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Chuveiros Telúricos Cromoterápicos Lúmen Quântico 3100

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Manifesto Gráfico

Manifesto Gráfico

Chuveiros Telúricos Cromoterápicos Lúmen Quântico 3100

Texto de Santiago Segundo Ilustrado por Bruno Café

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Nós todos voltamos a olhar para o pátio da propriedade, da mesma maneira que se observa uma nuvem de fumaça distante, esperando a chama. E realmente logo vimos cavaleiros entrarem pelo portão escancarado – Franz Kafka, A batida no portão da propriedade.

(BOLETO: 02399.67925 567700.001801 82508.001018 8 74650000010000). o amarelo e o verde intercalam em velocidade média de três piscadas de olhos, ou dezenas de olhos piscando, nas Con dições Normais de Temperatura, Pressão, Genética & Bem-Estar Social. na outra metade do chuveiro retangular de alumínio enrijecido e inoxidável, configura o vermelho do fígado exposto de Prometeu, um tanto mais resplandecente – é claro –, com rápidas interrupções aleatórias de roxo, azul, magenta e cor-de-burro-quando-foge. nos céleres momentos de quase breu – pois os feixes de luz ainda assolam o interior dos infinitesimais universos das gotas de água –, as partes do todo perdem-se e trombam nas dimensões do cômodo e transpiram imersas no vapor da água quente: fossas nasais, sovaco, cantos dos lábios, pequeno triângulo de carne entre a esclera e o saco lacrimal, pele, pregas do rabo, gengiva, couro cabeludo, escroto, cotovelos, poros e o resto do pacote – que não foi listado por falta de paciência ou criatividade. as propriedades dos novos Chuveiros Telúricos Cromoterápicos Lúmen Quântico 3100 estão atentas à nulidade parcial das teorias da física clássica sobre as cores e o proveitoso estudo quântico sobre a alma. o 3100 está prestando atenção em você. o peso de uma alma mutilada é o mesmo de uma alma alegre. o peso de uma alma assassina é o mesmo de uma alma filantrópica. por isso, acreditamos que somente o equilíbrio interno do corpo é o agente definidor da singularidade, do âmago. não basta uma categoria, não basta um nome. conceba uma cadeia de eventos: basta pensar, basta uma expressão, basta um ato; um ato. o que não é o comportamento humano senão a exceção de uma ideia? a prática-cromoterápica-telúrica-do-bem-estar-quântico é o principal método conhecido de reprogramação cerebral. é o que dizem. a luz não detém todas as cores exceto no interior da alma humana. é o que me disseram ontem, na praça central, zona sudoeste (Latitude 1° 31’ 19’’ Sul & Longitude 29° 14’ 58’’ Leste). pra quem vê de fora, o banho colorido com diodos emissores de luz anda bem. em algum momento é inevitável que o rosto de Severino busque a própria nuca em um movimento penoso para qualquer mandíbula convencional. a fileira dos dentes inferiores transpassa os limites verticais, rompe em direção aos cenhos franzidos, e a feição primata é convincente. os enclaves da alma, da lama, da pele, da rele, da carne, da tarde, dos ossos e dos olhos triunfam, a imagem é um convincente estudo de um autorretrato ou de um retrato, seja ele de Jorge, de Augusto, do Papa, do Papa Augusto, de uma Cabeça Desassociada do Pescoço ou de Severino. fecha a torneira. escuro. a fresta sacana, oriunda da borracha flácida da janela velha, libera agudas correntes de vento. as solas dos pés, anexadas ao passo, batem na água do chão e produzem estalos. os azulejos reverberam os estalos. no mundo real, que passa longe de ser ideal mas passa perto de ser irreal, ou seja, claustrofóbico, estigiofóbico, teofóbico, asimmetrofóbico, monofóbico, biofóbico, microbiofóbico, fobofóbico, tiróglifo, apócrifo, petróglifo, compulsório, transitório, obrigatório, premonitório, persuasório, aleatório, notório, precatório, e como não, satisfatório, ninguém encosta em ninguém. o senso do tato se dá pela pressão exercida entre corpos. corpos não ocupam o mesmo lugar. a sensação do tato é a força de um corpo contra o outro, a repulsa entre corpos. logo, fica clara a necessidade e a responsabilidade

de fornecer à alma os louros da existência por meio da antrosopofia – foi o que disseram anteontem, ou concordaram, aquelas oitenta bestas enjauladas menos vinte cinco. menos vinte e cinco. com os pés na água, Severino começa a sentir frio no escuro, sozinho, exilado em seu próprio banheiro pelo término da sarabanda em compasso acelerado das luzes dos novos Chuveiros Telúricos Cromoterá picos Lúmen Quântico 3100. sai do banheiro, pega seu celular (BOLETO: 03345.69925 582356.001801 34508.001048 8 75650000010000) de cima da cerâmica do vaso sanitário e vai em direção ao quarto. acende a luz. domingo, onze horas da noite. aturdido com o rumo que a vida toma e com a velocidade indiferente da mesma, Severino senta em sua cadeira de couro artificial preto, de frente à câmera de seu computador comprado há quatro anos (BOLETO: 03399.69925 587700.001801 85108.001018 8 74650000010000), e observa uma esfera escura de baixo da unha de seu dedo mindinho. uma pequena parcela de tudo o que é descartável. Severino, ainda molhado, gruda no couro artificial e as gotas escorrem pelo seu corpo até encontrarem o chão revestido por carpete violeta. mantêm-se na mesma posição por alguns minutos, absorto, olha para a parede e para as saliências das demãos malfeitas de tinta cinza, até surgir repentinamente na tela de seu computador a imagem de sua tia-avó, sorrindo em um dia de neve. Severino, Todas As Amizades São Únicas, Mas Algumas São Simplesmente Especiais. Vocês Se Tornaram Amigos Há Cinco Anos! Comemorem Juntos A Amizade Entre Vocês: Compartilhe! Jandira Lins está morta há quatro anos e oito meses, vítima de um derrame cerebral que a deixou em estado vegetal por pelo menos dois meses. Severino navega pelo perfil de sua tia morta e encontra diversos comentários, conversas e recados enviados, a maior parte nos feriados santos. ao que sugerem as diversas imagens recentemente compartilhadas, a tia Jandira está praticando esportes radicais na Cordilheira dos Andes. além da filha mais velha, Cléo Lins, que, assim como Deus, é designer, a família toda é também muito apegada a Jandira e leva em conta a imagem da pessoa querida nas redes-sociais. envolto por uma nevoenta mescla de saudade e culpa por estar vivo, Severino se levanta, pega o seu celular e caminha até a cozinha. serve-se com abundância de um copo de refrigerante de coloração laranja com uma grossa camada superior de espuma violácea. na porta da geladeira, observa o imã com a imagem de São João Nepomuceno, Padroeiro e Primeiro Mártir do Selo da Confissão. pregador na corte de Venceslau IV, foi confessor e diretor espiritual exclusivo da rainha. imbuído pela vertigem do ciúme, o rei ordenou João Nepomu ceno a contar-lhe as confissões de sua esposa. em nome da privacidade, padroeira do sigilo e da propriedade da imagem pessoal, João Nepomuceno recusou a condição de dedo-duro. foi torturado e seu corpo foi jogado de cima da famigerada Ponte Carlos, em Praga. em certos meios científicos e fóruns especulativos ainda há embates calorosos para definir se o corpo torturado foi arremessado já sem vida da ponte, ou a morte efetivou-se por afogamento nas águas turvas do rio Vltava. sob forte apelo dos fiéis, em 1721, o Papa Inocêncio XIII beatificou-o. após uma análise minuciosa dos restos mortais do, agora Santo, João Nepomuceno, um médico e dois cirurgiões registraram que a sua língua, após séculos de vermes em pleno exercício, mantinha-se não somente incólume, mas rosa como o cu de uma puta virgem. o cu de uma puta virgem, sussurra Severino, seguro da solidez de suas paredes. o despertador do celular apita. onze horas e quinze minutos. Severino vai em direção ao quarto, coloca uma cueca e senta em frente ao seu computador. acessa sua conta bancária (46856680-9 / 0815) para ver se está tudo certo com o débito automático mensal (BOLETO: 02879.69925 564300.001801 85543.001018 8 72450000010000). está tudo certo, como sempre. todos os domingos por volta deste horário, Severino tem uma sala privada por uma hora com Eyline_22k. até onde a pesquisa caminhou, Eyline_22k é poliglota e vegana. cursou Direito durante dois anos, se afundou num relacionamento tóxico com um empresário do ramo da hotelaria, trabalhou por dois ou três anos em viagens de cruzeiro pela costa nordestina e alimenta uma intensa afeição imagética por Chihuahuas da Pomerânia, já que sua genética lhe consagrou com um sistema imunológico que reage anormalmente ao pelo canino. ainda quando criança, ao que tudo indica por volta dos quinze anos, classificou-se para

a Olimpíada Nacional de Programação Intensiva. aquela mesma competição que foi cancelada por motivos escusos de corrupção passiva & ativa nunca investigados, no núcleo do mais alto escalão da VI Franquia Terceirizada de Administração Estudantil Especializada em Juventude Índigo (FTAE²JI). agora, trabalha todas as noites como camgirl enquanto procura um emprego com um bom salário e com horário maleável. seu perfil profissional diz: 29 anos, não quero ser e não sou apenas uma garota que trabalha por detrás das câmeras, sou amante, amiga e confidente. um pouco ansioso por este momento íntimo frente à câmera, como demonstra sua respiração, Severino acessa o endereço e, olhando para a pequena janela com a sua imagem ao vivo, arruma o cabelo ainda úmido. ao ser filmado pelo computador, a sua pele mostra-se homogênea, graças ao acúmulo de gordura e poeira no vidro externo da câmera, e o seu rosto torna-se um tanto mais redondo, o que lhe dá um aspecto mais saudável e agradável. Severino discorda deste último apontamento. por alguns minutos, procura o seu melhor ângulo, tenta remediar a sua imagem submetida ao pesadelo curvo e arruma a postura das mais diversas formas como um condenado faria aos olhos da multidão. Severino pode mexer o polegar opositor no escuro, no barro, sob a luz do sol, ou até sonhar em uma noite de horror, não adianta: é o tipo de criatura que não alcança nada além de uma ínfima quantidade de respostas aos estímulos mais crus. pelo menos tem algo para chamar de seu. para um olhar atento, a visão frontal da lente de uma câmera é muito semelhante à planta estrutural do Panóptico. as celas, organizadas uma ao lado da outra, formam diversos anéis equidistantes dispostos em andares. esses anéis são as lentes sobrepostas, cuja diferença entre as dimensões dos vidros, metais e plásticos formam desenho semelhante às alas, corredores e paredes. o espaço vazio no meio desse conjunto cilíndrico é por onde caminha a luz, ou a ausência dela, é por onde o indivíduo ou o objeto é formado como imagem, ou não. ridículo e parcialmente satisfeito, Severino encontra o seu melhor ângulo, onde a luz da tela ilumina um terço de sua face, e mantêm, em alguma proporção, a completude de seu rosto em segredo no programa noturno de domingo. transmissão de um anúncio obrigatório. câmera fechada em uma boca, que diz com voz feminina: não sai daí, meu namorado Basílio Coito Agridoce vai contar, logo, logo, o seu segredo. câmera aberta, som no fundo de uma mulher gemendo, casal trepando na posição Meia-prensa. close na rola de trinta e quatro centímetros de Basílio Coito Agridoce penetrando sua parceira, voz masculina ao fundo: o meu segredo é o Gel Libido, o novo produto que vai aumentar drasticamente a sua peça e triplicará a quantidade de ejaculação. fim do anúncio. Eyline_22k entra na sala privada. no limiar da tela de Severino, envolta pelo quarto cinza pouco mobiliado e com um carpete violeta, rompe um outro quarto, um quarto iluminado por uma luz azul-bebê, repleto de adesivos fosforescentes de Saturno, Netuno e Urano, animais de pelúcia rosa e garrafas vazias de bebidas alcoólicas importadas. no primeiro plano, metade de uma cama vazia. paisagem sonora: música eletrônica: batida em compasso lento com elementos de natureza permeados por um sino agudo e distante. Eyline_22k aparece, apoia o cotovelo na cama e posiciona seu corpo lateralmente. a camiseta larga amarela-desbotada, estampada com a ilustração do rosto de um apache, percorre seu corpo até o começo da polpa do traseiro redondo. as coxas nuas levemente arrepiadas formam singelo desenho de cauda. os peitos são grandes e os mamilos estão marcados por debaixo do pano. o cabelo tingido ao nível do branco, levemente bagunçado, mistura-se com seus olhos com lentes de contato roxas e aproxima-se da boca carnuda com um batom vermelho semelhante ao sangue de Holofernes, decapitado por Judite no quadro de Artemisia Gentileschi. o microfone de Severino produz um ruído contínuo, mesmo assim o diálogo começa: boa noite, minha linda, estava com saudades / eu também, uma semana é muito tempo, devíamos nos encontrar mais vezes, gosto de ficar perto de você, conversar / eu também. desde que começamos a nos encontrar os dias têm sido melhores. é bom ter uma mulher como você ao lado / então o que me diz sobre mais dias juntos, querido? / vamos pensar, tenho tido pouco tempo na semana por causa do trabalho. as demandas estão aumentando / você não tira folga nunca. você precisa relaxar mais, não acha? sentir mais prazer comigo / está tudo

bem. temos que trabalhar duro se queremos construir algo bom. temos que ser os nossos próprios patrões, donos de si. e você, fala pra mim, como está? / estou bem, obrigada por perguntar. em meio ao silêncio das teclas, de frente para a sua tela, Severino afasta os dedos de seu teclado e procura mergulhar nas írises roxas de sua companhia noturna, que olha para a sua própria câmera numa tentativa esteticamente bem executada de sedução. morde os lábios, suspira, mescla a feição grave de uma mulher dominadora com o ar ingênuo de admiração, coça despretensiosamente os pés e vaga rosamente parte para o lado interno das coxas. Severino encontra os olhos de sua companhia, olha através do outro, que em algum momento tenta olhar nos olhos de Severino, que estão abaixados, pois procuram na tela, e não em sua câmera, os olhos de Eyline_22k. diante essa assimetria, Eyline_22k retoma o diálogo: o que você quer fazer hoje? algo especial?/ tem algo em mente? / poderíamos beber algo juntos para começar? um clima romântico... Eyline_22k sai de sua posição original, fica de costas para a câmera, de quatro. está sem calcinha, a camiseta escorre até o começo do cóccix. seu ânus, rosa nas extremidades e roxo nos caminhos rugosos das terminações nervosas até o orifício, está bem visível através da câmera e dá uma leve contraída. abaixo do ânus, saem da buceta carnuda dois lábios compridos, escuros, e do meio deles, do interior do corpo, surge |_1|\/|B0: um fio de borracha de coloração salmão – com os respectivos caracteres marcados em sua extensão – que tremula no quarto azul-bebê com os adesivos de Saturno, Netuno e Urano. Eyline_22k se levanta da cama e some da imagem. Severino corre até a cozinha, enche um copo com uma vodca comprada numa promoção há dois anos atrás (BOLETO: 02477.67725 237700.001801 23108.222018 8 56770000010000) e preenche com refrigerante laranja de espuma violácea. volta para o quarto segurando com uma mão a rola e com a outra o copo. Eyline_22k já está de volta. formada na tela de Severino, segura uma taça de vinho tinto. está de cócoras, sorrindo. entre as pernas, a carne de sua buceta um tanto espremida, molhada, com o fio do |_1|\/|B0 para fora. Eyline_22k retoma a conversa: vamos brindar? / ao que você quer brindar, meu amor? / quero um brinde ao seu sucesso, quero que você alcance todos os seus objetivos no trabalho e na vida / você me faz feliz / você merece esse brinde, meu lindo, sua luta deve ser recompensada / você me excita / te excito como, meu lindo? / me excita quando você passa a língua entre os lábios / assim? Eyline_22k acaricia os lábios do sangue de Holofernes com sua língua. a luz de sua tela promove certo brilho na boca úmida, enquanto dá um gole de seu vinho. Severino, com o sangue inflando o sem-ombro, dá um gole em seu copo e retoma a conversa: exatamente assim, como um anjo / sinto tesão em saber que te dou prazer / posso te fazer uma pergunta, minha pititica? / sempre! / você gosta de frio? / como assim? / quero dizer, você já foi para algum lugar muito frio? / quanto frio? onde eu moro sempre faz um pouco de frio / estou falando de neve / nunca vi neve, meu lindo, por quê? / estava pensando numa coisa nova. você tem roupa de frio, algum agasalho que serviria na neve? / acho que sim, querido / você pode fingir que está no frio para mim? / claro, vou pegar o casaco / tire a camiseta, fique só de casaco / vou apro veitar e ir no banheiro, rapidinho. Eyline_22k sai da tela. Severino fuma um pouco do seu cigarro eletrônico (BOLETO: 04987.60245 131111.001801 29990.222018 8 56234000010000) munido com essência de baunilha tostada, e se masturba vagarosamente. provavelmente está a elucubrar imagens complexas de Eyline_22k urinando em diversas superfícies animadas e inanimadas. Severino se retorce em sua poltrona de couro preto, morde seus beiços macilentos e entrega-se à química sobrenatural de uma imaginação febril. há algum tempo que Severino pesquisa sobre urofilia, contudo, com sua rígida rotina de trabalho, nunca levou para frente a maioria de seus interesses, nem mesmo o suicídio. Severino para de se masturbar e respira. toma um gole de sua vodca com refrigerante de laranja e espuma violácea. com um casaco verde escuro, revestido por dentro com lã de carneiro, Eyline_22k volta ao seu quarto azul-bebê, joga para longe um bicho de pelúcia e volta na posição de cócoras em cima da cama. pega sua taça de vinho, dá mais um gole e mexe levemente no cabo de borracha do |_1|\/|B0. Eyline_22k fecha os olhos, geme e volta à conversa: você parece um pouco cansado. está

bem, meu lindo? / estou. estava pensando em você. estava mexendo no meu objeto / no seu objeto? / na minha peça / ei, seu egoísta, por que não faz na minha frente? / claro que faço, você está me testando? / um pouco não faz mal. gostou do casaco? / você está linda, maravilhosa. um anjo / e agora? / você está com frio, minha gostosa? / um pouco? / finge para mim que está com frio! / estou com muito frio, está nevando lá fora! / você está na Sibéria? / estou perdida na neve! / você tá na Cordilheira dos Andes? / estou, estou onde você quiser! / está nevando por aí? / estou perdida na neve, estou com medo. preciso de alguém para me fazer companhia / você é muito gostosa, eu te amo / me ajuda está frio aqui! / minha linda, se afunda nesse casaco, quero seu corpo arrepiado na neve, seu casaco protegendo um de seus mamilos, apenas um de seus mamilos, o outro está um pouco roxo, com frio, quero ver seu corpo arrepiado na neve, quero esquentar o seu corpo e te dar prazer muito prazer! / vamos, meu amor, vamos, me dê pelo menos um pouco de você, eu preciso de você, por favor, meu amor, eu te imploro, está muito frio! / eu sou seu. Eyline_22k dá o último gole de vinho. está com as costas apoiada em seu colchão e com as pernas abertas de frente para a câmera. Severino deposita (BOLETO: 09377.60333 139021.705481 29110.222018 8 56222230019400) o valor de quarenta reais para o consolo |_1|\/|B0 de Evylin_22k vibrar durante trezentos segundos dentro dela. com a mão no pau, Severino observa a cena, memoriza cada instante o seu amor, regozija-se com o dilema em sua frente. Eyline_22k, com o |_1|\/|B0 vibrando em seu interior, geme alto, as veias de sua garganta engrossam, grita, ela treme de prazer enquanto se envolve na prodigiosa atuação termodinâmica. sua buceta respira como um imenso pulmão, toda a carne vermelha, do interior ao exterior, dilata, recua, dilata, recua, dilata, recua. suas axilas umedecem, suas pupilas dilatam, Eyline_22k aperta seu clitóris, movimenta-o em círculos, com a outra mão aperta o próprio seio escondido debaixo do casaco. um primeiro orgasmo, um esguicho curto. Severino ofega, volta a morder seus lábios macilentos. então se debruça na mesa, encurva suas costas para se aproximar à tela, para chegar perto da imagem composta pelos cheiros-líquidos-bactérias-hálito-suor-urina-flúidos-gozo-carne-corpo de Eyline_22k. ele espreme seu cacete com sua mão direita, pra cima, pra baixo, pra cima, pra baixo. sua pressão cai. transpira como um cavalo, como um animal exaurido e difamado por uma longa caminhada inútil na esteira. Severino esporra no chão e desaba em sua cadeira. os trezentos segundos acabam e o |_1|\/|B0 para de vibrar. Eyline_22k continua pressionando seu clitóris, e, após algum esforço, esguicha pela última vez. os dois recuperam as forças. Eyline_22k retoma o diálogo: valeu, meu lindo? / estava ótimo, como foi pra você? / mágico, devíamos fazer mais vezes com esse tipo de atuação. gostei da neve / na verdade gostaria de tentar uma coisa nova semana que vem / pode falar / você, por acaso... / sim? / você por acaso faz xixi na frente dos outros? / podemos combinar, podemos olhar juntos a tabela de preços na próxima semana / ótimo, só não conte para ninguém, por favor / como faria isso com você, querido? / foi ótimo hoje / ainda temos mais algum tempo / sim, um pouco / alguma novidade? você parece melhor do que semana passada... falando mais... algo de novo? / pra ser sincero, sim, acabei de lembrar. comprei algo que está melhorando completamente a minha vida. sou um novo homem / o que? / é uma espécie de terapia nova, ajuda a nos entendermos como gente / que interessante, um remédio, meu lindo? / não, remédio não ajuda no fundo. é um chuveiro novo, ele é cientificamente aprovado por especialistas, ajuda a equilibrar nossas energias com luzes medicinais / mesmo? / sim. ajuda a equilibrar nossas energias. estava na internet de bobeira esses dias quando apareceu o anúncio para mim, de repente. comprei para testar e desde então estou cada vez melhor, estou me sentindo melhor. Severino levanta satisfeito e enquadra a caixa do chuveiro na câmera de seu computador, escrito em fonte Magmawave Caps “Chuveiros Telúricos Cromoterápicos Lúmen Quântico 3100”. ele volta a digitar: outro dia mesmo conversei com meus amigos sobre esse novo chuveiro, mandei a foto da caixa para eles e escrevi um texto. eles se interessaram... é uma aquisição mesmo... um deles ficou até com um pouco de inveja / acho que eu vi algo semelhante outro dia, algo numa notícia / estou muito satisfeito com esse investimento / lembrei, querido. outro dia vi uma notícia que essa empresa, a empresa que

faz esses chuveiros está sendo processada / como? / um processo ecológico, pelo o que me lembro / é sério? / sim, um processo ecológico ligado à poluição de água / puta merda / que foi? Severino se afasta da mesa. anda de um lado para o outro em seu quarto. Eyline_22k: ei, relaxa, não é nada demais. Severino fecha a tela do computador. coloca a caixa do Chuveiros Telúricos Cromoterápicos Lúmen Quântico 3100 de canto. desorientado, vai até o banheiro, coloca seu celular por perto e gira a torneira do chuveiro. senta no chão ainda úmido. o amarelo e o verde intercalam em velocidade média de três piscadas de olhos, ou dezenas de olhos piscando, nas Condições Normais de Temperatura, Pressão, Genética & Bem-Estar Social. na outra metade do chuveiro retangular de alumínio enrijecido e inoxidável, configura o vermelho do fígado exposto de Prometeu, com rápidas interrupções aleatórias de roxo, azul, magenta e cor-de-burro-quando-foge. as bestas vão reagir. o céu abre todos os dias. o que dirá o seu pequeno circuito íntimo de oitenta e tantas bestas menos vinte e cinco? menos vinte e cinco. Alfredo Tilápia, CEO do Gerador de Frases Aleatórias [Magnus Opus: “Certas pessoas são como nuvens, quando somem o dia fica sem nuvens”], provavelmente utilizará de todos os seus ardilosos meios para difamar Severino, principalmente depois do ocorrido de duas semanas atrás, quando debateram sem nenhuma possibilidade de resolução, na frente de todo o grupo da rede, sobre a evolução dos Ornitorrincos se tratar de um evento unicamente possível graças ao Efeito Borboleta. após breves argumentos já se insultavam com a soberba de Nero e um maquinário profícuo de “seu arrombado”, o que os afastou prontamente do debate. por longos dois dias, mesmo que distantes um do outro, o atrito não foi perdoado e gerou ranço, sentiram-se com uma presença infinita ao lado: o peso incorpóreo de um irmão siamês abandonado na sala cirúrgica, ou de uma perna amputada. o que dirá então Aprígio Camurça, amigo de Severino há três anos, vice coordenador do Acelerador de Pequenos Processos, amante incontrolável de oxigênio? o que dirá o pequeno rosto de Edward Mordake, logo ele, que nunca teve um nome, que pode muito bem ter sido tomado erroneamente como o mensageiro de pensamentos suicidas de seu próprio hospedeiro? a jovem professora Balsanufa Lobre, tão rigorosa com os milímetros excedidos na grafia de seus pequenos alunos, como vai relevar seu âmago pedagógico e o futuro da nação frente a tal comportamento? para além destas imagens vivas, tão vivas, o que pensará a respeito disso Silvinha Perdigoto, sua namorada imaginária na adolescência, coveira nas horas vagas, amante dos grandes feitos e encantadora de serpentes profissional? isso para não falarmos de Cléo Lins, a deusa prodígio da família, exímia arquiteta de anagramas, indústria humana de alto rigor técnico para Bancos de Imagens Gratuitos, como ela poderia agir perante tal desgraça senão com o desprezo por meio de um silêncio assassino e familiar? ainda restam todos os outros, os nomes não citados. restam os desconhecidos. uma fileira deles, uma multidão sem rosto. há sempre a esperança que um desses desconhecidos clame por piedade, mas só porque a piedade é fruto da hierarquia. nesta tempestade de merda, Severino exila-se como um imbecil em seu próprio corpo. a água quente é expelida pelo chuveiro, a fumaça está distante. uma vertigem oriunda de um ponto único, sem fim. neste ponto configura-se o vermelho de Prometeu com sua fenda aberta para todas as bestas. uma situação na qual Severino não dispõe de nada, definitivamente nada para fazer. as garantias e os direitos esvaeceram-se em prol do número exponencial de testemunhas. qualquer tentativa de explicar-se, de redimir-se, é o artifício perfeito para destrincharem seu comportamento, para avaliar cada pedaço de sua personalidade – seja a avaliação pertinente ou não. acabo este relatório com um breve parecer: não venho como protagonista, tampouco como narrador, categoria mais que antiquada. a forma mais radical de intervenção é a observação ativa. Severino está num canto, submerso em seu banheiro, e parece desconfortável. o rosto procura a própria nuca, ou algum buraco que valha, e a expressão de condenado é absoluta.

Um e-mail departamental

Texto de Marcelo Moreschi Ilustrado por Gabriel Roemer

A Espírita do Ocidente

psicografará de dentro da nossa biblioteca

(para provar que as letras iluminam sempre a

sacroSSanta

cruz da autognose do nacional mesmo quando falta

luz elétrica)

sua mais nova obra à la mode

parnasoMarxismus

Tietê, Tejo, Sena, Pinheiros, Ribeirão das Pedras e Água-Chata: a cândida iluminação das várzeas redux

por meio da gravação tocada de cor e ao contrário dos textos do philosophe favorito dos presentes e à escolha A Espírita do Ocidente

esclarecerá

usando também galhos tropicais mirrados

como o externo vira interno por trás e pelos olhos e com quan†os ésse-ésses se escreve

sociogloSSia

e se funda uma diocese

entretanto

A Espírita do Ocidente

também demanda Luzes Cruzes em seus cachos e ajuda da instituição-sede-incorporada para entender como

Dialética Negativa Europeia e Missão Eurologocêntrica

dormem na mesma cama

etapista civilizatória ou então ao menos um erramos nas datas em que nascemos e em que publicamos e no tamanho das maiúsculas no uso das palavras

crítica teoria

nas placas comemorativas e nos times da firma e nos atos cívicos do planalto de Piratininga A Espírita do Ocidente

teleológica e empenhadamente em busca de sua nova morada em terras incivilizadas e póstumas

logrando sempre por designação superior gerar uma tradição de herdeiros eleitos e identificados pelo triângulo da

SSociabilidade

como pressuposto mais relevante do sentido garantia da prática tardo-escolástica de domesticação de i legibilidades

será convidada com delicadeza a participar de um workshop individualizado oferecido pelos atuais futuros hospedeiros hospedaria humilde humano

quando poderá aprender a desnaturalizar os pressupostos das suas duras raízes e secos galhos infrutados

o que certamente tornará (todes torcem esperançoses é preciso que se diga) mais agradável o papo com os pares d’Além-paróquia (ie., o mundo) nos encontros das guildas

além da vantagem adicional de talvez poder fazer honra e jus a seus heróis e santos e traduzi-los para outros idioletos para além dos cacoetes do aparelho sinto muito

things fall apart the center cannot hold

e será ensinada ainda a não usar seu ranço Adorn-eado contra todos os contentes de guirlanda cantantes sofistas imantados em geral

gênios do deserto

que vivem muito bem longe da sua República (dasletrasesprimidas e inflacionadas)

ao longo do evento

para o delírio dxs médiuns da Ideia e do secretariado zeloso de corpus textual presente em particular para os bravos que se deslocarem pelas ruínas das franjas da urbe até a distante várzea virgem com galpões e frutas e temperos onde o Outro no dos outros não é refresco mas ouro sim chatoboy A Espírita do Ocidente

também contará segredinhos e fofocas baixinho nos coffee breaks sonecas do demiúrgo tem aquela de fora da caverna de onde um Robert BOB Robertus Erasmus Carlus Augustus

(Al’Ssírius pater ad-voltir ego sum re-natus di’Marty-martello e renego é o meu sobrenome)

quadrado preto sim ele mesmo viu o lugar da Ideia onde estava tricotado seu verdadeiro nome Próprio Local na contracapa de uma bilaquiana autografada

in anima nobile

na sede do partido e desde então ficou especificada a inespecífica teoria do descompasso recalcado no nom de plume

mas conta outra

e também aquelas todas do infra-arquivo familiar infraestrutura da autoHistória que neutraliza opiniões em documentos em nome do Brasil-sil ah mas isso já não é mais novidade porque já está igual em todos os trabalhos encadernados embolorados no Butantã

que Mário? sim tem aquela sobre a estátua de praça

dentro do armário para a alegria dos nervos das sobrinhas hoje tias bem casadas sem falar claro miga dos fortões barbudões vermelhos

para não mencionar as admissões semipúblicas como aquela sobre o sistema literário chá das cinco trans epocal operada acadêmico-dominical dos latifúndios simbólicos empenhados na Missão do travestimento nobre da própria Missão delirante

já quase encontrando seu telos e a mistura certa de matéria e espírito em discurso indireto livre mas antes dos autos dialéticos da noite de autógrafos telepáticos mas ainda em sua mais nova obra multímoda interminável como se nota

A Espírita do Ocidente

infelizmente relatam os livros futuros proibidos e/ou difíceis de ler porque graças a deusa anti-comunitários

na mesma jornada irá menosprezar a população local já a essa altura enceguecida e dizimada de tantas Luzes Cruzes em volteios a mesma população vale lembrar antes expulsa da cidade pela dutra congestionada e com capital simbólico que não paga o busão da volta

então e só então

exatamente no entre-aulas diante de Gil Vicente ao pôr-do-sol e no alinhamento de Saturno em Virgem com Júpiter em Leão e em pleno jantar vegano com as migas tocando mal violão desafinado

A Espírita do Ocidente

vai gritar em língua pós-vernacular

hagiografia paráfrase parábase

correndo em círculos por onde acredita ser sua nova picada bandeirante

e finalmente porque a paciência é curta ainda que a prolixidade se justifique

para encerrar a sua extravagante aparição

A Espírita do Ocidente

performará seu próprio exorcismo

(mas atenção que será cancelado na véspera em respeito aos velhotes mas ressurgirá em seguida como cripto-evento intervenção

demoburocrática secreta e/ou mais um embate ene autoplasticidade e conformação com vitória gloriosa da Deriva convenhamos o autor não morreu assim daquele jeito e a Deriva como se sabe sempre vence #ForaTotalitarismoCívico)

certificados de presença metafísica serão disponibilizados para os presentes ou nem tanto e para os voluntariosos reencarnados

bem como atestados institucionais individualizados e volitivos da participação vulgo méthexis na Ideia sem lugar subscrevendo formalmente à Causa da subordinação da História ao Causo e à Espírita como contracomunhão ritual voluntária vá de retro amém atotô vide anexos e links saudações neoletristas e votos sinceros de reorganização teórico-gestáltica (Die Listen der Evidenz®)

ps.: serviremos totens às custas do Desejo-de-Estado

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