Ver rava imprimir em suas do litoral lamacento est aeternum – Tutius linhas de trabalho. A que circundava o Gua- latent, alusivos à natureza do rio Amazonas moldura é aqui um campo de bricolagens, jará, em cuja vegetação e à geografia escondide mistura e tradução de mangue vicejavam da do rio Tocantins. O segundo, um castelo de cultural. Sobre a matambém os aturiás, deira, o ferro e o esprata com um colar de tuque, o artista escul- vistos no quadro como pérolas, distintivo da piu, modelou, forjou e uma espécie de símbolo nobreza, do qual pena quina portuguesa pintou uma Amazônia da vegetação amazô- de com cinco castelos de brasileira. Na superfície do estuque e de seu ouro em escudo azul, nica. douramento, entrecruenfatizando a fidalguia zam-se ornamentos do classicismo de Castelo Branco, o fundador da ci– com seus medalhões – e outros ele- dade. A estrada em amarelo que dá mentos então “desconhecidos” pelos acesso ao castelo alui o caminho que artistas da terra. Ao lado das célebres devem seguir os sucessos do herói da folhas de acanto, tão características tela – o da obediência à Coroa de Pordo emolduramento acadêmico, Theo- tugal. O terceiro representa um soldoro Braga construiu moldes de atu- poente em céu prateado, referindo a riás e folhas de aninga. Ao centro, no hora em que Castelo Branco ancorou alto, ladeando o Brazão de Armas da na baia do Guajará. A legenda Rectior Cidade de Belém, palmas de açaí, de cum retrogradus, indica que o comanonde se extrai o vinho dos paraenses. dante esperou o desembarque para o Com isso o pintor estabelecia os con- dia seguinte. O quarto traz os ícones tornos de uma arte nacional, angulada de um boi e uma mula num prado verpor viso amazônico. Estilizando a flora de à margem de um rio, com as divisas da região, o artista questionava o con- Nequancam minima es, em alusão a torno clássico e aquilo que parecia ser Belém da Judéia, inspiradora do nome uma velha janela de visão da realidade. da futura capital do Pará, da qual disTemos à vista, portanto, uma moldura sera o profeta que não seria a menor

de todas. Há também que se pensar sobre o suporte, a técnica e as preferidas pelo pintor. Sobre uma tela de linho branco, o artista realizou aplicações mistas de tinta a óleo, obedecendo um riscado que privilegiasse a luminosidade. Nas águas da baía do Guajará, em parte do céu e em algumas figuras humanas as pinceladas são finas e diluídas camadas de tinta quase imperceptíveis. Nas nuvens, terrenos e imediações do Forte do Presépio aparecem tênues empastes e, na copa das árvores e nas demais folhagens, aplicação de densos empastes com pinceladas soltas e muito evidentes. Com isso, Theodoro Braga acabou por imprimir um colorido é variado e luminoso, tendendo ao verde-amarelo, – com óbvias preocupações de marcar as cores da nacionalidade, nos sobretons de verde e na longa escala do amarelo tendendo ao ocre. Esse amarelo, que certamente é a cor mais incisiva da tela, mistura-se também a outros tons vão do ocre ao vermelho, passando por variações do azul ao cinza, em vários matizes. Por fim, o branco em contraste com ligeiros toques de negro, terminam por contorno e realçar o traço colorista da descrição da natureza em contato com a história. Eis a grande invenção de Theodoro Braga. A obra cuja fatura lhe rendeu a reputação de pintor, o destruiu como historiador. Certamente está aí a resposta para a pergunta que fiz lá bem no início deste artigo. A tela de Theodoro Braga é afinal obra-prima por ser símbolo de uma época, clímax de um gênero, fronteira de um estilo e marca de um autor. Conta uma história e, no entanto, é transtemporal. Pintada em 1908, remete-se a 1616 e pode ser relida hoje, em seu centenário, como a qualquer momento, em qualquer lugar. Polissêmica, como todo produto da arte, a cada viso do expectador ganha uma nova leitura. À primeira vista, sobrevém o traço acadêmico, o contorno pompier, o registro histórico. No entanto, de segunda olhada, no quadro a natureza toma conta da história, no imenso amarelo-barrento da baía do Guajará, nos tons verdes da floresta de várias idades e ainda nas nuvens carregadas da foz do Amazonas – tudo isso é muito mais que um simples cenário.


Moema Alves

LANDI acatedralde

Moema Alves analisa a obra “A Catedral de Belém” do pintor Antônio Parreiras. Nela, podemos ver definida a importância desse patrimônio artístico cultural que traz a representação de uma igreja colonial recém reformulada pela então recente república.

Em maio de 1905, aproveitando o bom momento que Belém vivia, inclusive nas artes, o pintor Antônio Parreiras chega ao norte do país com uma grande exposição. Conhece logo o intendente e mecenas Antônio Lemos, que, encantado por sua técnica, o contrata para pintar a cidade e o deixa livre para escolha dos locais a serem reproduzidos. A obra que nos interessa particularmente aqui é a “A Catedral de Belém”, deste mesmo ano de 1905. Nela, podemos ver definida a importância desse patrimônio artístico cultural. O edifício está encoberto por algumas árvores, porém sem perder sua monumentalidade, nem tampouco os detalhes dos elementos decorativos de suas fachadas frontal e lateral. Esta obra, na verdade, nos traz a representação de uma igreja colonial recém reformulada pela então recente república. Parte de sua fachada é representante da obra que o arquiteto Antônio Landi deixou em Belém. A pintura feita por Parreiras foi fiel ao desenho do arquiteto, preservado pela obra de 1882, com as torres e seus campanários ornamentados em escamas e as torres sineiras. Parreiras representa, ainda, com muita delicadeza, o frontão e sua parte inferior com os detalhes do relógio, óculo central e as linhas retas da cimalha que divide o frontão da parte de baixo do frontispício, onde podemos ver, ainda, as janelas e uma porta em um vermelho. Ao redor e na frente da Igreja, um calçamento geral de rua pavimentada, demonstrando a limpeza e higienização, preocupação latente. À esquerda da obra é possível ver

uma perspectiva da fachada lateral, onde ele pinta os telhados da igreja e, no meio do passeio, algumas figuras esquemáticas. O dia está limpo, o céu claro e com um azul intenso. Já nosso outro sujeito, Antônio José Landi, era italiano de Bolonha e chegou a Lisboa acompanhado de um grupo de estrangeiros, contratado para a missão de demarcação de fronteiras no Brasil. Chegou em julho de 1753 a Belém ocupando o posto de desenhador da Comissão Demarcadora. Sua trajetória de 38 anos a serviço da Coroa portuguesa lhe garantiu

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir. ascensão social: dono de engenho, escravos e habilidade política, circulou entre os influentes grupos da província. Nascido em 30 de outubro de 1713, Antônio José Landi formou-se na Academia Clementina, habilitando-se nas técnicas arquitetônicas civis e militares, além de cenografia com intuito teatral e decorativo. Seu mestre, Fernando de Bibiena (1657-1743), o iniciou nos trabalhos com perspectiva linear resultando em forte influência do barroco italiano. Em Belém, encontramos as seguintes

edificações de sua autoria: a Igreja de Santana, santa da qual era devoto; a Capela de São João Batista; o Palácio dos Governadores, onde hoje funciona o Museu Histórico do Estado do Pará (MHEP) e a Casa da Ópera, teatro já demolido. Teve também participação na citada Catedral da Sé e na Igreja do Carmo. Mais: fez a adaptação de uma casa para abrigar o Hospital Real – atual Casa das Onze Janelas – e a reforma da capela do Engenho Murutucu, de sua propriedade. Fora essas, de autoria comprovada, outras tantas foram atribuídas a ele e ainda suscitam discussões, tais como a Capela Pombo e algumas casas particulares. O que levou exatamente um arquiteto acadêmico a largar sua cidade, seus familiares e aparente estabilidade profissional por uma viagem ao interior da Amazônia, terra não só distante, como também em larga medida desconhecida, nós não sabemos ao certo. Teria sido por espírito aventureiro? Necessidade de mudança? Possibilidade de novas realizações? O fato é que Landi jamais regressou à Europa. Foi aqui que constituiu família, acumulou posses, ergueu enfim suas obras. Quando chegou a Be¬lém, Landi encontrou a Sé em construção, com andaimes até a altura do telhado e sem torre. O arquiteto atuou, então, na decoração interna da igreja e na conclusão da fachada. No entanto, a atual Catedral Metropolitana de Belém teve sua pedra fundamental lançada em maio de 1748 e levou mais de 20 anos para ficar pronta.


Autor: Antônio Parreiras Título: A Catedral de Belém Dimensões: 65 x 54 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1905 Acervo: MABE


Em 1882, o interior da igreja so¬freu uma reforma ordenada pelo bispo Dom Antônio de Mace¬do Costa. Grande parte dos revestimentos originais foi substituído e cons¬truiu-se um novo altar-mor, oferta¬do pelo bispo. Desta reforma, parti¬ciparam diversos artistas italianos, como o escultor Luca Carmini e o pintor Domenico De Angelis, além de Lottini e Silverio Caporoni. A intervenção modificou muitos elementos do desenho de Landi, com a retirada dos retábulos do altar-mor e dos al¬tares do cruzeiro, a substituição dos púlpitos e o acréscimo de candelabros de ferro fundido. Todavia, a fachada não foi modificada. Essa obra terminou apenas em 1892, quando Dom Macedo Costa já não era mais bispo do Pará, e sim arcebispo da Bahia. A reforma da Catedral da Sé não foi feita isoladamente, fez parte da reformulação da cidade iniciada em finais do século XIX. O excedente econômico resultante da economia da borracha movimentou não só o cenário artístico da região, mas também reordenou o espaço urbano das capitais amazônicas. Mexeu-se no calçamento das ruas, as vias foram alargadas, reestruturaram-se praças, inúmeras mudanças aconteceram. As áreas próximas ao bairro da Cidade Velha passaram de áreas majoritariamente residenciais a centro de atividades comerciais, fazendo com que as famílias residentes ali se mudassem para pontos mais afastados. É quando temos a edificação de rocinhas dando origem aos atuais bairros de Nazaré, Umarizal e Batista Campos. As exigências eram outras: ecletismo, art nouveau, arquitetura moderna. A arquitetura colonial e, conseqüentemente, a projetada por Landi, representava o velho, o antigo regime. O fim do século XIX e início do século XX viam a colônia com desdém e procuravam apagar as marcas da dominação portuguesa. Percebemos esse movimento com a mudança dos nomes das ruas, por exemplo, que passam prioritariamente a homenagear personalidades ou datas escolhidas pelas autoridades locais, formando uma concepção histórica através dessas. As ruas, antes associadas às suas direções, aos seus prédios importantes, às personalidades que habitavam nela – como era o caso da “Rua do Landi”, atual Padre Prudêncio – ou ainda ao ofício predominante de seus moradores, passam a criar uma memória coletiva de exaltação de datas e sujeitos considerados mais importantes ou significativos. Neste sentido, o Palácio dos Governadores, sede de poder, não podia ficar com ares coloniais: deveria ser remodelado de forma a ficar compatível com os ideais modernos do republicanismo

positivista. O realizador dessa reforma foi o governador Augusto Montenegro, que esteve à frente do governo do Pará de 1901 a 1908, e que, para isso, contratou Joseph Cassé, artista-decorador formado pela ¬École des Beaux-Arts de Marseille. Cassé já trabalhava com decoração de palácios republicanos e misturava o gosto oriental e a estética art nouveau, além de dialogar com as mais importantes tradições decorativas do século XIX. Para o Palácio dos Governadores, estudou seu desenho colonial, trazendo de Lisboa cantarias de lioz – usadas na calçada e o entorno do edifício. Para a entrada, trouxe da Itália um conjunto de mosaicos coloridos que compuseram o piso art nouveau. Móveis, vitrais, lustres, pinturas parietais e parquetarias foram usados de forma a introduzir o gosto refinado e civilizado da principal cidade do norte do Brasil. Mudanças nas fachadas também foram implementadas. Porém, na restauração

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir. de 1970, muito do projeto de Landi foi reintroduzido. Estudiosos dizem que, no interior do palácio, ainda há dois ele¬mentos que traduzem o traço italiano de Landi. Seriam eles a escadaria principal e o pátio interno com varanda de arcadas. Seja como for, ao entrar no Palácio nos deparamos imediatamente com o brasão da República, colocado exatamente no começo da escadaria, reiterando que aquele também é um palácio republicano! Em 1939, de passagem por Belém, o pintor Georges Wambach, nascido em Antuérpia (Bélgica), faz uma série de aquarelas e em uma delas reproduz o dito Palácio. No início da década de 1930, Wambach fixa-se no Rio de Janeiro e de lá sai para inúmeras peregrinações artísticas, visitando as cidades históricas mineiras, cidades do Nordeste, São Paulo, Belém e o Amazonas. Nessas viagens, retratava em especial paisagens e trabalhava com grande liberdade o uso das cores e da luz. O Palácio Lauro Sodré (como também é conhecido) é retratado, então, em tons de cinza no sentido de enfatizar o jogo de luz e sombra, entrando em perfeita harmonia com o verde das mangueiras e outras matizes de cinza do monumento do soldado em primeiro plano e com

os troncos das árvores. Assim como na obra de Parreiras, o prédio está encoberto pelas árvores, mostrando, talvez, o encantamento de um olhar estrangeiro sobre a natureza local. As pessoas aparecem bem reduzidas próximo à porta do Palácio. Vemos que são duas mulheres conversando e dois guardas, porém não têm muito destaque e se confundem com as opções cromáticas da aquarela. Essas figuras ressaltam, inclusive, a monumentalidade da edificação. Nesta obra, Wambach não está preocupado em ressaltar a colônia ou a república, mas sim a paisagem local, a composição entre a natureza, o edifício, a praça, o monumento... Essa re-significação dos monumentos não é uma preocupação dele em particular. Mas, se no período de implementação da República, as obras de Landi foram modificadas para dar lugar a uma nova ideologia, na segunda metade do século XX, irão ganhar nova importância. Belém começa a


Autor: George Wambach Título: Palácio do Palácio Dimensão: 38 x 63 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1939 perceber que é preciso ter uma memória e uma história que precedesse a República. Neste sentido, a assinatura de Landi passar a ser um elemento valorizador das obras arquitetônicas e, conseqüentemente, da cidade. É assim que Belém usará o discurso da civilização, buscando legitimar determinados espaços através da relação com grandes nomes, mesmo que esses grandes heróis sejam fabricados, (re)criando esse passado. Não se pretende mais negar nosso passado colonial, mas sim buscá-lo, valorizá-lo. Se antes tínhamos uma afirmação, uma imposição sobre esse passado, agora temos uma volta de olhares para ele. As obras de arte sempre fizeram e continuarão a fazer parte do instrumental discursivo desta “invenção urbana”, assim como as narrativas apresentam um painel histórico das qualidades outrora deixadas de lado. Ver Landi em Belém é mais que buscar suas obras. Ver Landi em Belém é também entender

as construções de narrativas sobre suas obras e sua história. Ora esquecido, ora exaltado, podemos ver as ideologias que cercam esse movimento. Ao mesmo tempo, ao ver obras de arte retratando edificações de sua autoria, ou que sofreram influência sua, podemos ver os discursos impressos ali. Duas obras, dois pintores, duas técnicas, duas épocas. Ambas nos propõem uma reflexão sobre o olhar estrangeiro sobre essa paisagem tão comum aos nossos olhos. Ao olhar as telas, podemos nos perguntar o que chamou a atenção daqueles artistas e o que, de fato, representam aqueles pontos retratados para nós e para a história da cidade. As obras de arte têm o poder de nos levar às mais diversas questões – e pensar Belém e seus sujeitos através delas não deixam ser algumas. Para quem quiser achar Landi no Palácio Antônio Lemos, é melhor se voltar para o acervo do Museu que abriga. Nele,

não encontrará nenhum projeto dele, nenhum desenho assinado, mas sim representações de obras suas, como as duas telas em questão. Não é preciso procurá-lo em todos os prédios da cidade... Belém não precisa ser apenas colonial, nem tampouco de Landi. Independente da quantidade de obras que realizou, Landi deixou sua marca na cidade, assim como o início da República, os modernistas... Visitar o acervo do Museu de Arte de Belém nos leva a um passeio por essa cidade e, neste sentido, a figura do arquiteto não poderia faltar. Historiadora formada pela Universidade Federal do Pará, especialista em Conservação do Patrimônio Cultural pelo Fórum Landi/UFPA. Coordenadora da Ação Educativa do Museu de Arte de Belém – MABE.


Aldrin Figueiredo

AS CORES DE BELÉM POR GEORGE WAMBACH Nascido em Antuérpia (Bélgica) e falecido no Rio de Janeiro. Era filho da grande pintora belga Marie De Duve contudo foi um grande autodidata. Wambach viaja para o Brasil, fugindo de uma Europa em crise, já fortemente dominada pelo espírito do fascismo e do nazismo. Visitou e trabalhou em muitas cidades no Brasil, em Belém pinta a coleção que hoje está no MABE.


Autor: George Wambarch Título: Theatro da Paz Dimensões: 37 x 74 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1939 Acervo: MABE


Em 1939, cerca de quatro anos depois de chegar ao Brasil, o pintor Georges Wambach (1902-1965) pintou uma série de aquarelas sobre a paisagem de Belém que hoje fazem parte do acervo do Museu de Arte de Belém, constituindo uma das obras mestras de sua coleção. Wambach era desenhista e pintor autodidata. Nasceu em Antuérpia numa família de artistas. O pai era Emile Xavier Wambach, violinista, organista, compositor e regente de orquestra. A mãe era a aquarelista Marie de Duve famosa nos círculos da arte flamenga dos fins do século XIX. Jovem ainda, Wambach se inicia nas artes por volta de 1920, com 18 anos de idade, data de suas mais antigas obras conhe-

cidas. Dessa época são alguns retratos, hoje bastante raros, de atrizes e cantoras de teatro das noites de Antuérpia e Bruxelas, com quem o pintor convivia nos círculos boêmios belgas. Além dos retratos, Wambach começou a pintar paisagens, tema que será uma constante em sua obra até o fim da vida e onde o autor irá revelar uma impressionante competência técnica. Suas primeiras paisagens surgem ainda na Bélgica, em 1932. Três anos mais tarde, Wambach viaja para o Brasil, fugindo de uma Europa em crise, já fortemente dominada pelo espírito do fascismo e do nazismo. Hoje revendo suas obras é notável o repudio do artista ao conteúdo

racista e totalitário da ideologia nazista. Wambach foi um cultor da diferença, do colorido, da luminosidade. O Brasil e, em especial a Amazônia, foi então o paraíso de liberdade e o cenário de exuberância que iria compor a marca de sua obra. Assim como em Belém, o pintor também esteve em Fernando de Noronha, Ouro Preto, Olinda, Fortaleza, Rio de Janeiro, Manaus e muitos outros locais. Para ganhar a vida, também trabalhou desenhando rótulos de remédio, cartões postais e colaborou com ilustrações para importantes revistas nacionais de sua época, como A Revista da Semana e Dom Casmurro. Em 1938, volta a Europa e expõe em


Autor: Irineu de Souza, José Título: Retrato do Coronel Antonio Lemos Dimensões: 134,5 cm x 91,5 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1903

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir.

Bruxelas na Galerie da la Toison D’Or, com grande sucesso de venda. Na volta ao Brasil, visita Belém e pinta a coleção que hoje está no MABE. Entre as obras, vale destacar um Theatro da Paz multicolorido, antiacadêmico, contrastante do real e com uma rara qualidade de desenho. Nessa composição o artista recria a realidade observada, delimitando o prédio do teatro a partir de novas texturas, incorporando dégradés e matizados, gerados pela gradação de tons de azul, vermelho e amarelo. Há que se notar no entorno da obra, duas escalas cromáticas marcantes: o céu carregado em cinza, retomando um tema mais do que recorrente nas representações pictóricas de Belém, e o uma escala de verde representando a flora local – especialmente nas mangueiras, na palmeiras e nos benjaminzeiros (Ficus benjamina), que assim como a mangueira também é uma planta originária da Índia e largamente utilizada na arborização de Belém desde o século XIX. Seria interessante mais um comentário sobre o céu cinza de Wambach. Wambach era cultor da aquarela e de uma antiga tradição da arte flamenga que vinha de sua mãe Maria De Duve. O método era antigo e faz parte há desde pelo menos o século XVI do repertório cognitivo dos artistas de Flandres e depois amplamente empregado em Florença e Veneza. Mas a aquarela só pode resistir ao tempo com a obra de Albrecht Dürer, que deixou pelo menos 120 obras suas. No verão de 1520, o desejo de Dürer por um novo mecenas, após a morte do Imperador Maximiliano, e o aparecimento de doenças contagiosas em Nuremberg, ocasionaram sua última viagem. Junto com a esposa viajou para os Países Baixos em julho para estar presente na coroação do novo imperador Carlos V. Nessa viagem passou pelo Rio Reno até Colônia e então para Antuérpia, onde foi bem recebido, produzindo inúmeros desenhos em várias técnicas, até chegar a Aachen para a coroação, e ainda excursionou a Bruxelas, Bruges, Gante, Zeeland e Nijmegen. Retornou finalmente para casa em julho de 1521, tendo contraído uma doença indeterminada que o afligiu pelo resto da vida. Mas o trabalho estava imortalizado – inclusive o desenho que fascinaria o jovem Wambach no início do século XX. Retomando a tradição de Dürer, Wambach viu em Belém o conhecido cinza de Bruxelas de modo a acentuar ao mesmo tempo a chuva cotidiana da cidade e também o contraste colorista do teatro. Há como uma oposição binária tristeza em cinza e alegria multicor. Assim também é possível associar mais profundamente a simbologia do cinza no imaginário infantil quando aglomerações de nuvens em épocas de chuva costumam enclausurar a maioria das crianças em suas casas, impedido-as de sair e brincar. A cor do céu paraense em Wambach, ao invés de ganhar uma simples associação à reminiscência desagradável, de solidão e felicidade impedida, acaba por servir



Autor: George Wambach Título: Avenida Independência Dimensões: 36 x 63 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1939 Acervo: MABE


como contorno e moldura para a luz e para a cor. O cinza deixa assim fixidez da imagem da melancolia ou da morte. A segunda obra de destaque é a Praia do Ariramba, na ilha de Mosqueiro. Nessa aquarela Wambach exercita o melhor de sua técnica e de seu preparo descritivo. Novamente, vem a tona uma tradição dos países baixos do Sul – a velha Flandres. Tanto a pintura flamenga como a pintura holandesa do século XVII trataram as cenas de paisagem com profundo realismo, geralmente com um fundo de altas nuvens num céu cinzento. Enquanto na França o mar era visto como coisa do diabo, encarnação do Leviatã, o monstro bíblico que mora no mar – nos países baixos predominam cenas do mar e de enseadas tranqüilas, profundamente reais. Importante ressaltar também que os progressos da oceanografia na Inglaterra, na Holanda e em Flandres, entre 1660 e 1675, começam a arrefecer os mistérios do oceano. A partir de 1750, transparecem os reflexos de uma mudança de comportamento. Perturbada com a presença de novas ansiedades, o medo das águas tornou-se um mal menor. Os médicos começaram a elevar as vantagens da água fria do mar para a saúde do homem. A luta contra a melancolia enobrece o papel do mar, agora menos como vilão e mais como um colaborador. O homem passa, então, a enfrentar a violência das águas, porém sem correr riscos, a receber as ondas sem perder a vida. O banhista auxiliar é recomendado pelos médicos para acompanhar as pessoas em mergulhos. Há um desejo incontido de visitar as praias. As cenas de praia mostradas em pinturas do século XVIII levam os turistas a desejar mergulhar no mundo convidativo do mar, das baías e das praias desertas. Os relatos românticos de escritores também perseguem o mesmo fio condutor. Penso que aqui Wambach retoma o colorido nebuloso dos arquiconhecidos William Blake, John S. Cotman, Peter de Wint e John Constable, porém valeria destacar o traço de um William Turner, aquele que melhor soube explorar suas possibilidades da aquarela. Não me parece sem sentido ver na imagem do rio-mar de Ariramba a bela escala de amarelo, ocre e laranja de S. Giorgio Maggiore: Early Morning, de 1844, pertencente ao acervo da Tate

Galery, em Londres. Antes de parecer um despropósito a muitos, é bom lembrar que Turner produziu cerca de 19.000 aquarelas, o que lhe valeria de antemão o título de maior aquarelista de todos os tempos. Afora isto, é de se notar ainda a influência de Turner sobre muitos pintores impressionistas. O interessante é que há quem diga que a aquarela exerceu tamanha influência sobre Turner a ponto dele experimentar na pintura a óleo as mesmas possibilidades cromáticas, por meio da aplicação de camadas muito finas e sobrepostas, com grande luminosidade. Wambach, que também registraria paisagens à óleo, faria o mesmo com suas praias e panoramas brasileiros. O certo é que, mais do que uma encarnação mitológica do bem ou do mal, o mar que gerava medo e repulsa passou também a apaixonar os turistas. A invenção das praias como lugar onde o homem encontra paz de espírito e se livra da depressão foi mais um passo no sentido da valorização as águas. Wambach

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Jurandir. revisita toda essa história colocando uma personagem feminina sendo acariciada pela brisa da baía do Guajará. A obra foi concebida com escalas de verde, cinza, amarelo e ocre. O rio-mar é pintado em sua cor barrenta compondo com o cenário florístico das praias do Pará – coqueiros e ajirus (chysobalanus icaco L), aqui representado como arbusto de caule ereto encimado por uma copa que, via de regra, dá frutos carnosos, vermelhos e comestíveis. A terceira obra é a Avenida Independência. Novamente Wambach revolve a tradição da aquarela. Se o assunto era a natureza equatorial, não é sem razão o diálogo com John White, artista que em 1550 participou da expedição de Sir Walter Releigth, registrando a vida, o ambiente e os costumes do Novo Mundo, sendo mesmo considerado por alguns como o pai da aquarela. Na mesma linha, Wambach seria apontado por alguns críticos como o último grande pintor viajante europeu a visitar o Brasil e também o mais dedicado no registro da natureza da terra. O pitoresco da paisagem urbana de Belém, como no entorno do Museu Goeldi, retratado na obra em questão,

retomaria também outra linhagem do apuramento técnico da aquarela. Refiro-me aqui ao inglês Alexander Cozens que, no século XVIII, ajudou a estabelecer o registro de aquarela como um método autônomo e independente, difundido em toda a Europa e, por muitos, reconhecido como a “arte inglesa”. Cozens é conhecido como o primeiro grande paisagista inglês. Sua técnica artística, de criar borrões no papel que depois poderiam ser desenvolvidos em paisagens, o coloca para alguns como um precursor do expressionismo abstrato. Wambach se valeria dos borrões para dar o efeito de antigo, de ruína, na descrição do patrimônio histórico das cidades que visitava. Na imagem da estrada urbana de Belém, o artista centraliza o belo túnel de mangueiras, com o bonde elétrico na linha esquerda se aproximando de dois homens passeando entre a sombra das árvores. Ladeando a estrada, do lado esquerdo o parque botânico do Museu Emilio Goeldi, com a construção em azul no estilo das rocinhas belenenses, de modo a caracterizar a morada campestre típica das redondezas da capital do Pará do século XIX e primeiras décadas do século XX. Do lado direito, as casas de testada pequena com duas ou três portas que serviam de comércio a portugueses e libaneses ou mesmo de moradia à classe média da época. No registro mais profundo dessa obra, Wambach dá conta que a aquarela esteve longe de representar a simples futilidade burguesa ou tão somente a feminilidade espontânea que havia lançado inúmeros preconceitos em relação a essa tradição na virada do século XIX. Ao mesmo tempo, olhando essas obras pelo ângulo do presente, também há que se romper com a pecha de método escolar que os aquarelistas ganharam no Brasil. A excelente coleção que o Museu de Arte de Belém possui da obra de Georges Wambach revela uma aquarela que deve ser compreendida por suas qualidades intrínsecas, como técnica em si mesma, registro de uma época, marca de pintor e arte de todos os tempos.


NA LARGADA, A UNIÃO DE TODOS. NA CHEGADA, UMA CIDADE MELHOR. Daqui a dois anos, Belém fará 400 anos. A Prefeitura já está trabalhando para fazer da cidade que a gente ama a Belém que a gente quer. A largada foi dada. A cidade está mais limpa. A operação Cuida Belém, Cuide Também retirou dos canais toneladas de entulho e a coleta de lixo está regularizada. Em vários bairros, ruas estão sendo asfaltadas. A operação Ver-o-Peso Novo de Novo deixou a feira de cara nova, mais bonita, organizada e segura, melhor para quem vende, para quem compra e para os turistas. O Ver-o-Rio foi totalmente revitalizado. Com a operação Icoaraci de Cara Nova, a Prefeitura levou

AFP PHOTO/PHILIPPE MERLE

ações de limpeza, drenagem e pavimentação ao distrito, onde 30 ruas estão sendo asfaltadas. O BRT agora é pra valer. Para melhorar o trânsito da cidade, operários trabalham dia e noite no Entroncamento. E para levar mais qualidade de vida a milhares de pessoas, a Prefeitura retomou as obras da macrodrenagem da Estrada Nova. É assim que a Prefeitura trabalha. Começando novas obras. Retomando as obras paradas. E recuperando as que foram abandonadas. Faça também a sua parte. Não jogue lixo nas ruas, mantenha os canais limpos, não pare em fila dupla, respeite a sinalização e não feche o cruzamento. Nossa cidade pede de nós união e uma nova atitude. Vamos juntos. Quem ama Belém, vem.

RUMO AOS 400 ANOS.

QUEM AMA BELÉM, VEM. GRIFFO

Vem com a gente fazer a Belém que a gente quer.


Lúcia Hussak

A vendedora de tacacá Um quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 revela como era a vestimenta, os utensílios e arepresentação simbólica da tacacazeira na cultura paraense.


Autor: Antonieta Santos Feio Título: Vendedora de Tacacá Dimensões: 94 x 118 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1937 Acervo: MABE

Um quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 e intitulado “A Vendedora de Tacacá”, mostra uma tacacazeira sentada atrás de uma bancada improvisada, no momento em que acrescenta um molho de pimenta ao tacacá. A cozinheira é mestiça, cabocla, e traja uma blusa branca, larga e decorada com rendas, sobre a qual pendem longos colares vermelhos e dourados. Esta vestimenta evoca as roupas do século XIX e o indispensável aparato das conhecidas baianas. Até a década de 1960, o traje das tacacazeiras era semelhante ao das baianas, mas subsiste, hoje apenas de forma simplificada, nas cidades da ilha de Marajó, próxima a Belém. Na época, os utensílios e os alimentos já estavam colocados sobre uma mesa que se imagina disposta aos clientes, e em um lugar público, a rua, assinalando que se trata de uma banca, um ponto de venda semipermanente, ou mesmo permanente. No quadro de Santos Feio é possível ver que a tacacazeira se serve de uma comprida bandeja, recoberta de toalhas brancas para dispor os recipientes que contém os ingredientes, os quais, misturados no momento de servir, permitem a confecção e a apresentação do tacacá: duas grandes panelas de argila, igualmente envoltas por panos brancos e recobertas com pratos de latão, uma contém o tucupi, a outra a goma; uma panelinha para o molho de pimenta; uma grande cuia decorada para acondicionar o sal e pequenas cuias pretas para servir o tacacá. No chão está um cesto para guardar as cuias e uma bacia que serve para lavá-las Enfim, uma moringa ou talha de argila, para manter a água fresca está depositada no parapeito do muro.


Jonas Arraes

A MORTE de CARLOS GOMES Um quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 revela como era a vestimenta, os utensílios e arepresentação simbólica da




A obra Os últimos dias de Carlos Gomes pertencente ao Museu de Arte de Belém – MABE, é uma obra de grandes dimensões, medindo 224 x 484 cm, óleo sobre tela, pintada e quatro mãos por Domenico De Angelis e Giovani Caprenesi em 1899, no fim do sec. XIX e de início de um novo regime politico, a república. Passamos a partir dessa linha a nos referir a esta obra pelas suas iniciais: OUDCG. Em dias de hoje, que tem em seu acervo uma tela de grande dimensões físicas e simbólicas, pode-se considerar uma instituição privilegiada. A Obra OUDCG que o Museu de Arte de Belém guarda em seu salão verde, foi construída a partir da sacralização de um momento vivido ao fim de sua vida por um homem que, recebido em terras paraenses, haveria de se eternizar no memorial do povo e nos panteões erigidos à ele, estando a obra entre as principais dedicadas, in memoriam, à Antonio Carlos Gomes. Tais como os monumentos mortuários dos túmulos do Cemitério da Soledade, de Belém do Pará, esta tela cristaçliza o olhar atento da sociedade da época, principalmente das elites dominantes que naquele ano de 1896, sob influências dos ideários do positivismo e com nítidas afeições aos padrões estéticos do romantismo europeu, posam sob encomenda do Intendente de Belém do Pará,

e na compositora Chiquinha Gonzaga. Também não vemos homens negros ou orientais na cena. Com tão pouco tempo de república e de abolição da escravatura os homens negros sofriam ainda com os pesares remanescentes de tantos anos de escravidão. Além e ao lado dos homens temos dois objetos a emoldurar a grande inspiração do compositor, a música. Do lado ocidental, abaixo e a esquerda vemos um piano onde está na estante a ária “Sento Uma Força Indômita!”, um dos principais momentos musicais da Ópera “Il Guarany”, quando Pery declara-se apaixonaEm 1943, publica seu primeiro do à Cecy. Esta ária foi executada livro de poemas Anjo dos em 12 de Janeiro de 1994, quanAbismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do do organizamos um momento musical por ocasião da reaberromancista paraense Dalcídio tura do Palácio Antonio Lemos, Jurandir. após restaurado, implantação do Museu de Arte de Belém e da mente inserem-se na cena os apresentação ao público da tela dois autores da tela. OUDCG. No extremo alto da Se olharmos pelos prismas tela, em seu lado oriental, vemos políticos, onde as análises sociológicas variam em matiz- uma tela pintada por De Angelis, es individuais, veremos alguns que representa “A Salvação de Cecy por Pery”. Ali está a repreaspectos importantes deste sentação pictórica da mais famoagrupamento de senhores a sa obra do maestro. velar em vida o grande maesApresentada ao público, para tro, a saber: visitação, em 17 de setembro de Não há mulheres na cena. O mundo da época era dominado 1899, a tela foi instalada sob a supervisão do pintor De Angelis, pela figura do homem, tanto que as mulheres que ousavam no gabinete da Intendência Muinstruir-se em atividades além nicipal, onde permanece até hoje, das alças domésticas, eterniza- sob abrigo do Museu de Arte de Belém. vam-se como revolucionárias ou perturbadoras da ordem social vigente, exemplos temos na escultora Julieta de França Antonio Lemos, num grande retrato, cuja disposição dos personagens é fictícia, não obstante, são os mesmos reais e amplamente conhecidos de todos. Ao olhar a tela OUDCG diretamente para o seu centro e a dividirmos em duas bandas, veremos que a parte oriental da obra concentra um grupo de quatorze homens públicos detentores dos cargos de maior poder à época. Do lado ocidental concentram-se oito homens, dentre eles dois colegas do compositor e fugaz-


Lúcia Hussak

PIERRE VERGER

EM BELÉM Um quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 revela como era a vestimenta, os utensílios e arepresentação simbólica da tacacazeira na cultura paraense.

O Museu de Arte de Belém possui cerca de cias na miscigenação das culturas americanas 150 fotos de Verger. Em dezembro de 2009, resultantes do impacto colonial. o MABE realizou a exposição “Pierre Verger Depois de 1948, quando já tinha escolhido Sal- Uma ponte sobre o Atlântico”, composta por vador como base, Verger foi várias vezes para 92 imagens feitas entre os anos de 1948 e 1950 a África, procurar lá as origens do que via no pelo fotógrafo francês que registrou com real- Brasil e mostrar imagens dos negros brasileiros. idade e beleza os cultos afro-religiosos realiza- À direita, uma foto de Verger tirada no Cais dos nos terreiros de candomblé do Suriname, do Ver o Peso quando os barcos não usavam Paramaribo e Belém. . Na Amazônia, mas motores e eram movidos com o vento da Baía precisamente em Belém, realizou diversas fotos do Guajará, pelos ventos do Norte. de um terreiro de mina. As Verger veio ao Brasil pela fotografias de Verger ilusvez em 1940. Naquela Em 1943, publica seu primeiro primeira tram perfeitamente o olhar época, o bem nascido francês dele realizado sobre as já tinha dado uma volta ao livro de poemas Anjo dos questões afro-americanas. mundo. Em 1946, ele retorna Abismos, pela José Olympio Neste ensaio destacamos as para ficar. Para Verger, a fotoEditora, com o decisivo apoio do grafia, mais que um trabalho, imagens que trouxeram o conhecimento e reconhecromancista paraense Dalcídio era um pretexto para viajar. imento da cidade de Belém Mas, às vezes, ele precisava e de seu maior cartão ganhar dinheiro. Aí aceitava postal, o Ver-o-Peso. trabalhos em agências de fotografia. Em 1937, A obra fotográfica de Verger é reconhecida foi cobrir a guerra sino-japonesa. Os conflitos mundialmente tanto por suas qualidades não lhe interessavam – ele preferia o cotidiestéticas quanto etnográficas. Nas fotografias ano das pessoas ao drama das batalhas. Mas que se encontram no Museu de Arte de Belém aproveitou para passear pela Ásia podemos reconhecer facilmente associações de Para o francês, mais importante que fazer um imagens que ilustram o fluxo e refluxo sobre enquadramento clássico, perfeito, era mostrar o qual Verger tanto escreveu. Sua experiência as pessoas, suas paixões, sua alma. Exímio reetnográfica, humana e estética é parte intetratista, Verger não tinha pressa. Saía andando grante do processo de reconhecimento dos pelas ruas, “vagabundeando”, como dizia, à “afro-americanos”, de suas histórias e culturas, espera de um olhar. Esta imagem, capturada na que estão intimamente ligadas ao continente grande feira de Belém, é um dos belos exemafricano, assim como de suas inegáveis influên- plos.




Pierre Verger, um dos fotógrafos mais Vaticano, em 1938. Em 1941-42, durante importantes da história da fotografia e a sua estada na Argentina, trabalhou para da antropologia visual. Esteve no Pará Argentina Libre, um jornal tido como em 1948. Ele que chegou no Brasil anarquista por alguns, difícil de se enconem 1946, desembarcando na Bahia no trar em bibliotecas ou instituições oficiais, pequeno vapor Comandante Capela, pelo fato de provavelmente ter sido ligado navio muito velho e vagaroso que fazia à oposição, e para El Mundo Argentino, sua última viagem. Depois que sua uma revista com fotografias. Mais tarde, mãe faleceu, lança-se ao velho sonho colaborou no Brasil com O Cruzeiro, de percorrer o mundo. Ele que haventre 1946-51, e, a partir de um segundo ia abandonado os grandes salões de contrato, entre 1954-57, com O Cruzeiro Paris e sua vida de playboy parisiense, Internacional. Além disso, trabalhou para trocou seus carros envenenados por diversos outros jornais ou revistas com os uma Rolleiflex. quais não tinha nenhum contrato específiA partir dos 30 anos, Verger, que co ou de exclusividade, como, por exempvinha de uma família burguesa: lo, o Unesco Couriel; que publica fotos de começou a fotografar e viajar, acomVerger em 1959. Desenvolveu, ainda, outpaiihado por sua máquina Rolleiflex, ras atividades ligadas à fotografia, como usando todos os meios de transporte e encarregado do laboratório fotográfico do de locomoção: a pé, pela Musée de I'Ethnographie Córsega, de bicicleta, (Trocadero), mais tarde Em 1943, publica seu primeiro Musée de l'Homme, em pela França. Itália e Eslivro de poemas Anjo dos panha, de camelo pelo Paris, entre 1935-37, e Abismos, pela José Olympio Saara, como também como colaborador do Editora, com o decisivo apoio do a bordo de cargueiros Museu Nacional, em romancista paraense Dalcídio de bananas e outras Lima, entre 1942-46. mercadorias, de trem. Era, na verdade, o início ônibus e, finalmente, também de avião de uma nova vida. Depois que aprendeu pelo resto do mundo. A sua primeira a fotografar viajou para o Taiti, Espanha, viagem mais longa o levou, em 1933, China, Estados Unidos, Japão, Itália, h Polinésia. A partir esta viagem, ele África, Equador e Guatemala, vai a Dapassou a viver de suas fotografias, kar, Guiné Bissau, vem a Argentina, Peru, colaborando com os mais diversos jor- Bolívia, Bahia, Salvador. Verger fazia nais: para o Paris Soir ele fez, em 1934, reportagens que vendiam no mundo junto com o escritor Marc Chadourne inteiro, negociava suas fotos com jornais, e o jornalista Jules Sauerwein, uma agências e centros de pesquisa. Fotografou viagem ao redor do mundo, passando para empresas e até trocou seus serviços pelos Estados Unidos, Japão, China e por transporte. Na época era muito raro outros países; no Dailv Mirror (Lonum fotógrafo poder viajar desse jeito. dres), encontra-se, entre 1935-36, uma Depois de rodar boa parte do mundo, não série de fotografias com curtas legenqueria mais ficar na Europa, vitimada pelo das, especialmente da Indochina, assi- pós-guerra. Então surgiu uma oportuninadas por Mr. Lensman, um pseudôn- dade de conhecer Salvador e se apaixonou imo de Verger; para a agência Alliance pela cidade hospitaleira, de uma riqueza Photoo, ele fez a cobertura fotográfica cultural fantástica, e principalmente da exposição mundial de Paris, etn porque ficou num quarto que a janela 1937; para a revista Life, ele viajou, em dava para a Baia de todos os Santos. Assim 1937, como correspondente de guerra fixou residência no Brasil, sem perder seu para a China; e para Match (Lonespírito aventureiro, até sua morte . Mas dres), ele fez uma reportagem sobre o o que realmente lhe encantou e despertou









sua maior atenção na cidade foi o CanJorge Amado e com as tradições africanas, domblé, religião e fonte da vitalidade do principalmente no culto aos Orixás, os sigpovo afrodescendente baiano e com isso se nificados de um terreiro baiano e o papel tornou um estudioso do culto aos Orixás. desempenhado pelas iyalorixás, mães de Tinha sede de fotografar, muito detalsanto, sacerdotisas de tradicionais terreiros hista em seus enquadramentos e cortes baianos. Frequentadores do terreiro Ilê fotográficos, era preciso em seus disparos. Axé Opô Afonjá, os três exerciam o cargo Tinha que ser, pois a característica de sua de "Obá", que representam os ministros de máquina Rolleiflex, destinada exclusivaXangô na tradição do candomblé. Formente ao fotógrafo profissional, exigia maram um laço de amizade que durou sabedoria em seu uso, mesmo porque para toda vida. Além desses conviveu com além de serem poucas chapas, o material Vivaldo da Costa Lima, Waldeloir Rego, era importado da Europa. Na revelação era Odorico Tavares, Godofredo Filho, Cid exigente na qualidade dos tons de cinza. Teixeira, Carlos Ott, Thales de Azevedo, Toda sua produção fotográfica foi em Mário Cravo, Zélia Gatai, além de um Preto e Branco. Quando esteve no Pará em número incontável de pessoas ligadas ao 1956 veio fazer uma reportagem sobre o Candomblé, que futuramente acompanVer-o-peso para revista hariam a sua vida. Jorge Amado foram Fotografava tudo, grandes amigos, além de ser fazia amizades com reconhecido internacionalE m 1943, publica seu primeiro as pessoas com quem mente por sua obra literária, livro de poemas Anjo dos depois fotografava, era tinha forte influencia política. Abismos, pela José Olympio um pessoa. Assim foi Em 1945 foi eleito deputado Editora, com o decisivo apoio do federal pelo Partido Comuniconquistando a confiromancista paraense Dalcídio sta Brasileiro (PCB), e uma de ança das pessoas e de entidades que não deixsuas principais medidas foi a avam se expor. Um de seus retratos mais emenda que garantiu a liberdade religiosa belos foi o de D. Maria Bibiana do Espírito tronar-se em Lei, principalmente a liberSanto, Mãe do Terreiro Axé Opô Afonjá dade religiosa dos cultos africanos que que ficava na entrada de sua casa e outros eram discriminados e perseguidos pela milhares de retratos do povo africano e polícia e pelo Estado. Jorge Amado foi o afrodescendentes ao longo de sua vida. elo que uniu Pierre Verger ao escritor e folEm seus últimos anos de vida, a grande clorista Bruno de Menezes no Pará quanpreocupação de Verger passou a ser disdo veio fazer o ensaio fotográfico sobre o ponibilizar as suas pesquisas a um número trabalho e a religiosidade e que é fruto das maior de pessoas e garantir a sobrevivênfotografias dessa edição especial da PZZ. cia do seu acervo. Na década de 1980, a Verger fotografou muito na África – a Editora Corrupio cuidou das primeiras fundação que leva seu nome, sediada publicações no Brasil. Em 1988, Verger em Salvador, guarda 16 000 negativos do criou a Fundação Pierre Verger (FPV), da continente. O mesmo acervo tem 22 000 qual era doador, mantenedor e presidennegativos da América do Sul, 10 000 te, assumindo assim a transformação da da Ásia, 8 000 da América do Norte e sua própria casa na sede da Fundação e Central, 1 000 da Oceania e 4 000 da sua num centro de pesquisa. Em fevereiro de nativa Europa. Verger viajou pelos cinco 1996, Verger faleceu, deixando à Fundação continentes e deixou mais de 60 000 Pierre Verger a tarefa de prosseguir com negativos o seu trabalho. Recentemente foi lançado O fotógrafo francês encantou-se com a o livro "Carybé, Verger & Jorge – Obás cultura brasileira e adotou o país para da Bahia", obra que retrata a ligação de sempre. amizade entre Carybé, Pierre Verger,


Lúcia Hussak

REPRESENTAÇÕES

DA FÉ

Um quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 revela como era a vestimenta, os utensílios e arepresentação simbólica da tacacazeira na cultura paraense.

O Museu de Arte de Belém – MABE, departamento da Fundação Cultural do Município de Belém (FUMBEL), Inclui em seu calendário de atividades a mostra relacionada ao Círio de Nazaré, uma das maiores manifestações religiosas do mundo e patrimônio cultural do povo paraense. Este ano com o tema “Círio: Representações da fé” a exposição convida o visitante a refletir sobre a criação que toma forma a partir do impacto que o Círio de Nazaré desperta na alma do povo e do artista. O papel, a madeira, o tecido que revela o sentimento, por vezes recorda, ou conta uma história de amor

e devoção como é o caso dos mantos que são confeccionados com riqueza de detalhes, onde cada pormenor traz consigo um significado. Mais que um objeto, o manto juntamente com a corda e a berlinda fazem parte dos símbolos que representam a fé. Dessa forma, a expografia utilizará obras do acervo do MABE e de artistas convidados que tenham produzido trabalhos dentro dessa temática, selecionados pelo corpo técnico do museu. Como o Círio é um patrimônio cultural dos paraenses, e ao longo da sua construção identitária agregou elementos de diversas origens. A tradição consolida-se no im-

aginário através da elevação de símbolos como é o caso da berlinda e de alguns mantos utilizados em Círios passados e que serão apresentados na exposição. Que ainda terá uma projeção na parede de fundo da Sala Theodoro Braga com cenas que destacam a passagem de romeiros junto a berlinda de Nossa Senhora, a imagem que emociona e inspira a criação de representações da fé.








A fé move, estimula, faz suplantar obstáculos, revela e ilumina; na alma criativa do artesão, sentimento convertido em arte, em representações de uma beleza devotada. Do tecido, da madeira, da luz surgem relatos de amor e sonho que traduzem a fé. A caminhada de milhares a volta da berlinda, os cânticos, o sacrifício dessa gente que em festa resume o sentimento de amor a Maria, faz parte da identidade de Belém que se prepara e se transmuta para abrigar o tempo da fé, das homenagens gravadas em nossa memória em que cada momento marca uma criação, cada tempo se faz imagem e cada imagem se torna uma representação da fé.




A origem do acervo do

ANUNCIO


A origem do acervo do

ANUNCIO


Autor: Irineu de Souza, José Título: Retrato do Coronel Antonio Lemos Dimensões: 134,5 cm x 91,5 cm Técnica: Óleo sobre Tela Data: 1903


Rosa Arraes

A CIDADE DE BELÉM

POR ANTONIO PARREIRAS Nascido em Antuérpia (Bélgica) e falecido no Rio de Janeiro. Era filho da grande pintora belga Marie De Duve contudo foi um grande autodidata. Wambach viaja para o Brasil, fugindo de uma Europa em crise, já fortemente dominada pelo espírito do fascismo e do nazismo. Visitou e trabalhou em muitas cidades no Brasil, em Belém pinta a coleção que hoje está no MABE.



O ano de 1905 veio trazer para a requintado universo artístico. cidade de Belém grandes mestres Antônio Parreiras desde o inicio da pintura nacional, e as exposições de sua carreira se identificou muito tiveram um local solene para serem como pintor de paisagens. E seus apresentadas, justamente o foyer do primeiros anos como paisagista são Teatro da Paz, radicalmente restauainda totalmente dominados pelas rado naquele ano, e que, entre outras pinturas da paisagem pitoresca, com funções, abrigaria as exposições em seus planos: distâncias, texturas, seu interior. Segundo o Relatório de caminhos e a presença de uma figura 1905 apresentado ao conselho munici- humana solitária de costas. Também pal de Belém pelo intendente Antônio pinta a fúria da natureza com céus Lemos, O pintor Antônio Diogo Par- escuros, árvores curvadas pelo vento, reiras veio para Belém fazendo parte e a presença da figura feminina, e seus de uma “tournée” organizada por ele nus mesmo, que já vinha de Salvador. Os Na obra “Entrada do Bosque Municseus quadros ultimamente expostos ipal” o pintor se declara totalmente foram classificados pela crítica como envolvido pela paisagem natural ao magníficos, ponto que ele suprime de e alcançaram vez a figura humana desta sucesso na Em 1943, publica seu primeiro sua obra e pinta apenas a capital federfloresta, uma floresta densa livro de poemas Anjo dos al, recebenonde são retratadas uma Abismos, pela José Olympio do elogios variedade muito grande de toda a Editora, com o decisivo apoio do de espécies de vegetação imprensa amazônica romancista paraense Dalcídio O Bosque Rodrigues Alves carioca. São muitas sem dúvida é um dos Jurandir. as matérirecantos mais agradáveis as escritas da cidade de Belém, pelos jornalistas sobre a expectativa qualquer artista teria sentido uma do público em relação a exposição de verdadeira atração para pintá-lo. Pois Parreiras,e ele sentia-se lisonjeado, todos os visitantes de Belém durante afirmando em entrevista que nunca o século dezenove louvam as árvores foi tratado com tantas gentilezas como da cidade com expressões das mais na capital do Pará. Após Antônio amáveis e apaixonadas sobre este Lemos visitar a exposição e adquirir pedaço da floresta amazônica: “vultos algumas de suas obras, ele receberia o de árvores” e suas “sombras delicioartista em seu gabinete, pedindo-lhe sas”, a terra com o “frescor juvenil dos que fizesse algumas pinturas sobre ramos e folhas, orvalhados de gotas Belém. Pode-se afirmar, desse modo, brilhantes”. Há os “jardins particulares que Antônio Parreiras inaugurou na que bem merecem ser visitados”, as administração municipal a fase das “estradas com as manchas de verde grandes encomendas de pinturas, do arvoredo, há um tempo belo e consolidando a imagem do intendente majestoso”, as “largas copas escuras Lemos como mecenas e apreciador do de frondosas mangueiras entre as habitações, rodeadas de laranjeiras em flor, limoeiros e muitas árvores Entrada do Bosque Municipal frutíferas”, o “esguio açaizeiro crescen- PARREIRAS, Antônio Diogo do em pequenas touceiras de quatro ou cinco”, as “soberbas bananeiras”. -1905 – óleo s/ tela -Belém do Tudo criando “maravilhosas formar Pará. de vegetação”.


O Bosque Rodrigues Alves é uma reserva florestal, pertencente ao Município de Belém, criada em 1883. “Com duzentas braças, para divertimento da população de Belém”, esclarecem os arquivos da Câmara Municipal. Mas a verdade e que com está atitude preservava-se em plena Belém, uma paisagem da autêntica floresta que a cidade ia destruindo para se expandir. Segundo Leandro Tocantins a sugestão de criá-lo partiu do paraense José Coelho da Gama e Abreu, Barão do Marajó, um geógrafo da Amazônia, Presidente da Província (18791881) e Intendente de Belém (1891-1894). O Barão impressionara-se com o Bois de Boulogne11, projetando para Belém uma réplica tropical do logradouro parisiense. O “Velho” Lemos, tão amigo das plantas, desvelou-se em cuidados pelo Bosque, durante a sua administração. Ele foi o Intendente que transformou o simples conglomerado de árvores em atração popular. Diz ele em seu Relatório de 1905: “Escrever condignamente sobre esse esplêndido logradouro seria mister saber medular a perdida lira grega, poder com arte soprar a flauta dos antigos poetas de Roma pagã, para tratar do assunto numa colorida e fresca bucólica, onde fosse decantado aquele célebre respiradouro público, ricamente oxigenado, hoje aberto como ponto de descanso às fadigas de uma população da zona tórrida!”. A grande área do Bosque é inteiramente tomada pela soberba vegetação. Rasgam-lhe

avenidas que são túneis verdes. Caminhos de mato conduzem a igarapés murmurantes ou a tranqüilos lagos artificiais. A estética e a poesia do “Velho Lemos” inseriu nele alguns lugares pitorescos: a cabana de Peri e Ceci a gruta encantada, a cabana de Paulo e Virgínia, o quiosque chinês, a barraca de Rombinson Crusoé o pavilhão de Diana, a grande “cascata”, a “montanha”, com duzentos e quarenta metros de circunferência. A Vegetação é de terra firme se destacam as árvores de grande portes, inclusive as de madeira de lei, é possível observar árvores com aspecto de seringueiras e andiroba, compondo a pintura de uma verticalidade que nos leva a entender cada vez mais a dimensão que ele observava para pintar a natureza, revelada em suas paisagens pela monumentalidade da mata, reservando para as árvores uma escala surpreendente, como se as mesmas tivessem a capacidade de serem infinitas. Nesta obra Parreiras imprime principalmente um ar misterioso no pórtico de entrada, na tentativa de mistificar um pouco o ambiente interno transformando em uma viagem de aventura por uma selva mística cheia de fantasias habitada pelos famosos moradores da floresta. Talvez o artista tenha se influenciado pelas duas estátuas de pedras que encontram-se na entrada da avenida principal representando o Curupira e o Mapinguari, génios da mitologia indígena, protetores da floresta e dos animais. São uns



monstrinhos danados encrenqueiros que vivem aprontando “artes” mas só fazem suas traquinagens quando alguém maltrata uma árvore ou um bicho, Parreiras certamente quando concebeu este pórtico deixou claro que este imenso templo verde tinha dentro uma profusão de elementos que não era possível enumerar. A representação da urbanidade nesta obra está retratada pelo desenho construtivo do seu Pórtico de entrada dividindo-o em dois mundos paralelos um conhecido, visível com possibilidades palpáveis e outro mágico embrenhado e entrelaçado por cipós e árvores monumentais, onde internamente habitam seres encantados e místicos, confirmando ao observador a grandiosidade da mata que invade e transborda de verdes todos os recantos, deixando o portal totalmente envolvido, revelando que a natureza na Amazônia é inexorável, e tem um poder legítimo e espera que todos solicitem permissão para entrar. Parreira usa pinceladas rápidas muito próprias de suas paisagens, entretanto as cores de sua paleta são de uma tonalidades de verdes distinta e muito característica nas paisagens de Belém, ele utiliza para isso, uma grande diversidade de tons verdes luminosos, que se graduam e sombreiam aqui é acolá e que nos fazem pensar que a floresta é impenetrável, devido a aparente densidade de vegetação. A luz desta tela é uma luz pontual focada em primeiro plano na terra, se prolongando mais forte para o portal e estabelece com o céu azul que recorta a parte superior da obra, um contraponto que serve de fundo para a vegetação, possibilitando sempre a invasão da

luz muito característico também de suas pinturas. Existem muito mais atrativos no Bosque: um orquidário, a estátua da República, viveiros com aves amazônicas, animais da fauna regional enjaulados. Ao observarmos obras de arte vamos perceber a postura romântica, adotada pelos pintores da época, que eram voltada para os sentimentos e emoções e a veneração da natureza; o historicismo voltava-se para as raízes do povo como forma de alcançar e definir a identidade.

Em 1943, publica seu primeiro

livro de poemas Anjo dos Abismos, pela José Olympio Editora, com o decisivo apoio do romancista paraense Dalcídio Estrada de São Jerônimo Esta obra apresenta um trecho da antiga Estrada de São Jerônimo , depois chamada de Av. São Jerônimo (atual Governador José Malcher) , localizada no bairro de Nazaré. Nesta tela Parreiras pinta um dos cenários mais comuns e característicos das ruas de Belém, que é o do túnel de mangueiras em uma das muitas avenidas onde esta arborização até hoje está presente. A partir da pintura de Parreiras podemos fazer, uma série de diálogos com a cidade e com o artista, mesmo que tenhamos de recriar com nossa própria imaginação, várias cenas que se interrelacionam com a pintura. A Estrada de São Jerônimo, possui uma linguagem própria, permitindo-nos uma aproximação impar entre a história e a estética, com narrativas que estão carregadas de significações históricas, registradas pelas pinceladas deste

consagrado artista brasileiro, que utilizou uma rica paleta e um olhar carregado de informações sobre a cidade de Belém. Nela o autor conta uma história e revela uma idéia, manifestando seus sentimentos registrados pela interpretação que ele faz através de sua pintura. É possível observar que ele está totalmente surpreendido com a natureza, onde a vegetação domina o cenário, reservando para as árvores uma escala surpreendente, numa demonstração de poder. Influenciado pela corrente dos impressionistas Parreiras se propõe a representar imagens com pinceladas muitas rápidas, onde tudo e feito com muita sutileza para que o observador, recrie parte das representações desta obra através de uma observação mais apurada, fazendo com que o deleite de estar em frente dela seja de prazer, possibilitando diálogos e narrativas, que sempre nos remetem as lembranças e reconstruções das imagens do nosso pensamento. Em primeiro plano ele pinta o calçamento da estrada, traçando uma perspectiva que se embrenha para o fim da rua, introduzindo o olhar do espectador para o fundo da obra, percorre o leito da avenida e transpõe-lhe para muito além dela. Neste percurso até o ponto de fuga encontramos algumas figuras humanas, são figuras esquemáticas, mas que apesar da simplicidade e rapidez com que foram pintadas demonstram o movimento tranqüilo de pessoas caminhando. Observa-se a imagem de um casal passeando pela rua, além de mais outras duas figuras atrás, é um cenário de muita naturalidade onde é possível de compreender claramente a rotina diária dos transeuntes da cidade. O pintor dá um tratamento quase de silhueta às figuras humanas. Os



personagens estão distantes e a escala em relação à vegetação é muito inferior, mesmo assim ele utiliza uma técnica adequada e consegue representá-las com a serenidade de um livre passeio pela avenida. Não é difícil perceber que as primeiras figuras humanas, as que estão mais visíveis no plano principal, são de um casal elegantemente vestidos que desfilam sem pressa alguma por debaixo do túnel das mangueiras. Um recorte histórico importante na leitura desta obra é o calçamento da avenida, em primeiro plano, sem dúvida esta representação estabelece Belém como uma cidade moderna e urbanizada, onde o progresso está presente, apesar de estarmos em uma floresta e no início do séc. XX. Identificamos também globos de lâmpadas entre as mangueiras, o que fica claro que havia iluminação pública nas ruas de Belém. Ainda em primeiro plano podemos observar o trilho de trem, na realidade do bonde, transporte moderno, rápido e econômico, implantado em outubro de 1868, antes do de Nova York, de 1870. A empresa concessionária pertencia ao industrial James Bond, cônsul dos Estados Unidos da América no Pará. O seu sobrenome, segundo alguns historiadores locais, origina a palavra aportuguesada "bonde", para designar tais veículos. A linha de bondes a vapor de Belém foi das primeiras no Brasil, ligando o Largo da Sé ao Largo do Nazaré, usando três locomotivas e dois carros de passageiros. Portanto os primeiros bondes elétricos trafegavam por esta avenida representada

na obra de Parreiras. A luz desta tela é uma luz misteriosa e pontual, realizada com muita ênfase, pois são os raios de um sol tropical, quente e forte que ao invadirem através das frestas das espessas folhagens das mangueiras, demonstra à intensidade do sol de uma cidade próxima a linha do equador, e ao contrastarem com os ocres da vegetação apresentam uma melancolia dourada de um final de dia ensolarado. Parreiras usa pinceladas rápidas e as cores que ele usa nesta obra são característica nas paisagens de Belém, ele utiliza para isso, uma grande diversidade de tons ocres e verdes: escuros e luminosos, que se graduam sombreiam e nos fazem pensar que a rua é uma floresta infinita. A“ Estrada de São Jerônimo” em 1905, proporciona muita emoção aos cidadãos de Belém pois é um registro poético que transborda de significados e ainda estabelece esta obra de arte não apenas como um reflexo do real, mas um processo criativo de imagens, sons e movimento no qual participam além dos elementos iconográficos, o mundo dos sentimentos, o pensamentos do criador e o contexto sócio cultural do qual também fazemos parte e ainda nos possibilita uma leitura romântica deste túnel de mangueiras, símbolo incontestável desta cidade, registrados na memória de todos que aqui vivem, viveram, ou por aqui passaram. As mangueiras de Belém não são nativas daqui vieram da Índia para Amazônia. Entretanto encontraram um lugar perfeito para se desenvolveram e até hoje nos dão, além da característica paisagem de Belém, uma agradável sensação de frescor e de perfume de planta.

O Passeio da Avenida da República é uma obra que qualquer morador de Belém de hoje reconhece, visto que é um dos logradouros mais freqüentados pelos moradores da cidade. Localizado na Pça da República, este passeio fora totalmente urbanizado pelo então intendente Antônio Lemos em 1905. Situada no centro da cidade de Belém, a Praça da República tem um significativo valor histórico. Foi construída no início século XVIII, e era um dos limites de Belém, na direção da freguesia da campina . O largo da Campina era o ponto extremo que limitava a raia da cidade. A denominação desse largo não tinha razão plausível de ser, desde que era antes uma clareira na floresta, com um cemitério dos suplicados, dos católicos e dos indigentes falecidos de varíola. Os grandiosos jardins estavam sendo implantados por Lemos, era o ponto principal da metamorfose de Lemos o alargamento das ruas, a construção das largas avenidas e as suntuosas praças, marcos simbólicos da modernidade. Apesar desta praça já ter sido inaugurada antes da administração do intendente, ele imporá nela uma nova ordenação espacial e estética; fazendo dela um dos marcos na imagem que projetava para cidade. Ele havia escolhido esta praça para impor a sua mentalidade moderna, e vai demonstrar com veemência através da imprensa a sua intenção de modificar e ampliar seus passeios, pois ele tinha a necessidade de compor o centro da cidade com praças suntuosas, a exemplo das praças européias, e esta seria sem dúvida um novo símbolo da ordem social. Tanto que vai fazer um confronto pessoal com os moradores que constroem suas casas ao redor da praça, fazendo lamentos públicos


a falta de gosto da construção e ornamentação dos prédios de proprietários. E pedia de forma a ser atendido que “quem não tiver dinheiro para edificar dignamente que venda os seus terrenos”. Esse comportamento do intendente traduzia, o pensamento da classe que precisava sair para passear em público, e exigia que os espaços por elas freqüentados fossem também os indicadores de sua posição social. A Praça lugar público onde todos querem ir para ser-

em vistos. Ser visto é o hobby da nova elite. A praça onde com o vestuário se identifica a que classe cada um pertence. Como percebe muito bem Braudel, há uma “ânsia de ascensão em dignidade ou o desejo de usar roupas que são o sinal, no ocidente, da mais insignificante promoção social”. É como se distinguem burgueses de gente do povo. Uma das características inovadoras das praças e jardins belenenses era de não serem cercadas por barreiras interpostas que os isolavam do

âmbito público: uma atitude assumida pela Intendência . Os jardins não tinham “portas” mas “entradas” arquitetonicamente definidas , obedecendo aos “moderno plano civilizador dos jardins sem grade, concebido e posto em prática no Brasil, pela intendência de Belém” No passeio da Avenida da República, Parreiras demonstrou uma cidade transformada em uma grande metrópole. A linha abordada neste passeio é uma linha que parte em uma


perspectiva infinita. Apresenta um traço que organiza em linhas retas, mostrando uma organização simétrica, tal como poderia ser comparada as intervenções do intendente, As mangueiras ainda pequenas apresentam-se enfileirada, disposta uma atrás da outra demonstrando a organização que estava sendo imposta na cidade. O Empaste de tinta nas folhagens das árvores é de um verde muito forte, mas que apresenta várias nuanças de luzes sobre as folhas, misturando oticamente os matizes do verde forte vemos uma quantidade de claros escuros, que permitem o volume abun-

dante das copas das árvores, que seqüenciadas em fila abrem um espaço fabuloso, entre estas duas fileiras de árvores, onde é possível ver o calçamento largo e bem cuidado, convidando o povo para um passeio no final da tarde. Em primeiro Plano vê-se um poste de energia elétrica que é um acessório da arquitetura urbana moderna, pode se observar que é de ferro trabalhado delicadamente fundido, fazendo parte desta modernidade estão também luminárias penduradas, são globos de vidro, modernos transparentes e visíveis, numa demonstração clara que a cidade tinha iluminação pública e era


elétrica, certamente um dos maiores símbolos do progresso e da prosperidade. Ao lado do passeio uma avenida larga e muita bem pavimentada, lembrava os Boulevard parisienses, pois também a avenida possui além do seu calçamento uma bela arborização que também está organizada cartesianamente, demonstrando claramente o moderno plano civilizador dos jardins e passeios públicos , onde a população teria que ter disciplina para freqüentar, pois era absolutamente proibido pelo código de Postura do Município de Belém no final do Sec.XIX, sentarse ou deitar-se no chão, ou sobre os bancos ou objetos destinados ao uso público. Nestes recintos “não era permitido pessoas ébrias” ou “se trajando indecentemente””sentar-se ou deitar-se no chão”. Também era proibido em

geral “estragar as plantas e flores; tirá-las ou deitar-lhes a mão: atirar pedras ou quaisquer outros projéteis”.Também é possível observar a vegetação rasteira entre as árvores fazendo parte do imenso jardim interno da Praça da República um monumento de proporções gigantescas, bem ao modelo das grandes praças das cidades européias. No centro do passeio em um plano bem mais longe e inferior, ele desenha as pessoas, com um traço totalmente esquemático, ele desenha várias pessoas andando no passeio e na rua, onde narra o movimento cotidiano e rotineiro dos que caminham pela praça da República. Faz parte também desta coleção outra tela que tem a Praça da República como cenário, e que acredito ser uma das mais diferentes obras do Parreiras. Ela tem o Teatro da Paz no fundo, e apresenta em primeiro Plano o monumento a Republica, acredito que nesta obra também Parreiras se influenciou pelo Álbum de Belém de 1902, conforme se pode observar na foto da página 60. Antes de ser Praça da República chamava-se de Pça D. Pedro II, entretanto com a proclamação da República o conselho Municipal deliberou que a Pça D. Pedro II, passasse e se chamar República e para triunfo da renomeação daquele espaço, representante do ideal democrático, foi instalado um monumento, que é uma escultura em Bronze, representando o vulto de uma de mulher , majestosa como Palas, e altiva na sua simplicidade heróica , talhada nos moldes clássicos da estatuária grega, e construída para transmitir a posteridade a memória da República.







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