Revista da SDC nº 07

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ANO 1 / No 7


Direção da revista Mauricio Maia Luiz Guilherme Ourofino Leo Bindes Projeto gráfico e diagramação Fábio Brasil Fotografia Marcelo Conde Alexandre Araújo Capa Gervásio Teixeira / glteixeira.com.br Editor-chefe Mauricio Maia Revisão Aline Canejo Revista voltada exclusivamente para os associados da Sociedade do Charuto Ltda. Atendimento ao cliente atendimento@sociedadedocharuto.com.br (21) 3042 4815 (21) 3042 4816


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EDITORIAL

editorial O PRIMEIRO GOLE É DO SANTO Não se sabe quem teve a ideia de destilar caldo de cana no Brasil. Mas foi uma ideia de sucesso: segundo a 24ª Expocachaça, a mais importante feira do setor, realizada de 22 a 25 de maio, em Belo Horizonte, Minas Gerais, a produção estimada em 2014 é de 1,4 bilhão de litros. Isso representa 10,5 litros por brasileiro maior de idade. Da pura, da branquinha ou da amarelinha, quem nunca tomou uma boa aguardente que atire a primeira pedra. São mais de 4 mil marcas registradas e 40 mil produtores. João Luiz Coutinho de Faria, nosso especialista do mês, é um deles. Fundador da prestigiada Cachaça Magnífica, ele nos conta tudo sobre a marvada pinga. Para abrilhantar nossas páginas centrais, temos ainda a honra de trazer um carioca típico: o jornalista, crítico musical e escritor Sérgio Cabral. Um dos fundadores do “Pasquim”, o lendário semanário de contestação ao Regime Militar no Brasil, Cabral é movido a paixões – entre elas, o charuto. Bom de papo e de copo, ele nos conta, em uma entrevista divertidíssima, como acabou se tornando especialista no assunto que mais gosta: a música brasileira. De quebra, revela quem foi, em sua opinião, o maior músico brasileiro de todos os tempos. Boa leitura e... boas baforadas! Mauricio Maia


sumário 05 seleçÕES do mÊS 12 entrevista Um dos maiores conhecedores da história do samba no Brasil, o jornalista, escritor e crítico musical Sérgio Cabral conta episódios memoráveis e evoca grandes figuras da Música Popular Brasileira

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17 Onde fumar Tabacaria Gullo Tijuca - O charme e requinte da mais nova tabacaria do Rio de Janeiro

18 especialista O produtor de cachaça João Luiz Coutinho de Faria conta tudo sobre a bebida nacional do Brasil

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22 memórias de fumaça Kerry A. Joseph

23 Próximas seleções Veja o que a SDC reservou para o mês de setembro

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SELEÇÕES DO MÊS

Agosto


SELEÇÕES DO MÊS Seleção

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Puro Habano

Romeo y Julieta Exhibición Nº 4

Vegas Robaina Famosos

o preferido para todas as horas

a força da marca

Introduzido em meados dos anos 1980, o Romeo y Julieta Exhibición Nº 4 é um dos puros cubanos mais vendidos da Habanos. Com aparência bastante convidativa, é um charuto com grande complexidade e sabores bem equilibrados. Apresenta boa combustão e fumaça aromática. É denso, faz muita fumaça e proporciona uma fumada com profundidade. Com avaliações variando de 92-90 em edições recentes do Cigar Aficionado, o Exhibición Nº 4 é reconhecido como o melhor Corona Extra do mundo.

A família Robaina vem produzindo excelente tacaco em suas vegas localizadas na região produtora de Vuelta Abajo desde 1845. No entanto, apenas em 1997 foi criada a marca Vegas Robaina, em homenagem a Dom Alejandro Robaina, considerado uma lenda no mundo dos charutos. Embora os cinco modelos da marca tenham caraterísticas muito similares, os Famosos destacam-se dos demais por seu sabor levemente apimentado e pelo vigor de sua fumada. Um puro destinado a fumadores experientes.

Origem

Cuba

Origem

Marca

Romeo y Julieta

Marca

Nome comercial

Exhibición Nº 4

Nome comercial

Formato

parejo

Formato

Cuba Vegas Robain

Famosos parejo

Vitola

Corona Extra

Vitola

Corona Extra

Apresentação

caixa com 25 unidades

Apresentação

caixa com 25 unidades

Medidas

127,0mm de comprimento por 19,10mm de anel calibrador

Medidas

127,0mm de comprimento por 19,10mm de anel calibrador

Calibre

grosso (cepo 48)

Calibre

grosso (cepo 48)

Força

3/5 (suave a médio)

Força

4/5 (médio a forte)


07

SELEÇÕES DO MÊS Seleção

Volta ao Mundo

Bolivar Royal Coronas

601 La Bomba Atomic

o preferido da velha escola de fumadores cubanos

uma explosão de força e sabor

Os puros da marca Bolivar, criada por volta de 1900, têm como característica a força de sua fumada, em que os sabores doce e picante se apresentam bem balanceados. O Royal Coronas chamava-se Prince Charles e somente em 1973 passou a ter o nome atual. É um charuto suave e muito bem construído. Denso, complexo e com o sabor excepcional e inconfundível da marca, deixa um agradável retrogosto. Tradicionalmente, é a marca a preferida pelos fumadores da “velha escola cubana”.

Origem Marca Nome comercial Formato Vitola Apresentação

Cuba

A fábrica de charutos EO Brands criou algumas marcas memoráveis desde que foi fundada, em 2003, por Eddie Ortega e Erik Espinosa – como a bem avaliada série 601. A linha 601 La Bomba surgiu após a separação dos sócios e rapidamente agradou os entusiastas de charutos. Disponíveis em vários modelos, como Napalm, Nuclear, F-Bomb, Warhead e Sake Bomb, atualmente são produzidos pela Espinosa Cigars. O 601 La Bomba Atomic inclui, em sua receita, 100% de tabaco da Nicarágua, com muita folha Ligero em sua mistura, o que dá a este puro uma característica extraforte em sua fumada. Excelente opção pós-refeição pesada, tem ombro para acompanhar uma bebida mais forte. Os sabores são sólidos, e você não vai poderá reclamar de nada em termos da construção que eles têm. A linha La Bomba, em curioso e longo formato pig tale, que faz o Atomic lembrar uma banana de dinamite, é uma verdadeira explosão.

Bolivar

Royal Coronas parejo Robusto caixa de 25 unidades e caixa de tubos de alumínio de 10 unidades.

Origem Marca Nome comercial Formato Vitola Apresentação

Nicarágua 601 La Bomba

Atomic parejo pig tale Gordo caixa de 10 unidadese petaca com 5 unidades

Medidas

124,0mm de comprimento por 19,80mm de anel calibrador

Medidas

155,0mm de comprimento por 23,82mm de anel calibrador

Calibre

grosso (cepo 50)

Calibre

grosso (cepo 60)

Força

5/5 (extra-forte)

Força

3/5 (suave a médio)


SELEÇÕES DO MÊS Seleção

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Volta ao Mundo

Acid Kuba Deluxe

é preciso experimentá-lo para entendê-lo

Pensamos muito antes de oferecer o Acid Kuba Deluxe aos nossos associados, e resolvemos cumprir a nossa proposta. A Seleção Volta ao Mundo foi desenvolvida justamente para oferecer aromas e sabores diferenciados. Como dizemos em nosso site, foi feita para os mais curiosos aficionados. Famosa por seus aromas, a linha Acid Kuba é o resultado da combinação cuidadosa de tabacos suaves que são curados por vários meses em pequenos quartos revestidos com mais de 150 tipos diferentes ervas, óleos essenciais e vegetais que, com o tempo, vão se impregnando às folhas de tabaco. O Acid Kuba Deluxe é um long filer de construção impecável, e fumada rápida, apesar de sua vitola. A fumada tem uma variedade de sabores impressionante, embora desagrade aos puristas exatamente por isso. O fato é que o Acid Kuba é um dos charutos premmium de maior sucesso nos Estados Unidos. A única maneira de entender um Acid Kuba é experimentá-lo.

Origem Marca Nome comercial Formato Vitola Apresentação

Nicarágua Acid

Acid Kuba Deluxe parejo Robusto Extra caixa com 10 tubos de alumínio

Cuesta-Rey Centenário Robusto No 7 cento e trinta anos de excelência Com uma rica herança de 130 anos, o Cuesta-Rey começou a ser feito em Cuba e chegou a ser o charuto oficial do rei da Espanha Afonso XIII. Desde a década de 1980, os charutos Cuesta-Rey começaram a ser produzidos na República Dominicana por Arturo Fuente. A linha Centenário é uma comemoração ao compromisso de excelência na produção de charutos. O tabaco utilizado nesta linha é envelhecido por um período médio de cinco anos e provém da República Dominicana (capote e miolo) e do Equador (capa). O Centenário Robusto No 7 é um charuto requintado, de degustação suave e fumada espetacular.

Origem Marca Nome comercial Formato Vitola

República Dominicana Cuesta-Rey

Centenário Robusto No 7 parejo Robusto

Apresentação

caixa com 10 unidades e petaca com 5 unidades

Medidas

128,0mm de comprimento por 21,43mm de anel calibrador

Medidas

113,0mm de comprimento por 19,84mm de anel calibrador

Calibre

grosso (cepo 54)

Calibre

grosso (cepo 50)

Força

4/5 (médio)

Força

2/5 (suave a médio)


09 Seleção

SELEÇÕES DO MÊS

Nacional

Dannemann Artist Line Double Corona Capa Clara consistência e vigor no premium nacional Reconhecida internacionalmente como a linha que detém o melhor blend entre os charutos premium nacionais, a coleção Artist Line, da brasileira Dannemann, é feita com a seleção dos melhores tabacos produzidos no Brasil. O Double Corona Capa Clara é um charuto requintado e sóbrio, com sabor agradavelmente picante. De construção bem acabada, com destaque para a capa e para o vigor de sua fumada, tem tiro é suave e harmonioso, com uma ótima produção de fumaça. Um belo puro nacional.

Dannemann No 1 qualidade inquestionável Os charutos Dannemann são produzidos na Bahia há mais de cem anos, de forma 100% artesanal. O Dannemann No 1, mantendo essa tradição de excelência, é sinônimo dessa qualidade inquestionável. Trata-se de um charuto de queima uniforme e perfeita, muito bem construído. Tem excelente textura e é muito bem equilibrado, com destaque para a leveza do sabor – muito semelhante ao do tabaco cubano – e o aroma marcante. Uma grande opção para o dia a dia.

Origem Origem Marca Nome comercial

Brasil Dannemann

Artist Line Double Corona Capa Clara

Marca Nome comercial Formato Vitola

Formato Vitola

Parejo

Apresentação

Double Corona

Brasil Dannemann

Dannemann No 1 Parejo Churchill caixa com 25 unidades

Apresentação

Caixa cabinet com 25 unidades

Medidas

191,0mm de comprimento por 19,0mm de anel calibrador

Medidas

163,0mm de comprimento por 17,8mm de anel calibrador

Calibre

Grosso (cepo 50)

Calibre

grosso (cepo 45)

Força

3/5 (médio)

Força

3/5 (médio)


SELEÇÕES DO MÊS Seleção

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Exclusivos

Padrón 1964 Anniversary Series Diplomatico Maduro quando Padrón está no rótulo, a qualidade é uma questão de honra familiar Quando deixou Cuba em 1961 – após as fazendas de tabaco de sua família terem sido confiscadas por Fidel Castro – e começou a produzir charutos na Nicarágua, em 1964, José O. Padrón tinha apenas um objetivo: fazer charutos de excepcional qualidade. A linha Padrón 1964 Anniversary Series foi apresentada em 1994 para comemorar o 30º aniversário da Fábrica de Tabacos Padrón, uma das mais prestigiadas empresas de charuto do mundo. Para garantir sua origem, cada charuto da linha teve sua anilha numerada individualmente. O Anniversary Series 1964 Diplomatico Maduro que apresentamos nesta Seleção Exclusivos de agosto de 2014 é o segundo maior da linha, perdendo somente para o Anniversary Series 1964 “A”. Todos os tabacos utilizados nesta linha de charutos são envelhecidos por, no mínimo, quatro anos. Com construção perfeita e sabor suave e complexo, o Padrón 1964 Anniversary Series Diplomatico Maduro é constantemente classificado por especialistas da indústria de charutos como um dos principais charutos do mundo. A Família Padrón entende o significado de tempo.

Origem Marca Nome comercial Formato

Vitola Apresentação

Nicarágua Padrón

Diplomatico Maduro parejo quadrado (box pressed) Churchill caixa com 25 unidades

Medidas

176,0mm de comprimento por 19,84mm de anel calibrador

Calibre

Grosso (cepo 50)

Força

4/5 (médio a forte)


O mais carioca do Centro do Rio Bem no Centro do Rio, você encontra um restaurante do jeitinho que o carioca gosta: cerveja geladíssima, comida boa e papo agradável.

Todo sábado tem roda de choro das 13h às 16h30, sem couvert artístico. E, para os apreciadores de bons charutos, temos uma área externa especial.

Mas o Adelos não é só isso. Temos cervejas especiais e artesanais de várias nacionalidades e o nosso famoso bacalhau à lagareiro. Você nunca comeu um igual! Além disso, preparamos um espaço exclusivo com três televisores com imagem HD para você e seus amigos assistirem aos jogos da Copa do Mundo conosco!

Temos um encontro marcado com você em volta de uma boa mesa! Esse é o nosso jeitinho carioca de dizer seja bem-vindo!

Rua do Mercado, 51 - Centro / Tel: 2516-1734/2516-1358 Funcionamento: de segunda a sexta das 11h30 às 23h e sábado das 11h30 às 17h

Todos os cartões são aceitos. Não abrimos aos domingos e feriados.


ENTREVISTA

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sérgio cabral Por Mauricio Maia

“Se você quiser conhecer bem o Brasil, é bom ouvir as letras das marchinhas e dos sambas.Você entenderá melhor uma época se conhecer bem a música popular” A frase acima é de Sérgio Cabral, jornalista, crítico e produtor musical, pesquisador, escritor, compositor e um grande apreciador de charutos. Com muito bom humor, Sérgio recebeu a equipe da Revista SDC em seu apartamento em Copacabana, onde mora há mais de 30 anos. “Charuto é uma paixão que tenho. Aliás, sou um cara movido a grandes paixões: a Música Popular Brasileira, o Vasco da Gama e o Rio de Janeiro”, diz ele. Além de um grande retrato de Cartola, a confortável sala do apartamento tem quadros pintados por Nelson Sargento e Heitor dos Prazeres e caricaturas de Lan, o que revela a amizade do jornalista com algumas das maiores personalidades do universo do samba carioca. “Ismael Silva, Cartola, Zé Kéti e Nelson

Cavaquinho faziam parte da minha família. Nós nos reuníamos aqui, nesta mesma sala. Falo deles com saudade, com muita saudade mesmo”, conta o jornalista, com a voz embargada pela emoção. Sérgio Cabral Santos nasceu no Rio de Janeiro em 27 de maio de 1937 e foi criado no subúrbio de Cavalcante, adjacente aos bairros de Madureira e de Oswaldo Cruz, berço da Portela. Começou a frequentar a quadra da escola de samba no início dos anos 1950, passando a fazer amizade com os portelenses. Antes desse contato com o samba, Sérgio revela que havia se encantado com Orlando Silva, cantor já consagrado e de outra geração. “Na época, em razão da minha idade, eu deveria estar gostando de outras coisas,


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ENTREVISTA

mas aquele cantor me fascinava”. Pouco antes do falecimento do festejado cantor, Sérgio o encontrou e teve oportunidade de agradecer. “Estávamos em um evento beneficente e disse a ele: ‘Orlando, não sei se você sabe, mas estou nessa vida por sua causa’. Ele me deu um abraço fraternal. Foi um momento marcante”. Sua vocação para jornalismo começou ainda garoto, quando criou um jornal com alguns amigos no bairro onde morava. “Chamava-se ‘Cavalcante em Foco’. Eu tinha 14 ou 15 anos e escrevia artigos, editava, fazia de tudo”, conta, sorrindo. Mas a carreira profissional de Cabral começou mesmo em 1957, no “Diário da Noite”, o jornal vespertino do grupo Diários Associados. “Eu comecei fazendo reportagem de polícia”, lembra. Embora estivesse vibrando com a vida no jornal, Cabral não ganhava nada como estagiário. Ele conta que a oportunidade de ser efetivado surgiu em uma madrugada, durante o fechamento do jornal. Cabral percebeu que o redatorchefe estava muito irritado. Colocava papel na máquina, batia alguma coisa, arrancava o papel com violência e amassava. Aproximando-se, viu que o chefe não conseguia fazer o título para uma pequena nota sobre o presidente Juscelino Kubitschek, que havia prometido liberar verbas para ajudar uma cidade mineira arrasada por uma enchente. “Fui para a minha mesa, coloquei uma folha de papel na máquina, bati o título e botei na frente dele: ‘JK promete dar o que o temporal tirou’. Ele leu, virou pra mim e perguntou quem eu era. ‘O estagiário’, disse. No dia seguinte, eu estava contratado”. Mas Sérgio queria mais. Queria estar onde todo jornalista queria estar: no Jornal do Brasil. O JB, à época, gozava de um imenso prestígio. “De tanto eu insistir, o chefe de reportagem do JB, Calazans Fernandes, disse que se eu levasse para ele uma matéria para entrar na primeira página do dia seguinte, eu seria contratado. Aceitei o desafio, mas pedi que ele me desse um carro do jornal e um fotógrafo. Ele era um doido e topou”, diz, vibrando. “Eu sabia que a única maneira era fazer uma matéria que chamasse a atenção pela foto, que entrasse pela imagem. Naquela época, o Rio estava atravessando uma grave crise de abastecimento de carne. Não tinha carne em lugar nenhum, nem em hospital. Aí tive uma ideia que poderia dar certo. Entrei no carro do JB e falei: toca pro Jardim Zoológico!”. À direção do zoo, Cabral disse que estava ali para fazer uma reportagem

sobre a profissão de alimentador dos animais. “O tratador me levou para ver o camelo comer, o chipanzé comer. Papinho pra lá, pra cá, o cara todo envaidecido, eu falei: ‘E o tigre? Agora quero ver o tigre comer’. Aí, quando chegamos na jaula do tigre e ele começou a dar carne para aquele animal lindo, olhei para o saudoso Pinheirinho, o nosso fotógrafo, e pisquei. Eu pedia para o tratador: ‘Joga a carne pro alto!’, o cara pegava dois quilos de carne e jogava para o alto, e o tigre saltava, pegava a carne no ar e se refastelava...”. Resultado: a foto do tigre comendo carne não só deu primeira página como ficou em uma exposição no térreo do Jornal do Brasil durante vários anos.


ENTREVISTA

Sérgio lembra que foi no JB que passou a escrever sobre música. “Eu já convivia com os sambistas, por causa da Portela. Mas foi a partir da minha entrada no Jornal do Brasil que a coisa se tornou mais profissional. Antes de escrever sobre música popular, escrevi sobre o Carnaval”, recorda-se o jornalista. Entre 1953 e 1956, um grupo de jovens artistas começou a tocar samba em violão, com uma harmonia nova. Era a bossa-nova que surgia. Sérgio conta que tratou de aproximar a juventude de classe média, bossa-nova, dos grandes sambistas populares. “Houve um grande show em São Paulo, acho que em 1961, na Universidade Mackenzie. Os organizadores, todos estudantes, mandaram um ônibus pegar os artistas convidados do Rio. No mesmo ônibus, estavam Vinicius, Jacob do Bandolim, Aracy de Almeida, Jota Efegê, Fernando Sabino, todo mundo. Jamais vou esquecer aquela viagem”, diz ele. A atitude dos estudantes paulistas contagiou os do Rio, que passaram a organizar seminários sobre música popular na Cidade Maravilhosa. “Foi um momento em que vivi intensamente a história de nossa música. Eu era chamado para falar sobre música em faculdades ou clubes, inclusive no CPC, o famoso Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes (UNE), reduto da bossa-nova. E sempre levava comigo o Cartola, o Nelson Cavaquinho, o Zé Kéti e o Ismael Silva. No fim, encerrávamos com shows

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e os estudantes da Zona Sul começaram a tomar conhecimento desses sambistas”, esclarece. Sobre o Tropicalismo de Caetano e Gil, Sérgio lembra que, no início, o movimento também encontrou resistência. “Acho que ficamos com medo daquelas novidades que estavam começando a introduzir em nossa música popular, como a guitarra. Mas foi um movimento importante, no contexto da época”, conta. Comunista de carteirinha, Cabral aproveita para traçar o papel da música no contexto do Regime Militar. “Digo sempre que foi um dos melhores períodos para a relação da música com a população. Chico, Caetano, Gil, Milton, Paulinho da Viola e tantos outros... Uma geração pós-bossa magnífica, magnífica!”, assinala ele, com entusiasmo contagiante. Em 1969, já como editor político do jornal “Última Hora”, juntou-se a Jaguar e Tarso de Castro para a criação de “O Pasquim”. Aliás, em razão de sua participação ativista no lendário jornal, foi preso pelo Regime Militar. Sobre sua passagem pelo cárcere, que durou dois meses, Sérgio, com seu irresistível bom humor, brinda-nos com um episódio inusitado. “Eu e o Ziraldo estávamos na mesma cela. Um dia, já tarde da noite, um capitão se aproximou e começamos a conversar. O papo era sobre música e, então, ele mandou abrir a cela e pediu que trouxessem duas cervejas e três copos. Depois, mandou que arranjassem um violão.


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ENTREVISTA

Como nem eu nem o Ziraldo tocávamos, ele ficou decepcionado. Aí o soldado que cuidava da nossa cela, meio constrangido, falou que tocava. O capitão autorizou e o soldado pegou o violão da minha mão e me passou a metralhadora!” conta ele, com uma sonora gargalhada. “O soldado tocando violão e eu ali, segurando a metralhadora. E depois o pessoal vem me dizer que não peguei em armas!”, fala o jornalista, rindo muito. Sérgio é casado com a museóloga Magali Cabral, a qual conheceu quando, no início da carreira, cobria as etapas do concurso de Miss Brasil. “Eu gostava muito desse trabalho. Ora, havia festas

e badalação, além das misses, é claro”, revela, sorrindo. Em um determinado evento, o diretor de um clube precisava que alguém convencesse uma menina linda a representar a instituição no concurso e pediu ajuda a Cabral. “Eu fui falar com ela, não consegui convencê-la a ser candidata, mas a convenci a ser minha namorada. O resultado? Três filhos, 10 netos e 52 anos de casados”, conta o jornalista. Eleito vereador pela cidade do Rio de Janeiro em 1982 e reeleito em 1988 e 1992, Cabral ainda exerceu, a partir de 1993, um mandato como conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, no qual se aposentou. Escreveu e publicou, ainda, diversos livros, com destaque para as biografias de Pixinguinha (1991), Tom Jobim (1997) e Grande Otelo (2007). À pergunta de quem seria, em sua opinião, o maior dos músicos brasileiros, Cabral, após pensar um pouco, diz: “Pixinguinha! Além de maior músico brasileiro, foi o maior cavalheiro que conheci na vida. Tem uma história sobre ele que gosto sempre de contar. Sua mulher foi internada com um problema no coração. Ele, três dias depois, também teve um problema no coração. E foi internado no mesmo hospital da mulher. No dia de visitas, ele pedia para que as enfermeiras o vestissem com terno e gravata. E ia visitar a mulher, que estava no quarto ao lado, como se tivesse vindo de casa, para ela não saber que ele também estava doente”, conta Sérgio. Cabral não tem dúvida de que Pixinguinha foi para o céu. Olhando para a caricatura do artista pintada por Lan e pendurada em sua parede, ele diz: “Bem, ele gostava de beber. Não sei se isso atrapalha para entrar no céu. Mas era um santo”, relembra, sorrindo. E emenda: “Aliás, escrevi uma crônica quando o Vinicius morreu em que digo que ele era o terceiro santo da música brasileira. O primeiro era o Pixinguinha, que foi para o céu, sem dúvida. O segundo foi Ciro Monteiro, que também foi para o céu. E o terceiro, Vinicius. Mas o Vinicius... bem, o Vinicius teve muito mais dificuldade pra entrar, com certeza...”, diz o jornalista, com um grande e largo sorriso.


TOQUE DE CHEF

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Gengibre

picante e terapêutico, especiaria é nova aposta da gastronomia moderna

Anti-inflamatório, expectorante, afrodisíaco... São muitas as características terapêuticas atribuídas ao gengibre, planta originária da ilha de Java, da Índia e da China, de onde se difundiu pelas regiões tropicais do mundo. A raiz, que chegou à Europa pelas Cruzadas e no Brasil menos de um século após o Descobrimento, em 1500, tem se tornado cada vez mais indispensável para as variadas criações da gastronomia moderna. Usado como condimento e remédio caseiro há mais de cinco mil anos pela medicina chinesa, o gengibre pode ser facilmente utilizado na cozinha. Além de quebrar a gordura das carnes mais robustas, como pato e carne de porco, proporciona um efeito aromático e picante ao paladar. Seco ou fresco, o gengibre pode e deve ser usado tanto em pratos salgados (assados, ensopados, costelas) quanto em doces. Não só como tempero de um ceviche, por exemplo, mas também para as receitas que usam o peixe cru da culinária japonesa.

Uma das tendências é utilizar a raiz nas sobremesas. O restaurante italiano Il Borsalino aposta no “Sospirare con fragole e Gelato al cioccolato”, conhecido como suspiro de gengibre, para surpreender os clientes. A delícia é elaborada com morangos flambados em licor de laranja, chantilly, sorvete de chocolate e suspiro de gengibre. Assinada pelo chef pâtisserie Robson Santos, a obra de arte pretende ser o ápice de uma experiência gastronômica única. “Misturar o improvável e inovar são minhas maiores marcas. Picante e amargo... O gengibre me impressiona! Na medida certa, proporciona frescor, leveza e sutileza, capaz de enfeitiçar qualquer paladar. Sempre quis incrementar minhas receitas com esta incrível especiaria”, comenta o chef pâtisserie. Il Borsalino: Av. Armando Lombardi, 633, Barra da Tijuca. Reservas: (21) 3485-4200.

RECEITA Ingredientes 200g de clara de ovo 350g de açúcar Raspas de 1 ½ limão 40g de raspas de gengibre Modo de preparo Bata a clara em neve Misture o açúcar Por último, acrescente as raspas de gengibre.


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ONDE FUMAR

Tabacaria Gullo rede aposta em atendimento exclusivo e tem três filiais Foi numa loja do Centro do Rio, há 13 anos, que a Tabacaria Gullo abriu suas portas pela primeira vez. E engana-se quem pensa que o dono do local era um aficionado por charutos. “Meu pai sempre gostou do ambiente das tabacarias, apesar de não fumar. Sempre achou que era algo sofisticado e elegante. Falava que, quando se aposentasse, montaria uma”, relembra Felipe Gullo, à frente do negócio familiar que conta com mais duas filiais: uma em Copacabana e outra na Tijuca. Na Gullo Tijuca, o mais recente empreendimento da família (João, Felipe e Claudia) fomos recebidos com extrema simpatia pelo jovem e dinâmico empresário. Localizada em um dos mais tradicionais bairros da cidade do Rio de Janeiro, a Tijuca, a tabacaria surpreende a todos pelo conforto e pela sofisticação do ambiente, amplo e aconchegante. “Foram vários meses de muito trabalho, mas o resultado foi compensador”, diz Felipe, sem disfarçar a felicidade. A carta de charutos é bem variada e oferece as principais marcas cubanas nas suas principais vitolas. Além disso, conta com os brasileiros, dominicanos, nicaraguenses e hondurenhos – todos acondicionados em um belíssimo umidor walk-in para que o aficionado possa escolher seus charutos com todo o conforto. A cafeteria da Gullo Tijuca é uma atração à parte. No cardápio, o tradicional expresso (longo e curto) une-se a outras bebidas como o cappuccino, o chocolate quente e o imbatível café com leite.

”Buscamos sugerir algo que harmonize com os charutos e sempre primando pela opinião do cliente, claro”, explica Felipe. Já a área de bebidas tem uma carta composta por vinhos, prosecos, uísques, conhaques, cachaças, vodcas, licores e cervejas artesanais. Além dos artigos tradicionais ligados ao fumo, como cachimbos, narguilés e cigarrilhas, o cliente encontra nas prateleiras presentes finos como canivetes suíços, cantis para uísque e jogos de tabuleiro. O atendimento exclusivo ao cliente é uma das marcas da tabacaria. “Em toda a rede, tentamos copiar ao máximo a política do consumidor norte-americano, na qual o cliente tem sempre razão. Queremos que ele sempre fique satisfeito com o produto e o serviço prestado”, esclarece o empresário, que incrementou o negócio com charutos personalizados para casamentos e nascimentos. O local, que também recebe eventos de degustação de charutos e vinhos, é um paraíso para quem realmente gosta desse refinado mundo. Marcas como Cohiba, Montecristo, Romeo y Julieta, Partagas e Bolivar, além das brasileiríssmas Dona Flor, Alonso Menendez, Monte Pascoal, Dannemann e Le Cigar, fazem parte da lista. E o melhor: é permitido fumar no interior e na parte externa de todas as lojas. Tabacaria Gullo Centro: Av.Treze de Maio, 23 – Loja L. (21) 2220-0151. De segunda a sexta, das 8h às 19h30m. Copacbana: Av. Prado Júnior, 48 – Loja C. (21) 2543-5008. De segunda a sábado, das 9h às 20h. Tijuca: Rua Uruguai, 380 – Loja 03. (21) 3495-2723. De segunda a sábado, das 8h às 21h.


ESPECIALISTA/CACHAÇA

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João Luiz Coutinho de Faria Por Luiz Guilherme Ourofino

“O negócio da cachaça vai deslanchar; já está deslanchando.” João Luiz Coutinho de Faria é carioca, nascido em 1941, filho e neto de militares, formou-se em engenharia e trabalhou muitos anos abraçado a essa profissão. Assim, atuando na iniciativa privada e pública, chegou a ser presidente da Finep, uma empresa pública federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Por influência de um amigo de Miguel Pereira, onde já tinha um sítio herdado dos avós, acabou por comprar uma fazenda de cana e se tornou dono de uma das mais festejadas marcas de cachaça do Brasil, a Magnífica. Dono de uma memória espetacular, pai de quatro filhos, sete netos e prestes a completar 50 anos de casado, foi personagem preponderante na mudança da forma de se pensar a respeito de cachaça no Brasil. Esse empreendedor visionário recebeu a SDC em seu escritório, que é um anexo de sua bela casa, em Santa Teresa, um dos bairros mais charmosos do Rio de Janeiro. Bem, para iniciarmos, fale-nos um pouco sobre o senhor. Sou filho e neto de militares e estou com 74 anos. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, ter um pai militar fez com que eu trocasse de endereço algumas vezes. Certa vez, papai se acidentou e precisou ficar mais de um ano internado, chegando a ir para os EUA se tratar. Já meu avô materno comprou um sítio em Miguel Pereira para curar a tuberculose de um filho. O avô paterno da minha esposa também comprou um sítio em Miguel Pereira pelo mesmo motivo. Em Miguel Pereira, conheci a minha esposa. Não se seguiu a tradição militar? Teria ido para o exército também. Eu me matriculei no Colégio Militar e lá estudei até o Científico. Já estava namorando aquela que veio a se tornar a minha esposa e não estava seguro da ideia de ser militar. Bem... Fiz um teste vocacional e me disseram: “Olha, você dá pra tudo, menos para ser militar” (risos). Acabei por estudar e me formar em 1964 como engenheiro. Tornou-se engenheiro. Como foi que entrou para o negócio da cachaça, então? Entrei por acidente. Marcelo, um amigo meu


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ESPECIALISTA/CACHAÇA

que tomava conta de uma fazenda que era de um paulista produtor de cachaça, em Miguel Pereira, inclusive um dos primeiros a fazer cachaça em coluna, tentou me convencer de comprar uma fazenda e produzir a bebida. Eu disse: “Não tenho dinheiro, não bebo cachaça, não tenho tempo, não me interessa”. Passado um tempo, uma terceira pessoa acabou comprando essa fazenda, mas com a intenção de criar cavalos. Era o marido da minha prima. Certa vez, lá no meu sítio em Miguel Pereira, nos encontramos. Eu, meu amigo Marcelo e esse marido da minha prima. Acabamos formando uma sociedade para produzir cachaça. Passados uns três anos, e depois de já termos investido mais de 1 milhão de dólares, comecei a perceber que cachaça era uma furada, pois no Brasil você tinha as grandes

engarrafadoras, empresas com produção de 100 a 200 milhões de litros por ano. Isso inviabilizava o crescimento das pequenas indústrias, sobretudo porque era um mercado muito mal trabalhado. Nessa época, pensei em vender. O negócio chegou a ficar parado durante um ano. Colocamos à venda por 900 mil dólares, mas não conseguimos vender, e o preço foi baixando. Cheguei a dizer para venderem pelo preço que eles quisessem porque eu queria era sair fora. Para minha sorte, hoje, não conseguimos vender. O que aconteceu, então? Nessa época, trabalhava também para o Ministério da Ciência e Tecnologia, na Finep, onde cheguei a ser presidente. Nesse trabalho, eu rodava o Brasil inteiro apoiando o desenvolvimento tecnológico, o que foi muito bom para minha formação empresarial. Após uns oito anos, pedi demissão e resolvi voltar a tocar esse projeto da cachaça. Fui à Escócia entender como era a organização do uísque escocês, fui ao México visitar a organização da tequila, estive na América Central para ver a fabricação de rum... Aí vi que a cachaça tinha tudo para ser um produto no mercado de destilados para concorrer com o uísque, que é o produto mais bem trabalhado. Resolvi comprar a parte dos sócios. A parte deles dois custou 600 mil dólares. A partir disso, o negócio passou a produzir? Não tão rápido. Quando voltei da Escócia, juntei-me a outros produtores, e criamos o Programa Brasileiro de Desenvolvimento da Cachaça. Foi uma zorra danada, porque a 51 e a Ypióca não queriam. Os empresários de cachaça industrial não queriam ser chamados de produtores de cachaça. Cachaça era uma bebida desqualificada. Coisa de “cachaceiro”, de bêbado. Era aguardente de cana. Hoje em dia, todo mundo é “produtor de cachaça”. Nessa época, decidi que não iria mais vender a granel e criei a marca Magnífica. No lançamento desse programa,


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em Brasília, no auditório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) havia mais de 500 pessoas assistindo. Marcos Maciel, que exercia a Vice-presidência da República, comandou o evento. Estavam presentes também Francisco Dornelles, que era ministro da Indústria e Comércio, entre outros ministros. As garrafas que levei para o evento, importei da Itália. Pareciam de cristal. Essas garrafas tinham a marca “Magnífica”, com o escrito abaixo “cachaça do Brasil” e meu telefone. Eu sei que o Marcos Maciel, quando viu aquilo, segurou a garrafa e os fotógrafos fizeram a festa. Saiu na primeira página de vários jornais na época. A história da Magnífica começou assim. Mas e o porquê do nome da marca Magnífica? Minha sogra era uma grande apreciadora de cachaça. Chamava-se Dona Stella. Trazia para ela uma cachaça produzida lá na fazenda em barrica de carvalho francês e, todo dia, ela bebia uma dosesinha. Quando resolvi criar uma marca, eu disse: “Vai se chamar cachaça da Dona Stella”. Porque ela era admirável, era uma mulher de uma postura altiva, imponente, de quem tenho boas recordações. Ocorre que, quando fui pedir o registro, o INPI negou por causa da cerveja Stella Artois. Tive que pensar em outra marca. Minhas três filhas são Ana. Ana Luísa, Ana Teresa e Ana Elizabete. Na Bahia, vi uma imagem de Santa Ana, a avó de Jesus Cristo. Em Tiradentes, um artesão chamado José Divino fazia imagens em pedra-sabão. Devo ter mais de 10 imagens de Santa Ana aqui em casa, inclusive uma de madeira feita por ele. Ocorre que essa imagem de madeira, por ser muito grande, foi parar na fazenda e passou a ser uma espécie de padroeira da fazenda. Quando não consegui registrar a cachaça de Dona Stella, pensei em registrar como Cachaça de Santana. Para completar, tenho um grande amigo que se chama Roberto Santana, um médico parceiro de sinuca. Inclusive percebi que ele depois de tomar umas três doses de cachaça ficava mais fraco nas tacadas (risos). Mas e a Magnífica? Pois é. Num desses jogos de sinuca com o Roberto Santana, mexi com ele e disse: “Roberto, você é tão meu amigo que vou dar teu nome à minha cachaça. Vai se chamar Cachaça Santana. No ato, o Roberto virou-se para mim e falou: Em vez de me homenagear, homenageie a sua mulher”. Minha esposa foi reitora da Universidade Santa Úrsula durante 15 anos e os amigos dela a chamavam de Magnífica. Minha primeira reação foi de negação. Magnífica é muito presunçoso, muito arrogante. Passadas algumas semanas, fui me acostumando com a ideia e, quando perguntava para as pessoas, elas preferiam o nome Magnífica. Foi isso.

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E como foi o início da comercialização da Magnífica? Quando comecei a vender a Magnífica, foi no Armazém do Gomes, aqui em Santa Teresa, que era um armazém de esquina, hoje é um bar, e tinha dois sócios, o Gomes e o Jesus, meu vizinho. Meu primeiro preço da Magnífica estocada em tonéis de ipê de 50 mil litros foi de R$ 6,00 a garrafa de 700 mL. Para se ter uma ideia, outras cachaças eram vendidas para esse mesmo bar a R$ 1,80 o litro. Foi um problema. Onde se consumia cachaça, não queriam pagar seis pratas por uma garrafa de cachaça. Onde se teria poder aquisitivo para pagar as seis pratas não se consumia cachaça. Insisti e conversei com o Gomes, que achava a minha cachaça muito cara. Como disse, ele vendia a dose da cachaça a R$ 0,50 comprando o litro a R$ 1,80. A garrafa de litro dava vinte doses. Logo, ele tinha um lucro de R$ 8,80 em cada garrafa. Eu disse a ele: “Você compra a minha cachaça a R$ 6,00, vende a dose a R$ 1,00 e são 15 doses. Vai apurar 15 pratas e me paga seis. Vai lucrar R$ 9,00, que é mais do que os R$ 8,80 que lucra hoje. Ele me disse: “essa conta eu sei fazer; o problema é que é muito caro, não vai vender”. Não desisti. Propus o seguinte: “Eu vou dar de graça uma caixa com seis garrafas. Você vai vender por R$ 1,00. Se não vender, você não vai comprar outra. Se vender, você compra outra caixa e me paga a segunda. Se você disser que não quer nem de graça, é porque não quer que eu venha aqui e encha o saco. Vou embora e não volto mais. Resultado: não aceitou de graça e me pagou as seis pratas por garrafa. Como eu moro perto do bar e rodava a Zona Zul e o Centro todo dia querendo vender, ia lá quase todo dia. Num sábado de manhã, passei por lá e vi um cara bebendo cachaça. Me aproximei e perguntei que cachaça era. Ele me disse que era 51. Perguntei se ele conhecia a Magnífica. Ele respondeu que sim. Perguntei se gostava e ele disse que sim. “Então, por que não bebe?”, perguntei. E ele me disse: “Porque é muito cara”. (risos) Então, não adiantou todo o esforço? Jesus morreu. O do bar (risos). Assumiu o Ricardo, filho dele. Logo percebeu que aquele negócio, do jeito que estava, não tinha futuro. Um dia, veio aqui nesse escritório e me comprou dez dúzias de Magnífica e queria que eu comprasse dele um monte de outras cachaças que ele tinha lá e não queria mais vender. Emprestei uma barrica de castanheira e recomendei que jogasse essas cachaças na barrica, esperasse uns cinco meses pra ela melhorar e vendesse como cachaça da casa. Essa barrica está até hoje lá (risos). Houve muitos episódios como esse, não? Levou tempo. Fui para a Zona Sul do Rio de Janeiro.


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ESPECIALISTA/CACHAÇA

Ipanema, Leblon, Copacabana. Ninguém comprava. Fui num restaurante de bacana em que eu já havia estado uma vez e conversei com o comprador. Ele abriu o bar e me mostrou uma garrafa de cachaça barata e disse: “Até tenho cachaça. De vez em quando, aparece um maluco que quer cachaça. Mas ninguém bebe cachaça aqui. Só uísque”. Não tinha ideia de toda essa dificuldade, mas, pelo que vemos hoje, deu certo. Foi um por um. Lembro de uma vez, no restaurante Garota de Ipanema, com aqueles mesmos problemas de preço para vender... O português Manuel Capão era o proprietário do restaurante e de mais outros dois, o Vinicius Bar e o Galeto´s Grill. Consegui convencê-lo de que poderia ser um bom negócio para ele. Mais adiante, ele foi à minha fazenda e passou a comprar direto. Assim como ele, o mercado passou a entender melhor o conceito de cachaça e essa máquina engrenou. Que produtos são fabricados na Fazenda Magnífica hoje? Hoje, a Magnífica tem quatro rótulos de cachaça. A Tradicional, que fica em tonéis de ipê; a Envelhecida, que fica em barricas de carvalho; a Reserva Soleira, que também fica em barricas de carvalho, porém por um processo diferenciado; e a Safra do Ano. Para entender melhor, a Reserva Soleira tem um processo de envelhecimento criado na Espanha. A cachaça não fica estacionada numa mesma barrica durante todo o processo de envelhecimento. A soleira é a prateleira do solo. São oito prateleiras. A cachaça

entra na prateleira mais alta e, a cada cinco meses, desce um degrau até chegar à soleira, 40 meses depois. Já a Safra do Ano não é envelhecida. Percebi que o produto recém-destilado, mas bem destilado, tem um resultado espetacular. A única coisa que faço é reduzir o teor alcoólico de 50% para 40%, adicionando água mineral levíssima, que tem baixo teor de sal e tenho lá na fazenda. Essa cachaça está vendendo cada vez mais para restaurantes para o preparo de caipirinhas. Algum novo projeto em mente? Quero, quando morrer, ter deixado o negócio da cachaça bem estruturado. Não é o meu negócio, e sim o negócio cachaça como um todo. Mas isso quando morrer. Hoje, penso em iniciar a produção de dois novos produtos. Um é uma cachaça ainda mais envelhecida do que a Soleira, em barris de carvalho francês. Para ficar uns cinco anos em processo de envelhecimento. Já o outro produto, é fazer uma cachaça blend. Até hoje, não existe uma cachaça blend. Tem cachaça industrial e de alambique. A ideia é ter uma parte de alambique, outra de coluna e algum envelhecimento. O resultado vai ser uma cachaça mais barata do que a de alambique e muito melhor do que a de coluna. Para terminar, recomenda algum drinque para nossos associados harmonizarem com charutos? Pode dar a receita? Bem... Além das puras, especialmente as reservas, gosto muito de um drinque muito simples que faço: 1 dose de cachaça; 1/3 de dose de Drambuie, uma casca de limão torcido e gelo. Fica ótimo com charutos.


MEMÓRIAS DE FUMAÇA

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Por Kerry A. Joseph

meu caso de amor

com o puro

Minha primeira memória da densa fumaça cinza-azulado de um puro cubano foi na noite de Natal de 1999, quando dirigia junto com meu amigo e compatriota George Barry Jr. de Scarborough, capital de Tobago, rumo à minha cidade natal, Castara. Fomos encontrar amigos que estavam ansiosos por minha chegada para dar início às festividades. O Natal é intensamente celebrado em Trinidad, especialmente em Tobago. Nessa época do ano, mesmo antes do dia 25 de dezembro, a ilha é inundada de festas, com comes e bebes em abundância. Já se passaram quase 15 anos desde aquele dia memorável e, embora eu tenha fumado muitos charutos em outras ocasiões sublimes e raras, não existe momento como o presente, quando se tem tempo para deixar tudo de lado e degustar um puro cubano. Durante o período de 2006 a 2009, na maioria das vezes, eu compartilhava esses momentos com meu querido amigo francês Numa, cujo hábito de fumar foi adquirido de seu falecido pai. Assim, tornou-se também um hábito para nós, que percorríamos as tabacarias da região dos Jardins em São Paulo para degustar as maravilhas de Havana. Naquela época, Numa adorava, e ainda adora, os Cohibas robustos enquanto eu estava apaixonado pelo Partagas D4. Embora aqueles dias tenham passado, foram substituídos pela adoração que alguns dos diretores do Banco Bradesco tinham pelos puros. Em nossos encontros de imersão em inglês, sempre nas noites de sexta-feira, era convidado, junto com outros colegas, a participar de memoráveis sessões que duraram por, aproximadamente, 6 meses e me proporcionaram o verdadeiro batismo no vasto mundo dos charutos cubanos. Essas reconfortantes noites, acompanhadas por bebidas requintadas (vinho, conhaque e vinho do Porto), abriram meus

olhos e deram grande impulso em direção aos incríveis puros. No fim desse período inesquecível, fui presenteado com uma caixa de 10 charutos, dado por um aluno muito especial (Sr. Tévez), como uma recompensa pelo trabalho duro e pela significativa interação social. Foi o marco na minha história de amor com os Habanos S.A! Isso no ano de 2010! De algum modo, toda vez em que fumo um charuto, parece uma nova descoberta, como se fosse a primeira vez. E assim aumenta cada vez mais meu apreço pela fina arte de fumar. Em 2013, fiz minha primeira peregrinação à terra sagrada dos puros e estava munido de uma lista de Casas Del Habano e de bares para visitar. Fiquei super-entusiasmado e ainda mais fanático pela história dos puros, desde a semente ao produto final. Nesta etapa da minha vida, conheci novos amigos na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro – também apaixonados por charutos. Com eles, aprendi, experimentei e passei momentos memoráveis apreciando vários bons puros. A série de momentos descritos homenageia essa inesgotável maravilha que não me permite escolher entre uma marca específica ou vitola, embora eu aprecie o El Rey Del Mundo Choix Supreme, o Partagas 898 e o Série E No 2, o clássico Romeo y Julieta Churchill e, especialmente, o Diplomático No 2, o qual conheci há apenas um ano e meio e que simplesmente adoro. Até onde sei, todo charuto tem sua própria história para contar, como todo ser humano, peça de teatro ou partida esportiva. Degusto o meu com ou sem companhia e com um copo de alguma magnífica bebida. Após escrever este texto, será um Partagas Salomones e uma dose ou duas do incrível rum Angostura 1919. Sagrada fumaça!!!!

Kerry A. Joseph é professor de inglês CELTA, nascido na ilha de Tobago, em Trinidad e Tobago, no Caribe. É também contador e aficionado por charutos. Texto original em Inglês. Tradução livre por Simone Vieira de Mello Marques


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