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EDITORIAL “Longos dias têm cem anos.” Assim me diziam quando se tratava de protelar um assunto, de o fazer amadurecer na lânguida separação do inadiável. E os longos dias passavam, carregados de justo sentimento pelas coisas que devíamos fazer de maneira lesta e durável. Às vezes, não se faziam nunca. Outros planos, mudanças, resistências, vazios súbitos do coração, que é quem comanda o trabalho e a fantasia. Agustina Bessa-Luís, in “Longos dias têm cem anos.”
O sonho de reunir num projeto editorial escritores, jornalistas, historiadores, artistas, produtores agrícolas, professores, sommeliers, empresários e, sobretudo, cidadãos comuns, com as mais diversas profissões, mas com a enorme vontade de intervir socialmente numa espécie de resgate de cidadania em torno da cultura, da etnografia e da história da sua região, tornou-se realidade. Não foi fácil! Os bons projetos nunca são fáceis. Exigem sacrifício e persistência. Uma dedicação absoluta e a crença na capacidade de nos superarmos a cada dia, ultrapassando os obstáculos que todos os novos projetos encontram no seu caminho. Por diversas vezes, pensamos em desistir, mas a cada momento de fraqueza se sobrepôs uma “força estranha” que nos foi empurrando para diante. Muita dessa força que rodeou a equipe que se dedicou no último ano em tornar a VALEU uma realidade, veio dos amigos que foi encontrando ao longo deste árduo caminho. Todos sem exceção acreditaram, desde o início, nos méritos de uma revista apostada na sensibilização para a defesa do meio ambiente, promovendo a mobilidade sustentável e a adoção de comportamentos mais conscientes, incentivando a solidariedade, valorizando o empreendedorismo socialmente empenhado e difundindo as artes e a cultura. Assim nasceu a VALEU, a primeira revista cultural do Vale Europeu catarinense, partindo da iniciativa de uma equipa dinâmica que decidiu colocar a sua criatividade e o seu profissionalismo ao serviço da cultura, das tradições e da promoção turística da região.
Na VALEU, acreditamos que a cultura deve chegar a todos, por isso será de distribuição gratuita. Acreditamos que vale a pena defender a história e a tradição do Vale Europeu. Acreditamos que vale a pena apostar na dinamização da promoção turística da região. Acreditamos que vale a pena lutar por uma sociedade mais solidária, empreendedora e socialmente empenhada. Acreditamos que vale a pena auxiliar os produtores locais, garantindo a sobrevivência do seu modo de vida e a manutenção de uma cultura ancestral, amiga do meio ambiente e indutora de melhor qualidade de vida. Acreditamos que vale a pena promover os artistas da região e dar oportunidade aos jovens que ambicionam expressar o seu talento, colocando-os ao serviço de todos. Acreditamos, sobretudo, que como dizia o poeta, “tudo vale a pena, se a alma não é pena.” Acreditem...para nós já VALEU! ■ por João Moreira
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VALEU // 1ª EDIÇÃO FEVEREIRO . 2015 DIREÇÃO // Carlos
Henrique Roncálio Moreira . Clara Weiss Roncalio DESIGN GRÁFICO e redação // Studiobox IMPRESSÃO // Tipotil Indústria Gráfica CONTATOS // João 47 9143-2223 . Clara 47 8822-0029 . geral@descobrirsantacatarina.com.br EDIÇÃO // João
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NESTA EDIÇÃO COLABORAM: Daniel Koepsel Daniel Fabricio Koepsel é professor de história na rede publica e privada de ensino em Santa Catarina. É graduado em história pela Universidade Regional de Blumenau e autor do Representações da cidade: discussões sobre a história de Timbó. Blumenau: Edifurb; Timbó: Fundação Cultural, 2008. Luciano Miguel Martins Luciano Miguel Martins, nascido em Jacareí - São Paulo - Brasil em 30/03/1975. Começou a voar de parapente em 1998, atualmente é presidente da Associação Brasileira de Parapente. Vive em Timbó - Santa Catarina João Albuquerque Carreiras João Albuquerque Carreiras é arquiteto paisagista licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, em Portugal e especialista em jardins do século XIX, com diversos trabalhos publicados sobre a matéria. Viajante compulsivo é autor de inúmeros artigos de viagens. Carlos Henrique Roncálio Carlos Henrique Roncálio tem 45 anos de profissão. É âncora do Repórter Cultura, edições matinais da Rádio Cultura de Timbó há 24 anos. Tiago Minusculi Tiago é formado em etiqueta a mesa e comportamento no meio gastronômico. Maitre, sommelier registrado na Itália com certificado internacional reconhecido, atribuído pela AIS Associazione Italiana Sommeliers. Gabriel Weiss Roncalio Gabriel Weiss Roncalio ambientalista e agricultor orgânico. Membro da PROORG - Associação de Produtores Orgânicos de Timbó. Thérbio Felipe Professor Sobre Rodas, conferencista, Turismólogo, Gastrônomo e Administrador Hoteleiro, escritor, experiente cicloturista que pedalou por vários estados brasileiros e por países da América do Sul e Europa, membro do Movimento Bicicletada Nacional, consultor em projetos de cicloturismo e ciclomobilidade para cidades em regiões brasileiras e argentinas. Clara Weiss Roncalio Clara é repórter principal e editora da VALEU. Ativista na defesa dos direitos dos animais e do meio ambiente. Bruna Fórmolo Roncalio Bruna é estudante de arquitetura na UNIASSELVI. Vocalista, com particular talento para o desenho e ilustração. Lopo de Castilho Lopo de Castilho é licenciado em História, e desde longa data tem participado em diversas iniciativas de promoção de Vinhos, bem como de defesa de produtos de Denominação de Origem Controlada; Foi director de uma Cooperativa de produção de Azeite, sector no qual já trabalhou e é actualmente responsável por uma pequena casa agrícola tradicional, no Douro Superior – Portugal -, produzindo uvas de qualidade excepcional, para vinhos do Douro e Porto. Presentemente é também o iniciador e responsável pelo projecto Museu do Saca-Rolhas.
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BORCK...
"Viva a Borck, a nossa cerveja viva!" Sexta-feira, início de tarde em Timbó. Nas redes sociais e no WhatsApp, começam as combinações para os encontros de fim de dia e quase todas elas levam a um único local: a feirinha. A feirinha é uma espécie de Posto 9 timboense. Como o famoso spot praiano de Ipanema, a feirinha é o espaço mais democrático da cidade. Por lá se juntam todas as sextas-feiras, ao final do dia, todas as “tribos” de Timbó. Empresários, políticos, agricultores, comerciantes, bancários, médicos, advogados, arquitetos... famílias inteiras, com os filhotes aproveitando para brincar ao ar livre, casais namorando embalados pelo sol que vai tombando atrás dos morros, grupos de amigos em animadas discussões sobre as últimas do brasileirão e da política, enquanto disfrutam dos fresquíssimos produtos orgânicos de agricultores locais, deliciosas geleias, do mais famoso herinsbrot da cidade, de pastéis feitos na hora, de tilápia frita e claro, do mote de todas as combinações, o chopp da Borck.
A história A Borck é já uma instituição na região. Única cervejeira da cidade e a mais antiga de Santa Catarina, iniciada muito antes de pegar moda no país o gosto pelas cervejas artesanais, nasceu do empreendedorismo de Brunhard Borck, no longínquo ano de 1995. Por essa altura, o fundador da marca trabalhava no Banco do Brasil, mas cansado do dia a dia sentado atrás do balcão, entre quatro paredes, decidiu aceitar o plano de demissão voluntária que o banco propôs aos seus funcionários e saiu para se lançar num negócio próprio. Como tudo o que nasce para o sucesso, também com a Borck parece que os astros conspiraram a seu favor e no exato momento em que Brunhard procurava um projeto de investimento, chegava à região uma missão de negócios de empresários húngaros promovida pelo SEBRAE em conjunto com a Funpivi – Fundação de Piscicultura Integrada. Entre esse grupo de empresários de diversos ramos de atividade, encontravam-se os representantes de uma cervejeira húngara de Százhalombatta, que pretendiam encontrar parceiros no Brasil para a abertura de uma micro cervejaria. Brunhard gostou da ideia e em agosto desse ano parte para a Europa, num périplo pelo restrito mundo das cervejarias artesanais, visitando diversas fábricas em Verona, Munique, Hamburgo e Százhalombatta. Acaba por fechar negócio com a cervejeira húngara e de regresso ao Brasil inicia o processo de instalação daquela que seria a primeira cervejeira artesanal do Estado. Em maio do ano seguinte, chegam os equipamentos da Hungria, acompanhados pelo Mestre Cervejeiro Zoltan Yhaz que, sem falar uma palavra de português, comunicando-se com Brunhard Borck por gestos e com o auxílio de um pequeno dicionário, ajuda a erguer a Borck. Unidos por uma profunda paixão pela cerveja e imbuídos de uma enorme vontade de triunfar, produzem uma cerveja encorpada, de alta fermentação, muito diferente das tradicionalmente oferecidas pelo mercado. A inauguração da fábrica, em 4 de outubro de 1996 é o corolário deste esforço conjunto e causa sensação por todo o país. Embora a cerveja tenha agradado a um pequeno núcleo de apreciadores mais exigentes, não resiste ao hábito enraizado na grande maioria de consumo da cerveja tipo pilsen, o que leva Borck e o seu mestre cervejeiro a alterarem a fórmula para um chopp mais leve e suave, que ainda hoje faz as delícias dos seus fiéis consumidores.
A Teoria das 3 Barreiras ou conversas à roda de uma Red Lager Para entendermos um pouco melhor os caminhos trilhados pelos pioneiros da Cerveja Viva de Timbó, nada melhor que visitar a sua fábrica e conversar com a família, que há 19 anos se dedica em exclusivo à sua cuidada elaboração. São três da tarde de um dia particularmente abafado e úmido de final de Primavera. À chegada somos recebidos calorosamente por Luciano Miguel Martins, genro de Brunhard e responsável comercial da Borck. Instalados no salão de entrada da empresa, que outrora já foi um dos bares mais famosos da cidade e sala de visitas da marca cervejeira, com vista privilegiada para a área de produção, somos guiados por Luciano numa emocionada viagem temporal sobre a história da marca, cheia de pequenos apontamentos pícaros e de um permanente elogio ao esforço e dedicação de Brunhard Borck, da sua esposa, Gladis, e dos seus filhos Tiago, atual cervejeiro e Michele, responsável financeira e administrativa. A conversa flui ao sabor de uma deliciosa Borck Red Lager, de cor avermelhada e espuma cremosa, bastante frutada e com um levíssimo amargor no fim de boca, que a transforma numa das melhores Red Lager que já provei. - Aí João, você sabia que de 1996 até 2000, o Sr. Borck deu assessoria gratuita para mais de 58 cervejarias de todo o Brasil? - Dispara Luciano, olhos vibrantes e entusiasmo contagiante. - Nessa época, aconteceu um boom de cervejarias artesanais como o que estamos assistindo agora e não existiam técnicos, nem empresas especializadas na montagem deste tipo de fábricas. Das poucas pessoas que tinham essa experiência no país era o Sr Borck. – acentua. - No início foi bem difícil. Não existia mercado. Não existia a cultura cervejeira que há hoje. Por isso, João, eu desenvolvi a teoria das três barreiras que têm de ser ultrapassadas para o sucesso de uma cervejaria artesanal. A primeira foi a tecnológica. Mesmo com a vinda do mestre cervejeiro Zoltan não foi fácil. Se ele necessitasse de um cano ou de uma conexão, tinha de se importar, porque não existia no Brasil. Não existia importador de malte, nem de fermento, nem de lúpulo. De nada relativo à cerveja. Os importadores que hoje existem no Brasil começaram com a Borck. Os mais antigos começaram com a Borck. Então, a Borck faz parte, sem sombra de dúvidas, da história cervejeira do Brasil – afirma, com justificável orgulho – Essa foi a barreira tecnológica – continua, recuperando a sua teoria – Não havia insumos, não havia equipamentos, não havia conhecimento técnico. Era o começo, o pioneirismo, porque o que de mais parecido se fazia no país era o chopp da Brahma, ainda em barril de madeira. Por momentos interrompemos a teoria das três barreiras para nos aventurarmos fábrica adentro. A propósito dos barris de madeira da Brahma, Luciano lembrou-se de um pormenor que nos quer mostrar. Munidos das obrigatórias toucas higiênicas, seguimos o nosso anfitrião. O som de um rádio sobrepõe-se à voz de Luciano e dificulta a explicação. Tiago, filho mais novo de Brunhard Borck e atual cervejeiro da empresa, cumprimenta-nos interrompendo a limpeza de um tanque de cerveja. Com o rádio silenciado, Luciano explica o motivo da incursão ao interior do setor produtivo da Borck. - Muitas pessoas que visitam a fábrica e que já estiveram em outras mais recentes, ficam surpreendidas com os nossos tanques. Tão estranhos que são. Tão feios, dizem. Sabe por quê? Porque vieram revestidos de madeira da Hungria, mas aqui, com a elevada umidade, a madeira foi apodrecendo e o Sr. Borck teve de arranjar uma solução que garantisse a mesma qualidade. Onde antes estava isopor colocou poliuretano.
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Acredito que não existe tanque igual no mundo, porque a porte, não pode ser enquadrada no simples. O nosso regime solução foi encontrada internamente e foram todos altera- tributário fiscal é de lucro real, como a AMBEV, como se fosse uma SA. Isso não é aceitável! dos aqui, pelo Sr. Borck.
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De regresso ao antigo Bar da Borck e à Red Lager que Durante a indignada explanação de Luciano sobre a tenaz melhora a cada trago, Luciano recupera a sua teoria. tributária do Estado às cervejarias artesanais, chega o fundador da empresa, que vai acenando com a cabeça em sinal - Aí veio a segunda barreira que era a barreira cultural - Lu- de concordância a cada frase de seu genro. ciano acentua levemente a palavra cultural – e que tinha a ver com o fato das pessoas não gostarem da cerveja depois de Aproveito a presença de Brunhard Borck para perceber como pronta, pois estavam habituadas a uma cerveja mais doce e ficou a ligação inicial à Hungria. leve. Além do mais, estas cervejas devem ser bebidas acima de 0º de temperatura e não estupidamente geladas como as - A ligação perdeu-se com a instalação da fábrica. O que outras, pois muito geladas congelam as papilas gustativas e restou até hoje foi a amizade e o contato com Zoltan, o mesvocê deixa de se aperceber das nuances do lúpulo e do malte. tre cervejeiro que me ajudou a fundar a empresa. Ele ainda Por isso, veja que existia uma barreira cultural, de aceitação ficou pelo Brasil uns tempos. Primeiro trabalhando numa deste tipo de produto. Hoje já não é assim. Embora a grande cervejaria artesanal que apareceu em Balneário Camboriú e maioria das pessoas ainda prefira a cerveja tradicional, já depois montando uma cervejaria própria que acabou por não existe um mercado para as cervejas artesanais. resultar. – Quando fala de Zoltan, percebe-se a união que se formou entre os dois e sobressai uma inflexão vocal, própria da saudosa gratidão que lhe reserva. - E como foi ultrapassada essa barreira? Arrisco. - Por puro empirismo. Erro e tentativa. Foi-se alterando a A conversa dura há duas Borck Red Lager, que é como quem receita até chegar à pilsen que temos hoje. Foi um processo diz, há mais de uma hora, e Luciano e Brunhard recordam agora os primeiros clientes. O Chopp do Alemão de adaptação. E resultou! – sorriso estampado no rosto. em Blumenau, que ainda hoje é fiel à marca timboense, - A terceira barreira da minha teoria é a barreira fiscal. após algumas experiências menos conseguidas e, claro, Infelizmente, no Brasil, a política fiscal é predatória e no a Thapyoka, cartão postal da cidade. Com o auxílio de caso das cervejas é pior ainda. É muito difícil trabalhar num Michele, que simpaticamente se deu ao trabalho de procurar setor com uma tributação média de 50%, sendo que a maio- algumas fotos antigas, recuamos à inauguração da fábrica, à ria desse imposto é pago antecipadamente através da substi- participação no desfile da Festa do Imigrante, entre outras tuição tributária. E o que é isto da substituição tributária? raridades. É indisfarçável um brilho de orgulho no olhar de Vou dar um exemplo para você compreender melhor: se eu todos, incluindo de Tiago que chega a tempo de identificar vender a minha cerveja a R$ 4,00 por litro, a um restaurante umas raríssimas fotografias que mostram a fermentação ou bar, o Estado induz que essa mesma cerveja será vendida aberta nos tanques de madeira vindos da Hungria. ao cliente final a R$ 16,00 por litro e cobra-me antecipadamente sobre essa margem. Sendo que depois cobra os impostos no bar e restaurante a quem consome. É uma dupla tributação. Independentemente de você no seu bar querer vender a cerveja com uma margem menor, por exemplo, para promoção, o Estado faz o cálculo com 40% de margem. Esta terceira barreira da minha teoria e a sua necessária alteração é que vai definir se o Brasil vai virar uma potência cervejeira ou não. Não em termos de quantidade, mas em termos de qualidade e variedade. Se não for criada uma legislação específica para as micro cervejarias, então o Brasil perderá esta oportunidade única de se transformar num gigante mundial da cerveja de qualidade. Para você perceber melhor, João, embora a Borck seja uma empresa de pequeno
Voo para o futuro Luciano chegou à Borck e ao dia a dia da família Brunhard em 2006. Apaixonado por parapente habituou-se a ver as coisas através dos “olhos de Deus”, lá de cima, com as nuvens por companhia. Mas foi em terra, em Gaspar, durante uma palestra que veio ministrar sobre a sua paixão pelo voo, que conheceu Michele, e aí descobriu nova paixão que dura até hoje. Veio viver para Timbó e trabalhar na empresa de família da mulher. - Distribuía cerveja e aí comecei a meter o bedelho, diz com um riso tímido. Sabe como é, João, você vem de fora, vê as coisas com outros olhos. Vê de cima e percebe o potencial que aí está. Luciano ama voar, mas tem os pés bem assentes na terra. A sua chegada coincidiu com o início do mais recente boom cervejeiro na região e no país. Nos últimos anos as cervejas artesanais regressaram à moda. Promovem-se cursos por toda a parte, formam-se sommeliers especializados na matéria, os restaurantes desenvolvem harmonizações em torno dos diversos tipos de cervejas, criam-se rotas turísticas dedicadas às pequenas fábricas artesanais, enfim, um sem número de ações que demonstram o potencial de crescimento que a indústria tem no país. Luciano, habituado aos voos, percebeu que era o momento ideal para a decolagem da mais antiga cervejeira artesanal do Estado e, em 2007, promove uma renovação da marca. Esse foi o primeiro passo na transformação que a Borck tem vindo a levar a cabo rumo ao futuro. Depois vieram as novas cervejas e o grande sonho de Luciano, o engarrafamento, primeiro em barril e finalmente em garrafa. A Cerveja Viva da Borck.
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- Tudo isso aconteceu apesar das limitações tecnológicas. Hoje produzimos quatro tipos de cerveja e já é bem complicado, porque não usamos aceleradores, como a filtragem e a pasteurização, entre outros, para garantir a manutenção da qualidade. Além do mais, João, todo o investimento neste setor implica muito dinheiro. Os insumos e os equipamentos são caríssimos. Qualquer equipamento que você vá comprar para cervejaria tem de ser de inox 304, que é um inox especial, alimentício. Por exemplo, para instalarmos uma linha de engarrafamento gastaríamos em torno de R$ 300.000,00, o que seria incomportável, porque o retorno é muito demorado por conta das margens e dos elevados impostos. Então, é bem difícil. Se você reparar, quase todas as cervejarias artesanais que apareceram são investimentos de associados, de vários sócios, cuja atividade principal não é a produção de cerveja. O nosso caso é o inverso. A Borck é o único negócio da família. Mas, apesar das barreiras, Luciano está otimista em relação ao futuro. As cervejarias artesanais aumentaram exponencialmente nos últimos anos, mas ainda só representam 0,15% do mercado cervejeiro nacional, o que lhes garante um potencial de crescimento extraordinário e a Borck quer estar dentro. O objetivo é atingir um escoamento de 80% da produção em taxa média anual, pois a elevada sazonalidade do mercado leva a uma quebra de cerca de 40% no Inverno. Escoar o que se produz, mas mantendo as caraterísticas particulares da cervejaria. - Dificilmente você vai conseguir manter o padrão e a fidelidade com a história da Borck e com a própria história da cervejaria nacional, se escolhermos crescer de forma insensata, por exemplo, dobrando a produção. Por isso a opção será a de valorizar o que temos. A gente constatou, se convenceu e foi convencido, que o que temos aqui é único no Brasil. Não existe igual. Existirão melhores, mais modernas, mas dificilmente você vai encontrar um “case” de uma cervejaria familiar com toda a história que a Borck tem. – Olhar firme e voz convicta, como que reforçando a certeza da afirmação. - Então, João, a gente vai valorizar o que tem. Reabrir o bar da fábrica, transformando-o na sala de visitas e ponto de venda da Borck. Falando nisso, Luciano abre uma nova Borck Red Lager, à temperatura perfeita. As notas frutadas acentuam-se à medida que vamos bebendo, numa explosão única de sabores. Estamos tomando Cerveja Viva engarrafada, como o Luciano gosta de realçar. - Eu não gosto do termo chopp, porque acho que desvaloriza um pouco o nosso produto. Porque o chopp remete a outro tipo de cerveja. Eu gosto do termo cerveja viva, porque é exatamente o que ela é. Uma cerveja que tem alma dentro da garrafa. Quando você abre e bebe, sente a alma dessa cerveja. O projeto de engarrafamento foi outra das novidades da empresa, que se enquadra na transformação de que temos vindo a falar. No final do ano passado, quando a família reuniu para tomar decisões em relação ao futuro e se colocou em cima da mesa a hipótese de venda da empresa, os vinte anos de dedicação, de esforço e entrega diária e o amor a uma cerveja que pretendem manter artesanal e de qualidade falaram mais alto. - Se a gente vendesse a fábrica, a Borck como a conhecemos iria morrer, então isso serviu como uma alavanca motivadora. Mexeu com o nosso orgulho e decidimos seguir em frente. E o primeiro passo foi engarrafar a nossa cerveja para que pudesse passar a estar em mais locais, locais que não tinham a possibilidade de ter um balcão refrigerado para ter um barril. Graças a Deus foi a melhor decisão que a gente tomou. Abriram-se novas oportunidades, passamos a estar presentes em locais que há muito queriam ter a nossa cerveja viva e não tinham possibilidade, mercados e muitos, muitos outros. - Então João, este projeto da garrafa aliado ao projeto do bar é que vão dar perenidade à marca Borck. Acredito mesmo que esse é o caminho para toda a cervejaria artesanal com essa caraterística familiar. É como um restaurante familiar. Num restaurante familiar não se vende comida. Aqui também não vendemos apenas cerveja, vendemos uma história, um pedacinho, um componente de uma história, que queremos que as pessoas levem para casa e partilhem com os amigos e familiares.
Brunhard Borck – Engenheiro autodidata O desenvolvimento da Borck só foi possível porque todas as transformações técnicas e manutenção são feitas dentro da empresa pelo fundador e pelo filho Tiago. Eles é que desenvolveram a máquina de enchimento e engarrafamento. É um projeto interno, construído inteiramente na pequena oficina que fica nos fundos da fábrica.
- Eles é que construíram o equipamento. É uma enchedora de um bico, manual, mas funciona melhor que a maioria. – Afirma Luciano, com visível orgulho do sogro e do cunhado. – Tudo é feito internamente. As condutas, as modificações dos barris de que falei, a enchedora, a enchedora de barris que lava, desinfeta, pressuriza, a manutenção... tudo é o Sr. Borck e o Tiago que projetam e realizam. Enquanto conversamos, Luciano guia-nos através da fábrica até uma pequena oficina mecânica onde Brunhard desenvolve os protótipos das inovações técnicas que depois implementa na cervejaria.
- O Sr. Borck passa horas aqui, consertando e inventando coisas. Isso só é possível porque ele é muito bom em mecânica, mas também porque tudo foi ele que construiu do zero. Este é a vantagem do pioneirismo. Ele acompanhou e auxiliou em todo o processo de montagem da fábrica, por isso, hoje está apto para resolver qualquer problema técnico que surja. Isso é único. – E continua - A Michele fez um curso de sommelier de cerveja com a maior mestre cervejeira do Brasil e veio aqui à fábrica com um grupo de 40 pessoas e ficaram encantados. Ela disse: “Michele o que vocês têm aqui é único. Vocês têm de explorar isso.” Isso foi muito legal a gente ouvir. Deu uma enchida na bola. Sabe, eles ficaram impressionados com as soluções simples, mas eficazes que o Sr. Borck e o Tiago inventaram.
Borck – a cerveja de Timbó Essa talvez seja a alma da cervejeira mais antiga de Santa Catarina e única de Timbó. A paixão que é colocada em cada detalhe e que resulta no final numa cerveja única. Isso e a ligação à cidade que adotaram como sua.
- Sabe, mais importante do que o lugar onde você nasce, é o lugar que escolheu para viver, porque você optou por estar ali. Então para nós, para a família Borck, Timbó tem um significado muito importante, porque foi o lugar que a gente escolheu para viver. Essa ligação a gente não quer perder e acredito que nunca irá perder. Por isso é que queremos reforçar a ligação com a cidade, reabrindo o bar da fábrica, oferecendo de novo a possibilidade do timboense desfrutar da cervejaria da sua cidade. A Borck é de Timbó. A Borck é a cerveja de todo o timboense e queremos que ele venha de novo à fábrica beber a sua cervejinha e poder levar para casa para tomar com a família e os amigos ou oferecer, dizendo com orgulho, essa é a cerveja da minha cidade, do meu bairro, da minha rua. Sabe, isso tem um valor que a gente talvez ainda não se tenha dado conta.
Timbó, sexta-feira, seis da tarde. A célebre feirinha está lotada. Grupos e grupos em animadas conversas, petiscando e, claro, tomando chopp. A barraca da Borck é a última da feirinha, antes da entrada no pavilhão. Esperamos pacientes na fila para comprar as senhas de cerveja, amarelas para uma pilsen e malzbier, azuis e verdes para as mais elaboradas, weizenbier ou red lager. Chegou a nossa vez e somos atendidos por Dona Gladis, esposa de Brunhard Borck, que ao lado do marido recebe, desde sempre, os frequentadores vespertinos da feirinha. Atrás deles, Michele cumprimenta-nos com um sorriso, enquanto aguarda a chegada de Luciano. Estendemos a senha ao Tiago, em troca da nossa red lager, dando início ao descanso semanal, num ritual que se repete a cada semana. Esta é a magia da Borck, a proximidade com o cliente, o amor pela cidade e pelos seus concidadãos. Na feirinha é a família que se entrega ao cliente, numa relação mística que faz da Borck a cerveja de Timbó. Brindemos a isso! ■ por João Moreira
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VIVER A VELA!
MAR SALGADO LAR A NOSSA CASA AGORA É FLUTUANTE
Foi ao pôr do sol do dia 07 de novembro de 2012 que, definitivamente, soltamos as nossas amarras da vida normal da terra, para viver a vida nada normal com a qual sonhamos durante muito tempo. Sonhamos esse sonho juntos e, por isso, não medimos esforços para torná-lo realidade. Sempre gostamos muito de viajar. Viajar pelo mundo, conhecer novos lugares, novas pessoas e novas culturas, interagir com o universo recém-descoberto e fazer dele parte da nossa vida. Para isso, era necessário viajar não como um simples turista. Não com um roteiro específico e quase que imutável. Mas ter toda a liberdade do mundo para ficar tanto tempo quanto se queira num mesmo lugar... se tiver bom, ficar mais e mais. Se não, arrumar as malas e seguir para o próximo destino. Logo depois que começamos a nossa história de amor, decidimos que o nosso futuro seria a bordo de um veleiro e que, com ele, viajaríamos ao redor do mundo, fazendo do nosso estilo de vida o trampolim para ver e aprender cada dia mais.
Nos mudamos para Roma, na Itália, buscando a cidadania italiana da Mauriane. E depois de cinco longos anos de correria e muito trabalho, compramos o tão sonhado barco: um Lagoon 380, que batizamos “Cascalho”, uma homenagem ao cantinho do mundo onde a nossa história de amor começou: uma praia de pedras, lá em Penha, Santa Catarina. O sonho se tornou realidade e a vida passou a ser regida pelos grandes elementos da natureza. Adaptar-se à nova vida no mar, no início, foi muito difícil. Nos mudamos para o barco apenas dois dias antes de soltarmos as amarras em Roma e tínhamos 6 mil milhas náuticas pela frente. Nosso objetivo era chegar à Santa Catarina a tempo para o Natal. Tínhamos menos de dois meses. Era muita coisa nova ao mesmo tempo. Longas navegações, dias e dias no mar, e olhos bem abertos dia e noite. Não conseguimos chegar, nem no Natal e nem no Ano Novo. Levamos 60 dias para chegar ao nosso porto, Armação do Itapocoroy, em Penha, SC. Foi só no dia 5 de janeiro de 2013 que lançamos a nossa âncora na frente da nossa antiga casa. Nesses dois meses, definitivamente, abrimos a nossa mente para o que é a vida no mar... ondas grandes, ventos, tempestades... mar calmo e espelhado, magníficos espetáculos do sol e da lua ao nascer e ao se pôr, o vento e a chuva. Depois de cada navegação, os encontros no próximo porto: a receptividade dos locais e a confraternização com outros velejadores. Impagável. Como existem sorrisos e solidariedade nesta sociedade alternativa. Sentíamos que tínhamos feito a escolha certa.
Tem muita história na nossa vida antes do mar... vida normal, como a de qualquer um, ou seja, no corre-corre do dia a dia da cidade grande. Luiz, filho de um pescador de sardinha, se formou em processamento de dados e era empresário na área de recursos humanos em Joinville, SC. Sempre viveu com um pé, quando não com os dois, molhado pela água salgada, ou seja, perto do mar. Mauriane nasceu muito longe do mar, mas quando o conheceu, ficou fascinada. Nos conhecemos em Joinville, quando Luiz precisou de um tratamento dentário e decidiu fazê-lo com Mauriane. Da antiga vida em terra, seja no Brasil ou na Itália, sentimos Muitos anos mais tarde, num restaurante pé na areia, nos falta dos nossos familiares e dos nossos amigos. Nada substiencontramos novamente e, enamorados, decidimos trans- tui o calor da nossa família. Amigos, vamos colecionando formar o nosso estilo de vida...
pelos quatro cantos do mundo. Mas os velhos e bons amigos, nunca saem do nosso coração. O bom é que, todos agora têm a possibilidade de férias diferentes onde quer que estejamos. A vida do mar nos fez descobrir um outro mundo, um outro ritmo de vida ao qual não estávamos habituados. Aqui, não há a competitividade que sempre se faz presente no dia a dia da cidade e, a agressividade, é considerada um produto sem valor. Encontramos neste mundo um espírito de solidariedade inigualável entre os velejadores, onde o bem é amplamente divulgado para que todos usufruam e, o mal também, para que todos o evitem. Fazer o bem dá mais prazer a quem o faz, do que a quem o recebe. Tudo pelo simples prazer de ajudar.
Estamos sempre em casa. E levamos a nossa casa para onde quer que a gente vá. Nosso barco é a nossa base, membro da nossa família e também o nosso lar. Uma das grandes vantagens de viver no mar é que não precisamos programar a nossa viagem e esperar pelas férias. Somos turistas profissionais. O mar é a nossa piscina e as ilhas são o nosso quintal. E porque este estilo de vida é muito mais maravilhoso do que poderíamos ter imaginado, compartilhamos as nossas experiências abrindo as portas da nossa casa a quem quiser conhecer e saborear como é viver a vida a bordo de uma casa flutuante, ao sabor do vento, pelos Mares do Caribe, pulando de ilha em ilha. Conhecendo lugares paradisíacos, convivendo de perto com a natureza no seu estado mais puro, praticando esportes aquáticos, saboreando deliciosas comidas, brindando ao pôr do sol com champagne, fazendo muitos novos amigos e dando boas risadas. Sem ter endereço fixo e vivendo a vida sem pressa, curtindo cada minuto de cada dia enriquecendo a nossa existência com as mais variadas e impagáveis experiências.■ por MAURIANE LUIZ ContatoS Website: viveravela.com.br Email: viveravelagmail.com Facebook: Mauriane Luiz Fã page Facebook: Cascalho pelo Mundo
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BICICLETAS NA CIDADE
BICICLETAS NA CIDADE: MÚSICA COMPOSTA PARA HUMANIZAR A MOBILIDADE
Assim como uma música bem orquestrada faz com seus ouvintes, a bicicleta harmoniza as pessoas e as cidades. Ela indica a possibilidade de um arranjo entre os ciclistas, pedestres, veículos e o meio urbano, tão necessário, urgente e belo. As ruas fazem as vezes das linhas da pauta ou pentagrama, por onde as notas musicais fazem zig-zag ou se debruçam. Tais notas são os ciclistas, com alturas e tons diferentes, mais fortes ou menos fortes, mais ou menos intensos, por mais ou menos tempo, surgindo daqui e dali e desaparecendo sem aviso, como os sons de um acorde. Há muito mais por compreender desta melodia cotidiana e urbana. Então, maestros, busquemos a harmonia. Bicicletas nos caminhos, sentidos aguçados e vamos rodar! “B-I-C-I-C-L-E-T-A... sou tua amiga bicicleta!” Com este enunciado, o grande compositor e músico brasileiro Toquinho, eterno companheiro de Vinicius de Morais, declara a relação mais do que fraterna entre todos nós e a bicicleta, na canção de mesmo nome. Uma amizade tão poderosa e linda, descreve a letra, que nos leva a inúmeros lugares, pelos mais variados motivos, para que possamos adquirir as mais impressionantes experiências. É tão impossível ficar insensível à música quanto ficar insensível ao que resulta em nós, pedalar. Ao escutar esta canção novamente, depois de tantos anos, verifiquei que a poesia, simples ao entendimento e sonora aos ouvidos, esclarece inclusive que ao partir em nossa bicicleta temos o mundo sob nossos pés. Ora, que coisa mais poderosa, não é mesmo?! Busquei dissecar as partes que compõem a música para tentar, de maneira um pouco lírica, mas nem por isso menos objetiva, correlacioná-las, se possível, com nossas realidades de ciclistas. Vamos ao desafio. A música a ser tocada é a Mobilidade, um direito primaz de todo ser humano e, como tal, indissociável das sociedades. Não há como separar a música da vida, da mesma forma que não podemos compreender as sociedades sem admitir a mobilidade. A melodia é a parte da música que nós cantamos, por assim dizer, o que difere uma música de outra, sua identidade. Equivaleria, referindo-me à metáfora que ouso construir, aos componentes da mobilidade: pedestres, veículos, traçados urbanos, perfis diferenciados de usuários de bicicleta, suas características identitárias, o que os distingue dos demais sujeitos do trânsito e o que faz que sejam reconhecidos entre os seus iguais. Trazendo a melodia para o nosso estilo, seriam todos os usuários de transportes, públicos ou privados, os pedestres, e ainda os amantes da bicicleta com fins de lazer, esporte, transporte, carga, serviços, tribos urbanas e life style, ou todos eles juntos, se assim for possível. Indo um pouco mais além na canção que escolhi para ilustrar este texto, reparei que até mesmo o ritmo da mesma traz à mente o diletante modo de rodar por prazer, seja no campo, na rua ou na beira do mar. Indistinta e indiscriminadamente. Quando me reporto ao ritmo, componente essencial da música, remeto à emergente potencialização de uma de nossas lutas diárias enquanto movimento social mundial: a consolidação do tráfego calmo em específicas partes das cidades.
Tal fato inibe ou mitiga a violência no trânsito que somos todos nós e que resulta, também, de nossas escolhas. A palavra ritmo, ainda, pode ser compreendida como o movimento regular que permite que algo flua, e sem ritmo, a música simplesmente não existe. O ritmo é a pulsação da música e indica movimento! Alguma relação com o trânsito e nossas bikes? O compasso, por sua vez, seria entre outras palavras, a forma de dividir e inserir uma quantidade de notas dentro de uma determinada unidade de tempo, ritmado. Relacionando com nossa presença no trânsito, seria o mesmo que equacionar espaços e tempos por onde seria emancipador pedalar, livremente, sem riscos maiores e, o que é melhor, com o pensamento solto ao vento. Merece avaliar que a música é feita de sons e de silêncio. Sim, o silêncio também faz parte. O silêncio não é a negação da música, mas um de seus mais interessantes recursos. É a sua moldura. Seria como o mobiliário urbano ou a paisagem construída, que muitas vezes esquecemos de observar devido nosso afã de chegar. O silêncio existe para contemplar os sons, todos eles. Nossa cidade existe para que a contemplemos enquanto a produzimos. Mas, sons, silêncio, pulsação e divisão em compassos, não estão soltos a esmo, de maneira inconsequente, desconexa ou irresponsável. Quando combinados, em proporções diferentes, causam um fenômeno dos mais impactantes quando o assunto é música: a harmonia! A harmonia não pressupõe a extinção de um dos componentes da música pela prevalência de outro, ao contrário. Ela se dá quando todos os componentes coexistem, ainda que em um momentâneo desiquilíbrio proporcional. Harmonizar é um exercício que requer paciência, habilidade em juntar ao mesmo tempo vários sons, tempos, silêncios, enfim, para tornar mais prazerosa a linda tarefa de ouvirmo-nos. Harmonizar, entre outros tantos aspectos, requer sensibilidade. Ao reunir vários sons simultaneamente, não se pode permitir que estejam desordenados, com certo volumes imperando sobre os demais, e principalmente, que ao tocá-los nada faça sentido. A música existe para fazer sentido. Nossa metáfora, também. Quando dizemos, por vezes, que algo ou alguém desafinou, significa que perdemos a ordem, que nos perturbamos, que fugimos do caráter belo e bom da união dos sons em harmonia. Duro é que, ao desafinar, perde-se a essência da música, a descaracterizamos, e o resultado é dos piores para todos, é um desprazer. A sensação que deriva da desafinação é ruim e, por muito tempo, infelizmente, permanece como uma triste lembrança em nossos ouvidos. É certo, por outro lado, de que uma das sensações mais incríveis que experimentamos quando pedalamos é a de fazer parte de algo maior e bom. Sei que muitos companheiros de pedal que transitam nas cidades pelo Brasil irão reconhecer-se nesta afirmação. Fazemos parte de uma obra musical cheia de emoção e que espera que nós, cada um e todos ao mesmo tempo, façamos a nossa parte ao fazer ouvir nossos sons na hora, lugar e contextos exatos, para o bem, para o prazer e para dar significado ao ir e voltar pedalando em paz. Ciclistas, não desafinem. Procuremos e persigamos a harmonia. Há lugar para todos os sons e há muitas composições a serem criadas. Queremos, fortemente, que todos os sons “ciclísticos” façam parte desta música que precisa ser composta, de preferência, harmonicamente, e que ao final possamos chamá-la pelo nome de Mobilidade, real e felizmente. Que ela faça sucesso, pelo bem de nossos ouvidos, almas, corpos e sonhos. ■ por Therbio Felipe M. Cezar
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TIMBÓ
a cidade que deu as costas para o rio
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O Mapa Cadastral do Vale do Itajaí organizado por José Deeke demonstra o levantamento topográfico até o ano 1928 e como a antiga Colônia Blumenau organizou seus lotes seguindo os cursos dos rios. No detalhe, a região é atualmente o município de Timbó.
Um pedestre que diariamente caminha pela ponte Walter Mueller sobre o Rio Benedito pode mais adiante contemplar a vista da confluência dos rios Benedito e Cedros bem no centro da cidade de Timbó. Ao seu redor, encontrará a mata ainda verde e densa, assim como sinais da ação humana no limiar das margens dos rios. Esta paisagem pode suscitar diversos sentimentos e contradições para este desavisado caminhante que mais uma vez passa pela ponte, mas que não se dá conta que conseguiu transpor o rio caminhando, sem dificuldade nenhuma. Em outros tempos, essa realidade era muito diferente, o rio era uma barreira natural a ser vencida, um desafio para canoeiros que ainda viam no rio a majestade da natureza. Essa diferente realidade já fora comentada outrora por um antigo viajante chamado Karl Kleine que ao referir ao rio próximo ao atual centro de Timbó afirmava: “... a mata ao longo do rio dos Cedros desaparecera, a terra era habitada por colonos. Havia agora a casa de um balseiro junto a uma venda. Casas ladeavam as margens do rio Benedito” O relato do viajante mostra uma relação diferente com o rio daquela que estamos acostumados na atualidade.Para o viajante do século XIX, o rio fazia parte de seu itinerário diário, era uma via de comunicação e a canoa era o meio de transporte eficiente. Entretanto, o rio não era meramente uma via de transporte, era a natureza em sua complexidade a ser enfrentada cotidianamente em uma localidade ausente de estradas e habitada esparsamente.
Seguindo a lógica que todos os lotes deveriam ter acesso ao rio, os lotes ficaram organizados na Colônia Blumenau com 200 metros de frente/largura por 1.000 metros de comprimento/profundidade. Por conta da geografia do lugar os lotes estavam extremados de um lado pelo rio, e de outro pelos morros, sendo mais aproveitável para a plantação, moradia e picada (que mais tarde virou estrada) a parte mais Contudo, vale lembrar que até o início do século XX, os rios plana e próxima aos rios. possuíam grande visibilidade em todo o Vale do Itajaí, desde o século XIX. Foi em meados deste século que se inicia Com base nessa medição de lotes e na geografia do Vale a ocupação das margens do Rio Itajaí-Açú por imigrantes do Itajaí, as picadas foram abertas margeando os rios e alemães e italianos em direção ao norte, chegando até a con- ribeirões, assim como as casas que apesar de terem em fluência dos rios Benedito e Cedros que hoje é o centro da alguns casos boa distância dos cursos de água, eram construídas com sua fachada frontal para o rio. Portanto, cidade de Timbó. neste contexto do século XIX, em que não só as casas A ocupação de toda essa região (Colônia Blumenau) seguiu estavam de frente para rio, mas, o rio possuía importância o critério de organização dos agrimensores que mediam ligado transporte, assim como para irrigação, é possível lotes perpendiculares ao rio, isto é, estreitos e profundos. metaforizar que a cidade estava de frente para o rio. Na localidade que hoje compreende o município de Timbó, a medição de lotes seguiu este modelo, ou seja, as picadas Entretanto, a partir do inicio do século XX, intensificam-se foram traçadas de tal maneira que os lotes coloniais or- os investimentos nas vias públicas e na construção de pontes ganizados e medidos de forma que todos pudessem con- na região da Povoação Timbó, uma necessidade premente tar com o acesso à água para irrigar a lavoura, para consumo por conta da geografia do lugar recortada por dois rios. Essa nova realidade, com relação à importância das estradas, fica doméstico, e antes das estradas para o transporte. bastante evidente a partir da década de 1920, quando os Esse diferente olhar com relação ao rio é fruto de distintos tempos históricos que traduzem novas concepções simbólicas sobre os espaços da cidade, ou seja, torna certos espaços geográficos e sociais supostamente “invisíveis”, apesar de estarem debaixo de seus narizes, ou então, debaixo de seus pés, como é o caso do rio quando se está sobre uma ponte.
relatórios do município de Blumenau enfatizam uma grande quantidade de gastos na manutenção de estradas e na reforma e construção de pontes nas localidades do interior. Esses novos investimentos refletem uma nova organização da cidade que passa a investir mais em estradas, colocando o rio em posição secundária em relação às vias de comunicação, dando assim uma nova feição urbana para a cidade.
Desde então, a cidade passa a moldar-se a partir da rua comercial que ganha prestigio, pois é o local que aglutina todo tipo de serviços, como comércio, os serviços religiosos, cartorários, entre outros. Essa veneração à rua comercial passa também a transformar as lógica de construção das casas que voltam-se para a estrada, ou seja, a partir de então as casas são construídas ou reconstruídas com sua fachada frontal para a rua, e não mais para o rio. Este agora ocupa papel secundário no cotidiano da cidade. Logo, a partir do século XX é possível inverter a metáfora do século XIX, ou seja, a cidade passa a dar as costas para o rio, reelaborando uma nova memória coletiva do rio como vilão do progresso da cidade devido à inferência de catástrofes ambientais na vida cotidiana das pessoas, ou então, cai em total esquecimento em tempos de calmaria.
Acervo: APPGSB - Timbó/SC
Portanto, é a partir da década de 1920 que a cidade com suas estradas e pontes passa a ter a configuração que hoje conhecemos, em resumo, constituída por duas vias comerciais que também constituem a malha viária do centro da cidade estrangulada por dois rios, o Benedito e o Cedros. Esse novo planejamento, que privilegiou o uso das estradas em detrimento do transporte fluvial abandonando o uso da canoa e das balsas, fomentou uma nova construção simbólica do espaço da cidade. O rio aparece a partir de então em uma posição secundária, de invisibilidade, ou mesmo relacionado com um passado pejorativo associado a catástrofes como as
enchentes muito comuns na cidade de Timbó assim como em todo Vale do Itajaí.
Av. Getúlio Vargas na década de 1930. Essa é a primeira rua comercial que aglutinava os serviços essenciais do antigo município de Timbó. À esquerda, em primeiro plano, a antiga Relojoaria Herweg (Proprietário Heinrich Herweg) e, mais ao fundo, a Pharmácia Central (proprietário Oscar Brehmer) Imagem aérea do centro de Timbó na confluência dos rios Benedito e Cedros. À esquerda, a atual ponte Walter Muller.
Entretanto, é muito importante compreender que a cidade e os locais são mecanismos vivos e dinâmicos que se organizam e reorganizam a partir de diversas forças, relações de poder, relações de troca, e da própria construção da memória. Tão logo, concluo esse texto com as palavras de Michel de Certeau, um estudioso da vida cotidiana, que assim refere-se à cidade e seus lugares: “é nesse ambiente que constantemente se transforma que vivem os praticantes ordinários da cidade (pessoas) cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um ‘texto’ urbano que escrevem sem poder lê-lo. Esses praticantes jogam com os espaços que não vêem; têm dele um conhecimento tão cego como no corpo-a-corpo amoroso.” ■ por Daniel Fabricio Koepsel – Historiador
Referências Bibliográficas: CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. SIEBERT, Claudia. A evolução urbana de Blumenau: a cidade se forma (1850-1938). In: THEIS, Ivo Marcos; MATTEDI, Marcos Antonio; TOMIO, Fabricio Ricardo de Limas.Nosso passado (in) comum: contribuições para o debate sobre a história e a historiografia em Blumenau. Blumenau : Ed. da FURB : Ed. Cultura em Movimento, 2000. KLEINE, Karl. Mais uma excursão à mata. Blumenau em Cadernos, Tomo XLVII, n 5/6, p. 9-57, maio/junho.2006. p.55
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AGROECOLOGIA
Um futuro maravilhoso foi semeado! Historiadores afirmam que há, aproximadamente, dez mil anos, mulheres e homens deixavam de ser coletores e caçadores para se tornarem agricultores. Provavelmente, não sabiam, mas, com esta mudança, estavam dando início ao que chamamos hoje de civilização. Não devemos ignorar o fato de que aquele modelo agrícola praticado na época se baseava em utilizar apenas recursos naturais, oriundos do próprio local. Logo, podemos afirmar com isso que a agricultura começou ecológica e isso garantiu a sobrevivência de nossa espécie durante milênios. Este modelo foi aperfeiçoado ao longo destes anos, houve uma seleção de espécies de interesse humano, tanto animais quanto vegetais adaptaram-se aos mais diversos tipos de clima e solo, e isso proporcionou ao ser humano colheitas mais satisfatórias. É claro que as técnicas de produção eram diferentes de um continente para outro, ou de uma cultura para outra, mas guardavam nos animais que criavam e nas plantas que cultivavam um valioso tesouro, o DNA original. E ali estavam contidas características de rusticidade, por exemplo, herança apenas adquirida com experiências vividas ano após ano.
Não fosse pelas queimadas e maus tratos aos animais, a agricultura, desde seu início, se manteve orgânica praticamente até meados do século passado, principalmente pós 2ª Guerra Mundial, quando os “donos do mundo” resolveram “vender” as sobras de guerra. Armas químicas e biológicas transformaram-se em venenos, conhecidos indevidamente por “defensivos”. Tanques transformaram-se em tratores, compactando os solos que já foram fofos e estruturados, e subprodutos da indústria química tornaram-se adubos sintéticos que, da mesma forma que os agrotóxicos, também prejudicam a vida nos solos da grande Mãe Terra. É muito provável que o modelo de agricultura convencional, que utiliza venenos, adubos sintéticos, sementes híbridas e geneticamente modificadas, tenha se propagado pelo fato de que para sua prática não seja necessário pensar muito. Para adquirir qualquer tipo de agrotóxico basta simplesmente que o agricultor pegue um receituário com o agrônomo e, então, ir às compras em qualquer um dos muitos estabelecimentos que existem por aí afora. Por outro lado, na agroecologia, vemos um maravilhoso mundo de conhecimento se propagando entre os agricultores. Verdadeiras aulas de química, biologia e até astrologia são necessárias para que agricultores possam produzir alimentos orgânicos, respeitando diversos fatores de contexto ecológico. Também com a agroecologia, foi possível resgatar muito material genético que pensávamos estar perdido ou estar sob o domínio das grandes empresas de sementes. Para nossa sorte, comunidades indígenas, quilombolas e camponesas espalhadas pelo Brasil e também várias outras comunidades agrícolas espalhadas pelo mundo, em suas atividades nos bastidores da história, guardaram sementes e espécies animais originais. Agora temos as mesmas sementes que nossos antepassados cultivavam. Será que os donos de empresas fabricantes de agrotóxicos, de sementes transgênicas e de medicamentos, que quase sempre são a mesma empresa, estão preocupados em deixar um mundo melhor no futuro, ou pelo menos igual ao que conhecemos hoje, para nós e nossos descendentes? Será que os agricultores ecológicos e agricultoras ecológicas, que, na verdade, não são simples produtores de alimento, são pesquisadores, observadores, filósofos e até mesmo artistas, querem aderir a este modelo de agricultura convencional, que exclui famílias de seus lares no meio da natureza em troca de uma vida de consumo em uma cidade qualquer, onde as únicas coisas que produzem, além de mão de obra barata, são esgoto e lixo? O que podemos fazer para que a agroecologia prospere de fato é dizer SIM! para ela e NÃO! para a agricultura tóxica. Quando compramos algo, estamos dizendo sim para toda sua cadeia produtiva. Este é o nosso poder, o poder da escolha. Preserve a vida natural! ■ por Gabriel Weiss Roncalio
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A EXPLORAÇAO ANIMAL
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A exploração por parte do ser humano com relação aos animais acontece desde os tempos mais remotos, seja como força de trabalho, seja para alimentação, o que pode ser observado através dos pré-históricos desenhos rupestres. O início da domesticação dos animais deu-se no período neolítico (em, aproximadamente, 10.000 a.C) e foi paralelo ao do sedentarismo humano, ou seja, quando o homem começou a fixar-se em determinada região. No século VI a.C., Pitágoras falava sobre o respeito aos animais. Em sua obra “Do Consumo da Carne” defendeu a ideia de que os animais seriam seres humanos reencarnados. Nesta obra, o autor demonstrou acreditar na transmigração da alma, onde homens e animais poderiam dividir a mesma alma, por isso, alimentar-se de carne de qualquer animal seria sinônimo de alimentar-se de um ser-humano. Antes da criação do termo vegetariano, a pessoa que seguia esse tipo de dieta era chamada de pitagórica. De acordo com Roberto M. Gonzales, Pitágoras não recomendava que se sacrificassem seres vivos, ou que se comesse carne vermelha, peixe e o coração, que considerava a matriz dos animais. Seguindo caminho oposto a Pitágoras, Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C.) defendia a distância existente entre seres humanos e animais na escala natural. Sustentava que os animais, sendo irracionais, existiam somente para o benefício do ser-humano. Ao citar o homem como a imagem e semelhança de Deus, a igreja determinou a superioridade humana em relação às outras espécies. São Tomás de Aquino, difusor do pensamento cristão e filósofo da idade média afirmava: " Não é pecado utilizar as coisas para o fim a que se destina. Ora a ordem das coisas é tal que o imperfeito serve o perfeito... As coisas, como as plantas que têm simplesmente vida, são todas iguais para os animais, e todos os animais são iguais para o homem. Por conseguinte não é proibido utilizar as plantas para o benefício dos animais e os animais para benefício do homem... Assim se obedece ao mandamento do próprio Deus." Os renascentistas rejeitaram os padrões definidos pela igreja católica e, então, houve a mudança do teocentrismo para o antropocentrismo, que foi um movimento de glorificação do homem, do racionalismo, das ciências. O filósofo, matemático e físico francês Renè Descartes (1596 a 1650), em sua obra “Discurso do Método”, publicada em 1637, comparou os animais às máquinas, por considerá-los seres sem alma. Também achava que os animais não sentiam
dor e passou a dissecá-los para demonstrar que eles não possuíam consciência. Com a sua famosa frase: ''Penso, logo existo'', Descartes condicionou o direito à vida ao racionalismo. Em resposta à obra de Descartes, Voltaire escreveu em seu livro “Dicionário Filosófico”, em 1764: “ Que néscio é afirmar que os animais são máquinas privadas do conhecimento e de sentimentos, agindo sempre de igual modo, e que não aprendem nada, não se aperfeiçoam, etc.! Pode lá ser... Então esse pardalzinho que constrói o ninho em semicírculo quando o prende em uma parede, que o constrói num quarto de círculo quando o faz num ângulo e em círculo quando num ramo de árvore – faz tudo de igual modo? O cão de caça que ensinaste a obedecer-te durante três meses não estará a saber mais ao cabo desse período do que sabia no início das lições? O canário a quem tentas ensinar uma melodia repete-a logo no mesmo instante, ou não levarás um certo tempo a fazer-lhe decorar? E não reparaste, como se engana com frequência, e vai corrigindo depois? É só por eu ser dotado de fala que julgas que tenho sentimentos, memória, ideias? Pois bem, não te direi nada: mas vês-me entrar em casa com um ar preocupado, aflito, andar a procurar um papel qualquer com nervosismo, abrir a secretária onde me recorda tê-lo guardado, encontrá-lo afinal, lê-lo jubilosamente. Calculas que passei de um sentimento de aflição para outro de prazer, que sou possuidor de memória e conhecimento. Transfere agora esse teu raciocínio, por comparação, para aquele cão que se perdeu do dono, que o procura por todos os lados soltando latidos dolorosos, que entra em casa, agitado, inquieto, que sobe e desce, percorre as casas, umas após outras, até que acaba, finalmente, por encontrar o dono de que tanto gosta no gabinete dele e ali lhe manifesta a sua alegria pela ternura dos latidos, em pródigas carícias. (VOLTAIRE, 1988, p. 12-13)
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Jean-Jacques Rousseau, no ano de 1750, argumentou que todos os seres humanos são animais e, por isso, os animais não poderiam ser maltratados, pois ambos são capazes de pensar e sentir. Rousseau acreditava que o diferencial entre o ser-humano e os seres não-humanos seria a capacidade, do primeiro, ir contra seus impulsos naturais, ou seja, contra seus instintos. O escritor escocês John Oswald, no seu livro The Cry of Nature or an Appeal to Mercy and Justice on Behalf of the Persecuted Animals (O Grito da Natureza ou um Recurso de Misericórdia e Justiça, em nome dos Animais Perseguidos), afirma que o ser humano possui sentimentos de misericórdia e compaixão por natureza. Para ele, se as pessoas tivessem que testemunhar a morte dos animais que comem, o vegetarianismo seria bem mais difundido. Oswald acreditava na importância em se passar por tal experiência, de modo que, esta faria aflorar as sensibilidades naturais do ser humano. No ano de 1789, Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês, afirmou em sua obra “Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação”: “A questão não é se podem raciocinar ou se eles podem falar, mas sim se eles podem sofrer”. Para ele, os seres vivos não deveriam ser avaliados pela capacidade de raciocinar, mas pelo fato de sentirem dor. Bentham sustenta nesta obra que os animais estão entre os agentes suscetíveis de felicidade e que o fato de estarem no rol das ‘coisas’ é consequência da negligencia de juristas antigos. No século XIX, Arthur Schopenhauer acreditava que o fundamento das ações morais se media pelo reconhecimento do sofrimento alheio, bem como, que a essência dos sofrimentos era a mesma, independentemente da racionalidade. Apesar de ser vegetariano, Schopenhauer tinha a convicção de que, dependendo das adversidades climáticas e naturais, o homem teria que se alimentar da carne animal. Contudo, defendia que a morte destes seres deveria ser imperceptível, com o uso de clorofórmio e um golpe certeiro no ponto letal, respeitando, assim, a “essência eterna que vive, como nós, em todos os animais”. Em 1859, Charles Darwin publicou “A Origem das Espécies”, estabelecendo um vínculo entre animais num único processo evolutivo. Darwin argumentou que alguns animais possuem conceitos gerais, habilidade de raciocinar (em diferentes níveis), sentimentos morais rudimentares e são capazes de sentir emoções complexas: ''Vimos já que os sentimentos e intuições, emoções diversas e faculdades tais como a amizade, a memória, a atenção, a curiosidade, a imitação, a razão, etc., de que o homem se orgulha, podem observar-se em estado nascente, e por vezes bastante desenvolvidas, nos animais inferiores''. Darwin também negou a teoria da igreja de que o homem teria vindo de “Adão e Eva”, sustentando que sua origem deu-se por uma evolução dos primatas. Pelas suas práticas de vivissecção, Darwin foi alvo de acusações e contra-acusações relacionadas à crueldade com os animais. Embora se declarasse amante deles, ele defendia a vivissecção como uma técnica científica, alegava que a proibição do uso de animais nas pesquisas impediria o conhecimento do funcionamento fisiológico.
Como vemos este não tem sido um tema pacífico no meio filosófico ao longo dos séculos. Por isso, talvez possa parecer exaustiva esta deambulação histórica acerca do pensamento de homens tão sábios sobre um assunto que hoje, em pleno século XXI, ainda é causa de polêmicas. Mas, só olhando o passado e percebendo as lentas mudanças de mentalidade que as transformações sociais, religiosas, políticas e econômicas foram originando, poderemos encarar o futuro de uma forma consciente, auxiliando na urgente alteração da relação do Homem com a sua casa, a Natureza e, em particular, com todos os seres vivos com que partilha a extraordinária magia da vida. ■ por Clara Weiss Roncalio
REFERÊNCIAS ARISTÓTELES: Vida e obra. 1ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1996. BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1989. CHUAY, Rafaella. Manifesto pelos direitos dos animais. Rio de Janeiro: Record, 2009. FELIPE, Sônia T. Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais. Editora: Fundação Boiteux, Florianópolis – 2003. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. Ver., atual. E ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. GOMES, Erick Jonas Costa. Da pré-histórioa às primeiras sociedade. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/da-pre-historia-as-primeiras-sociedades/28483/>. Acesso em: 17 nov. 2011. LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. O direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira. 1998. p. 63. LIMA, Racil. Direito dos Animais. Aspectos históricos, éticos e juridicos. Disponível em: <http://www.anajus.org/home/index.php?option=com_content&view=article&id=686%3A15102009-direito-dos-animais-aspectos-historicos-eticos-e-juridicos-por-racil-de-lima&catid=23%3Aartigos&Itemid=16> Acesso em: 17 nov. 2011. MEDRANO GONZÁLES, Roberto. Pitágoras e seus versos dourados. São Paulo, 1993. PICCIRILLO, Miguel Belinati; SIQUEIRA, Dirceu Pereira. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5414.> Acesso em 18/11/2011. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da dignidade entre os homens. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987-1988. SINGER, Peter. Liberação Animal. Tradução Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004. VOLTAIRE (François Marie Arouet). Dicionário Filosófico. In:Voltaire v. I/Diderot. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os Pensadores).
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UM MUNDO ÀS CORES, EM DIA DE SOL Se nos pedissem para definir Ornella Jacobsen em uma palavra, essa palavra seria simpatia. E essa simpatia transpira na sua obra. Ornella pinta com a alegria com que entabula uma conversa. E conversar com ela é estar de bem com a vida. Por isso, os seus trabalhos são de uma alegria contagiante. A alegria das cores. Ornella é uma artista já consagrada na região, mas não hesitou em aceitar o nosso convite para ser entrevistada na sede da VALEU. O dia está de um Sol radioso, acentuando o seu sorriso sincero e contagiante. A sala, de janelas escancaradas, é o mote para o início da nossa conversa.
- Nossa, quanta luz! Que lindo aqui! E tão tranquilo... - Dispara Ornella, enquanto nos presenteia com diversos postais com obras suas. - Esse foi na Casa do Poeta, com a Juci e música junto. Nossa, foi mágica essa união de diferentes formas de arte. – Nós, que estivéramos presentes, concordamos. - Fiquem bem à vontade e espero corresponder à expectativa de vocês. É claro que ficamos à vontade. Aliás, é impossível não ficar à vontade com Ornella Vanessa Jacobsen, a publicitária timboense que virou artista. Ornella licenciou-se em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda pela FURB e só em 2003, quando iniciou um curso de desenho artístico na Fundação Indaialense de Pintura, coordenado pelo professor J. Nunes, é que começou a pintar, descobrindo uma vocação para a vida. - Não sei se conhecem o professor J. Nunes. É um surrealista com um trabalho maravilhoso e é um grande educador. Já pinto com ele há mais de 10 anos. Começou com alguns trabalhos virados para a Casa do Poeta e, ainda enquanto estudante, a convite da Tipotil, desenvolveu uma linha de papelaria, onde sobressai o olhar prático com que interpreta a arte e que passou de ser uma das características do seu trabalho. Ornella entende que a arte pode e deve estar presente no dia a dia, nos mais diversos materiais. Esta visão desmistificadora do papel do artista plástico, nomeadamente na funcionalidade dos seus trabalhos, deve-se, em grande parte, à sua formação publicitária de que muito se orgulha. Em conjunto com o fotógrafo Adonis de Deus, foi selecionada com a obra/instalação “Tempo” para o “8º Salão Elke Hering - Mostra Nacional de Artes Visuais e Plásticas”, em 2008 e esse foi o momento de transformação da sua vida. - Acho que aí decidi que podia dedicar-me à pintura! Levou alguns anos para passar do lápis aquarelado (pintado em lápis de cor) ao óleo. Então veio a ideia dos painéis grandes, de dois metros, feitos em recorte de adesivo. Em 2013, começou com os trabalhos manipulados digitalmente, que são os quadrinhos. Gosta de rascunhar com lápis de cor para depois passar para a tela e, então, manipulá-los digitalmente. Para algumas de suas obras faz até pesquisas históricas.
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Outras ideias surgem enquanto está pintando. Suas inspirações vêm do dia a dia, das paisagens urbanas, rurais, de bate-papo com amigos, da sua paixão pela poesia “Sou apaixonada pelo Lindolfo!” – revela sua admiração pelo poeta timboense, Lindolfo Bell. Sempre contando com o apoio dos amigos, da família e do público em geral. Acredita que vale a pena apostar no que você gosta de fazer, apesar de reconhecer que o apoio à cultura existente na nossa região ainda é pouco e que a maioria das pessoas não tem o hábito de frequentar eventos culturais. Ressalta a importância das pessoas prestigiarem o trabalho do artista, mas também acredita, assim como disse seu poeta do coração, que o artista deve estar onde o povo está. “Estou consolidando meu trabalho, estudando várias formas de inseri-lo no dia a dia das pessoas, o que quero colocar em prática neste ano. Vou continuar trabalhando com essa informação do óleo, da manipulação e do recorte, que gosto muito! Quero colocar a arte nos objetos que as pessoas utilizam em seu dia a dia.” Uma frase que gosta de citar e que lhe serve de inspiração: “O pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza”.
Convidada para falar sobre sua obra, confessa "É difícil falar do nosso trabalho. Essa vida é doida, né... A gente tem que deixar as coisas acontecerem... a troca de ideias é muito importante na vida do ser-humano. Meu trabalho é bem colorido. Gosto muito de alegria. De vida, do ser-humano, da natureza, do dia, das estações. Paro pra perceber os passarinhos cantando, o sabiá... mas também sou bem urbana. Gosto demais de Timbó, acho uma cidade linda, gosto das pessoas. Gosto dessa calma que tem aqui, mas também gosto de movimento. Tudo isso me inspira.” Seu trabalho pode ser encontrado na Video Locadora Chaplin, dos seus pais, e na Clarity, em Timbó e Indaial. Desafiada a dar a sua opinião sobre o projeto cultural que envolve a Revista VALEU, afirmou: ”Tem tanta coisa boa na nossa região e a gente não sabe. É tão importante conhecer coisas novas para dar valor ao que a gente tem. Como dizia Amyr Klink, “A gente só sente a falta do sol, quando ele está ausente”. É bem assim, não acham?” ■ por Clara Weiss Roncalio e João Moreira
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3 GERAÇÕES D'ARTE ... A tarde abafada e o agito do trânsito da cidade ficaram pra trás assim que entramos pelo portão da casa de Dona Cornélia Floriani, onde sentimos uma calma própria das casas grandes, antigas, com quintal. Casas já pouco comuns numa Timbó a crescer em altura. Mas, aqui não. Tudo exala a calma exigida à arte. A casa é um museu. Não um museu ao estilo clássico, antes um museu vivido. Cada recanto, cada parede é um pedaço da vida e da arte da mais reconhecida artista plástica da cidade.
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Dona Cornélia Dos 82 anos de idade, Dona Cornélia nada transpira. Antes uma jovialidade quase adolescente que vai ganhando dimensão à medida que a conversa a empurra para um passado que, cedo percebemos, a orgulha e gosta de recordar. A vida de Dona Cornélia confunde-se com a sua arte, ou não tivesse começado a pintar quando tinha entre 9 e 10 anos de idade. Na época, estudava em Rodeio, onde cumpriu o primário, pintando em casa, por gosto. Com grande incentivo de seu pai, que fazia questão que os filhos fossem instruídos, pagando a mensalidade da escola com madeira, foi estudar no Colégio Sagrada Família em Blumenau, onde foi aluna interna. E gostou! “A gente aprendeu tanta coisa!” As Irmãs da Divina Providência, Ordem a que pertenciam as freiras, eram, em sua maioria, de origem alemã, mas havia freiras francesas e inglesas que se comunicavam pela língua materna, o que lhes acabava por abrir outros horizontes. O gosto pela pintura era tanto que Dona Cornélia conta que sofria quando acontecia o chamado segundo dia de festa, sucedendo o Natal, Páscoa, Corpos Christi, pois suas aulas de artes eram sempre na segunda-feira. Por esta altura, viajamos para um tempo antigo, saudoso e inocente. Tempo de guerra a que a benção da distância poupou as gentes do Vale. Por entre aulas de artes e teatro que a encantavam, vinham também as obrigações menos simpáticas a jovens adolescentes. O horário matinal das Missas diárias e o pavor da confissão que, com genuína inocência, fintavam ao escolherem para confessor o Padre Beda, que era surdo. Não se pense que fugiam à confissão de temerosos pecados, antes de uns puxa-puxas de melado que comiam em exagero e que as irmãs, regradas por imposição eclesiástica, contavam religiosamente, obrigando à confissão do “singelo”, e talvez único, pecado da gula. Como dizia Agustina Bessa-Luís, “a modéstia é a soberba dos medíocres”, talvez consciente desse fato, não tem receio de afirmar que já se destacava na pintura “Eu era boa... era boa de caligrafia, já tinha isso, acho que é uma coisa genética... “Então eu sou adotada”, lança Tainá, a neta, também ela artista na captação em imagens da fração de segundos em que se registram os sentimentos. “Sempre quando era pra escrever no quadro era eu.” Regressa Dona Cornélia.
Não é bem a idade que faz da matriarca da família o centro das atenções. Como se diz por aqui, Dona Cornélia rouba a cena, como se as histórias lhe saíssem de forma tão natural como uma pincelada. Por exemplo, quando recorda as pinturas a lápis e pede à neta para pegar um pequeno quadro datado de 1948 onde retrata com impressionante exatidão a atriz Claudette Colbert. “Sempre pensei que era a avó” confessa Tainá, com um sorriso. Leila lembra a enorme facilidade que a mãe sempre demonstrou para a pintura. A facilidade dos traços e de retratar expressões e, sobretudo os olhos... como veremos mais adiante. Já casada, fez o normal. Com seis filhos! “Dava banho e colocava eles na cama. Na época às 5h30m da tarde ia tudo dormir”....risos da Tainá e um sorriso saudoso de Leila. Por essa altura, ganhou um dos mais emocionantes prêmios da sua carreira, com um trabalho a lápis de carvão sobre a Marinha durante a II Guerra Mundial. “Cada folha um desenho.” Ia fazendo leituras e desenhando em simultâneo.
nunca a assustaram. Talvez por isso a passagem da tela para a porcelana resultou tranquila. “Eu peguei gosto e hoje, pra ser muito franca, prefiro a porcelana, que é uma coisa mais limpa... a tela a gente se suja muito, lambuza aqui, lambuza lá e o cheiro é muito forte.”
Explicou que a tinta para a porcelana é preparada a partir de um pó e, dependendo da técnica, algumas peças têm que ir ao forno umas 5 vezes, para queimar aos poucos a uma Desconhece-se o real paradeiro das ilustrações sobre a temperatura diferente. Um trabalho complexo, pois se pode II Guerra Mundial a que se refere e que lhe granjearam o escurecer uma peça, mas nunca clareá-la. prêmio. À época ficaram no Museu da Marinha, mas hoje não se sabe bem onde estão. Um interessante mote, para “Agora vou me exibir um pouquinho também... um dia cheque as entidades públicas de Timbó, eventualmente com gou um homem de Florianópolis cheio de pressa, pois tinha parceria privada, promovam a reunião do acervo das obras um compromisso, mas acabou ficando mais de uma hora, de uma das suas mais reconhecidas artistas, assegurando, encantado com o meu trabalho.” Este senhor reparou no seu assim, a manutenção de um patrimônio único na região e retrato do Papa João Paulo II e outro de sua filha Tatiana e garantia da sua conservação para as gerações vindouras. ficou admirado pelo fato de que os olhares destes quadros acompanham o observador. O que tivemos a oportunidade Muito do trabalho vai ficando espalhado por diversos de confirmar, com a mesma admiração. países e colecionadores. Trabalho a que se vai perdendo o rastro, mas não a lembrança. Leila chama a atenção para mais uma das impressionantes obras de Dona Cornélia, um quadro a óleo, pintado em 1945, “No normal, passei com a média mais alta da representando uma cabeça de Cristo com a coroa de sala... média geral dos três anos de 9 virgula pou- espinhos, em tons renascentistas, duma perfeição absoluco... fizeram uma homenagem... eu nem desconfiava, tamente invulgar para uma jovem adolescente... genial! foi surpresa, sabe. Acharam bonito, a Leila, pequeninha a bater palmas...” diz olhando para a filha com olhar carinhoso. “Sempre tirei o primeiro lugar!” A conversa continua cativante. “Sempre mantive a vontade de pintar. Dava aula de pintura e fiz trabalhos em várias casas da cidade, tetos espelhados, trabalhos de jato, piscinas... e ainda estou aqui.” O início na pintura da porcelana deu-se com uma exposição em Joinville... “levei uma placa com a cabeça de Cristo pintada e outra peça”... que foram, para sua surpresa, vendidas. “Lá conversei bastante, sou muito de conversar com quem tá perto, educadamente, mas gosto de me comunicar com as pessoas, e alguém falou de uma exposição que haveria no Hilton, em São Paulo... falei com o meu marido, que sempre me apoiou, e fomos.” E ainda bem que foi! Acabou catalogada, com um quadro do Papa João Paulo II, que hoje repousa em lugar de destaque na sala onde conversamos. É uma obra impressionante. Uma representação de Karol Wojtyla no início do seu papado. As suas primeiras aulas para o trabalho em porcelana foram com Rosita Jung em Rio dos Cedros, para onde seguia na companhia de Bernadete Moser, que só poderia ir se fosse com a Dona Cornélia. "Outros tempos em que não tinha asfalto... era bem complicado.” Mas, as dificuldades
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Leila pede para Tainá ir pegar uma tela retratando Kennedy e que exemplifica essa importância da boca. Outro exemplo que Dona Cornélia recorda é a de um quadro do tataraneto do Dr. Blumenau que foi enviado para a Alemanha e que tem por detrás uma história curiosa e engraçada. Ao ver a fotografia antes de retratá-lo, Dona Cornélia comentou: “Elisabeth (Germer), ele tem um olho que diferente... um olho de vidro. Eu tive de desenhar. Tinha de fazer perfeito. Só que ele usava Sempre contou com o apoio do marido e da família. E óculos, agora imagine desenhar o olho de vidro por debaixo. também das pessoas daqui que continuam a valorizar Quando ele recebeu a encomenda exclamou: até o olho ela fez o seu trabalho “minha agenda está cheia de encomen- igual!” das. Ano que vem me guarda, me guarda... será que eu Para pintar prefere a noite ao dia, com tudo mais tranquilo aguento até lá?” – Aguenta sim! e com a televisão bem baixinha. Essa artista maravilhosa ajudou a formar muitos pintores da região: Elisa Gessner, Bernadete Peterman, Solange Pacher... As histórias sucedem-se em catadupa. Como aquela em que participou num concurso no pavilhão com seu amigo todas foram suas alunas. Egenolf Theilacker... “era pra levar as tintas... o tema era Perguntamos sobre sua obra favorita, a obra que mais livre... eu não sou boba, acho assim, se você vai pintar gostou de pintar. Resposta difícil “Foram tantas as emoções uma tela, tem que levar moldura, mas não dizia que era pra levar... fui a primeira a terminar, coloquei a moldura e que já tive que nem posso enumerar”. fiquei em primeiro lugar. O Egenolf ficou brabo, porque não Relembra um retrato que fez de Odinéia Marchetti, que dizia que era pra levar”, risos de todos. disse guardá-lo com muito carinho. Comenta de passagem que venceu um câncer há 15 anos, A peça que a marcou, pelo fato de ter despertado tamanha mas sem querer entregar importância a algo que ultrapassou emoção em um de seus clientes, foi um quadro feito em com a mesma determinação com que continua a encarar a homenagem às Bodas de Ouro dos pais de Vilma Stach. vida. Antigos donos da Malharia Diana. Relata que, quando o pai recebeu o presente, disse emocionado em alemão: “Nein, “Faço minhas unhas sozinha... tenho que cuidar da minha nein, nein... Nunca imaginei me ver assim”. Ele pendurou o mãozinha.” É bom que cuide mesmo, pensamos nós! quadro no quarto e disse que ninguém dali o tiraria. Perguntamos sobre seus pintores favoritos “Na porcelana não tem como Wakao, para mim é o mestre dos mestres, porque na porcelana é dito o seguinte, quanto mais fina, mais arte” O que fez questão de mostrar mais tarde, fazendo que a gente deslizasse o dedo em um prato de porcelana pintado, e, realmente, não se sentia o relevo, era como se nem houvesse pintura.
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Dona Cornélia revela, e sua filha confirma, que a coisa mais difícil de pintar quando se pinta rostos não são os olhos, como todos falam, e, sim, a boca “Qualquer traço muda a expressão!”
Leila Viramos o foco para a filha. Leila Fátima Floriani Claudino dos Santos é também artista plástica, faz pinturas em telas e porcelanas e, atualmente, é Presidente da Associação dos Artistas Plásticos de Timbó.
“Eu era muito grude, tinha uns oito anos... todos iam deitar depois do almoço... Eu fugia para ver a mãe pintar. Um dia estraguei uma tela dela e na máquina de costura fiz um monte de rolo” conta entre sorrisos. “Sábados à tarde a mãe dava aula em Ibirama e eu, como era a mais nova, ia junto e ficava pincelando...” Talvez a paixão comum pela arte tenha começado nessas sestas perdida na infância. Depois, por incentivo da mãe que sempre dizia “pega um outro professor”, foi fazer aula com Egenolf Theilacker, que perguntou o que ela gostava de pintar: rostos, respondeu decidida... O professor respondeu que isso não ensinava. Regressou à casa brava e determinada disse para a mãe: “ele não ensina rostos, então não vou mais.” Rostos. Era isso que queria aprender e que ainda hoje gosta de pintar. Rostos. Foi por isso, naturalmente, que um dos seus maiores desafios foi pintar um rosto, sozinha. Um rosto especial, o do seu marido, então ainda namorado. “A mãe falou que para retratar alguém conhecido, o retrato deve ficar perfeito! É muito difícil... e foi.” “Os olhos não foram difíceis, na época ele tinha bigode... fiquei um mês para pintar aquele bigode... eu podia ter arrancado o bigode fora, mas aquilo foi um desafio para mim.” O trabalho valeu a pena, recebeu os parabéns da mãe e elogios do namorado.
“Fiz o científico, fiz educação física e pintava mais como hobby... mas sempre pintava...” Depois da faculdade montou uma academia, a primeira da cidade, a Elegance. Quando sobrava um tempinho, aos sábados de manhã... pintava. “Quando eu não estou muito animada não consigo pintar, sou um pouco diferente da mãe... e não é em qualquer lugar que eu consigo pintar, tenho que ter um canto certo... Uma vez queriam que os artistas fossem pintar na praça... mas eu não gosto, não sai nada, sai um monte de bobagem.” Antigamente, havia uma onda cultural mais forte, talvez pela formação da época, dos colégios, da educação vinda de casa. Leila ressalta que, atualmente, há uma queda de valores. No passado, as mães passavam muitos ensinamentos
para os filhos “Hoje em dia, quem sabe pregar um botão? Quem faz uma bainha? As mães acham que é errado ensinar... minha mãe fazia a gente aprender tricô, minha irmã Clotilde fazia blusas divinas... e isso está a desaparecer.” Perguntamos sobre o incentivo à cultura que existe nos dias de hoje, diz que os artistas estavam se sentindo um pouco esquecidos. Ressalta que, em passos lentos, estão começando a dar um incentivo à cultura. Um exemplo disso é o espaço que será destinado à exposição dos trabalhos de artistas locais na Câmara Municipal de Timbó. Os incentivos por parte da iniciativa privada também são poucos. Não se criam espaços para exposição e as pessoas não querem ‘pagar caro’ por um quadro, por uma obra. Não se leva em consideração a bagagem e todo o trabalho que o artista tem. Ter a arte presente em suas casas e lugares que frequentam parece não ser importante. O timboense compra pouco, e os que compram são os mesmos que sempre compraram.
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Tainá E, no meio de tanta arte, surgiu a fotografia!
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“Meu tio Haroldo fabrica cadeiras e tinha comprado uma câmera para bater fotos. E eu fiquei apaixonada! Insisti durante um tempo para meu pai comprar uma câmera pra mim. Na época eu estudava e não tinha dinheiro.” A insistência foi tanta que Tainá acabou por ganhar de seu pai a tão ambicionada Canon XT, semiprofissional. Na época, tinha, aproximadamente, 15 ou 16 anos. Começou por casa e nas reuniões de família, fotografando seus parentes. Mas sempre como um hobby. Sempre preferiu fotografar pessoas “Gosto muito da expressão nas pessoas, do sentimento”. A vó, orgulhosa, diz “Tainá, dizem que você capta umas coisinhas que ninguém capta, por exemplo, assim, uma florzinha que tem no pé, lá está ela encrocadinha, porque ela é pequeninha, para bater a foto!” Olhar embevecido. A sensibilidade em se captar a beleza em meio a momentos comuns é mesmo um dom! O que nota-se facilmente em suas fotos. “Quando vou clicar, é uma coisa muito louca, eu clico muito! Tem uma hora que vai acontecer uma coisa muito legal, principalmente com criança. Uma hora ela vai colocar a mão no rosto e aquilo vai ficar uma imagem linda que vai trazer um sentimento. Ou ela vai colocar a mão no nariz e vai ficar engraçado.” Essa é a magia particular da fotografia de Tainá. A capacidade de criar o enquadramento perfeito e saber esperar, na certeza de que num momento a foto certa sairá, eternizando uma expressão, um gesto, um sentimento. Esta sensibilidade deve ter a ver com a genética “Não é tão fácil ter uma sensibilidade para captar determinados momentos.” Os olhos intensos de mãe e avó focam-se agora, orgulhosamente, em Tainá e na forma contagiante como fala do seu trabalho. Seu primeiro emprego foi num estúdio, mas seu primeiro acompanhamento, foco principal de seu trabalho, iniciou há dois anos.
Quando se formou queria trabalhar com marketing. A fotografia estava, na época, em segundo plano. Mas os trabalhos fotográficos foram aparecendo “Foi uma coisa que me acolheu, não fui eu que busquei!”, afirmou. Leila recorda com um sorriso: “Ela estragou um filme com 36 poses. Eu tinha comprado o rolo e quando fui para bater tinha acabado. Voltei à loja para reclamar. Achei que tinha comprado um rolo já usado.” Depois de revelado, lá apareceram as 36 fotografias tiradas por Tainá: meia roda de caminhão, o rabo de um passarinho... cheguei em casa e ela não falou nada. Não faz muito tempo, confessou que foi ela quem havia batido essas fotos... que ainda estão guardadas.” Risada geral... Tainá recordando a cena comenta; “pensando bem, inconscientemente, talvez tudo tenha começado ali, naquela brincadeira boba.” Outro episódio, que traduz um destino já traçado, aconteceu na fazenda da família, na época em que frequentava a faculdade e que tinha que fazer um trabalho sobre a natureza, relembra a mãe “Ela pegou uma máquina emprestada e estava com o Pedrinho, meu filho, e fez com que ele parasse umas 10 vezes pra bater foto de uma abelha.” Diz que a maior dificuldade na hora de bater foto de recêm-nascidos é fazê-los dormir e prepará-los em uma determinada pose para as fotos. “Eles choram, esticam a perna, desconstroem o que levou um tempão pra preparar”. Sobre as crianças disse que é preciso entender que crianças são crianças. Que são espontâneas. E é preciso respeitar seus limites. Talvez, por isso, seja hoje uma das mais requisitadas fotógrafas de crianças da região. “Tenho muito trabalho, às vezes, três ensaios por dia. Sobra pouco tempo. Por isso, o momento em que estou sem a câmara é o momento em que quero dar uma relaxada. Esquecer um pouco o trabalho... Mas, por vezes, por estar sem câmara, perco momentos que adoraria registrar, como esses dias, quando ia entregar uma matéria à Juli (Juliana Weiss Roncalio), que fiz para o Café Impresso, ela estava na janela com uma luz muito bonita e a cortina que estava na frente era de rendinha... até hoje eu me culpo por não ter a câmera naquele momento. Ia ficar uma foto linda.” - Qual o trabalho que mais te marcou? - Foi o do parto humanizado da mulher do meu primo. Foi de outro mundo... uma emoção muito boa, muito boa...
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- Teve um ensaio com uma gestante que me emocionou muito. Mas fotos têm várias. Tem uma que gosto muito, numa praia, num contraluz, com um pai brincando com o filho na prancha, outra de um pai segurando uma bebezinha, foi numa hora que eu falei uma besteira e ele riu, essa foto ficou bem sentimental, bem bonita!” Sobre fotógrafos que a influenciaram, citou Ana Correa, de Florianópolis, que trabalha com casamento e tem muita sensibilidade. Tainá, preto e branco ou colorida? “Preto e branco eu acho, tem foto específica que no preto e branco ela vai te dar o sentimento, tem foto que só funciona em preto e branco.” E este desafio que a VALEU lançou de fotografar as obras da avó e da mãe, já tinha pensado nisso? “Por acaso, há dias pensei que seria legal fotografar a avó pintando.” A VALEU vai querer publicar em primeira mão essas fotografias. Levantamos, deambulando pela casa, acompanhados por Dona Cornélia, numa visita guiada a uma vida dedicada à arte. Entretanto, anoiteceu sem que nos apercebêssemos. Uma leve brisa embala as árvores do jardim. Despedimo-nos com a promessa dum rápido regresso. “Venham, venham. É só avisar.” Despede-se Dona Cornélia com um sorriso aberto, abraçada à Leila e à Tainá. ■ por Clara Weiss Roncalio e João Moreira
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SARAVÁ, UMA VEZ
Crônica Gastronômica
Nesta minha experiência pelo chamado "Vale Europeu", no Estado de Santa Catarina, confirmo a ideia da multiplicidade de "países" que constituem este maravilhoso gigante sul-americano. Se, num primeiro impacto, a imagem musical e poética do país do samba e da boémia esbarra por aqui com a herança da colonização germânica da região, num olhar mais atento, percebemos que o suposto "ar marcial" acentuado pela pele clara, o cabelo loiro e os olhos azuis, não sobreviveu à miscelânea cultural brasileira.
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E esse é um dos charmes do "Bistrô Entre Parênteses", sonho de vida das manas Pollmann, tornado realidade. Encontrar duas brasileiras de origem alemã, que decidiram enriquecer sua Timbó natal, com 25 anos de experiência baiana é, por si só, algo de indescritível. Mais ainda, quando imaginamos o choque cultural da sua chegada à Bahia do afro-samba, através das histórias contadas entre moquecas, risottos e muitas gargalhadas. Neste térreo de esquina que a Meca e a Xuxa, como são conhecidas, fizeram o milagre de transformar num dos espaços mais acolhedores de Timbó, provam-se experiências, num ambiente familiar e informal, que se pode transformar, a qualquer momento, num show de bossa ou numa roda de samba. Por aqui não há "cardápios nem garçons". Há a Xuxa a deambular pela sala como anfitriã perfeita e a Meca na cozinha, com aparições fugazes entre nós, como que buscando inspiração no olhar e no estado de espírito de quem está para o prato que irá confeccionar cuidadosamente para cada um. Pelo meio podemos ser surpreendidos por um espumante gelado, por uma cerveja artesanal ou por um vinho cuidadosamente servido. Tudo como se estivéssemos em casa e se o bar ao canto fosse a geladeira de casa. Depois, são horas de pequenas estórias ou mesmo de História, contadas de forma contagiante pela Meca, que dedicou uma vida a descobrir os milagrosos segredos de cada uma das receitas que confecciona. A Meca é uma chefe à antiga, apaixonada pelos aromas, pelos sabores, pelas receitas, pela origem dos produtos. A sua culinária transporta-nos para manhãs de Páscoa de casa cheia, crianças correndo, ansiosas pela chegada do Cristo Ressuscitado, para poderem deliciar-se com as guloseimas que, desde manhã cedo, se atravancam nas mesas da cozinha, inundando a casa com uma miscelânea deliciosa de aromas provocadores.
É de fato de casa que nos lembramos, quando provamos os seus pitéus. Da casa dos nossos pais e dos velhos sobrados de Salvador, com baianas sentadas ao Sol, aguardando pacientemente que o cheiro da moqueca atravesse os longos corredores e, espraiando-se pela casa, lhes chegue às narinas atentas, anunciando o tempo certo de cozedura. Tudo leva o seu tempo no Bistrô, um tempo que rapidamente aprendemos ser o tempo da amizade. O tempo dessas muitas histórias que a Meca tem para contar. Histórias duma vida que cresceu com o Brasil e com os seus contrastes. Histórias de cada um dos ingredientes que aprendeu a usar nos recônditos do interior baiano e nos bairros degradados da velha São Salvador, onde a fome e a miséria aguçavam o engenho e transfiguravam, como que milagrosamente, o pouco em muito, o desconhecido em trivial. É também o tempo das muitas histórias da Xuxa, que é como quem diz as histórias de Timbó, onde, ao contrário da irmã, sempre viveu. E, sobretudo, das dezenas de episódios pitorescos que vieram com a experiência de servir aos outros a magia da culinária caseira. Por tudo isto e, por a Magda e Xuxa terem um coração do tamanho do mundo, o Bistrô torna-se rapidamente a nossa segunda casa. O local de refúgio em noites de solidão, o aconchego caseiro em dias de saudade, o ombro amigo em momentos de desespero e a certeza do conselho sempre certo e avisado. Obrigado por isso, meninas. ■ por João Moreira
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VINHO & ROLHAS
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NOTA SOBRE O Autor
Lopo de Castilho é licenciado em História, e desde longa data tem participado em diversas iniciativas de promoção de Vinhos, bem como de defesa de produtos de Denominação de Origem controlada; Foi diretor de uma Cooperativa de produção de Azeite, setor no qual já trabalhou e é atualmente responsável por uma pequena casa agrícola tradicional, no Douro Superior – Portugal -, produzindo uvas de qualidade excepcional, para vinhos do Douro e Porto. Presentemente é também o iniciador e responsável pelo projeto Museu do Saca-Rolhas.
Não é excessivo dizer que o Brasil é um dos poucos países do Afinal de contas, o Vinho, bebida sagrada, é um dos elementos Mundo que se pode orgulhar de ter o seu nascimento oficial imprescindíveis na Consagração, em qualquer Missa Católica. abençoado pelo Vinho. Como todos sabemos, a colonização e desbravamento Com efeito, o Vinho veio para estas Terras da América do iniciais do Brasil foram difíceis e deveram-se, em grande Sul, nas caravelas do Rei Dom Manuel I de Portugal, capi- parte, à tenacidade e heroicidade de Homens que, pouco a taneadas pelo valoroso Pedro Álvares Cabral e, quando Frei pouco, foram percorrendo e desvendando os vastos territórios Henrique de Coimbra, num belo Domingo de 26 de Abril de deste imenso País. 1500, em Porto Seguro, oficializou o “Achamento” desta Terra de Vera Cruz, com a celebração da 1ª Missa em terras brasileiras, lá estava o Vinho! Mas a maior parte desse imenso território encontra-se sob a influência de um clima Tropical, o qual não é de todo favorável e conveniente para a cultura da vinha, nem de uma vinicultura tendo em vista a produção de bons vinhos, devido ao seu excesso de calor e de umidade. Por isso, esses primeiros colonos brasileiros mandavam vir vinho da Europa, mais concretamente de Portugal, Reino de onde provinham na sua esmagadora maioria esses primeiros povoadores. Ainda assim, logo em 1532, alguns desses lusitanos trouxeram videiras de Portugal, que plantaram na região do Estado de São Paulo. Mais tarde, no século XVIII, colonos vindos dos Açores terão introduzido cepas (vinhas) vindas dos Açores e da Ilha da Madeira, por já estarem mais adaptadas a climas úmidos. Todavia, só no Brasil Império é que aparecem as primeiras plantações de vinhas, dignas desse nome, no Rio Grande do Sul. Importa aqui salientar o labor e sabedoria do Imperador Dom Pedro II que incrementou o povoamento destas zonas do sul, nomeadamente incentivando a vinda de colonos Italianos e Alemães. Hoje, depois de um imenso esforço desenvolvido especialmente a partir dos anos 80, do século passado, o Brasil já passou o estádio de simples produtor de boas uvas de mesa, para entrar no restrito clube dos países produtores de vinhos de mesa. Recordamos que no Brasil sempre houve grandes apreciadores de bons vinhos, fosse pela vinda da Corte de Dom João VI para o Brasil, fosse ainda pelo brilhantismo do Reinado de Dom Pedro II e da Princesa Isabel, que faziam chegar a esta nação os melhores vinhos do Mundo, fossem eles licorosos, como o Vinho do Porto e o Vinho da Madeira, bons Champanhes e Espumantes ou outros bons vinhos de mesa. E todos os grandes apreciadores de vinhos – Enófilos – sabem que um bom vinho é muito mais do que o resultado da simples produção de boas uvas. Afinal de contas, o processo de produção de um grande vinho não se esgota na vindima (apanha de uvas), longe disso; Estas, chegando ao lagar, passam por um longo processo de seleção de cachos, vinificação, seleção de lotes, estágio de vinhos e engarrafamento, processo sem o qual não teríamos vinhos dignos desse nome nas nossas mesas.
Finalmente, nunca é demais lembrar, que um Vinho é muito mais do que um simples suco; é uma bebida nobre e delicada, que necessita ser tratada como tal. Por esse motivo, nenhuma vinícola séria pensaria em vendê-lo em banais garrafinhas de plástico, tipo suquinho de supermercado… Que “magia” traria essa plebeia garrafita, feita de um derivado de petróleo (sim, o plástico é obtido do petróleo), a um belo jantar romântico, ou a um belo almoço de família, ou mesmo a um simples encontro entre amigos??? Por isso, bem como pelo fato de o Vinho ser um produto 100% natural, vivo, capaz de um fabuloso envelhecimento (quando o vinho é bom!), é que todos os Grandes Vinhos são devida- No caso dos fabricantes de vinhos de gama mais baixa, com mente acondicionados em garrafas de vidro (produto 100% menores margens de comercialização, a opção vedante de plástico ou de lata, deve-se, frequentemente, apenas ao natural), dotadas de Rolhas verdadeiras, de cortiça natural. querer poupar alguns cêntimos… Ainda assim, parece-nos Só a cortiça, material 100% natural, ecológico, amigo da uma má escolha, pois uma rolha de aglomerado de cortiça natureza e do ambiente, é o maior garante da qualidade e natural, também ela relativamente barata, não só é infinitamente superior aos vedantes sintéticos, como poderá boa preservação de um bom vinho! permitir verificar, daqui a algum tempo a evolução desse A cortiça natural, da qual são feitas as verdadeiras rolhas, mesmo vinho em garrafa… Bom, também há o caso de é um material com provas dadas, testado ao longo dos sécu- fabricantes de “vinho” que sabem perfeitamente que a los, e a moderna indústria corticeira fornece aos grandes bebida que vendem, nem digna de rolha é… produtores mundiais de vinho, uma seleção rigorosa das rolhas mais adequadas a cada tipo de garrafa e de vinho. Modas à parte, uma bebida com vedante sintético é como É o caso, por exemplo, da portuguesa Corticeira Amorim, um refrigerante, uma bebida destinada a ser consumida com quase 150 anos de experiência no fabrico de excelentes no imediato, tal como um suco de uva, mas nunca será um grande vinho. rolhas de cortiça. Dizer que outros tipos de vedantes são mais adequados para Assim sendo, um verdadeiro vinho, visto que a sua garrafa uma boa garrafa de vinho é uma falácia, para não dizer, pura tem rolha de cortiça, precisa sempre, para que o possa apreciar, a colaboração desse instrumento mágico, chamado mentira. saca-rolhas. Já alguém viu um Champanhe que não tivesse rolha de cortiça?? Nenhum produtor desses afamados vinhos es- Objeto aparentemente banal, o saca-rolhas encerra em si pumantes franceses arriscaria o nome e prestígio da sua um encanto tão especial, que são diversas as coleções munmarca, e, muito menos, poria em risco a qualidade do seu diais que o contemplam, bem como museus exclusivamente vinho, metendo-o numa garrafa com um vedante de lata ou dedicados a este acessório báquico. de plástico! Misterioso na sua origem, que se perde na noite dos tempos, Por que correr o risco de arruinar o seu vinho, colocando-lhe este objeto que qualquer apreciador de vinhos tem em sua outro vedante que não uma verdadeira rolha de cortiça? Só casa, pode ser simples ou sofisticado; anônimo ou concebido se for por “moda”, ou por falta de suficiente conhecimento, por algum dos mais reputados designers mundiais; objeto industrial, ou obra de arte manufaturada, mas sem ele é ou para enganar clientes pouco atentos e conhecedores. impossível escutar esse “ploc!” mágico, que inicia qualquer É verdade que alguns produtores mundiais o fazem, pois fantástico convívio, bebendo um bom vinho. foram numa moda recente, vinda dos Estados Unidos, onde grandes empresas fabricantes de vedantes em metal Bom, mas por agora ficamos por aqui, pois o universo dos e plástico, não hesitam em caluniar e mentir, sobre os saca-rolhas, tal como o da cortiça, das garrafas e dos vinhos produtos que consideram seus concorrentes, para melhor é vastíssimo e a eles esperamos voltar em próximos artigos. vender os seus produtos. A prática de “marketing agressivo” é nesse país tão corrente que, apenas para dar um exemplo Quanto aos leitores mais impacientes e curiosos, e pode ser fora do universo dos vinhos, um dos velhos produtores de que alguns até já sejam nossos seguidores na web, seja no armas dos USA, não hesitou a fazer uma campanha Facebook ou no Pinterest, tem sempre a hipótese de ver e publicitária dizendo “No Bull”, insinuando que as armas saber mais algumas coisas sobre saca-rolhas nas seguintes fabricadas pela TAURUS, grande empresa brasileira, com páginas: www.museudosacarolhas.com forte presença nos USA, são uma trampa! E, no que diz www.facebook.com/museu.dosacarolhas respeito às rolhas e à cortiça, os fabricantes de vedantes www.pinterest.com/MuseuSacaRolhas sintéticos, insinuam até que, para se obter a cortiça, se destroem as florestas de sobreiros, árvore da qual se obtém Terminamos reiterando o conselho que demos anteriora cortiça; Nada mais falso, pois a cortiça é uma espécie de mente; já sabe, caro leitor, se deseja ter a certeza de que casca exterior do sobreiro, que é extraída da árvore sem a o vinho que vai comprar é um produto sério, de qualidade, abater nem danificar! Por isso, é muito provável que a não tenha dúvidas e exija garrafas com rolhas de cortiça árvore que deu origem à rolha de um grande vinho, tenha verdadeira! ■ mais de 100 anos, e continue durante mais uns quantos séculos a dar origem a rolhas da melhor qualidade! por Lopo de Castilho // geral@museudosacarolhas.com
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VINHO E SUAS FASES. Já é sabido, e não de hoje, que o vinho, é uma bebida milenar, que se perpetuou por anos de guerras, vitórias, derrotas, conquistas, amores, agradável a todos que o provam e criado por mãos e corações de verdadeiros artistas, convictos em continuar a sua produção. Estamos igualmente cientes de todos os benefícios causados por uma boa dose de vinho, desde auxiliar no combate ao colesterol ruim e ajudar o bom, manter a pressão arterial estável, ajudar mulheres a engravidar, estimular a circulação do sangue, entre muitos outros... Contudo, devemos cuidar com o que compramos para não acabarmos comprando gato por lebre. Devemos, acima de tudo, saber um pouco sobre nós mesmos, ter em mente o que nos agrada nessa bebida para podermos começar a nossa jornada pelo mundo maravilhoso do vinho. Dentre as várias uvas utilizadas para sua fabricação, precisamos ter o cuidado de ir provando até acharmos a que mais nos agrada, para, então, irmos mais fundo para comparar métodos de produção e produtores. Sempre me perguntam: Qual é o melhor vinho do mundo? Confesso que não foi fácil achar essa resposta, mas falo sem medo, que o melhor vinho do mundo é aquele que você gosta e lhe faz bem! Claro que sabemos que existe uma linha do tempo para quem degusta vinho, para alguns ela é mais longa, já, para outros, ela é mais curta. Ao entrarmos no mundo do vinho, buscamos por vinhos mais leves, simples, sem muita complicação e, geralmente, doces. Vinhos fabricados com a uva Moscato, rotulada como Moscatel. Vinhos espumantes, doces e frescos muitos são feitos de puro Moscato, outros são feitos com mais de uma uva, que chamamos de Blend (mistura), para equilibrar e dar as qualidades ao vinho que são definidas pelo enólogo (profissional que cria o vinho de acordo com sua vontade, desejo, perspectiva e amor). Mas aí já estamos um pouco adiantados. Nesta fase inicial, queremos apenas tomar algo que seja agradável ao paladar. Depois que passamos um bom tempo tomando esse tipo de uva ou vinho, começamos a enjoar do doce e, então, buscamos vinhos mais desafiadores para nosso paladar. Como não temos ainda nosso paladar tão apurado, chegamos aos vinhos demi-sec, um meio termo entre os suaves e secos. Estes vinhos têm um pouco mais de sabor, um pouco mais de outros aromas além de uva, e representam um desafio a ser superado. Muitas pessoas, ao buscarem conhecimento por conta própria, lendo e procurando descobrir mais sobre vinhos acabam se tornando ‘enochatos’, e começam a arrotar tudo o que descobriram de forma (muitas vezes) errada, sem saber o fundamento do que estão falando. Nessa hora, entro como profissional e dou o auxílio que essas pessoas precisam. Escuto com muita atenção o que elas têm para falar, sobre suas viagens para a Europa e sobre como foi bom tomar vinhos tão encorpados. Porém, não fazem ideia de como poderiam aproveitar mais se seu paladar fosse trabalhado. Sempre indico para ir com calma e respeitar o limite do corpo.
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devemos juntar de forma harmônica o alimento com a bebida"
Com o paladar mais aguçado e com algumas preferências decretadas, passa-se da fase dos demi-sec para a dos vinhos encorpados secos, que trazem mais aromas e sabores de frutas, flores, temperos, especiarias, tudo isso com a influência do clima, solo, vento. Então, teremos que descobrir e sentir com os olhos, nariz e boca o que aquele vinho quer nos passar através de deliciosos goles grandes e demorados de puro prazer. Na maioria das vezes que vou tomar um vinho, penso no que ele quer me dizer através de sua cor, aroma e sabor. Pois ele não foi criado apenas para estar ali, ele está ali porque alguém amou um dia e criou esse líquido para partilhar de seus sentimentos com quem o beber (gosto de pensar assim!). Então, vou com calma, analiso por um tempo sua cor, sua textura e cheiro, lentamente, não apenas com o nariz e cérebro, busco sentir com o coração e deixar ele tomar conta de mim por um tempo. Tento sentir vagarosamente seus aromas mais escondidos, para então tomar um gole e sentir por completo seu sabor e me deixar levar até à última gota. Tudo isso, sempre levando em consideração o produtor, a safra e a uva. Claro que como tudo nesse mundo de meu Deus, existe o que nos agrada e o que não. Penso que existem vinhos que nos marcam e com os quais nós nos identificamos. Devido aos vários produtores pelo mundo afora e pela grande procura por este produto, surgiram vários outros produtores que, sinto em dizer, buscam somente uma bebida para vender com o nome de vinho. Devemos ficar atentos ao que bebemos e comemos, pois o vinho é um grande aliado quando se pensa em fundir alimento com bebida. Chamamos isso de harmonização e, como o nome já diz, devemos juntar de forma harmônica o alimento com a bebida. Claro que o leque de possibilidades é enorme. Devemos ficar ligados, pois existem regras básicas: vinhos brancos com carne branca e vinhos tintos com carnes vermelhas, mas, dependendo do corpo do vinho e da estrutura do prato, pode sim ser o inverso. Sempre que você tiver dúvidas, procure casas especializadas para, junto com um profissional, achar o que melhor lhe agrada nos quesitos sabor e preço. Preço, isso já é outro assunto que vai ficar pra próxima vez, por ora, vamos ficar com o doce sabor do vinho e deixar o amargor dos impostos para outro dia. Saúde e tim tim. ■ por Tiago Minusculi
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Júlio Firmo, 29 anos de experiência turística numa das maiores cadeias hoteleiras do sul do país, aperto de mão decidido e sorriso aberto, vai ser o homem forte da nova aposta do Grupo Reuter para a região – o Hotel Blue Hill.
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O HOTEL... Vale Europeu catarinense, apesar de ser uma das regiões brasileiras de maior potencial turístico, pela sua beleza natural, pelas caraterísticas específicas e únicas da sua colonização, pela preservação, embora cada vez menos conseguida, das suas idiossincrasias culturais e pela diversidade arquitetônica e paisagística, tem tardado em assumir a posição que lhe é devida no quadro turístico nacional. Os motivos são por demais conhecidos: a falta de infraestruturas de que a BR470 é exemplo paradigmático, de formação especializada, de vontade política dos, cada vez menos influentes, políticos locais, de ausência de estratégia nacional para o setor e resulta, igualmente, do fato da “indústria verde” ainda ser encarada como um enteado econômico de uma das regiões mais ricas do Brasil. O Grupo Reuter quer ajudar a mudar isso. Pelo menos é essa a ambição de Júlio Firmo, o novo timboense de adoção. Júlio, conversa transmitindo confiança, resultado óbvio de uma vida dedicada a mimar os outros e, talvez por isso, de “caçador” de um novo investimento para o grupo ao qual dedicou uma vida, virou “caçado” por Antônio Reuter e Edmilson Silva. Como o próprio relata, “na empresa para a qual trabalhava ficamos sabendo desse hotel que a Reuter estava projetando aqui na cidade e eu vim em busca de mais informações para poder catar essa nova unidade para a nossa rede. Nessas idas e vindas, a gente acabou pegando uma amizade e eles optaram por ter uma direção própria, me convidaram e acabei aceitando o desafio.” A cara do Blue Hill Hotel apanhou o projeto em andamento, “numa fase bem adiantada em termos de infraestrutura” o que não o impediu de meter mãos à obra e ajudar a desenvolver o hotel executivo 4 estrelas que projetaram para a cidade. O Blue Hill Hotel, assim o idealizam os seus fundadores, será uma unidade virada para o mercado corporativo, mas com um pé no turismo de lazer e aventura, aproveitando o crescimento deste segmento na região, muito em virtude do fortíssimo incremento que o clicloturismo e o turismo de natureza sofreram nos últimos anos. Munido de estudos de mercado que apontam para um crescimento da demanda da região como destino turístico, Júlio é peremptório em afirmar que neste momento existe um déficit de oferta de alojamento no Vale e, por isso, acredita que o projeto que o trouxe para Timbó será um sucesso. Nitidamente, esta é a praia de Júlio e isso transpira no entusiasmo que mantém ao longo da conversa com a VALEU, que decorreu na sede do Grupo Reuter.
Localizado bem no centro da cidade de Timbó, ao lado da Prefeitura, o hotel de padrão europeu com que o Grupo Reuter se aventura no setor turístico, pretende ser referência na região, apostando na qualidade de construção, numa cuidadosa e requintada decoração e na oferta de diversos serviços que Júlio Firmo acredita, farão a diferença no turismo do Vale.
- O Blue Hill Hotel está pensado para ser um microcosmos dentro da cidade. Um ambiente que permite ao turista ultrapassar as dificuldades habituais dos rígidos horários da região. Assim, funcionará com copa 24 horas e restaurante aberto todos os dias ao almoço e jantar. Outra das nossas preocupações prende-se com a qualidade do atendimento que pretendemos seja irrepreensível, para isso, estamos começando no fim do mês, em conjunto com o SESC e outras entidades, treinamentos para cada uma das áreas específicas, com garantia de trabalho no grupo para os formandos que obtiverem melhores resultados. Sabe, o que eu procuro trazer é um serviço diferenciado. A melhor coisa pela qual posso ser reconhecido é pelo serviço. Eu posso ter um hotel modesto, mas a guarida acolhedora que posso dar ao cliente, o cuidado no serviço, não tem preço e nunca será esquecido. – afirma Júlio, consciente de que o atendimento é um dos pontos fracos do turismo na região. Outra das preocupações do Grupo Reuter é a sua ligação à cidade e as parcerias que consideram estratégicas com os produtores locais. Comprar localmente o que for possível, revitalizar algumas das tradições gastronômicas da região, abrir o hotel aos artistas e músicos locais, são algumas das ideias constantes deste projeto hoteleiro. À pergunta de como será o Blue Hill Hotel, Júlio não hesita em responder que será um hotel dinâmico, moderno, mas acolhedor e com personalidade. Serão 60 apartamentos com apontamentos de decoração diferenciada e surpreendente, todos com internet por fibra ótica, restaurante com capacidade para 80 pessoas, sala de reuniões para 150 pessoas em auditório, piscina na cobertura e um terraço por cima da sala de eventos com uma vista de 360º sobre a cidade, onde Júlio sonha fazer happy hours, eventos e que é a menina dos olhos do gerente do Blue Hill, além de garagem própria com capacidade para 60 viaturas e um bar/choperia no térreo que estabelecerá a ligação que se pretende com o público local. A aposta do Grupo Reuter no setor turístico representará uma criação estimada de 20 a 25 empregos diretos, fora os indiretos, que surgirão pelas necessidades diárias de um investimento desta dimensão. Esta é a mais obvia repercussão econômica do surgimento de um novo hotel na cidade, a que se somarão outras mais difíceis de quantificar e que resultarão do acréscimo de turismo e de movimento espectável na região. Em breve, Timbó ganhará um novo hotel resultado duma solidez econômica que chega a impressionar, se analisarmos comparativamente a Pérola do Vale com outras cidades do país com a mesma dimensão. Timbó ganhará um novo hotel, com ele mais turistas, mais consumidores, mais empresários, mais visitantes, com novas ideias e outra visão de mundo, contribuindo para a afirmação de um caminho há muito iniciado, rumo a um cosmopolitismo saudável e seguro, conciliador de progresso com preservação ambiental, de desenvolvimento com a manutenção das riquíssimas tradições locais. Júlio Firmo acredita que assim será e o seu olhar vibrante e decidido ajudam-nos a acreditar com ele. Esperemos que assim seja! ■ por João Moreira
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RICARDO CASTANHEIRA EM ENTREVISTA... Chegado ao Brasil em março de 2011 para assumir o cargo de Diretor de Assuntos Corporativos da Microsoft Brasil, Ricardo Castanheira, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e com diversos diplomas avançados em gestão, entre eles na célebre Harvard John F. Kennedy School of Government de Boston e na FGV de São Paulo é, desde Agosto de 2013, Diretor-Geral da Motion Picture Association – América Latina.
Hoje, Ricardo Castanheira é a cara na América Latina da Motion Picture Association, o gigante que representa os seis maiores estúdios de cinema mundial, a saber: o Walt Disney Studios, a Paramount Pictures, a Sony, a 20th Century Fox, a Universal Pictures e a Warner Bros. De Brasília, onde reside habitualmente, Ricardo Castanheira acedeu gentilmente ao convite da VALEU para responder a algumas perguntas sobre o seu trajeto profissional, sobre o seu país de adoção e, naturalmente, sobre o seu novo cargo na Motion Picture Association.
VALEU: Bom dia, Ricardo e muito obrigado por aceitar o convite de participar na primeira edição da Revista VALEU, a mais recente revista cultural de Santa Catarina. Gostaríamos de começar pela sua experiência na Microsoft, que o trouxe até ao Brasil e onde, segundo palavras suas, viveu “as maiores alegrias da sua carreira profissional e contatou com mentes brilhantes”. Como foi trabalhar na empresa de Bill Gates? RC: A Microsoft é uma escola profissional impressionante. A par da visão estratégica, a organização é muito focada em resultados sem esquecer as pessoas que a constróem diariamente e o contexto social em que se insere. Compreendemos que o sucesso não é fruto do acaso e que o mérito é recompensado.
DESTAQUE
De 1995 a 2002, foi o mais jovem deputado eleito à Assembleia da República Portuguesa e antes de ingressar nos quadros da Microsoft Portugal, foi advogado-sócio da CAPA e CEO da FDTI, uma fundação portuguesa ligada às tecnologias de informação.
RC: O que é manifestamente bom para o Brasil – que precisa de mais mão-de-obra qualificada e que por isso se deveria abrir ainda mais – é mau para Portugal. A geração mais qualificada está a sair. Uma sangria de capital humano e criativo que em poucos anos terá um impressionante impacto negativo na nossa pirâmide etária, no PIB, na Segurança Social, etc etc. Um verdadeiro desastre. Apesar disso quem quer vir para o Brasil deve estar preparado para as diferenças (que são maiores do que pensamos) e para um mercado muito difícil. O chamado “custo brasil” existe mesmo. Não é um mito!
VALEU: Em agosto de 2013, o senador Chris Dodd, PresiVALEU: Que diferenças o marcaram mais em relação à ex- dente e CEO da Motion Picture Association of America, periência de trabalhar na mesma empresa de um lado e outro Inc., anunciou a sua escolha para Diretor Geral Brasil da empresa na América Latina, com rasgados elogios: “Ricardo do Atlântico? Castanheira é um estrategista hábil, articulador e criador RC: Apesar da companhia ser a mesma e de obedecer aos de alianças e parcerias. Sua energia e motivação são conmesmos valores e regras, a verdade é que o funcionamento tagiantes e evidentes a todos sob sua liderança.” Qual foi a interno é bem diferente. A marca cultural brasileira é muito sensação de ouvir estas palavras, do Presidente de umas das forte com o que isso significa de bom e de menos positivo. maiores entidades do mundo? Penso que as principais diferenças estão no nível de compromisso individual e na articulação coletiva, que na Europa RC: Foi ao mesmo tempo lisonjeiro e responsabilizador. Prefiro entender sempre os elogios como recados para o são mais fortes. futuro. VALEU: É habitual ouvirmos dizer que os portugueses se adaptam facilmente ao Brasil. Como foi a sua adaptação e VALEU: De 1996 a 2013, os membros associados da Motion Picture Association (MPA), coproduziram com parceiros quais os maiores obstáculos (se existiram) que encontrou? brasileiros, mais de 200 filmes, contribuindo para o boom RC: Os portugueses foram os primeiros cidadãos do Mun- do cinema nacional das últimas décadas. Como encara o do e construímos a primeira “aldeia global” – conceito tão futuro desta relação quase secular entre os maiores proem voga por conta da internet – com os “Descobrimentos”, dutores e distribuidores de filmes do mundo representados a partir do século XV. Adaptamo-nos, pois, a qualquer pela MPA e os produtores e distribuidores locais? circunstância ou adversidade. Por isso, seja no Brasil ou em qualquer outro lado, os portugueses rapidamente se afirmam RC: Vários estúdios membros da MPA estão no Brasil há pelo seu brio, empenhamento e dedicação profissionais, a quase cem anos! Isto significa que fazem parte da identidade nacional. Não existe na matriz e no pensamento par de uma empatia natural (apesar da nossa timidez). da MPA Brasil uma diferença entre o que é nacional e esVALEU: Nos últimos anos, a chegada de altos quadros trangeiro. A MPA está há 70 anos no Brasil empenhada europeus e nomeadamente portugueses ao Brasil tem sido em fazer crescer o mercado audiovisual nacional, levando uma constante, muito como consequência da crise na zona mais gente aos cinemas, a proteger os autores e criadores Euro, mas igualmente como consequência dum aumento do e a estimular a criatividade nacional. A parceria entre investimento estrangeiro e da estabilização econômica e os estúdios americanos e os produtores/distribuidores/ política do país. Como vê esta nova imigração de um lado e exibidores brasileiros é o único caminho possível para do outro? Quais os principais conselhos que deixaria a quem atender aos desejos de consumidores ávidos de cultura e entretenimento. vem trabalhar para o país?
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Compreendemos que o sucesso não é fruto do acaso e que o mérito é recompensado."
VALEU: Nos últimos anos, o cinema nacional tem conseguido recolher um reconhecimento internacional que não era habitual. Considera que isso resulta, em parte, do aprofundamento das relações entre os produtores locais e a MPA? RC: Há vários fatores que têm contribuído para a melhoria qualitativa e para o reconhecimento do cinema nacional no estrangeiro: o investimento público na produção, os mecanismos de fomento, o aprofundamento das coproduções internacionais e, obviamente, o fascínio que o Brasil nos últimos tem despertado no Mundo aumentando assim a demanda de produtos culturais. VALEU: Nos últimos 7 anos, o mercado do audiovisual brasileiro cresceu exponencialmente, tornando-se inclusivamente um dos motores da economia do país, com mais de 2500 salas de cinema e um acréscimo de bilheteira de 110%, o 7º lugar mundial em venda de DVD´s e o disparo no acesso à Banda larga. Quais os caminhos que vislumbra para o setor, no âmbito das parcerias existentes? RC: O Brasil é hoje um dos mercados que mais cresce no setor do audiovisual, sobretudo pelo aparecimento de uma nova classe média que descobriu o consumo cultural; mas se considerarmos a internet (o Brasil é o terceiro país do Mundo em tempo dispendido pelos usuários) significa que o potencial e as oportunidades aumentam de forma impressionante, não apenas na perspetiva do consumo mas também na produção de conteúdos digitais. Assim os marcos regulatórios o permitam!..
VALEU: Uma das questões mais controversas que envolvem a MPA é a dos direitos autorais. Como conciliar a necessidade de defesa destes direitos com uma cada vez maior liberalização no acesso a filmes, documentários, etc , via internet. Ou seja, como conciliar a liberdade exigida pelos internautas com o direito que autores e produtores têm de receber pela propriedade intelectual das suas criações? RC: Nunca como hoje tantas pessoas tiveram ao mesmo tempo acesso a tantas formas de entretenimento e produção cultural. Significa que se investiu muito no acesso e que normalmente as plataformas e os meios usados são sempre remunerados, mas esquecem-se que sem conteúdo (sem filmes, sem músicas, sem livros) se perde o essencial. Para alimentar a rede criativa é preciso proteger e remunerar os autores. Tal como na pesquisa científica ou tecnológica: se não se der segurança jurídica aos inventores a marcha do progresso morre!
VALEU: Um dos setores com maior potencial de crescimento do país é o turismo. Com a realização da contestada Copa do Mundo e a organização dos JO no Rio em 2016, o Brasil vive um momento crucial de decolagem do setor e de afirmação como principal destino turístico mundial. Numa altura em que Lisboa, cidade onde viveu por muitos anos, recebe sucessivos prêmios de melhor cidade para visitar na Europa e se transformou numa das capitais mais cosmopolitas do mundo, quais os conselhos que daria aos responsáveis políticos do setor para dinamizar o turismo brasileiro? RC: Sabe que o Brasil recebe menos turistas que Portugal? Isto diz muito do que há ainda por fazer no Turismo brasileiro, um dos mais belos países do Mundo. Sabia que o setor do audiovisual tem um peso no PIB superior ao do Turismo no Brasil? Isto comprova que vale a pena investir e ter políticas públicas adequadas para estimular um setor com potencial imenso de crescimento. No mais, convidaria todos os brasileiros a visitar não apenas Lisboa, mas todo o Portugal, onde poderão buscar uma inspiração maravilhosa!
VALEU: Quase a chegar ao fim, gostaríamos de saber se já VALEU: O Brasil tem uma enorme tradição de pirataria no conhece Santa Catarina e, se sim, quais os locais que visitou mercado de CD´s e DVD´s. Como encara o desafio de ultra- e qual a opinião guarda do Estado mais a Sul do país? passar esta dificuldade, em defesa dos seus associados? RC: Sim, conheço apenas Florianópolis e fiquei muito imRC: Além da pirataria de “hard goods” (bens físicos) o Brasil pressionado com tantas semelhanças e detalhes europeus. começa a dar sinais preocupantes na pirataria digital – um dos Aliás, na gastronomia a nossa cozinha açoreana tem um peso riscos da internet! – e para mitigar isso existe um triângulo muito grande! Pelo que vi é um Estado muito interessante, virtuoso que precisa funcionar em uníssono: mais educação com elevado potencial e com gente...bonita!... para a relevância da propriedade intelectual (nas escolas e no discurso político), mais fiscalização com mais meios para as VALEU: Para finalizar, um pequeníssimo inquérito em polícias; e um quadro legal mais adequado. Ora, no Brasil, relação ao Brasil. este três vértices estão muito desequilibrados, ainda! Um filme: “Central do Brasil” VALEU: Como foi este primeiro ano de trabalho na MPA e Um livro: Qualquer um do Carlos Drummond de Andrade ou do Ruy Castro. quais os principais desafios para 2015. Uma música: Qualquer uma do Tom Jobim. RC: Foi uma experiência fantástica e muito gratificante, Um prato: Feijoada, obviamente! sobretudo na construção de uma coalizão pela criatividade Uma cidade: Rio de Janeiro, sem dúvida! e pela inovção com os autores e produtores nacionais; ao Um momento: o que ainda está por vir!.. mesmo tempo na afirmação da reputação e da credibilidade dos estúdios que a MPA representa e que são forças motoras da identidade nacional na criação de riqueza, de empregos e no pagamento de impostos. VALEU: A sua chegada ao Brasil quase coincidiu com a eleição Muito obrigado pela disponibilidade. ■ da Presidente Dilma para o primeiro mandato e assistiu por João Moreira agora à sua renhida reeleição. Sem querer entrar em questões políticas, quais considera os principais desafios econômicos que a Presidente encontra pela frente? RC: Diria que a Agenda de Dilma está cada vez mais semelhante à agenda política portuguesa, imagine-se! Ou seja, recuperar as contas públicas, estimular a economia para o crescimento, internacionalizar os agentes econômicos e combater a corrupção!
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Para alimentar a rede criativa é preciso proteger e remunerar os autores."
A MARCA
UMA CIDADE PRECISA DE UMA MARCA?
O que é uma marca? Vivemos hoje num mundo de marcas, imagens, sinais, símbolos, slogans e mensagens, que se multiplicam e competem entre si pelo reconhecimento das pessoas: de audiências, públicos, clientes, comunidades e seguidores.
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Mas comecemos por perguntas simples: o que é afinal uma marca? É uma imagem ou uma palavra? Uma boa definição seria a de um “sinal”. Um sinal que representa uma “identidade”: produto, serviço, ideia, pessoa (CR7!), instituição ou território.
Para que serve? Basta lembrar a força emocional e simbólica dos emblemas de alguns dos nossos clubes de futebol para realizarmos o potencial de impacto e adesão de uma marca. São vários os objetivos da criação e gestão de marcas. O mais imediato e primitivo é o de reforçar a identidade e o reconhecimento de um “produto”. A marca cumpre também o papel de diferenciar a oferta da concorrência, através de valores, atitudes, mensagens e promessas distintivas e poderosas – desejavelmente, únicas.
A marca é, assim, um “emblema”! É um sinal distintivo formado por palavras, ícones, símbolos e cores, num desenho Exemplificando: patrimônio, cultura, vinhos e gastronomia, próprio e diferenciador. muitos destinos portugueses oferecem, mas só um é que pode proporcionar a experiência do “berço da nacionalidade” (Guimarães), dos vinhos do Porto (Porto/Gaia), da cidade dos Descobrimentos e de Pessoa (Lisboa), de uma paisagem heroica (Douro) ou do mito do guerreiro-pastor que foi Viriato (Viseu). Quando realiza o seu potencial, uma marca serve para valorizar o seu “produto” junto de grupos e públicos, através do reconhecimento, reputação, empatia e também do envolvimento. Nalguns casos, as marcas são o principal ativo da “oferta”. Vejam-se “superbrands” como a Coca-Cola (clássica e sempre ativa), a Absolut Vodka, a Apple, a Nike, a Lacoste, a MacDonalds ou a Starbucks. O valor do produto está, em grande medida, no estatuto das marcas. Entre nós, temos para além de emblemas de futebol, algumas marcas de cerveja e os vinhos do Alentejo… Note-se ainda como as marcas colocam hoje a sua energia em experiências reais de envolvimento e de construção de comunidade: festivais de música, iniciativas de solidariedade e de responsabilidade social, grupos de interesse... A Rexona protagonizou o caso mais recente e mais impactante, com a campanha da 1ª escola de atletismo adaptado em Portugal. São estratégias de “ativação” das marcas, com o objetivo de convocar, implicar e vincular os seus públicos numa experiência positiva e relevante.
Marcas para os territórios?… Como as marcas comerciais disputam os seus clientes, a sua fidelização e o seu envolvimento positivo, os territórios competem hoje pela construção da sua comunidade e pela fixação e atração de residentes, turistas, estudantes, criativos e investidores.
Uma marca para Viseu? São os benefícios e as vantagens deste tipo de experiências que Viseu pode aproveitar, valorizando-se!
Na Europa diversos casos marcantes são conhecidos: Amsterdão, Madrid, Bilbao, Dusseldorf. Em todas as marcas encontramos uma forte associação à identidade local, à convocação de uma experiência e à vinculação da comunidade.
A marca de Viseu é constituída por um octógono amarelo, com a inscrição “Viseu a melhor cidade para viver”, e um pictograma composto por duas flores no interior de um coração.
A marca territorial “Viseu melhor cidade para viver”, que foi recentemente adotada e está a aparecer nas ruas, cria elos positivos de identidade na comunidade e pode ser um O city marketing e o marketing territorial ocupam-se das recurso de participação e de promoção. estratégias de marca nos territórios, e da construção de promessas reais, diferenciadoras e sustentáveis para a sua Esta marca afirma e partilha uma promessa concreta e um comunidade e para novos públicos. compromisso real na comunidade e junto de turistas, novos residentes, estudantes e investidores: um território incluA marca “I love NY”, com quase 40 anos, é um dos casos sivo, com identidade e um padrão elevado de qualidade de clássicos e pioneiros de marca de uma cidade e de um desti- vida. Também aqui, mas não só, radica a nossa diferenciação. no turístico, de eventos e experiências.
A forma octogonal é inspirada simbolicamente na “Cava de Viriato”, emblema único e marcante de Viseu, muito distintivo, classificado como monumento nacional e com uma origem histórica enigmática. O marketing territorial é uma realidade recente e ainda difusa em Portugal, mas que conta com algumas experiências de sucesso em Lisboa, no Alentejo, Porto, Douro e em Guimarães.
O coração comunica a posição geográfica no país, mas também o compromisso de uma sociedade inclusiva, onde ninguém é deixado para trás. As flores evocam o estatuto de uma cidade-jardim, amiga do ambiente. Mas é claro que uma marca nunca diz tudo. Para aumentar o seu potencial de comunicação, deram-se à marca “extensões”, com ícones relativos a Viriato, ao Centro Histórico e à Sé, à Família e ao Fontelo. Esta marca está a chegar progressivamente à comunidade: nas portas das lojas, nos táxis, em eventos desportivos ou solidários, na publicidade. Os viseenses são e terão de ser os primeiros e mais importantes embaixadores da sua marca. São por isso desafiados a “vestir a camisola” e levar o nome e a identidade de Viseu mais longe. Como uma pessoa, também a marca evolui e veste-se para diferentes ocasiões e momentos. Em Junho e Julho, por altura do Mundial de Futebol, a marca apresentou-se com as cores nacionais e uma mensagem de apoio à Seleção. ■ por Jorge Sobrado Adjunto do Presidente da Câmara Municipal de Viseu; Professor Convidado da Universidade do Porto.
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Café Musical O “Café Musical” é um evento realizado mensalmente no Museu da Música desde 2009 e um dos seus objetivos é proporcionar à comunidade a oportunidade de acesso a eventos culturais de qualidade a custo zero. O evento tem se mostrado bem sucedido em atrair público de diferentes formações e faixas etárias ao Museu da Música, pois o evento traz diversos estilos musicais agradando aos mais variados tipos de público.
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MUSEU DA MÚSICA
O “Café Musical” inicia-se as 09h:30 min, quando é servido um delicioso café gratuito. Nossos visitantes veem nesta ocasião uma oportunidade de confraternizar-se, rever os amigos e fazer novas amizades. Em seguida, às 10h:00, tem início apresentação musical com cerca de 1 (uma) hora de duração. Este evento atrai um público entre 50 e 100 pessoas.
Apresentação
Concerto Noturno
O Museu da Música está instalado no antigo Salão Hammermeister que foi construído no início do século XX por imigrantes alemães, unicamente com a função de salão de bailes e está situado em local privilegiado e cercado por paisagens rurais. A técnica construtiva mais marcante do edifício é a de alvenaria autoportante de tijolos aparentes. Tombado pelo patrimônio histórico através do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e pensando na preservação do bem cultural, o imóvel foi adquirido pela Prefeitura Municipal.
O “Concerto Noturno” é um evento com os mesmos objetivos do Café Musical, porém realizado à noite. O evento acontece em três ocasiões durante o ano, às 19h:00, proporcionando assim uma programação prazerosa e cultural para a noite de domingo. Nada como preparar-se para iniciar uma nova semana ouvindo boa música. No Concerto Noturno costuma-se receber em torno de 50 pessoas.
O Museu da Música foi inaugurado em 19 de setembro de 2004, tendo como idealizador o Pastor Hans Hermann Ziel, com o apoio da Prefeitura Municipal através da Fundação Cultural. Possui um amplo acervo, com mais de 2000 peças, constituído de instrumentos musicais dos mais variados tipos, épocas e países, tanto originais como réplicas; coleções de gravuras, métodos, partituras, livros, discos e desenhos técnicos. O Museu da Música torna-se especial, pois é o único do Brasil desse porte e com tal acervo musical e também por estar abrigado em um imóvel centenário, também único no Brasil. Desde sua criação o Museu da Música tem como objetivo preservar o seu patrimônio, com o intuito de mostrar ao público visitante a cultura musical e a história da construção de instrumentos musicais através dos séculos e gerações. Para isso desenvolve diversas ações educativas, espetáculos musicais variados. Dentro dessa perspectiva passa a cumprir com sua missão institucional que pretende desenvolver suas ações de preservação, conservação e comunicação de seu acervo. Também pretende estimular o interesse dos visitantes pela música através da realização de exposições, ações educativas e concertos, além de outros eventos culturais com o objetivo de tornar o Museu da Música um espaço para a educação musical, aprendizagem e cultura. Todos esses eventos só são possíveis com a construção de parcerias público e privadas com empresas locais. As Redes Estadual, Municipal e Particular de Ensino, Assistência Social, Centros de Atendimento Psicossocial, Associação de Artistas Plásticos e outros também foram importantes parceiros.
Tarde do Rock A Tarde do Rock é um evento anual iniciado em 2011 e tem como objetivo divulgar as bandas de rock da cidade e região, dando oportunidade às bandas para divulgar o seu trabalho. O evento se mostrou bem sucedido em todas as suas edições e atraiu um público que dificilmente visita esses espaços culturais. No dia destinado a Tarde do Rock, passam pelo Museu mais de 100 pessoas.
Tarde do Blues Outro evento fixo no calendário do Museu da Música, criado com o objetivo de diversificar as atrações e estilos musicais visando atrair diferentes públicos, é a Tarde do Blues. Nesta ocasião, os músicos Léo Maier e Fernando Santos realizam um descontraído workshop de gaita e guitarra blues. Quem vem ao Museu neste dia tem a oportunidade de aprender sobre o estilo e ainda assistir a jams com músicos convidados pelos ministrantes.
Noite dos Candelabros Em comemoração ao aniversário do Museu da Música, anualmente no mês de setembro, acontece a Noite dos Candelabros. Nesta ocasião as luzes são apagadas e realiza-se a apresentação musical à luz de velas remetendo o público à emocionante época renascentista e barroca.
Oficinas de Férias Durante as férias escolares de julho o Museu da Música desenvolve atividades que envolvem diversão, criatividade e educação para atrair adultos e crianças. Cada ano é desenvolvida uma parceria com alguma escola de Timbó ou região e são realizadas ações educativas especiais no espaço do Museu.
Ações Itinerantes - Museu vai à Escola Com o objetivo de viabilizar a circulação do acervo museológico bem como expandir as ações educativas em espaços extra museu como escolas, são realizadas as ações educativas itinerantes. Estas ações são as mesmas realizadas no ambiente do Museu, lúdicas e pedagógicas abrangendo história, música e patrimônio mas através delas, podemos atingir um público que talvez de outra forma não teria acesso ao que o Museu oferece.
Exposições de Curta Duração Exposições com temas diversificados relacionados à música e suas diversas formas de expressão são realizadas no espaço expositivo do Museu da Música. Muitas vezes são utilizados objetos do acervo do Museu e materiais contextuais visando fornecer sempre novas perspectivas e visões aos nossos visitantes. As exposições de curta duração permitem ao Museu despertar o interesse de novos públicos levando a um aumento de visitantes. Durante o ano são realizadas, em média, cerca de 4 exposições temporárias. Sendo a realização de tais exposições, um aspecto importante na dinamização do Museu.
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Ações Educativas
Centro de Documentação
As ações educativas e culturais são elementos essenciais no funcionamento do Museu, pois tais ações contribuem para tornar o Museu dinâmico e um espaço para aprendizagem, reflexão e a vivência sociocultural.
O centro de documentação do Museu da Música é responsável por manter atualizadas as informações relativas ao acervo. A documentação é um dos aspectos vitais da gestão dos museus e é destinada ao tratamento da informação em todos os aspectos desde a entrada do objeto no Museu até sua exposição. No processo da documentação estão envolvidas tarefas destinadas à coleta, armazenamento, organização e recuperação das informações que os objetos podem transmitir. O Centro de Documentação é responsável pela gestão de todo o acervo do Museu da Música e suas implicações.
Os Museus são espaços de extrema riqueza para a formação educacional, cultural e cidadã, espaços de aprendizagem. O museu pode e deve estar a serviço do trabalho do educador. É um bom instrumento para apoiar pesquisas e referenciar estudos que estão sendo desenvolvidos em sala de aula. Visando interagir com as instituições educacionais bem como explorar seu potencial educativo, o Museu da Música realiza diversas atividades educativas pedagógicas, temáticas e lúdicas que procuram permitir o contato com o mundo da música e dos instrumentos musicais. Estas atividades devem ser previamente agendadas. Estão disponíveis atividades pedagógicas, temáticas e lúdicas que procuram permitir o contato com o mundo da música e dos instrumentos musicais.
Laboratório de Som O Museu da Música conta com um laboratório de som, no qual os visitantes podem experimentar o som de alguns instrumentos.
Visitantes
O Museu da Música recebe, em média, cerca de 300 visitantes por mês, incluindo espontâneos e agendados. Além disso, através das ações itinerantes realizadas em escolas e outros locais, atinge-se um público entre 500 e 1.000 Outros eventos O espaço do Museu também é disponibilizado para a pessoas. Sendo assim, ao todo, o Museu da Música atinge realização de workshops, palestras e pequenos shows um público de, em média, 4.000 pessoas ao ano. musicais além de outros eventos relacionados à música.
Endereço
Laboratório de Restauração O Museu é responsável pela preservação de suas coleções, pressupondo a guarda, a segurança e a disponibilização para pesquisa e apreciação estética por meio de exposições e em condições adequadas. O Museu da Música conta com uma pequena oficina de conservação. Ali são feitas, desde a higienização até a recuperação dos objetos. Além de pequenas intervenções de restauro, busca-se também interromper processos de deterioração das peças através da conservação preventiva do acervo.
R: Edmund Bell, S/N. Rodovia SC 477, km 05 CEP: 89120-000, Timbó –SC.
Horário de Atendimento De terça a domingo e feriados das 08h:30min às11h:30min e das 13h:30min às 17h:30min. Visitas monitoradas e ações educativas devem ser agendadas antecipadamente. Tel.: (47) 3399-0418 E: museudamusica@culturatimbo.com.br F https://www.facebook.com/museudamusica.timbo ■
In, Dicionário dos Lugares Imaginários de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi
JÁ BRINCARAM ... “Eles não sabem, nem sonham Que o sonho comanda a vida E que sempre que um homem sonha O mundo pula e avança Como bola colorida Entre as mãos de uma criança”
Excerto do poema “Pedra Filosofal” de António Gedeão Já brincaram de jogar à bola? Eu também. A primeira vez que brinquei de jogar à bola, já nem lembro a idade que tinha. Era um gurizinho, bem pequeno e acho que a bola era bem maior do que eu. Na verdade, a bola era tão grande como o mundo. Quase tão grande como o mundo que tinha visto na mesa da professora, na sala de aula. Um globo, dissera ela. Bem redondo, como a bola gigante que chutei a primeira vez. Todo pintalgado de cores. Cada cor era um país e o azul era o mar. Sempre gostei do azul, porque quase enchia o globo, que era o mundo. O nosso mundo. Mas, nessa altura eu não sabia muito bem o que era o mundo e mesmo agora que já sou grande (bem, não muito, não é?) ainda não sei muito bem. Mas, sabia que era onde viviam as pessoas. Meninos, iguais a mim. Os pais dos meninos iguais a mim. E que era ENORME!!!! Tão grande, tão grande, que todos os pais de todos os meninos como eu e todos os avós de todos os meninos como eu e todos os tios de todos os meninos como eu todos os meninos como eu e todos os animais, como o meu gato Jeremias e como o cão da Roberta, o Lion e todos os outros animais, cabiam nele. Nunca tinha imaginado nada tão grande e, no entanto, estava ali. E eu já tinha dado pontapés numa bola do tamanho desse mundo todo.
INFANTILIDADE
IMAGINAÇÃO, reino verdejante, governado por uma imperatriz bondosa cujas boas ações se estendem muito para lá das fronteiras do seu país. A sua filha mais velha, a princesa História, foi uma vez enviada em missão ao Reino dos Humanos. Aí chegada, defrontou-se com guardas eruditos que a proibiram de entrar, dizendo que a sua prima, Madame Moda, tinha acusado a princesa de não passar de uma solteirona. Seguindo o conselho da imperatriz, a princesa esperou até os guardas adormecerem e, depois de pedir auxílio às crianças do Reino dos Homens, finalmente conseguiu entrar.
grande, tão grande, mas tão grande que nele cabia tudo, mas mesmo tudo ou quase tudo que eu alguma vez sonhara. Comboios e carros, barcos e aviões, meninos e meninas, girafas e leões, até o Rei Leão e os animais todos, todinhos, desde a formiguinha pequenininha ao gigantesco elefante e todas as árvores e todas as plantas todos os rios e todos os mares e o céu, todinho, com as nuvens brancas desenhando flores e girafas e navios e o Sol e a Lua, daquelas, deitada de lado, com um menino balouçando no seu colo e tudo, mas tudo o que eu me pudesse lembrar. Esse era o mundo. O nosso mundo. Mas depois, descobri que havia outro. Bem mais importante. O mundo dos sonhos. Dos meus sonhos. Um mundo mágico, muito, mas muito, mas muito maior do que a bola com que jogara a primeira vez e muito, mas muito maior do que o globo na mesa da sala de aula da professora e que era o nosso mundo. Tão grande que era ainda maior do que o mundo gigante em que cabia tudo o que conhecia. Porque nesse mundo mágico, cabia muito mais. Cabia tudo, mas mesmo tudo! Cabiam os meus sonhos. O sonho em que eu e todos os meninos como eu, brincávamos juntos enquanto os nossos pais conversavam e comiam e se riam juntos. Onde havia palhaços felizes de verdade e bailarinas vestidas de rosa, dançando com príncipes sem reino, nem guardas, nem bruxas más, nem madrastas, nem florestas escuras, nem maçãs envenenadas. Onde havia picolés para todos os meninos e bolos e todas as comidas e flores que nunca murchavam e árvores que nunca eram cortadas e escolas lindas onde aprendíamos sobre o mundo de verdade e sobre este mundo dos meus sonhos e mares com golfinhos que vinham comer na nossa mão e balouços e escorregas e onde nunca estávamos doentes nem tristes. Esse mundo dos meus sonhos era perfeito e depois percebi que não há mundos perfeitos. Mas, pensei que se eu continuasse a sonhar, talvez, talvez mesmo, o mundo, o de verdade, pudesse ficar um bocadinho mais perfeito. Querem experimentar comigo? ■
Depois percebi que esse mundo era uma bola maior do que o tal globo que a professora mostrara na sala de aula. Era por João Moreira maior do que a bola com que eu brincara pela primeira vez. ilustrações Bruna Fórmolo Roncalio Muito maior do que eu podia imaginar. O mundo era tão
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OS DIAS DA RADIO! A Rádio Cultura de Timbó é há muito uma instituição da cidade. Fundada em 1981 por um grupo de empresários timboenses a que três anos depois se juntaram Jeter Reinert Sobrinho e seu pai Jener Reinert, foi conquistando o seu espaço no dia-a-dia dos timboenses à custa da visão empreendedora dos seus fundadores e do empenho dos muitos profissionais que a transformaram num caso de sucesso em toda a região. Hoje, é quase impossível encontrar alguém que não acompanhe a rádio mais antiga de Timbó, ou que, pelo menos nos momentos mais dramáticos da cidade, como os dias de enchente, que infelizmente se repetem com uma frequência incompreensível, não tenha ficado colado às informações de serviço público com que os seus profissionais vão tentando tranquilizar a população. Talvez sejam essa alma e essa entrega que fazem da Rádio Cultura um caso único de longevidade com um crescimento constante de audiências e parceiros, ao longo dos seus 33 anos de existência, 30 dos quais, com Jeter no comando, comemorados no ano que agora terminou. Porém, Jeter não se acomodou ao sucesso obtido e em 2001/2002, aquando da abertura de concurso para novas licenças no país, decidiu concorrer e ganhou a concessão de FM em Pomerode e no litoral, em Piçarras. Por isso, se 2014 foi ano de comemoração, 2015 iniciou-se com a inauguração das transmissões da Rádio Cultura Pomerode, entregando ao projeto iniciado há 30 anos, uma nova dimensão e responsabilidade. Foram 13 longuíssimos anos de espera para a concretização do projeto por atrasos inexplicáveis na atribuição do licenciamento, cuja responsabilidade Jeter não hesita em atribuir inteiramente ao Governo Federal. Os custos desta inoperância governamental foram gigantescos, para além do desgaste inerente e das muitas viagens a Brasília, com direito a reuniões com Secretários e Ministros. - Parece piada, mas não é. – afirma o empresário de mídia, finalmente tranquilizado com a abertura da sua nova aposta radiofônica. A mágoa mantém-se, mas a energia com que nos fala desta nova aposta, atenuam os anos de espera e incerteza que viveu para chegar até aqui. Hoje é tempo de falar de futuro e não de passado, por isso, questionamos o que esperar desta nova rádio pomerana. - Em equipe que ganha não se mexe, por isso, vamos transportar para Pomerode o projeto que implantamos com êxito aqui em Timbó. As duas cidades são muito parecidas, com o mesmo perfil socioeconômico, empresarial e cultural, então achamos que a lógica que fomos desenvolvendo em Timbó irá resultar lá também, duma rádio de proximidade, em permanente diálogo com os ouvintes, servindo de elo entre cidadãos e entidades públicas e privadas. Essa é a nossa proposta e estamos certos do sucesso. Há espaço para todos. O espírito não podia ser mais otimista e ganhador. Jeter transmite a confiança dos vencedores, mesmo quando fala da concorrência. - Pomerode já tem uma rádio que tem feito um belíssimo trabalho. Mas, com a nossa chegada, vai fazer ainda melhor, porque a concorrência estimula e faz a gente melhorar. – Para que não restem dúvidas, dá como exemplo o aparecimento da 92 FM de Timbó, que acabou sendo um motor para um novo crescimento da Rádio Cultura. - O ano em que apareceu a 92, o nosso crescimento foi ainda maior e acabou sendo um dos melhores anos da Rádio Cultura. Esta visão desinibida da concorrência mostra o frescor empresarial de Jeter, que 30 anos depois da abertura da sua primeira experiência radiofônica, apresenta a jovialidade e o entusiasmo de um adolescente. Enquanto conversamos, ouve-se o programa da manhã da Rádio Cultura Pomerode, que mal começou é já um sucesso! Mais uma aposta ganha para o empresário de mídia que desde 1984 conquistou os ouvidos das gentes do Vale. ■ por João Moreira
08/12/2012
O PRIMEIRO VOO DE ALGUÉM...
Parecia que ia ser mais um voo comum, igual aos diversos que já fiz. Chego ao aeroporto de Navegantes, faço o check-in, vou à cafeteria, compro um expresso pequeno (que vale uns 50 centavos mas que me custa 7 reais) junto com um bolinho que, a princípio, era pra ser de morango mas parecia feito de isopor com licor de groselha. Embarco num 737-700 já meio ‘surradão’, com as partes brilhantes já meio foscas, com o branco da fuselagem um tanto acinzentado de fuligem, marcas que denunciam sua "experiência" como voador. Minha poltrona é a 4A (janela) que me permitiria curtir o visual do litoral norte catarinense, da Baía da Babitonga em São Francisco do Sul até o rockpoint em Santos. Na poltrona à minha frente seguia uma jovem em torno de uns 20 anos acompanhada de um casal na faixa dos 30. Ela estava ao telefone e, inevitavelmente, escuto sua conversa com a sua mãe. Ela narrou todos os detalhes, desde a sala de embarque até a pista, os degraus limpos da escada e descrevia sua surpresa com o tamanho daquela máquina a qual ela havia adentrado. Também contava os detalhes da persiana que ela mesma abaixava e subia, tapando-lhe a visão da pista e escondendo o sol. Sem dúvida alguma, eu estava diante do primeiro voo daquela garota, e me pus a observar seu comportamento e suas reações diante de tal experiência.
A comissária pede que desliguem os celulares e ela prontamente atende ao pedido, enquanto eu dava a última espiada nos e-mails - como se fosse resolver alguma coisa... começa o taxiamento... suas mãos grudadas no braço da poltrona denunciavam sua ansiedade e nervosismo. O riso facilmente lhe escapava dos pulmões. Era mesmo o primeiro voo daquele ser humano.
aquela "novata" com uma certa arrogância que a experiência me credenciava.
Imediatamente, fiz uma relação com o que vivemos no parapente. Quantas vezes nos comportamos com soberba e arrogância diante de um piloto novato? Quantas vezes desperdiçamos a oportunidade de fazer parte do crescimento daquele piloto, dirigindo-lhe uma orientação sincera, uma O gigante chega ao final da pista, ela se desespera e co- palavra de apoio, só porque sentimos no direito de julgar-nos menta com a amiga: “Nossa! E agora, pra onde a gente vai? superiores e mais experientes do que o "preá", o novato? rsrs...” O piloto então manobra sobre as rodas e alinha o imponente 700. Ela respira fundo e segura, como quem O destino estava me dando a oportunidade de ver a beleza do aguarda um susto, um estouro, uma surpresa. As turbinas sentimento que um ser humano tem quando ganha os céus, do sugam o vento maral que sopra em Navegantes enchendo-se quanto o homem se encanta quando "anda" no firmamento. de maresia e umidade. Vem o zunido e o empuxo. Ela encosta a cabeça na poltrona com se pudesse evitar a disparada. A A garota passou todo o voo grudada na janela, comentando pista começa a passar cada vez mais rápida sob seus pés, com a amiga os detalhes do que via, as cores da vegetação, o o trem dianteiro deixa o solo e a força G começa a atuar. tamanho dos navios no mar, as estradas, as nuvens... Então ela começa a soltar o ar dos pulmões num riso baixo, contido, porém, sincero e inevitável, meio constrangida O piloto avisa a tripulação para preparar-se para o pouso. A até. Ela olha a janela e vê a praia, as casas, os carros, as selva de pedra emerge, as avenidas movimentadas, o cinza montanhas, o pontal da Penha se mostrando como numa do asfalto e do concreto, a camada de poluição no horizonte. foto. Vem chegando a camada de nuvens e reparo que ela A garota se acomoda na poltrona, retesa a coluna e aguarda está com a mão na boca tentando conter o espanto e é quan- o pouso. Tocamos a pista, um solavanco lhe arranca uma do um tapete branco se desenha abaixo do avião e ela diz: risada de susto. O som do reverso urra nos tímpanos e a “Nossa! Isso é divino!” E continua a fitar o horizonte entre desaceleração nos traz de novo colados ao chão. Mas a garota ainda estava com a cabeça lá em cima, no céu de Da o limiar das nuvens e o azul celeste. Vinci. Nunca mais ela irá olhar os céus sem lembrar do seu Naquele momento, minha atenção se voltou para o que eu primeiro voo. estava sentindo. Eu estava diante de uma das maiores experiências da vida daquela pessoa e, então, me toquei do E eu ali atrás, sorrio com o canto da boca, como quem diz a significado que o intento estava me dizendo: "Lembre-se si mesmo: “Lembrou como era? Seu babaca arrogante... ■ do seu primeiro voo. Sempre!". Na minha soberba eu me comportava como um expectador experiente, que fitava por Luciano Miguel Martins
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CRÓNICA DE VIAGEM
POSTAIS PERDIDOS El Chaltén, Patagónia, Argentina 28-XI-08 Meu caro Como bem sabes nunca me imaginei a fazer trilhos ou caminhadas, mas o destino gosta de brincar conosco e dei por mim no meio de um parque natural a fazer, sozinho, uma trilha por montes, vales e lagoas. A proximidade de El Chaltén, e do mítico monte Fitzroy, criou uma espécie de íman e eis-me atirado para uma trilha - fácil, é claro - no paraíso dos maluquinhos das caminhadas, todos apetrechados com o último grito da roupa de montanha e uma variedade impressionante de gadgets. Valeu a pena. Não apenas porque a alma não é pequena, valeu mesmo a pena caminhar por entre os bosques de lenga, cruzar riachos gelados e descansar à beira de uma lagoa cristalina. Sempre com o Fitzroy em vista e os glaciares a caírem montanha abaixo. Como que compreendo agora melhor esta coisa das caminhadas. Moderadamente, claro, pois isso de penar até ao sofrimento, em nome sabe-se lá de quê, não me parece nada interessante, mas seguir tranquilo de cabeça vazia com a natureza por companhia deixa uma notável sensação de paz. Nada como uma viagem para descobrirmos prazeres antes ocultos. Termino o dia em El Chaltén, que bem poderia ser o cenário de um western moderno com as pistolas substituídas por bastões de caminhada com que os duelistas se bateriam, em vez de jeans, botas e coletes, as calças térmicas, corta-ventos e sapatos de caminhada. Uma terra que imagino desabitada, com ruas desertas cobertas por uma densa nuvem de pó levantado por um vento muito próprio, não estivesse situada mesmo em frente a este maravilhoso parque natural sempre pontuado pelo Fitzroy, esse enorme dente virado ao céu. A Patagónia é muito isto. ■ por João Albuquerque Carreiras
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PERSONALIDADE
BETO BARRETO Beto Barreto, natural de São Paulo, de onde saiu com apenas 1 ano de vida, cresceu em Florianópolis. Por influência de seu tio alfaiate, o mundo da moda lhe despertou interesse desde cedo. Trabalhava na renomada loja “Beco” em Florianópolis, e sempre estava viajando para o Rio de Janeiro para comprar roupas de famosas grifes. Roupas que vestiam Caetano, Gil, Ney Matogrosso, que ditavam a tendência num mundo pós-tropicalista. Em Porto Alegre, foi representante da Triton. Ao ser convidado para trabalhar na Happy feminina de Blumenau, ficou 4 anos como comprador e, então, viajava para os Estados Unidos, Itália, o Japão, China, Índia para participar de feiras de moda. Chegou em Timbó há, aproximadamente, 15 anos para trabalhar na Malharia Diana. E diz que daqui não sai, pois adora a Cidade. Colunista do Jornal Café Impresso, das Revistas Duo e StudioBox (esta de Portugal) e, agora, da VALEU. Beto também dá seus cliques em eventos e noitadas da região. Há 7 anos, abriu sua loja, a Espanha Club, que é o reflexo do seu bom gosto: Cavalera, Guess, Calvin Klein, Triton, Desigual, Lacoste Live, King & Joe, Anna Schmidt, Scheila Pacher Acessórios e Happy. Todas essas marcas são encontradas na loja. Para pessoas de boa índole, viver no mundo da moda não é tarefa fácil “É um mundo cheio de falsidade”, retrata. Tem como pretensão participar do mundo político com o objetivo de fortalecer o Vale Europeu na área têxtil, que está sendo muito prejudicada devido às importações da China. Agora, deixando o trabalho de lado, vamos falar do nosso amigo Beto Barreto. Homem de coração bom, bom papo, uma pessoa que não mede esforços para ajudar os amigos, que toma a preocupação alheia para si, que quer ver todo mundo bem, sempre dando conselhos. E, contrariando o clichê, os conselhos bons são de graça, sim! Os do Beto são! Como já dissemos, menino de coração bom que é, sonha em criar um orfanato a fim de aliviar a dor de todas as crianças que se encontram desamparadas. Tem gente que é assim, nasceu pra deixar o mundo mais bonito e melhor pra viver! Esse é o Beto! ■ por Clara Weiss Roncalio
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CAVALERA INVERNO 2015 “JOÃO & MARIA”
64 Ícone da cultura de vanguarda, a CAVALERA se destaca no cenário da moda por traduzir o universo da música, arte, tendências, comportamento e lifestyle em cada uma de suas coleções. Criada em 1995, a marca completa 20 anos de história em 2015 e segue em plena evolução. À frente da direção criativa de sua marca, Alberto Hiar conta com um coletivo de jovens talentos em sua equipe e, dessa maneira, a CAVALERA se reinventa a cada temporada. A força da marca está na malharia, no jeanswear e traz ainda uma seleção completa de streetwear à alfaiataria, calçados e acessórios. Além de moda, a marca oferece lifestyle como nenhuma outra. A Barbearia Cavalera é um exemplo disso. Lançada em 2013, já é sucesso absoluto e se prepara para abrir a segunda unidade no Centro de São Paulo. A marca apresenta suas apostas fashion duas vezes por ano na maior e mais importante semana de moda brasileira, a São Paulo Fashion Week (SPFW). Os desfiles da CAVALERA são sempre os mais aguardados da temporada pelo conjunto surpreendente que já virou tradição. Entre os mais comentados estão o do ferro velho na Moóca, o do Minhocão, o da Galeria do rock, o do Museu do Ipiranga, o do Autódromo de Interlagos e, claro, a edição que aconteceu às margens do rio Tietê, marco da capital paulistana. A flagship da CAVALERA está no principal corredor de moda do país, a Rua Oscar Freire, nos Jardins. Além das lojas próprias, conta com mais de 800 pontos de venda espalhados em todo território nacional.
Conto dos Irmãos Grimm inspira as criações de Alberto Hiar para coleção Inverno 2015 da marca Era uma vez... João amava Maria, que tinha uma amiga, que amava João. Uma releitura contemporânea da clássica história dos Irmãos Grimm inspira a coleção Inverno 2015 da Cavalera. Aos olhos de Alberto Hiar, diretor criativo da marca, João e Maria são namorados e a Bruxa Má, a amiga maliciosa que deseja o amor dele. Nesta viagem, que transita pelos mundos lúdico e real, o casal adentra a floresta negra e sombria por onde se perde, dentre galhos e troncos de uma natureza misteriosa. A salvação (ou seria perdição?) surge diante dos olhos na forma da memorável casa feita de doces e biscoitos que esconde a vilã e traz à tona aquela contundente reflexão sobre as distrações que permeiam a vida real e criam um mundo de ilusões ao redor. Esta nova versão também revê o estilo dos personagens e traz um João barbado, rústico, com ares de lenhador, porém impecável e elegante em sua essência. Maria é o retrato da mulher atual, cheia de personalidade, atrevida, mas, ao mesmo tempo, doce e delicada. A Bruxa abusa do seu lado sensual e envolvente para seduzir, para atrair, e evidencia a força da cobiça que a instiga a atingir seu objetivo a qualquer custo. O conto, que remonta à Idade Média, traz na interpretação atual a tradução de uma possível história do cotidiano de um casal, em qualquer parte do mundo, seja nas relações e comportamentos humanos, seja nos conceitos de moda que esses “Joãos” e essas “Marias” desfilarão pelas páginas do livro da vida. E foram felizes para sempre... nem sempre, mas quase sempre.
IMPORTANTE: O destaque da coleção “João & Maria”, sem dúvida, fica por conta da pesquisa e curadoria de tecidos feita por Alberto Hiar, vindos de 15 países, dentre eles, Turquia, Índia, Itália, Espanha, Japão e Paquistão. Com um mix exclusivo de referências, Hiar conseguiu combinações de diferentes tramas em uma mesma peça, garantindo um resultado que mescla estampas, texturas e materiais, com cuidadoso acabamento.
Tecidos Musseline de seda, cetim de seda, lã, tear manual, couro, jeans e cambraia de algodão Cartela de cores Azul marinho, azul céu, nude, ocre, dourado, vinho e preto. Estampas Floresta Negra, Floral Biscuit e Crânios. Formas Nas formas, cintura marcada, saias midi, curtas e longas passeiam com alfaiataria ampla e bem cortada para as mulheres. Os homens, às vezes, brincam entre o ajustado e o oposto. O jeans olha para o passado se reinventando para o hoje. Acessórios Forte influência workwear. Sapatos em couro estampado, com acabamento de aspecto sujo e envelhecido, solas em couro tratoradas. Mix de materiais: tressê de neoprene, jacquard, cetim, juta e lã. Ficha técnica Diretor Criativo: Alberto Hiar Estilo: David Pollack e equipe Styling: David Pollak Beleza: Robert Estevão Concepção e cenografia: Henrique Sauer Direção de Desfile: Wan Vieira Trilha Sonora: Bid ■ por Beto Barreto
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OPINIÃO ... Quem é o mais negligente? O governo ou a sociedade? Por sofrermos com a falta de infraestrutura (BR 470) e de segurança pública, algo que chega ao insustentável (salve-se quem puder), nossa reação tem sido a de reclamar. Reclamamos expondo nosso ponto de vista o tempo todo, mas reclamamos para quem? Geralmente fazemos isso em rodas de amigos, como se eles, os amigos, pudessem resolver. Quando muito, botamos a Boca no Trombone deixando evidenciar a nossa insatisfação. Perdemos a oportunidade de pressionar nossos representantes políticos quando nos visitam e, enfim, parecemos cães que muito ladram, mas não mordem. Dessa forma, os políticos e gestores públicos vão engrossando o coro dos que reclamam mas não fazem nada também, ou quase nada. E eles são pagos com o nosso dinheiro para agir. No caso específico da segurança pública, parto do pressuposto de que é preciso mostrar força. Caso contrário, continuaremos a mercê dos criminosos que perderam (além dos valores) todo o medo da polícia e da justiça. Nossas leis são absurdamente brandas com quem comete crimes. E é pífia a participação do governo do estado no combate ao crime. Primeiro a redução do número de efetivo na relação habitante. Em Santa Catarina se tem a impressão de existirem mais viaturas que policiais. Cidades da nossa região passam o plantão 24 horas com um ou dois policiais. Em Timbó têm sido comum às escalas com apenas - o que os policiais chamam de guarnição - dois policiais em uma viatura. Os bandidos sabem disso e quando não sabem são informados por gente daqui envolvida com dívidas de drogas, entre outras coisas. Diante disso, quando a sociedade mostrará a sua força? E o que afinal podemos fazer? Chego a pensar e a sugerir uma espécie de desobediência civil. Imagino que o senhor governador fosse de fato se sensibilizar com a insegurança quando deixasse de colher as polpudas somas de dinheiros enviadas daqui na forma de impostos. Penso que não deveríamos recolher esses tributos aos cofres do governador. Esse tipo de pressão econômica quem sabe resultasse em ação, pois é o que falta. Mas não faríamos isso de forma irresponsável. Não daríamos um calote. Minha ideia é a de depositar em juízo todo o valor pago pelas empresas na forma de ICMS, o principal tributo que abastece Florianópolis e sustenta uma das mais inchadas estruturas de governo. É o caso das SDRs, verdadeiros cabides de emprego e que na contrapartida oferecem nada, ou quase nada. Qual seria a reação do governador? Buscaria formas de judicialmente impedir esse ato desobediente? Ou atenderia a sociedade oferecendo mais policiais e com isso maior segurança? Não sei se seria uma boa ideia. Mas tenho certeza de que algo é preciso ser feito para tirarmos nossos gestores, nesse caso o governador de sua zona de conforto, pois quando fala o governador Joao Raymundo Colombo se tem a impressão que governa a Dinamarca. Enquanto isso, o crime come solto em todos os níveis e o povo trabalhador paga um preço muito alto. Neste caso, somos, parece, todos negligentes. ■ por Carlos Henrique Roncálio
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