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Asfalto

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Texto de Iago lago Ilustrado por Mathias Vilardaga

0,5

asfalto molhado leva cheiro de aurora que atenua-se em ocorrer

hesita...

e as luzes dos postes da cidade chancelam-se chance de brilhar um pouco mais

é noite e é dia e nem noite nem dia é

e os passarinhos que inda dormem sonham com carros derrapando

e eu que inda acordado penso em passarinhos sonhando

ué queira-se viver na borda consegue-se queira-se viver dum lado (ou doutro) não se consegue

o asfalto molhado a aurora ampla são um só a fronteira que dita tudo

meu primeiro beijo foi no asfalto foi seu cheiro que me seduziu

língua no piche:

transfiz-me em deste moderno caminho (como todos aqueles a que se apresenta o prazer fácil e generoso do beijo quis namorar e virar meu namorado)

esqueci-me toda à via esqueci-me lá por querer que sei ser só trilha em mata ou no máximo estrada de terra

: não durei muito em ser asfalto passa caminhão passa ao caminho desvendam-se os buracos

e o buraco: o reencontro ao barro nobre

2

o verbo asfaltar indicativo em sua segunda pessoa presente singular faz-me lembrar duma fome que tenho e que não cessa e que é uma fome de mão-dupla

3

“a prefeitura do município por fim decidiu asfaltar aquela estradazinha antiga que leva da igreja da matriz ao bairro bom menino, bairro onde moro

desde então ninguém vem me visitar”

4

nos dias de sol um calango sonha virar asfalto

5

a cidade de são paulo tem um ronronar que inicia bem-mal a claridade desponta no horizonte

já pensei que fosse o barulho do sol vindo nascer!

mas é barulho de motores mormente motores de automóveis

que esta selva não é de concreto é selva de asfalto!

6

brinco que meu carro é um barco (brinco que o asfalto é mar um suaue mari magno e os infortúnios ali da cidade não são meus, que meu deus é-me bom!)

brinco de ouvir música boa

brinco que os pés tão pretos do moço que tem um pano sujo e quer limpar meus vidros de graça são pés de gente que escolhe

brinco que se ele encostar nos meus vidros com este pano imundo eu vou matar ele

brinco que as faixas brancas pintadas no asfalto não existem

brinco que o ciclista que passa no meu caminho não existe

brinco de ouvir música muito boa

brinco que essa cidade é minha e de mais ninguém e que o asfalto em que navego é uma pele que ela tem e que ele é lindo

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