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Lugar Comum

Texto de Drump Goo Ilustrado por Miri Lee

1.

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O rapaz vestido elegante possível se limpou um pouco da poeira acumulada em seu paletó e jogou a poeira no lugar reservado para a poeira. O rapaz vestido elegante possível observou a mulher vomitar. A mulher bem gorda vomitava e eu a assistia com muito interesse. Eu observava suas tentativas fracassadas de segurar de disfarçar e de esconder seu vômito acumulado no chão.

A linguagem infecta e crio uma parede de barulho para me proteger da lingua gem e percebo que o barulho também é linguagem e quando ele para, sou lançado a um vazio. O lugar que queria chegar é aqui:

Os pedreiros da janela acenam para mim implorando por ajuda porque foram abandonados ou se perderam no meio da construção que se arrasta até o horizonte. Que durará a vida inteira, minha e a dos pedreiros. Que atingirá o infinito e renovará a ruína quando estiver pronta e nós estivermos mortos. Serão nossos túmulos. Os pedreiros acenam para mim e imploram por comida qualquer coisa mesmo. aceno de volta sorrindo. sou gentil e delicado. não me considero melhor que os pedreiros. aceno de volta para os pedreiros e resolvo abandonar meu apartamento que tem vista para a construção e para os pedreiros-náufragos. ainda no meu apartamento sinto o cheiro de carne humana na fogueira e sinto nojo.

a linguagem infecta e tento me livrar dos resquícios de linguagem e quando tento te explicar isso você finge que entende mas em seu livro você escreveu com paralavras que não diziam nada e eu disse: bem legal, mas não fui honesto de verdade. As paralavras aumentam e aumentam e aumentam e aumentam.

Pós-humano, o rapaz elegante-possível se levanta e sai de seu apartamento porque alguém chama por ele. O rapaz elegante-possível tenta ser um dândi miserável.

Os dândis miseráveis se reúnem para beber sempre no mesmo lugar e ficam todos sujos e inchados e um deles vomitou nos próprios pés outro dia. Os vômitos são uma constante porque todos personagens aqui estão um pouco enjoados, tanto pela escolha de palavras quanto pela velocidade quanto pela repetição quanto pela narrativa ver-ti-gi- -no-sa, como foi classificada. É um enjoo ficcional, uma tentativa de se desprender do óbvio e do comum e do antigo e do dominante mas é também um enjoo de reconhecimento de se perceber igual e usando dos mesmos artifícios, só que pior.

O rapaz elegante-possível está bem bêbado e começa a falar de si mesmo. O rapaz elegante-possível sempre fala de si mesmo mesmo quando fala dos outros. Ele soluça e inventa uma nova história de sua infância. Uma vez derrubou um pedaço de miojo em um disquete que continha um jogo em DOS e esta é sua primeira lembrança da infância: o miojo seco no disquete. Impossível de tirar sem destruir o disquete e impossível de usar sem tirar o pedaço seco de miojo. O rapaz elegante-possível (na época o menino elegante-possível) começou a lamber o disquete em desespero: seu primeiro sentimento: desespero.

Derrubam um prédio recém-erguido porque não era exatamente como o planejado. Como toda a cidade está em reforma ou construção, todos vivemos no mesmo arranha-céu. Da minha janela assisto à construção e aos pedreiros implorando por comida e nós, condôminos, esquentamos água e atiramos nos pedreiros, que gritam em dor e satisfação.

Os dândis miseráveis tentam brincar de juventude, mas já se sentem velhos demais. Outro dia eles deram uma festa. Você estava lá na festa e disse que estava se divertindo bastante e dançou uma música com aquele cara que não é nem um dândi miserável nem um pedreiro então talvez fosse da força policial e depois você me disse que isso nem significava nada. que eu não estava fazendo muito sentido. Eu disse que você entendia finalmente e me atirei da janela. Você pintou um quadro bonito sobre isso e eu não sabia que você era artista.

As marteladas são altas e incessantes. A obra dura vinte duas horas por dia e sempre ao redor do prédio em que todas pessoas da cidade dormem. Portanto ninguém dorme. É uma técnica da construtora para atrair voluntários.

Os policiais me param e me perguntam para onde estou indo e eu digo a eles e eles me perguntam se quero carona eu digo que sim, quero e eles dizem sobe aqui e eu agradeço.

Um policial começa a puxar assunto. Ele pergunta que faz menino bonito aqui na rua a essa hora. Respondo que estava só pegando uma carona com os policiais bonzinhos que me ofereceram carona para chegar onde eu pretendia. Ele diz que ele é responsável pela segurança de todos na cidade e que se não fosse por ele talvez a cidade estaria um caos. Ele me diz também que policial significa alguma coisa de polis e polis significa cidade em grego. Eu fico impressionado que um policial como ele, tão cheio de obrigações e deveres, tenha tempo para estudar grego. Ele diz que os gregos acreditavam que o corpo e a mente compunham uma unidade, e que a falha em uma dessas partes comprometeria a outra. Assim eles cunharam a máxima; corpo são, mente sã. Eu digo que minha mente é bem ruim e que meu corpo é destruído de nascença. Ele pergunta por que eu mostro a ele meu terceiro mamilo e explico que é por isso que estou indo na exposição de aberrações. Os policiais choram por mim e me desejam boa sorte quando nos despedimos.

A linguagem compromete. A linguagem revela. A linguagem esconde. Eu sempre escrevo contra alguém. É sempre pessoal.

Um homem arrasta um outro homem entre as ruínas. Ele vai até a parte que só é iluminada por uma fogueira. A fogueira está dentro da casa e não consigo saber o que acontece lá. Ouço gritos. O ritual está completo e eu estou longe.

Em um diário escrevi meus planos para o futuro. Eles consistiam em evitar de qualquer forma o futuro. Nesse diário também fiz uma lista de todos os meus defeitos. Tudo o que está escrito no meu diário é mentira.

O rapazelegantepossível escreve com batom no espelho do banheiro feminino que ele é machista. Escreve também uma lista de seus crimes. Escreve também alguns de seus segredos. O rapazelegante-possível deixa o banheiro depois de ter cagado sem dar descarga.

A igreja em ruínas é implodida e todos da cidade vão lá para ver a implosão e depois pegam pequenas lembranças. Um bebê chora. O museu prédio histórico queima à noite e as pessoas da cidade vão lá cantar de mãos dadas uma elegia ao passado. A prefeitura da cidade fica no 104º andar do arranha-céu em que moramos. O prefeito da cidade se masturba no terraço e sua porra fertiliza nosso chão.

Repito as mesmas histórias. Repito as mesmas cenas. Não faz diferença porque apenas eu leio o que escrevo em segredo.

Um parque é inaugurado e ele tem carrinho de bate-bate e pula-pula e roda- -roda gigante. Na montanha russa um menino tem a cabeça decepada e todos começam a se preocupar com as normas de segurança. Quando vamos visitar o parque eu e você comemos algodão-doce e eu te conto como me sinto feliz no parque divertido de diversão. Você diz que é só uma ilusão provocada por certo hedonismo capitalista e eu concordo gravemente. Mas ainda assim sorrio bem largo o mais largo que posso e sinto toda a dor do mundo em meu coração. Depois me tranquilizo e me acalmo e você diz que já está bem longe que me abandonou aqui e que vai ficar lá. Completamente sozinho me sento ao lado do menino que foi decapitado. Eu acaricio o cadáver do menino decapitado e tento recolocar sua cabeça no lugar. Tudo está tranquilo. A paz impera em nossa carne quando nos divertimos.

A

Verdade

É que não sei exatamente como vou chegar onde quero chegar quando quero chegar. Sei de algumas coisas alguns pontos alguns objetivos. Sei que está confuso tudo isso, mas é tudo parte do plano. Acredito que algumas iluminações sobre passados e outras sobre futuro se realizarão: o leitor se prepara para o futuro:

O rapaz elegantepossível futuro fuma um cigarro e anota no computador o que ele viu no dia. O rapazelegantepossívelpassado viu: um homem derrubar um poste com um machado e gritar madeira quando poste caiu destruindo energia elétrica do bairro; o poste por uns segundos ficou balançando pendurado nos fios de outros postes por alguns segundos então caiu arrebentando tudo; um avião informando que ele não devia perder e não podia perder alguma coisa que ele (rapazelegantepossível) não sabia o que era; manchas surgindo no corpo todo reação alérgica da dedetização e desratização ocorrendo como projeto para diminuir os insetos e ratos do centro da construção que costumam destruir parte da construção e atrasam ainda mais a transformação em ruínas; uma lembrança que o rapaz elegante possível não conseguia descobrir de que época dele sentado com alguém em um lugar que não existe mais e uma lembrança de um momento de felicidade e de alguma esperança em alguma coisa que ele não sabe que é; o desespero pela ausência da lembrança nítida; um velho conhecido; uma pessoa que ele odeia; um menino sem braço oferecendo a ele (o rapaz) uma bituca de cigarro malfumado;

Os neofascistas tentam me convencer que não são nazistas enquanto esta mos sentados em círculo conversando. Os neofascistas se defendem da acusação de racistas mostrando a cor de sua pele e juram espancar qualquer um

independente da cor e ou gênero. Os neofascistas me mostram um taco de basebol que eles usam para espancar homossexuais. Os neofascistas me explicam que eles não querem matar todos os homossexuais da cidade porque isso daria muito trabalho eles apenas desejam assustá-los para que os homossexuais da cidade pensem em se mudar. O líder dos neofascistas não tem um olho e não usa um tapa-olho e eu comento para ele que se eu não tivesse um olho eu usaria um tapa-olho porque ficaria legal e eu pareceria um pirata. Ele me explica que não usa tapa-olho porque é muito pobre e não tem dinheiro para comprar um bom tapa-olho e que tapa-olho de segunda mão pode causar doenças irrecuperáveis. Os neofascistas me mostram agora suas coleções de canivetes e um dos canivetes está cheio de sangue seco e eu pergunto de quem é o sangue seco. O líder dos neofascistas diz que não tem certeza. Os neofascistas me dizem que nunca desenharam suásticas na pele de ninguém os neofascistas me mostram seus símbolos e são símbolos que não representam nada nem para mim nem para eles. Eu cumprimento os neofascistas um por um dizendo foi um prazer, mas preciso ir embora e eles dizem foi um prazer, mas melhor você ir embora. Eles se reúnem ao redor de uma fogueira embaixo de uma ponte e fazem uma saudação à romana para mim que respondo fugindo o mais rápido que consigo.

Me sento com o mendigo e ele me oferece um gole da bebida que ele está bebendo eu bebo e sinto minha garganta queimar. Digo que achei bem forte e peço mais um gole e a faço uma cara feia e ele (o mendigo) ri de mim. Começo a ficar triste porque ele riu de mim. Bebo mais um gole e faço outra cara feia e desmaio. O mendigo me abraça ternamente e nós deixamos nossas misérias ocuparem o espaço do corpo um do outro.

Na minha boca habita um cheiro horrível e ele começa a tomar conta dos meus pensamentos.

Minha vida tem girado ao redor do ralo ao redor do esgoto ao redor de algumas imagens.

Esvaziado de sentido atravesso a festa em que as pessoas dançam e bebem e derrubam suas bebidas e se beijam e se alisam e comunicam entre si pequenos segredos existenciais. Esvaziado de sentido chego ao banheiro e no meio do meu mijo percebo um cara se masturbando no mictório. Fico olhando sem reação. Esvaziado de sentido lavo minhas mãos após o cara gozar. Esvaziado de sentido retorno à festa e sinto a música e sinto a música e sinto a música. Esvaziado ouço falarem. Eles falam. Comentam coisas que viram. Uma menina viu um parque ser demolido e um velho ser atropelado e uma explosão que tomou todo o céu então viu o homem que podia impedir isso tudo de acontecer abnegar qualquer ação. Um menino viu uma mulher voar e tomar um tiro no meio do ar e aí ela cair lentamente até conseguir recuperar seu eixo de gravidade e voar ainda para mais longe e voar ainda mais para longe. O cara que batia punheta viu um par de pernas e uma polpa de bunda. Um apresentador de tevê viu o homem que podia impedir tudo de acontecer. O cara que viu o homem que podia impedir tudo de acontecer era um apresentador de tevê famoso. Ele ficava na esquina antes do hospital no décimo nono andar e apresentava a tevê para qualquer um que passasse. Como todos ficamos doentes pelo menos três vezes

por ano sempre víamos o apresentador de tevê. Minha última doença foi porque não coloquei a máscara a tempo de o caminhão raticida borrifar em mim quando eu passava na rua. Eles têm a seguinte teoria: qualquer um que não colocar a máscara a tempo é um rato ou merece a morte.

Meu cheiro horrível na boca é sentido por todos e ninguém mais chega perto de mim não adianta explicar que o gosto é causado pela minha alma morta.

Toda vez que me deparo com um registro seu começo a duvidar mais da sua existência; toda vez que você registra uma ação sua, tenho certeza da sua falsidade da sua artificialidade da sua completa e total inexistência; toda vez que você narra sua experiência reconheço sua ingenuidade seus limites; toda vez que vejo você mas você não é você e sei que demorou três horas para criar esse registro percebo sua artificialidade seu vazio; toda vez que enxergo seu sorriso sei que ele não existe; toda vez que você mostra que está em algum lugar eu sei que este lugar está deserto; toda vez que você exibe sua nova coisa favorita aprendo a odiar algo novo; toda vez que você existe você deixa de existir toda vez que você existe você não existe toda vez que você existe você tenta se esconder. Você existe apenas no curto prazo em que ninguém está olhando. De zero a vintedois segundos na solidão completa você existe e ninguém pode te confirmar isso. A menina se atira de cima do prédio e atinge o chão em um impacto terrível que causa desespero a todos. Todos se comovem com a morte da menina infeliz de oito anos. Todos choram um pouco reunidos ao redor do corpo destruído pela queda. Um homem adulto usa seu aparelho de captura de imagem audiovisual para registrar a menina morta embaixo da saia dela. Outro homem adulto imita-o. Todos em círculo começam a registrar a imagem da menina morta e se masturbar. Uma velha esfrega os peitos moles ao mesmo tempo que geme bem alto e artificiosamente. Um velho fica mostrando a língua para mim e eu não sei o que responder. Começo a me afastar. De costas. Poucos passos depois todos estão trepando um com o outro em cima do corpo espatifado da menina de oito anos infeliz. Seu sangue coagula na calçada. Na lama de sangue e porra mais um corpo cai antes que eu perca o prédio de vista.

O rapaz elegante possível está há dias na rua. Semana passada ele foi confundido com uma construção e quase foi detonado na explosão que liberou o espaço para a futura-avenida. O rapaz elegante possível se desespera de leve. Só o suficiente para ficar vivo. Ele bebe um pouco, quando encontra bebida, e come um pouco, quando encontra comida. O rapaz elegantepossível passou um tempo vivendo com a gangue neofascista e com os três outros. Os três outros são lenine trotsqui e estaline. São três irmãos filhos de guerrilheiros comunistas que trabalham em parte da construção. lenin, o mais distraído, uma vez acertou a cabeça de trostsqui com o martelo enquanto pregava uma parede e trotisqui, o mais irritadiço, respondeu com um croque no cucuruto de lenin, que com o dedo em tesoura acertou os dois olhinhos de trotisqui que rapidamente correu até a parte em que deixa as tortas e atirou mas lenine agachou com velocidade e a torta pegou bem na cara de estaline que acabava

de chegar e, mais autoritário, resolveu colocar ordem na casa, puxando os dois irmãos pelas orelhas e dando uma martelada na cabeça de cada, sem perceber que estava pisando em uma mangueira ligada, fazendo com que a água se concentrasse ao seu redor e explodisse, foi mandado para bem longe quando a mangueira não pôde mais segurar a pressão da água. Acabou com os três encharcados com partes do corpo presas em cimento recém-colocado e tristes os três outros. Os três outros não ligavam para os jovens neofascistas mas se incomodaram bastante com a presença do rapaz elegante possível. trotisqui estaline e lenine abriram uma votação para expulsá-lo de lá e graças a inação geral do resto foi possível depor o rapaz elegante possível de sua presença no lugar.

OS NEOFASCISTAS ERAM TODOS FORMADOS POR GENTE DE UM BRAÇO SÓ OU GENTE DE TRÊS BRAÇOS OU GENTE DE DUAS CABEÇAS OU GENTE SUPERGORDA OU GENTE COM PELOS POR TODOS OS LADOS OU GENTE COLADA A OUTRA GENTE OU GENTE MUITO MUITO BAIXA OU GENTE MUITO MUITO ALTA

O homem ordena que eu pare.

Ele diz que parece poesia e isto deveria ser prosa. Um texto de prosa. Um romance. Eu digo que sim é prosa. O fio narrativo: o rapaz elegante possível é um dândi miserável que vive na ruína impotente tenta se masturbar duas vezes ao dia; a ruína cresce; os dândis miseráveis tentam sobreviver de compaixão; os outros personagens existem e falam. Os neofascistas saem por aí caçando dândis miseráveis e políticos antigos e mulheres indefesas. Os dândis miseráveis não conseguem resistir e desaparecem na ruína. Os dândis miseráveis se tornam dândis esfomeados. O paidefamília sai de dentro do corpo do dandimiserável e começa a criticá-lo:

Meu pai escolheu meu nome com base no i-ching. Meu pai costumava indicar aos seus clientes investimentos de sucesso a partir do i-ching. Meu pai era o homem mais rico da região e por isso o elegeram rei.

Como príncipe eu tinha vários amigos quando crescia. Nossa diversão prin cipal durante o início da adolescência era ir ao shopping. No shopping nossa rotina iniciava na bookstore, em busca de um mangá pornô não lacrado. Ao encontrar o mangá pornô não lacrado andávamos com ele rapidamente embaixo do braço procurando um lugar vazio em que pudéssemos lê-lo. Não ler de verdade. Era escrito em japonês. Mas folheá-lo com pressa e atenção fixando as imagens na cabeça e alisando suavemente nossos paus. Isso nos colocava no espírito de dar voltas fixas por todo o shopping. Então, era hora de ir à tabacaria. Comprávamos cigarros de enrolar para enganar os seguranças que estávamos fumando maconha. O segurança batia em nós e nos liberava quando eu mostrava a ele minhas credenciais de príncipe.

Meu pai, o rei, se aproximou de mim enquanto eu me masturbava no sofá da sala. Meu pai, o rei, perguntou se eu não pensava no futuro. Meu pai, o rei, esperava ouvir uma resposta. Meu pai, o rei, declarou que eu deveria ser negado por todos e buscar exílio dentro de mim porque não sabia o valor do trabalho. Eu deveria meditar até reconhecer o valor do trabalho.

O rapazelegantepossivel caminhava despreocupado entre os escombros do último bombardeio anotando o número exato de corpos que encontrava. Ele estava despreocupado porque não havia ninguém observando. Estava despreocupado que o bombardeio foi bem em cima da cabeça dele onde ele morava e ele sobreviveu. Era tudo vazio de sentido. A bomba destruiu o sentido e significado de tudo. A bomba explodiu o sentido. A bomba transformou a linguagem em nada. A bomba reduziu tudo a sua existência primal. A comunicação ficou impossível.

gravei um filme sobre tortura. eu colocava voluntários em diferentes tipos de tortura e perguntava-lhes sobre coisas que eles não sabiam responder. eles inventavam respostas; enfiava eles no paudarara e batia nos pés e nas bundas e nas mãos e dava socos na cara e beijava as bocas deles e depois colocava eles de quatro e enfiava coisas nas bundas deles e mijava neles e depois abraçava e dizia que vai ficar tudo bem eu juro é pelo nosso bem. eu entendia a dor e sofrimento deles mas era preciso terminar meu filme. meu filme ganhou um prêmio do júri e meu filme ganhou um prêmio do público. fui para casa carregando dois prêmios. meus pés doíam e minhas mãos late javam. minha consciência era forte mas não um incômodo. eu sabia de tudo: todos os segredos daquelas pessoas. eu sabia de tudo que eles escondiam deles mesmos. eu sabia até o que deixei de fora do filme. eles, depois de vinte dias de tortura, aprenderam me amar pelo que sou. aprenderam a respeitar minha arte e admirar o meu caráter. alguém chegou até apontar como era bem-sucedido meu uso de humor e autoconsciência em minha obra. minha casa nunca ficava mais perto e não parava de chover. eu tinha que carregar um prêmio em cada mão e começou a ficar pesado. eu tinha vintecinco anos e tinha passado dois anos torturando pessoas. eu tinha revelado a humanidade nua para o mundo poder ver e agora era aplaudido em pé mas não conseguia lembrar o caminho de casa. encontrei uma caçamba e joguei nela o prêmio de público. mais leve comecei a correr sob a chuva que não terminava e me molhava e molhava o prêmio e o deixava pesado. tirei meus tênis. tirei minha camisa. tirei minha calça e continuei a correr. eu corria pelado e em círculos pois reconheci a caçamba e meu prêmio na caçamba. eu corria como um louco e cada vez mais e cada vez mais rápido e era um artista então tudo bem

se me prendessem. comecei a torcer para que a polícia me prendesse. esperei por horas a punição divina. e

Não era bem assim, a história.

Isso é velho. Enfio a cabeça para fora da janela. Sinto a chuva na nuca e leio em voz alta um velho livro velho livro velho e nele há explicação e me torno o que leio minha consciência se volta contramim:

Lembre-se que precisa ser desenvolvido. Além disso, se você nasceu, a sabedoria começa no nascimento e na morte. Por dois motivos: você precisa de um método diferente primeiro. Primeiro, sou um artista. O autor morreu em cada área. Estou montando um cavalo ou um cartão novamente. Além disso, Moisés, você e eu não estamos mortos. Mas para a CNN estamos.

Matéria em si: chuva – chuva, sua constante é estável.

No final do som, penso que os pensamentos não mudaram com a minha língua.

Ao lado do cemitério: “Eu sei, verdade para mim”. Me diga qual é a sua essência? Eu perdi outra perda perdida em sua carta adorável. Para os homens o céu é um paraíso sombrio, nuvem azul escura e morta. Todas essas coisas são terríveis e aterrorizantes, porque a dor é sua personalidade. Completado; preço da morte. Não é isso.

Ele abriu uma aldeia na aldeia. É por isso que você não está preocupado nem um pouco alto. Mas eles começaram e pararam. É atrasado e chato como o atraso atrasa. Eles virão para mim. Nove ou dez tribos, e a irmã de Sabrina e a filha da filha.

Note que não é anônimo. Este é apenas o pai. Claro, nós chamamos isso. Por favor, deixe-me amar você e não deixe. Horrível horror da morte, mas não o meu próprio. O meu próprio horror é.

É um segredo só nosso.

NA LOJA:

Escolha todas as tragédias e outros itens. Mas não seria necessário dizer que essa mulher é anônima e mulher. Abra sua boca, olhos e altura. A mulher triste tem pelo menos 50 anos.

Um gênio requintado parecia um viajante. E os restos – eu não consigo imaginar ser mulher. Os restos da costa africana agora... Os restos e eu mulher, eu mulher africana nos restos, nas costas me banhando no mar. Enviando ao mundo um recado:

Primeiro você morre em paz. E as mulheres caem e ficam confusas.

O som de uma faca é ruim. Juro pela entrada da cela da Zona da Morte. O barco perdeu minha consciência nas ondas. Lá se encontram os restos. Lá se encontra meu corpo. No oceano onde me joguei.

Com Amor, corpo moral,

Ele acabou de ficar sujo, pegou pneumonia e morreu. Pneumonia. Nosso negócio nos ajudará a obter ideias, ou seja, as mais altas ideias, as melhores ideias. Seremos ricos. Claro que ele não acredita, porque não tem leitura. Mas isso é verdade: eu estou lá

Abra um pequeno negócio para um juiz:

Seguindo as orientações do autormorto decidi me tornar homem de negócios. Não mais dândi miserável ou vagabundo de ruína. Me tornei pai de família e homem de negócios. Com muitos negócios na minha mão, o juiz me garantiu a mão de sua filha. O juiz era um exemplo de honestidade e hipocrisia. Com um casamento garantido e amor eterno como certeza, comecei a engordar e me relacionar melhor com o poder.

Fiquei gordo e contente e comecei a ser respeitado como homem de bem e comprei uma arma e aprendi a atirar para me proteger e porque era divertido. Às vezes eu ficava horas na minha sacada praticando tiro ao alvo em pessoas de pouca importância. Minha esposa, apreensiva, me olhava e não dizia muito. A polícia chegou alguns minutos depois e me levou embora. O barulho incomodou a vizinhança.

A inverossimilhança a falha em continuidade é intencional. Diz o crítico tentando justificar o interesse naquela obra. Você pode ver que é uma recusa do raciocínio. O absurdo e erros gramaticais formam uma linguagem pura que tem seu valor no sentido de opor ao comum ao banal. É uma literatura de inteligência média, mas com dedicação na lavratura. Lavratura. Lavratura. Lavratura. Era essa a palavra?

Vomito em meus próprios pés e percebo que estou um pouco enjoado.

3.

O dândi miserável elegantepossível se levantou e vestiu suas calças de ginástica. Cortou maniacamente seu cabelo. Até esse cabelo deixar de parecer cabelo. O dândi miserável então escovou os dentes com cuidado e colocou uma jaqueta pois nevava lá fora.

A neve era uma anomalia porque a cidade era tropical e costumava só chover e então nevou e continuou nevando e os rios congelaram e as pessoas começaram a se tornar esquimós. Um urso polar foi atacado dentro do prédio e sua família jurou vingança.

O dândi miserável decidiu que era hora de ir embora mesmo sabendo que por conta da maldição que a cidade jogava em todos seus habitantes era impossível ir embora. O dândi miserável preparou sua mala que continha um livro de poemas uma maçã uma escova de dentes um manual de instrução para construir seu próprio computador uma minigramática uma fotografia de quando ele se sentiu feliz uma fotografia de quando ele se sentiu infeliz e uma cueca. Ele colocou fogo na mala para poder sobreviver ao frio e acabou sufocando em gás carbônico no que classificaram como uma tentativa fracassada de suicídio e foi mandado para a ala de suicidas fracassados no hospital psiquiátrico.

Eu continuei na ruína por mais vinte dias e

o mundo chegou com tudo.

Pavio Humano

Texto de Mariana Pougy Ilustrado por Layla Cruz

nem quatro cavalos cem metros de corda me tiram das mãos a textura tua

nem quatro cavalos ou cem metros de corda me tiram das mãos a textura tua

nem quatro cavalos e cem metros de corda me tiram das mãos a textura tua

nem quatro cavalos com cem metros de corda me tiram das mãos a textura tua

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