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COLUNA

AGORA TODOS SÃO INFLUENCERS?

Há dias em que me sinto exaurida. Quero postar um poema sem pensar em engajamento, algoritmos, compartilhamentos. Só literatura. Meu trabalho, minha arte. Que não é ser “influencer”

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por: JARID ARRAES ilustração: SAMANTHA MASH

Encaro a tela do celular enquanto sinto meus olhos secarem. Eu não sei o que fazer. Não tenho fotos novas, esgotei o estoque de momentos fofos dos meus pets, acho tudo desinteressante, não tenho nada para compartilhar. Mas tenho que compartilhar. Postar, promover, esperar engajamento. Quando foi que virei “influenciadora”?

Como escritora, preciso das redes sociais para divulgar meus livros, eventos e outros trabalhos literários. Foi assim desde o começo, quando eu ainda era uma autora independente e dependia somente de mim para vender um livro por vez usando as redes sociais como plataforma. Foi graças à minha habilidade com as redes sociais que consegui fazer esgotar um livro de estreia que nunca esteve em qualquer tipo de livraria ou loja. Sozinha, eu lutava bravamente para registrar pagamentos, fazer envios pelos correios e manter as redes sociais ativas, sempre alternando entre pedaços de mim e a divulgação literária. Alguns bons anos depois, me vejo na mesma situação. Não importa se estou numa das maiores editoras do país e meus livros estão em muitas livrarias, eu ainda tenho que divulgá-los, fazer fotos bonitas com suas capas em evidência, compartilhar trechos que as pessoas possam achar interessantes. Muito mudou e pouco mudou. Eu preciso ter presença online.

Há dias em que me sinto exaurida. Eu quero postar os livros que leio no tempo que leio, às vezes deixando que descansem na cabeceira da cama, sem prazo para terminar. Sempre a pressa da produção de conteúdo. Eu quero postar um poema sem pensar em engajamento, algoritmos, compartilhamentos. Só literatura. Meu trabalho, minha arte. Que não é ser “influencer”.

Reconheço que muitas pessoas esperam de mim um certo tipo de ação influenciadora. Querem saber o que estou lendo porque confiam nas minhas indicações; querem ver o que estou comendo, porque se interessam pelos gostos de quem elas gostam; querem saber como é a rotina de quem escreve (spoiler: é um porre) e querem se sentir próximas. Eu também quero me sentir mais próxima das pessoas que leio, gosto e admiro. Eu também espero que elas me mostrem um retrato bem enquadrado de suas vidas.

Ultimamente muitas das minhas amigas, escritoras ou não, estão reclamando das redes sociais. Para elas também a coisa toda se parece com funções acumu-

ladas. Quem inventou que psicólogo precisa produzir conteúdo pra rede social? Quando foi que o trabalho de criar arte virou também o de criar um feed estimulante, cheio de vídeos fazendo dancinhas e apontando para palavras flutuando na tela? Nada contra dancinhas, tenho amigas que dançam. Mas eu não quero.

E as redes me punem por não querer e não fazer, limitando o alcance do que mais me importa que chegue até outros dispositivos. Meus livros, os contos publicados em antologias, essa coluna que você está lendo agora. Porque não entro nas novas tendências métricas calculadas automaticamente manipuladas das redes, sou punida por elas. Parece que estou num relacionamento abusivo com meu Instagram? Parece que assinei um contrato sem ler e agora estou encarando as consequências.

E por mais que eu ame estar em contato com quem me lê – eu realmente amo a aproximação com os leitores – eu também preciso fazer as coisas com paciência. Divulgar livros que li, com paciência. Indicar obras listadas, com muita paciência. Quero ter uma presença online que reflete aquilo que desejo para minha vida, não o que o contexto atual demanda de todos os profissionais, especialmente os liberais. Eu não sei ser “influencer”, eu só sei ser escritora.

Adianta bem pouco escrever um texto como este se não mudamos a nossa percepção e aceitação desse fenômeno. Nós somos parte de uma trama muito maior e muito bem entrelaçada e somos consumidos pelo que consumimos. Muita gente tem “recebidos pagos” (como se em algum momento existissem os tais “recebidos gratuitos”) e “para quem perguntou onde comprei” (uma pessoa perguntou e as vezes nem isso). Um comportamento viciado que também é uma expectativa mordendo a própria cauda. Uma emulação do que é ser um influenciador, um criador de conteúdo, um profissional, e não alguém que gosta de fotos do almoço e imagens de gatos bocejando. Será que todos nós queremos ser e temos que ser influenciadores?

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