ARTE, POLITICA E CULTURA
Ano 4 • Nº 10 • R$ 10,00 www.revistapzz.com.br ISSN 2176-8528
PZZ
A MÚSICA TRANSMÓRFICA DE ALBERY E THIAGO ALBUQUERQUE Festival Internacional das Artes de Transformação do IDEA 2010 • Paes Loureiro As cores de Belém por Georges Wambach: Aldrin Figueiredo • Landi, no Mabe?: Moema Alves • A Vendedora de Tacacá por Lúcia Hussak Os Últimos Dias de Carlos Gomes por Jonas Arraes • Ensaio Fotográfico: Arnold Souza • A Música Transmórfica de Albery e Thiago Albuquerque KINEMANDARA: O Ponto de Mistério do Cinema em Belém por Carlos Pará • A Cidade de Belém retratada por Antônio Parreiras: Rosa Arraes Os enforcamentos em Belém: Ernesto Cruz • Crônica de Belém do Grão Pará por Benedito Nunes
Entrevista com a Governadora Ana Júlia Carepa
ANUNCIO
PZZ 2010 A Revista PZZ nº 10, aborda al-
guns aspectos poéticos, políticos, históricos e artísticos da cidade de Belém do Pará. Dentre eles: O Poeta João de Jesus Paes Loureiro que fixou residência em Belém do Pará e por caminhos desconhecidos nos revela uma cidade carregada de imagens poéticas. O Doutor em história, Aldrin Figueiredo, escreve sobre o pintor belga, Georges Wambach, um autor de aquarelas fascinantes fugindo de uma Europa em decadência, viaja para o Brasil, e em Belém retrata lugares com a exuberância de sua arte. A historiadora Moema Alves faz uma relação entre a arquitetura de Landi e a pintura de Parreiras e a de Wambach. O artigo do professor Jonas Arraes “Os últimos dias de Carlos Gomes”, nos revela uma obra entre as principais dedicadas, in memoriam, à Antônio Carlos Gomes, como forma de eternizá-lo no memorial do povo e nos panteões erigidos à ele. A partir desta edição, a Revista PZZ, retoma a série de entrevistas com personalidades da política, da cultura e das artes no Estado. A Governadora do Estado do Pará, Ana Júlia Carepa que nasceu e iniciou sua militância política em Belém, nos fala um pouco de sua história política e de sua atuação no governo do Estado. Em ênfase, os músicos Albery e Thiago Albuquerque nos apresentam uma nova forma de pensar e fazer música, com o objetivo principal, de mostrar novos caminhos para a músi-
Apoio:
ca ampliando de um modo geral e de forma inusitada, a percepção musical e artística e conseqüentemente a percepção das pessoas sobre o universo circundante através da música extraída do frontão do Ver-o-Peso. Kinemandara: O Cinema do Invisível por Vicente Franz Cecim, volta a ter sua produção cinematográfica exibida em Belém. Curtas-metragens, documentários poéticos, produzidos em Belém na década de 70, em super-8. Rosa Arraes no seu artigo “A Cidade de Belém retratada por Antônio Parreiras” nos apresenta a obra do pintor italiano que se propôs a representar imagens de Belém com seu estilo impressionista. O historiador Ernesto Cruz relata que Belém outrora, possuía várias forcas. Armadas sinistramente nos largos e praças para o castigo dos condenados, onde multidões iam para as ruas e davam mostras de alegria pelo espetáculo. Benedito Nunes analisa a obra “Belém do Grão-Pará” de Dalcídio Jurandir, com a personalidade inconfundível de seus aspectos sociais, integrando um vasto panorama, uma paisagem, que é a síntese da sociedade do Extremo Norte. A Revista PZZ destaca também o Ensaio fotográfico de Arnold Souza com imagens contemporâneas da cidade de Belém. E o IDEA 2010 nesta edição , nos oferece a oportunidade de refletir sobre a importância da educação na humanização das relações humanas no século XXI
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e Tecnologia
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Revista PZZ Ano 4 • Nº 10 • R$ 10,00 www.revistapzz.com.br Capa: Elaine Siqueira Formato: 25x30 Obra: Mercado do Ver-o-Peso Foto: Davi Alves
Direção Executiva: Carlos Pará, Cezar Barbosa Projeto Gráfico: Elaine Siqueira e Carlos Pará Direção de Arte: Elaine Siqueira, Darcel Andrade Fotógrafos: Odir Castro, José Viana, Rafael Araújo, Arnold Souza Webdesigner: SB Virtual Comunicação e Marketing: Daniel Rocha Estagiária: Gisela Silva. Produção Executiva: Laura Santana, Carol Sorbelo, Rafael Araújo. Pesquisa: Carlos Pará, Darcel Andrade, João Lúcio Mazzinni, Odir Castro. Conselho Poético: Albertinho Leão, Albery Albuquerque, Aldrin Figueredo, Almandrade, Benedito Nunes, Camila Del Vale, Célia Maracajá, Chico Carneiro, Dan Baron, Darcel Andrade, Deíze Botelho, Edson Coelho, Edson Farias, Elza Lima, Fernando D’Pádua, Geraldo Mártires Coelho, Francisco Weyl, Gunter Presler, Hilton Silva, Isabela do Lago, Janduari Simões, José Oeiras, José Varella, José Roberto Pereira, Josebel Fares, Luis Arnaldo Campos, Karlo Romulo, Manoela Souza, Marinilce Coelho, Moacir Pereira, Moema Alves, Ná Figueredo, Nilton Silva, Pavel Fernandes, Rosa Acevedo, Rosa Arraes, Rogério Parrera, Paulo Nunes, Thiago Albuquerque, Vicente Cecim.
BOA LEITURA!
A Revista PZZ é uma publicação bimestral impressa e digital da Editora Resistência Ltda CNPJ: 10.243.776/0001-96 ISSN 2176-8528 Editor Responsável: Carlos Pará Av. Duque de Caxias, 160 Loja 14 - Marco Cep: 66093-400 Belém-Pará-Brasil E-mail: revistapzz@gmail.com Blog: leituraliteraturanorte.ning.com Distribuição: Brasil, Pan-Amazônia, América do Sul, Europa Assinatura, números atrasados e publicidade: 091- 3083-3793 / 9616-4992 /8100-2960 / 9987-0336
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ARTE, POLITICA E CULTURA VII Congresso Mundial de Arteducação pela Transformação Sustentável - IDEA 2010
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Poesofia: Paes Loureiro
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As cores de Belém por Georges Wambach Aldrin Figueiredo
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Landi, no Mabe? por Moema Alves
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A Vendedora de Tacacá por Lúcia Hussak
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Os Últimos Dias de Carlos Gomes por Jonas Arraes Ensaio Fotográfico - Arnold Souza
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Entrevista com a governadora Ana Júlia Carepa
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A Música Transmórfica de Albery e Thiago Albuquerque
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KINEMANDARA: O ponto de Mistério do Cinema de VFC por Carlos Pará
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A Cidade de Belém retratada por Antônio Parreira
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Os Enforcamentos em Belém por Ernesto Cruz
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Crônicas de Belém do Grão Pará por Benedito Nunes
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IDEA 2010
VII Congresso Mundial de Arteducação pela Transformação Sustentável: IDEA 2010 E
ntre 17-25 de julho de 2010, a Rede Brasileira de Arteducadores realizará o Congresso Mundial do IDEA na cidade de Belém no Pará. Será a primeira vez que este encontro, um dos maiores e mais influentes no mundo nas aréas da arte e educação, acontecerá no Brasil e na América Latina. O Programa Pedagógico e seu Festival Internacional das Artes de Transformação do IDEA 2010 contará com a presença de 2000 educadores, artistas e gestores culturais de mais de 70 países. Todos se reunirão ao redor do tema “Viva a Diversidade Viva: Abraçando as Artes de Transformação”, para contribuir ao projeto mundial de cultivo de uma educação humana, de direitos humanos e de paz para todos, especialmente para jovens, crianças e comunidades excluídas que estão ameaçadas pela violência. O arteducador e assessor da ABRA, Dan Baron, atual Presidente da IDEA (Associação Internacional de Drama/ Teatro e Educação), Coordenador da Aliança Mundial pelas Artes Educação (WAAE) e membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, foi entrevistado pelo Editor da Revista PZZ, Carlos Pará, no dia 23 de Março de 2010, para nos falar um pouco sobre esse evento que pretende oferecer a oportunidade de refletir sobre a importância da educação na humanização das relações humanas no século XXI.
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Jovens de Tanzania, Africa, dramatizam a luta pela agua potรกvel num continente devastado pela AIDS.
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IDEA 2010
PZZ: Dan, qual o contexto que o IDEA 2010 se apresenta no mundo? Dan: Atualmente, todas as gerações e continentes estão conscientes de que com o aquecimento global, o aumento da desigualdade social, a violência, a pobreza e a AIDS, tocam intimamente nossas vidas e ameaçam nossos futuros. Cada professor de teatro, aluno, ator e comunidade está vivendo a desumanização, o aumento da pressão, o desespero dos jovens e a competição insustentável, diariamente. A crise financeira de 2009, assim como o dia 11 de Setembro, tornou as nossas casas, escolas e locais de trabalho numa oficina mundial de desesperança e teatro de negação. Todos sabem num sentido ou outro que estamos enfrentando um momento de escolha da espécie.
Dan Baron, atual Presidente de IDEA, arteducador e assessor da ABRA, Coordenador da Aliança Mundial pelas Artes Educação (WAAE) e membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial.
PZZ: E por quê a cidade de Belém foi escolhida para sediar este congresso mundial? Dan: A ABRA propôs o Brasil por sua liderança mundial nas políticas públicas na área da Cultura e como elas podem impulsionar um novo modelo de educação pública, e escolheu a capital amazônica por ser um palco mundial que inspira e reune debates sobre o ambiente, a eco-pedagógica, a ecônomia solidária, e a alfabetização ética num contexto de diversidade cultural e movimentos sociais extraordinários.
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Jovens de Santa Catarina, Brasil, dramatizam a autodestruição diante uma vida sem projeto e esperança. Jovem Idea (Zagreb 2006)
A Polícia Militar da Bahia se alfabetizam culturalmente numa oficina de direitos humanos para criar uma Polícia Cidada do Século XXI. Pedagogas em Taiwan ensaiam como superar resistência a transformação nos diretores das escolas.
A ABRA propôs o Brasil por sua liderança mundial nas políticas públicas na área de Cultura e como elas podem impulsionar um novo modelo de educação pública, e escolheu a capital amazônica por ser um palco mundial que inspira e reúne debates sobre o ambiente, a eco-pedagógica, a ecônomia solidária, e a alfabetização ética num contexto de diversidade cultural e movimentos sociais extraordinários.
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Crianças chinesas dramatizam o aquecimento global numa apresentação em IDEA 2007. Hong Kong.
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Jovens na Europa dramatizam o modelo competitivo atual da educação que gera conflito, não cooperação e sustentabilidade.
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IDEA 2010
PZZ: O que podemos esperar do IDEA 2010?
Fragmento do mosaico comunitário escolar “Terra é Vida” (Fraiburgo, Brasil, 2002)
Dan: Em cada esquina do mundo vemos comunidades, escolas, universidades e centros culturais criando novas performances de solidariedade e cooperação, que enunciam décadas de experimentações, pesquisas e colaborações. O lixo industrial está sendo reciclado e transformado em instrumentos musicais épicos e esculturas pedagógicas. Carteiras estão sendo enfileiradas, empurradas e colocadas contra a parede para transformar a sala de aula, hoje marcada pela competição temerosa e alienação, em performances e inovações da comunidade. Os atores e os departamentos de teatro das universidades estão trabalhando com professores, polícias, presidiários e comunidades de necessidades especiais para cultivar a confiança, os direitos humanos e as redes de cooperação. Nossa capacidade de oferecer um novo paradigma à educação, baseado nas linguagens artísticas em todos os 90 países que formam a atual comunidade da IDEA, coincide com um consenso emergente de que precisamos mudar a performance do mundo antes que seja tarde demais. Arteducadores responsáveis por esses projetos estarão aqui para compartilhar e trocar saberes com arteducadores do Pará e do Brasil, e para aprender com os povos originários e Pontos de Cultura de Amazônia.
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ARTE, POLÍTICA E CULTURA
PZZ: Parece que o atual paradigma da educação está não só em crise mas pronto para ser superado. Há possibilidade disso em nossa década? Dan: Parece haver um consenso entre nós de que as nossas linguagens artísticas precisam ser integradas à educação para que possam servir de alimento às nossas inteligências múltiplas e às nossas capacidades de cuidar e criar. Só assim preparamos as pessoas para uma mudança permanente, calcada na tecnologia e numa sociedade de conhecimento. Mas não podemos ser ingênuos. As artes na educação estão sendo substituídas por notebooks e competências básicas em muitas partes do “mundo desenvolvido”. Em cada região do mundo, a maioria dos pais e professores ainda pensam que as artes e a criatividade são luxúrias elitistas ou irrelevantes às suas vidas. PZZ: O IDEA 2010, não será então mais um congresso acadêmico? Dan: IDEA 2010 vai ir muito além de uma troca e comemoração de um congresso típico. Tem que possibilitar uma vivência e gerar projetos de colaboração que possam sensibilizar e convencer a sociedade civil e os políticos que uma outra educação é possível, baseada numa cultura de solidariedade, comunidade, cooperação e autonomia. Por isso, o congresso estará trazendo mestres populares e arteducadores comunitários à Universidade Federal do Pará e levará estudantes e professores universitários para trocar experiências com os povos indígenas e quilombolas às ilhas e nas comunidades de Belém: para demonstrar que um novo paradigma é possível! E por isso, 30 jovens do mundo inteiro estarão colaborando na Escola Bosque em Outeiro; para criar uma grande colheita de esperança! Venham participar, mãe, pai, criança, jovem, professor e diretor, como colaborador e protagonista, em julho! E não tenham medo sobre a questão de língua: o congresso tem uma proposta chamada “Rio de Línguas” que vai fluir entre todo o território do congresso, transformando o desafio de tradução e interpretação em performances interculturais de aprendizagem e cooperação!
Filha ensinando sua mãe na construção do mosaico (figura ao lado) que integrou uma escola inteira num projeto de dois anos em Santa Catarina. www.revistapzz.com.br
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POESOFIA
João de Jesus Paes Loureiro Poeta e professor de Estética, História da Arte e Cultura Amazônica, na Universidade Federal do Pará. Mestre em Teoria da Literatura e Semiótica, PUC/ UNICAMP, São Paulo e Doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne, Paris, França. Prêmio Nacional de Melhor Livro de Poesia, em 1984, pela Associação Paulista de Críticos de Arte, com Altar em Chamas. Suas obras poéticas são Cantares Amazônicos (Porantim, Deslendário, Altar em Chamas) pela Ed. Civilização Brasileira. Pentacantos, Romance das Três Flautas – edição bilíngüe, português e alemão – O Poeta Wang Wei (699-759AD) na Visão de Sun Chian Chin e João de Jesus Paes Loureiro – edição bilíngüe, chinês e português – Iluminações e Iluminuras, traduzido por Kikuo Furuno e ilustrado por Tikashi Fukushima – edição bilíngüe, japonês e português – publicados por Roswi Kempf Editora/SP. Gesãnge des Amazonas, edição alemã, pela Editora DIA, de Berlim, 1991 – Cantares Amazônicos, edição italiana, L´Áquila, 1990. Altar em Chamas e Outros Poemas, O Ser Aberto. Elementos de Estética (Filosofia da arte) e Cultura Amazônica – Uma poética do Imaginário (tese de doutoramento) e A Poesia como Encantaria da Linguagem, editados pela CEJUP. Em 1998/99 e pela Escrituras/SP em 2000 e 2001 e pela Íman Editora, Lisboa, Portugal, 2003, “Belém. O Azul e o Raro” (Poema em CD), pela Violões da Amazônia/PA., “Pássaro da Terra” (Teatro), pela Escrituras Editora/SP, e Obras Reunidas (4 Volumes) S. Paulo, Escrituras Editora, 2000. Do Coração e suas Amarras, Escrituras Editora/SP., 2001. Edição universitária de “Obras Reunidas”, 2001. Elementos de Estética, 3ª edição, pela Editora da UFPa., 2002, lançado na 17ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. CD duplo “O Poeta e seu Canto”, edição do autor, 2002. Fragmento poesia, Escrituras Editora, SP, 2003 “Au Delà Du Méandre de Cê Fleuve” (Além da Curva daquele Rio), primeiro texto de ficção em prosa e publicado pela Editora Actes Sud, de Paris, 2002. LÁmour aux vêtements blancs (Amor de roupas brancas) e Le fleuve aux royaumes enchantés (Rio das encantarias), peças de teatro, Lês Édictions de la Gare, Vitri sur Seine, França, 2005. A Conversão Semiótica – Na arte e na cultura. Editora Universitária/UFPA,
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BAR DO PARQUE A tísica noite cospe a madrugada. O adolescente — máscara de deuses — entre mesas caladas com gigantescas unhas de um crustáceo sangrava rostos impassíveis, de seres cujas mãos por sob as mesas se entregavam a jogos clandestinos. Casais sonhavam cópulas pendentes em teares de redes nas mangueiras. Abutres confabulam com morcegos nos intervalos da luz. Duas mulheres há séculos se olham à espera do milagre… Suor e esperma molham a bailarina coreograficamente amando entre cenários. Alguém, sob as arcadas, masturba-se entre cânticos gregorianos que evolam da ribalta do Teatro da Paz. Violências rondam as altas horas.
Intervenção Artística na obra “A tentação Santo Antão de Salvador Dalí
Bocas em concha cultivam, pérola, o beijo. As mesas estão cheias. Muitos bebem a sua dose diária de melancolia. . .
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POESOFIA
CEMITÉRIO DA SOLEDADE Aqui o esquecimento tem seu nome. Mármores calados mausoléus escadas do infinito — o único sem fim. . . O medo desabrocha no caule de uma cruz. E que paz é essa paz que a ninguém repousa? Que ninguém ousa querer? Que ninguém ousa? Soledade. Solidão. Silenciosos jasmins. Cravos de pó na lapela das pedras. Ante o perfil da morte nas esquinas, as glórias recobrindo-se de cinzas. Árvores e anjos. Vagas sombras ruminam pacientes as heras raras do tempo.
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EM CRISE E percorrer os caminhos versos páginas e ser pelo que busco ser além de meio do caminho e prosseguir prevendo que a chegada é o prosseguir. A linguagem, esse meio dos meios do caminho a me levar no ombro, ora nos restos impuros da jornada ora entre glórias, vitórias com a doença do nada, a esperança.
“Aqui vê-se o poder do esquecimento em lajes sucessivas superposto Entre frestas de rochas folhas de sempre-vivas ironicamente brotam”.
Tempo tão curto para arte tão longa. O que tenho perdido em ante-salas do verbo vôo antes da asa cova antes da casa. . . Como reconhecer nos versos a poesia, entre as urzes grelando pela página? Joio que também é trigo? Ter sempre um porto para cada vela. Ter uma vela para cada estrofe. Ter um destino para cada poema. Oh! minha vida. . . Oh! coração, pássaro pesado Oh! consciência de cânticos, silêncios. Ah! este medo de mim solidão melancolia... Tempo, tempo, tu só envelheces? Tu só envileces?
Intervenção Artística na obra “A persistência da memória de Salvador Dalí
Como ser num só momento o que uma vida inteira não daria? E procurar nas palavras minha face e rio e terra e fogo e vento ardente? Eu que tenho a assinatura do mar em minha mão... www.revistapzz.com.br
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POESOFIA
Ruas As ruas já não partem com o poente. Jovens de mãos dadas passam, aves do paraíso, entre mangueiras esculpidas pelo vento. Campanários tatuados pelo sol. Oh! Belém do Pará! Oh! ruas de poesia, essas vielas versos de meus caminhos em qual esquina de minha alma elas se cruzam? Terra arável da noite em que me leva o alucinado cometa da memória. Estar por essas ruas como as mangueiras: naturalmente, parte fecunda de sua natureza. Eu ando. Ao longo da baía o diamante da tarde lapida-se no poente. Eu ando. A noite recoloca seu colar para as festas claras de verão.
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Eu ando.
— Penélope com seu tear de estrelas.
Arnold Souza
Entre sobrados humilhados pelas horas e madonas de tédio a espreitar entre janelas. Eu ando. E sou surpreendido por um verso ao dobrar nova esquina. Eu ando. A noite, escadaria das horas, sobe lentamente
Eu ando.
Sacadas sonâmbulas contemplam-se. Estou diante da esquina como diante do mundo. Sanguessugas em calçadas. Crustáceos nas escadas e gradis. A brisa arrulha em mangueiras de alta fronde. Epitélios de luar, lírios brotam na noite. . . Entreaberto vou catando pelo esgoto entre velhos piolhos a poesia perdida Escrevo: vivo.
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ARTE
As cores de BelĂŠm por Georges Wambach *Aldrin Moura de Figueiredo
Foto: Rodolfo Braga
E
com
m 1939, cerca de quatro anos ilustrações para importantes revistas naciodepois de chegar ao Brasil, o pintor Georges nais de sua época, como A Revista da SemaWambach (1902-1965) pintou uma série de na e Dom Casmurro. aquarelas sobre a paisagem de Belém que Em 1938, volta a Europa e expõe hoje fazem parte do acervo do Museu de Arte em Bruxelas na Galerie da la Toison D’Or, de Belém, constituindo uma das obras mescom grande sucesso de venda. Na volta ao tras de sua coleção. Wambach era desenhisBrasil, visita Belém e pinta a coleção que ta e pintor autodidata. Nasceu em Antuérhoje está no MABE. Entre as obras, vale pia numa família de artistas. Jovem ainda, destacar um Theatro da Paz multicoloriWambach se inicia nas artes – por volta de do, anti-acadêmico, contrastante do real e 1920 –, com 18 anos de idade, data de suas com uma rara qualidade de desenho. Nesmais antigas obras conhecidas. Dessa éposa composição, o artista recria a realidade ca são alguns retratos, hoje bastante raros, observada, delimitando o prédio do teatro de atrizes e cantoras de teatro das noites de a partir de novas textuAntuérpia e Bruxelas, com ras, incorporando dégraquem o pintor convivia nos dés e matizados, gerados círculos boêmios belgas. O Brasil e, em especial a Além dos retratos, Amazônia, foi então o paraíso de pela gradação de tons de azul, vermelho e amarelo. Wambach começou a pintar liberdade e o cenário de Wambach era cultor da paisagens, tema que será uma constante em sua obra exuberância que iria compor a aquarela e de uma antiga tradição da arte flamenga marca de sua obra. até o fim da vida e onde o que vinha de sua mãe Maautor irá revelar uma imria De Duve. O método era pressionante competência antigo e fazia parte desde técnica. Suas primeiras o século XVI do repertório paisagens surgem ainda na Bélgica, em cognitivo dos artistas de Flandres e depois 1932. Três anos mais tarde, Wambach viaja amplamente empregado em Florença e Vepara o Brasil, fugindo de uma Europa em neza. crise, já fortemente dominada pelo espírito Wambach viu em Belém o conhedo fascismo e do nazismo. cido cinza de Bruxelas de modo a acentuar Wambach foi um cultor da diferenao mesmo tempo a chuva cotidiana da cidaça, do colorido, da luminosidade. Neste sende e ao mesmo tempo o contraste colorista tido, o Brasil e em especial a Amazônia, foi do teatro. Há uma oposição binária como a então o paraíso de liberdade e o cenário de tristeza em cinza e alegria multicor. A cor exuberância que iria compor a marca de sua do céu paraense em Wambach, ao invés de obra. Assim como em Belém, o pintor tamganhar uma simples associação à reminisbém esteve em Fernando de Noronha, Ouro cência desagradável, de solidão e felicidade Preto, Olinda, Fortaleza, Rio de Janeiro, impedida, acaba de servir como contorno e Manaus e muitos outros locais. Para ganhar moldura para a luz e para a cor. O cinza deia vida, também trabalhou desenhando rótuxa assim fixidez da imagem da melancolia los de remédio, cartões postais e colaborou ou da morte.
“
”
OBRA: “Teatro da Paz” AUTOR: Georges WAMBACH ÉPOCA: 1939 TÉCNICA: aquarela DIMENSÕES: 37x64cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0062
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recomendado pelos médicos para segunda obra de acompanhar as pessoas em mer- Turner sobre muitos pintores imdestaque é a Praia do Ariram- gulhos. Há um desejo incontido de pressionistas. O interessante que há quem diga a aquarela exerceu ba, na ilha de Mosqueiro. Nessa visitar as praias. As cenas de praia mostra- tamanha influência sobre Turaquarela Wambach exercita o me- lhor de sua técnica e de seu pre- das em pinturas do século XVIII ner a ponto dele experimentar na paro descritivo. Novamente, vem levam os turistas a desejar mer- pintura a óleo as mesmas possia tona uma tradição dos países gulhar no mundo convidativo do bilidades cromáticas, por meio da baixos do Sul – a velha Flandres. mar, das baías e das praias de- aplicação de camadas muito finas Tanto a pintura flamenga como a sertas. Os relatos românticos de e sobrepostas, com grande lumipintura holandesa do século XVII escritores também perseguem o nosidade. Wambach, que também trataram as cenas de paisagem mesmo fio condutor. Penso que registraria paisagens a óleo, faria com profundo realismo, geral- aqui, Wambach retoma o colori- o mesmo com suas praias e panomente com um fundo de altas nu- do nebuloso dos arquiconhecidos ramas brasileiros. O certo é que, mais do vens num céu cinzento. Enquan- William Blake, John S. Cotman, que uma encarnação mito na França, o mar era tológica do bem ou do visto como coisa do diabo, mal, o mar que gerava “As cenas de praia mostradas em pinturas encarnação do Leviatã, o medo e repulsa passou do século XVIII levam os turistas a desejar monstro bíblico que mora também a apaixonar os mergulhar no mundo convidativo do mar, no mar – nos países baixos turistas. A invenção das das baías e das praias desertas. Os relatos predominam cenas do mar praias como lugar onde românticos de escritores também persee de enseadas tranqüilas, o homem encontra paz profundamente reais. guem o mesmo fio condutor.” de espírito e se livra da Importante ressaltar tamdepressão foi mais um bém que os progressos da passo no sentido da valorioceanografia na Inglaterra, zação as águas. Wambach revisita Peter de Wint e John Constable, na Holanda e em Flandres, entre 1660 e 1675, começam a arrefecer porém valeria destacar o traço de toda essa história colocando uma os mistérios do oceano. A partir de um William Turner, aquele que personagem feminina sendo aca1750, transparecem os reflexos de melhor soube explorar suas possi- riciada pela brisa da baía do Guauma mudança de comportamento. bilidades da aquarela. Não me pa- jará. A obra com escalas de verde, Perturbada com a presença de no- rece sem sentido ver na imagem cinza, amarelo e ocre. O rio-mar é vas ansiedades, o medo das águas do rio-mar de Ariramba a bela pintado em sua cor barrenta comtornou-se um mal menor. Os mé- escala de amarelo, ocre e laran- pondo com o cenário florístico das dicos começaram a elevar as van- ja de S. Giorgio Maggiore: Early prais do Pará - coqueiros e ajirus tagens da água fria do mar para Morning, de 1844, pertencente ao (chysobalanus icaco L), aqui rea saúde do homem. A luta contra acervo da Tate Galery, em Lon- presentado como arbusto de caule a melancolia enobrece o papel do dres. Antes de parecer um despro- ereto encimado por uma copa que, mar, agora menos como vilão e pósito a muitos, é bom lembrar que via de regra, dá frutos carnosos, mais como um colaborador. O ho- Turner produziu cerca de 19.000 vermelhos e comestíveis. mem passa a enfrentar a violência aquarelas, o que lhe valeria de andas águas, porém sem correr ris- temão o título de maior aquareliscos, recebendo as ondas sem per- ta de todos os tempos. Afora isto, der a vida. O banhista auxiliar é é de se notar ainda a influência de
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Foto: Rodolfo Braga
OBRA: “Praia do Ariramba” AUTOR: Georges WAMBACH ÉPOCA: 1939 TÉCNICA: aquarela DIMENSÕES: 38x65,7cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0060
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terceira obra é a Avenida Independência. Novamente Wambach revolve a tradição da aquarela. Se o assunto era a natureza equatorial, não é sem razão o diálogo com John White, artista que em 1550 participou da expedição de Sir Walter Releigth, registrando a vida, o ambiente e os costumes do Novo Mundo, sendo mesmo considerado por alguns como o pai da aquarela. Na mesma linha, Wambach seria apontado por alguns críticos como o ultimo grande pintor viajante europeu a visitar o Brasil e também o mais dedicado no registro da natureza da terra. Na imagem da estrada urbana de Belém, o artista centraliza o belo túnel de mangueiras, com o bonde elétrico na linha esquerda se aproximando de dois homens passeando entre a sombra das árvores. Ladeando a estrada, do lado esquerdo o parque botânico do Museu Emilio Goeldi, com da construção em azul no estilo das rocinhas belenenses, de modo a caracterizar a morada campestre típica das redondezas da capital do Pará do século XIX e primeiras décadas do século XX. Do lado direito, as casas de testada pequena com duas ou três portas que serviam de comércio a portugueses e libaneses ou mesmo de moradia à classe média da época. No registro mais profundo dessa obra, Wambach se valeria dos borrões para dar o efeito de antigo, de ruína, na descrição do patrimônio histórico das cidades que visitava. Wambach dá conta que a aquarela esteve longe de representar a simples futilidade, ou somente a feminilidade espontânea que havia lançado inúmeros preconceitos em relação a essa tradição na virada do século XIX. Ao mesmo tempo, olhando essas obras pelo ângulo do presente, também há que se romper com a pecha de método escolar que os aquarelistas ganharam no Brasil. A excelente coleção que o Museu de Arte de Belém possui da obra de Georges Wambach revela uma aquarela que deve ser compreendida por suas qualidades intrínsecas, como técnica em si mesma, registro de uma época, marca de pintor e arte de todos os tempos.
* Doutor em História. Professor da UFPA e pesquisador do CNPq. A pesquisa sobre Wambach em arquivos da Bélgica foi possível com os auxílios do Ministério da Cultura do Brasil, por meio de um edital de Intercâmbio, da Maison de l’Amerique Latine de Bruxelas e do CNPq que me concedeu bolsa de Produtividade em Pesquisa.
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Foto: Rodolfo Braga
OBRA: “Avenida Independência” AUTOR: Georges WAMBACH ÉPOCA: 1939 TÉCNICA: aquarela DIMENSÕES:36x62cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0059
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Landi, no MABE? * Moema Alves
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m maio de 1905, aproveitando o bom momento que Belém vivia, inclusive nas artes, o pintor Antônio Parreiras chega ao norte do país com uma grande exposição. Conhece logo o intendente e mecenas Antônio Lemos, que, encantado por sua técnica, o contrata para pintar a cidade e o deixa livre para escolha dos locais a serem reproduzidos. A obra que nos interessa particularmente aqui é a “A Catedral de Belém”, deste mesmo ano de 1905. Nela, podemos ver definida a importância desse patrimônio artístico cultural. O edifício está encoberto por algumas árvores, porém sem perder sua monumentalidade, nem tampouco os detalhes dos elementos decorativos de suas fachadas frontal e lateral. Esta obra, na verdade, nos traz a representação de uma igreja colonial recém reformulada pela então recente república. Parte de sua fachada é representante da obra que o arquiteto Antônio Landi deixou em Belém. A pintura feita por Parreiras foi fiel ao desenho do arquiteto, preservado pela obra de 1882, com as torres e seus campanários ornamentados em escamas e as torres sineiras. Parreiras representa, ainda, com muita delicadeza, o frontão e sua parte inferior com os detalhes do relógio, óculo central e as linhas retas da cimalha que divide o frontão da parte de baixo do frontispício,
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OBRA: “A Catedral de Belém” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 65,7 x54,5cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0013
Foto: Lucivaldo Sena
onde podemos ver, ainda, as janelas e uma porta em vermelho. Ao redor e na frente da Igreja, um calçamento geral de rua pavimentada, demonstrando a limpeza e higienização, preocupação latente. À esquerda da obra é possível ver uma perspectiva da fachada lateral, onde ele pinta os telhados da igreja e, no meio do passeio, algumas figuras esquemáticas. O dia está limpo, o céu claro e com um azul intenso. Já nosso outro sujeito, Antônio José Landi, era italiano de Bolonha e chegou a Lisboa acompanhado de um grupo de estrangeiros, contratado para a missão de demarcação de fronteiras no Brasil. Chegou em julho de 1753 a Belém ocupando o posto de desenhador da Comissão Demarcadora. Sua trajetória de 38 anos a serviço da Coroa portuguesa lhe garantiu ascensão social: dono de engenho, escravos e habilidade política, circulou entre os influentes grupos da província. Nascido em 30 de outubro de 1713, Antônio José Landi formou-se na Academia Clementina, habilitando-se nas técnicas arquitetônicas civis e militares, além de cenografia com intuito teatral e decorativo. Seu mestre, Fernando de Bibiena (1657-1743), o iniciou nos trabalhos com perspectiva linear resultando em forte influência do barroco italiano.
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substituição dos púlpitos e o acréscimo de candelabros m Belém, encontramos as seguintes de ferro fundido. Todavia, a fachada não foi modifiedificações de sua autoria: a Igreja de Santana, sancada. Essa obra terminou apenas em 1892, quando ta da qual era devoto; a Capela de São João Batista; Dom Macedo Costa já não era mais bispo do Pará, e o Palácio dos Governadores, onde hoje funciona o sim arcebispo da Bahia. Museu Histórico do Estado do Pará (MHEP) e a A reforma da Catedral da Sé não foi feita isoladaCasa da Ópera, teatro já demolido. Teve também mente, fez parte da reformulação da cidade iniciada participação na citada Catedral da Sé e na Igreja em finais do século XIX. O excedente econômico redo Carmo. Mais: fez a adaptação de uma casa para sultante da economia da borracha movimentou não abrigar o Hospital Real – atual Casa das Onze Jasó o cenário artístico da região, mas também reornelas – e a reforma da capela do Engenho Murudenou o espaço urbano das capitais amazônicas. tucu, de sua propriedade. Fora essas, de autoria Mexeu-se no calçamento das ruas, as vias foram comprovada, outras tantas foram atribuídas a ele alargadas, reestruturaram-se praças, inúmeras e ainda suscitam discussões, tais como a Capela mudanças aconteceram. Pombo e algumas casas As áreas próximas ao particulares. O que levou “Wambach não está preocupado em bairro da Cidade Velha passaram de áreas majoexatamente um arquiressaltar a colônia ou a república, mas ritariamente residenciais teto acadêmico a largar sim a paisagem local, a composição en- a centro de atividades sua cidade, seus familiares e aparente estatre a natureza, o edifício, a praça, o mo- comerciais, fazendo com que as famílias residenbilidade profissional por numento....” tes ali se mudassem para uma viagem ao interior pontos mais afastados. É da Amazônia, terra não quando temos a edificasó distante, como também ção de rocinhas dando origem aos atuais bairem larga medida desconhecida, nós não sabemos ros de Nazaré, Umarizal e Batista Campos. As ao certo. Teria sido por espírito aventureiro? Neexigências eram outras: ecletismo, art nouvecessidade de mudança? Possibilidade de novas reau, arquitetura moderna. alizações? O fato é que Landi jamais regressou à A arquitetura colonial e, conseqüentemente, Europa. Foi aqui que constituiu família, acumulou a projetada por Landi, representava o velho, posses, ergueu enfim suas obras. o antigo regime. O fim do século XIX e início Quando chegou a Belém, Landi encontrou do século XX viam a colônia com desdém e proa Sé em construção, com andaimes até a altura do curavam apagar as marcas da dominação portelhado e sem torre. O arquiteto atuou, então, na tuguesa. Percebemos esse movimento com a decoração interna da igreja e na conclusão da famudança dos nomes das ruas, por exemplo, que chada. No entanto, a atual Catedral Metropolitana passam prioritariamente a homenagear persode Belém teve sua pedra fundamental lançada em nalidades ou datas escolhidas pelas autoridamaio de 1748 e levou mais de 20 anos para ficar des locais, formando uma concepção histórica pronta. Em 1882, o interior da igreja sofreu uma reatravés dessas. As ruas, antes associadas às forma ordenada pelo bispo Dom Antônio de Macedo suas direções, aos seus prédios importantes, às Costa. Grande parte dos revestimentos originais foi personalidades que habitavam nela – como era substituído e construiu-se um novo altar-mor, ofero caso da “Rua do Landi”, atual Padre Prudêntado pelo bispo. Desta reforma, participaram divercio – ou ainda ao ofício predominante de seus sos artistas italianos, como o escultor Luca Carmini moradores, passam a criar uma memória colee o pintor Domenico De Angelis, além de Lottini e tiva de exaltação de datas e sujeitos consideraSilverio Caporoni. A intervenção modificou muitos dos mais importantes ou significativos. elementos do desenho de Landi, com a retirada dos Neste sentido, o Palácio dos Governaretábulos do altar-mor e dos altares do cruzeiro, a
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OBRA: “Palácio do Governo” AUTOR: Georges WAMBACH ÉPOCA:1939 TÉCNICA: aquarela ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/11/0058
dores,
sede de poder, não podia ficar com ares
coloniais: deveria ser remodelado de forma a ficar compatível com os ideais modernos do republicanismo positivista. O realizador dessa reforma foi o governador Augusto Montenegro, que esteve à frente do governo do Pará de 1901 a 1908, e que, para isso, contratou Joseph Cassé, artistadecorador formado pela École des Beaux-Arts de Marseille. Cassé já trabalhava com decoração de palácios republicanos e misturava o gosto oriental e a estética art nouveau, além de dialogar com as mais importantes tradições decorativas do século
XIX. Para o Palácio dos Governadores, estudou seu desenho colonial, trazendo de Lisboa cantarias de lioz – usadas na calçada e o entorno do edifício. Para a entrada, trouxe da Itália um conjunto de mosaicos coloridos que compuseram o piso art nouveau. Móveis, vitrais, lustres, pinturas parietais e parquetarias foram usados de forma a introduzir o gosto refinado e civilizado da principal cidade do norte do Brasil. Mudanças nas fachadas também foram implementadas. Porém, na restauração de 1970, muito do projeto de Landi foi reintroduzido. Estudiosos dizem que, no
interior do palácio, ainda há dois elementos que traduzem o traço italiano de Landi. Seriam eles a escadaria principal e o pátio interno com varanda de arcadas. Seja como for, ao entrar no Palácio nos deparamos imediatamente com o brasão da República, colocado exatamente no começo da escadaria, reiterando que aquele também é um palácio republicano! Em 1939, de passagem por Belém, o pintor Ge orges Wambach, nascido em Antuérpia (Bélgica), faz uma série de aquarelas e em uma delas reproduz o dito Palácio. No início da década de 1930, Wambach fixa-se no Rio de Janeiro e de lá sai para inúmeras peregrinações artísticas, visitando as cidades históricas mineiras, cidades do Nordeste, São Paulo, Belém e o Amazonas. Nessas viagens, retratava em especial paisagens e trabalhava com grande liberdade o uso das cores e da luz. O Palácio Lauro Sodré (como também é conhecido) é retratado, então, em tons de cinza no sentido de enfatizar o jogo de luz e sombra, entrando em perfeita harmonia com o verde das mangueiras e outras matizes de cinza do monumento do soldado em primeiro plano e com os troncos das árvores. Assim como na obra de Parreiras, o prédio está encoberto pelas árvores, mostrando, talvez, o encantamento de um olhar estrangeiro sobre a natureza local. As pessoas aparecem bem reduzidas próximo à porta do Palácio. Vemos que são duas mulheres conversando e dois guardas, porém não têm muito destaque e se confundem com as opções cromáticas da aquarela. Essas figuras ressaltam, inclusive, a monumentalidade da edificação. Nesta obra, Wambach não está preocupado em ressaltar a colônia ou a república, mas sim a paisagem local, a composição entre a natureza, o edifício, a praça, o monumento... Essa resignificação dos monumentos não é uma preocupação dele em particular. Mas, se no período de implementação da República, as obras de Landi foram modificadas para dar lugar a uma nova ideologia, na segunda metade do século XX, irão ganhar nova importância. Belém começa a perceber que é preciso ter uma memória e uma história que precedesse a República. Neste sentido, a assinatura de Landi passar a ser um elemento valorizador das obras arquitetônicas e, conseqüentemente, da cidade. É assim que Belém usará o
discurso da civilização, buscando legitimar determinados espaços através da relação com grandes nomes, mesmo que esses grandes heróis sejam fabricados, (re)criando esse passado. Não se pretende mais negar nosso passado colonial, mas sim buscá-lo, valorizá-lo. Se antes tínhamos uma afirmação, uma imposição sobre esse passado, agora temos uma volta de olhares para ele. As obras de arte sempre fizeram e continuarão a fazer parte do instrumental discursivo desta “invenção urbana”, assim como as narrativas apresentam um painel histórico das qualidades outrora deixadas de lado. Ver Landi em Belém é mais que buscar suas obras. Ver Landi em Belém é também entender as construções de narrativas sobre suas obras e sua história. Ora esquecido, ora exaltado, podemos ver as ideologias que cercam esse movimento. Ao mesmo tempo, ao ver obras de arte retratando edificações de sua autoria, ou que sofreram influência sua, podemos ver os discursos impressos ali. Duas obras, dois pintores, duas técnicas, duas épocas. Ambas nos propõem uma reflexão sobre o olhar estrangeiro sobre essa paisagem tão comum aos nossos olhos. Ao olhar as telas, podemos nos perguntar o que chamou a atenção daqueles artistas e o que, de fato, representam aqueles pontos retratados para nós e para a história da cidade. As obras de arte têm o poder de nos levar às mais diversas questões – e pensar Belém e seus sujeitos através delas não deixam ser algumas. Para quem quiser achar Landi no Palácio Antônio Lemos, é melhor se voltar para o acervo do Museu que abriga. Nele, não encontrará nenhum projeto dele, nenhum desenho assinado, mas sim representações de obras suas, como as duas telas em questão. Não é preciso procurá-lo em todos os prédios da cidade... Belém não precisa ser apenas colonial, nem tampouco de Landi. Independente da quantidade de obras que realizou, Landi deixou sua marca na cidade, assim como o início da República, os modernistas... Visitar o acervo do Museu de Arte de Belém nos leva a um passeio por essa cidade e, neste sentido, a figura do ar-
quiteto não poderia faltar.
* Historiadora formada pela Universidade Federal do Pará, especialista em Conservação do Patrimônio Cultural pelo Fórum Landi/UFPA. Coordenadora da Ação Educativa do Museu de Arte de Belém – MABE.
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ARTE
A Vendedora de Tacacá U
m quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 e intitulado «Vendedora de Tacacá», mostra uma tacacazeira sentada atrás de uma bancada improvisada, no momento em que acrescenta molho de pimenta ao tacacá. A cozinheira é mestiça, cabocla, e traja uma blusa branca, larga e decorada com rendas, sobre a qual pendem longos colares vermelhos e dourados. Esta vestimenta evoca as roupas do século XIX e o indispensável aparato das conhecidas baianas. Até a década de 1960, o traje das tacacazeiras era semelhante ao das baianas, mas subsiste, hoje, apenas de forma simplificada, nas cidades da ilha de Marajó, próxima à Belém. Na época, os ustensílios e os alimentos já estavam colocados sobre uma mesa que se imagina disposta para os clientes, e em um lugar público, a rua, assinalando que se trata de uma banca, um ponto de venda semipermanente, ou mesmo
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por Lúcia Hussak
permanente. No quadro de Santos Feio é possível ver que a tacacazeira se serve de uma comprida bandeja, recoberta de toalhas brancas, para dispor os recipientes que contém os ingredientes, os quais, misturados no momento de servir, permitem a confecção e a apresentação do tacacá: duas grandes panelas de argila, igualmente envoltas por panos brancos e recobertas com pratos de latão, uma contém o tucupi, a outra a goma; uma panelinha para o molho de pimenta; uma grande cuia decorada para acondicionar o sal e pequenas cuias pretas para servir o tacacá. No chão está um cesto para guardar as cuias e uma bacia que serve para laválas. Enfim, uma moringa ou talha de argila, para manter a água fresca está depositada no parapeito do muro.
OBRA: “Vendedora de Tacacá” Pascale de Robert e Lucia van Velthem “A hora do tacacá:consumo e valorização de alimentos tradicionais amazonicos em um centro urbano (Belém-Pará)” 2008. Disponível em: http://aof.revues.org/index3533.html (francês).
AUTOR: Antonieta Santos FEIO ÉPOCA: 1937 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES:94,6x118,2cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0065
Foto: Rodolfo Braga
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por Jonas Arraes
Os Últimos Dias de Carlos Gomes
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obra “Os últimos dias de Carlos Gomes”, pertencente ao Museu de Arte de Belém – MABE, é uma obra de grandes dimensões, medindo 224 x 484 cm, óleo sobre tela, pintada a quatro mãos por Domênico De Angelis e Giovanni Capranesi em 1899, no fim de Sec. XIX e de início de um novo regime político, a república. Passamos a partir desta linha a nos referir a esta obra pelas suas iniciais: OUDCG. Em dias de hoje, um museu brasileiro localizado na Amazônia, que tem em seu acervo uma tela de grandes dimensões físicas e simbólicas, pode-se considerar uma instituição privilegiada. A obra OUDCG que o Museu de Arte de Belém guarda em seu salão verde, foi construída a partir da sacralização de um momento vivido ao fim de sua vida por um homem que, recebido em terras paraenses, haveria de se eternizar no memorial do povo e nos panteões erigidos à ele, estando a obra entre as principais dedicadas, in memoriam, à Antônio Carlos Gomes. Tais como os monumentos mortuários dos túmulos do Cemitério da Soledade, de Belém do Pará, esta tela cristaliza o olhar atento da sociedade da época, principalmente das elites dominantes que naquele ano de 1896, sob influências dos ideários do positivismo e com nítidas afeições aos padrões estéticos do romantismo europeu, posam sob encomenda do Intendente de Belém do Pará, Antônio Lemos, num grande retrato, cuja disposição dos personagens é fictícia, não obstante, são os mesmos reais e amplamente conhecidos de todos.
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“Apoteose é precisamente o termo que define a consumação do grande espetáculo, da cena monumental que se procurou construir na Belém de 1896 para a sacralização de Carlos Gomes.” Geraldo Mártires Coelho (in O Brilho da Supernova. 1995. P. 141.)
Foto: Rodolfo Braga
Militares: Capitão Tenente Serra Pinto – Inspetor do Arsenal de Marinha. Coronel Augusto Vasconcelos Drumond - Inspetor do Arsenal de Guerra. General Cláudio do Amaral Savaget – Chefe do 1º Distrito Militar. Coronel Gama Costa. Médicos: Dr. José Paes de Carvalho – médico assistente do Maestro e governador do Estado do Pará. Dr. Numa Pinto Dr. Miguel Pernambuco Raul Franco – Enfermeiro do Maestro. Políticos: Dr. Lauro Sodré – Governdor do Etado do Pará à época da morte de Carlos Gomes. Dr. Gentil de Moraes Bittencourt – Vice Governador do Estado do Pará. Dr. Pedro Chermont – Deputado Federal. Antônio José de Lemos - Senador Comércio: Sr. Visconde de São Domgos: Presidente da Praça do Comércio e da Associação Comercial Clero: Bispo Dom Antonio Manoel de Castilho Brandão Imprensa: João Marques de Carvalho – Redator-Secretário da Província do Pará. Antonio Leite Chermont – Província do Pará Poeta João de Deus do Rego – Folha do Norte Licínio Silva – encarregado da Província do Pará. Músicos: Professor Ernesto Dias. Maestro Clemente Ferreira. Artes Plásticas: Domenico De Angelis – 1º Autor da tela OUDCG.
Giovanni Capranesi – 2º Autor da tela OUDCG.
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o olhar a tela OUDCG diretamente para o seu centro e a dividirmos em duas bandas, veremos que a parte oriental da obra concentra um grupo de quatorze homens públicos detentores dos cargos de maior poder à época. Do lado ocidental concentram-se oito homens, dentre eles dois colegas do compositor e fugazmente inserem-se na cena os dois autores da tela. Se olharmos pelos prismas políticos, onde as análises sociológicas variam em matizes individuais, veremos alguns aspectos importantes deste agrupamento de senhores a velar em vida o grande maestro, a saber: Não há mulheres na cena. O mundo da época era dominado pela figura do homem, tanto que mulheres que ousavam instruir-se em atividades além das alças domésticas, eternizavam-se como revolucionárias ou perturbadoras da ordem social vigente, exemplos temos na escultora Julieta de França e na compositora Chiquinha Gonzaga. Também não vemos homens negros ou orientais na cena. Com tão pouco tempo de república e de abolição da escravatura os homens negros sofriam ainda com os pesares remanescentes de tantos anos de escravidão.
OBRA: “Os últimos dias de Carlos Gomes” AUTOR: Domênico DEANGELIS e Giovanni CAPRANESSI ÉPOCA: 1899 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 224X484cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0001
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“Tão longe de mim distante Onde irá, onde irá teu pensamento Tão longe de mim distante Onde irá, onde irá teu pensamento Quisera, saber agora Quisera, saber agora Se esqueceste, se esqueceste Se esqueceste o juramento. Quem sabe se és constante Se ainda é meu teu pensamento Minh’alma toda devora Dá a saudade dá a saudade agro tormento Tão longe de mim distante Onde irá onde irá teu pensamento Quisera saber agora Se esqueceste se esqueceste o juramento”. Quem sabe, Carlos Gomes.
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lém e ao lado dos homens teinstituições, chamando atenção especial as mos dois objetos a emoldurar a grande insatividades de mais de 30 editoras de músipiração do compositor: a música. Do lado ca, que atuavam em convênio com outras ocidental, abaixo e à esquerda vemos um do sul do país e da Europa. piano onde está na estante a ária “Sento A moldura que sustenta a tela é, tal Una Força Indômita!”, um dos principais como a própria, gigantesca e monumental. momentos musicais da Ópera “Il Guarany”, Dourada à ouro, foi entalhada em Roma quando Pery declara-se, apaixonado à Cecy. pelo escultor Giuseppe Bucci. Ricamente Esta ária foi executada em 12 de Janeiro adornada, tem entre outros símbolos uma de 1994, quando organizamos um momenlira em sua parte into musical por ocasião ferior e o escudo de da reabertura do PaBelém em sua par“Recebido em terras paraenses, lácio Antônio Lemos, te superior diamehaveria de se eternizar no memorial tralmente oposta. após restaurado, imdo povo e nos panteões erigidos à plantação do Museu Muito teríamos de Arte de Belém e da ele, estando a obra entre as prina dizer, além do apresentação ao púque nos reserva cipais dedicadas, in memoriam, à blico da tela OUDCG. este espaço, sobre Antônio Carlos Gomes.” No extremo alto da a magistral obra tela, em seu lado OUDCG. Esta obra oriental, vemos uma nos fala sobre os últitela pintada por De Angelis, que represenmos momentos do grande compositor pauta A Salvação de Cecy por Pery. Ali está lista, de Campinas, que no retrato ainda faa representação pictórica da mais famosa lava e gesticulava. A partitura manuscrita, obra do maestro. provavelmente autógrafo do compositor, no Apresentada ao público, para visitação, em piano, sugere que ele ainda poderia tocar, 17 de setembro de 1899, a tela foi instalada no entanto vemos em seu semblante a dor sob a supervisão do pintor De Angelis, no e a resignação do ser finito, porém, eternigabinete da Intendência Municipal, onde zado por sua obra e os panteões a ele eripermanece até hoje, sob abrigo do Museu gidos. Tal como a obra apresentada neste de Arte de Belém. texto sua imortalidade foi consagrada pelo Por suas dimensões impactantes a povo que lhe aplaudiu quando da sua vinobra OUDCG nos remete a um tempo em da uma década antes. Exatamente o povo que a música era disciplina do tronco coque lotou as ruas de Belém por ocasião de mum nos educandários de Belém, cidade suas exéquias não vemos representado nesta cosmopolita interligada com o mundo todo, obra encomendada pelo Intendente Antônio onde existiam em atividades lojas, jornais, Lemos. cafés, teatros, bancos, clubes, entre outras
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Ensaio Foto Grรกfico Arnold Souza 38
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
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ARRAIAL DO PAVULAGEM “Do
arraial que é do Sol
do arraial que é da lua do povo da rua do meu guarnicê”.
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FSM O Fórum Social Mundial em Belém do Pará reuniu cerca de 500 mil pessoas de todas as partes do mundo. O Evento começou com uma grande passeata.
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BELÉM
CIENCIA E TECNOLOGIA
DESENVOLVIMENTO URBANO
MOVIMENTO POPULAR
POLÍTICA
N E
EDUCAÇÃO
A st P E E o AR d C ra IA o L d JÚ na A r e N A ov G
á r a P
A REVISTA PZZ retoma seu quadro de entrevistas convidando a participar desta vez, uma das
mulheres mais notáveis da história do Pará e da cidade de Belém que é a atual Governadora do Estado do Pará. Ana Júlia de Vasconcelos Carepa nasceu e iniciou sua militância política em Belém do Pará. Ela é arquiteta, formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e bancária concursada do Banco do Brasil desde 1983. Ana Júlia começou sua militância política no final dos anos 70, em plena época da ditadura, período de repressão a militantes políticos de esquerda, artistas, estudantes, professores, lavradores e intelectuais que se opunham ao autoritarismo do regime militar. Depois da militância nos movimentos de bairro e do movimento estudantil, entrou no movimento sindical. Sua história permeia pelo processo de redemocratização do país, pelo surgimento do Partido dos Trabalhadores no Brasil e na ascenção do operário-presidente Lula ao governo federal. Participou ativamente na organização e na mobilização de campanhas políticas de esquerda e nos mostrou ser uma mulher de coragem e luta vencendo as adversidades do mundo em que vivemos. Foi eleita vereadora em Belém por duas vezes, Deputada Federal, Vice-prefeita de Belém, Senadora. Tornou-se a primeira mulher a governar o Estado. Agora, em entrevista concedida à PZZ, temos a honra de apresentar um pouco de sua história e de sua relação pessoal e política com a cidade de Belém do Pará, quando a cidade completa seus 494 anos.
Entrevista realizada no dia 09/01/2010 pelo Editor da PZZ: Carlos Pará. 48
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David Alves www.revistapzz.com.br
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O que é, e como nasceu
ENTREVISTA
O PRIMEIRO ATO PÚBLICO
A COMISSÃO DE BAIRROS DE BELÉM
Em 1960 foi inaugurada a estrada Belém-Brasília. A idéia dessa estrada
era para ligar a Amazônia ao resto do Brasil. Na verdade essa estrada possibilitou a penetração do capitalismo em nossa região. Muitos capitalistas compraram grandes quantidades de terra na Amazônia e os grandes projetos começaram a se implantar. Em conseqüência os lavradores vão sendo expulsos de suas terras e vão procurar as grandes cidades. Belém começa então a crescer assustadoramente. Os lavradores expulsos chegam a Belém, vão desbravando as matas e construindo os bairros. Mas ao mesmo tempo começaram a aparecer os donos das terras daqui da cidade. Em 1970 começam a surgir os conflitos de terra aqui em Belém. A partir de 1977 esses conflitos vão ficando mais graves: muitas famílias são expulsas de suas terras, casas são derrubadas, violências são praticadas contra os moradores dos bairros pobres e assim por diante.
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CBB
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No dia 26 de janeiro de 1979 foi realizada uma grande assembléia de moradores dos bairros de Belém na igreja de Nossa Senhora de Aparecida, para se discutir os problemas de terra na cidade. Nessa ocasião foi decidido realizar um Ato Público no dia 28 de maio de 1979, a fim de exigir do governador uma providência para solução do problema de moradia em Belém. Para encaminhar essa luta, foi eleita democraticamente uma comissão, que no início era chamada de Comissão de Terra e logo depois tomou o nome de Comissão de Bairros de Belém. Logo após o ato público foram realizadas eleições democráticas em todos os bairros de Belém para eleger novos elementos para a CBB. Alguns elementos escolhidos no bairro desanimaram. Mas a maioria ficou firme.
A CAMPANHA “ESCOLA PARA TODOS” Com a preocupação de fortificar a luta, a CBB realizou vários seminários em diversos bairros sobre a situação sócio-econômico e fundiária de Belém. Isto em setembro de 1979. Em novembro do mesmo ano foi dado início à “Campanha Escola para Todos”, que veio atingir seu ponto alto em março deste ano foi lançada a Campanha pelo Direito de Morar, transformada em Movimento pelo Direito de Morar, no dia 28 de Junho. No dia 28 de maio deste ano houve o segundo Ato Público, que reuniu cerca de 5 mil pessoas em frente ao palácio do governo e as nossas principais reivindicações são a revogação de Lei do Uso do Solo e a Legitimação de nossos terrenos.
RENOVAÇÃO DEMOCRÁTICA Com todas essas lutas, começamos a ver que a CBB não era muito representativa dos moradores dos bairros. Aí então, no dia 2 de março iniciamos um processo de discussão nos bairros sobre a necessidade, importância e representatividade da CBB, o que resultou numa nova eleição de representantes para a entidade. Já desde o fim do ano passado a CBB se autodenominava de provisória porque não se achava bastante representativa. Esse processo de eleição que foi desde o dia 7 até 28 de junho foi um verdadeiro treino democrático. Dia 28 de junho foi então realizada a posse da nova CBB, composta de 39 representantes dos vários bairros de nossa cidade.
11 BAIRROS ESTÃO REPRESENTADOS Agora sentimos que a CBB é uma entidade identificada com o povo; o povo reconhece a CBB como seu verdadeiro representante. Portanto a CBB tem como objetivo lutar juntamente com a classe oprimida por todos os nossos direitos: moradia, melhores salários, empregos, educação de vida, por liberdade de organização e expressão, enfim, por uma verdadeira democracia. Atualmente a Comissão dos Bairros de Belém é composta com representantes de Onze bairros: Jurunas, Guamá, Sacramenta, Pedreira, Una, Bengui, Marco, São Braz, Terra Firme, Atalaia e Cremação. (Jornal Resistência- 1979)
“Já chega de tanto sofrer. Já chega de tanto esperar. A Luta vai ser tão difícil, na lei ou na marra. Nós vamos ganhar!”
Jornal Resistência
Eu nasci e comecei a minha militância política em Belém do Pará.
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u nasci e comecei a minha militância política em Belém do Pará. Comecei na universidade com o movimento estudantil, reconstruindo o Centro Acadêmico de Arquitetura da UFPA onde fui a primeira presidente. Depois, eu participei do movimento de mulheres e criamos o Movimento de Mulheres da Cidade e do Campo -MMCC, junto com muitas companheiras, entre elas, a Isa Cunha. Participei apoiando as lutas populares de bairro, a luta pelo direito de morar. Lembro que de vez em quando a gente canta aquela música: “Já chega de tanto sofrer. Já chega de tanto esperar. A Luta vai ser tão difícil, na lei ou na marra. Nós vamos ganhar!” Essa era a música que nós cantávamos e fazia parte movimento. Nesse histórico de que Belém é uma cidade que tem quase 400 anos, ela é marcada por lutas e pela participação da população por suas conquistas. E quando conseguimos chegar ao governo é porque representamos essas pessoas. Voltamos ao governo para representar as conquistas do povo. PZZ - Nessa época tinha a CBB, a Comissão de Bairros de Belém, como era esse movimento e seu processo de organização? - Na Comissão de Bairros de Belém eu participava das reuniões. Nessa época, era meu último ano de universidade e eu trabalhava como estagiária num projeto de pesquisa da universidade que tinha relação sobre moradia e tínhamos uma relação forte com o pessoal da Terra Firme e com
Ana Júlia nas ruas do Comércio de Belém vendendo o Jornal Resistência que tinha como slogan a frase: “Resistir é o primeiro passo”. o Centro Comunitário “Unidos Venceremos”. A Comissão de Bairros de Belém, organizava e unia todos os centros comunitários e organizava as lutas pelo direito de morar. Bairros como a Terra Firme, Sacrementa, Guamá, e diversas áreas de Belém, participavam ativamente desse processo. Por isso, que hoje, quando podemos fazer a Regularização Fundiária, temos o orgulho em dar o título de concessão do uso da terra que garante a permanência das pessoas em suas áreas. E através dessa parceria do Governo do Estado com a Superintendência de Patrimônio da União, está permitiindo a entrega de milhares de títulos para as pessoas, dando-lhes garantia do direito de morar. No aniversário de Belém, entregamos quase dois mil títulos no Guamá e já fizemos isso na Radional, na Vila Santos, Com esse trabalho podemos titular milhares de
famílias que viviam na insegurança. Então, isso é motivo de alegria, pois foram anos que essas pessoas ficaram lutando, ocupando, morando em sua área com insegurança. Enfim, a história da Comissão de Bairros de Belém, ajudou a fazer a história política da cidade.
“Por isso, que hoje, quando
podemos fazer a Regularização Fundiária, temos o orgulho em dar o título de concessão do uso da terra que garante a permanência das pessoas em suas áreas.”
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ENTREVISTA PZZ- Como foi que começou sua carreira política?
Jornal Resistência
Comecei no final dos anos 80. Depois do
período de faculdade, do movimento de mulheres, do movimento popular de moradia, eu comecei a trabalhar no Banco do Brasil em Itaituba, passei alguns anos lá e depois, fui morar em Castanhal. Nessa época, entrei no movimento sindical, no MOB - Movimento de Oposição Bancária. Então, no início da década de 80 até 92, foram quase 12 anos para eu me candidatar a algum cargo polítíco, porque isso, não fazia parte dos meus sonhos, dos meus planos.
“Eu nunca, jamais, tinha projetado na minha vida em ser candidata” Ao contrário, em 90, quando algumas pessoas sugeriram que eu fosse candidata a deputada. Eu relutei e disse que eu gostava de fazer campanha para os outros e não para mim. Em 82, eu era da coordenação da campanha do Humberto Cunha que foi o vereador de esquerda e o primeiro vereador do Partido dos Trabalhadores no Pará. Eu já participava ativamente da política como militante, na mobilização e na organização, mesmo muito jovem, eu já tinha essa atuação muito firme. Mas eu não pensava em momento algum em ser candidata. Eu fui pressionada para ser candidata, fizeram reunião comigo, insistiram que eu deveria me candidatar e não teve jeito, fui canditadata a vereadora em 92 e fui eleita.
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Compreendi que a nossa luta faz parte de um projeto político e que estaria alí alíassumindo assumindoum umprojeproeu estaria jeto importante para a transformato importante para a transformação çãorealidade, da sociedade, de lutar poder lutar da de poder por um por um melhor, mundo melhor, para as mundo para que as que pessopessoas possam ter cidadania, digas possam ter cidadania, dignidanidade e democracia. Acabei aceide e democracia. Acabei aceitando tando o desafio e entrei na vida púo desafio e entrei na vida pública blica dessa forma. dessa forma.
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Na câmara municipal, eu era muito co-
erente. Eu lembro bem de uma situação. O prefeito era o Hélio Gueiros, e ele enviou um projeto para transformar a área central em patrimônio histórico, e eu me lembro que isso, tinha oposição da base aliada do prefeito, e eu fui defender o projeto. Então, eu nunca atuei sendo oposição por ser oposição.Eu era oposição, naquilo que eu considerava errado. Eu não analisava os projetos pela autoria, pela origem, e sim pelo conteúdo deles. Nunca tive uma postura de fazer populismo, mas sim, de ter uma posição firme, junto com os movimentos sociais. Eu criei o Conselho Municipal da Condição Feminina. No outro mandato de Vereadora, eu criei o Conselho Municipal da Criança, do Adolescente e do Idoso, foi uma atuação dessa forma. Em 94, fui candidata a Deputada Federal e me elegi. Depois voltei para Belém para assumir a vice-prefeitura de Belém, como um projeto estratégico do Partido dos Trabalhadores quando ganhamos pela primeira vez a prefeitura da capital. Vim para ser a vice- prefeita do Edmilson e na reeleição, voltei como vereadora e fui cumprir o papel de fazer a maior bancada dos vereadores do PT dentro da Câmara Municipal em 2000. PZZ- Como você considera a relação entre a administração do PT naquele momento e agora no governo do Estado na história política da cidade?
Nós transformamos muito a administração de Belém, primeiro pela concepção de administrar com a participação popular. É por isso que estamos fazendo no Estado,
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Nós temos formas próprias de administrar. Quando falamos em pensar a cidade como um todo e discutir obras em todos os distritos de Belém, fazemos uma política semelhante no Estado
“
PZZ- E a primeira atuação Parlamentar, como foi a experiência ?
uma administração com a participação popular. Isso é a nossa marca, uma marca do PT, administrar com a participação do povo, com a participação dos movimentos sociais, dialogando com a sociedade, dando voz, não apenas para a formalização, hoje existente, do poder legislativo como voz do povo, mas dando voz, de forma direta também a população através da participação no PTP que naquela época era o Orçamento Participativo. E também de pensar a cidade como um todo. Nós temos formas muito próprias de administrar. Quando falamos em pensar a cidade como um todo, inclusive discutindo obras em todos os distritos de Belém, fazemos algo semelhante no Estado. No governo do Estado fizemos assembléias do PTP em to-
dos os municípios do Pará, por região, e por município, discutindo políticas públicas e obras que são importantes para a população a partir da realidade do município. Como foi o primeiro ano no governo estadual, fizemos uma projeção para quatro anos e tivemos que rever algumas questões e isso é natural. No orçamento participativo você revê a cada ano. No PTP como é de 4 em 4 anos você pode rever até em dois anos o que foi planejado. Então, essa característica de administrar Belém nesses 8 anos, foi muito importante porque trouxe o movimento social, empoderou a população. O Poder é relativo, é claro, mas, deu mais poder aqueles que não tinham voz e que também passaram a poder decidir e fiscalizar obras.
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ENTREVISTA Pzz- Pensando a cidade como um Todo, existe em Belém um grande problema que é o Sistema de Trânsito e mais especificamente no Entroncamento, como o Governo do Estado está intervindo nesta situação?
“O trabalho que fizemos na Prefeitura estamos fazendo no Governo do Estado. A grande obra é o trabalho que pensa em primeiro lugar nas pessoas. A grande obra tem como marca a inclusão social. Ela não é apenas uma grande obra mas tem várias intervenções que alteram e que melhoram a vida das pessoas”.
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- A intervenção nessa área, está acontecendo através do projeto “Ação Metrópole” que encontra-se na primeira etapa. É um conjunto de obras e de intervenção na cidade que começa com o elevado da Júlio César com a Pedro Álvares Cabral, com a pavimentação da Avenida Dalcídio Jurandir que é continuação da Av. Independência e toda a revitalização da Arthur Bernades com ciclovias, calçadas e outras ações. Depois, o Ação Metrópole tem como segunda etapa uma obra muito grande que vai intervir além dessa área que você está citando, incluindo a Almirante Barroso, a Augusto Montenegro e a BR. Mas para fazermos isso, temos que primeiro concluir essa etapa que estamos realizando agora. Depois vamos fazer a outra etapa que no momento, estamos aguardando recursos federais que já foi aprovado para a duplicação da Perimetral, para o túnel da Dr. Freitas e para a continuação da duplicação da Av. João Paulo II. Essas obras fazem parte de um todo de intervenção e o Governo do Estado é que está realizando. Tudo isso tem um objetivo, que é criar, um Sistema de Transporte para a Região Metropolitana de Belém, de transporte e de tráfego. E quando realizarmos a outra etapa que vai fazer intervenção na Almirante Barroso, na Augusto Montenegro e na BR, que são corredores onde vão ter Terminais de Integração para que as pessoas possam também pegar um ônibus em Ananindeua e possam chegar em Belém com apenas uma passagem de ônibus, mesmo trocando de ônibus nos terminais integrados com esse novo sistema de transporte. Então, o trabalho que fizemos na Prefeitura estamos fazendo no Governo do Estado. A grande obra é o trabalho que pensa em primeiro lugar nas pessoas. A grande obra tem como marca, a inclusão social. Ela não é apenas uma grande obra mas tem várias intervenções que alteram e que melhoram a vida das pessoas.
Pzz- E quem vai ser o gestor desse projeto? - O Governo do Estado é quem está realizando a obra, buscando financiamento e buscando soluções para a região metropolitana de Belém. Mas o Sistema de Transporte, quem vai gerir são os municípios, através dos prefeitos. Vai ter que ser criado um consórcio entre os municípios para administrarem esse sistema. O Estado é o responsável pela obra, solicitou finaciamento para a JAICA que é a Agência de Desenvolvimento Japonesa, para ajudar a concluir a segunda etapa que é muito mais cara. O Ação Metrópole vai ficar com todas as suas intervenções que não são só as obras maiores, mas envolve a rede de esgoto, o abastecimento de água, a regularização fundiária, a praça na Pratinha, o parque entorno do elevado que vai ter quadra de esporte, área de lazer, o parque ambiental do Utinga. A segunda etapa incluindo os terminais de integração, vai chagar a 400 milhões de reais. Esses investimentos são pesados para o Estado e muito mais para os municípios. Por isso, fomos atrás do financiamento, para ajudar no desenvolvimento da cidade, para melhorar esse sistema de transporte e de trânsito, para que as pessoas não fiquem 4 a 5 horas dentro de um ôninus, para irem e voltarem de seu trabalho, perdendo tempo de vida, de estudo. A necessidade de fazer essa intervenção já estava planejada, pensada. A necessidade de fazer um projeto como esse, existe há dezenove anos. Ou seja, nós estamos destravando a política pública no Estado, e tivemos a coragem de resolver esse problema sério na região metropolitana de Belém. Eu costumo dizer que a diferença do meu governo é essa, que além de se preocupar com as pessoas, nós pegamos os problemas no Estado e enfrentamos para resolvê-los. Nesse projeto estamos dando condições para que as pessoas que moram no entorno desse projeto, possam ter seu próprio emprendimento, realizando cursos de capacitação. Os operários contratados, a maioria é da região e do entorno. O parque que vamos construir, com quadra de esportes, com anfiteatro, com centro comunitário, o parque ambiental, é para a população do entorno. Então, a grande preocupação do nosso governo é pensar e cuidar das pessoas. A grande obra tem como objetivo a inclusão social. Essa é a nossa grande marca!
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Rodolfo de Oliveira
de inclusão digital. Os infocentros são montados pelo governo do Estado através do Projeto NavegaPará com a participação das comunidades, preferencialmente em locais onde já funcionam projetos sociais. Pessoas escolhidas na própria comunidade ajudam na administração do espaço, decidindo horários de funcionamento, tempo de acesso para cada usuário e tipos de cursos mais demandados. Temos parcerias com o Banpará, o Banco da Amazônia e o grupo Rede, onde eles ajudam o Estado nesse processo. Uma frase muito significativa do pastor na inauguração do Infocentro da São Miguel Arcanjo é muito significativa. “Nós estamos dando oportunidades para que os jovens, em vez de terem uma arma na mão, tenham um teclado”. Isso é cuidar das pessoas. Então, estamos contribuindo com a nossa cidade dessa forma, melhorando as condições de vida das pessoas. A presença dos Infocentros na comunidade é a sinalização completa de que nós estamos investindo em pessoas para que elas tenham dignidade e acesso à informação, ao trabalho e ao emprego com seus próprios recursos e que não vivam só de caridade. No infocentro, você se informa, você conhece, você faz cursos e principalmente, você também pode se mostrar para o mundo e divulgar o que a sua comunidade está realizando em todas as áreas O NavegaPará também interliga mais de 100 órgãos públicos da capital, via fibra óptica, permitindo novos serviços de governança eletrônica e ações em áreas estratégicas, como a saúde, a segurança, a educação e a cultura.
David Alves
Como está sendo feito o processo de inclusão digital em Belém através dos Infocentros?. Já inauguramos 20 infocentros em Belém entre eles no Mundo Novo e no Emaús. A D. Irene do Mundo Novo, comprou financiado com recursos próprios os computadores para realizar cursos de computação e acesso à internet. Esse tipo de iniciativa deve ser valorizada. Reformamos o espaço, colocamos ar condicionado e colocamos mais 12 computadores novos e transformamos a Associação Mundo Novo em Infocentro. Assim como fizemos na Fábrica Esperança e vamos fazer isso em vários locais de Belém: Icoaracy, Tapanã, Jurunas, Cremação, Condor, Sacramenta, vários Bairros de Belém vão ter Infocentros, mas além disso, nós vamos ter locais livres de acesso à internet. E à maneira de grandes capitais mundiais, como Paris e Buenos Aires, Belém vai dispor de cinco áreas livres de acesso à internet em locais públicos. No Benguí, vai ter uma área de livre de acesso à internet, na Praça do Jaú, na Orla de Icoaracy, no Ver-o-rio, na Estação das Docas, na Praça Dalcídio Jurandir na Cremação e vamos colocar em outros locais até o fim do ano. A meta é construir 150 Infocentro no Pará até o final do ano. Esse é um dos trabalhos mais importantes que temos porque é inclusão social e não só inclusão digital. Já temos mais de seis mil pessoas que já foram capacitadas com cursos de computação e quero lhe dizer que teremos muito mais pessoas capacitadas. Esse é um dos trabalhos mais importantes que realizamos no governo, porque é um trabalho de inclusão social e não só
David Alves
ENTREVISTA
David Alves
“A presença dos Infocentros na comunidade é a sinalização completa de que nós estamos investindo em pessoas para que elas tenham dignidade e acesso à informação, ao trabalho e ao emprego com seus próprios recursos e que não vivam só de caridade. No infocentro, você se informa, você conhece, você faz cursos e principalmente, você também pode se mostrar para o mundo e divulgar o que a sua comunidade está realizando em todas as áreas”
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David Alves David Alves
Belém, a partir do Fórum Social Mundial, passou a fazer parte da agenda mundial. Depois, em parceria com a ONU e com várias entidades nacionais e internacionais, trouxemos a Conferência Internacional de Educação de Adultos, o Confitea. Belém entrou na história da Organização das Nações Unidas como a primeira capital sul-americana e de um país em desenvolvimento a sediar uma Conferência Internacional de Educação de Adultos. A cidade foi escolhida porque retrata um dos maiores desafios mundiais: a promoção do desenvolvimento humano com base em paradigmas de sustentabilidade e reunimos cerca de 1.500 participantes de mais de 156 Estados-membros da Unesco, agências de cooperação bilaterais e multilaterais, organizações da sociedade civil e do setor privado, além de estudantes adultos de todo o mundo. A conferência foi realizada em cooperação com Ministério da Educação e com o Governo do Pará. E tivemos a honra da presença da princesa Laurentien, da Holanda, representante especial da Unesco para Alfabetização para o Desenvolvimento. Um dos objetivos do evento é chamar a atenção para a contribuição da educação de jovens e
adultos ao desenvolvimento sustentável em todos os seus aspectos: social, econômico, ecológico e cultural, e discutiu questões que afetam a educação de adultos no momento, incluindo políticas públicas, estrutura e financiamento, inclusão e participação, qualidade e alfabetização. Os eventos internacionais que estão acontecendo em nossa cidade, são muito importantes e o Governo do Estado tem incentivado e fomentado esses eventos, porque além de divulgar a cidade de Belém para o mundo, atraimos o turismo e o turismo é uma grande indústria de geração de emprego e distribição de renda. Portanto, é importante essa indústria ser fomentada cada vez mais em noso Estado pois também divulga nossa cultura. Teve o Fórum de Autoridades Locais da Amazônia, o FALA que também aconteceu aqui em Belém. Todos esses eventos de caráter internacional que nós fomentamos, são fundamentais e colocaram Belém no circuito internacional. Tornaram Belém uma referência em nível internacional. O fato do Governo ir a Copenhague, ajudou a participar de encontros sobre meio ambiente como fomos na Inglaterra, e nos Estados Unidos. Concerteza contribuiu para que Belém coordene junto com o Amazonas esse Fórum de governadores, trabalhalhando pelo clima do planeta. David Alves
E como está sendo projetada Belém pelo governo do Estado no cenário mundial?
David Alves
ENTREVISTA
naliza e se torna uma referência. E isso é im portantíssimo para o Estado. Depois da visita do Príncipe Charles aqui no Pará, o jornal inglês “The Guardian” qualificou a praia de “Alter do Chão” como a praia mais bonita do Brasil. Por isso, que vamos inclusive construir, um Centro de Convenções em Santarém que vai ajudar a fomentar o turismo nesta região e será mais uma alternativa de fomento econômico que estamos fazendo a uma cidade tão bonita e a uma região tão importante que é o Oeste do Pará.
Foco - O Brasil é o maior país da América Latina, a sexta economia do mundo e possui 189,6 milhões de habitantes, dos quais 14,1 milhões, entre a população maior de 15 anos, não sabem ler nem escrever. Entre os brasileiros que estão acima de 25 anos, 50,2% não atingirão a média da escolaridade obrigatória de 8 anos, o correspondente ao ensino fundamental. Mais do que nunca, o Brasil vai precisar voltar suas atenções para a Educação de Adultos visando atender a determinação da Constituição de garantir o ensino fundamental a todos os cidadãos, e melhores condições de vida a seus jovens e adultos.
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Os dados acima constam do estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2008, do IBGE.
Cada vez mais Belém se internacionaliza e isso é importantíssimo para receber mais gente e mais investimentos para o Estado. E nós vamos realizar um outro encontro internacional que vamos convidar o Schwarzenegger, governador do Canadá que na conferência do clima, como foi divulgado na imprensa, foi a voz da racionalidade e do bom senso, contra a irracionalidade da posição norte-americana em relação a Conferência do Clima. E cada vez Belém se internacio
Mobilização - As Conferências Internacionais de Educação de Adultos (Confinteas), que a Unesco convoca a cada 12 anos, fazem parte de uma permanente mobilização em torno do tema. São eventos intergovernamentais, que têm como principal objetivo fornecer plataformas para o diálogo e defender políticas sobre aprendizagem e educação de adultos dentro e entre países, em âmbito global. Esses encontros são precedidos por processos de preparação e debates, que visam renovar as políticas públicas orientadas para a educação de adultos no espírito da aprendizagem ao longo da vida, e servem como base para questões econômicas, sociais, culturais e políticas emergentes em relação à educação e desenvolvimento internacional. A Confintea anterior, realizada em 1997, em Hamburgo (Alemanha), reconheceu a educação de adultos como um processo desenvolvido ao longo da vida, com o objetivo de proporcionar a autonomia e o senso de responsabilidade a pessoas e comunidades, reforçando sua capacidade de lidar com as mudanças econômicas, culturais e sociais, além de promover a tolerância e a participação crítica e criativa da sociedade. Os compromissos firmados na ocasião resultaram na Declaração de Hamburgo. No entanto, os países signatários do acordo não alcançaram as metas de criação de políticas públicas para esse segmento. Nesse sentido, entre os principais desafios da sexta conferência está a renovação do movimento e do compromisso político, e o desenvolvimento das ferramentas para implementação e êxito das políticas públicas.
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MÚSICA
P
artindo do princípio que toda a matéria está em vibração, embora nem sempre perceptível aos nossos olhos, não há, de imediato, estranhamento no fato de Albery e Thiago conseguirem transformar em música tudo que exista no Universo, desde as galáxias mais distantes até o movimento das partículas no interior dos átomos. Mas ao ver a partitura da treliça metálica do frontão do Ver-O-Peso, fiquei desconcertado por não perceber ali a inclusão da massa e da rigidez dos elementos constituintes. Como então ocorre a música, sem vibração, sem formas modais, sem frequências? Esta é a mágica ou a convenção de Albery e Thiago, pois operando com formas simples da geometria Euclidiana, tais como retas e ângulos, extraem também música das estruturas estáticas e dos elementos singelos da arquitetura. José Pirillo - Engenheiro Civil e Mestre em engenharia aeronáutica (ITA).
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ARTE, POLÍTICA E CULTURA
A MÚSICA TR
DE ALBERY E THIAGO ALBU
Albery e Thiago, como foi que surgiu a idéia de extrair a música do frontão do Ver-o-peso?
ANSMÓRFICA
QUERQUE
Os músicos Albery e Thiago Albuquerque apresentam uma nova forma de pensar e fazer música, revolucionando o conceito de música no mundo. A Música Transmórfica é uma escola musical e em recente visita no Brasil, músicos de Londres passaram 17 dias em Belém aprendendo essa sabedoria musical incomum.
Na verdade, observamos que poderíamos aplicar nossa pesquisa musical também sobre a arquitetura histórica do Pará, como as arquiteturas de Landi, Santorini, e outros. Extrair a melodia da treliça do frontão do mercado de peixe do Ver-o-peso, foi de fundamental importância, para demonstrarmos de forma didática e interessante, o mecanismo funcional de nosso método. Essa proposta começou quando estivemos em uma exposição sobre o Landi na Cidade Velha. Conversamos com o Flavio Nassar que era responsável pela exposição, e durante o percurso de nossa conversa, falamos para ele que poderíamos extrair a música contida na arquitetura landiana. Partindo desse princípio, teríamos uma música especificamente landiana, pois o bom gosto, demonstrado na arquitetura de Landi nos dá melodias exóticas e belas. O Nassar ficou interessado nesse novo processo (método) musical e nos passou algumas plantas da Igreja de Santana, para que extraíssemos suas melodias. Recentemente começamos a extrair a música da planta arquitetônica do altar mor da Igreja. Provavelmente no meio desse primeiro semestre, junto com o Flávio Nassar, esperamos poder apresentar as composições, landianas ao público paraense, e quem sabe, para o mundo. O que o nosso trabalho pretende mostrar, é que a música está presente em todas as coisas da natureza humana e universal. A música se encontra, por exemplo, expressada em arranjos filotáxicos de plantas, em todas as formas geométricas da natureza, em quaisquer conjuntos de movimentos ou tempos. Enfim, em tudo aquilo que pode ser percebido, em tudo aquilo que tem forma, movimento, velocidade..... Por exemplo, se você nos der, os tempos em que uma determinada bailarina, desenvolve cada um de seus passos de dança, dentro de sua coreografia, com toda a certeza, nós poderemos extrair desse conjunto de tempos, a melodia ritmico-temporal de seus movimentos, isso é possível realizar, através de um dos sistema que criamos, denominado de Sistema de Melodias Rítmicas. Então a música transmórfica, amplia substancialmente nossa consciência musical nos levando a reconhecer que estamos, somos e existimos na música.
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MÚSICA
E como se dá o processo criativo para extrair a sonoridade existente no universo circundante?
Altar mor da Igreja de Santana
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Bem, esse é um método, não só de extração sonora, de formas e eventos pré-existentes, mas é antes de tudo, um processo criativo, onde podemos criar, de uma forma absolutamente livre, composições que envolvam no seu contexto, distintos valores e significados, de unidades de medidas e grandezas diferentes. No caso do Frontão do Ver-o-Peso, para realizarmos este processo de extração de sons e ritmos, que simultaneamente significam na geometria, linhas e ângulos, foi preciso, em primeiro lugar, fazer uma relação físico-matemático-musical, entre a linha, o comprimento de onda da freqüência sonora, o ritmo musical e o ângulo. Para realizarmos essa estrutura, tivemos que criar dentre outras coisas, um transferidor harmônico. Esse transferidor apresenta uma relação simultânea de infinitos significados e valores distintos. Na verdade, ele é uma das principais tecnologias da Música Transmórfica. Fizemos uma relação entre a geometria euclidiana, a física e a música. Então a relação, está presente aí, o ritmo musical nos ângulos da geome-
Transferidor harmônico
É importante dizer aqui, que esse tipo de procedimento, dá uma amplitude geral e irrestrita, para quem aprende a manipular essa nova forma de pensar e fazer música.
Magnifica!
tria euclidiana e as freqüências das notas musicais nos comprimentos das linhas. Então concluímos dizendo que no que é tocante a geometria e conseqüentemente à arquitetura, estamos apenas dando uma preliminar e simples exemplo inicial, de como relacioná-las com a música, ou seja, a priori, podemos dizer que o comprimento (λ ) das ondas, são considerados como comprimentos de linhas geométricas, e os ângulos como os ritmos musicais. Ressaltamos ainda que nesse primeiro volume que lançamos (método básico), por questões simplesmente didáticas, não levamos em consideração a massa dos objetos. Porém assinalamos que, linhas e ângulos, desfrutaram de uma grande parte de nossas atenções. Faz-se necessário dizer que, para darmos iniciação em nossos estudos, foi indispensável, neste atual trabalho, considerar que o som se propagará sempre numa temperatura ambiente constante, numa pressão atmosférica constante e numa velocidade constante.
Eis a música transmórfica gerando espaços mais amplos para novas fronteiras do tempo. Maior sintonia com a natureza, talvez, seja impossível. Para quem escuta a música de Albery e Thiago, atingir o estado de meditação é uma conseqüência natural. Considero o conceito de melodia rítmica – o reconhecimento da simultaneidade da melodia no ritmo e do ritmo na melodia – central nesse histórico trabalho. A percepção dessa realidade inegavelmente, proporcionará à musicalidade um dos caminhos mais curtos para o encontro consigo mesmo. Não é por acaso que ele apresenta uma completa abordagem filosófica de fundamentação de sua música psicofísica, certamente, decorrente de sua nova prática musical de permanente ressonância com as vibrações da natureza. Não bastasse esse processo educativo, por si só, do maior valor humanitário, ainda é possível uma outra aplicação de nível reconhecidamente fenomenal: a sanidade corporal. Creio que sua maior divulgação desse trabalho muito se realizará nessa área de grande necessidade social em qualquer local do planeta. Por outro lado, se no nosso mundo moderno, a ciência e a tecnologia tem confirmado valor extremo à matemática, com o presente trabalho será impossível alguém não reconhecer a importância dela e procurar adquirir um mínimo gosto essencial pela rainha e escrava das ciências. Agora, veja só, tudo isso dito e feito com musicalidade, substancialmente.
Pedro Leon da Rosa Filho Mestre em Ciencia da Computação.
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Foto: Carlos Pará
“A Pesquisa já vinha sendo desenvolvida há muitos anos onde o objetivo principal era mostrar novos caminhos para a música e ampliar, de um modo geral, de forma inusitada, a percepção musical e artística e conseqüentemente a percepção das pessoas sobre o universo circundante.”
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“A pesquisa de Albery e Thiago usa a acústica, através do comprimento de ondas, freqüência, velocidade do som e, examinando
certas estruturas, como por exemplo, a arquitetura de ferro do frontão do mercado do Ver-o-Peso, em Belém do Pará!” Essa é a grande sacada: conseguir relacionar dimensões de prédios, por exemplo, e extrair uma partitura musical”. Isso é completamente inovador!”. José Maria Filardo Bassalo, Engenheiro Civil e Doutor em Física (USP)
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Nesse trabalho, no caso de geometrias musicais, usamos programas como o Sondforge para identificar as frequências, e o Matemática para efetuar os exercícios matemáticos de equações. Para reproduzir desenhos embutidos nas formas de ritmos musicais e de freqüências sonoras, utilizamos o Autocad que também é um programa profissional e extremamente eficiente, muito usado por arquitetos e projetistas de um modo geral. É importante ressaltar que podemos fazer o processo inverso, ou seja, podemos criar no autocad uma determinada peça geometrica e transladá-la para o universo musical transformando-a assim em melodia.
Contatos: guirapuru@gmail.com 66
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Foto: Carlos Pará
Qual a relação entre Tecnologia x Ciencia x Criação no trabalho de vocês?
Qual será a conseqüência desse método científico musical depois que for absorvido pela cultura de massa onde qualquer pessoa vai querer ouvir a sonoridade de tudo o que lhe circunda? Em primeiro lugar é importante ressaltar que esse método científico musical, deveria ser absorvido, pela nossa educação e cultura ampliando assim a percepção da realidade em que vivemos. Esse trabalho foi feito para as pessoas que amam a humanidade, para poder de alguma forma evoluir a percepção e a sensibilidade do mundo circundante. É um caminho novo. É um caminho novo de buscas, de criações. É um caminho novo de percepção. A percepção da música muda, a consciência musical muda. A música não está mais para aquele papel escrito. A música passa a ser uma coisa bem mais ampla. Ela tem uma conotação com o mundo externo. Ela está ligada a todas as coisas. O importante é saber que você está andando dentro da música. A consciência musical, a sensibilidade, a percepção de tudo muda nesse processo. Aí você passa a viver a música com mais intensidade. A aplicação desse conhecimento é conseqüência desse processo. Em relação a sua pergunta acredito que o universo criativo artístico, iria tender a uma proliferação criativa extremamente farta, e cheia de surpresas inusitadas, pois as decorrências originadas da aplicação e do desenvolvimento desse método nas áreas em que ele estiver sendo utilizado são como um caleidoscópio, que apresenta uma infinidade de transladações de eventos e objetos para universos paralelos. Essa linguagem da musica também pode ser usada através de um software que pode transformar qualquer forma em música e qualquer música em formas geometricas e poderá mandar em um único pulso de onda, uma grande quantidade de informações. Para isso, seria necessário além da linguagem já apresentada, criar hadwares, como por exemplo, um codificador e um decodificador das diversas informações que se pretende enviar e receber.
Assim como a arquitetura se transforma em música. A música de grandes compositores como Mozart ou Sebastian Bach se transformam em geometria? Nesse caso, alcançamos uma descoberta incrível. Pegamos só o ritmo da música do Bach "Jesus alegria dos homens". Essa música é baseada do início ao fim numa figura de ritmo que é a tercina de colcheias. Ela é, no nosso transferidor harmônico, um ângulo de 30º e mede 28,333 metros. Então, como na música o ritmo vai se repetindo, você vai construir a figura geométrica, levantando a primeira linha de 28,333 metros num angulo de 30º, em relação a linha do horizonte. No desenvolvimento do processo geométrico musical tivemos a grande surpresa, chegou uma hora em que a geometria musical formou uma estrela de 12 pontas, como eu havia previsto para o meu pai. O processo de construção da estrela se repete por quatro vezes, ou seja, sobrepondo três estrelas sobre a primeira. A última nota uma mínima que no caso é 180º. Forma uma cauda na estrela de 170 metros de comprimento. O curioso de tudo isso, é que essa “estrela-cometa” formada da extração da geometria musical de Bach, lembra muito a estrela que anunciou o nascimento de Cristo. Outro fato interessante, a estrela ficou com 12 pontas que pode representar os 12 apóstolos. Será que o Bach antecipou a sua época ou ele sabia de um método semelhante ao nosso?
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Foto: Bruno Cecim
CINEMA
KINEMANDARA:
O PONTO DE MISTÉRIO DO CINEMA EM BELÉM.
Frame do filme “Sombras” (1977)
por Carlos Pará
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"Agora, abrir os olhos. Agora, começar a sonhar o sonho de ver como somos vistos". VFC
ARTE, POLÍTICA E CULTURA
sível deKVicente inemAndara: O Cinema do InviFranz Cecim, volta a ter
sua produção cinematográfica exibida em Belém. Curtas-metragens-documentários poéticos produzidos em Belém na década de 70, em super-8. Os filmes foram, pela ordem de realização: “Matadouro” (1975), “Permanência” (1976), “Sombras” (1977), “Malditos Mendigos” (1978) e “Rumores” (1979), que eram projetados em cineclubes, garagens, auditórios, passava em qualquer lugar, onde desse para ligar o projetor, armar a tela, mandava ver. Os anos de 1975 até 1980 apesar de ser um caminho exaustivo de Cinema e Loucura para VFC, foi principalmente, um ritual sagrado, solitário, existencial e essencial. Enquanto as fábricas de filmes estimulavam o consumo de máquinas de filmar para registrar "os momentos felizes da sua vida", batizados, casamentos, aniversários, piqueniques, passeios, Cecim utilizava sua Câmera como um meio de interrogar, espreitar as aparências da realidade e ir até as últimas conseqüências com seu roteiro que era abandonado logo no começo das gravações, pois nada do que tinha sido filmado, obedecia ao que tinha sido escrito, captava a realidade em frames, fora ou além da ótica estabelecida como beleza e como verdade, "espelhos de mistérios, revelando outros mistérios", poemas visuais em Super-8. As principais dificuldades de se fazer Cinema naquela época são as mesmas de hoje: falta de dinheiro e a insensibilidade para criar, imaginar e ser. Cada rolo tinha três minutos de gravação e na hora de editar, aproveitava por completo as filmagens e tudo ia para o filme, não perdia nada na seleção e organização das imagens. Dessa forma, acreditava e fazia os filmes. VFC concretizava seus sonhos que hoje possuem um grande valor
“Cecim utiliza sua Câmera como um meio de interrogar, espreitar as aparências da realidade e ir até as últimas conseqüências com seu roteiro que era abandonado logo no começo das gravações, pois nada do que tinha sido filmado obedecia ao que tinha sido escrito, captava a realidade em frames fora ou além da ótica estabelecida como beleza e como verdade”. artístico e documental. Na época, o material
que utilizava era uma pequena máquina de super-8 com filmes da Kodak. Depois de filmar, enviava para revelar em São Paulo, através do Foto Keuffer, e depois voltava, pronto para serem exibidos. Depois que parou de fazer seus filmes, por uma questão existencial, deu todo seu equipamento. Tinha decidido dedicar-se unicamente a um novo Caminho "VIAJAR A ANDARA", determinou fazer uma coisa só, para avançar, ir mais fundo na sua Existência, pois havia a Intuição que um novo caminho devia ser seguido, o Caminho da Escritura. A partir de 1979, ano que realizou do seu último filme "RUMORES", escreveu e publicou o seu primeiro livro "A asa e a serpente", primeiro passo do seu Projeto de "Andara – O Livro Invisível". E assim se impôs a Literatura como um ritual único. Seus filmes têm muito da Literatura pelo poético, e seus livros têm muito do Cinema, pelo visual. Não fazer filmes, foi uma escolha radical e com isso deixou esquecidos
seus trabalhos e levava-os consigo como o inconsciente que de vez em quando se manifesta. Atualmente os pequenos rolos de filmes por ocasião da 1ª Mostra realizado pela Revista PZZ nos dias 17 e 18 de Março de 2008 no Cine Líbero Luxardo em parceria com o Governo do Estado do Pará através da Secretaria de Cultura e do MIS-PA, resolveu guardar no Museu da Imagem e do Som – Pará, para preservá-los. Antes, em 2005, os filmes foram exibidos, no formato digital, em Belém e em São Paulo, incentivado pelo Projeto de resgate dos resíduos, dos raros vestígios do Cinema paraense, desenvolvido pela Universidade Federal do Pará, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ. Os filmes foram restaurados e adaptados à tecnologia digital, um processo de filmagem da projeção dos filmes e digitalizados para DVD. Assim, puderam garantir a salvaguarda do conteúdo e da sua informação histórica, pois seus filmes mostram aspectos da realidade de Belém em outras épocas e dos esquecidos em sua ótica visionária, poética, numa trilha sonora emocionante. Os filmes dialogam com o invisível que não podemos ou não queremos ver. Não é cinema mudo nem falado, é uma organização intuitiva de imagens, silêncio e música que se compõe num mosaico onírico. O cinema sempre fala como linguagem para dialogar, transmitir a emoção, a miração, a migração, o ato de olhar do autor. "Kinema = Movimento, Andara = Andar= Amazônia, KinemAndara, revela imagens que não se vêem habitualmente, a imagem da morte, a imagem dos esquecidos, a imagem da velhice, a imagem da transitoriedade das coisas, a imagem do eterno retorno, a imagem
interior.
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Frame do filme “Malditos Mendigos” (1978)
CINEMA
O silêncio e o vazio são povoados de alucinações e significados. Fazer filme não com o olho que vê ou com o olho mecânico da máquina que filma, fazer com o desespero e com a alma, louco, apaixonado a filmar, a iluminar, a editar, sonorizar, incansável no seu ofício mágico e alquímico, solitário em seu ritual sagrado, existencial-essencial, pessoal-impessoal, para expressar a matéria-prima da vida, alguma coisa brutal noutro sentido figurado, para as pessoas se tocarem. Mostrar a realidade bruta trans-figurada, experimentar, recriar cenários. O cinema trabalha com a matéria-prima pré-existente, a libertar o sentido das coisas, criando um mundo inteiro com as imagens diferentes do que são usadas, faz entrar num espelho energético e voltar desconhecido, diferente do que era antes, com aparências de realidade e o Cinema não depende só da realidade para existir. Entrar num espelho de mistérios e ver-se como mistério é o que VFC queria mostrar, queria olhar, ver-se, na vida, na tela, até conseguir captar a dimensão oculta na realidade visível. E por isso,
“O Cinema é o Olho que tudo vê e tudo mostra. Essa foi KinemAndara é o Cinema do In-visível. e será a sua essencialidade em qualquer época, qualquer tempo. Atualmente, quando parece que todos estamos vendo tudo, o mundo inteiro e o que se passa nele, acabamos não percebendo que há muito mais oculto do que de fato revelado. A comunicação de massa mistifica o Real, ilude o Homem. É manipulada conforme interesses freqüentemente sujos e suicidas para a nossa espécie. Nestes tempos que estamos vivendo, o Cinema deve assumir, com enorme responsabilidade, o desafio que Berkeley, citado acima, nos faz, e que eu entendo assim: - Dar a perceber a Realidade submersa no cristal escuro das imagens que os engenhos e maquinações das comunicações de massa, agora, nos ocultam”. VFC
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Existe um rico Universo imagético com raízes na memória do homem moderno, mas que este não tem acesso, permanecendo oculta ou ignorada, sua fonte original de criação, que se encontra invisível aos olhos e insensível ao coração, não pertencendo ao universo da percepção profunda da noção de realidade que regem nossa compreensão do mundo e de nós próprios. Todas as coisas que acontecem na Consciência se refletem a partir duma visão-vivência que renova memórias, o que está em baixo (inconsciente-passado) assemelha-se ao que está em cima (vivência). Uma linguagem de grande riqueza imagética pelo recurso da poética, dos momentos de iluminação, da fotografia e do movimento das cenas com alegorias fantasmagóricas, e aos jogos de imagens na busca pelo elemento de mistério das coisas, revela o Kinem Andara. Vicente Cecim faz parte das Vozes que se insurgem contra a mediocridade e ao modo de produção mercadológico que se transformou o Cinema, revela a coragem e a vontade em utilizar para benefício próprio as técnicas de Comunicação contra o niilismo e as concessões que o cenário audiovisual se define e se resolve em expressões obscuras. Sempre que falamos abertamente não falamos nada, sempre que usamos uma linguagem que recorremos às imagens, ocultamos a verdade. E tudo o que dissermos duma Obra de Arte será insuficiente ou inútil. Diferente é a experiência de nos iniciarmos diretamente em seus filmes.
"Fazer um filme foi e sempre será um sonho, em qualquer circunstância: antes de realizar o filme, é o sonho de fazê-lo, e, depois de pronto, é o convite ao sonhar se manifestando plenamente. Naqueles anos, o super-8 foi para nós o que hoje é a facilidade da câmara digital. Equivalia, e equivale, a ter na mão um lápis e algumas folhas de papel. Então, escrevemos, com imagens ou com palavras. Com isso se eliminava, e se elimina, ou atenua muito, o impasse, melhor dizer: o bloqueio que o dinheiro representa" .
Frame do filme “Rumores” (1979)
"Quando sós, face a face com eles, sempre nos falam com ampla generosidade, se entregando profundamente, em retribuição ao nosso silêncio. Respeito e prudência, ao falarmos deles. Deixar que eles se digam. E, previamente, apenas deles falar por alusões. "Um filme de Vicente Cecim sendo então uma dessas raras oportunidades que nos são dadas pela Via Estética de confrontar - de colocar frente a frente - vida e homem, o percipi e o percipere , o percebido e o perceber, (A imagem e o olhar). Bergson nos diz: Se 'percipi' é passividade pura, o 'percipere' é pura atividade. A fina película então é o elemento intermediador entre a epiderme do Real, que se entrega a Cecim em percipi , se deixando ser percebida, e lhe permite o ato de percipere , perceber e, o por ele percebido, nos revelar. Mas, a esta altura, ainda estamos falando da fina película que é um filme, ou imperceptivelmente já ingressamos no coração obscuro do nosso assunto: já nos surpreendemos falando da matéria como uma fina película transparente situada entre o homem e deus? A ambivalência das palavras, ah: tanto nos naufragam como nos socorrem. E o que leremos a seguir, ao lermos a palavra doutrina , seja lido como sinônimo da palavra vida . Pois é implicitamente a ela, como visão de mundo de Berkeley, que Bergson se refere, quando nos diz: “Dela nos aproximaremos se pudermos atingir a imagem mediadora (...) - uma imagem que é quase matéria, pois se deixa ainda ver, e quase espírito, pois não se deixa tocar – fantasma que nos ronda enquanto damos voltas em torno da doutrina e ao qual é necessário que nos dirijamos para obter o signo decisivo, a indicação da atitude a tomar e do ponto para onde olhar.
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CINEMA "Quando sós, face a face com eles, sempre nos fanos ronda enquanto damos voltas em torno lam com ampla generosidade, se entregando profunda doutrina e ao qual é necessário que nos didamente, em retribuição ao nosso silêncio. Respeito rijamos para obter o signo decisivo, a indicação e prudência, ao falarmos deles. Deixar que eles se dida atitude a tomar e do ponto para onde olhar. gam. E, previamente, apenas deles falar por alusões. É permitido ao homem, através da mediação da "Um filme de Vicente Cecim sendo então uma desArte, não somente percipere/perceber mas tamsas raras oportunidades que nos são dadas pela bém dar a perceber aos outros homens o que, Via Estética de confrontar - de colocar frente a através da fina película transparente, percebeu? frente - vida e homem, o percipi e o percipere , o No cinema, em todas as épocas, a alguns, isso foi percebido e o perceber. consentido: Bresson, Ozu, “Diante do Abismo que é o Assombro (A imagem e o olhar). Antonioni, Dreyer, mais Bergson nos diz: Se 'perde existirmos, humanos, face a face com a recentemente a Alexancipi' é passividade pura, espessura e as transparências da Vida que der Sacha Sokurov, Taro 'percipere' é pura kosky e ao próprio Cecim. nos habita e na qual habitamos, sutis como a t i v i d a d e . "Diante do Abismo que é uma sombra, densos como um corpo, de- o Assombro de existirmos, A fina película então é vemos ser grato a eles, pela vertigem que humanos, face a face com a o elemento intermediador entre a epiderme em nós sempre despertam, pelas quedas espessura e as transparêndo Real, que se entrega para o alto em que sempre nos precipi- cias da Vida que nos habita a Cecim em percipi , tam, nos impedindo de adormecer na de- e na qual habitamos, sutis se deixando ser percomo uma sombra, densos soladora fronteira que inventamos para como um corpo, devemos cebida, e lhe permite nossas omissões, no passo que não da- ser grato a eles, pela vero ato de percipere , mos, entre o Imanente e o Transcendente. tigem que em nós sempre perceber e, o por ele percebido, nos revelar. despertam, pelas quedas Mas, a esta altura, ainda para o alto em que sempre estamos falando da fina pelínos precipitam, nos impecula que é um filme, ou imperceptivelmente já ingresdindo de adormecer na desoladora fronteira que samos no coração obscuro do nosso assunto: já nos inventamos para nossas omissões, no passo que surpreendemos falando da matéria como uma fina não damos, entre o Imanente e o Transcendente." película transparente situada entre o homem e Deus? Tarkovsky entendeu o CineA ambivalência das palavras, ah: tanma como a arte de Esculpir o Tempo. to nos naufragam como nos socorrem. E no livro que escreveu com esse título, e não apeE o que leremos a seguir, ao lermos a palavra dounas através das imagens dos seus filmes, nos fala trina , seja lido como sinônimo da palavra vida . de uma urgência alarmante: - O homem moderno Pois é implicitamente a ela, como visão de mundo não quer fazer nenhum sacrifício, muito embora a de Berkeley, que Bergson se refere, quando nos verdadeira afirmação do eu só possa se expressar diz: Dela nos aproximaremos se pudermos atinno sacrifício. Aos poucos vamos nos esquecendo gir a imagem mediadora (...) - uma imagem que disso, e, inevitavelmente, perdemos ao mesmo é quase matéria, pois se deixa ainda ver, e quase tempo todo o sentido da nossa vocação humana. Que vocação é essa? espírito, pois não se deixa tocar – fantasma que
“Existem mais coisas entre nós e a realidade do que os nossos olhos podem pensar”.
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VFC
C l a r õ e s . Ainda que estonteantes, cegantes. Mas de uma cegueira que nos liberte de continuar vendo através de um cristal escuro e nos conceda outros olhos capazes de ver através dessa fina película transparente situada entre o homem e Deus - sabemos o que essa Palavra significa, em todas as suas metamorfoses. É esse o olhar que reivindicava Berkeley, segundo Bergson. E esse é o olhar que buscou Franz Cecim, com seus filmes que são fendas abertas na espessura da matéria, e que ele, também, reivindica como Tarkovsky, quando afirma: - E o que são os momentos de iluminação, se não percepções instantâneas da verdade? Ou quando denuncia: - A moderna cultura de massas está mutilando as almas das pessoas, criando barreiras entre o homem e as questões fundamentais da sua existência, entre o homem e a consciência de si próprio enquanto ser espiritual. São palavras que devemos manter acesas em nós quando as luzes se apagarem e os filmes começarem a cintilar para os nossos olhos. Nesses Templos de um tempo sem templos em que podem se transformar as salas de projeções, ante filmes como os de Cecim, já não se trata de simplesmente ver, mas de penetrar profundamente, através da fina película transparente que o seu cinema nos oferece, até nos revelarmos a nós mesmos, e orando em silêncio: - Agora, abrir os olhos. Agora, começar a sonhar o sonho de ver como somos."
Quem inadvertidamente, penetrar neste campo semiótico, depara de súbito com um sistema caótico de referências, com uma rede de códigos e normas, de nomes e de símbolos relativos a substâncias arcanas (segredos, mistérios) em permanente mutação, em que aquilo que é aparente, pode ter sempre um significado diferente do que aparenta-ser e a noção de que a projeção dos fenômenos oníricos não podem ser manipulável a não ser por alusões. Vicente Cecim pode ser entendido de modo mais livre do que os outros do seu tempo que tentaram fazer Cinema, senão de modo mais evidente e mais claro, com um Cinema mudo de uma extrema complexidade na sua expressão. Mais do que imagempalavra, miragens. Através da miração do olhar e do pensamento do cineasta em atingir o intelecto-coração do espectador num processo alquímico de revelação, transformando a massa cinzenta do cérebro em massa de verdade e transubstanciação do espírito. O conhecimento visionário, subs+titui a compreensão literária do texto, a compreensão imagética do filme, a projeção na câmera obscura que atravessa o Olho que agora não vê, vê-se e vive-se no que sente. O olho humano é uma imagem do Universo. O branco do olho corresponde ao oceano de mistério, que rodeia o universo por todos os lados. ANDARA é o ponto central de tudo, a partir do qual se torna visível o aspecto do universo inteiro. Para Vicente Cecim, não lhe agrada a rotação do girar, girar, girar, filmar, filmar, filmar com uma órbita rotineira. Nesse processo, misterioso e caótico, simples e violento de interpretar as coisas que não lhe incomodam mais, em que os opostos se encontram ainda in-conciliáveis, num conflito pacíficoviolento, de ver e ser transformado progressivamente num estado de libertação e de harmonia perfeita. - Agora, abrir os olhos. Agora, começar a sonhar o sonho de ver como somos.” Carlos Pará Editor da Revista PZZ
Frame do filme “Permanência” (1976)
A vocação de uma entrega total, de um consentir permanente que luzes lampejem em nós, nos permitindo ver - mesmo que por breves clarões, na vida como numa escura sala de projeções, sacrificando nossas consolações vazias, nossas paixões condenadas a cinzas, nossa avidez de um agora efêmero – aquela que ama ocultar-se e que, em seu Pudor, é a Fonte Permanente do nosso mais intenso fascínio?
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A Cidade de Belém retratada por Antônio Parreiras * Rosa Arraes
O
ano de 1905 veio trazer para a cidade de Belém grandes mestres da pintura nacional, e as exposições tiveram um local solene para serem apresentadas, justamente o foyer do Teatro da Paz, radicalmente restaurado naquele ano, e que, entre outras funções, abrigaria as exposições em seu interior. Segundo o Relatório de 1905 apresentado ao conselho municipal de Belém pelo intendente Antônio Lemos, O pintor Antônio Diogo Parreiras veio para Belém fazendo parte de uma "tournée" organizada por ele mesmo, que já vinha de Salvador. Os seus quadros ultimamente expostos foram classificados pela crítica como magníficos, e alcançaram sucesso na capital federal, recebendo elogios de toda a imprensa carioca. São muitas as matérias escritas pelos jornalistas sobre a expectativa do público em relação a exposição de Parreiras,e ele sentia-se lisonjeado, afirmando em entrevista que nunca foi tratado com tantas gentilezas como na capital do Pará. 74
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Após Antônio Lemos visitar a exposição e adquirir algumas de suas obras, ele receberia o artista em seu gabinete, pedindo-lhe que fizesse algumas pinturas sobre Belém. Pode-se afirmar, desse modo, que Antônio Parreiras inaugurou na administração municipal a fase das grandes encomendas de pinturas, consolidando a imagem do intendente Lemos como mecenas e apreciador do requintado universo artístico. Antônio Parreiras desde o inicio de sua carreira se identificou muito como pintor de paisagens. E seus primeiros anos como paisagista são ainda totalmente dominados pelas pinturas da paisagem pitoresca, com seus planos: distâncias, texturas, caminhos e a presença de uma figura humana solitária de costas. Também pinta a fúria da natureza com céus escuros, árvores curvadas pelo vento, e a presença da figura feminina, e seus nus.
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N
a obra “Entrada do Bosque Municipal” o pintor se declara totalmente envolvido pela paisagem natural ao ponto que ele suprime de vez a figura humana desta sua obra e pinta apenas a floresta, uma floresta densa onde são retratadas uma variedade muito grande de espécies de vegetação amazônica. O Bosque Rodrigues Alves sem dúvida é um dos recantos mais agradáveis da cidade de Belém, qualquer artista teria sentido uma verdadeira atração para pintá-lo. Pois todos os visitantes de Belém durante o século dezenove louvam as árvores da cidade com expressões das mais amáveis e apaixonadas sobre este pedaço da floresta amazônica: “vultos de árvores” e suas “sombras deliciosas”, a terra com o “frescor juvenil dos ramos e folhas, orvalhados de gotas brilhantes”. Há os “jardins particulares que bem merecem ser visitados”, as “estradas com as manchas de verde do arvoredo, há um tempo belo e majestoso”, as “largas copas escuras de frondosas mangueiras entre as habitações, rodeadas de laranjeiras em flor, limoeiros e muitas árvores frutíferas”, o “esguio açaizeiro crescendo em pequenas touceiras de quatro ou cinco”, as “soberbas bananeiras”. Tudo criando “maravilhosas formar de vegetação”. O Bosque Rodrigues Alves é uma reserva florestal, pertencente ao Município de Belém, criada em 1883. “Com duzentas braças, para divertimento da população de Belém”, esclarecem os arquivos da Câmara Municipal. Mas a verdade é que com esta atitude preservava-se em plena Belém, uma paisagem da autêntica floresta que a cidade ia destruindo para se expandir.
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Foto: Rodolfo Braga OBRA: “Entrada do Bosque Municipal” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 50,5x91cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0012
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ARTE
AVENIDA DA REPÚBLICA O
Passeio da Avenida da República é uma obra que remete a um dos logradouros mais freqüentados pelos moradores da cidade. Localizado na Praça da República, este passeio fora totalmente urbanizado pelo então intendente Antônio Lemos em 1905. Situada no centro da cidade de Belém, a Praça da República tem um significativo valor histórico. Foi construída no início século XVIII, onde era antes uma clareira na floresta, com um cemitério dos suplicados, dos católicos e dos indigentes falecidos de varíola. Os grandiosos jardins estavam sendo implantados por Lemos, era o ponto principal da metamorfose de Lemos, o alargamento das ruas, a construção das largas avenidas e as suntuosas praças, marcos simbólicos da modernidade. Apesar desta praça já ter sido inaugurada antes da administração do intendente, ele imporá nela uma nova ordenação espacial e estética; fazendo dela um dos marcos na imagem que projetava para cidade. Ele havia escolhido esta praça para impor a sua mentalidade moderna, e vai demonstrar com veemência através da imprensa a sua intenção de modificar e ampliar seus passeios, pois ele tinha a necessidade de compor o centro da cidade com praças suntuosas, a exemplo das praças européias, e esta seria sem dúvida um novo símbolo da
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“ Esse comportamento do Intendente traduzia, o pensamento da classe que precisava sair para passear em público, e exigia que os espaços por elas freqüentados fossem também os indicadores de sua posição social.
” ordem social. A Praça lugar público onde todos querem ir para serem vistos. Ser visto é o hobby da nova elite. A praça onde com o vestuário se identifica a que classe cada um pertence. Como percebe muito bem Braudel, há uma “ânsia de ascensão em dignidade ou o desejo de usar roupas que são o sinal, no ocidente, da mais insignificante promoção social”. É como se distinguem burgueses de gente do povo. Uma das características inovadoras das praças. No passeio da Avenida da Re-
pública, Parreiras demonstrou uma cidade transformada em uma grande metrópole. A linha abordada neste passeio é uma linha que parte em uma perspectiva infinita. Apresenta um traço que organiza em linhas retas, mostrando uma organização simétrica, tal como poderia ser comparada as intervenções do Intendente. As mangueiras ainda pequenas apresentam-se enfileirada, disposta uma atrás da outra demonstrando a organização que estava sendo imposta na cidade. Ao lado do passeio uma avenida larga e muita bem pavimentada, lembrava os Boulevard parisienses, pois também a avenida possui além do seu calçamento uma bela arborização que também está organizada cartesianamente, demonstrando claramente o moderno plano civilizador dos jardins e passeios públicos , onde a população teria que ter disciplina para freqüentar, pois era absolutamente proibido pelo código de Postura do Município de Belém no final do Sec. XIX, sentar-se ou deitar-se no chão, ou sobre os bancos ou objetos destinados ao uso público. Nestes recintos “não era permitido pessoas ébrias” ou “se trajando indecentemente” sentar-se ou deitar-se no chão”. Também era proibido em geral “estragar as plantas e flores; tirá-las ou deitar-lhes a mão: atirar pedras ou quaisquer outros projéteis”.
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ARTE
O F
Passeio da Avenida da az parte também desta coleção República é uma obra que remete a um dos outra tela que tem a Praça da República como cenário, e que logradouros mais freqüentados pelos mora-acredito ser uma das maisda diferentes obras do Parreiras. tem o Teatro da Paz no dores cidade. Localizado na Praça Ela da Refundo, e apresenta em primeiro Plano o monumento a Republica, pública, este passeio fora totalmente urbaniacredito que nesta obra também Parreiras se influenciou pelo zado pelo então intendente Antônio Lemos Álbum de Belém de 1902. em 1905. Situada no centro da cidade de Belém, a Praça da República tem um significativo valor histórico. Foi construída no início século XVIII, onde era antes uma clareira na floresta, com um cemitério dos suplicados, dos católicos e dos indigentes falecidos de varíola. Os grandiosos jardins estavam sendo Antes de ser Praça era da oRepública chamava-se de Praça implantados por Lemos, ponto principal Pedro II, entretanto a proclamação da RepúblidaD.metamorfose de Lemos,com o alargamento ca ruas, o conselho Municipal deliberou das a construção das largas avenidasque a Praça D. Pee dro as suntuosas praças, simbólicos II, passasse e semarcos chamar República e para triunfo dadamodernidade. Apesar desta praça ter renomeação daquele espaço,járepresentante do ideal sido inaugurada antes da administração do democrático, foi instalado um monumento, que é uma intendente, nelarepresentando uma nova orde- o vulto de uma de esculturaele emimporá Bronze, nação espacial e estética; fazendo delae um mulher , majestosa como Palas, altiva na sua simplidos marcos na imagem que projetava para cidade heróica , talhada nos moldes clássicos da estatucidade. ária grega, e construída para transmitir a posteridade a Ele havia escolhido esta praça para memória da República.moderna, e vai impor a sua mentalidade demonstrar com veemência através da imprensa a sua intenção de modificar e ampliar seus passeios, pois ele tinha a necessidade de compor o centro da cidade com praças suntuosas, a exemplo das praças européias, e esta seria sem dúvida um novo símbolo da Parreiras com seus pincéis esse importante local ordem social.registrou A Praça lugar público onde toda cidade denominando esta obra de Praça da República. dos querem ir para serem vistos. Com o intuito de representar a monumentalidade deste Ser visto é o hobby da nova elite. A obelisco, em primeiro plano o artista usou em sua perspectiva o praça onde com o vestuário se identifica a Teatro da Paz, um monumento também de grandes proporções e que classe cada um pertence. Como percebe que aqui muito bem permite Braudel,ao háobservador uma “ânsiaimaginar de ascen-a grandiosidade espacial que ele se propunha em representar a escultura à República. são em dignidade ou o desejo de usar roupas A Construção deste símbolo consagrado à democracia, foi que são o sinal, no ocidente, da mais insiginiciada pelo Barão de Marajó, intendente da capital em 15 de nificante promoção social”. É como se distinnovembro de 1890. Sua modelação e respectiva fundição foram feitas na guem burgueses de gente do povo.
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Europa, com croquis e maquete anteriormente aprovada. Para que o artista possa pintá-la apresentando toda a sua altura em primeiro plano, ele fará uma escala muita distinta entre a estátua da República e o Teatro da Paz que ele colocará no fundo da tela em sua perspectiva final. Ele demonstra através das tintas a importância da república no cenário governamental, pintando-a em primeiro plano, apresenta-la como uma deusa imóvel em seu pedestal de granito e mármore, no cume da sua soberania desperta aos que a observam uma emoção respeitosa. É o símbolo de um novo regime que representa a liberdade do povo. Ao redor da estátua ele pinta também em uma escala bem menor um bosque de mangueiras que a circunda, em diversos tons de verde eles se encontram muito tranqüilas, não existe movimento entre elas, estão completamente sossegadas, seus tons verdes já conhecidos representa a tranqüilidade vivida naquele momento pelo povo. Ao fundo vimos quase esquemáticos o desenho daquele que sem dúvida é um dos maiores símbolos da arte e da cultura da cidade, o Teatro da Paz, mas nesta obra deixado totalmente em segundo plano, diante da importância que está estátua representa como poder. Mas ele não poderia
deixar de apresentar o Teatro onde ele havia feito a sua primeira exposição em Belém, em que logo em seguida faria a segunda. Sabia que era um privilégio ter apresentado seu trabalho em um clássico teatro de ópera, sóbrio e imponente, tendo sido restaurado a poucos meses, era também um símbolo. Construído com mármore e ferro, evocava a modernidade imprimida pelos governantes á cidade, pois além dos materiais que foram empregados ele apresentava modernas funções como a sua iluminação, que não era feita com a tradicional azeite de andiroba, mas á gás, que era encanado de um gasômetro nas imediações da praça . Outro exemplo da modernidade desta praça era o seu calçamento especial, pois após a proclamação da República, foi feita um calçamento especial para os seus arredores, foram os famosos paralelepípedos betuminosos, que em sua composição era colocado o látex, para que pudesse impedir o ruído ocasionado pelo atrito das carruagens, e assim prejudicar o desempenho dos que se apresentavam naquela casa de espetáculos.
Foto: Rodolfo Braga OBRA: “Praça da República” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 65 x54,4cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE
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antiga Praça Sergipe, hoje conhecida como Praça Batis ta Campos, começou a ser urbanizada por Antônio Lemos em 1901. Sua inauguração aconteceu em 14 de fevereiro de 1904, depois de três anos de muito trabalho e dedicação. A paisagem da Praça é uma das mais bonitas que compõem a "Cidade das Mangueiras". O ajardinamento obedece ao plano de jardins sem grades, modelo colocado em prática no Brasil pela Intendência de Belém. Beleza da praça se intensifica por uma composição eclética de vários estilos arquitetônicos: plantas ornamentais, córregos, pontes, bancos, caramanchões, pavilhão acústico e coretos de ferro. Tudo em perfeita harmonia com plantas ornamentais e árvores típicas da região amazônica. A pequena cabana rústica e as pontes de madeira contrastam com a arquiteura em concreto das demais pontes, bancos e piso. Os calçadões que rodeiam a Batista Campos são revestidos em pedras portuguesas com motivos marajoaras, característica marcante de muitas praças e outras construções históricas de Belém. A importância da Batista Campos, cujo nome é homenagem a um dos principais líderes do movimento da Cabanagem, é muito grande. É um espaço frequentado diariamente por um público diversificado e alegre; por turistas de todo o mundo que visitam a cidade.
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Foto: Rodolfo Braga
OBRA: “Praça Batista Campos I” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 54,5 x65,5cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0015
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sta obra apresenta um trecho da antiga Estrada de São Jerônimo , depois chamada de Av. São Jerônimo (atual Governador José Malcher) , localizada no bairro de Nazaré. Nesta tela Parreiras pinta um dos cenários mais comuns e característicos das ruas de Belém, que é o do túnel de mangueiras em uma das muitas avenidas onde esta arborização até hoje está presente. A partir da pintura de Parreiras podemos fazer, uma série de diálogos com a cidade e com o artista, mesmo que tenhamos de recriar com nossa própria imaginação, várias cenas que se interrelacionam com a pintura.
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Foto: Rodolfo Braga
A Estrada de São Jerônimo, possui uma linguagem própria, permitindonos uma aproximação ímpar entre a história e a estética, com narrativas que estão carregadas de significações históricas, registradas pelas pinceladas deste consagrado artista brasileiro, que utilizou uma rica paleta e um olhar carregado de informações sobre a cidade de Belém.
OBRA: “Avenida São Jerônimo” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 65,4x54cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0020
A ESTRADA DE SÃO JERÔNIMO
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Nela o autor conta uma história e revela uma idéia, manifestando seus sentimentos registrados pela interpretação que ele faz através de sua pintura. Influenciado pela corrente dos impressionistas Parreiras se propõe a representar imagens com pinceladas muito rápidas, onde tudo e feito com muita sutileza para que o observador, recrie parte das representações desta obra através de uma observação mais apurada, fazendo com que o deleite de estar em frente dela seja de prazer, possibilitando diálogos e narrativas, que sempre nos remetem as lembranças e reconstruções das imagens do nosso pensamento. Um recorte histórico importante na leitura desta obra é o calçamento da avenida, em primeiro plano, sem dúvida esta representação estabelece Belém como uma cidade moderna e urbanizada, onde o progresso está presente, apesar de estarmos em uma floresta e no início do séc. XX. Identificamos também globos de lâmpadas entre as mangueiras, o que fica claro que havia iluminação pública nas ruas de Belém. Ainda em primeiro plano podemos observar o trilho de trem, na realidade do bonde, transporte moderno, rápido e econômico, implantado em outubro de 1868, antes do de Nova York, de 1870. A empresa concessionária pertencia ao industrial James Bond, cônsul dos Estados Unidos da América no Pará. O seu sobrenome, segundo alguns historiadores locais, origina a palavra aportuguesada “bonde” para designar tais veículos. A linha de bondes a vapor de Belém foi das primeiras no Brasil, ligando o Largo da Sé ao Largo do Nazaré, usando três locomotivas e dois carros de passageiros. Portanto os primeiros bondes elétricos trafegavam por esta avenida representada na obra de Parreiras.
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A luz desta tela é uma luz misteriosa e pontual, realizada com muita ênfase, pois são os raios de um sol tropical, quente e forte que ao invadirem através das frestas das espessas folhagens das mangueiras, demonstra à intensidade do sol de uma cidade próxima a linha do equador, e ao contrastarem com os ocres da vegetação apresentam uma melancolia dourada de um final de dia ensolarado.
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Parreiras usa pinceladas rápidas e as cores que ele usa nesta obra são características nas paisagens de Bel´m, ele utiliza para isso, uma grande diversidade de tons ocres e verdes: escuros e luminosos, que se graduam, sobreiam e nos fazem pensar que a rua é uma floresta infinita. A“Estrada de São Jerônimo” em 1905, proporciona muita emoção aos cidadãos de Belém pois é um registro poético que transborda de significados e ainda estabelece esta obra de arte não apenas como um reflexo do real, mas um processo criativo de imagens, sons e movimento no qual participam além dos elementos iconográficos, o mundo dos sentimentos, o pensamentos do criador e o contexto sócio cultural do qual também fazemos parte e ainda nos possibilita uma leitura romântica deste túnel de mangueiras, símbolo incontestável desta cidade, registrados na memória de todos que aqui vivem, viveram, ou por aqui passaram. As mangueiras de Belém não são nativas daqui vieram da Índia para Amazônia. Entretanto encontraram um lugar perfeito para se desenvolveram e até hoje nos dão, além da característica paisagem de Belém, uma agradável sensação de frescor e de perfume de planta.
* Rosa Arraes: Restauradora e Conservadora do Museu de Arte
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HISTÓRIA DO PARÁ
Os enforcamentos em Belém por Ernesto Cruz História do Pará
V
árias forcas possuía Belém. Armadas sinistramente nos largos e praças principais, como o da Pólvora, dos quartéis, de São José e Bagé, afora aquelas levantadas provisoriamente para castigo dos condenados, no próprio local do crime. Com as forcas faziam par, outros instrumentos de suplício, como as polés e os pelourinhos, erguidos de preferência nas proximidades dos templos e colégios religiosos. Esse costume suscitou uma reclamação do 1º Bispo do Pará, Dom Bartolomeu do Pilar, ao Rei. Em proposta remeteu monarca ao governador e capitão-general do estado do Maranhão e Grão-Pará, na época o Chefe da Esquadra do Corpo da Marinha Real e Comendador de Penela da Ordem de Aviz, José da Serra, a seguinte recomendação: “... Eu El Rey vós envio saudar. Per ser informado que as Casas da Cadea, Polé e Pelourinho da cidade do Grão-Pará, se achão Edificadas de fronte do Palácio Episcopal da dita Cidade, Collegio dos Pés. da Companhia e Igreja do Santo Christo de que se segue muyta perturbação ao publico e particular daquella Cidade e que agora se acham as dittas Casas da Cadea, arruina-
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ARTE, POLÍTICA E CULTURA
das de Sorte que hé preciso fazerem-se de novo; Sou servido que a ditta Polé e Pelourinho setirem dos logares onde estão e seponhão longe das Igrejas e nunca à vista dellas, e que as Casas da Cadea senão edifiquem no citio em que estavão mas se mudem para outro que fique fora da praça distante do Palácio Episcopal, Colégio dos Padres da Companhia e de outra qualquer igreja; e Outrossim sou servido que a congrua que vencia o Bispo daquella cidade, que se acha fallecido, se aplique toda por inteiro para se acabar o Palácio Episcopal que o mesmo Bispo tinha mandado continuar de que se acha feito a maior parte. Do que vos aviso para que façaes executar o contheudo nesta ordem escripta em Lisboa occal. a vinte e nove de Janeiro de mil settecentos e trinta e quatro.” A Ordem Régia produziu efeito. A Cadeia, as polés e os pelourinhos foram transferidos para outros lugares. As forcas permaneceram onde estavam. Segundo o costume da época, os enforcamentos dos criminosos era precedido das seguintes solenidades: na manhã do suplício, o homem do balandrau azul, que na Irmandade da Santa Casa tinha a função de “apregoar pelos cantos e ruas os convites da Misericórdia” ao som de urna grande campa, que ele próprio agitava, percorria os lugares por onde tinha de passar o lúgubre cortejo, apregoando com voz soturna e grave: — Orai pelo nosso irmão padecente! Era como se fizesse um convite para o espetáculo que daí a pouco toda a cidade contemplaria com mais ou menos agrado. O padecente, depois de proclamada a sentença de morte, passava da enxovia para o oratório, que era um dos quartos da atual Cadeia de S. José. Nos fundos ficava “um altar de paramentos negros e amare-
los, sobre o qual destacava-se um grande crucifixo, entre velas que ardiam, pondo na sala uma claridade baça e no ambiente um cheiro forte de cera derretida”. Um frade capucho de Santo Antônio incumbia-se de prodigalizar o condenado os benefícios da religião. Irmãos da Santa Casa de Misericórdia revezavam-se na assistência, a fim de que nada faltasse ao criminoso. Todas as suas vontades eram satisfeitas. Havia os que passavam os três últimos dias de vida a galinha, vinho, chocolate, marmelada, pão de 16 e outras especiarias. Nada lhes era regateado. No dia da execução, negros escravos, adredes escolhidos, examinavam as traves e as cordas da forca. Depois, o homem do balandrau azul, cedinho ainda, acordava ao som lúgubre da campa, que tangia, os moradores das ruas por onde devia passar o cortejo.
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Revelam as crônicas do tempo que
o povo vinha para a rua, e dava mostras de alegria pelo espetáculo. Todas as atividades ficavam paralisadas naquela manhã. Nas imediações da forca adensava-se a multidão.
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A vítima “esperneava no ar como
um boneco de camisão, o rosto intumescia e arroxeava-se, as pálpebras abriam-se desmedidamente, os glóbulos oculares saíam das órbitas; a língua, repelida pelo laço, numa derradeira tentativa para respirar, pulava fora da boca, em comprimento desmedido.
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Diante daquela hórrida figura, o povo não tremia, delirava; recomeçava o sussurro; gritos, gargalhadas, gracejos, irrompiam de todas as bocas, confundindo-se ininteligivelmente num só alto rumor. Gozava por momentos o carrasco os aplausos da multidão, no desempenho daquele repugnante dever que era como um refém da sua própria vida; depois cortava a corda e o corpo do enforcado desabava sobre a plataforma, aos gritos da plebe.” Dissolvia-se a multidão. A tropa regressava aos quartéis. Só os Irmãos da Santa Casa, com os seus balandraus negros, permaneciam no local da execução. Cumpria-lhes assistir ao enterro do desventurado. Até que se cumprissem as derradeiras formalidades, chegava o meio-dia. A cidade descansava depois dos sensacionais acontecimentos da manhã. O espetáculo da forca deixava-a exausta.
Era sempre assim. O último enforcamento de que há notícias nos anais judiciários da Província, data de 1851. Em fevereiro desse ano, foi supliciado na cidade de Santarém, o escravo conhecido por Pai Antônio, acusado de haver assassinado o feitor, que o azorragara, impiedosamente, apesar das suas súplicas e doenças. Pai Antônio viera da África num dos muitos negreiros que faziam o infame comércio com esta Província. Muito embora fosse velho, sexagenário, trabalhava desde que o sol raiava até ao anoitecer. Um dia alegou doença. O feitor respondeu-lhe com uma chicotada. E como o negro não se levantasse, zurziu-o implacavelmente. Deuse, então, o crime. Pai Antônio foi condenado à morte. Na forca erguida na praça da Imperatriz, entre as ruas de Santa Cruz e Mercadores, terminou os seus dias. Com as formalidades costumeiras. As mesmas cenas do oratório, do préstito e da população exaltada. O carrasco de Santarém chamava-se Domingos Pixuna e era antigo cabano. Aceitara a repugnante profissão para livrar-se da morte. Apesar da categórica afirmativa de que essa fora a última execução capital na Província, outras condenações à morte aparecem nos Mapas de julgamentos proferidos pelo júri de Belém, nos anos de 1852, 53 e 54. Teriam essas penas sido comutadas pelo Imperador? É bem possível que sim, pois nada mais revelam as crônicas do século XIX, sobre as forcas que, desde o período colonial, constituíram o mais ativo instrumento de castigo para os criminosos e um espetáculo de emoção para os habitantes da Província.
Fonte: Arquivo Público do Estado do Pará
O préstito punha-se em marcha às 8 horas do dia, indo à frente um pequite de cavalarianos em grande uniforme, de espadas desembainhadas, a fim de manter a ordem no desfile. Logo após vinha a Irmandade da Misericórdia, vestida de balandrau negro, empunhando grandes velas acesas. Entre dois religiosos caminhava o condenado. Vestia branca túnica e tinha em volta do pescoço a corda que simbolizava a pena capital. Nem sempre possuía o criminoso ânimo e força para chegar com os seus próprios pés ao local da execução. O corpo pesava-lhe mais que a consciência. E assim, era amparado pelos frades e conduzido nos braços para a forca. Vinha a seguir o Juiz das Execuções e o respectivo escrivão, montados e cavalo, e trajando as paramentas de gala. Fechando o cortejo marchava um destacamento de infantaria. Adiantava-se o escrivão, depois do préstito haver chegado ao seu destino, e lia a sentença. A população batia palmas. Encostado à trave superior da forca ficava a escada extensa e forte. Subia primeiro o carrasco. Seguia-o o padecente acompanhado de um religioso, que lhe mostrava um crucifixo, animando-o com palavras de Fé, preparando-o para a morte. O carrasco punha-se à vontade no seu ofício. Amarrava a corda na trave e experimentava-a com todo o peso do seu corpo e vigor dos seus músculos. Descia o frade, recitando, acompanhado pela multidão, a oração do “Creio em Deus Padre”. Quando terminava a reza, o carrasco, bruscamente, empurrava o condenado para fora da escada, e pendurava-se no seu ombro, para ser breve a estrangulação. Que horrível quadro!
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Crônica de Belém: Belém do Pará. Benedito Nunes
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ARTE, POLÍTICA E CULTURA
om a publicação recente de Belém do Grão-Pará, que pertence ao primeiro ciclo de romances do Extremo Norte do qual fazem parte Chove nos Campos de Cachoeira, Marajó e Três casas e um rio. Dalcídio Jurandir firma definitivamente o seu nome como introdutor da paisagem urbana da Amazônia na literatura brasileira de ficção. Belém não figura nesse romance apenas como um pano de fundo tropical. É mais do que um simples conjunto de quadros pitorescos enlaçados para realçar o conteúdo humano da narrativa. A cidade está presente em Belém do Grão-Pará com a sua atmosfera característica e, mais do que isso, com a personalidade inconfundível de seus aspectos sociais, integrando um vasto panorama, uma paisagem, que é a síntese da sociedade do Extremo Norte. A Belém que polariza a ação do romance, e que define a situação dos personagens, dentro das distintas camadas da população urbana, é a metrópole dos primeiros anos que se seguiram ao debâcle econômico da Amazônia, em consequência da perda do monopólio mundial da borracha. O espelho em que se reflete esse declínio, ocorrido no primeiro decênio do século - e até trouxe novos chefes de prestígio para substituir os governadores e prefeitos dos bons tempos da borracha -, é a família dos Alcântaras, cujas vicissitudes reproduzem, em ponto menor, sob a forma de um drama doméstico, a desventura política e o desastre econômico da região. Não se pense, porém, que os tipos criados por Dalcídio Jurandir, em seu novo romance, sejam espectros de uma situação objetiva, diluídos no meio social urbano que o escritor descreve magistralmente. Belém funciona na história a título
de personagem maior, mas não aparece como um cenário fixo que encerre e limite o movimento dos personagens propriamente ditos. É através da experiência subjetiva desses personagens, Alfredo, Libânia, Emilínha, Inácia, Virgílio, Isaura, Mãe Cíana e Antônio, que a cidade começa a existir, ora palpável e visível, nas ruas que eles percorrem, nos jardins que visitam, nas casas em que moram, ora desmaterializada, concentrando-se toda nas sensações fugidias, nos aromas, nas cores, na qualidade do ar e da luz que eles percebem. Ela se humaniza na medida em que vai sendo descoberta e vivida. Os personagens dialogam, defrontam-se com a cidade, que, além de ser ambiente e paisagem, compõe uma figura multiforme, humanizada e ideal, que tem personalidade própria. Cada qual ocupa, nesse confronto, nessa dialética de uns com os outros e de todos com a cidade, uma posição determinada no contexto social. Desse modo, os seres humanos do romance de Dalcídio Jurandir, Belém do GrãoPará, que existem em função de um certo meio urbano, com as suas características peculiares, não constituem um simples reflexo das condições desse meio. É por intermédio deles que Belém se transforma numa paisagem interior riquíssima, num conjunto de vivências coordenadas, que dão forma aos acontecimentos e expressões, ao que de objetivo, histórico e socialmente relevante está envolvido nos episódios particulares e circunstanciais. Daí os dois aspectos que caracterizam a estrutura do romance: a unidade de visão e transfiguração poética da realidade. A unidade de visão nada mais é do que a fixação simultânea dos elementos objetivos e subjetivos que compõem uma dada situação humana. Esses elementos se entrelaçam intimamente, formam um todo vivo, animado, auto-subsistente e válido do ponto de vista
artístico. Assim, por exemplo, o drama doméstico dos Alcântaras está relacionado com a decadência material e a desagregação política do Norte subsequente à crise da borracha. Esse aspecto propriamente histórico e social, que é o lado objetivo da situação humana total focalizada pelo romancista, não é exposto separadamente do outro aspecto, subjetivo e doméstico. As duas ordens de acontecimentos se interpenetram na mesma trama articulada unitariamente. A mudança de nível social que a famí-
A euforia do súbito enriquecimento, sucedeu o início da depressão e da estagnação que se prolongaram no atual marasmo da sociedade e da economia regional.
lia experimenta, depois da queda do prefeito Lemos, a cuja política pertencia o casal, Virgílio e Inácia Alcântara, ele como administrador do Mercado de S. Braz, ela como dirigente entusiasta da ala feminina que apoiava o lemismo, traduz-se por uma simples mudança de casa. Os prósperos afilhados do poderoso prefeito, privados da proteção oficial, vão residir, após o tombo político do padrinho, que ainda foi um episódio complementar da crise elástica da borracha, numa casa modesta, localizada atrás da Basílica de Nazaré, em rua sem calçamento, onde procuram esconder o seu estado de pobreza. Na sala da nova residência, o piano solitário é o indício da antiga abastança. A filha do casal, Emilinha, solteira, gorda e infeliz nos amores, sente-se frustrada: de sua janela vê somente os fundos do 26 BC e o capinzal de uma vacaria. A mãe, D. Inácia, que é um caráter primoroso, tem nos-
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Crítica Literária talgias do lemismo e, conservando a psicologia da mandona política, censura Virgílio por não ter ele sabido aproveitar as boas graças do prefeito. A família, sob a inspiração de Emilinha, tentará recuperar, pelo menos coerentemente, a posição perdida. Essa tentativa de ascensão é o lado doloroso e trágico do romance. Os Alcântaras se transferem para a Avenida Nazaré, a rua dos fazendeiros, da gente rica. Aí continuarão a viver na ilusão de que podem disfarçar a falta de recursos, numa casa arruinada pelo abandono e pelos cupins. O aluguel, caro, valia o local ruidoso, trepidante, que os bondes sacudiam ao passar. Virgílio, depois de uma luta de consciência, é subornado pelos contrabandistas e perde o emprego. É o momento em que a velha casa, que cheirava a cupim e a mofo, ameaça desabar. Os Alcântaras, de madrugada, evitando o olhar curioso dos vizinhos, carregam para debaixo das mangueiras acolhedoras, os poucos móveis que tinham e que mal davam para encher a enorme sala de visitas. O pequeno mundo que se forma em torno dos Alcântaras deixa-nos entrever a
composição da sociedade belenense, que muito pouco se tem modificado até os dias de hoje. A serva da casa, Libânia - retrato perfeito da nossa jovem caboclinha, com a sua sedução nativa, a sua espontânea sensualidade, sua malícia infantil - e Antônio - o menino que veio de um ponto distante do interior e que sabe contar histórias da assombração nas matas e nos rios - são exemplares perfeitos do imenso contingente da nossa população rural desenraizada, que emigra para Belém. Outra linha de personagens - Mãe Ciana, Isaura, Lício, Maga - representa a camada semi-indigente dos habitantes da cidade, descendendo dos antigos escravos que trabalhavam nas fazendas do Marajó. Ela é depositária de uma tradição cultural heterogênea, em via de perecimento, na qual os elementos religiosos, negros e indígenas, se misturam com os usos culinários e com os específicos da perfumaria e da farmacopeia regional.
Os personagens, como se vê, pertencem a hierarquias distintas, que integram o universo humano arquitetado pelo romancista. Esse universo, por sua vez, é inseparável do panorama social que ele soube reconstituir, e da paisagem urbana que soube plasmar. Fundindo, numa só expressão de conjunto, a realidade exterior com a experiência vivida, o objetivo com o subjetivo. Dalcídio Jurandir alcança a transfiguração poética de Belém. E isso ele consegue especialmente devido à interferência de Alfredo, figura original do ciclo do Extremo Norte, que vem de Cachoeira para a companhia dos Alcântaras, a fim de completar os estudos na cidade grande. Alfredo, que é o elemento de conexão entre os diferentes personagens e o elo entre os mais importantes episódios da trama, espectador e também participante dos acontecimentos, introduz, no processo da narrativa, o ângulo de experiência pessoal necessário à recriação poética da realidade. São os seus olhos de menino-do-sítio, de matuto, de bicho-do-mato, que descobrem os recantos e
os segredos de Belém: as ruas sombreadas de mangueiras, o Largo da Pólvora, sonolento, com o Theatro da Paz, neoclássico, no meio da verdura, as casas baixas, ajaneladas, de corredor ou puxadinha, os sobrados revestidos de azulejos que brilham ao sol. Mas a recriação poética de Belém, quer como paisagem, quer como meio social - os dois aspectos formando uma só realidade - para exprimir o que ela tem de típico, de característico, de concreta universalidade, baseia-se no aproveitamento das peculiaridades linguísticas regionais. Os modismos, locuções e vocábulos privativos de consumo local, além da forma sintética que a fala nortista adota espontaneamente, permitiram, melhor do que outros aspectos mais estabilizados e mais conhecidos da cultura regional, já em estado de folclore, penetrar na psicologia do povo e na sua maneira de interpretar a vida.
Foram elementos dessa ordem, que fazem parte da linguagem popular (sendo a linguagem um modo de ser, de sentir e de agir), que Dalcídio Jurandir estilizou tanto nos diálogos quanto nas narrativas, valendo-se, ao máximo, do rendimento estético e do valor poético que podem oferecer a sintaxe melodiosa e a riqueza semântica do linguajar nortista. Disso é que se origina, talvez, a poesia elementar, bem terrestre, demasiado humana, que o seu romance transmite, dando livre curso aos sentimentos contraditórios e ao pensamento confuso que a terra amazônica, ainda não subjugada pelo homem, inspira à alma nativa, perplexa e impotente dentro de seu próprio meio. Benedito Nunes em “O Estado de São Paulo”, São Paulo. 25 março. 1961. Suplemento Literário, v.5, n. 121, p.1.
O pequeno mundo que se forma em
torno dos Alcântaras deixa-nos entrever a composição da sociedade belenense, que muito pouco se tem modificado até os dias de hoje.