Revista Quincas | Edição CORPO

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MAIO 2014_REVISTA COLABORATIVA QUINCAS_Edic達o 01_CORPO_



CORPO Edição 01 . Revista Colaborativa

Projeto Gráfico . Natalia Nunes Edição . Giovana Moraes Suzin Ilustração da Capa_Leaving (negative version) . João Paulo Tiago

MAIO 2014


foto_ALINE LATA

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O VÉU SOBRE NÓS A Revista Quincas é um projeto de revista cultural

moral individual dos cidadãos e pela facilitação

colaborativa.

do exercício de autocontrole; e pela utilização da colaboração de médicos e educadores, que irão

A Quincas nasce de uma inquietação comum aos

justificar a homogeneização das condutas. Há, ainda,

homens e mulheres do nosso tempo, que desejam

a forte influência da moral cristã incidindo pesadamente

romper a barreira da superfície, viver até o último

nesse conjunto de ações. O corpo se transforma,

segundo, correr contra o tempo, acabar com a violência,

assim, em objeto e alvo de poder, sendo necessário seu

chegar à lua, ver de perto o sol, andar descalços, ser

adestramento e submissão, para que seja manipulável

sustentáveis, dançar na chuva, construir um mundo

de forma dócil, como diria o pensador Michael Foucault.

mais justo, ir ao encontro do outro e, mesmo sem saber como fazer tudo isso, não desistir de tentar.

No caso da mulher, o corpo feminino já foi visto como débil, inferior e subordinado quando em comparação

Sim, somos pretensiosos. Procuramos pessoas que

com o corpo masculino. No outro extremo, foi também

também sofram de tal mal e queiram se juntar a nós.

lugar da beleza e da sensualidade, essas interpretadas

Por esse motivo, a proposta da Quincas é dar vazão

como perigosas para o homem. Criou-se, no decorrer

a diferentes vozes em diferentes suportes. Trata-se de

do século XX, uma estética voltada ao culto do corpo.

uma publicação cujo objetivo é abordar um tema a cada

Ele se transformou em fonte inesgotável de ansiedade

edição, sob distintos pontos de vista. Queremos agrupar

e frustração. A tirania da perfeição física empurrou a

grandes mentes pensando um assunto em comum,

mulher não para a busca de uma identidade, mas de

que pode ser desenvolvido em formato de ensaio,

uma identificação. Identificação essa feita pelo corpo

ficção, poesia, reportagem, crônica e etc., ou mesmo

desejado e desejável, construído em grande parte pelo

em imagens, colagens, fotografia, costura e o que mais

bombardeamento imagético realizado pela mídia. As

a imaginação permitir. Nossa intenção não é ser uma

noções de feminilidade, sexualidade e corporeidade

revista sobre cultura, e sim uma revista cultural, o que

sempre estiveram estreitamente ligadas na cultura

significa falar do tema proposto sob essa perspectiva.

ocidental. O corpo é a fonte de onde emerge o “eu” feminino, que deve seguir padrões e adequar-se às

A primeira Quincas é toda CORPO.

expectativas para ele projetadas.

Campo de normatização e restrição das condutas humanas, o corpo é ao mesmo tempo meio de

Nossa sociedade os fragmentou e recompôs, regulando

expressão e de liberdade e lugar de censura e repressão.

seus usos, normas e funções. Hoje, depois de séculos

O corpo não é um lugar imutável, antes se revelando

de ocultação, já dessacralizamos os corpos em grande

em sua historicidade, sendo a origem e o resultado de

parte. No nosso cotidiano, vemos novos valores de

um longo processo de construção social. As práticas

beleza, felicidade e juventude se identificarem com

corporais, portanto, não podem ser compreendidas

um corpo que se transforma em objeto de cuidados

como realidades simples e homogêneas, mas sim

e desassossegos, mas que também podem levar a

no cruzamento de múltiplos elementos econômicos,

libertação quando quebrados. Como romper esse

políticos e culturais.

simulacro que cria um véu sobre nossos corpos?

Nesse conjunto de relações, a intervenção do Estado

Desnude-se.

sempre foi e é decisiva, e se dá através principalmente de três formas: pela repressão, utilizando a polícia e

Giovana Moraes Suzin_Editora da Quincas

a justiça para tal; pelo fortalecimento da consciência

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COLABORADORES_ 08 09_ -

TALITA ROSSI (Mogi das Cruzes, SP, 1985)

Estudou Artes Plásticas no Hackney Community College em Londres-RU e no Manchester College of Arts and Technology em Manchester-RU, moda na École supérieure des arts appliqués / École Duperré em ParisFR e atualmente cursa Nutrição na Universidade Estadual Paulista em Botucatu-SP. Aprendeu a fazer crochê assistindo tutoriais filmados por donas de casa disponíveis no YouTube. Esse material acabou servindo de inspiração para fazer um vídeo que daria inicio a uma série de peças. O vídeo fala sobre o tédio e até alienação da domesticidade feminina. As peças produzidas carregam uma crítica ao retratar partes íntimas de mulheres, reproduzidas em uma técnica que pertence tradicionalmente ao universo feminino e destinadas a habitar somente ambientes domésticos. O vídeo pode ser visto em

LÍVIA AGUIAR (Belo Horizonte, MG, 1987)

https://www.youtube.com/watch?v=0YI4r8Ip_Nw

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É mineira de Belo Horizonte, feminista, mochileira, jornalista e especialista em redes sociais - assim, nessa ordem. Estudou comunicação na UFMG, se mudou para São Paulo para trabalhar com revistas e acabou se metendo nesse “negócio que é a internet”. Em 2012, largou tudo para ver o mundo com os próprios olhos e voltou com milhares de histórias que ainda não foram contadas. Gosta de viajar, fotografar, cozinhar, ler contos de fadas, tentar adivinhar o futuro das relações e de escrever sobre todos esses temas. Acredita na inocência dos mamilos, no movimento slow e na capacidade humana de amar, mesmo que o noticiário tente nos provar o contrário. http://eusouatoa.com/

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JOÃO PAULO TIAGO (Unaí, Minas Gerais, 1984)

Trabalha e reside em Belo Horizonte, onde desenvolve sua pesquisa em desenho, fotografia digital e vídeo. Formado em desenho pela Universidade Federal de Minas Gerais, utiliza elementos extraídos da cultura pop, iconografia religiosa, astronomia e registros de suas viagens para criar uma trama poética onde expõe anseios, territórios afetivos e confessionais em uma espécie de “remix visual”. Memórias, saudade, melancolia, morte e vazio são temas recorrentes no trabalho do artista que elege figuras como pássaros, flores e fenômenos meteorológicos como metáforas visuais para suas questões, muitas delas utilizando o corpo como elementopilar dessas poéticas. http://joaopaulotiago.blogspot.com

JEAN ESTV DE SOUZA (Limeira, SP, 1984)

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Jean Estv de Souza, triatleta, nasceu no interior de São Paulo, onde começou sua paixão pela natureza e a busca pela harmonia com o universo. Ou: Jean Estv de Souza é jornalista e blogueiro aficionado por cultura pop e tendências tecnológicas. Ou: Jean Estv de Souza, pisciano, acredita que o trabalho duro traz como recompensa um mundo mais justo para todos. Não né? Jean Estv de Souza nunca alcançou a celebridade do emplasto, não foi ministro nem califa, não conheceu o casamento e soma a essas negativas leve inveja da semidemência alcançada por Quincas. Jornalista, vive de analisar números e escreve ocasionalmente algumas das histórias que vive inventando por aí. Parte delas está escondida no blog www.daspera.blogspot.com.br

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ALEX ROSCA (Bucareste, Romênia, 1983)

Graduado na Universidade de Bucareste, Romênia, em 2006, no curso de Comunicação. Trabalhou numa grande empresa do mercado publicitário e teve dois estúdios comerciais de fotografia. Mas esta não é, propriamente, a sua arte. A sua arte ele clica tediosa e preguiçosamente, como resultado de uma composição onírica em que cenas são misturadas com o que vê, em manifestações de aborrecimento, tristeza, depressão e outras fronteiras tão densas quanto essas. Tenta se manter envolvido com o processo criativo, para que o objeto permaneça imóvel onde ele deveria. Erro e acerto. E há longas tentativas. Costuma estar em http://www.alexroska.com/

BELLÉ JR. (Francisco Beltão, PR, 1984)

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Poeta nascido no sudoeste do Paraná, crescido na capital e radicado em São Paulo. Acaba de publicar “Trato de Levante” (editora Patuá), sua segunda obra poética. Boa parte do livro foi escrito em 2013, durante duas residências artísticas na Art Farm Nebraska e Yaddo Artists Colony, onde foi condecorado com o Carfield, prêmio para escritores latino-americanos. Em 2010, lançou de maneira independente “O sonhador que colhe berinjelas na terra das flores murchas”, com não mais que 300 cópias, as quais vendeu por aí, nas ruas e botecos, para amigos e inimigos. Deu vida também ao projeto Reversos, em que diversos artistas musicaram as letras de poetas. http://juniorbelle.com/

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ALINE LATA (São Paulo, SP, 1988)

Fotógrafa e videomaker, bacharel em fotografia pelo Centro Universitário Senac. Participou das exposições coletivas “Lá e Cá” (São Paulo – Porto – Lisboa), 2008, e Realidade Maravilhosa em 2011. Atualmente trabalha como fotógrafa freelance de retratos para algumas revistas e de assistente de câmera de cinema, além de se arriscar em seus projetos pessoais que envolvem vídeo e fotografia. É coautora do fotolivro “Romã”. Mais trabalhos em http://alinelata.com/

GUILHERME CASTOLDI (São Paulo, SP, 1983)

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Se aproximou da fotografia na infância e, mais velho, cursou um ano e meio da faculdade de Publicidade e estudou na Academia Brasileira de Artes, na fase de transição da fotografia analógica para digital. Na época, chegou a pensar que fotografia era limitada, que faltava movimento, faltava som e por isso foi estudar cinema. Dentro da academia percebeu que preferia clicar o making off das produções. Morou em Florianópolis e depois partiu, junto com sua câmera, para trabalhar em um navio rumo à Europa. De volta a São Paulo, realiza trabalhos voltados ao corpo. O projeto de estudo pessoal Toda Nudez Será Ca Instigada move sua produção artística atual. Aqui: http://guilhermecastoldi.tumblr.com/

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KAREEN SAYURI (São Paulo, SP, 1984)

Nascida e crescida na Zona Leste de São Paulo, é a caçula de três meninas. Suas maiores lembranças da infância são os dias de chuva de verão em que sua mãe a deixava brincar na rua. Hoje, quando vê o céu preto, fica feliz escondida. É designer formada pela Belas Artes de São Paulo e apaixonada por design editorial, ofício no qual se dedica durante 9 horas diárias. De redação teen à mulher pelada, já fez todo tipo de revista e não quer migrar para o online. Mora numa casinha onde empilha revistas, livros, plantas, dois gatos e recordações. Borda, tricota, crocheta, cozinha, tira foto, tem uma bicicleta e vive atrasada. Ama se apaixonar, gohan e tutoriais no YouTube. Mais: http://www.kareensayuri.com/

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ENTRE_

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almofada de vagina em crochĂŞ_TALITA ROSSI


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toranjas, laranjas e lim천es_TALITA ROSSI


MAMILOS SÃO MUITO POLÊMICOS “Bom, estamos aqui hoje para dizer um assunto muito polêmico: MAMILOS.” Bruno Nicoletti

Todo mundo tem mamilos. Algumas pessoas nascem

madura, bronzeados, com pelos, sem pelos,

com mais mamilos que outras, mas a média é 2 por

círculos concêntricos, heterocêntricos, vesgos,

ser humano. Os mamilos masculinos param de se

paralelos, olhando para baixo, para a frente, para um

desenvolver na 14ª semana de gestação, o bebê

lado, outro, para todos os lados, divertidos, sapecas,

ainda na barriga, e os femininos se transformam em

cômicos, tímidos, espalhafatosos, atrevidos.

abrigo para ductos por onde, anos mais tarde, pode vir a sair o melhor alimento do mundo.

---------- corta a cena

Como o mundo é dos homens (e por nenhuma outra

A primeira vez que um mamilo sente os lábios de

razão), os mamilos masculinos foram absolvidos do

outra pessoa. Molhado, macio, um aperto que

pudor. Ou agraciados com a pureza inocente. Suas

também é um carinho, sucção “será que meu mamilo

auréolas eriçadas se queimam tranquilas em qualquer

vai aumentar se meu namorado me chupar muito?”

praia, sem causar alarde. Eles marcam camisetas

“Não preocupa, se joga!”

sem problemas. Se refrescam nos dias quentes, tranquilões. Já os mamilos femininos precisam

O mamilo muda de forma depois da primeira chupada.

passar calor embaixo de sutiãs em dias de verão.

E aí, com os filhos, ele muda de novo. A idade também

Têm que ficar escondidos para não ofender outros

chega para os mamilos, como chega para tudo.

banhistas na praia. Ofender por que?

Continuam belos. Misteriosos. Sábios?

Entendo da importância de cobrir nossas genitálias:

“Mesmo quando um estranho vê a distância

a calcinha protege minha piriquita do atrito da roupa e

uma jovem com marcas de unhas nos seios, é

de perigos externos – e mesmo assim, nem sempre

tomado de amor e respeito por ela”, diz o Kama

escapamos ilesas de uma bacteriazinha ou fungo

Sutra, evidenciando que na Índia imemorial as

indesejado. Mas o mamilo não precisa de tantos

mulheres andavam com os mamilos de fora –

cuidados. E eles gostam de ser livres (talvez nem

e exibiam orgulhosas as marcas de carinho do

tanto no frio). Não estou falando para abolir o sutiã

amante.

ou qualquer coisa assim. Usa quem quer, tanto por estética, gosto ou função, aquela sustentação

Que diferença para a Índia de hoje.

inigualável que para algumas é necessária. O problema é a tal da obrigatoriedade, o escândalo

Que diferença para o mundo de hoje, de seios

que é decidir esconder, empudorar os mamilos.

como símbolos de protesto, objetificação da mulher, cultura do estupro, “esconde essa indecência”, “se

Mamilos não querem ser polêmicos. Querem

tá de decote é porque está querendo”, vergonha,

apenas ser: grandes, pequenos, médios, discretos,

pudor, polêmica.

pontudos, espalhados, firmes, eriçados, macios, assanhados, preguiçosos, escuros quase roxos, rosinhas transparentes, vermelhos como pitanga

Polêmicos.

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texto_LÍVIA AGUIAR



_My personal Hokusai

ilustrações_JOÃO PAULO TIAGO O corpo é uma espécie de micro universo. Um campo de batalha de sentimentos e desejos, um repositório de histórias, memórias, dores. Um livro vivo, com escrituras de todas as formas, escrituras com cicatrizes na carne e no espírito. O corpo toma muitas vezes uma dimensão sagrada, que morre, renasce, é recriada. Sempre fui fascinado pela figura humana, especialmente a masculina, pelo seu caráter escultórico, pela força que a imagem me passava como elemento poético e de desejo. Trabalho, nessas representações, diversos olhares e leituras de um mesmo corpo, o (homo) erótico, o sublime, o sagrado, o clichê, o fetiche, o pastiche, o pop, o corpo idealizado, o corpo etéreo, o corpo em simbiose com uma natureza não humana, expressando um desejo de escapismo e harmonia. São diversos corpos em um só, em permanente desconstrução.

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_Teratomas

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_Y-Cloud (parte de sĂŠrie)

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_sem tĂ­tulo

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FRANKSTEIN, S/N

Atravessou o caminho sem ritmo, ora com os pés cabisbaixos ora com os joelhos acentuadamente ansiosos. No meio dele descobriu que queria chegar em casa antes do anoitecer, mas já era tarde para não se atrasar.

de uma sala escura. Releu bilhetes em voz baixa para ter a certeza de que tinham sido escritos com

Hoje não conseguiu mais uma vez aproveitar a luz

nós na garganta. Guilhotinou essa lembrança antes

do dia para explorar alguns cantos e fundos do

que lhe sufocasse e também a abandonou sobre a

apartamento dentro dos quais é sempre noite. Foi

cama. Diante da geladeira, alcançou a última cerveja

até a varanda e reclamou com o cacto “que merda,

e só conseguiu pensar dali em diante como vou me

estou começando a esquecer os pedaços dela”,

embriagar até ouvir a risada dela gargalhar por toda a

lamento bem recebido pela rudeza do vegetal.

casa. Precisou subir até uma garrafa sentada sobre a

Escavou alguns vasos antes de ir para o quarto.

última prateleira da estante. Esvaziou-a sede adentro com a desculpa de destilar uma armadilha. Usou a

Debaixo da cama não encontrou vestígios das pernas

garrafa para aprisionar os volumes e tons que agora

nem das meias provocantes que costumavam

transbordavam seus ouvidos e garantiu mais porres

acobertá-las. Abriu o armário e se encheu de tristeza

de certezas que nunca serão ecoadas..

com os cabides se fingindo de ombros, balançando independentes da silhueta alheia, à espera de que

Cada livro que leio me conta a história de um

futuro irá lhes caber. Despejou o mais esnobe deles

universo particular de olhares, repetiu para si três

sobre a cama.

vezes. Abriu o primeiro que encontrou à procura de reflexos de espantos, prazer, tristeza e antes da

Na porta do meio, tantas vezes evitada por causa

última página do décimo primeiro livro fuçado já

do espelho, encontrou a sapateira velha e sorriu

tinha uma coleção que incluía até um final feliz. Cada

ao tirar de dentro dela o perseguido par de pernas.

ficção que vivo me conta a história de um universo

Deitou-as timidamente na cama, se afastou, puxou

particular de silêncios, repetiu mais algumas vezes

uma cadeira e reacendeu o baseado que até então

para um quadro na parede que lhe pareceu fraterno.

o encarava à distância de um braço. Tentou buscar imagens em pastas do computador Não é saudade, é uma curiosidade antiga que vai

cujos nomes só anunciavam datas. Modificada em

aumentando na ausência da certeza. O peso da

21-02-2013. Vazia. Como as outras. Pensou em

sua mão nunca me desequilibrou, nunca, assoprou

recuperar a senha de sua velha linha do tempo, mas

pouco antes de aprisionar um sorriso que lhe flertou

antes digitou um nome no campo de busca do email

da coluna de fumaça à frente. Guardou sua presa na

e conseguiu enxergar a ternura eufórica dos gestos

caixinha de música rapsódica e aterrisou-a sobre o

trocados e um rastro de palavras que terminavam

travesseiro estampado.

justamente na cama onde agora estava deitado novamente o corpo dela, nu como da última vez.

O espelho da porta do meio limitava sua existência a um corpo fincado sobre um tapete, sozinho à

No parapeito do décimo quinto andar, esperou que

espreita de si, numa prestação de contas ao tempo

a passagem do próximo ônibus coincidisse com a

em que ele sempre sairia devedor. Fugiu do seu

queda do corpo. Sentiu o arremesso lhe centrifugar

instantâneo recorrendo ao gosto inesquecível que

todos os batimentos. Como da última vez, carregou

havia lhe ficado da pele.

na volta para a cama a visão de uma paixão se despedaçando diante de sua compreensão imóvel.

Buscou nas gavetas algo além da vida arquivada e redescobriu nos ingressos velhos de cinema a

Como nas inúmeras últimas vezes, voltou a fumar

proximidade atingida sob a conivente sensibilidade

cigarros de filtro vermelho,

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texto_JEAN ESTV DE SOUZA



projeto_POESIA DE 4_BELLÉ JR. & ALEX ROSCA Toda poesia possui um núcleo duro. Toda dureza pode ser simplesmente doçura. Ou angústia. Ou dúvida. Inclusive essa. O projeto quer arrancar esse núcleo, a essência, com as unhas. E com os olhos. Quer escrevê-lo por entremeios de outros olhares poéticos. Aqueles que não precisam de palavras. Bellé Jr. cometeu doze poesias curtas, cujo núcleo é ela toda. Aqui, ficam expostas 4, feitas pelo romeno Alex Rosca. Ele fotografou as 4 angustiosas, e também as angustiadas, e por fim as sepultou. As obras não são apenas o espelho difuso de suas respectivas poesias originais, mas também suas próximas linhas. Sua continuidade. Seu desfecho.

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meu coração é mel mas minha cabeça vesperal

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chovo s贸is raio mares

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os vag천es da vida est찾o lotados vazios est찾o os destinos

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Isso é tão. Eu e você. Morrer de noite. E renascer. Quando já não haja abraços. Entardecer. Em despedaços. E então amanhecer.

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foto_ALINE LATA

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poesia_BELLÉ JR.


passava creme antirrugas nos aviários às margens dos olhos gel anti-idade nos riachos da testa testava a tez esticando os lábios e alisando com a ponta dos dedos o largo atalho até as narinas besuntava as ancas com pomadas hidratantes contra as trincheiras de celulite escavadas nas coxas e pedia que eu espalhasse o restante e massageasse aquelas que perigosamente avançavam pelas montanhas da bunda havia estrias em sua barriga gigante havia vida que de sua vagina deslizaria num instante ela tem 31 grávida de 8 alma de 20 corpo de 25 mais, muito mais do que 7 pecados para cada mandamento que esqueceu para cada versículo com que limpou o cu tão logo completou 18 e fugiu da casa dos pais com menos de 15 reais no bolso teve 9 trabalhos de bosta 4 empregos de bosta 43 amantes 44 decepções amorosas 11 paixões fulminantes e dos 3 amores verdadeiros apenas 1 sobreviveu ao tempo à rotina, ao tédio e à decepção inerente a todo e qualquer ser humano médio: eu eu, que já avancei casas no cinto da calça que cruzei a linha amarga dos quarenta que combato a gravidade com vinho que prescindo do gozo para manter a sanidade que pressinto o gosto de morte das pílulas para impotência eu que vejo meu império de carne despencar e as memórias ardentes esfriarem-se esfriarem-se até estarem apáticas, resignadas à incomplacência dos poros e tornarem-se pelancas balançando na flacidez dos músculos deste corpo

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corpo! maldito corpo cúmplice do tempo! corpo quórum de indícios rastro de vestígios de vida corpo poço de espíritos passo de halos saco de sangue corpo tolo corpo todo exposto espelho d’alma osso, cílio, perna estômago, cuspe e merda corpo torpe corpo enxuga tuas rugas com o lençol canhenho corpo como um toldo torto toldo onde chovo olhares onde suo tempestades onde a pele envolve como envelope endereçado aos céus mas interessado na terra, na carne, no toque, na matéria que se esvai que se desfaz disfarçada de célula nas trocas de pelo com pelo no estalo na fagulha que resta quando dois corpos se chocam debaixo das asas como duas feras rompendo a casca

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_projeto desenvolvido para o curso Luz Marginal Procura Corpo Vago de Gal Oppido

fotografias_GUILHERME CASTOLDI O desejo de fotografar o nu surge de um ímpeto pessoal de descoberta do próprio corpo e da admiração pelos que conseguem se despir e ficar a vontade (ou não, mas conseguem). No meio desse desejo de desvendar meu próprio corpo e enxergar os outros corpos ao meu redor, comecei a pesquisar fotógrafos que levaram isso a outros níveis. Um nível de linguagem de desconstrução e ressignificação. No meu trabalho, as luzes começaram a se tornar objeto de estudo e testes, todas as luzes possíveis e presentes começaram a se tornar parte vital das minhas obras. Qualquer fresta, lanterna, lanterninha, luz de natal, aliadas a celofanes, garrafas, espelhos, foram se mostrando mil vezes mais eficazes no processo de desconstrução do que os flashes e refletores tradicionais. Sigo nessa busca, tentando desvendar o corpo dos outros, o meu próprio corpo, todos os discursos contidos em alguém sem roupas, sem vestes, sem moralismos; tesão e pudor tentando se conciliar.

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SAIA_

projeto_Luz Marginal Procura Corpo Vago de Gal Oppido

_meu corpo ĂŠ meu

bordado_KAREEN SAYURI

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edicão_GIOVANA MORAES SUZIN (Vacaria, RS, 1987) É jornalista e historiadora e trabalha no Almanaque Abril, na Editora Abril, em São Paulo. É curiosa, insone, exagerada e coleciona pequenos prazeres - seus e alheios. Nascida gaúcha, tem o coração catarinense, mas seus pés são ciganos e não gostam de acomodação. Gosta de gente, de se perder em viagens e em sonoridades múltiplas. Escreve sobre música e outras pirações no blog http://pandorga.mus.br/

direção de arte_NATALIA NUNES (Macatuba, SP, 1984) Gosta de montanhas, não para escalá-las, mas para ficar fitando-as por horas e tirar algumas fotos. Faz colagem depois de tudo isso. É designer de formação, e o que mais gosta de fazer é se envolver em propostas como a Quincas. Adora mesmo, pararia todo o resto do que está fazendo para se debruçar em projetos atraentes. Mantém uns blogs de referências, também atraentes, como o http://fuckmeproperly.tumblr.com/

Todos os direitos reservados

PUBLICAÇÃO INDEPENDENTE Impresso na gráfica Arrisca




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