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Ponha suas mãos na minha: um loop
from Revisa USO #2
by revistauso
Texto de Maria Rosalem Ilustrado por Bruna Saidz
Na ilha do Renascimento, Tasha bota ovos cósmicos fecundados pela única serpente sobrevivente do ninho que atacou os filhos de Laocoonte, o dono da antiga Divinos Pães. Desses ovos explodem galáxias gêmeas e estrelas lésbicas, suando a nitroglicerina que preenchem devidamente seus buracos inóspitos. Tasha carrega, em pequenas garrafas pet recicladas, venenos que realçam um gosto amargo ao qual chamamos de angústia. E as deixa escondidas pela ilha para turistas estadounidenses levarem como souvenires. Uns a pingam na comida, outros a tomam para permanecerem sem dormir, e uns poucos a dissolvem naquela matéria de fumaça fibrosa dos sonhos, ou etc.
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As galáxias gêmeas, agora crescidas, foram apelidadas de Rafaéis e recebem alta cotação para exportação, enquanto as estrelas lésbicas posam de costas para os mímicos sem dedo mindinho que, como elas, preenchem seus buracos com algum tipo de apaziguador. A esquina dos mímicos é conhecida pela prostituição de modelos vivos e de crianças presas nos quadros de Velásquez.
As ideias habitantes da ilha recebem o então convite intergaláctico de Deleuze para a celebração renascentista do ano: o lançamento da nova paleta da Pantone. Melancolia chega na festa como uma chuva cinza e atrasada, mas entrega a Tasha o que de mais precioso necessitava: as chaves da zona abissal, enroladas em um papel de seda azul. Há séculos Tasha as procurava em vão. Geralmente essas chaves eram encontradas quando se cortavam as conexões entre os lobos esquerdo e direito do cérebro, sob pedido registrado do consultório do dr. Leucipo. Enquanto Clonazepam distrai os convidados servindo raiz de flor de lótus em conserva, Tasha vai até a último andar pelágico e testa a chave.
Há pouca luz por aqui, eu mesma nunca havia provado o gosto desse sargaço.
O fundo oceânico é então invaginado para fora, salientando um novo ovo, imerso em uma substância prata, líquida e grossa. “Cut the circle” – escuta-se do ovo. Inúmeras massas geométricas negras escorrem do céu, e, feito um tigre faminto babando vento, fomos todos engolidos por um mundo nascente.