Revista VARAU #5 Dezembro de 2016

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Nº5-2016

Brasília | novembro | 2016 | ISSN 2359-0084


EDITOR CHEFE CONSELHO EDITORIAL

Marcio Oliveira Aline Zim | Carolina da R. L. Borges

PROJETO GRÁFICO

Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

COLABORADORES

Foto capa: Thiago Abreu | Editoração eletrônica: André Gruhn Melo | Perfil: Carolina Borges | Bárbara Tavares Artigos: Leonardo Oliveira | Márcio Vianna | Marcílio Sudério | Crônica: Ítalo Vieira | Relatos: Ana Paula da Silva | Ana Paula Mituíte | Acontece no CAU: Daniella Caparelli | Gabriel José | João Pedro Lau | Éverton Lopes | Brunno de Andrade | Fernanda Carvalho | Gabriel Costa | Lara

ISSN

Monalisa | Hugo Walter | Arqcartoon: Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi | Revisão: Carolina Broges | Pedro Gonçalves Brasília | novembro | 2016 | ISSN 2359-0084

Revista CAU/UCB | 2016 | Editorial


PERFIL SÉRGIO PARADA | MESTRE EM URBANISMO PELA UNAM - MÉXICO

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ARTIGOS 1- A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA MORTE: ESPAÇOS SEGREGADOS NO CEMITÉRIO CAMPO DA ESPERANÇA 2- MANAUS E SUA PAISAGEM CULTURAL: ORLA FLUVIAL E O PATRIMÔNIO DA CIDADE-METRÓPOLE

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CRÔNICA VIAGEM AO RIO DE JANEIRO

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RELATO PROJETO DE ATENDIMENTO COMUNITÁRIO (PAC): ARQUITETURA E URBANISMO EM DIFERENTES ESCALAS

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ACONTECE NO CAU 1- HOTEL M2 2- PARQUE ARNIQUEIRAS 3- QUALIDADE DE VIDA E SEGURANÇA NO CAMPUS 4- COMPLEXO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA APARECIDA 5- GIBI

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ARQ CARTOON VIDA DE ARQUITETO

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Revista CAU/UCB | 2016 | Sumário


PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB):

Boa tarde à todos, obrigado pela atenção e pelo convite. Quando eu tinha 15 anos, entrei na Escola Técnica Federal do Paraná. Eu já gostava muito da construção civil, então entrei no curso Técnico de Edificações. Nos três anos do curso eu ficava na escola em tempo integral, pela manhã eram aulas normais do curso científico e a tarde aulas técnicas, desenho arquitetônico, prática profissional, etc. Foi aí que eu comecei a ter contato direto com as questões da construção civil, desde aquela ida-

Carolina Borges | Bárbara Tavares

Fig 1 - Sérgio Parada - Foto: Haruo Mikami

SÉRGIO PARADA:

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ENTREVISTA ARQ. SÉRGIO PARADA

Boa tarde, sr. Sérgio. Antes de tudo, gostaria de agradecer em nome do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília pelo tempo, nós sabemos que você tem uma agenda cheia, e pela disposição em nos conceder essa entrevista. A primeira pergunta diz respeito ao início de sua carreira: o que te motivou a fazer arquitetura e como foi o processo de você vir para Brasília, morar em Brasília, trabalhar em Brasília. Conta um pouco sobre a sua experiência.

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de de 14 ou 15 anos. Eu gostava muito de tudo que eu aprendia, e tinha um professor de desenho de arquitetura, um senhor de ascendência polonesa, que era um exímio desenhista e fazia perspectivas à guache, na época era uma coisa fantástica. E ele ia muito na minha prancheta, naquela época nós desenhávamos em prancheta, e um dia ele me perguntou: “O que que você quer ser? O que você quer estudar depois daqui?” Eu disse assim: “Eu acho que gostaria de fazer engenharia civil, para projetar”. E daí ele disse: “Não. engenharia civil não é pra isso. Quem faz isso é o arquiteto. Engenheiro civil faz outras coisas.” E aquilo me despertou para uma outra realidade. Fiquei com a pulga atrás da orelha, pois naquela época nós não tínhamos a facilidade da internet para pesquisar. E eu então comecei a pesquisar o que era a arquitetura, e claro que o primeiro nome que veio foi do Oscar Niemeyer, que tinha projetado os principais edifícios de Brasília. E aquilo tudo me despertou para arquitetura, eu descobri que, realmente, aquilo que eu aspirava não era a engenharia civil, e sim a arquitetura. Eu fiz o vestibular para arquitetura na Federal do Paraná e passei. Nos cinco anos de curso superior, eu comecei a trabalhar – eu tinha que trabalhar, pois sou de uma família pobre e batalhadora e eu tinha que sobreviver. Quando ainda era estudante, fui trabalhar para um grande escritório de arquitetura em Curitiba como estagiário, onde na época eu ganhava um cruzeiro por hora trabalhada, mas as exigências eram muito grandes. Um dia eu abrindo o jornal, naquela época em Curitiba não sei Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

se o resto do Brasil era assim, era obrigatório colocar o nome do arquiteto quando se fazia a propaganda de um edifício para venda de apartamentos, e eu olhava um prédio que tinha uma fachada meio curvilínea e achava aquilo interessante, diferente dos demais edifícios. Liguei para esse arquiteto, que era professor da Faculdade de Arquitetura, um dos principais arquitetos modernistas do Paraná, e por coincidência foi ele quem atendeu o telefone, o que normalmente não fazia. Eu disse que gostaria de estagiar com ele e a primeira pergunta que ele fez foi: “Você vai estagiar por que você quer, por hobbie ou por que você precisa?” E eu disse: “Porque eu preciso.” Ele falou: “Então pode vir na segunda feira”. No primeiro dia de estágio, eu já sabia desenhar por ter estudado o curso Técnico de Edificações, foi o meu primeiro dia de aula na Faculdade de Arquitetura, essa era minha vantagem em relação aos demais colegas. E esse arquiteto que, anteriormente era engenheiro civil, foi para São Paulo estudar no Mackenzie, mesma Escola de onde saiu Paulo Mendes da Rocha, além dele ter sido o fiel escudeiro ou o número um do arquiteto Adolf Franz Heep, o arquiteto que projetou o edifício Itália em São Paulo. Então ele tinha uma consistência muito grande, não só intelectual, como tecnológica. E foi nesse escritório que eu me criei e fiquei lá do primeiro ano ao quinto ano da Faculdade de Arquitetura. O nome dele era Professor Elgson Ribeiro Gomes, inclusive ele fez uma das apresentações de meu livro, antes de falecer. Foi aquele livro que deixei com vocês na UCB

quando estive lá. E assim foi minha vida. Daí apareceu a oportunidade de vir para Brasília. Eu vim aqui apresentar um trabalho no Ministério do Interior, na época, sobre o controle de erosão urbana. Eu era muito jovem, tinha 27 anos, pois me formei com 22 anos, tinha 5 anos de formado na época. Neste momento, um senhor, o engenheiro Haroldo Maeder, me convidou para vir a Brasília fazer parte daquela equipe técnica. O dr. Haroldo coordenava a área da Vila Residencial de Tucurui – uma grande empresa de consultoria da época, chamada Engevix, era responsável pela execução dos projetos da Usina de Tucurui. No entanto, na época eu já tinha um escritório de arquitetura em Curitiba, junto com outro colega, e já dava aula nas faculdades Católica e Federal do Paraná. Tive que abandonara tudo e vir a Brasília, pois eu tinha um grande entusiasmo pela a cidade. No período de estudante de arquitetura, nós estudávamos muito esta cidade. A equipe de técnicos, não só os arquitetos, mas os engenheiros, além dos intelectuais de várias áreas, artistas, etc... muitos deles ficaram meus amigos, como foi o caso do Professor Athos Bulcão, o Lelé e vários outros colegas. Então foi pra mim um prazer de estar aqui. Por isso eu vim para Brasília e não saio mais daqui. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): É possível perceber no seu trabalho que você tem como principio uma integração entre as artes, como paisagismo e artes visuais. Como você trabalha essa integração? Já existe essa previsão no momento do projeto,

como um meio de “completar” a arquitetura, que muitas vezes pode direcionar ou até definir certas opções de partido, ou é algo mais pensado quando a obra está sendo finalizada, como um modo de compor os espaços já construídos? SÉRGIO PARADA: Eu acho que acontecem as duas formas, mas principalmente ocorre com a definição em projeto, desta forma a integração será melhor realizada. Para mim, a arquitetura não é só uma profissão técnica, mas deve refletir as questões emocionais das pessoas. As artes devem obrigatoriamente estar incorporadas no trabalho do arquiteto. Acho que a arquitetura é formada pelo tripé: tecnologia, humanismo e arte. Eu acho que o arquiteto tem que ter esse tripé bem consistente e bem colocado quando está no ato projetual. A tecnologia, é obvio, pois nós fazemos estruturas que precisam ser estáveis; o humanismo, é claro, nós tratamos com pessoas, gente, então nós temos que ter esse conhecimento. Por este motivo, creio que o arquiteto que nunca lê, que nunca se deu a oportunidade de conhecer o que é uma manifestação cultural humana, não vai ser um bom profissional. E por fim, as artes, pois tratamos do belo, e este aspecto faz parte do pensamento complexo da arquitetura. No momento que você pensa em um edifício, ou uma cidade, pois a cidade é um grande edifício, sempre vamos em busca do belo. Para mim a arquitetura começa com a Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

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solidão e termina com a multidão. Você não faz arquitetura sozinho, você pode até pensar, refletir, mas depois você tem que ter uma gama enorme de gente a sua volta, não somente as pessoas que te assessoram nos desenhos, como também os demais técnicos, sejam os artistas, sejam os luminotécnicos – que são muito importantes, desde a escolha das lâmpadas até o estudo de consumo de energia – o paisagista, que pensa no prédio e seu entorno, não só como plantio, mas como paisagem, etc. Depois da estrutura estar montada, podem até mudar certos elementos e podem aparecer espaços que deveriam ser tratados de forma diferenciada, agregando a arte. Então a arte pode aparecer antes, pois eu penso na inserção de obras de arte como algo fundamental, como eu posso vir a pensar depois. Quando estou dentro de um espaço, eu posso pensar que seria interessante ter algo a mais, como uma escultura, talvez. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Eu acho que quando a arte é pensada antes, passa a fazer mais parte da estrutura (estrutura não no sentido construtivo, mas pensada do ponto de vista da composição), quando ela vem depois, é uma coisa aderente, mas que também deve completar. SÉRGIO PARADA: Nós temos no Brasil uma artista plástica de origem italiana, Maria Bonomi, que faz muitos painéis e insere-os na estrutura do concreto, ou seja, quando se faz aquelas Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

grandes massas de concreto, para não ficar algo pesado, ela insere a sua obra como grandes painéis. É uma inserção dentro de uma estrutura. Maria Bonomi se parece muito com Athos Bulcão neste aspecto, que tem como obra mais marcante, os painel do Teatro Nacional. Ninguém olha aquele teatro sem ver aqueles volumes construídos em suas empenas, pois ele faz parte da arquitetura, ele está inserido na arquitetura e eu acho que se você pensar bem, no Plenário da Câmara dos Deputados do Senado, que tem o painel de madeira atrás da mesa principal, é muito interessante. Se você pensa naquele espaço sem o painel, você não consegue nem identificar que é a Câmara, ou seja, o painel cria uma identidade. Eu acho que se olharmos o painel do Portinari no MEC do Rio de Janeiro, sabemos que se trata daquele prédio, assim como na Pampulha, quando vemos o São Francisco em azulejos feito também por Portinari. Estes painéis fazem parte da arquitetura, apesar de ser um azulejo, uma inserção. Eu tenho certeza, que desde o início, desde os primeiros traços do Oscar, já se imaginava que naqueles lugares iam ter os painéis, e ele os agregou ao seu projeto e chamou o expoente da época, que no caso era o Portinari, para fazê-los. Isto não é o mesmo que agregar um quadro na parede.

PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Esses painéis tem uma função também, além do aspecto decorativo – não que o decorativo não possa ser entendido como função. Tanto no MEC quanto na Pampulha, os painéis dão uma ideia de integração com o espaço natural. O painel do MEC, com aqueles peixes, parece que está ali como uma tentativa de eliminar o máximo possível o obstáculo visual do muro e dar uma ideia de permeabilidade dos espaços. SÉRGIO PARADA: O MEC é algo muito interessante. Um prédio feito na década de 30 que usa conceitos arquitetônicos que hoje certas revistas ressaltam como sendo a grande novidade esta integração entre o espaço urbano com o espaço privado. Isto já era feito naquela época, e no caso do MEC, é possível transitar na arquitetura para ter acesso à cidade. E eu acho que o painel faz isso, ele te induz a transitar pelo espaço, pois ele faz parte do contexto. Se você retira este elemento hoje, vai ficar algo “capenga”. A mesma coisa acontece se tirarmos os volumes de Athos Bulcão das empenas do Teatro Nacional. Tenho a impressão de que um cidadão comum não diria que aquele edifício é o Teatro Nacional. Ele perderia sua essência, seu caráter, o jogo de luz e sombra, a visão do artista. Não posso dizer com certeza, mas se me lembro bem, o Oscar dizia que queria um painel em cerâmica para o Teatro Nacional, mas o Athos contrapôs, dis-

se que a escala das empenas era muito grande. Tenho a impressão de que nós em Brasília não temos noção da escala urbana, nossos espaços são muito generosos. Mas se você imaginar aquele teatro posto no meio do Rio de Janeiro, ficaria gigantesco. Isso me lembra também, quando eu estava fazendo o projeto do aeroporto de Brasília, projeto que iniciei no princípio dos anos 90, e o painel em aço feito pelo Athos para o Terraço Panorâmico foi incorporado naquele espaço. Eu imaginava incialmente um painel em vidro jateado, pois desejava que a luz entrasse naquele local. Então eu falei com o Athos que queria um painel, mas de forma que não se perdesse a ventilação cruzada, pois era uma área de terraço panorâmico. Só que na nova legislação de segurança não era permitido aqueles terraços antigos, descobertos, pois o ser humano virou um “bicho”, ele poderia jogar uma bomba, etc. Eu queria que fosse aberto, logo, criei volumes de lojas e barzinhos, que eram para serem fechados, com ar condicionado, como se você andasse na Avenida Paulista onde no exterior dos edifícios tem o barulho dos carros, pessoas, etc. No entanto, quando você entra na loja, você tem seu recolhimento. Eu queria que aquele painel viesse a complementar isso, mas que não impedisse a circulação do ar. Eu falei para o Athos que eu tinha pensado em um painel de vidro, jateado, que inibisse um pouco a visão para o antigo terminal. Então o Athos me falou daquele jeito sarcástico dele: “Em vidro? Vai ficar parecendo um box gigante!” Então eu disse: “Mas se for um box feito por você vai ficar lindo!” Daí Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

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ele perguntou se ele poderia mudar de material, e eu respondi que sim, que ele estava livre. Ele ia na obra, olhava, e dizia que queria fazer um painel em aço perfurado, que não permitisse vista, mas que o vento circulasse. Ele me mostrou o painel, o maior painel que ele já tinha feito, 140 metros, que hoje se encontra em péssimo estado de conservação, pois os arquitetos que depois interviram no projeto não tiveram a sensibilidade de perceber isso. O mesmo que aconteceu com os painéis de azulejos do Satélite Norte. Então aí que está, o arquiteto não percebe até onde vai a colaboração da arte nos espaços arquitetônicos. Os arquitetos que não entendem a arte como parte da obra e “passam por cima”, não percebem a importância que estes elementos artísticos têm para o cidadão que frequenta aqueles espaços, e é isso que infelizmente está acontecendo no Terminal de Passageiros de nosso aeroporto. E nesse painel, o Athos tomou a iniciativa e fez um trabalho associado à arquitetura definida, ou seja, aquele teto curvo descia e terminava no seu painel que tinha o caráter de uma grande cortina. Eu acho que você, que está em um centro acadêmico como a Universidade Católica, deve estimular esses jovens que logo serão colegas, a terem a sensibilidade para isso.

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PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Eu me questiono muito sobre o porquê disso: as gerações anteriores tiveram tanta sensibilidade para perceber esse tipo de coisa, e agora, na arquitetura contemporânea, essas coisas não são pensadas. SÉRGIO PARADA: Sabe o que eu acho que acontece? Na Arquitetura contemporânea, houve uma mudança radical no pensamento com relação ao modernismo. Eu acho que o arquiteto daquela época, oriundo de uma Bauhaus, ou os que são “antibauhaus” , como o Le Corbusier, que não queriam aquela universalidade, eles tinham pensamentos que iam além do desenho somente, e tinham uma formação generalista bem maior do que hoje em dia, em que o curso de arquitetura é muito técnico e só querem resolver o desenho no AutoCAD, porque é muito mais fácil. Eu escuto muito isso aqui dentro do meu escritório com o pessoal que trabalha comigo, e eu pergunto: “Como o prêmio Pritzker, o grande prêmio da arquitetura, que pra mim é algo muito político, pôde quase esquecer do Frei Otto?” Deram um prêmio para ele recentemente, pouco antes dele morrer. Um homem que fez aquelas maravilhas nos Jogos Olímpicos em Munique, aquelas coberturas tencionadas. Como só agora ele foi reconhecido, e antes dele, outras pessoas foram colocadas na frente? Nada contra os recentes ganhadores, pois eu acredito que tem muita gente talentosa, como o Alejandro Aravena, mas tem

arquitetos que tem uma história muito maior do Aravena. No Brasil, nós temos dois Pritzers, o primeiro foi para o Oscar Niemeyer, que sem dúvida nenhuma foi um arquiteto que mudou o pensamento arquitetônico. Se você pegar alguém da minha geração, e se esse arquiteto disser não que não teve influência do Oscar, é mentira. E o segundo foi para o Paulo Mendes da Rocha. Eu acho que faltou o Lelé, que é um homem que levava a arquitetura como uma invenção também. Ou Sérgio Bernardes, que também foi um pensador da arquitetura. Eu não sei por que o Lelé, até antes de morrer, nunca teve uma premiação dessas. Era um homem que usava tecnologia, a sensibilidade. As obras do Lelé eram repletas de obras de arte do Athos, coisas incríveis. Eu lembro de uma vez visitando o Athos no hospital Sarah Kubitschek, no Lago Norte – nós, no nosso país, temos o péssimo costume de esquecer a pessoa que envelhece – então eu achando que o Athos ficava meio no ostracismo, fui visitá-lo algumas vezes. Um dia ele perguntou se eu não gostaria de visitar o hospital com ele, e eu claro que aceitei com o maior prazer. Aí o secretário dele foi empurrando a cadeira de rodas e eu fui junto, fomos passeando pelo hospital todo, e ele mostrava qual era a ideia que ele tinha para o local, ele tinha uma integração muito grande com o Lelé, pois havia um respeito mútuo entre os dois. Eu me lembro que quando mudei para Brasília, comecei a trabalhar no Edifício Morro Vermelho, também projeto do Lelé. E um dia na minha sala, olhando para fora, vi as pessoas passando uma lixa no concre-

to, com aquelas lixas de disco, e estavam estragando as curvas do concreto. Eu pedi para pararem e fui falar com o síndico, e disse que aquilo não podia acontecer, eles deviam passar com a mão. Depois quando eu vi, num outro dia, estavam pintando os brises do edifício com um laranja diferente e um verde diferente do original. Pedi para pararem de novo, e liguei para o Lelé em Salvador e lhe disse que estavam pintando as placas em uma cor estranha, aí o Lelé falou pra mim: “Me faz um favor? Leva as cores para o Athos escolher, pois foi ele que escolheu as cores originais”. O Athos já tinha contribuído com o arquiteto na escolha das cores, assim como também contribuiu no edifício projetado pelo Oscar na cor amarelas dos brises, que formam um pano de fundo para o Palácio do Itamarati, Ministério de Relações Exteriores. Aquele amarelo foi escolhido pelo Athos. Eu acho que o arquiteto tem que se unir com os outros profissionais sim. E é isso que os jovens precisam saber, que nós não somos donos da verdade, nós precisamos ter essa interação.

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“Esse assunto nós já discutíamos há 40 anos atrás quando eu estudava arquitetura. O ego do arquiteto faz ele querer fazer algo que o marque para sempre, independente se aquilo está bem composto ou não com a cidade, isso já acontecia naquela época.” Sérgio Parada

PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): É isso que está faltando né, eu acho que o arquiteto hoje é um pouco narcisista. SÉRGIO PARADA: Eu acho que sempre foi, mas antes era mais velado, mais inteligente e sabia dos limites. Hoje em dia não, o arquiteto está mais arrogante, achando que é Deus. O arquiteto não é Deus. Eu sempre falo que, nós somos profissionais como quaisquer outros, somos iguais ao lixeiro que varre a rua, igual ao engenheiro que constrói, ao médico... nós trabalhamos para uma sociedade. Nós não somos diferentes de ninguém, temos que tirar essa arrogância. Nós temos que ser nós mesmos. Vamos cometer erros e enganos, isso é natural. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Nos fale um pouco da sua opinião a respeito do diálogo que se estabelece entre o urbanismo e os espaços internos e externos na arquitetura de Brasília, especialmente aquela concebida por Oscar Niemeyer. SÉRGIO PARADA: Brasília é um caso muito especial. Eu lembro quando fui fazer o meu mestrado em urbanismo no México, claro que Brasília era citada sempre. Eu tinha um professor que não era de origem mexicana, mas ele dava aula na UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México), maior universidade do mundo onde tinha 300 mil alu-

nos. Lá na Universidade achavam que eu era americano até eu explicar que no Brasil temos pessoas de todas as etnias, muito tempo se passou. Então um dia esse professor disse: “Estive em Brasília, e achei a cidade muito fria.” Naquela época, eu já tinha vivido em Brasília por dois anos e me apaixonei pela cidade. Então eu perguntei para ele: “Porque o senhor achou isso?” E ele disse: “Pois eu estive lá”. E eu perguntei quantos dias ele esteve aqui, e ele disse que passou 3 dias no setor hoteleiro, e eu disse: “O senhor me perdoe, pois o senhor deve ter um conhecimento muito maior do que o meu, mas eu morei em Brasília por dois anos antes de vir ao México, e posso lhe assegurar que a gente não consegue conhecer uma cidade em 3 ou 4 dias. Uma cidade somente é conhecida com tempo”. Brasília foi concebida para ser a capital de um país, então ela tinha que ter uma área, o que nós chamamos de Esplanada dos Ministérios, com uma escala generosa, monumental, porque ali temos os Ministérios, Congresso, Palácios, e assim pensou o arquiteto. Não vou entrar na discussão se ele pensou certo ou errado, mas ele pensou assim, ele pensou em uma cidade para o automóvel, pois naquela época a indústria automotiva começava a despontar no Brasil. Hoje nós discutimos isso, principalmente nas academias, pois não conseguimos imaginar uma cidade vivida pela individualidade, no meu ponto de vista, eu só consigo ver uma cidade vivida no coletivo. Mas lembremos que quando Brasília foi pensada a mais de 60 anos atrás, a indústria automotiva estava começando a despontar Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

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em nosso país, e ninguém sabia como ia ser o futuro. Por isso que eu volto a dizer que nós temos que ser menos arrogantes e mais “pé no chão”. Eu ando no eixão de Brasília e tenho uma dúvida muito grande, pois eu tenho uma colega arquiteta que sofreu um grave acidente quando um carro que veio correndo do lado oposto, se desgovernou e bateu frontal ao carro dela. O Dr. Lúcio e o IPHAN que me perdoem, mas eu não quero morrer por Brasília, tem que ter algo entre as duas vias do eixão que minimize isso. Eu acho que Brasília tem ponderações maravilhosas, mas a Brasília que eu estou falando agora é o Plano Piloto, pois há algumas cidades do entorno que estão em uma grande miséria, como por exemplo o Sol Nascente, onde não tem água e esgoto, que pra mim isto reflete uma favela. Se eu falar do Plano Piloto, das origens, a ideia das superquadras que já estão implantadas com os conceitos originais, principalmente na Asa Sul, eu acho as acho maravilhosas, com suas escalas muito apropriadas. Aquela ideia original eu acho interessante, quando o arquiteto Lúcio Costa pensou nas 400’s, por exemplo, com blocos menores, três pavimentos, mais baratos. Porém o arquiteto não manda na especulação imobiliária, e muitas vezes são eles, os especuladores, que mandam na política urbana. Hoje estas quadras deixaram de ser destinadas as pessoas de menor poder aquisitivo, e nestes locais se implantaram famílias de classe média, que compram aqueles apartamentos e espantam as pessoas para as quais foram pensadas aquelas quadras. Então não adianta Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

o arquiteto ter a ilusão que o espaço vai continuar como ele planejou. Quando eu fui por duas vezes jurado do Opera Prima, eu brinquei com os demais arquitetos do corpo de jurado dizendo que se aparecesse algum trabalho de urbanização de favela, eu iria descartar. Não é que eu não goste, mas eu acho que certas ações são políticas, não são do arquiteto. Brasília e sua existência se deve a um ato político, não foi o Oscar e o Lúcio que se sentaram em uma mesinha de bar no Rio de Janeiro e decidiram pensar no tema. O JK foi o político que cumpriu a constituição brasileira a qual já falava na transferência da Capital para o centro do país. O JK, que tinha trabalhado com o Oscar na Pampulha, o chamou. O Oscar disse que teriam que fazer um concurso, e quem ganhou esse concurso foi o Lucio. Eu acho que o ato político de transferir a capital era importante, esse ato de trazer a Capital para o interior já estava previsto desde a independência do Brasil de Portugal. Então é o seguinte: Brasília cumpre as suas funções. Eu acho que não tem nenhum arquiteto com um pouco de nível e intelectualidade que não tenha a curiosidade em vir aqui em Brasília. Nós temos uma esplanada toda feita somente por um único arquiteto. E daqui a 100 anos você poderá ver a influência de Oscar Niemeyer através disso. Uma vez estava no Teatro nacional, na época que o Teatro era aberto, porque hoje está essa “desgraceira” que nem teatro nós temos mais aqui, está fechado, e também estava lá o Secretário de Cultura do DF e eu falei: “Acho que vocês não vão precisar ter arquitetos restauradores

no futuro. Terão que ter arqueólogos, pois isso aqui está se tornando uma ruina arqueológica. Vocês acabaram de inaugurar um Museu e uma Biblioteca ali do outro lado do Eixo Monumental e também lá os edifícios estão caindo aos pedaços, sem pintura, iluminação horrível, tudo muito ruim”. Aqui ninguém mantém nada. No entanto, acho que Brasília tem a importância de ser cidade Capital, feita por um país de vanguarda que naquelas décadas de 50 e 60 estava se renovando. Lembro que essas décadas de 50 e 60 foram muito importantes para nossa industrialização. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): E com relação a arquitetura que vem sendo feita em Brasília atualmente, que muitas vezes tem se tornado bastante mercadológica e com poucas preocupações com o contexto já existente, como você avalia? SÉRGIO PARADA: Esse assunto nós já discutíamos há 40 anos atrás quando eu estudava arquitetura. O ego do arquiteto faz ele querer fazer algo que o marque para sempre, independente se aquilo está bem composto ou não com a cidade, isso já acontecia naquela época. Mas aqui em Brasília nós temos certas responsabilidades por ser esta cidade de importância nacional e internacional. Mas eu acho que houve um imperativo muito grande da construção imobiliária. Veja o que nós temos aqui fora isso? Nada! Pouquíssimas coisas, e os principais edifícios públicos foram feitos quase que exclusi-

vamente por um único arquiteto, que é o Dr. Oscar. Até as coisas fora da Esplanada que poderiam ter sido feitas de uma outra forma, foram destinadas a ele. Nas superquadras houve uma decadência muito grande, principalmente na Asa Norte, Sudoeste e Noroeste. Na fase inicial de Brasília, naquelas quadras da Asa Sul, as mais mais antigas, existia uma proporcionalidade entre os edifícios, uma relação entre a paisagem e os espaços livres e espaços construídos, você via os pilotis, ou melhor, tinham pilotis nos edifícios. Hoje em dia não, é um paliteiro. Pois claro, começa a especulação: se constrói no sétimo pavimento, pois o especulador quer ganhar mais e mais. Nos pilotis, tem-se o salão de festas, o bicicletário, ... Esse espaço é ocupado e não existe um poder de polícia que vá atrás e impeça os usos indevidos, enfim não há fiscalização. E quanto aos prédios públicos, nós entramos em uma fase muito ruim no Brasil, que não se constrói mais quase nada. Antigamente, eu ia em uma escola primaria em Curitiba, onde o prédio era de 1920 e se caracterizava por uma certa monumentalidade escolar... até hoje eu tenho lembrança dele... as escadarias, pois ele era, de fato, uma escola. Hoje não é bem assim! Hoje a criança entra na escola e cai o teto cai na cabeça dela. O Estado não tem essa preocupação de fazer uma boa arquitetura. Isso é muito triste. Outro aspecto, como você anda em uma cidade tão jovem como essa e que não existe ainda a preocupação do Estado, em desenhar uma calçada. Onde eu moro, no Lago Norte, eles não queriam me dar o habite-se porque eu não tinha Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

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feito uma calçada na frente do meu lote. Eu tive que ir na Administração do Lago Norte e perguntar para o nosso colega arquiteto o porquê deles não me darem o habite-se. Eles me disseram que o problema era que não tinha calçada. Então eu falei para me darem o desenho da calçada que eu iria fazer, e eles disseram que não tinham, mas que deveria fazer com 1,10m ou 1,20m de largura. Aí eu disse que essa calçada não poderia ser feita assim. Ele disse que teria que ser feita, pois uma mulher com um carrinho de bebê precisaria passar. Então eu falei que eles deveriam pedir para a CEB tirar todos os postes que hoje estão no meio dessa calçada de 1,20m, pois qualquer pessoa com carrinho de criança também não conseguiria andar por ela. Até esse arquiteto entender demorou, e eu fiquei sem o habite-se por muito tempo. Então eu falei que quando fizessem um projeto de calçamento, onde as redes urbanas respeitassem o espaço, deixando área livre para as pessoas andarem, eu seria o primeiro a fazê-la. No entanto, no terreno do meu lado, a área pública é invadida com uma piscina, na área verde. Então eu acho que a nossa cidade, nesse ponto, é bem brasileira. Os arquitetos dão um “jeitinho”, e a maioria de muito mal gosto.

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PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Sobre a arquitetura contemporânea no Brasil e no mundo, gostaria que você citasse alguns dos seus arquitetos preferidos, que de alguma forma te influenciaram e influenciam. SÉRGIO PARADA: Aqueles arquitetos que vem da minha época, não existe quem não diga que não tem influência. Por exemplo, esse arquiteto que eu te disse, de Curitiba (Elgson Ribeiro Gomes), foi um homem que mudou a minha vida, o seu pensamento ético, talvez mais do que a sua própria a obra. Eu acho que o Oscar Niemeyer é isso, um homem conhecido nacionalmente e internacionalmente, uma pessoa que tinha liberdade. Eu acho que a grande diferença entre o Oscar e o Dr. Lucio é que ele era muito mais intuitivo, e o Lucio muito mais de conceito, intelectual. Então essas pessoas me influenciaram. Hoje, no mundo contemporâneo, não sei se tenho um colega que exerça sobre mim esta influência. Tem um arquiteto que é um pouco mais velho que eu, Rafael Viñoly, que projetou o Forum de Tóquio, que eu acho uma das obras mais estupendas do século passado, onde ele se apropria desses conceitos que nós estávamos falando, de integração entre o espaço privado e o espaço urbano. Ele é de origem uruguaia, mas o escritório está em Nova York e ganhou esse concurso, que eu acredito ser muito difícil porque os japoneses devem ter uma rigidez muito grande. Alguns artistas desenharam os carpetes do chão – pois o fó-

rum é um lugar de palestras, tem auditórios, grandes, pequenos e médios – e ele seguiu os desenhos dos artistas de lá que trabalhavam com cores no piso, ou seja, a inserção da arte na arquitetura. E outro colega contemporâneo que também muito me influencia e que respeito muito, é o Lelé, o arquiteto João Filgueiras Lima. Eu estive vendo o Museu Guggenheim, do Gehry, e na verdade eu fiquei meio decepcionado pois lá dentro era tudo muito quadradinho, muito diferente daquilo que o arquiteto queria mostrar no seu arcabouço. Mas aquele museu, quer queiramos ou não, trouxe uma nova vitalidade para a cidade. Eu estive no Rio de Janeiro, no museu do Futuro do Calatrava, e eu acho aquelas estruturas já muito desgastada, mas é o maior sucesso, todo mundo adora. Eu não sei se é a museografia, que deve ser bela. Eu estive na cidade do México e fui ver um museu, Soumaya, onde estão as obras particulares do homem mais rico do mundo, o Carlos Slim, ele tem a maior coleção particular de Rodin. Um museu com uma pretensão, com aquelas curvas no meio daquela arquitetura mexicana, que é belíssima. Mas ele, o arquiteto, foi pretensioso, pois ele já tinha trabalhado com um desses arquitetos europeus que estão em evidência, que eu chamo de “novos ricos da Europa”, e o resultado não foi bom, ou seja, a influência foi péssima. A museografia é discutível e a luminotécnica é terrível. A colega Zaha Hadid, recentemente falecida, é mais coerente. A algum tempo atrás eu li um texto de um crítico de arqui-

tetura, profissional pouco valorizado por aqui, que falou algo muito interessante: disse que a Zaha é um produto do Estado Inglês, pois, em primeiro lugar, ela é mulher, independente de ser talentosa ou não. Em segundo lugar, era iraquiana, e ela conseguiu mostrar ao mundo que a Inglaterra era inovadora, que dava chance para as minorias. Você não acha que existem outras mulheres inglesas, ou não, tão boas quanto ela? Deve ter, não é possível que não tenha, mas eles pegaram ela, e claro que ela aproveitou isso, e com o seu talento, uniu o útil ao agradável. Eu vi hoje que estão começando a construir o maior prédio do mundo, lá nos Emirados Árabes. Apesar deles já terem o maior, mas vão fazer um outro maior ainda. Eles estão disputando entre eles mesmos. Quando eu estive na China, fazendo um trabalho, me deu uma pena de ver Xangai..., aquelas torres gigantescas e a essência da cultura deles que está se perdendo... O mesmo que está acontecendo nos Emirados Árabes. Eu acho que há espaço pra todo mundo, mas nós precisamos ter mais educação e cultura. Uma vez eu fui convidado para fazer uma conferência em uma universidade do norte do México. Estavam presentes o arquiteto Francisco Serrano, um dos arquitetos que projetou a Embaixada do México aqui em Brasília, um homem sensacional, grande amigo meu, e o David Fisher, que faz uns prédios que giram. Quando as perguntas começaram, o aluno perguntou: “O que o senhor acha desses edifícios que giram?”. Haviam 700 alunos na plateia e o colega estava sentado do meu lado, e eu falei: Revista CAU/UCB | 2016 | Perfil

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“Se você analisar como uma beleza plástica, eu acho interessante. Mas analisando o outro lado da arquitetura, que é servir a todos nós seres humanos... Nós vivemos em um globo chamado Terra que 70% de sua população não tem água nem esgoto, então nós temos que lutar por isso. Nós não fazemos só fachadas. A cidade é a grande arquitetura e concentra 90% ou mais da população mundial. Então eu vou dizer uma coisa para vocês, existia na minha época, quando eu era criança, não sei se aqui no México tinha, um desenho animado chamado “Os Jetsons”, e que se vocês se lembram bem, tinha um pistão de elevador que subia quando chovia, ia para cima das nuvens, e descia quando o tempo ficava bom. O Jetson era um operário, que saia de casa em um carrinho com o teto de vidro e parava dentro do apartamento. Eu vou fazer uma analogia com os tempos de hoje. Eu não acredito que o prédio tem que sair para as nuvens. Eu não acredito em uma esteira rolante, pois hoje em dia nós pagamos uma fortuna em uma academia para correr. E não acredito em uma mulher de lata que te recebe, pois nós temos uma carência tão grande de empregos.” Então quando eu terminei de falar isso, os 700 alunos levantaram e começaram a aplaudir. E hoje se vê muito esse tipo de coisa e eu fico pensando: será que se eu fosse contratado, eu faria algo do tipo?

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PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Obrigada sr. Sérgio pela bela aula e pela oportunidade de aprendermos um pouco com a sua experiência, com seus conhecimentos e com seu trabalho.

“Hoje em dia não, o arquiteto está mais arrogante, achando que é Deus. O arquiteto não é Deus.” Sérgio Parada


Palavras-chave Espaços; cemitérios; rituais; semiótica; morte.

Leonardo Oliveira | Mestrando pelo PPG-FAU/UnB

O conjunto de símbolos que existe em um espaço físico pode ser sintomático, fornecendo indícios de significados que auxiliam na leitura tipológica do mesmo. Ao mesclar religião, rituais e morte, esta interpretação pode requerer uma penetrabilidade ainda mais profunda. O presente estudo abarca reflexões incipientes sobre espaços singulares inseridos no Cemitério Campo da Esperança (DF): os cemitérios israelita, islâmico, dos pioneiros de Brasília e de autoridades. Deste modo, pretende-se elaborar um ensaio teórico sobre estas necrópoles segregadas, baseando-se em suas configurações particulares e em seus signos jazentes.

A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA MORTE: ESPAÇOS SEGREGADOS NO CEMITÉRIO CAMPO DA ESPERANÇA

Fig 2 - Cemitério Campo da Esperança - Fonte: Google Maps

RESUMO

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INTRODUÇÃO Ao propor um ensaio teórico sobre espaços cemiteriais, é inevitável que se discorra sobre o tema da morte. Segundo Pacheco (2012), “os antropólogos costumam dizer que, para se falar de cemitérios, é necessário tocar no tema da morte como um acontecimento inerente à espécie humana” (p. 21). Este assunto, no entanto, pode gerar desconforto, sobretudo em países de tradição cristã1, onde as necrópoles são “consideradas como um universo muito sensível” (Idem, p. 23). A consequência da marginalização da temática no âmbito da arquitetura seria a desumanização dos espaços da morte.

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No contexto brasileiro2, o costume de se ocultar o tema pode resvalar na arquitetura mortuária e resultar em espaços com lacunas simbólicas. É possível que este problema decorra da falta de interesse de pesquisadores em adentrar o terreno da morte. Entretanto, é importante ressaltar que estes são projetados, sobretudo, para os vivos. É imprescindível a compreensão de como se elabora o entrelaçamento entre rituais funerários, seus espaços e o indivíduo para que seja possível a proposta de uma “configuração da morte”. Ao estudar o fenômeno da finitude, o ser humano se torna apto a compreender melhor a si mesmo e o próprio fenômeno da vida. Todavia, ao ocultar a morte, o medo de morrer permanece latente. Não 1 Cf. PACHECO (2012), p. 23. 2 Estima-se que, atualmente, os cristãos representem em torno de 86,8% da população brasileira. (Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010). Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

só este, mas também o medo do devir e do desconhecido. Segundo Pascal, o homem está sempre disposto a negar o que não compreende: “é necessário conhecer-se a si mesmo. Ainda quando isso não servisse para encontrar a verdade, pelo menos serve para regrar a própria vida, e nada há de mais justo” (PASCAL, 2005, p. 26). Portanto, teria o homem aversão a compreender a si mesmo, ou seja, seu próprio ser?

Ainda inocente, ele [o homem] não viu que esta morte, à qual dirigiu tantos gritos e preces, não era mais que sua própria imagem, seu próprio mito, e que, julgando olhá-la, ele estava fixando o olhar em si mesmo. [...] Portanto, é preciso inverter a ótica, inverter as evidências, procurar a chave onde se pensava estar a fechadura, bater nas portas do homem antes de bater nas portas da morte. É preciso descobrir as paixões profundas do homem diante da morte, considerar o mito em sua humanidade, e considerar o homem como guardião inconsciente

do segredo. (MORIN [1921], 1997, p. 19). O HORROR DA MORTE NOS RITOS FUNERÁRIOS CONTEMPORÂNEOS A atitude humana perante o fenômeno da morte mudou. Segundo Airès (2014), a morte era “domada” outrora e, hoje, é “selvagem“. Em um passado não muito distante, quando o corpo do morto era velado por familiares no interior da própria casa, a morte tornava-se íntima e doméstica, ao passo que nas sociedades contemporâneas procura-se evitá-la, providenciando o rápido desaparecimento do cadáver e muitas vezes ignorando onde estão localizados os cemitérios da cidade (Pacheco, 2012). “Morrer como se nasceu, no leito, deixou de ser uma prática comum na maioria das sociedades ocidentais contemporâneas” (MOTTA, 2009, p. 16). À vista disso, é diligenciada uma espécie de “anulação do acontecimento da morte” (MARANHÃO, 1998, p. 16), onde “imediatamente se põe em prática uma engenhosa operação para fazer desaparecer o corpo o mais rápido possível” (Idem, p. 16).

Numa sociedade como a nossa, completamente dirigida para a produtividade e o progresso, não se pensa na morte e fala-se dela o menos possível. Os novos costumes exigem que a morte seja o

objeto ausente das conversas educadas. [...] Designando o morrer como algo impessoal e os mortos como coisas, encobre-se o fenômeno. (MARANHÃO, 1998, p. 11). Deste modo, apreende-se que o indivíduo contemporâneo é, em geral, inclinado a desconsiderar o fenômeno da morte, ou ao menos afastá-lo tanto quanto possível.

A morte, esse processo de cessação dos atos vitais, é uma realidade inexorável, uma conseqüência do nascer e do viver. Em todas as sociedades desperta curiosidade, fascínio e medo. As sociedades modernas [...], ao contrário das antigas, procuram evitá-la, esquecê-la, como se ela não existisse [...] fazendo desaparecer o corpo do morto de uma forma rápida [...] O horror do cadáver em decomposição é uma constante em todas as civilizações. (PACHECO, 2012, p.21).

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Embora a autoconsciência seja o fator que distingue o ser humano de outros animais e, “entre os seres vivos, o homem é o único que dá à morte e aos mortos uma atenção especial, consequência do uso da linguagem, geradora de comunicação e cultura” (PACHECO, 2012, p. 28),

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as ciências do homem negligenciam sempre a morte. Contentam-se em reconhecer o homem pela ferramenta (homo faber), pelo cérebro (homo sapiens), pela linguagem (homo loquax). No entanto, a espécie humana é a única para a qual a morte está presente ao longo da vida, a única a acompanhar a morte com um ritual funerário, a única a crer na sobrevivência ou no renascimento dos mortos. (MORIN [1921], 1997, p. 13). Investigações orientadas pelas ciências arqueológicas, mais precisamente pelo ramo da Arqueologia Funerária, indicam que no período pré-histórico os indivíduos já demonstravam preocupação com os mortos, ainda que de maneira discreta (MASSET apud PACHECO, 2012, p. 29). As primeiras manifestações de rituais fúnebres remontam aos períodos PaleolítiRevista CAU/UCB | 2016 | Artigos

co Inferior e Médio, quando os cadáveres eram “lançados nos corpos de água ou cobertos por pedras para serem protegidos dos animais carnívoros” (PACHECO, 2012, p. 29). Tais atitudes podem revelar não somente respeito pelos mortos, mas também um intento de afastar a morte.

Uma das primeiras práticas sócio-culturais de que se tem notícia é a ocultação do cadáver como meio de preservar os vivos da decomposição de seus mortos [...] o cadáver é o elemento decisivo e primordial que orienta e regula ritos e papéis funerários humanos, um dos primeiros registros e testemunhos de sua história. [...] Nas sociedades ocidentais buscou-se sempre preservar ou guardar vestígios dos mortos, seja por meio da construção de túmulos monumentais [...] seja em suas versões contemporâneas, nos cemitérios-jardins ou nos verticais, nos quais apenas se afixa o nome do morto para identificar o local de sepultamento. (MOTTA, 2009, p. 15–16).

A partir disto, poderia se concluir que a transição da morte “domada” à morte “selvagem” representa a ruptura na maneira como o indivíduo contemporâneo lida com o fenômeno da morte e que, por sua vez, ocasionou uma reverberação nas práticas funerárias modernas; segundo Motta (2009), “as formas de enterramento [...] vêm acompanhando mudanças significativas nas relações que os vivos estabelecem com seus mortos [...] preferindo-se submeter a morte e o moribundo [...] longe dos olhos, do que conservá-lo no interior do convívio doméstico” (p. 16).

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ESPAÇOS DA MORTE EM BRASÍLIA: O CASO DO CEMITÉRIO CAMPO DA ESPERANÇA O Campo da Esperança, localizado na extremidade oeste do bairro Asa Sul, em Brasília (DF), é um cemitério horizontal3 do tipo parque ou jardim4. A necrópole, que 3 Cf. resolução do CONAMA, o “cemitério horizontal é aquele localizado em área descoberta compreendendo os tradicionais e o do tipo parque ou jardim.” 4 Cf. resolução do CONAMA, “cemitério parque ou jardim é aquele predominantemente recoberto por jardins, isento de construções tumulares, e no qual as sepulturas são identificadas por uma lápide, ao nível do chão, e de pequenas dimensões.”

foi prevista por Lúcio Costa no Relatório do Plano Piloto em 1956, é morfologicamente distinta dos outros cinco espaços cemiteriais existentes no Distrito Federal5: seu formato espiralado alude ao infinito, simbolizando uma fusão entre vida e morte em um eterno rodopiar.

5 Os demais estão localizados nas Regiões Administrativas II (Gama), III (Taguatinga), IV (Brazlândia), V (Sobradinho) e VI (Planaltina).

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27 Fig 4 - Implantação do Cemitério Campo da Esperança e seu entorno imediato. Fonte: Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação (SEGETH).

Fig 3 - Localização do Cemitério Campo da Esperança no Plano Piloto: trata-se da UP 01. Fonte: Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação (SEGETH).

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Fig 5 - Campo da Esperança: atributos e premissas. Fonte: Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação (SEGETH).

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De acordo com Queiroz (2015)6, especula-se que o nome do cemitério tenha surgido em uma escrava e benzedeira chamada Dona Esperança. Não obstante a escassez de registros históricos que comprovem a hipótese, já que Esperança teria vivido por volta de 1830, o autor arrisca que a escrava alforriada teria habitado a região onde hoje está localizado o cemitério e apresenta duas versões sobre a personagem: a primeira relata que Esperança teria sido portadora de uma doença infecto contagiosa, a hanseníase, e teria fugido e se instalado na região onde se situa, atualmente, o Plano Piloto de Brasília; a segunda versão narra que, em função da doença, a escrava teria sido alforriada, uma vez que a enfermidade seria tratada com discriminação por seus donos. Conforme Queiroz, “a crença na história da Esperança tem quase 200 anos. Por se tratar de uma escrava fugitiva, é difícil encontrar registros históricos sobre ela. Antigamente aqui [na região do Plano Piloto] era terra de café e pecuária. Tudo movido por mão de obra escrava. Quando alguém tinha lepra era automaticamente dispensado pelos fazendeiros, até por preconceito com a doença”7. Ainda segundo Queiroz, Esperança, também conhecida como “Benzedeira do 6 Ver entrevista realizada com Hélio Queiroz, autor do livro “1001 Coisas Que Aconteceram Em Brasília e Você Não Sabia”, elaborada pelo Portal de Notícias R7, veiculada em mídia online em 2 de novembro de 2015. Disponível em <http://noticias.r7.com/ distrito-federal>. Acesso em junho de 2016. 7 Ibidem. Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

Quilombo”, teria ido a óbito em função da hanseníase e, como consequência, os donos de terras da região não teriam aceitado a inumação de seu corpo nas fazendas locais. Desta maneira, o corpo da escrava teria sido enterrado em uma cova onde atualmente se situa o cemitério. Segundo a PURP 52 (Planilha de Parâmetros Urbanísticos e de Preservação) de Brasília, Lúcio Costa determinou em 1956, no Relatório do Plano Piloto (RPP), a criação de duas necrópoles na Capital, uma em cada Asa:

19 – Os cemitérios localizados nos extremos do eixo rodoviário-residencial evitam aos cortejos a travessia do centro urbano. Terão chão de grama e serão convenientemente arborizados, com sepulturas rasas e lápides singelas, à maneira inglesa, tudo desprovido de qualquer ostentação. (COSTA [1956], 1991, p. 13).

Oscar Niemeyer estipulou em 1956, no edital do Concurso do Plano Piloto de Brasília, uma limitação demográfica de “500.000 habitantes, no máximo”8. No ano de 2012, toda a população do Plano Piloto somava 214.5299 habitantes. Logo, poderia-se concluir que a implementação de um segundo cemitério em Brasília não seja, ainda, necessária. No que diz respeito à localização geográfica do Campo da Esperança, é possível inferir que esta foi determinada pelo desejo de ocultação do cortejo; havia algo de incongruente ao expor a morte e seus ritos na gênese e progresso da nova Capital. Além das tradicionais quadras cemiteriais onde jazem “sepulturas rasas e lápides singelas” (COSTA [1956], 1991, p. 13), o Campo da Esperança alberga quatro necrópoles segregadas e distintas entre si: os cemitérios israelita, islâmico, dos pioneiros de Brasília e de autoridades. Estes espaços suscitam indagações em função de suas configurações espaciais e morfologias tumulares diferenciadas.

8 Conforme correspondência enviada por Oscar Niemeyer (então Diretor do Departamento de Urbanismo e Arquitetura da NOVACAP) a Ary Garcia Roza (então Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil) com informações complementares para o edital do Concurso do Plano Piloto, em 1956. 9 De acordo com Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Ago. 2012) realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN).

Fig 6 - Planta do Cemitério Campo da Esperança, com destaque para os quatro espaços segregados. Fonte: O autor.

CEMITÉRIO ISRAELITA No cemitério israelita do Campo da Esperança presentifica-se uma lógica espacial a partir da qual se desencadeará o ritual funerário judaico. De maneira tautócrona, a semiótica da religião jazente no espaço evidencia, de modo fidedigno, a reverência aos preceitos da Torá10.

Seja qual fôr a doutrina do céu e do inferno, a ênfase central do judaísmo tem sido dada, desde o início, a êste mundo. É aqui e não em qualquer outro mundo futuro que o homem tem a possibilidade de decidir e de justificar a sua vida pela escolha do bem. (HERTZBERG, 1964, p. 167). 10 Segundo o Judaísmo, a Tora (ou Torá) é a Lei revelada por Deus e deve ser obedecida por todos os judeus (HERTZBERG, 1964). Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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Neste local, talvez o aspecto mais notável seja a dissociação espacial do cemitério do restante do Campo da Esperança, que se dá mediante a um muro físico; a separação funciona, na realidade, como uma divisão de universos distintos unidos pela mesma finalidade. Este tipo de segregação é, contudo, uma exigência religiosa.

De acordo com a Torá, o ritual fúnebre deve ser realizado tão breve quanto possível após a morte, uma vez que a postergação do sepultamento representa uma forma de desacato perante o morto. A inumação é a única prática permitida pelo Judaísmo, já que, conforme a doutrina, a cremação estaria associada a rituais pagãos; deste modo, “quando o corpo é sepultado na terra, ele se desintegra lentamente, o que é confortante para a alma. Corpo e alma são entidades que permanecem interligadas após a morte [...] A alma continua em contato com o corpo, mesmo depois do enterro, e ainda compartilha de todas as suas sensações” (VAINSENCHER, 200811).

Fig 7 - Entrada do cemitério israelita, localizado no interior do Campo da Esperança. Fig 8 - Segregação do espaço israelita, concretizada por muro físico. Fonte: O autor.

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11 A referência integral da pesquisa de Semira Adler Vainsencher, publicada em mídia online em 29 de maio de 2008 e acessada em outubro de 2016, apresenta-se ao final deste trabalho.

No mundo que há de vir não existirão corpos, mas apenas as almas dos justos [...] A declaração de que terão as suas coroas na cabeça significa que os conhecimentos que êles possuem, razão pela qual ganharam o seu lugar no mundo futuro, também estão presentes nas suas coroas [...] Isso significa que êles sabem por meio da Verdade do Senhor, louvado sela Êle, o que não sabem neste mundo, limitados por um insignificante corpo terreno12. (HERTZBERG, 1964, p. 167).

12 “Maimônides, Mishneh Torah, Hilkhot Teshuvah 8.” (HERTZBERG, 1964, p. 203). Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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A matzeivá, ou pedra tumular judaica, é outro elemento desta prática funerária que se presentifica no cemitério israelita do Campo da Esperança. A pedra, além de sinalizar uma determinada sepultura, demonstra respeito pelo falecido e representa a perenidade, indicando que este não será esquecido pelos vivos. É usual que o costume de depositar a matzeivá sobre o túmulo inicie um ano após o ritual de enterramento.

Alguns meses depois do enterro realiza-se a cerimônia da matzeiva, “descobrimento do túmulo” e inauguração da lápide, ou pedra tumular da sepultura judaica. Nessa cerimônia, o túmulo é coberto com um pano preto, em sinal de luto; reza-se o kaddishe, no final, retira-se o pano. Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

Neste espaço cemiterial, há uma censura no que se refere ao modo de morrer: é proibido que suicidas sejam sepultados no cerne do cemitério israelita, sendo que estes devem ser alocados em suas margens, próximas aos muros. Embora o assunto mereça um exame mais profundo, em um primeiro momento este aspecto pode emergir uma problemática relativa à exclusão e marginalização da morte.

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Fig 10 - Repositório da matzeivá, a pedra tumular judaica, no cemitério israelita. Fig 11 - A matzeivá depositada sobre um túmulo. Fonte: O autor.

Fig 9 - Representação da Torá em pedra, simbolizando a perenidade. Fonte: O autor.

Com esse ritual, encerra-se o período de luto. As pessoas colocam pedrinhas sobre a sepultura do ente querido, em sinal de resignação com a sua morte. Cabe salientar que o ritual de colocação das pequenas pedras sobre o túmulo é efetuado sempre que se visita as sepulturas, indicando que o morto é lembrado e reverenciado. (VAINSENCHER, 2008).

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A religião judaica não aceita que se cometa suicídio, caso as pessoas estejam de posse das suas faculdades físicas e mentais (em hebraico, bedáat). Os suicidas são sempre enterrados à parte, afastados de todos os túmulos, geralmente próximo a um dos muros do cemitério. (VAINSENCHER, 2008).

Na saída do cemitério há um lavatório, onde os judeus, segundo a tradição, têm que lavar as mãos depois dos sepultamentos (netilat iadaim). De acordo com a crença hebréia, ao se lavar as mãos e a água permanecer cristalina, significa que a pessoa não derramou o sangue do falecido. (VAINSENCHER, 2008).

Dentro da lógica de sepultamento judaica, o elemento água simboliza a vida, de modo que deve-se sempre lavar as mãos ao final de um ritual fúnebre. Ademais, é necessário que estas sequem natural-

Fig 12 - Configuração espacial no interior do cemitério israelita. Fonte: O autor.

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mente, simbolizando a preservação da vida no corpo do indivíduo e a não obliteração dos liames com o falecido.

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Fig 13 - Lavatório na área de acesso ao cemitério israelita. Fonte: O autor.

Por fim, é importante sublinhar que, no cemitério israelita, não há distinção entre mortos; os cadáveres se equiparam uns aos outros diante dos vivos. Baseando-se apenas na estética tumular do espaço, não é possível distinguir o status social de que os falecidos dispunham em vida, uma vez que as sepulturas são, em geral, homogêneas.

Todos os enterros judeus são sempre idênticos. O caixão é feito com um tipo de madeira simples, o mínimo dispendioso possível (em geral, tábuas de pinho, que se deterioram facilmente), forrado com um tecido preto e, na parte superior, é colocada a Estrela de Davi com as iniciais do morto. [...] Nenhum outro adereço, como coroa de flores, velas ou caixões suntuosos, é permitido. Segundo o judaísmo, as pessoas vêm do pó e voltam ao pó. Toda e qualquer ostentação nos funerais é interditada. Como ninguém nasce com adornos, também não pode ser sepultado com eles: precisa partir com a maior simplicidade Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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possível: Portanto, se, em vida, aquela pessoa era rica, na morte, receberá o mesmo tratamento que a pobre. Dessa maneira, pelo menos na morte, ricos e pobres se igualam. (VAINSENCHER, 2008). CEMITÉRIO ISLÂMICO

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Conforme o Islã13, o cadáver muçulmano deve ser abrigado em um cemitério exclusivamente islâmico, não sendo permitida a inumação de não-muçulmanos neste espaço, do mesmo modo que é vetado o sepultamento de muçulmanos em cemitérios não-islâmicos. Contudo, conforme Adamgy (2012), “o morto deve ser enterrado em cemitério Islâmico, a não ser que isto seja impossível.” (p. 29). O fenômeno da morte é defrontado com naturalidade pelos muçulmanos e, de modo análogo ao cemitério israelita, o islâmico não recomenda ostentações tumulares, aconselhando simplicidade em seus espaços.

Death is a natural event for all living things. It comes to every one of us. We will all die. The Qur’ān says: “Everyone shall 13 Os termos “Islã” (empregado na língua portuguesa do Brasil), “Islão” (empregado na língua portuguesa de Portugal) e “Islamismo” são equivalentes. Em árabe, grafa-se “‫” مالس‬, cuja tradução é “Islām”. Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

have to die.” (3:185). [...] Death brings an end to our temporary life on this earth. It is an occasion of sorrow and grief for the loved ones of the deceased. In Islām, people mourn by reciting the Qur’ān and prayers for the dead. [...] A person is sure to behave well and do as Allāh commands if he remembers death and life after death. (SARWAR, 1996, p. 36). A morte no ideário muçulmano representa a passagem da vida terrena à eterna, ou seja, a dissociação entre corpo físico e alma; por conseguinte, ao cadáver não são conferidos significados consideráveis, embora a alma perdure atribuída de importância. De acordo com o Islã, longos períodos de luto são coibidos, uma vez que o evento da morte exprime um arbítrio divino e, ademais, pode ser subitâneo.

This prayer is called Janāzah.” (SARIslām asks us to keep in mind WAR, 1996, p. 37). that death can arrive at any time. Only Allāh knows when Foi-me contado por Yahya, His servants will die. Death com a autoridade de Malik, puts an end to our human body que a recebeu de Jafar ibn but it does not destroy our soul. Maomé e êste de seu pai, que The soul is taken away by the o Mensageiro de Deus – que angel Malakul Mawt (‘Izrā’īl a bênção e a paz de Deus o or Azrail) to Allāh. (SARWAR, acompanhem eternamente – 1996, p. 36). estava com sua camisa vestida, quando foi lavado. (WILO ritual post mortem islâmico abarca, baLIAMS, 1964, p. 81). sicamente, cinco estágios: 1) a lavagem do morto; 2) o amortalhar do morto; 3) a oração fúnebre; 4) o transporte do ataúde; e 5) o enterro. Tanto quanto a religião judaica, o Islã censura o ato da cremação como práxis funerária.

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A prática de lavar o morto antes da inumação simboliza o desígnio de purificação do corpo terreno antes que este adentre a vida eterna: “Malik disse:14“a lavagem dos mortos não consiste num procedimento exato e taxativo, mas, ùnicamente, na determinação de que os corpos devem ser lavados e purificados.” (WILLIAMS, 1964, p. 81); “In Islām, a dead body is given a wash before it is buried. It is then covered with white sheets and fragrance is spread all over it. A funeral prayer is conducted before burial. 14 Malik ibn Anas (falecido em 179 D.H./795 D.C.) foi o compilador do Muwatta, um dos mais antigos livros da Lei corânica. “O Muwatta tem sido tão admirado que al-Shafi comentou, certa vez, estar em segundo lugar, pelo seu valor, logo em seguida ao Alcorão.” (WILLIAMS, 1964, p. 81). Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos


A doutrina islâmica recomenda que, ao amortalhar o cadáver antes de sepultá-lo, não seja empregado um tecido ostentoso, evidenciando o desapego com aspectos terrenos na conjuntura da morte. Ademais, a mortalha deverá ser constituída por três lençóis brancos, sendo proibido o uso de camisas ou turbantes.

O Mensageiro de Deus foi amortalhado em três mortalhas brancas iemenitas, sem camisa nem turbante. [...] Aisha perguntou: “E por que não esta [mortalha] aqui, em lugar dessa? E Abu Bakr disse: “Não, os vivos têm mais necessidade de novos trajos Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

do que os mortos, e isso é apenas para embrulhar um cadáver. (WILLIAMS, 1964, p. 82). A execução da oração fúnebre é um imperativo do Islã, que somente pode ser realizada por um indivíduo muçulmano. Conforme Adamgy (2012), “a pessoa mais apta para orar sobre o defunto é quem quer que o próprio falecido escolhera, desde que ele não seja imoral ou um herético.” (p. 21).

“Como se reza num funeral?” Abu Huraira disse: “[...] Primeiro, há a procissão, com a família seguindo o féretro;

Fig 15 - Entrada do cemitério islâmico. Fonte: O autor.

Fig 14 - Cemitério islâmico no Campo da Esperança. Fonte: O autor.

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depois quando é colocado no chão, diz-se “Deus é Supremo!” e O louvamos, e bendizemos o Seu Profeta. Depois, diz-se: “Deus, eis o Teu servo, e o filho do Teu servo, e o filho da Tua comunidade. [...] Ó Deus, se ele foi bom, então acrescenta-lhe em bem-aventurança; e se ele errou, sê misericordioso e que seu erro não seja punido. (WILLIAMS, 1964, p. 83).

Após a morte, o sepultamento islâmico deve ocorrer tão breve quanto possível; “Lavagem e enterramento realizam-se prontamente após a morte, como de costume.” (WILLIAMS, 1964, p. 83); “Abu Bakr e Omar costumavam caminhar atrás do féretro, no que foram seguidos por todos os primeiros califas e por Abdala ibn Omar. [...] ele disse: “Caminhar diante do féretro é uma transgressão (khatá) contra a sunna.” (Idem, p. 82).

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os tipos são utilizados, mas é preferível utilizar o Al Lahed se o solo for firme e consistente. (p. 30). Fig 16 - Configuração espacial no interior do cemitério islâmico. Fonte: O autor.

E, segundo Williams (1964),

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As recomendações que reverberam na estética tumular de um cemitério islâmico são: “a parte superior da sepultura deverá ser elevada uma mão acima do solo, de modo a que seja reconhecida como uma sepultura e os transeuntes tomarão cuidado para não passar por cima dela.”; “não há mal em marcar a sepultura com uma pedra ou coisa semelhante para mostrar que se trata de uma sepultura.”; “é melhor fazer uma superfície convexa a da sepultura do que fazê-la plana.” e “é

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A última etapa do ritual consiste no ato do enterro. Segundo Adamgy (2012),

Em cemitérios muçulmanos, existem dois tipos de sepulturas: Al-Shaqq: uma cova cavada no solo na vertical. Al-Lahed: uma cova cavada no solo na vertical, com um espaço interno na lateral cavado na horizontal e que seja suficientemente grande para cobrir todo o corpo. Ambos

Fig 17 - Morfologia tumular no cemitério islâmico. Fonte: O autor.

O cortejo fúnebre deve prosseguir rapidamente, visto que o Profeta ‫هللا هيلع ملسو‬ ‫ ىلص‬disse: “Levai o falecido imediatamente, porque se ele foi um bom homem, então vós estais a tomar-lhe as boas coisas, e se ele não foi, então vós diminuireis o infortúnio de vossos ombros tão logo que for possível”. (Al-Bukhari e Muslim) (ADAMGY, 2012, p. 27)

Alguns disseram: “Êle devia ser enterrado debaixo do seu púlpito.” Outros disseram: “Sepultai-o no cemitério de al-Baqi.” Então Abu Bakr se adiantou aos demais e disse: “Eu ouvi dizer, certa vez,

“Não existir profeta algum que não seja sepultado no local onde morreu”. (p. 83).

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proibido construir qualquer estrutura sobre a sepultura, ou cobrir com emplastro, uma vez que isto era uma prática pré-Islâmica.” (ADAMGY, 2012, p. 33).

nicho no fundo e assim foi feito o enterramento.” (Idem, p. 84). CEMITÉRIO DOS PIONEIROS BRASÍLIA E DE AUTORIDADES

DE

De maneira concomitante às necrópoles israelita e islâmica, há no Campo da Esperança outros dois cemitérios que segregam-se não por aspectos religiosos, mas por marcadores sociais. São espaços exclusivos, que se restringem à inumação dos pioneiros de Brasília, autoridades e outros personagens que obtiveram destaque na história da Capital. Observa-se, nestes cemitérios, uma configuração espacial e morfologia tumular distintas, ademais do esmero com o qual são mantidos. Do mesmo modo, é importante observar que ambos os espaços estão localizados no centro da planta geral do Cemitério, conferindo a estes um lugar de proeminência.

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Fig 18 - Etapas de um ritual fúnebre muçulmano: lavagem, amortalhamento e enterro. Fonte: ADAMGY, 2012, p. 36–37.

Conforme Adamgy (2012), “segundo a Sunnah, deve ser feito um nicho na parede lateral da sepultura como foi feito na sepultura do Profeta ‫ىلص هللا هيلع ملسو‬. Este nicho é uma concavidade, qual é um abrigo escavado no fundo da cova, no lado da parede que está voltada para a Kaaba, aonde o defunto será colocado.” (p. 29) e, conforme Williams (1964), “virtualmente, todas as sepulturas muçulmanas apresentam êsse rebordo nos lados.” (p. 84). Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

Foi-me contado, por Malik, de Hisham Benurwa, que seu pai disse: “Havia dois homens em Medina que abriam sepulturas; um deles costumava abrir um nicho para o corpo, no fundo da sepultura [...] Chegou primeiro o coveiro que fazia as sepulturas com

A celebração da distinção na morte teve sua origem nos cemitérios oitocentistas brasileiros, que começaram a surgir a partir de 1850 após a transferência de ritos fúnebres dos espaços eclesiásticos aos novos espaços da morte. Conforme aponta Motta (2009), houve “a proibição de enterramentos nas igrejas e fossas comuns, transferindo tal função para os novos espaços cemiteriais edificados fora das cidades” (p. 62).

como, por exemplo, os cemitérios da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de Paula (1850), de Santo Amaro e de São Francisco Xavier (1851), de São João Batista (1852), da Senhora da Soledade (1853), do Campo Santo (1855), da Consolação (1856), da Ordem III de N. S. do Carmo (1857), da Ordem III de S. Francisco da Penitência (1858) e de Nossa de Santa Isabel (1870). Em contraposição, coexistia com os cemitérios da elite as valas comuns, destinadas às camadas economicamente desprovidas da população; se, nas necrópoles do Império, morria-se com distinção, nas valas comuns morria-se anonimamente. Segundo Motta (2009), nos espaços da morte burgueses “o que realmente interessava não era sepultar um corpo qualquer, mas cultivar formas diferenciadas de sepultamento, com marcadores sociais distintos que pudessem promover e dignificar a memória do morto” (p. 66), sinalizando a cobiça da Aristocracia pela distinção “tanto na vida quanto na morte” (Idem, p. 66). No caso do Campo da Esperança, um cemitério situado em um bairro de classe média alta de Brasília, observa-se uma estratificação social que se evidencia pelo espaço das autoridades em oposição às quadras de seu entorno imediato, uma disparidade que é igualmente conspícua no cemitério dos pioneiros.

Em seguida a esta medida, algumas necrópoles passaram a se destacar pelo luxo e ostentação de seus mausoléus, Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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Fig 19 - Jazigo da família Kubitschek no cemitério de autoridades do Campo da Esperança. Fonte: O autor.

Fig 20 - Cemitério dos pioneiros de Brasília. Fonte: O autor.

CONSIDERAÇÕES

raelita e islâmico, é exigida a dissociação física de seus espaços em função da religião, ao analisar os outros dois cemitérios segregados no Campo da Esperança, suscitam-se as seguintes problemáticas: 1) Seriam estes espaços somente separados ou também privilegiados? 2) Haveria, nestas espacialidades, reminiscências dos cemitérios oitocentistas brasileiros, os quais foram respaldados por um desejo de distinção entre classes sociais?

O espaço físico é um possibilitador de experiências, onde se desenrolam narrativas e emanam vivências humanas. Tal afirmação pode soar incongruente ao se tratar de espaços da morte, entretanto é importante salientar que estas espacialidades são experienciadas pelos viventes, uma vez que, em meio ao silêncio, evocam memórias daqueles que morreram e “ali jazem em diálogo com os vivos15” (MOTTA, 2009, p. 9). Os lugares dos mortos são espaços introspectivos, que instigam uma autorreflexão sobre a própria finitude, já que ponderar sobre este acontecimento e experienciar a morte de outrem traz à consciência a austeridade deste fenômeno, o qual Motta (2009) metaforizou sob a alcunha de “uma extrema ruptura” (p. 25). Enquanto que, no caso dos cemitérios is15 Ver prefácio do livro de Antonio Motta (2009), escrito por Kátia Queirós Mattoso. Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

Por fim, é possível concluir que, em vista de aspectos religiosos, o Campo da Esperança configura um espaço democrático, já que abarca cemitérios segregados que respeitam as premissas de cada doutrina. Contudo, no cemitério das autoridades, verifica-se a “importância civil da morte, realçando o papel social dos túmulos, sua função moral como monumento à glorificação de mortos ilustres”16 (MOTTA, 2009, p. 62) e a “exaltação ao individualismo e distinção tumular” (Idem, p. 62). Não obstante,

BIBLIOGRAFIA

a morte [...] é transclassista. Diante dela todos os homens se igualam: sua foice é desferida indiscriminadamente, sem levar em consideração o status daqueles a quem escolhe. [...] Relativizando todas as condições sociais, a morte nos mostra a absoluta igualdade entre os homens, nivelando-os ao mesmo destino. (MARANHÃO, 1998, p. 20–21).

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Márcio Vianna | Marcílio Sudério

Manaus hoje é a sétima maior metrópole brasileira, com mais de 2.000.000 de habitantes, tendo sido a capital que mais cresceu entre 2000 e 2010 (22%). Esse número representa mais um robusto salto demográfico, como os mais de 150% de outrora no auge da produção da Borracha e após a criação da Zona Franca! A cidade atual é o superlativo da Manaus patrimonial erguida com o Ciclo da Borracha na região Norte, época e região de extremos sociais com o fausto dos seringalistas e a quase-miséria dos seringueiros; e confirmando essa evidência, a arquitetura da época contrapunha o tapiri seringueiro de um lado e do outro lado as construções da Belle Époque amazonense da Borracha. Desta época, tem-se hoje preservado no núcleo da cidade o Teatro Amazonas (tombado pelo IPHAN em 1963), o Mercado Adolpho Lisboa (em 1985), e posteriormente o Porto (em 1986), de modo a formar o Centro Histórico tombado enfim em 2012. Além disso, o recente tombamento do Encontro das Águas (em 2015) reforça a indissociável ligação da cidade com a paisagem natural dos rios Negro e Solimões. Especialmente com o rio Ne-

MANAUS E SUA PAISAGEM CULTURAL: ORLA FLUVIAL E O PATRIMÔNIO DA CIDADE-METRÓPOLE

Fig 21 - Ponte estaiada que liga Manaus a Iranduba. Fonte: Embratur

RESUMO

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gro, que diante da cidade se curva e a abraça ─ afinal MANAOS significa MÃE DOS DEUSES ─ que traduz a mais expressiva ligação natural, cultural, paisagística, histórica, simbólica, mas também prática, produtiva, econômica, considerando principalmente o porto e a circulação de mercadorias e passageiros. Paisagem Cultural por excelência, sempre com ponto focal no porto, estende-se esse patrimônio por toda a barra fluvial urbana incluindo o Encontro das Águas, os igarapés urbanos, os igarapés adjacentes, e a floresta como elemento determinante, envolvendo a cidade e sua área metropolitana. Nas últimas décadas, cidades portuárias como Lisboa, Barcelona, Belém e o Rio de Janeiro, todas nascidas a partir de suas respectivas zonas portuárias, apresentam no porto o coração de seu valor histórico e patrimonial, mas também a ‘cara’ de seu presente e futuro, de modo progressista e impactante, com os trabalhos de suas respectivas revitalizações. Os portos são as duas faces da moeda, patrimônio e desenvolvimento, e em boa parte dos casos o revitalizar tem sido feito de modo harmônico, permitindo nova pujança, mas preservando o caráter tradicional que lhes viu nascer. Também Manaus é assim: saúda Presente e Futuro com o baticum do seu tradicional tambor, preserva suas manifestações culturais, artesanato, festas populares, culinária típica da qual tem tanto orgulho e faz efetivamente parte do seu dia-a-dia. Estas manifestações culturais materiais e imateriais constituem, todas juntas, um patrimônio complexo e indissociável, de uma população que mais Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

que qualquer outra no país, tem a cor do pau-brasil! Entende-se finalmente que Manaus tem na ligação cidade-rio um exemplo de excelência de paisagem cultural urbana, alinhado aos cânones da Unesco inclusive, e poderia, sim, ser reconhecida como “Patrimônio Mundial”. Patrimônio da Humanidade no Brasil... condizente com a importância da Floresta Amazônica para o mundo, e com a imponência da cúpula verde-amarela do Teatro Amazonas... hasteada em seu coração como metáfora da bandeira brasileira.

e pra baixo... e o europeu ‘prestando atenção’ e entendendo naquele gesto o movimento da água na cheia e na vazante. Muitos aprenderam a lição. E sobreviveram, até hoje, na nossa cultura e na historiografia deste país e de seus irmãos vizinhos (ou em todo o “Novo Mundo” em situações específicas, mas não muito diferentes).

INTRODUÇÃO ...Na beira do rio, o Amazônia olha a água, sua consistência, sua densidade, seu ritmo, e olha para a mata em volta, e olha para o chão, a consistência do solo, as eventuais diferenças de elevação de terreno ─ deve nesse momento ter um respeito ‘devocional’ pelo o que vê e pelo o que sente! ─ e, enfim, decide onde viver, e onde e como exatamente construir. Deve ter sido mais ou menos assim há séculos, e desde então. Nas aldeias indígenas e depois em vilarejos, dentre os quais, alguns, se tornaram as cidades de hoje. Até porque os portugueses e espanhóis mais sensíveis devem ter prestado muita atenção nas lições que os nativos generosamente ofertavam. Nem precisavam falar a mesma Língua, se, ao ‘dialogar’ com o europeu, o braço do índio apontava o alto do barranco, depois apontava a terra baixa, alternadamente, com um suave mas seguro vai-e-vem da mão pra cima

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Fig 22 - Forte “Príncipe da Beira” em Costa Marques/Rondônia, no platô acima do barranco do rio. Fonte: WWW.diariodaamazonia.net

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No contexto histórico e cultural da Amazônia ribeirinha, dentro e fora do Brasil, pode-se verificar que as relações entre o meio físico e os assentamentos urbaniformes da Região tendem a ser feitas de modo imperativo ─ considerada a imponência tanto da floresta como das águas, sobre o estabelecimento humano ─ mas também harmônico, na medida em que se impunha também haver uma relação de conhecimento, de entendimento, de respeito entre o grupo e o lugar que ocupavam; ou mais especificamente, neste grupo, aqueles indivíduos com a ‘missão’ de definir o ‘onde’ e o ‘como’. (Seriam estes, os “arquitetos e urbanistas” da tribo?)

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Este procedimento de decisão quanto à forma de ocupar um lugar, ou melhor dizendo, essa ‘tradição’ de ocupação territorial, foi na história do Brasil e de seus parceiros de Amazônia uma questão cultural, associada ainda a outras questões ─ também culturais ─ copartícipes das decisões (inclusive de projeto), como: os lugares sagrados, a construção de símbolos edificáveis, os pontos de encontro e celebração, as formas de expressão, e assim por diante, ou seja, patrimônio tangível e intangível. Diga-se oportunamente, estas constatações aplicam-se tanto aos povos nativos quanto às comunidades de após a chegada dos europeus e outros que em diversos pontos vieram se estabelecer. Todos... todas as tribos, mais portugueses, espanhóis, outros aventureiros e pretensos colonizadores, mais os posteriores amazônidas estáveis, como por exemplo,

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hoje, as populações dos vizinhos Estados do Amazonas brasileiro e Estado Del Amazonas colombiano. Uma das mais antigas imagens que se tem de Manaus (1845) já apresenta o forte e a capela antiga construídos no alto do barranco à beira-rio. Os dois exemplos citados existiram durante pouco tempo, logo substituídos por algo mais estável, ainda antes do Ciclo da Borracha; e o que nos interessa mais particularmente é que a Manaus da Borracha adequou-se, reafirmando, valorizando, ‘embelezando’ até, o “projeto” que a acolheu.

53 Fig 23 - Manaus em 1845 – Fonte: DUARTE, 2009

Embora seja verdade que a cidade cresceu barbaramente nas décadas que seguiram a época das imagens acima ─ e até hoje, quando Manaus é uma das metrópoles que mais cresce no Brasil ─ podemos dizer que a relação original se mantém, entre a terra e a água, entre o estabelecimento humano e a paisagem e, mais do que isso, podemos dizer que não se trata de forma nenhuma de uma relação apenas visual ou de envolvência, mas uma relação histórica prática, econômica, cotidiana, permanente e cada vez mais pujante há séculos.

cada qual tirando suas costumeiras conclusões, tanto Marx quanto Engels teriam gostado de saborear um peixe à moda local nalgum trecho do Porto de Manaus, apreciando o movimento e a paisagem natural e antropológica.

Num sentido figurado, poderíamos dizer que cada qual a seu modo e Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos


Essa característica geográfica é recorrente nas regiões do planeta banhadas por rios ou oceanos, e na Amazônia se repete tanto nos cursos dos grandes rios da região, quanto ao longo dos braços de rios menores, chamados localmente de igarapés. O processo natural de depósito e escavação do solo das margens, feito pela água das correntezas em toda imensa região amazônica, está ligado ao movimento de cheia e vazante dos rios, o qual muda radicalmente a paisagem e até o acesso a certos locais ao longo do ano. Essa peculiaridade levou, na maioria dos casos, à escolha preferencial de certos tipos de sítio para o assentamento das cidades por toda a Amazônia, dentro e fora do Brasil, que são os sítios altos e secos e de terra firme, adjacentes aos cursos d’água mas ligeiramente eleva-

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dos em relação a eles. É típica ainda a existência de uma faixa intermediária de terra (chamada “terra caída”) que cede, desmancha-se na água periodicamente; assim, a opção recai sempre pelo trecho seco e mais elevado em relação a essa faixa sazonal não confiável. O domínio ou a adaptação física desse fragmento da paisagem, a barranca, se apresenta como um dos primeiros traços morfológicos das cidades amazônicas, banhadas por orla fluvial ou oceânica. O estabelecimento desse primeiro arranjo formal determinará, por vezes, o acesso ao assentamento, que na região dá-se principalmente (ou exclusivamente, em muitos casos) por hidrovia. Para muitas cidades, o domínio da barranca significa o controle do principal meio de entrada e saída do núcleo.

Fig 24 - Porto de Manaus e rio Negro– Foto: www.copa2014.gov.br

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de todo o território brasileiro, tudo isso ‘supervisionado’, digamos, pela cúpula verde-amarela do Teatro, hasteada no coração da imensa e peculiar Amazônia. DIMENSÃO FÍSICO-TERRITORIAL: A primeira característica físico-territorial a ser destacada é a ocupação de algum trecho escolhido na margem do rio (barra ou barranca), que representa o processo de adaptação do assentamento humano ao sítio natural da região, estratégia que está ainda hoje claramente “viva” principalmente em sítios urbanos pequenos, caso da maioria das cidades ribeirinhas da região.

Fig 25 - Teatro Amazonas – Foto Embratur

Manaus foi fundada em 1669, teve um grande apogeu no período da produção da borracha na virada do século XIX para o XX, teve outro pique nas décadas de ouro da “Zona Franca” ao final do século XX, e hoje é uma grande metrópole... talvez destoante de algumas pequenas cidades amazônicas ribeirinhas que continuam com um aspecto muito próximo dos séculos anteriores. Manaus cresceu demais, muito se perdeu ao longo desses processos, mas continuam vivos e pujantes seus símbolos imateriais e materiais pulsantes no centro histórico tombado, no Porto movimentadíssimo, seu mercado de peixe, seus barcos peculiares, seu povo que é o povo mais ‘da cor do pau-brasil’

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Manaus segue essa lógica de adaptação e o seu núcleo foi construído em terreno mais alto e mais firme. Esta é a gênese morfológica de Manaus: a intervenção na Barra do Rio Negro, a locação das principais edificações em pontos de defesa e resguardo. Em síntese, um lugar que, paralelamente, edifica-se pela adequação ao meio físico, e por sua intervenção. DIMENSÃO HISTÓRICA:

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A história da região denominada de Amazônia já possui uma bibliografia consistente para esta pesquisa demos atenção especial à ótica dos autores Márcio Souza, Neide Gondim e Djalma Batista, especialmente no caso das obras, respectivamente, “História da Amazônia”, “A Invenção da Amazônia” e “O Complexo da Amazônia”. De particular interesse, os três compartilham a perspectiva de uma “invenção” regional exógena (europeia, norte-americana e até brasileira), não apenas econômica, mas também ideológica. Os três autores verificam que essa invenção foi reeditada ao longo dos últimos quinhentos anos. Os trabalhos de Souza (2009) e Gondim (2007) são mais recentes, já a obra de Batista foi publicada pela primeira vez em 1976; independente dos diferentes contextos em que foram concebidos, são contribuintes entre si no esclarecimento dos aspectos aqui elencados. A partir do paradigma de ‘viagem’ e ‘contato com outros povos’ no exemplo emblemático do contato europeu com o Oriente, em determinado momento da Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

História desponta, no extremo oposto, o encontro com a Amazônia, coração mais recôndito do então chamado “Novo Mundo”, que colocou os povos da Eurásia na condição de diferença em relação aos “outros” povos, dos novos mundos contatados. O estranhamento e o deslumbre frente ao desconhecido, de natureza diversa e de culturas não moldadas pelas tradições cristãs, impeliu o confronto, pois “a tal conjunto de maravilhas anexam-se as monstruosidades animais e corporais, incluídas tão somente enquanto oposição ao homem considerado como adamita normal” (GONDIM apud SOUZA, 2009, p.65). Gondim ratifica Souza, ao esclarecer sobre uma mentalidade medieval tardia que em muito ainda influenciava a visão européia moderna das possibilidades de uma realidade além do mundo conhecido. Historicamente esse contato inicial contribuiu para a sedimentação dos mitos que chegaram à contemporaneidade na forma de rótulo: a região ainda hoje é chamada de um dos últimos confins do globo. Para esse lugar ‘impossível’ foram inventados o lugar e o homem (selvagem) amazônicos, ambos como símbolos do antimundo. A dicotomia entre Velho Mundo e Novo Mundo fundou a Amazônia enquanto lugar do inusitado, pois “as narrativas mesclavam o fantástico pagão e cristão” (GONDIM, 2007, p. 27). Esse caráter dicotômico também construiu a visão do nativo como parte daquilo que não se entendia; autóctone necessariamente anormal, pois não se moldava aos desígnios

cristãos, sendo assim:

“[…] de que maneira o olhar do habitante do Velho Mundo veria o Novo se entre os dois persistia a crença da inabitabilidade da zona tórrida, da inexistência de uma raça única, com suas variáveis culturais e étnicas, fauna não embarcada na arca de Noé, flora não alagada pelo dilúvio, rios jamais citados pela Bíblia?” (GONDIM, 2007, p.48). O contato jamais seria pacífico e uma coexistência bem-sucedida se tornaria impraticável em terras amazônicas. O fato de as sociedades indígenas transitarem satisfatoriamente pela região, obrigando o branco europeu a acatá-las em seus métodos de sobrevivência e trato com a realidade, já era um verdadeiro ‘ultraje’ inconsciente para o cristão civilizado (SOUZA, 2009, p.79).

“[…] país fabuloso situado em algum lugar do noroeste amazônico, dele se dizia ser tão rico e cheio de tesouros que, segundo a lenda, o chefe da tribo recebia em todo o corpo uma camada de ouro em pó e a seguir se banhava num lago vulcânico” (SOUZA, 2009, p.69). Nesse cenário de tantas contradições, vários europeus desbravaram a região em expedições de datas e percursos diversos, dentre os quais espanhóis e portugueses, mas também ingleses, holandeses, alemães e outros. De todos os lados, como que ‘cercando’ a imensa hiléia: Pelo Atlântico junto à foz do Amazonas, pelo Pacífico à altura do Peru, pelo Caribe colombiano e em outros pontos. Muitos são os nomes e fatos conhecidos, aqui apenas citados sem que se detalhe seus exatos feitos e percursos, conseqüências, tangentes ou internos ao todo da Amazônia:

Além disso, as condições de esfinge natural e cultural se associaram ao interesse econômico, o qual também foi mitificado pela busca do El Dourado, pois o mesmo parecia ao olhar europeu:

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1. O primeiro europeu a ter contato com a Amazônia foi Vicente Pínzon, que em 1500 pensou ter alcançado a Índia, confrontou nativos a apresou 36 índios que foram enviados à Espanha. 2. Outro espanhol, Francisco Orellana, empreitou a primeira expedição pelo “Mar Dulce”, dos Andes ao litoral do Atlântico em 1540/42, tendo atingido o ponto do atualmente chamado Encontro das Águas (nas imediações onde hoje está Manaus), entre os Rios Negro e Solimões.

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3. Nesse contexto de interesses pela região amazônica, Portugal reagiu, mesmo em desrespeito ao Tratado de Tordesilhas, com uma expedição em 1615, comandada por Francisco Caldeira de Castelo Branco, tendo como membro da equipe o alferes Pedro Teixeira; o grande êxito dessa expedição foi a construção da fortaleza, que recebeu o nome de Forte do Presépio em Belém do Pará, em 1616 e, em decorrência, “batizaram com o nome de Santa Maria de Belém, e à região decidiram chamar de Feliz Lusitânia, numa alusão direta de que faziam aquela conquista em nome de Portugal” (SOUZA, 2009, p. 92). 4. Em 1625, sob o comando de Pedro Teixeira, são derrotados os últimos postos de ingleses, franceses e holandeses, assim “em dez anos, os portugueses se tornaram os ocupantes indisputáveis da Amazônia e consolidaram sua presença com a criação, em 21 de março de 1624, do Estado do Maranhão e Grão-Pará” (SOUZA, 2009, p. 96). 5. Em 1657 foi fundada a missão dos jesuítas no Rio Negro, o que representa um considerável ponto de penetração portuguesa do ocidente amazônico; essa penetração também ocorre rumo ao oeste e “em meados do século XVIII os portugueses chegam ao rio Guaporé; e em 1742, ocorre a viagem de Manuel Félix de Lima, que mostrou a possibilidade de navegar do Mato Grosso ao Pará” (SOUZA, 2009, p.115). 6. Em meados do século XVII, no ano de 1755, foi criada a Capitania de São José do Rio Negro; tal fato indica a necessidade portuguesa de se fazer presente na realidade da hiterlândia amazônica e surtiu como efeito urbano mais expressivo, a elevação de aldeias à condição de vilas.

Em resumo e segundo Souza (2009) temos claramente as seguintes etapas históricas na Amazônia lusitana ainda antes do Ciclo da Borracha: I. De 1600 a 1700, expulsão dos outros europeus e ocupação colonial; II. de 1700 a 1755, estabelecimento do sistema de missões religiosas e organização política da colônia; III. de 1757 a 1798, criação do sistema de Diretorias de Índios e esforço para alcançar o avanço do capitalismo internacional; IV. de 1800 a 1823, crise e estagnação do sistema colonial (SOUZA, 2009, p.127). Manaus já se conforma a partir do século XVII num enclave da civilização ocidental em meio à floresta tropical, representando, espacialmente, a busca do homem pelo controle do meio, particularmente no contexto da Expansão Ibérica portuguesa dos séculos XVI e XVII. Ali as cidades desempenhavam papel de nexo essencial para a manutenção de rotas comerciais marítimas, espécie de postos avançados, status de enclave que manteve-se durante o Ciclo da Borracha devido a sua posição de grande centro de comércio e distribuição (entre 1880 e 1910/12), e prosseguiu com a criação da Zona Franca em 1967, fato que alavancou a atual condição metropolitana. A cidade da Amazônia na modernidade é a cidade do projeto. Fruto da expansão

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do comércio europeu, seu arranjo físico reflete o caráter de peça de uma engrenagem maior, e essa é a sua principal instituição urbana; no caso específico, a produção e comercialização da Borracha, aí incluído transporte regional e internacional. Na Amazônia, os assentamentos coloniais são o que precisam ser para a sustentação de rotas comerciais marítimas. São pontos em terra, de recepção e emissão de mercadorias e pessoas; governados e protegidos pela força militar e pela fé cristã. Fundada em 1669 como cidade-fortaleza com a construção do Forte de São José da Barra do Rio Negro, para resguardar da cobiça espanhola os territórios ocidentais da grande floresta, num primeiro momento atuou em três frentes: como ponto de controle militar do território, ponto de cristianização, e ponto de comércio dos frutos do extrativismo, pouco evoluindo em importância e mancha urbana no decorrer dos duzentos anos seguintes. Manaus mantinha, ainda em meados do século XIX, feições urbanas pouco alteradas desde a época de sua fundação. Sua frágil evolução econômica e a proeminência de Belém sobre a região amazônica, contribuiu para preservar o arranjo físico erguido nos séculos XVII e XVIII. O arranjo da malha não é pouco pretensioso, é econômico. É também, nos primeiros momentos de existência do núcleo, um complemento físico mínimo; consequência necessária à existência humana, mais atrelada ao quê e a quem chega e sai, com ênfase nas áreas portuárias esRevista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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pecificamente. Isso é válido para Manaus como para outras cidades à beira d’água. A diversidade de tipos urbanos, cidades empresariais, portuárias (nesse grupo entram Belém e Manaus, como entrepostos comerciais) e termais, vai apresentar duas bases recorrentes: o aproveitamento das estruturas urbanas modernas e o incremento das mesmas com as novas linhas de comunicação e transporte, a exemplo das ferrovias e telégrafos, que provocam uma verdadeira explosão populacional em antigas cidades como Liverpool (com a qual Manaus estabelece profundas ligações comerciais e culturais diretas), Hamburgo, Barcelona, Marselha, Gênova, importantes portos europeus até hoje.

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Fica claro que o processo deu-se dos dois lados do Atlântico; na Amazônia as estruturas urbanas modernas foram profundamente transformadas pelo crescimento oitocentista, mas não arrasadas, pelo contrário: em Manaus o núcleo urbano moderno, já consolidado em 1850, influencia e direciona o crescimento físico da cidade após essa data. Pouca diferença parece haver entre a Manaus ‘original’ e aquela que foi encontrada pelo início do processo da Borracha. Na Amazônia, as estruturas urbanas modernas foram profundamente transformadas pelo crescimento oitocentista, mas não arrasadas, pelo contrário: desenvolvidas, adensadas, enriquecidas, sobre a estrutura original confirmada ou próximo disso. Não negam o passado físico ainda que se construam literalmente sobre este, que é absorvido pelos novos tempos e Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

ainda se faz presente e bem vivo hoje em dia. O mesmo aconteceu em Belém do Pará, no mesmo período. Para a Amazônia, o Ciclo da Borracha no período compreendido entre 1880 e 1912 delimitou uma época divisora de águas. As transformações foram indeléveis no âmbito mais amplo das esferas econômicas e culturais; foram apenas três décadas, aproximadamente, que por assim dizer ‘refundaram’ a região inteira. No aspecto material urbano, a resiliência do vasto conjunto deixado ainda hoje de exemplares edilícios, permite a concreta análise do quão impactante e transformador foi o período, nas maiores cidades da região, ambas com mais de duzentos anos de fundação, quando do início e expansão da economia gomífera. Otoni Mesquita, em “La Belle Vitrine: Manaus entre dois tempos (1890-1900)”, caracteriza o período como uma refundação da cidade, não só da toponímia de suas ruas e logradouros, mas principalmente da sua materialidade urbana. Essa ressignificação é reflexo concreto de outro grande “projeto” de cidade – assim como foi seu surgimento na modernidade – requisitado pela contemporaneidade de então, no qual o arranjo de ruas erigido por dois séculos é submerso e acrescido de outra cidade, a cidade-vitrine, com as novas edificações-símbolo... a cidade idílica que foi realidade naquelas décadas e ainda hoje permanece edificada na memória, mas também no chão da cidade, seu centro histórico tombado e simbólico.

Manaus foi reformada para corresponder às expectativas das elites capitalistas em várias esferas geográficas, da municipal à mundial passando pela esfera regional, pois o escoamento da borracha produzida dependia fortemente, até fins do século XIX, do porto de Belém. Um personagem deve ser citado: Mesquita (2009) observa que “dentre os governadores do período estudado, destacamos a emblemática figura de Eduardo Ribeiro, apontando-o como responsável pelo desencadeamento do processo de modernização da cidade de Manaus” (MESQUITA, 2009, p.248) ─ conhecido como o Haussmann Mulato, reflete o momento de reinvenção de Manaus. Em perspectiva mais panorâmica e crítica, Souza (2009) exibe o contexto cultural do período indo ao encontro da feição de vitrine defendida por Mesquita. Neste ponto deve ser observado que embora a cidade faustuosa e idílica se tenha realizado literalmente em cima do piso vernáculo, manteve sua essência, no que diz respeito a aspectos decisórios como:

por exemplo como em Salvador) como platô para o núcleo urbano efetivo; 4) mantém-se as edificações simbólicas e outras são erigidas, sempre em localização privilegiada em pontos diversos nesses platôs ─ até mesmo a casa de Eduardo Ribeiro localiza-se próxima ao Teatro Amazonas e edifícios governamentais; 5) embora com diferenças, mantém-se o arruamento predominante em xadrez no platô abraçado pelos dois principais igarapés limítrofes; 6) a confirmação desses dois igarapés (São Raimundo e Educandos) como limites da cidade de então e futuro limite do centro antigo; e além disso, 7) ratifica-se o direcionamento de qualquer expansão por eixos perpendiculares à linha da água e do porto, como que bissetriz do ângulo formado pelos dois grandes igarapés.

1) o porto é confirmado na linha direta da água nas terras baixas, na curva mais proeminente da barra do rio Negro; 2) confirma-se cada vez mais, e com ênfase, a relação direta da cidade com seu porto; 3) confirma-se a eleição das terras altas (embora não chegue a configurar uma situação de “Cidade Alta e Cidade Baixa” Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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A partir da década de 1910, com a perda do monopólio na extração da goma para os seringais asiáticos, essa construção urbana estaciona; primeiramente do ponto vista físico e, posteriormente – algumas décadas depois – na esfera ideológica. Manaus entra em profunda crise, com isso obras tanto pontuais, quanto gerais, são interrompidas ou concluídas no ritmo das possibilidades. No contexto de rupturas, pode-se apontar o fim do Ciclo da Borracha na Amazônia com o surgimento da concorrência asiática, que foi uma espécie de imprevisto, algo como uma fratura, um caminho abandonado de repente, que rompeu a ordem positivista urbana estabelecida nas cidades da região, refletindo enormemente no quadro físico que os assentamentos exibiriam posteriormente. Após o declínio de 1910/12-1915, Manaus viveu décadas de marasmo econômico, mas apesar disso seu arranjo urbano vivenciou novas e profundas alterações. O cenário sofreu breve mudança durante a Segunda Guerra Mundial com o retorno do interesse capitalista pelos seringais Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

da região, o que, ao terminar, provocou grande êxodo de populações interioranas para a cidade, como acontecera ao fim do Ciclo da Borracha.

Fig 26 - Planta de Manaus em 1969, mesmas linhas gerais do século anterior Fonte: Duarte, 2009

Na Amazônia o século XX inicia-se em clima de euforia econômica: a década de 1910 é vivida em Manaus sob a égide do progresso. A tônica do momento era representada pelas associações progressistas feitas às duas cidades que concentravam o comércio do látex: Belém e Manaus. “Paris dos Trópicos” e outros emblemas simbolizavam a “construção” urbana em curso no Pará e no Amazonas.

Num comparativo, é possível estabelecer que, tanto a modernidade urbana, quanto a contemporaneidade, encerram a ideia de cidade como projeto físico e cultural. As diferenças entre os artefatos construídos no primeiro recorte, e as reformas/acréscimos, trazidos com o segundo residem na transição do capitalismo do estágio extensivo (na modernidade), para o estágio intensivo, que atingiu a saturação na década de 1960. Novamente, Manaus entra em decadência econômica com o agravante de receber grandes contingentes populacionais para os quais não estava preparada. Esse crescimento no número de habitantes recebeu expressivo incremento com a criação da Zona Franca de Manaus em 1967, que transformou a cidade, até então estabelecida como centro comercial e administrativo, num polo internacional de comércio e indústria.

A criação da Zona Franca potencializou essa dinâmica, ao impor à cidade um ritmo acelerado de crescimento populacional e físico, para o qual as esferas da administração pública (nos âmbitos federal, estadual e municipal) não demonstraram retorno satisfatório. Nas quatro décadas seguintes consolidou-se o processo de metropolização e a problemática de integração do sistema viário cresceu em igual escala. Entre a década de 1960 e 2005, Manaus saltou de, aproximadamente 200.000 habitantes, para 2 milhões (considerada a região metropolitana); sua área urbana aumentou em mais de quinze vezes, saindo de aproximados 30km² para mais de 440km² de tecido urbanizado. Todavia, e de certa forma à revelia da ex-

pansão recente, a Manaus-metrópole de hoje, mesmo ocupando uma imensa área, confirma essa relação original com o sítio físico, que já tinha sido confirmada, como vimos, tanto com as etapas da Borracha como ao tempo da eclosão e boom da Zona Franca. Isso configura um dos principais ingredientes da ‘filosofia’ do patrimônio cultural: o valor de permanência, a ênfase à História, o respeito às forças do Tempo. Como se no fundo dos especuladores de hoje pulsasse um dna ribeirinho e uma filiação indelével à Mãe dos Deuses... que é exatamente o que significa “MANAOS”: Mãe dos Deuses! DIMENSÃO PATRIMONIAL: Neste texto pretendemos colocar luzes e foco na relação indissociável entre cidade-barranca-água, relação essa que Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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Embora tratando-se de outro ponto geográfico e outra situação antropológica e conceitual, dentro das categorias do patrimônio cultural brasileiro segundo o Artigo 216 da Constituição Federal de 1988, faz-se oportuna a citação, neste ponto, de trecho do dossier do IPHAN para o registro da Cachoeira do Iauaretê, no alto rio Negro e portanto simbolicamente ligada ao porto de Manaus (IPHAN 2006, Dossier 7, pag 11):

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“O reconhecimento dos lugares sagrados dos povos que vivem na confluência dos rios Uaupés e Papuri, destaca a inesgotável capacidade desses povos indígenas criarem e recriarem suas tradições na perspectiva de um projeto histórico de resistência cultural. (...) Esses lugares indicam, igualmente, os códigos de manejo social organizadores da vida, tais como as formas de convivência e os mecanismos de transmissão dos saberes, identificadores das várias etnias que compartilham territórios e padrões culturais.”

Fig 27 - porto de Manaus visto por Mário de Andrade, e o mesmo num barco no rio Solimões - Fonte: ANDRADE, 2015

conduz esse território ao status de singular “paisagem cultural urbana”. Na realidade, um e outro são uma coisa só, centro histórico e orla fluvial, assim como são uma coisa só o patrimônio material e o imaterial que ali se manifestam: o leito negro do rio, o verde da mata, as construções coloridas e simbólicas, o burburinho dos estivadores e passageiros, a culinária típica sempre presente, entre outras manifestações culturais corriqueiras como uma peça do cancioneiro popular (por quem trabalha cantando...). Local de referência cultural do sagrado e do profano, com todos os seus ofícios e saberes, artesanato, etc. Ambas as vertentes de patrimônio se completam e se fundem e fica difícil saber quem-antecede-quem desde o conceito vernáculo de ‘lugar’, não necessariamente ‘sagrado’ mas definitivamente ‘consagrado’ pela sedimentação da história de seu povo.

Na tradição e metodologias do Iphan para a lide com o patrimônio cultural brasileiro em suas várias vertentes, devemos citar nesse momento a viagem ‘fundadora’ que Mário de Andrade fez ao Norte do País em 1927, retratada no seu “O Turista Aprendiz” ─ recentemente (2015) relançado pelo Iphan em edição enriquecida e conclusiva, de indispensável leitura para o brasileiro que queira conhecer bem seu próprio país. Noutro momento por assim dizer re-fundador do IPHAN, Aloísio Magalhães, ‘modernizador’ da instituição na virada da década de 70 para 80, diria que “só se preserva aquilo que se ama e só se ama aquilo que se conhece” (MAGALHÃES, 1997 p. 190). Ambos os pensadores do patrimônio cultural brasileiro contribuíram para a visão abrangente que temos hoje do nosso patrimônio, tanto geográfica quanto conceitualmente em visão antropológica, novamente citando o Artigo 216 da Constituição.

Nesse contexto, a paisagem cultural urbana da orla histórica de Manaus, seu porto, a beira d’água e o leito do rio até o Encontro das Águas, representam muito bem a diversidade das categorias (constitucionais) do patrimônio cultural brasileiro, a amplitude de seu conceito e do universo e objeto de trabalho de quem lida com esses temas. E comprova que vivenciar e até trabalhar com paisagem cultural, urbana sobretudo, consiste muito mais do que um mero aspecto visual ou cenográfico da paisagem, mas também seu lado antropológico, prático, cotidiano, econômico inclusive. Coisa que o objeto aqui analisado representa por excelência! Em seu “Paisagem Cultural e Patrimônio”, Rafael Winter Ribeiro centra o foco de seus estudos justamente na amplitude e variações do conceito de paisagem cultural. Parte da referência a Donald Meining que “identificava dez formas diferentes Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

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de encarar a paisagem: como natureza, como habitat, como artefato, como sistema, como problema, como riqueza, como ideologia, como história, como lugar e como estética”. (RIBEIRO, apud MEINING, 2007, pag 9). Mais adiante, RIBEIRO (2007) usa duas expressões fortes para caracterizar essa situação: refere-se que a paisagem cultural é “onde a história pode ser lida” e chama-a também de “representação da materialização da memória” o que não é muito diferente. (WINTER, 2007, p. 57).

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Ainda em RIBEIRO (2007), agora citando O’Donnel (2004), não caberia mais hoje em dia a tradicional oposição entre Natureza e Cultura, mormente nestes temas do patrimônio cultural ou mais ainda da Paisagem Cultural: “Há uma convergência de valores naturais e culturais na paisagem, e um reconhecimento crescente de que a separação tradicional entre natureza e cultura é um obstáculo à proteção e não é mais sustentável”. (RIBEIRO, 2007, p. 63 apud O’DONNEL, 2004: 45) Parece que propositalmente o autor usa a palavra ‘sustentável’, de modo a insinuar que a relação sadia entre Natureza e Cultura é totalmente adequada aos atuais conceitos e atitudes de ‘Sustentabilidade’. É esta visão interdependente entre patrimônio cultural e patrimônio natural, que está muito bem patente nas relações culturais manifestas no Porto de Manaus e sua ambiência tanto urbana quanto natural e paisagística, a ser reconhecida em nível de excelência enquanto paisagem cultural urbana aos moldes do conceito Revista CAU/UCB | 2016 | Artigos

da Unesco, e aqui de público gostaríamos de propor. E para quem nunca desfrutou de um pordo-sol no rio Negro, à beira d’água no Porto de Manaus, fica o convite. Se faz mister e inapelável aquele ‘conhecer’ e aprender a amar o país em toda sua extensão geográfica e cultural, e são muito representativos, nesse contexto e na evidência das nossas dimensões continentais, os rios Negro e Solimões e seu encontro e junção em Manaus e, a partir de Manaus ─ a Mãe dos Deuses ─ o rio Amazonas. A carga simbólica é muito forte, o valor cultural muito significativo. E a cúpula verde-amarela do Teatro Amazonas aí comparece e a tudo coroa como metáfora de Soberania.

“E principiou um dos crepúsculos mais imensos do mundo, é impossível descrever. Fez crepúsculo em toda a abóbada celeste, norte, sul, leste, oeste. Não se sabia pra que lado o sol deitava, um céu todinho em rosa e ouro, depois lilás e azul, depois negro e encarnado se definindo com furor. Manaus a estibordo. As águas negras por baixo. Dava vontade de gritar, de morrer de amor, de esquecer tudo. Quando a intensidade do prazer foi tanta que não me permitiu mais gozar, fiquem com olhos cheios de lágrimas” (ANDRADE 2015, Op. Cit, pag 137)

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Fig 28 - Teatro Amazonas, detalhe da cúpula – Foto Márcio Vianna Fig 29 - Por-do-sol no rio Negro, no Porto de Manaus – Foto: www.brasiladentro.com.br

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A conversa estava boa, era uma noite agradável e haviam pessoas em todos os cantos do apartamento. Eu preferi ficar na sacada, pois a brisa que vem do mar, especialmente para pessoas que não moram no litoral, tem um aroma muito agradável.

71 Ítalo Fernandes Vieira | Aluno do CAU/UCB

Coloquei uma roupa leve por conta do calor, pedi um Uber e cheguei por volta das 23:30. Avistei embaixo do prédio um bar aberto e resolvi comprar alguma coisa para levar. Subi, entrei, cumprimentei todos e rapidamente comecei a conversar, em poucos instantes minha cabeça só ouvia o típico sotaque carioca do “s” bem marcado. Algumas pessoas se incomodam, mas não é meu caso. Confesso que até tentava dar uma puxada mais forte no “s” para não parecer que sou de fora, mas, se deu certo, isso é uma coisa que provavelmente nunca saberei.

VIAGEM AO RIO DE JANEIRO

Fig 30 - Cristo Redentor. Fonte: Embratur

Cheguei nesta cidade fazem 5 dias e estou partindo amanhã. Minha localização é um bairro da Zona Sul e estou no apartamento de um amigo que resolveu fazer uma reunião informal de última hora com colegas da faculdade e, como eu estava por perto, despretensiosamente, resolvi ir.

Revista CAU/UCB | 2016 | Crônica


Por alguma razão comecei a olhar as luzes lá do alto do prédio. Gostei tanto da vista e daquele momento que resolvi me entregar a ele. Debrucei-me contra o parapeito da sacada da sala, que é de frente para a praia, e só conseguia enxergar o que os postes de luz permitiam. Minha visão da orla era limitada, mas isso não foi suficiente para me ater e fiquei me indagando sobre a razão pela qual eu tenho um sentimento de pertencimento tão grande a este lugar. São poucos os lugares que exercem esse poder sobre o meu eu de maneira tão “overwhelming”.

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Vasculhei dentro de mim por respostas e tudo que achei foram momentos. Momentos peculiares meus, vivenciando e experimentando cada esquina da cidade. Percebi que caminhar por estas ruas cariocas é prazeroso pelo fato do comércio ser sempre convidativo e, ao menos na Zona Sul, as grades dos prédios não são exageradamente grandes como em Brasília, mesmo nos bairros mais elitizados.

O bairro de Santa Teresa tem cheiro de comida sendo preparada, já a Rua Nossa Senhora de Copacabana, tem cheiro de água do mar. O centro do Rio tem cheiro de antiguidade, mesmo que existam muitos prédios modernos por lá. A arquitetura no Rio tem muito mais diversidade do que de onde eu venho. O antigo marca sua imponência clássica de um passado glorioso enquanto o novo tenta, por sua vez, se firmar em meio aos museus, bibliotecas e igrejas do século passado. Brasília possui seu modernismo, que é fantástico, mas desde pequeno preferi e ainda prefiro a beleza de um prédio como o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o CCBB ou o Parque Lage. Quem me conhece a fundo sabe que sempre digo que nasci no século errado.

73 Fig 32 - Sala de espetáculos do Theatro Municipal.

Cada esquina possui um aroma próprio.

Fig 33 - Panorâmica do CCBB do segundo andar olhando para o saguão de entrada Fig 31 - Foto panorâmica da praia de Copacabana vista do Leme.

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Comecei a me lembrar das vezes que me interessei em saber mais sobre o processo de favelização do Rio e que até cheguei a abrir o Google e clicar em um ou dois links, mas não li nada a fundo. Lembrei também de como a mídia crucifica sempre o Rio e seus problemas. Logicamente, existem aqui problemas que talvez em outras cidades não sejam tão acentuados, mas dias ruins todos temos de vez em quando.

Fig 34 - Parque Lage, logo atrás, o Corcovado.

Falando em mídia, acho que ela deve amar esta cidade, assim como eu. Tem um ditado que diz: “quando a gente ama, a gente crítica”. Talvez seja essa a explicação para tanta matéria sensacionalista por aí. Aqui é cidade, é praia, é cartão postal, é Olimpíada, é favela, é música, é paisagem, é comida... E tudo isso divide espaço com uma das maravilhas do mundo que fica sempre de braços abertos para quem chega. É um enorme conglomerado de pessoas e culturas a céu aberto, é abrigo para tantos talentos anônimos que diariamente batalham pelo reconhecimento, é berço de decisões importantes que afetam todo o país e é palco das produções de cinema e teatro mais premiadas e respeitadas. Podem falar bem, falar mal, eu não me importo, só sei de uma coisa: obrigado Deus, estou no Rio e isso me basta.

Fig 35 - Escadaria de entrada da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

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Ana Paula da Silva | Ana Paula Mituíte | Alunas do CAU/UCB

A formação do profissional de arquitetura e urbanismo inclui, além de seu preparo técnico, a percepção da amplidão de sua atuação na sociedade a qual pertence, muito mais como um membro que partilha de relevantes e decisivas responsabilidades no desenvolvimento social que um agente destacado em posição privilegiada. Desta forma, ao cursar a disciplina Projeto e Atendimento Comunitário (PAC), somos levados ao exercício deste papel, numa condição mais sensível e de identidade com a problemática no campo da arquitetura ou do urbanismo a ser enfrentado. Um breve relato analítico será abordado neste artigo, tratando da vivencia experimentada ainda na academia pelas autoras, traçando o elo comum do exercício da arquitetura e do urbanismo ao usuário dos segmentos mais desfavorecidos da sociedade. Ao final, são tecidas considerações pessoais sobre o desenvolvimento dos trabalhos e as expectativas geradas no grupo¹, com as sugestões para a efetivação do Atendimento Comunitário.

PROJETO DE ACOMPANHAMENTO COMUNITÁRIO (PAC): ARQUITETURA E URBANISMO EM DIFERENTES ESCALAS

Fig 36 - Fonte: Pixabay.

RESUMO

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INTRODUÇÃO A formação do arquiteto e urbanista tem a tônica de preparar o estudante para o exercício profissional de conceber edifícios e cidades, cônscios do seu papel de agente social, na medida em que a sua atuação tem interferência direta e significativa na forma que as pessoas vivem e como usufruem dos espaços construídos ou ambientalmente modificados.

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A disciplina Projeto e Acompanhamento Comunitário (PAC), muito particularmente, se propõe a fazer na vida acadêmica este exercício de sensibilização do estudante para a sua contribuição e o seu papel na sociedade. Trazer para o olhar do estudante o que está ao efetivo alcance de suas habilidades nos traz para o mundo das realizações palpáveis e sobretudo das mais necessárias. Assim, apresentar propostas tanto para a arquitetura quanto para o urbanismo, partindo da escala do indivíduo para a comunidade, nos impregna o espírito de ideais, mas também de força de vontade de ação, na medida que tanto num caso quanto no outro, nós nos identificamos como parte do meio social, em que as necessidades, anseios, preferencias, hábitos, costumes, culturas, são todos compartilhados e trazem seu elo comum na essência do ser humano. Como estudantes de arquitetura, acreditamos que somos agentes de transformação social e que devemos buscar melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio do Revista CAU/UCB | 2016 | Relatos

ambiente construído. Seja em um projeto urbano ou um projeto arquitetônico, nos preocupamos com os impactos positivos que os nossos projetos poderão causar à sociedade. Devemos, portanto, construir cidades e espaços belos, sustentáveis, seguros, confortáveis, mas a cima de tudo, acessíveis.

Seja pela velhice ou pela possibilidade de se tornar deficiente, a arquitetura deve garantir que todos os ambientes sejam apropriados para qualquer realidade dos habitantes do local, dando aos moradores autonomia e independência dentro de sua residência. Certamente, este é um grande desafio a ser alcançado.

OS PROJETOS

Outro “tabu” a ser vencido é de que “ arquitetura é pra rico”. Seja rico ou seja pobre, todos têm direito de morar com qualidade de vida. Outro grande desafio, portanto, é criarmos projetos viáveis economicamente, o que implica em dizer que para se fazer uma arquitetura de qualidade, não necessariamente precisa ser cara ou usar tecnologias avançadas.

Escala Arquitetônica: o caráter social da habitação Lar doce lar Em função das dificuldades que os brasileiros têm em adquirir a casa própria, quando esta é conquistada, geralmente passa a ser para a vida toda, sejam quais forem as condições da casa. Isso ocorre principalmente entre as classes menos favorecidas e entre os idosos que passam a ter um vínculo maior com a moradia. Arquitetura para Todos O arquiteto deve conceber uma arquitetura viável e que considere que os moradores envelhecerão naquele ambiente, construindo assim algo adaptável às possíveis mudanças de necessidades desses moradores.

um programa de habitação social do GDF há quase 30 anos, ainda conserva muito das suas condições iniciais, especialmente quanto ao acabamento. Atualmente, a residência não oferece condições adequadas às necessidades de sua moradora, principalmente nos aspectos referentes à sua saúde. Portanto tínhamos um grande desafio pela frente.

Fazer muito com Pouco

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A experiência que a disciplina de PAC nos proporcionou é que podemos e devemos sim fazer arquitetura inclusiva. A falta de orientação profissional adequada na realização de um simples projeto habitacional influencia diretamente na qualidade de vida do morador. O primeiro projeto realizado na disciplina tinha como objetivo verificar a importância social do arquiteto em uma escala micro. A ideia era melhorar um ambiente já construído de uma residência em péssimas condições, fazendo o mínimo de interferência possível, mas trazendo aos moradores daquele lar um pouco mais de conforto. A casa em questão é oriunda de um modelo tipo célula habitacional e, embora tenha sido executada a partir de Revista CAU/UCB | 2016 | Relatos


Nossa cliente Dona Geralda é uma senhora muito simpática, de 73 anos, que mora no local há mais de 30 anos. Possui pouca escolaridade, renda mensal em torno de mil reais e alguns problemas de saúde que prejudicam a sua mobilidade. Ela mora na parte posterior da casa e aluga a frente ao mesmo inquilino a mais de 10 anos. A Casa

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Ambientes:

- Parte Posterior: é constituída por um depósito sem nenhuma ventilação. A sala pouco iluminada e sem muita ventilação, possui uma única janela pouco eficiente. A cozinha não possui iluminação elétrica, o que dificulta o uso durante a noite. O banheiro encontra-se próximo a cozinha, não possui cerâmicas no piso ou nas paredes, deixando o ambiente muito úmido e mofado. Não existe separação da área do banho e da bacia sanitária. A área de serviço fica no corredor e está desprotegida do sol e da chuva.

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Fig 38 - Planta baixa, parte posterior. Fonte: As autoras.

A casa é dividida em duas partes:

Fig 37 - Cômodos da casa . Fotos: As autoras.

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Os materiais predominantes são paredes de tijolos cerâmicos, sem nenhuma estrutura, possuindo reboco apenas na parte interna da casa. O telhado é feito com estrutura de madeira e telhas de fibrocimento. As esquadrias são de ferro. O piso interno de cimento queimado e o externo de cimento grosso.

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Parte Frontal: Possui um depósito com acesso independente. A parte onde o inquilino mora possui um único cômodo com pouca iluminação e ventilação. Assim como na casa da Dona Geralda, as questões de higiene são precárias. O acesso ao banheiro se dá pelo lado externo, que também se encontra em péssimas condições.

Fig 39 - Cozinha e corredor externo. Fonte: As autoras.

DIAGNÓSTICO Dona Geralda enfrenta na casa vários problemas que prejudicam a sua saúde e seu conforto, dentre os quais podemos citar o acumulo de objetos e sujeira por todos os cômodos da casa, dificultando a circulação pelos ambientes e prejudicando a salubridade do local. Os batentes, por serem altos, dificultam a mobilidade da moradora que sofre de problemas de articulação. No banheiro não tem descarga, além da pouca iluminação e ventilação. O telhado de fibrocimento possui vazamento, as esquadrias estão com defeitos, etc. Soluções Imediatas A solução mais imediata foi a compra e instalação da descarga do banheiro que há dois anos não estava funcionando. A Revista CAU/UCB | 2016 | Relatos

segunda ação foi um mutirão de mais de 8 horas de trabalho, convocando família e amigos para limpeza e reorganização da casa da Dona Geralda. Essa, sem dúvida, foi a experiência mais emocionante que realizamos, ao vermos a casa limpa e organizada e o sorriso de gratidão da Dona Geralda. Todo o cansaço valeu a pena. Criamos ainda grupos de apoio para arrecadarmos o máximo dos materiais necessários para a realização da obra, bem como a mão de obra necessária para a realização do projeto.

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Fig 40 - Planta baixa, parte frontal. Fonte: As autoras.

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Fig 41 - Mutirão da limpeza. Fonte: As autoras.

Diretrizes Gerais do Projeto

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O desafio na elaboração do projeto era conseguirmos preservar ao máximo as condições estruturais da edificação, minimizando as demolições das paredes com objetivo de não afetar a sua estabilidade e diminuir os custos. Nos propomos também a resolver os principais problemas de iluminação e ventilação, trazendo maior conforto possível para dentro da casa. Buscamos utilizar soluções alternativas com materiais de reaproveitamento. Diretrizes especificas: Compartimentação: A Ideia é melhorar a relação entre os ambientes internos, trazendo maior conforto para os moradores e ajudando a valorizar o imóvel. Na casa da frente, organizamos o layout priorizando a privacidade do quarto, além disso, redirecionamos o acesso ao banheiro por dentro da casa. Na casa dos fundos, conseguimos manter a mesma configuração, alterando apenas a porta do banheiro para que o acesso se desse pela sala, e não mais pela cozinha. Também reposicionamos a porta da frente.

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Ventilação e Iluminação: As maiores alterações foram feitas para que se pudesse aumentar a aeração com ampliação dos vãos de janela. Criamos ainda ventilação cruzada, colocando um fosso no centro da edificação e aplicação de cobogós voltados para essa área aberta. O maior dos desejos: Um dos prazeres da moradora é sentar-se na improvisada varanda para observar o movimento da rua, tendo sido o seu desejo mais manifesto, que sua “casa tivesse uma frente bem bonita”. Para atender a este desejo em particular, mantendo basicamente a configuração original e atual da casa, foram adotadas soluções simples e de baixo custo para que o visual se tornasse aprazível e aconchegante, haja vista ser este o local que a senhora solitária mais interage com a vizinhança e os transeuntes. Optou-se por um pergolado de pau-de-escora, pela mudança das esquadrias e pela confecção de dois pequenos jardins: um seco com forração em pedras e ornamentos artificiais em função da dificuldade de manutenção das plantas naturais, e uma pequena área permeável com forração em

Fig 42 - Planta de demolição. Fonte: As autoras.

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Fig 43 - Planta baixa. Fonte: As autoras.

Fig 44 - Corte AA. Fonte: As autoras.

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grama e um arbusto natural, também de baixa e fácil manutenção. As cores vivas da fachada foram propositadamente determinadas para ser chamativa e atraente, além de vibrante e convidativa. Afinal, ali é o lugar especial da D. Geralda!

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Fig 45 - Fachada atual e fachada proposta. Fonte: As autoras.

A lateral da casa, que hoje não tem acabamento externo nas vedações, teria aplicação de textura e de um barrado de tijolos, impermeabilizado para conter a infiltração e, ainda na parte do muro do vizinho, seriam colocadas plantas ou uma pequena horta que a D. Geralda pudesse dar manutenção em pé e sem sacrifícios às suas dificuldades motoras.

Fig 45 - Proposta para fachada lateral. Fonte: As autoras.

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O projeto ao final foi apresentado para a cliente, que ficou muito satisfeita com o resultado da proposta. O grupo de trabalho organizou nas redes sociais uma forma de arrecadar sobras de materiais e móveis que pudessem ser úteis e aplicáveis à reforma. O resultado é que alguns materiais já foram doados e entregues para a Dona Geralda. Foi estudada a viabilidade para fornecimento de mão-de-obra por uma empresa que faz treinamento de pessoas no ramo da construção civil. Com isso, o projeto apresentou-se bastante exequível, tanto do ponto de vista econômico quanto dos procedimentos. Uma das grandes expectativas a partir da conclusão dos trabalhos nesta escala residencial é que este projeto se materialize. O grupo se dispôs a oferecer uma atenção à D. Geralda em outros aspectos, especialmente em relação a sua comprometida habilidade motora, mas também vem buscando meios e oportunidades para que os anseios tanto da cliente, quanto dos futuros profissionais sejam, conforme o jargão, concretizados. Escala Urbana: o caráter social do espaço público. Transpor a experiência de atuação na escala da habitação unifamiliar para escala urbana com a composição de um espaço de uso público, mantendo a interação com extrato social tão desfavorecido quanto do primeiro exercício, foi a segunda etapa do desenvolvimento da disciplina PAC. Porém, a experiência consistiria em se propor uma intervenção no espaço públi-

co em que se efetivasse a participação e a aprovação da comunidade do local. Foram apresentadas áreas com real necessidade de propostas de requalificação, revitalização, reforma ou criação de elementos urbanos e equipamentos públicos comunitários na Região Administrativa de Ceilândia-DF. Todos os espaços apresentavam, em maior ou menor proporção, algum relativo ou significativo grau de deterioração, incluindo depredação de mobiliários, depósitos irregulares de lixo e resíduos sólidos de diversas naturezas, degradação ambiental, resultando em locais insalubres, desconfortáveis, inapropriados à permanência e ao convívio, quando não eram ainda espaços destituídos de qualquer elemento urbano. Dentre as oito áreas destacadas para o trabalho urbanístico junto às comunidades em Ceilândia, a QNR 02 é a mais distanciada do centro da cidade e faz parte de um dos programas de assentamento de população de baixa renda na virada das décadas de 1990/2000, que se encontra em situação precária em muitos aspectos na questão uso de espaço público. Tendo sido estes alguns dos critérios para a escolha da área, a proposta de intervenção envolveu a praça existente e a área especial, destinada a implantação de equipamento público comunitário (E.P.C.), vulgarmente conhecida pelos moradores como “quadradão”.

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Fig 47 - Vistas da praça. Fonte: As autoras. Fig 46 - Ceilândia e QNR 01. Fonte: Google Maps.

MAPEANDO A ÁREA DE INTERVENÇÃO

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Assumindo a terminologia dada pelos moradores, o “quadradão” da QNR 02 é um espaço, digamos, bipartido: de um lado está a área livre destinada ao E.P.C. e do outro a pretensa “praça”, que desde a constituição da quadra, conta com alguns equipamentos de lazer, como quadra de esporte, parque infantil e Ponto de Encontro Comunitário (PEC).

co envolvendo os espaços de circulação, inclusive sendo perceptível o grande desconforto térmico causado pela falta de sombreamento. Levantando o contexto socioeconômico e as expectativas, e descrevendo a problemática

Apesar de já contar com infraestrutura urbana executada, a região apresenta aspecto de pouco desenvolvimento dadas as condições que se encontram muitas das instalações: a pavimentação está danificada, não há arborização e calçadas que atendam aos requisitos de acessibilidade. Alguns depósitos de entulho e lixo são constituídos em áreas residuais e os poucos equipamentos que estão instalados já sofreram desgaste e degradação consideráveis.

A população das quadras QNR originalmente eram pessoas que ocuparam a área a partir de um programa de concessão de área para habitação popular. Este programa visava, à época, tanto a remoção de pessoas de invasões quanto ao benefício de moradia às pessoas que atendiam aos requisitos da antiga Sociedade de Habitação e Interesse Social (SHIS). Portanto, as pessoas que ali se instalaram provieram ou de situações de risco e irregularidade fundiária, ou de pessoas a margem do mercado imobiliário convencional por sua incapacidade econômica de adquirir um imóvel no Distrito Federal.

Na praça, os mobiliários e os equipamentos de lazer apresentam alto grau de deterioração e não há tratamento paisagísti-

Os “assentados” como eram denominados os que “recebiam lotes” nessas condições, promoveram algumas modifi-

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cações e evoluíram os padrões residenciais, enquanto outras permaneceram em condições precárias. Desta forma, o aspecto geral das quadras do setor QNR, evidencia um agrupamento de pessoas com baixo poder aquisitivo, e que não receberam, por parte dos governos ao longo do tempo, grande atenção para o desenvolvimento da região como um todo. Lá se configura uma ocupação eminentemente residencial, não tendo sido observados espaços para a constituição do comércio ou outras atividades de geração de emprego e renda no local, sendo isto um agravante para a dinamização e desenvolvimento da população. Com isso, focando a utilização do “quadradão” pelos moradores, além de ser um espaço urbano pouco aprazível e agregador, é tido como um local “desperdiçado”, inseguro e descuidado. Em entrevistas realizadas in loco com os moradores, constatou-se que esta sensação de abandono por parte do poder público é bem acentuada. Muitos demonstraram desconfiança e incredulidade na possibilidade de uma proposta urbana a partir da consulta aos interesses e necessidades deles. Entretanto, foi possível observar certa unanimidade nas expectativas

para investimentos no “quadradão”, especialmente os que fossem voltados para a saúde, para a segurança, a educação e o lazer. Surgiram então dentre as opiniões, sugestões para os equipamentos posto de saúde, posto policial e creche, como as mais relevantes nesta ordem. Compondo uma proposta a partir do levantamento de programa de necessidades Dentre as três principais reivindicações dos moradores para a área, a solução que envolvia uma creche para integrar o espaço foi a que se apresentou mais viável. Isto porque, nas proximidades, estava identificada a idealização da construção de Unidade de Pronto Atendimento (UPA), e a experiência com um posto policial que havia nas proximidades não foi bem-sucedida. O que chamou a atenção nas falas dos moradores é que na região haviam muitas crianças deixadas ao longo do dia pelos pais, que saiam a trabalho, ficando soltas nas ruas e sem opção de lazer e cuidados. Com essa descrição latente, a proposta de intervenção no local partiu para a exploração deste potencial em benefício Revista CAU/UCB | 2016 | Relatos

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das famílias e das crianças. O programa de necessidades, de forma simplificada, procurou contemplar as necessidades tanto de abrigo dos menores numa instituição própria, a creche, quanto promover um espaço mais confortável, acolhedor e que reunisse as pessoas em diversas faixas etárias para interação e convívio social. O “quadradão” que já é cortado por via local, recebeu o tratamento da seguinte forma: Espaço 1 para a praça, que manteria os equipamentos de lazer já instalados, porém reformados, e com a circulação das pessoas melhor resolvida; Espaço Central, que seria a interrupção da circulação pela via local para integração das duas áreas, de forma a torná-la efetivamente um elemento interligado, resgatando a prática da “Rua do Lazer”; e o Espaço 2, que seria ocupado pela creche do modelo padrão da Secretaria de Educação, servida pela horta e pomar comunitário. SETOR

Espaço 1

Espaço central

Espaço 2

Desenvolvendo a proposta e apresentando à comunidade e à Administração Regional de Ceilândia O princípio norteador de toda a proposta é que as intervenções no espaço público, sobretudo, aproveitassem toda a infraestrutura e equipamentos já dispostos no local, inclusive fazendo com que a Rua do Lazer aproveitasse a pavimentação existente e que sofresse bloqueio de trafego reversível. A inovação buscada para esta configuração é que os elementos implantados fossem apropriados pela comunidade, especialmente no quesito manutenção e conservação. Assim, priorizou-se a utilização de materiais alternativos para a confecção da horta e dos pomares; a mudança de uso, mas com preservação da estrutura no caso da quadra de esportes, e que o paisagismo tornasse o ambiente mais agradável e

AMBIENTE

QNTD.

ÁREA m²

MOBILIÁRIO

Playground

1

275

Brinquedos infantis

Parque lúdico

1

160

Amarelinha, etc.

Biblioteca itinerante

1

80

Mobiliário de autofabricação

Espaços de convivência

1

5270

Mobiliário urbano

Academica comunitária

1

100

PEC

1

100

Rua de lazer

1

350

Horta comunitária

1

250

Pomar comunitário

1

130

Creche

1

1320

Tabela 1 - Programa de necessidades simplificado. Fonte: As autoras.

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confortável à circulação e permanência das pessoas. A apresentação da proposta e a avaliação técnica pela equipe da Diretoria de Obras da Administração Regional de Ceilândia ocorreram em local e dia distintos. A primeira no Auditório da Sede da Administração em 18/05/2016 e segunda na Diretoria de Obras em 25/05/2016. Tanto em uma quanto na outra ocasião, o projeto do Espaço Vivencial da QNR foi muito bem aceito pela comunidade e não sofreu qualquer solicitação de modificação pela equipe da Administração.

A apresentação da proposta e a avaliação técnica pela equipe da Diretoria de Obras da Administração Regional de Ceilândia ocorreram em local e dia distintos. A primeira no Auditório da Sede da Administração em 18/05/2016 e segunda na Diretoria de Obras em 25/05/2016. Tanto em uma quanto na outra ocasião, o projeto do Espaço Vivencial da QNR foi muito bem aceito pela comunidade e não sofreu qualquer solicitação de modificação pela equipe da Administração. A partir de então, a proposta foi finalizada com o anteprojeto mais detalhado, inclusive com a concepção de mobiliários urbanos. A biblioteca pública comunitária foi objeto de destaque, que além de pretender versatilidade para o uso do edifício, se propõe a oferecer um ambiente ade-

Canteiros por autofabricação

Fig 48 - Proposta esquemática. Fonte: As autoras.

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pessoais dos convívios, das pesquisas, da elaboração dos projetos, na condição do exercício profissional: somos pessoas lidando com pessoas.

Fig 49 - Apresentação da proposta à Administração de Ceilândia. Fonte: As autoras.

92 Fig 50 - Imagens ilustrativas da proposta. Fonte: As autoras.

quado ao acervo de uma biblioteca itinerante, bem como um espaço para usufruto das crianças juntamente com o parque lúdico, redefinindo o uso da quadra de esportes para uma clientela mais ampla e diversificada. O projeto foi concluído e apresentado com todos desenhos técnicos especificados pelo roteiro da disciplina e serão oportunamente oferecidos os desenhos humanizados à comunidade, a fim de subsidiar futuros pleitos de intervenção no “quadradão”.

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CONCLUSÃO EMPATIA e ALTERIDADE, esses dois conceitos trabalhados também na academia, lá no seu início na disciplina Introdução ao Ensino Superior (IES), são a melhor tradução do primeiro resultado das experiências vivenciadas em PAC. O primeiro conceito consiste em tentar compreender sentimentos e emoções de outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela, de forma objetiva e racional. O segundo implica que um indivíduo seja capaz de se colocar no lugar do outro, em uma relação baseada no diálogo e valorização das diferenças existentes. Com certeza essa a grande reflexão e aprendizado

Essa simbiose do que somos e do que propomos com o que são os outros e com o que esperam de nós é, com certeza, o mote do papel social a ser exercido por todas as profissões e não seria diferente na arquitetura e no urbanismo. Transpor essa vivência para o dia a dia da conquista do pão, sob as ordens, as condicionantes e muito especialmente o conflito de interesses, estes sim vai ser o desafio de cada estudante ao transpor o limiar da vida acadêmica para a vida profissional. E este embate não precisa necessariamente ser sentido somente quando o diploma já está na parede. Ainda agora já podemos sentir esta luta, e a nossa postura de superação ou acomodação é que vai fazer a diferença do quanto esta experiência de empatia e alteridade realmente nos afetou em nossos propósitos pessoais e profissionais. Nas duas situações vivenciadas, ficou aquele gostinho do quero mais... qual vai ser o fim da história? Plantamos um pé de rosa e não sabemos qual é a cor da flor. Ficamos com a camisa suada e não vimos o resultado final. Não lamentamos! Afinal, compreensível que esta seja uma situação experimental, ainda uma atividade acadêmica. Mas, nós que suamos perguntamos: precisa ser assim? Não poderíamos institucionalmente, nas universidades, nos órgãos públicos, nas entidades sem

fins lucrativos, nos órgãos de classe, enfim nos seguimentos sociais e legalmente instituídos, ter não apenas o “gostinho”, mas a inteira degustação de poder ver o nosso potencial aproveitado? São dilemas que em nada invalidam a proposta dos exercícios, pautadas inclusive na ementa da disciplina. Mas, ao encerrar esta etapa, tão próximos que estamos de cair na vida real, muito proveitosa e mais ainda estimulante seria se contássemos com essas oportunidades de ver que cumprimos o nosso papel, o objetivo foi alcançado. Assim, a conclusão é no sentido de que tendo sido burilados com a vontade de trabalho, busquemos, tanto quanto nos sejam oferecidos, os meios de efetivação do Projeto e Acompanhamento Comunitário, sendo este um excelente campo de pesquisa, inclusive na extensão; uma ótima oportunidade aos órgãos públicos de oxigenar as suas ideias e propostas, e oferecer às comunidades os profissionais que, no decorrer da sua formação já estejam com seus problemas; e a aproximação de todos os outros segmentos da sociedade civil organizada com a resolução conjunta de atacar e resolver os intrincados problemas que vivenciamos por meio do exercício da boa arquitetura e urbanismo consciente. Parabéns à disciplina PAC, esta marca pode e deve ser indelével. Que sejam duradouros os seus frutos e que as novas experiências, propiciadas a todos os alunos, sejam cada vez mais profundas e proveitosas.

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Hotel M2 PA5 - Edificação em altura Orientadora: Fernanda Moreira Alunos: Daniela Caparelli, Gabriel José e João Pedro Lau

No desenvolvimento da forma, a própria tipologia e legislação do terreno direcionaram algumas diretrizes para a configuração do edifício, o lote estreito e alongado margeando o parque de Águas Claras impôs características que nortearam decisões acerca do design e disposição dos elementos do edifício. A vista do parque se torna um elemento fundamental para o projeto, que inicialmente é pensado em voltar todos os quartos e apartamentos para esta fachada privilegiada. Devido as peculiaridades da forma, composta por duas torres interligadas e diferenças de alturas, foi escolhido um nome que representasse visualmente a forma do edifício e suas curvas, com as diferenças de alturas compostas por duas torres. Desta forma, o nome M2 surge para enfatizar os principais elementos do projetos.


Parque Arniqueiras PUP - Projeto Urbanístico e Paisagístico Orientadora: Carla Freitas Aluno: Éverton Lopes, Brunno de Andrade e Fernanda de Carvalho

O intuito do projeto como um todo foi usufruir e potencializar as áreas onde não haviam ocupação ou que necessitavam de preservação, principalmente na Vila Ambiental, já que se trata de um parque linear que acompanha o fluxo do córrego que ali se encontra. Além de trazer equipamentos voltados para o uso da população e áreas de interesse público para convívio que consequentemente resultariam em melhor qualidade de vida para o local.

Playground

Banheiros e Bebedouros Playground Entradas Secundárias

Banheiros e Bebedouros Lixeiras Lixeiras

Entradas Secundárias Vila ambiental

Vila ambiental

Estacionamentos Placas Informativas

Calçadas e ciclovias Calçadas e ciclovias Centro de Yoga

Pontes

Praça

Pavilhão Pavilhão

Brigadista Brigadista

Restaurantes Restaurantes

Central Brigadistas Central Brigadistas

Quiosques

Campo Volei Areia

Campo Volei Areia

Pontes

Praça

Quadra Basquete Quadra Basquete

Pontos de trilha

Pontos de trilha

Centro de Yoga

Quadra Futsal

Quadra Futsal Posto Policial

Posto Policial

Placas Informativas

Campo Futebol

Campo Futebol Estacionamentos

Quiosques

Skate Parque Skate Parque Academia Academia Espaço para parque e exposições Espaço para parque e exposições


Qualidade de vida e segurança no campus Concurso de ideias - CACAU/UCB Alunos: Daniela Caparelli e Gabriel Costa

Em decorrência dos fatos ocorridos nas últimas semanas, em que docentes e discentes da Universidade Católica de Brasília foram vítimas de assaltos e furtos dentro e nos arredores do Campus, os assuntos sobre segurança e medidas preventivas em relação a violência aconteceram com mais veemência, procurando discutir com a sociedade acadêmica medidas em que se pudesse atenuar esse quadro de insegurança. Contudo, esse trabalho pela busca de uma melhoria na segurança da Universidade Católica de Brasília, não se trata apenas de aumentar o número de seguranças ou câmeras de vigilância, este estado de insegurança está atrelado à questões muito mais profundas, questões estas, relacionadas aos espaços de usos dentro da Universidade. Regiões com baixo fluxo de pessoas, áreas em desusos, pouca iluminação no Campus, falta de manutenção, são aspectos atrelados a insegurança. Cabe ao Arquiteto e Urbanista pensar e propor espaços que transmitam segurança aos seus usuários. Áreas com maior fluxo de pessoas, geralmente são mais bem cuidadas e possuem uma manutenção mais frequente, transmite uma maior sensação de segurança. Este projeto é baseado na intervenção de áreas com baixo índice de uso e circulação de pessoas, fazendo com que a proposta traga para o Campus uma melhoria tanto de infraestrutura quanto na qualidade da vivência entre todos que circulam diariamente no Campus.


Complexo Santuário de Nossa Senhora Aparecida Projeto de Diplomação II Orientador: Márcio Oliveira Nascimento Alunos: Lara Monalisa

Planta baixa Pav. 1

Corte AA

Fachada Lateral Esquerda


Gibi - Desenho II Hugo Walter

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1

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Ah sim! Eu sabia que viria, não pensei que fosse você, mas bem, acredito que meu tempo esteja

Sim, sim meu

acabando.

amigo, está acabando.

Como sempre bebendo!

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Aproximadamente uma hora e quarenta e sete minutos.

Posso lhe fazer companhia?! Vejo que está sozinho. Opa! Meu amigo, tudo bem com você? Pois não!

Sério, cara! Não pensei que você viria.

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Entendo, imagino que estivesse esperando outra pessoa. Mas não se preocupe, e espero que esteja feliz em me ver.

Não!

Lembro-me de quando era feliz, e não dava valor a tudo o que tinha. Lembro-me da felicidade de estar com minha

Ela não quis vir?

filha, passar um pouco do meu tempo com ela.

108

109 Perdi o meu

Aceita?

chão!

Não, cara! Você sabe que não posso, bem que eu queria, mas não... Você está bebo mesmo, por isso tive que vir mais cedo. Aproveite o tempo que te sobra.

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Perdi tudo o que tinha, perdi a felicidade, perde o brilho dos olhos dela, o sorriso mais lindo do mundo.

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Você tem menos de uma hora.

Sabe o que eu acho mais lindo? O quê?

Que ela não escolhe cor, etnia ou classe social. No fim, todos alcançamos o mesmo fim.

Sim amigo, até mais, boa viagem!

Será seu ultimo pedido então?! Vamos.

Quero em um lugar especial.

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111 Lugar lindo esse, não conhecia.

Era aqui que vinha com minha filha.

Logo depois do acidente, comprei o lugar que já tinha essa casa, foi no fundo, uma forma de conseguir ficar mais próximo dela.

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Nยบ5-2016

Revista CAU/UCB | 2016

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