Revista VARAU #11 - Junho de 2020

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Nº11-2020

Brasília | Junho | 2020 | ISSN 2359-0084


ISSN


Nº11-2020

EDITOR CHEFE CONSELHO EDITORIAL PROJETO GRÁFICO

Marcio N. de Oliveira Aline Zim | Carolina da R. L. Borges Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi Foto capa: Danilo Barbosa |

COLABORADORES

Editoração eletrônica: | Thiago Turchi | Perfil: Carolina Borges e Danilo Barbosa | Artigos: Marcio N. de Oliveira | Carolina Borges | Aline Zim | Especiais: Matheus Gorovitz | Marcio N. de Oliveira | Mariana Pereira | Thiago Turchi | Daniel Brito Acontece no CAU: Marcelo Vaz | Hugo Fernandes | Ewerton Souza

Brasília | Outubro | 2019 | ISSN 2359-0084

Revista CAU/UCB | 2020 | Editorial



PERFIL

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ARQ. DANILO BARBOSA

ARTIGOS

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LUGARES E PERCURSOS: IGREJA SAN SEBASTIANO E CATEDRAL DE BRASÍLIA. BRASÍLIA 60 ANOS: DA UTOPIA À REALIDADE PELO COMÉRCIO LOCAL DE BRASÍLIA: EM BUSCA DA GALERIA DOS DESEJOS.

3 ESPECIAIS SEXAGENÁRIA. AUTOR: MATHEUS GOROVITZ

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MEMÓRIA: PROJETO OLHARES SOBRE BRASÍLIA DEPOIMENTO DA DONA MARIANA EXPOSIÇÃO DE MAQUETES DO PLANO PILOTO NAS PAREDES DE BRASÍLIA ACONTECE NO CAU TRABALHOS DE DIPLOMAÇÃO

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ARQCARTOON VIDA DE ARQUITETO

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Carolina Borges | Professora do CAU/UCB

DB: Eu cheguei em Brasília em 1968 para estudar Arquitetura na UnB, na minha época nós iniciávamos o curso no Instituto Central de Artes que era o antigo ICA e nessa época nós tínhamos uma diversidade de disciplinas, todas voltadas para as artes, que nos davam uma visão bastante abrangente das Artes Gráficas, das Artes Plásticas e das Artes Visuais como um todo... cinema, música... Isso me incentivou, foi onde eu descobri a minha

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ENTREVISTA ARQ. DANILO BARBOSA

Fig. 1 - Danilo Barbosa. Foto: Patricia Guardiola. Fonte: https://timesbrasilia.com.br/2020/01/21/minha-brasilia-apresenta-60-candangos/ Inserção: Homenagem aos 60 anos de Brasilia 60. Fonte: Danilo Barbosa, 2020.

CB: O processo de criação de design e arquitetura, antes da atual diversidade e qualidade das ferramentas computacionais, era marcado por métodos manuais de desenho que, além de concretizarem uma ideia, interferiam a ponto de, muitas vezes, mudar completamente esta ideia durante o processo. Atualmente, com a facilitação e diminuição do tempo de criação proporcionado por essas ferramentas digitais, você considera que esse processo de maturação e desenvolvimento de uma ideia mudou? Aproveito para perguntar de que maneira era o seu processo de criação no início da carreira e como é hoje.

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maior vocação para as artes gráficas, exatamente com essas experiências, que na época nós tínhamos no Instituto Central de Arte. Me identifiquei com as artes gráficas e tive um grande mestre e um grande amigo, o professor Charles Maia, que era o meu grande orientador, o meu guru, a pessoa que realmente viu que eu tinha algum potencial e que me incentivou nessa área.

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Era uma época, claro, que a gente desenvolvia todos os trabalhos, fazendo croquis, fazendo experimentos, fazendo os desenhos preliminares em papel manteiga e eu ainda guardo essa maneira de criar até hoje. Eu não vou para o computador antes de riscar as ideias que me vem sobre determinado tema que eu estou trabalhando, eu sempre risco a mão e faço alguns croquis, para depois eu utilizar a ferramenta do computador. Na época nós não tínhamos essa facilidade. Eu sempre fui muito enjoado, sempre gostei muito de esgotar as alternativas de determinado tema depois de conceituar o problema, eu sempre gostei de fazer muitas experiências, claro que hoje a partir da possibilidade de você fazer esses experimentos no computador, isso agiliza o processo, mas nem por isso o processo de maturação também é agilizado. Eu acho que a maturação de um projeto, qualquer que seja, é quando você se convence de que aquilo realmente é o que você busca na sua concepção. Então eu acho que o processo de maturação é o mesmo da época e hoje, hoje você tem uma ferramenta que agiliza os experimentos, mas Revista CAU/UCB | 2020 | Perfil

eu ainda mantenho essa mania de experimentar em exaustão as coisas. A ferramenta hoje, computacional, agiliza o processo de finalização, que na época era uma finalização manual, onde nós usávamos tira-linhas, usávamos compassos, esquadros, régua T, canetas de tinta nanquim... O processo realmente era mais artesanal, mais complexo e mais demorado, e por outro lado, o processo de pesquisa também. Na época nós tínhamos muito pouco acesso a material bibliográfico, o acesso que nós tínhamos era através da biblioteca da Universidade: revistas estrangeiras que a universidade recebia e poucos livros nessa área do design gráfico. E a minha formação basicamente foi orientada inicialmente pelo Professor Charles Maia e depois eu fui aos poucos me aprofundando com acesso a bibliografia que, com passar do tempo, foi sendo facilitada. Hoje você dá um clique e acessa milhares de informações sobre um tema que você está buscando.

CB: Sobre a identidade visual da sinalização do plano piloto, entendemos que existe uma tal unidade com a arquitetura, que parece ter surgido muito naturalmente, como se sempre tivesse feito parte da paisagem arquitetônica e também da paisagem natural. Gostaria que você nos contasse um pouco sobre o processo de criação dessa sinalização urbana do plano piloto e se existe um modo para que a população e o governo se conscienti-


“Eu acho que a maturação de um projeto, qualquer que seja, é quando você se convence de que aquilo realmente é o que você busca na sua concepção.” DANILO BARBOSA

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Fig. 2 - Projeto

da Sinalização Turistica de Brasilia. Fonte: Danilo Barbosa, 2020.

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zem sobre a importância de se preservar as placas e os demais componentes do sistema de sinalização.

DB: Esse processo do projeto da sinalização iniciou-se em 1975, para ser mais preciso, em outubro de 1975. Eu era arquiteto da CODEPLAN, Companhia de Desenvolvimento do Planalto Central, hoje Companhia de Planejamento do Planalto Central, e eu era meio irresponsável, eu tinha dois anos de formado e me meti em uma empreitada muito doida. Era um projeto que realmente nos consumiu 3 anos de trabalho, entre projetar e acompanhar a implantação.

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Eu tive um grande um grande apoio da diretoria da empresa, que me permitiu montar uma equipe que eu considerava adequada ao projeto. Eu recebi diversas indicações de colegas, de profissionais... e fui entrevistando essas pessoas e compondo a equipe. Era uma equipe com contratos temporários. Eu era o único da equipe que era do quadro da CODEPLAN e depois outros colegas da CODEPLAN chegaram a participar eventualmente do projeto. Eu sempre digo que eu tive a felicidade de poder escolher essa equipe eu não tive imposição nenhuma, não tive nenhuma indicação que viesse de cima dizendo contrate fulano, contrate sicrano. Esse foi um grande ganho que tivemos na época, de poder contar com as pessoas com vivência de Brasília, com experiências de Brasília. Colegas que já haviam se formado na própria UnB, outros não, mas nós Revista CAU/UCB | 2020 | Perfil

tínhamos uma equipe muito coesa. Nesse projeto nós fizemos um trabalho de campo muito intenso, logo que nós começamos a desenvolver os primeiros desenhos, antes disso até, nós fomos a campo e rodamos demais, fotografamos muito, fizemos uma documentação fotográfica bastante extensa de todas as áreas, de todos os locais que mereceriam sinalização, documentamos o que havia na época que era uma sinalização confusa, sem unidade nenhuma. Depois dos primeiros estudos nós produzimos protótipos em madeira, recortamos as letras, as setas e fomos à campo exatamente para fazer adequação do dimensionamento destes elementos, tanto considerando os aspectos rodoviários de atender às questões de legibilidade do motorista, quanto na integração das escalas da cidade. Você percebe, muitas vezes, que a população não tem essa leitura. Mas eles começam com um dimensionamento X e vão reduzindo essa dimensão na medida, por exemplo, que eles saem do eixo e vão penetrando no comércio local até chegar em uma superquadra. Esses elementos vão ganhando dimensões diferentes para se adequar na escala urbana que está implantado. Esses protótipos nos deram uma boa visão desse dimensionamento, exatamente para que esse projeto se integrasse, que se somasse a área urbana da cidade, e não se destacasse ou com competisse, como muitas vezes acontece. A gente vê em muitos trabalhos desses, um projeto se sobressair mais do que a própria cidade, então nós fizemos uma


diagramação e estudos extremamente simples, sem nenhuma filigrana, fizemos uma diagramação extremamente limpa. A nossa preocupação era exatamente essa, e isso que você coloca que parece que isso brotou da cidade, eu acho que é o reconhecimento de todo esse trabalho, esses estudos que nós fizemos exatamente para que esse projeto tivesse essa perfeita integração com as escalas da cidade. Estudamos os alfabetos possíveis, verificamos todos os aspectos de legibilidade e chegamos à conclusão de utilizar o alfabeto helvética (e na época nós não tínhamos facilidade, também, de reprodução desse alfabeto). Na época nós tínhamos aquelas letras decalcáveis que tinham uma marca de letra sete, então a partir dessas letras decalcáveis, nós fazíamos na gráfica da empresa as ampliações para os estudos de dimensionamento das letras para cada situação específica do projeto. Depois de muitos anos, eu vim descobrir em leituras em bibliografias que a helvética foi criada em 1957. O que aconteceu em 1957? O projeto do Plano Piloto de Lúcio Costa. Não sei se foi uma grande coincidência ou se foi uma providência, mas o alfabeto foi desenhado no mesmo ano do Plano Piloto. A codificação cromática que era confusa, na época não existia nenhuma codificação, a gente adotou o código interamericano que hoje também é o código adotado para o sistema de sinalização brasileiro. Há todo o significado das cores: o verde é usado para os sinais direcionais, então uma placa verde sempre é acompanhada de uma seta mandando o usuário para

um determinado destino; o azul identifica o local, então se você tem uma identificação de sul ou norte. Posteriormente para copa fizemos uma integração da sinalização turística, que também é o mesmo sistema da cidade. E aí entra uma outra codificação cromática, que é o marrom, que é uma codificação internacional, e na sinalização turística o marrom pode ser tanto direcional quanto local, então não existe diferenciação, você pode usar o marrom com seta ou o marrom sem seta. Nós iniciamos em outubro de 1975, seis meses depois, nós produzimos um caderno enorme, um documento que nós chamamos de estudo preliminar. Neste estudo preliminar nós desenvolvemos algumas alternativas de abordagem desses elementos que nós identificamos na cidade, da necessidade de orientação e identificação e depois dessa fase entramos em um processo de detalhamento do projeto. Definido e discutido a linha que nós seguiríamos. E 1976 é o ano que nós estabelecemos como o ano do nascimento desse projeto, porque foi o ano em que ele se configurou e que ele foi detalhado. Nós mandamos esse estudo para o Lúcio Costa, conversamos com ele e com Maria Elisa Costa, que nos deram algumas dicas de como encaminhar o trabalho. E depois desta fase é que nós começamos o processo de produção dos protótipos para levar a campo e fazer a configuração final e o dimensionamento final de cada peça para cada situação específica. Em 1976 concluímos o projeto e nos anos de 1977 e 1978 foi feita a implanRevista CAU/UCB | 2020 | Perfil

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tação desse projeto e nós também ficamos desenvolvendo todas as fases de acompanhamento da implantação. Um detalhe importante desse trabalho é que o pedestre foi contemplado, não houve a preocupação só de orientar o motorista. Quais são os elementos para pedestres: São os mapas de quadras, mapas de setores como setor comercial, setor bancário, setor hospitalar o eixo monumental... na época todos esses mapas foram implantados, um grande mapa geral também de orientação foi implantado em pontos turísticos específicos como: Torre de TV, Catedral, Praça dos Três Poderes... esse grande mapa que trazia a concepção da cidade. Tem uma parte desse grande mapa que eu chamo de história em quadrinho, onde a gente em três desenhos explica a nomenclatura da cidade, explica como é que se organiza o sistema viário, como é que se dá a numeração... e isso para o turista é extremamente importante. Há uns meses, atrás fazendo um parênteses, eu fui dar uma entrevista lá na igrejinha (eu gosto muito de ir lá para as entrevistas porque ali a gente tem quase todas as peças do sistema, inclusive as peças turísticas que foram implantadas posteriormente), e tinha um grupo enorme de alunos de uma escola de São Paulo e uma pessoa explicando nesse grande mapa como é que a cidade se configurava, como é que era a questão da setorização, essa coisa toda... A partir desses elementos você parte para os mapas setoriais: superquadras – cada superquadra hoje tem quatro mapas, um em cada

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canto da superquadra – os setores hoteleiros, comercial o eixo monumental, que tem também grandes mapas explicando. No eixo monumental, o mapa, nós o reestudamos. Esse mapa foi implantado na época e nunca se deu manutenção. Nós conseguimos resgatar nesse projeto da sinalização turística para copa, e no do eixo monumental, a gente introduziu uma informação que é importante, que são as distâncias que as pessoas percorrem, porque esse grande espaço de Brasília engana muito a gente. “É logo ali”. O “logo ali”, você anda um quilômetro e não chega. Então nesse caso específico do mapa do eixo monumental a gente inseriu as metragens de atrativos turísticos exatamente para a pessoa ter uma noção de como é que vai se deslocar ali. Eu acho que a população tem mais consciência da preservação do que o próprio governo, a gente recebe manifestações de pessoas que a gente nem conhece: “por que que essa placa está de tal forma?”. A placa, às vezes, está com a diagramação incorreta e as pessoas percebem, e o próprio governo não percebe. Essa implantação infelizmente em muitos períodos ficou na mão de pessoas que não tinham capacidade de leitura do projeto e de aplicação correta do projeto. Eu estou com uma expectativa de que agora a gente consiga retomar. O governo fez uma propaganda no início do ano, eu tive algumas reuniões com alguns secretários de Estado neste governo, e soltaram em janeiro uma propaganda do governo dizendo que o projeto de sinalização se-


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Fig. 3 - Placa de Argamassa com Mapa de Brasilia, 1977. Fonte: Danilo Barbosa, 2020. Revista CAU/UCB | 2020 | Perfil


“Eu acho que a população tem mais consciência da preservação do que o próprio governo, a gente recebe manifestações de pessoas que a gente nem conhece: “por que que essa placa está de tal forma?”.” Danilo Barbosa


ria resgatado nesses 60 anos de Brasília. Então eu estou esperando passar esse período de quarentena para retomar os contatos e verificar o que está sendo feito para esse resgate, porque durante muitos anos, muitas distorções foram sendo introduzidas no projeto original. Eu saí do governo em 2017, eu me aposentei. Estou há 2 anos e 4 meses e 10 dias fora do governo. Mas na época, eu fiz um relatório mostrando todas essas distorções que ao longo dos anos vem sendo introduzidas no projeto, exatamente por falta de pessoas qualificadas para cuidar desse projeto. Eu produzi um o documento que eu venho ao longo dos anos apresentando aos vários governos, que eu identifico todas as distorções do projeto original, e a mais grave delas aconteceu há uns quatro anos atrás no setor de embaixadas. Eles descaracterizaram o projeto por completo na identificação das embaixadas. Isso tudo eu já coloquei para essa administração, mais especificamente para secretaria de turismo e estou aguardando que haja uma ação efetiva desse governo. Hoje a manutenção da sinalização está a cargo do DER. Antes de me aposentar, eu estive no DER mostrei o projeto, passei três dias apresentando, dizendo como é que as coisas aconteceram e mesmo assim eles chegaram a implantar uma série de placas incorretas. Mas eu sempre documento essas incorreções e passo para os responsáveis que me garantem que vão corrigir, então eu estou numa expectativa grande de que a gente consiga nesse ano dos 60 anos de Brasília realmente resgatar o pro-

jeto. Não adianta dizer que está dando manutenção se você não está sendo fiel ao que foi projetado, e que comprovadamente funcionou na cidade. Outro aspecto que eu tenho batalhado muito é o da poluição visual urbana. Nós temos um plano diretor de publicidade que é a lei nº3035 e nº3036 de 2002 (foram regulamentadas por decretos específicos em 2007/2008). Esse plano diretor de publicidade estabelece todas as regras para identificação de comércio, o que pode ter na rua e o que não pode, a questão de outdoor, distâncias de outdoor e posicionamento... E nada disso faz parte da pauta de qualquer governo. O número de placas irregulares, inclusive de particulares que tentam imitar o projeto da sinalização oficial, espalhados até no Eixo Monumental... E parece que fazem cara de paisagem, quer dizer, nada está acontecendo, não está comprometendo. A poluição visual, por exemplo, nos comércios locais na W3 Sul e Norte é uma coisa assim… um exemplo que eu sempre cito é o projeto da Disbrave, que é um projeto belíssimo do Lelé e que hoje está coberto de publicidade, além das descaracterizações da própria arquitetura que já ocorreram. E nada dessas questões preocupam ou ocupam o governo. Nós tínhamos uma agência de fiscalização, várias vezes eu estive nessa agência mostrando todas essas questões, mas sem retorno nenhum, infelizmente. Eu continuo inclusive com esse propósito de tentar que alguma coisa aconteça. A minha preocupação não é só a sinalização. A sinalização tem que ser


corrigida, mas os outros aspectos da poluição visual urbana também me incomodam e incomodam muita gente que eu sei. Existe lei, mas essa lei não é aplicada. Tem placas, por exemplo, que são chamadas de placas de contenção de pedestres. Essas placas não têm embasamento legal nenhum para estarem na rua. Isso tudo é irregular perante a legislação do plano diretor de publicidade. Nesse aspecto, eu fiz um estudo sobre os containers de lixo, principalmente nas áreas de restaurantes, mostrando o ganho que teria se aqueles containers fossem enterrados. A cada dez containers desses convencionais, com dois containers enterrados, você resolveria o problema. Limparia a paisagem e limparia o piso que fica cheio de chorume.

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São vários aspectos da cidade que a gente começou a fazer considerações e estudos, por exemplo, a profusão de quiosques na cidade... não sou contra. Mas a gente já conseguiu fazer uma legislação para quiosques e essa legislação também não é obedecida. Uma série de coisas que hoje me preocupa é exatamente sobre esse lado da poluição, sem falar das outras distorções que a gente poderia ficar aqui conversando por muito tempo. O sistema de sinalização só foi oficializado formalmente através de um decreto de 29 de junho de 1998, que institui o plano diretor de sinalização do Distrito Federal. Na época tinha uma colega arquiteta que estava cuidando da fabricação e eu estava cedido para o Ministério da Educação. Ela me procurou e falou: “Danilo, vamos tentar fazer um decreto para oficializar, Revista CAU/UCB | 2020 | Perfil

porque estou sentindo que tem gente querendo acabar com esse projeto da cidade”. Aí nós sentamos e elaboramos uma minuta de decreto. Mas tombado, não é. CB: Mas deveria, essas sinalizações fazem parte do acervo do MoMA como acervo permanente. Parece que lá fora, eles valorizam mais do que aqui. DB: Isso ocorreu em 2012, foi um processo longo. Em 2009 eu ganhei o concurso da logomarca dos 50 anos de Brasília, nessa época eu fui procurado pelo Diplomata André Corrêa do Lago. O André Corrêa do Lago é uma pessoa que já escreveu sobre a obra do Niemeyer, ele é uma pessoa fascinada por Brasília. Ele me procurou e falou: “eu soube que você que ganhou esse concurso e que você que coordenou o projeto da sinalização de Brasília, que eu acho muito legal. Eu sou do comitê de arquitetura e design do MoMA e gostaria de levar esse projeto para apreciação do comitê”. Isso foi no início de 2010, mais ou menos. Eu falei: “bom, não tenho nada a perder né!”. E ele me falou: “ não crie expectativas, porque a cada reunião são apresentadas dezenas de propostas e a grande maioria ou quase todas são recusadas pelo comitê, eles não aceitam qualquer trabalho que chegue não. Tem que ter um embasamento muito bem feito para eles poderem aceitar”. Eu preparei o material de projeção e depois imprimi algumas pranchas, alguns


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Fig. 4 - Foto e Prancha de Apresentação do Projeto, 1976. Fonte: Danilo Barbosa, 2020.

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desenhos das placas de escala natural em lona vinílica. Ele enrolou tudo, botou em um canudo e levou. E esse processo foi se desenvolvendo. A cada reunião se discutia algum aspecto. E como não é um comitê que se reúne com frequência, existe um calendário de reuniões, porque eles têm representantes de pessoas do mundo todo – vários designs, artistas e pessoas das artes. Somente em junho de 2012 é que eu recebi uma carta do presidente do comitê, mas só depois que nós enviamos uma peça em tamanho real. Nós fabricamos essa peça, eu fui lá e montei as letrinhas, para não ter distorção – com ajuda de um colega da secretaria, na época eu estava na Secretaria de Desenvolvimento... Somente depois que essa peça chegou na reunião em que eles a avaliaram, é que deram o veredito de que o projeto seria aceito. Até onde eu sei, é o único projeto de sinalização urbana até hoje aceito pelo comitê de design e arquitetura do MoMA, isso é um reconhecimento muito grande e importante. Mas é o que eu sempre digo, o maior reconhecimento é o carinho que as pessoas têm por esse projeto, que se tornou um ícone da cidade, como diz um amigo meu, é uma digital de Brasília esse projeto sinalização... CB: Para nós que crescemos em Brasília, em uma superquadra... parece que aquelas placas quase que brotaram... Na aula magna que você proferiu no CAU-UCB, comentou sobre a placa dos blocos das superquadras, que é um prisma triangular, e aí eu fui me dar

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conta que é um prisma. Essa era uma solução, mas poderia ter sido de outra forma, poderia ser uma placa plana, mas não, é um prisma. E é tão óbvio e está encaixado tão bem que só aí eu fui me atentar. Então eu acho que esse é um grande mérito da sinalização urbana, ela não aparecer, ela está diluída na cidade. DB: O prisma foi outro elemento interessante, a gente estudou o dimensionamento em função da altura de pilotis para que o pedestre pudesse ver de qualquer ângulo. O prisma é colocado em duas extremidades do bloco (você traça uma linha na diagonal do bloco, esse é o princípio). Mas tem muito bloco que não tem prisma, e essa é uma coisa que eu gostaria que fosse retomada, porque alguns condomínios estão refazendo ao seu bel-prazer as coisas mais esdrúxulas possíveis. Aqui perto da minha quadra mesmo, um bloco reformulou um prisma. Os que existem ainda são todos de argamassa armada, tem uma durabilidade grande, e as pessoas pintam e aplicam película, mas não tem aquela preocupação de aplicar como o projeto, e nem tem essa obrigação, na verdade. Quem teria obrigação é o próprio governo. Eu refiz, inclusive, esse desenho do prisma fazendo a sua adequação para chapa. As peças iniciais eram todas em argamassa armada, daí nós, na época, tivemos umas boas conversas com o Lelé, que era realmente uma pessoa que entendia muito disso. Na década de 90, devido à difi-


“o maior reconhecimento é o carinho que as pessoas têm por esse projeto, que se tornou um ícone da cidade, como diz um amigo meu, é uma digital de Brasília esse projeto sinalização...” Danilo Barbosa

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culdade de transporte, essas coisas todas passaram para o sistema metálico. E ainda antes de sair do governo, eu fiz o projeto da sinalização do setor Noroeste que eu redesenhei o prisma também em chapa metálica, e ele ficou muito legal para implantação. Esse é um elemento que eu gostaria de ver sendo retomado na medida em que ele tem um papel importante, principalmente para o pedestre que às vezes tem que sair perguntando. Às vezes não tem a quem perguntar e você tem que sair olhando nas empenas do bloco, que é onde tem a letra, e alguns nem tem mais. É uma peça que eu acho muito legal do projeto e que a gente tinha que batalhar para revitalizar ou retomar a sua implantação.

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CB: É interessante essa mudança de escala, porque você tem a escala do automóvel e tem escala do pedestre, e é legal vocês não terem perdido de vista o pedestre, que na verdade é o elemento mais importante no contexto urbano. E para a velocidade da escala monumental, as placas foram projetadas para serem vistas nessa velocidade, e a velocidade vai diminuindo na medida que se vai entrando dentro das quadras, chegando na escala do pedestre. E é uma transição muito gradual das dimensões das placas e das letras, que nós não percebemos, na verdade, isso que é interessante!

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DB: É isso que eu estava te dizendo, as peças que começam com determinada dimensão no eixão e no eixo monumental, vão reduzindo essa dimensão na medida que você entra em uma área de velocidade menor, inclusive, de espaço urbano diferenciado do que você tem nos eixos. A gente pode descobrir muitas coisas desse trabalho, você lembrou dos prismas que eu não tinha falado e que é uma peça extremamente importante e interessante do projeto. CB: Ele tem uma proporção que é muito harmônica em si e com relação aos edifícios residenciais... A relação dos cheios e vazios, das cores … toda essa integridade das partes com o conjunto... é tudo muito lindo. DB: E você vê a simplicidade do projeto, inclusive, na hora que você separa, digamos, um módulo do outro. Esse módulo é separado pela cor do suporte, não entra uma tarja refletiva separando um módulo do outro, o próprio suporte é que faz essa separação, a própria cor do fundo cinza. Dependendo do fundo que a letra é aplicada, ela tem um desenho ou uma versão própria para aquele fundo. Não é o único alfabeto que você aplica em todas as situações. Isso também foi uma preocupação desde o início, fazer uma correção visual: quando a letra é branca, a tendência dela é expandir, quando a letra é escura, a tendência é contrair. Então nós fizemos esse estudo para verificar que versão do alfabeto se adequaria a cada situação dessas. Isso também fez


parte de mesas de estudo, de trabalho, do a ocasião do aniversário de Brasília, de recortar letras e testar em campo. como você imagina que será a cidade nos próximos 60 anos? CB: Existem umas placas que sinalizam instituições privadas em Brasília que tentam imitar o padrão (tamanho do DB: Uma das coisas que mais me impressuporte, cor, fonte...), mas a gente vê sionou quando eu cheguei em Brasília foram os espaços amplos e a circulação que tem alguma coisa diferente... por entre blocos. Você passa nos pilotis, circula nos pilotis, isso é uma coisa que DB: Eu não tenho nada contra sinalizar me agrada até hoje, eu gosto de andar determinadas instituições. Eu acho que aqui na minha quadra, nós somos privilemuitas vezes, essas instituições podem giados, nós vivemos aqui no plano piloto estar sinalizadas, mas nas suas proximi- numa cidade parque, e uma coisa que me dades. Têm um determinado centro de incomoda muito é a obstrução dos pilotis convenções em Brasília que é privado e com salões de festa, bicicletários, grades, que ele tem placas na cidade inteira, en- cercas vivas... é essa questão de privatiquanto que o nosso centro de convenções zar o seu piloti, como tem acontecido, é Ulysses Guimarães tem as placas só na o que mais agride. Privatizar os gramados proximidade. E esse tal centro de conven- com cercas vivas... tem cerca viva com um ções que eu cito, tem placas no eixo mo- metro e meio, dois metros de altura, é até numental, mas ele está no setor de clubes perigoso você circular de noite em um losul... Nas proximidades, tudo bem, é um cal desses. equipamento que atrai muita gente, mas nas proximidades... Você pode até colo- Só para registrar, a placa que foi para o car uma placa de acesso de um shopping, MoMA é uma placa do comércio local da porque ele faz parte daquele contexto ur- 107 Sul. Hoje essa placa tem uma cerca bano e é importante está orientado para o viva, encobrindo um trecho da placa, junto motorista, mas na proximidade. Um cen- da via. Qual é a necessidade de uma cerca tro de convenções que tem eventos com viva a 50cm da pista? Absolutamente negrande afluência de pessoas e tal, eu acho nhuma. Hoje a placa que está no MoMA, que nessas proximidades você pode fazer a verdadeira na cidade, está numa situaessa sinalização, e deve, e não ficar espa- ção, tão degradada... além da cerca viva, lhando por aí placas e mais placas para tem uns containers de lixo. Essa placa poderia ser um atrativo turístico para esse mandar para esse local. CB: Como você analisa a preservação local. Você põe ali um QR Code que dá a do patrimônio de Brasília, as distor- informação da peça. Ela está no meio de ções que ocorrem hoje com relação ao lixeiras, e principalmente, com cerca viva projeto de Lucio Costa e, aproveitan- que fica ali interferindo sem necessidade nenhuma, plantada no trecho de canteiro Revista CAU/UCB | 2020 | Perfil

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que deveria ser gramado simplesmente. São questões que incomodam muito a gente, e essa parte que eu te falei da poluição visual é uma coisa que me incomoda profundamente. Você vê o setor comercial, bancário... tem enormes outdoors colocados lá irregularmente. O Plano Diretor de Publicidade proíbe terminantemente a colocação daqueles enormes outdoors ali, e agora não tem só um outdoor, você tem também um multimídia que fica passando propaganda e mensagem dia e noite. Então são essas questões de preservação que eu acho que mais me tocam em relação a cidade.

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Agora o que mais me impressiona é que a legislação existe e o governo está aí para quê? Para fazer cumprir a legislação. Então é isso que me incomoda, não se cumpre a legislação. Outro dia eu estava acompanhando... eu peguei já no final, uma audiência pública sobre o VLT. Eles estão retomando a discussão do VLT pela W3. É uma questão que surgiu e que pode ser até uma forma de revitalizar a W3. Mas a gente sabe que um projeto desses não nasce do dia para noite, são anos de maturação e execução. Mas algumas coisas que eu estava ouvindo, é que eles insistem naquele sistema de alimentação de catenária, quer dizer, por cima do veículo, e a W3 tem uma vegetação já bastante antiga e vira e mexe você vê caindo galhos, principalmente em época de chuva e ventania. Isso seria um problema sério para um sistema de transporte alimentado dessa maneira, você teria interrupções frequentes. Eu não acompaRevista CAU/UCB | 2020 | Perfil

nhei, eu peguei só alguns trechos, aí fiquei até anotando algumas coisas, mas depois acabei nem entrando para dar sugestões. De repente pode ser uma retomada para revitalização da via. O que eu espero para os próximos sessenta anos é que a gente não precise usar carro nessa cidade. O nosso sistema de transporte, infelizmente, é bastante precário, ainda... não nos permite deixar o carro em casa ou até nem ter carro, que seria o ideal. Espero que meus netos possam usufruir de Brasília daqui a 60 anos, numa condição bastante diferente e melhor do que a gente usufrui hoje. CB: Para finalizar, gostaria que você falasse um pouco aos nossos estudantes sobre as possibilidades de atuação do arquiteto dentro do campo do design gráfico, especialmente aqui em Brasília hoje. DB: Hoje os cursos de Arquitetura, até onde eu sei, não têm muitas disciplinas voltadas para essa área, mas de uns anos para cá surgiram os cursos específicos para designer. Na minha época, existia somente o curso da Escola Superior de Design Industrial e Desenho Industrial do Rio, e que eu só vim conhecer depois que eu vim para Brasília. Foi a primeira escola de design que surgiu no Brasil e na época foi comandada até pelo Aloísio Magalhães. Eu tive a felicidade, digamos, de ter uma formação mais diversificada e de me iden-


“O que eu espero para os próximos sessenta anos é que a gente não precise usar carro nessa cidade. ” Danilo Barbosa

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“Espero que meus netos possam usufruir de Brasília daqui a 60 anos, numa condição bastante diferente e melhor do que a gente usufrui hoje. ” Danilo Barbosa

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tificar... eu fiz muitos projetos de sinalização de edifícios... então a formação do arquiteto de dominar o espaço tridimensional, espaço construído, facilitou muito o desenvolvimento desses projetos. Claro que a experiência da sinalização urbana foi uma experiência fantástica, e depois a sinalização de edifícios. Então eu somei na minha formação de arquiteto, de domínio do espaço construído, a formação do designer gráfico. Hoje eu não sei se os atuais profissionais estão tendo a possibilidade de ter informações ou formações nesse sentido.

visual entre aspas. Os designers gráficos têm uma associação e uma tabela de honorários que estabelece valores para cada trabalho, e na hora que você chega para fazer uma proposta e colocar um valor de tabela, as pessoas acham que você está maluco, que você realmente está fora da realidade, porque existem outros que fazem pela metade do preço. Não conta hoje uma experiência de 45 anos de projeto, não conta para muitas pessoas, não tem valor nenhum nisso.

Por outro lado, essa área do designer gráfico, eu vejo que está sendo muito desvalorizada. Eu conheço dois colegas, profissionais brilhantes, arquitetos que atuavam e que deixaram de trabalhar nesta área, principalmente na parte de sinalização de edifícios, que é muito pouco valorizada pelos empreendedores. Eu não sei se eu estou desestimulando um pouco as pessoas, mas atualmente eu não vejo grandes perspectivas nessa área de atuação.

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É aquilo que eu digo, qualquer pessoa que tenha um computador hoje é um programador visual. Essa coisa de criar uma marca, a maioria dessas pessoas não tem uma formação que lhe permita conceituar um projeto de forma a fazer uma memória explicando aquilo que está desenhando. As coisas surgem, muitas vezes até, de exemplos pegos na internet, de reelaboração de desenhos prontos. O cara que tem um computador hoje se diz um programador visual, que é um programador Revista CAU/UCB | 2020 | Perfil



PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura renascentista, Percursos, Leon Battista Alberti, Modernismo, Oscar Niemeyer.

27 Carolina Borges | Professora do CAU/UCB

A estética renascentista, ao se basear em princípios da Antiguidade clássica, na qual a natureza seria a maior referência para a beleza, estabelece normas de concepção arquitetônica que possuem na geometria e na matemática os modos de interpretação dessa natureza. O espaço assim criado estabelece pontos de vistas privilegiados que normalmente não prescindem de um percurso, opondo-se à um outro tipo de experiência arquitetônica que privilegia o homem no seu passeio arquitetônico. Analisando esses dois tipos de vivências do espaço, utilizaremos como estudo de caso a Igreja San Sebastiano, obra de Leon Battista Alberti, em Mântova, e a Catedral de Brasília, de Oscar Niemeyer.

LUGARES E PERCURSOS: IGREJA DE SAN SEBASTIANO E CATEDRAL DE BRASÍLIA

RESUMO

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LUGARES E PERCURSOS: IGREJA DE SAN SEBASTIANO E CATEDRAL DE BRASÍLIA Todos aqueles que por um tempo tenham operado sem a certíssima arte da geometria, e depois tenham chegado a algum conhecimento de tal arte, confessarão que todas as coisas por eles pensadas e feitas sem geometria foram feitas sem arte alguma, mas na aventura e ao acaso (...)1 (Sebastiano Serlio apud HICKS, 2013, p. 449, tradução nossa).

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O cânone grego nos deixou como herança um padrão de beleza baseado no princípio da razão, de proporções agradáveis e de harmonia. A matemática era fundamental no processo da produção arquitetônica e artística, já que, segundo os gregos, “a alma sente-se feliz ao trabalhar com razões matemáticas claras e, portanto, os sons produzidos por cordas de simples proporções afetam aprazivelmente nossos ouvidos” (RASMUSSEN, 1998, p.107). A divisão áurea produz uma impressão de harmonia linear, de equilíbrio na desigualdade mais satisfatória do que qualquer 1 Citação completa: Tutti colloro che hanno un tempo operato senza (la certissima arte della Geometria) et dipo sono venuti in qualche cognitione di tal`arte: liquali veramente confessarano che tutte le cose da loro pe(n)sate et fatte senza Geometria, furono senza arte alcuna, ma aventura et a caso, perilche (...) f adi mistiero che l`architetto, almen tinto di sorte ch`egli n`habbia qualque cognitione, et massimamente dei principii, et anco più avanti, et non come molti consumatori di pietre, et di calcine, imo de marmi, che al di d`hoggi tengono il nome di Architetti, liquali non sanno pur render conto che cosa sia punto, linea, superficie o corpo, ne che sia corrispondentia o armonia. (Sebastiano Serlio apud HICKS, 2013, p. 449).

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outra combinação. O retângulo áureo, assim como a sequência de Fibonacci, estabelece uma infinitude no espaço onde vários retângulos são posicionados uns dentro dos outros e, conceitualmente, se têm infinitos retângulos. Tendo na matemática algumas formas de se demonstrar o infinito, e sendo os deuses dotados de vida eterna, logo infinitos no tempo e no espaço, a matemática poderia ser um modo de se chegar ao divino. A harmonia é resultante do ajustamento de diferenças, logo, dois iguais não se harmonizam, apenas se juntam. O renascentista Leon Battista Alberti, ao discorrer sobre essa questão, diz que “uma beleza inata resulta da congruência e da concordância entre elementos que, apesar de distintos, se dispõem com ordem e se mantêm mutuamente em justeza de número e medida” (ALBERTI, 2012, p. 469). Nessa síntese das diferenças, ou até das oposições, existe um aspecto que vai além da racionalidade, algo que reúne as partes e as completa, gerando uma unidade dentro da diversidade. Sobre a síntese dos opostos, György Doczi nos dá uma explicação: Se olharmos atentamente uma flor, assim como qualquer outra criação natural (...), encontraremos uma unidade e uma ordem comuns a todos. Essa ordem tanto pode ser percebida em algumas proporções que se repetem sempre, como também na maneira do crescimento dinâmico de todas as coisas – naturais e construídas – pela união de opostos complementares. (...) Sol e Lua, macho e fêmea, eletricidade positiva e negativa, Yin e Yang. Desde a Antiguidade a união dos opostos é um conceito importan-


te nas mitologias e nas religiões herméticas. As medidas das duas partes da seção áurea são desiguais, sendo uma menor e a outra maior. (...) Menor e maior aqui são opostos unidos por uma proporção harmoniosa.” (DOCZI, 1990, p. 1-3).

Alberti, assim como Brunelleschi, acreditava que os antigos conheciam o segredo das relações de proporção na arquitetura e tentava redescobri-lo, fazendo medições das ruínas e monumentos clássicos. Desenvolveu uma arquitetura estruturada por formas simples, repetidas, facilmente reconhecíveis e baseada na razão e no prestígio desses modelos antigos. Sobre as igrejas, Alberti explica que a planta deveria ser circular, ou de forma derivada do círculo (quadrada, hexagonal, octogonal etc.), porque o círculo é a forma mais perfeita e a mais natural e por isso uma imagem direta da razão divina. Uma igreja, segundo ele, deveria ser a encarnação visual da proporção divina e só esse plano era adequado a tal fim2. Os edifícios de planta centralizada são idealizados, desde o San Sebastiano de Alberti até os projetos de Bramante e Michelangelo para São Pedro: “nos esquemas de cruz latina, o braço longo encurta-se: quando se pode, passa-se à cruz grega onde os braços se equilibram onde não se chega ao centro, mas se parte do centro sob a cúpula e daí se afastam as naves”. (ZEVI, 1977, p. 76).

Sobre a Igreja de San Sebastiano, verifica-se um rompimento com o princípio longitudinal de templo grego e uma celebração da arquitetura romana, tanto no esquema da planta em cruz grega, remetendo ao Panteão, como no uso dos arcos monumentais. A matemática aqui não é expressada claramente, mas está na relação de proporções que gera um espaço harmônico. A monumentalidade, que aconteceria se as alturas fossem mantidas e se a planta acontecesse numa cruz latina, é subvertida pelo esquema da planta em cruz grega ao se quebrar a hierarquia, já que o lugar do altar perde sua importância, dada a simetria bilateral (na planta em cruz grega, o lugar sagrado dado ao altar no fim da nave central da cruz latina é deslocado para o centro da planta). O altar se encontra no lado oposto da entrada, e não no centro, abaixo do cruzamento dos eixos. É importante observar que o centro, em termos de hierarquia, é o lugar mais importante nesse tipo de configuração, e não é coincidência que tal lugar fosse destinado à permanência dos homens comuns e não ao altar do padre. A arquitetura religiosa seria um microcosmos e, no caso citado, no centro desse cosmos estaria o homem, elemento de maior importância dentro desse contexto (Figura 1 e 2). As perspectivas internas que se têm nesse espaço tendem a valorizar o ponto de vista de um único observador estático que se encontra no centro geométrico da composição, o centro do universo, o mais importante expectador daquele ponto de

2 JANSON, 2007, p. 611-612 Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

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Fig. 1 - Igreja de San Sebastiano. Planta

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Fig. 2 -Igreja de San Sebastiano. Vista interna.Fonte: Acervo fotogrรกfico da autora, 2018.

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fuga central, enaltecendo assim sua individualidade e sua importância. Além disso, tal configuração não prescinde de um percurso, já que todo o espaço pode ser apreendido a partir deste ponto central. Um caso emblemático de igreja estruturada por uma planta radial é a Catedral de Brasília, projetada por Oscar Niemeyer (Figuras 3, 4 e 5). A diferença é que aqui o sujeito é celebrado no seu percurso uma vez que é pelo percurso que o edifício é decomposto. Nesse sentido, o tempo se torna uma variável importante na medida em que o caminho é feito em uma sequência de impressões, expressando a impossibilidade de separação entre tempo e espaço. Para a Catedral de Brasília, procuramos encontrar uma solução compacta, que se apresentasse externamente - de qualquer ângulo - com a mesma pureza. Daí a forma circular adotada, que além de garantir essa característica, oferece à estrutura uma disposição geométrica, racional e construtiva. (...) A entrada em rampa leva, deliberadamente, os fiéis a percorrer um espaço de sombra antes de se atingir a nave, o que acentua pelo contraste os efeitos de luz procurados (NIEMEYER in www.niemeyer. org)..

Fig. 3 – Catedral de Brasília. Vista posterior Fonte: Acervo fotográfico da autora, 2015.

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Figura 4 - Croquis de Niemeyer. Fonte: NIEMEYER, 1999, p. 23.

Figura 5 - Catedral de Brasília. Planta Baixa. Fonte: Revista Acrópole. São Paulo, ano 22, n. 256, fev. 1960, p. 87. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos


Externamente, a Catedral é melhor apreciada à distância, onde o espaço infinito e amplo enfatiza o caráter monumental. O acesso ao interior se realiza por meio de uma rampa que desce três metros do nível térreo. À medida que nos deslocamos, percebemos o espaço como confinado e escuro, ocasionando a introspecção. Com isso, Niemeyer privilegia o indivíduo na sua consciência individual e particular (escala cotidiana) e, ao entrar na nave, o espaço celebra a confraternização, onde a partir de um caminho individual se chega ao espaço iluminado, amplo e democrático. Tal passeio arquitetônico revela um paralelo com o itinerário da alma humana num caminho de redenção.

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Se o arquiteto desejar dar ao volume interior que criou maior imponência, uma das soluções é o contraste espacial, isto é, projetar um acesso mais estreito, dando ao visitante – pelo contraste – a impressão da amplitude desejada. É a explosão da qual nos falava Le Corbusier, princípio que se repete por toda arquitetura. Quando desenhamos a Catedral de Brasília, desenhamos como acesso uma galeria estreita. O objetivo era dar aos que a visitam, ao entrarem na nave, uma impressão de grandeza multiplicada e, fazendo-a escura, acentuar a luminosidade e o colorido previsto (NIEMEYER, 1999, p. 23).

Na Igreja de San Sebastiano, o centro também é destinado a ser ocupado por homens comuns, remetendo à valorização do homem na sua dimensão coletiva. Como na Catedral, o espaço interno tem um aspecto de urbanidade, lembrando uma praça. Apesar de ter pouca luz natural se comparada à Catedral de Brasília, o Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

pé direito se destaca pela altura dos arcos em volta perfeita, criando uma amplitude. As proporções dos eixos horizontais e verticais, no entanto, geram uma sensação de ambiguidade entre uma possível monumentalidade, gerada pela altura, e uma escala mais humana dada as dimensões reduzidas em planta. Entende-se que a matemática aqui não é facilmente percebida e decodificada, mas é responsável por sensações de surpresa, algo que só irá ocorrer com frequência em séculos posteriores. Não seria incorreto afirmar que a estética renascentista possui esta ambiguidade interna como característica, já que é estruturada pela harmonia e esta é o resultado de oposições. O que não impede de haver uma grande quantidade de artistas que buscavam por um postulado como o caminho mais seguro para se alcançar a perfeição, baseado em regras e princípios de composição onde a matemática era expressa de um modo claro e objetivo. O problema é que tal modo de produção poderia resultar em uma perda da liberdade pessoal em favor de uma construção compositiva baseada em regras e princípios, sugerindo uma visão estável da vida e o desejo de perpetuar o estado de coisas. Nesse sentido, Alberti foi revolucionário ao propor um espaço imprevisível em um contexto onde a arquitetura buscava gerar mais respostas do que questionamentos e buscando por uma identificação maior com o homem do que com o sagrado. Alberti, no entanto, estabelece essa identi-


ficação da sua arquitetura no sentido humano ao mesmo tempo em que celebra o sagrado, uma vez que um dos modos da dimensão humana se manifestar seria pela oposição com o sagrado, estabelecendo uma harmonia pelo contraste. Um caso em que essa característica também é percebida é a Igreja de Sant’Andrea, também originalmente projetada por Alberti. A igreja é marcada por um espaço monumental e ao mesmo tempo possui características que celebram o homem na sua humanidade. Mesmo que a Sant’Andrea tenha sofrido modificações posteriores na planta (o projeto original do Alberti consistia em uma cruz grega) e os ornamentos e pinturas internas também não tenham sido desenhados por Alberti, é interessante observar que essas pinturas internas simulam elementos tridimensionais para “enganar” o olhar. Ao mesmo tempo, são pinturas bastante elaboradas e com um conteúdo mais neutro: não evocam o pecado e tampouco o sagrado, produzindo assim interpretações mais abertas e particulares. Como em diversas outras fachadas de Alberti, a matemática e a geometria na fachada da Basílica de Sant’Andrea acontecem de um modo claro e o ornamento é o elemento que gera graciosidade em uma arquitetura que, dada as proporções monumentais, teria um tom de austeridade. Como Alberti postula, o ornamento é comedido, equilibrado e são posicionado de modo a enaltecer as relações de proporção da estrutura. A estrutura, por sua vez, ora se alinha aos muros e se reduz a

linhas compositivas (colunas), ora se torna o elemento que define uma estética e uma linguagem particular (Figura 6 e 7).

33 Fig. 6 – Leon Battista Alberti, Basílica de Sant’Andrea. Mantova, Itália. Desenho da fachada. Fonte: YTTERBERG, M. Albert’s Sant’Andrea and the etruscan proportion.

Fig. 7 – Leon Battista Alberti, Basílica de Sant’Andrea. Mantova, Itália. Vista da fachada frontal. Fonte: Acervo fotográfico da autora, 2018. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos


O espaço interno possui um forte sentido de urbanidade em função da iluminação natural abundante, do grande vão obviamente gerando ausência de pilares centrais, estando estes adossados aos muros laterais, e dos arcos laterais que lembram “edifícios” que circundariam a “praça”, semelhante à Basílica de Constantino do Fórum Romano (Figura 9). Além disso, a Igreja possui uma monumentalidade que externamente não é prevista, gerando uma sensação de surpresa e deslumbramento.

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Fig. 8 - Leon Battista Alberti, Basílica de Sant’Andrea, Mantova, Itália. Vista interna. Fonte: Acervo fotográfico da autora, 2018.

Figura 9 – Fórum Romano, Roma, Itália. Fonte: Acervo fotográfico da autora, 2018.

Nos espaços internos, a harmonia é decorrente da dicotomia e da síntese das oposições – a graciosidade na dimensão humana e particular dos ornamentos se contrapondo com a grandiosidade do espaço na dimensão sagrada. As sensações de surpresa e deslumbramento são frutos principalmente da monumentalidade, graças à uma precisa proporção entre as alturas, larguras e profundidades. É pela surpresa e pelo deslumbramento que o sublime é desvelado. É nesse sentido que a arquitetura cria uma analogia com o cosmos, onde o homem se identifica nesse espaço como parte de um universo e experimenta um sentimento de pertencimento. Ao se sentir pequeno diante do universo infinito, por oposição, passa a ter consciência de sua fragilidade propriamente humana, ao mesmo tempo em que o seu reconhecimento enquanto parte desse cosmos gera um engrandecimento da alma e um sentimento de infinitude e eternidade. O reconhecimento da infinitude do Universo revela ainda a finitude e a fragilidade própria do homem, estabelecendo assim uma relação de oposição entre ambos: diante do sublime, o sujeito experimentaria um estado de elevação, um sentir-se pequeno diante do infinito do universo, e, ao mesmo tempo, um sentir-se grande por perceber tal dimensão3. Na Catedral de Brasília, o sentido do sublime decorre principalmente do percurso e, 3 Kothe, F. Ensaios de semiótca da cultura, 2011, p. 118-119.

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claro, da surpresa ao se chegar no espaço interno circular intensamente iluminado. O círculo, conhecido como a forma perfeita, tem um sentido de infinitude, já que é formada por infinitos lados. O círculo talvez seja a forma mais primitiva e mais intuitiva da criação humana: as primeiras cabanas humanas tinham formas circulares, assim como os astros sol e lua, conhecidos como deuses por muitas civilizações arcaicas. Apesar de serem muito estudadas no Renascimento, as plantas circulares foram pouco aplicadas na prática. Nas pinturas, era comum a representação de monumentos com essa configuração. A cúpula que cobre esses espaços, externamente encerra verticalmente o edifício, mas internamente se abre para o céu. De todo modo, a realização da arquitetura é uma forma de reprodução do universo e de buscar compreender a sua dinâmica, sendo que o homem é uma parte fundamental, já que incorpora o sentido do tempo, que completa o sentido de espaço (universo).

Figura 10 – Catedral de Brasília. Fonte: Acervo fotográfico da autora, 2018.

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Figura 11 - Rafael Sanzio. O Casamento da Virgem. Milão. Fonte: www.oguiademilao.com

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Fhotograph: Alinari

Figura 12 - Basílica de Sant’Andrea. Mantova, Itália. Fonte: YTTERBERG, M. Albert’s Sant’Andrea and the etruscan proportion.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Fig. 1: Área Residencial de Brasília. Foto: Joana França. Fonte: archidaily.com.br


PALAVRAS-CHAVE: Construção de Brasília, Modernismo, Utopia

Marcio Nascimento de Oliveira | Professor do CAU-UCB

Este artigo tem como objetivo proporcionar uma breve reflexão sobre o significado e a significância do momento histórico que precedeu a construção de Brasília, primeiramente identificando suas origens no Movimento Moderno e destacando seus principais protagonistas, e posteriormente examinando alguns aspectos relativos à concepção utópica da capital federal. O argumento principal é de que, ao completar sessenta anos, numa época conturbada e crítica para a (re)afirmação dos ideais que a precederam, a construção de Brasília deve ser considerada como um marco fundamental, a ser detalhadamente estudado e analisado, na busca por uma melhor compreensão da verdadeira identidade cultural do país.

BRASÍLIA 60 ANOS: DA UTOPIA À REALIDADE

RESUMO

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INTRODUÇÃO Construída a partir de um sonho utópico de se tornar uma cidade modelo, um experimento visionário destinado a tomar posse do vasto interior brasileiro e promover o desenvolvimento das seções interiores do país, eis que Brasília atinge seu sexagésimo aniversário, configurando um momento propício para refletirmos sobre a importância e o significado da construção de Brasília para a (re)construção da própria identidade cultural Brasileira.

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Assim como todo o país, a Capital Federal vem se transformando continuamente nas últimas décadas, muitas vezes como verdadeira vítima das diversas convulsões políticas, econômicas e sociais que marcaram a história recente do país, num processo que resultou na conformação de um ambiente urbano igualmente complexo, especialmente quando considerada sua configuração atual. O Distrito Federal, onde Brasília está inserida, acomoda atualmente uma população de mais de dois milhões e meio de habitantes, cuja renda média per-capita da área mais nobre, correspondente à Região Administrativa I, é 16 vezes mais alta, em média, do que a renda das áreas mais pobres (VASCONCELOS, 2018). Esta desigualdade se reflete também na configuração do tecido urbano, contrastando locais com abundante acesso à natureza e áreas de lazer, com outros onde praticamente inexistem árvores e espaços públicos de qualidade.

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Projetada originalmente para chegar a 200 mil habitantes no ano 2000, Brasília já ultrapassou a marca de 2,5 milhões de habitantes, tendo sido o Distrito Federal a Unidade da Federação com maior crescimento entre 2012 e 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018). A população do DF está atualmente espalhada por inacreditáveis trinta e três regiões administrativas (R.A.s), número que cresceu recentemente quando o bairro Arniqueiras se tornou, em 2019, a mais nova R.A. do Distrito Federal (Fig.1), tornando mais complexa ainda a gestão do território. Essa intricada rede urbana enfrenta uma extensa variedade de problemas, com consequências que vão desde as recentes crises relacionadas à má gestão dos recursos naturais, [tirar a vírgula] ao fornecimento inexistente ou ineficaz de infraestrutura urbana, sem falar no constante déficit de moradias, fruto da especulação imobiliária que sempre se fez presente na história da capital. Em paralelo a esta dura realidade, temos a figura de Brasília como capital utópica, fruto de um “sonho coletivo”. Uma cidade moderna, planejada com base nos preceitos da modernidade, resultado de um inédito alinhamento de estrelas e personalidades, numa combinação sem paralelo tanto na geopolítica quanto na história da arquitetura e do urbanismo mundial. Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília até pode ser considerada, numa visão


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Fig. 2. Distrito Federal em 2019. Fonte: GeoPortal, 2020.

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onírica, um fruto da premonição de Dom Bosco, mas certamente não existiria sem a visão política de JK, o pioneirismo e a genialidade de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Israel Pinheiro, Bernardo Sayão, Joaquim Cardozo, Athos Bulcão, Burle Marx, dentre tantos outros renomados profissionais que a tornaram possível, não se esquecendo também do suor e do sangue de tantos outros anônimos, que vieram, participaram e vivenciaram a verdadeira epopeia que foi a construção da futura capital. É sobre as origens desta Brasília, a capital da “utopia modernista”, de que trata este texto, ao propor uma breve discussão sobre o processo que levou à decisão de sua construção e sobre o que esse momento histórico significou na formação da consciência artística nacional.

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ORIGENS DA “IDEIA DE BRASÍLIA” Foi somente após a Primeira Guerra Mundial que as ondas do discurso arquitetônico europeu começaram finalmente a chegar às praias brasileiras com maior intensidade. A influência europeia atingiu seu ponto mais alto em 1922, quando a Semana de Arte Moderna foi realizada em São Paulo, com várias exposições de arte, performances teatrais e musicais (Fig. 2). Até a presente data, a “semana de 22” permanece como a manifestação mais preeminente da introdução daquele importante movimento de vanguarda mundial e mais especificamente para o que viria a ser a produção arquitetônica moderna brasileira.

Fig. 2: Pôster da Semana de 22. Fonte: SEMANA, 2020.

No aspecto da produção arquitetônica, esse importante período culminou em 1929 com a construção da primeira “casa modernista” (Fig. 3) projetada pelo imigrante russo Gregory Warchavchik em São Paulo, projeto pioneiro que teve como princípios uma nova concepção de arquitetura, privilegiando a racionalidade, o conforto, a funcionalidade e a ventilação e a iluminação naturais, elementos estes já abertamente preconizados pelo grande ícone modernista, o arquiteto francosuíço Le Corbusier. O movimento arquitetônico brasileiro foi

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Fig.3: A Casa Modernista. Projeto e residĂŞncia de Gregory Warchavchik. Fonte: BRUAND, 1981: 69

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decisivamente influenciado por sua contraparte europeia durante a visita de 1929 de Le Corbusier ao Rio de Janeiro e São Paulo, no qual lecionou, palestrou e realizou reuniões com autoridades (BENEVOLO, 1989). Mais tarde, Le Corbusier descreveu seu fascínio pela paisagem única do Rio, o que levou à emissão de uma proposta intrigante de arquitetura e urbanismo para a cidade, consistindo em um longo bloco de laje combinado com uma estrutura elevada em forma de rodovia que serpenteava entre as montanhas da cidade (Fig. 4).

Em 1930 foi a vez do norte-americano Frank Lloyd Wright visitar aquele “intrigante país tropical” que se metia a fazer arquitetura moderna e, pego de surpresa no meio de uma batalha em andamento, apoiou voluntariamente estudantes grevistas da Escola Nacional de Belas Artes, que protestavam contra a demissão de Lucio Costa do cargo de diretor da escola. Na época, Costa tentava introduzir no currículo novas teorias baseadas no estilo moderno e reformar o estilo neocolonial, uma tradição que predominava na formação dos arquitetos. Essa permanência mesmo efêmera de Costa como chefe das

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Fig. 4 - Plano de Le Corbusier para o Rio de Janeiro. Fonte: OBA, 2015. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos


Beaux-arts foi fundamental para o estabelecimento das teorias modernistas no Brasil, pois contribuiu para elevar o nível do discurso arquitetônico da época e, sem dúvida. convenceu toda uma nova geração de arquitetos locais a se aventurar no “novo estilo”. Quanto a F. L. Wright, embora sua participação tenha sido fundamental para ajudar no eventual sucesso da causa dos alunos, suas teorias “agrárias românticas” quase não tiveram efeito sobre o trabalho dos jovens designers brasileiros (EVENSON, 1973), que na época eram quase unanimemente devotados e inspirados pelas qualidades formais da arquitetura europeia, expressas pelos manifestos do CIAM, particularmente a Carta de Atenas de 1941. A extensão da influência europeia no modernismo brasileiro inicial pode ser melhor exemplificada pelo convite então sem precedentes enviado a Le Corbusier em 1936, pelo ministro da Educação Gustavo Capanema, no qual o mestre francês foi convidado a atuar como consultor na concepção e construção de um novo prédio para o Ministério da Educação e Saúde no coração do distrito do centro do Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Palácio Capanema. Selecionada para trabalhar com Corbusier neste projeto, uma equipe de notáveis arquitetos brasileiros foi composta, contando entre outros com Lucio Costa, Afonso Reidy e Oscar Niemeyer (BENEVOLO, 1989).

Fig. 5: Vista do antigo Palácio Capanema. Fonte: PETER, 1994: 94.

O magnífico projeto que se seguiu, baseado em esboços e propostas anteriores de Corbusier, resultou em um elegante bloco de proporções monumentais, com pilotis de concreto em sua base e supermodernos brise-soleils protegendo suas fachadas (Fig. 5). Sem dúvida, a construção do prédio do Ministério da Educação pode ser considerada um grande marco da consolidação do novo estilo internacional na América do Sul, pois ajudou a estimular a atenção mundial à produção cultural em todo o continente e principalmente no Brasil.

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O CULMINAR DA MODERNIDADE BRASILEIRA O conceito de transferência de uma capital nacional para um território virgem, inexplorado, tem inúmeros precedentes históricos. Cidades criadas “do nada”, como Islamabad (Fig. 6), Camberra e Nova Deli são alguns exemplos que podemos citar.

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Sem dúvida, a lógica por trás da decisão de mudar um centro político para um novo território é variada, extremamente complexa em suas motivações, estando fora do escopo deste texto. Tendo dito isto, sem dúvida na maioria dos casos, um dos principais motivadores por trás destas experiências foi o intuito de aumentar a integração territorial do país. Neste sentido, a construção de Brasília não foi diferente. Plantada nas profundezas do coração do até então praticamente inexplorado planalto central, a nova capital tem suas origens nos primeiros anos do período colonial, quando foi sugerida a ideia:

que uma cidade fosse erigida, no interior do Brasil, como sede do tribunal ou regência. Em 1883, o padre italiano conhecido como Dom Bosco teve uma “visão onírica”, na qual viu uma “terra prometida” entre os 15 e os 20 graus de latitude, no que foi considerado por muitos como uma referência ao local da nova capital: Vi as entranhas das montanhas e as profundezas das planícies. Tive diante de meus olhos as riquezas incomparáveis ​​... que um dia seriam descobertas. Vi inúmeras minas de metais preciosos e carvão fóssil e depósitos de petróleo de tais abundância como nunca antes havia sido vista em outro lugar, mas isso não era tudo: entre os décimos quinto e o vigésimo graus de latitude, havia um longo e amplo trecho de terra que surgia em um ponto em que um lago se formava ... (HOLSTON. 1989. p. 16)

A primeira defesa registrada de uma nova capital apareceu em 1789 em uma declaração de um grupo de revolucionários políticos no estado de Minas Gerais, que se autodenominavam “inconfidentes mineiros”. Pioneiros no movimento pela independência de Portugal, incorporaram em seu programa o conceito de um novo centro de governo. Livre das associações simbólicas com o regime colonial. (EVENSON, 1973. p. 105).

A partir de então, a ideia de uma nova capital plantada no interior do Brasil tornou-se uma discussão constante do debate nacional. A constituição temporária de 1890 chegou perto de admitir a possibilidade de transferência de capital, mas no final apenas sustentou que a questão deveria ser um pouco mais debatida pelos Estados participantes. A versão final desta constituição, promulgada em 1891, determinava em seu terceiro artigo que um território de 14.400 km2, localizado no planalto central da República deveria ser pesquisado em um momento conveniente e destinado ao estabelecimento da futura Capital Federal.

Em 1821, Bonifácio de Andrada, o patriarca da independência do Brasil, recomendou aos deputados do Tribunal de Lisboa

A ideia da nova capital então já havia assumido a forma de lei, mas como ocorre com toda legislação, faltava apenas a questão

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Fig. 6: Plano de Islamabad, 1960. Fonte: www.cda.gov.pk

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Fig. 7: O local da nova capital. Fonte: Revista Brasilia Jan. de 1957. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos


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de “vontade política” para concretizá-la. Entre 1934 e 1953, vários governos voltariam a abordar de alguma forma a ideia da nova capital, mas nada de efetivo aconteceu até 1956, quando o então presidente Juscelino Kubitschek finalmente assinou a “Mensagem de Anápolis”, uma carta de intenções que estabeleceu o local e definiu a data para a transferência oficial da capital. Kubitschek foi, sem dúvida, uma das figuras mais populares que já ocupou a cadeira presidencial no Brasil, e também foi um grande admirador da arte e da arquitetura modernas, tendo a experiencia de ter contado com a genialidade de um jovem Oscar Niemeyer, durante seu mandato como prefeito de Belo Horizonte. Se pode argumentar que foi durante este período que Niemeyer produziu seus primeiros projetos notáveis, tal como a belíssima Igreja São Francisco de Assis (Fig.8), que ficou conhecida como a “igrejinha da Pampulha”. Anseio político de Juscelino, a construção da nova capital poderia se tornar foco de grande orgulho nacional e era, portanto, uma tarefa a ser empreendida com o ímpeto dos pioneiros. Durante uma de suas visitas ao local da nova cidade, ele fez a observação histórica: Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável em seu grande destino. (SOARES, 2017).

Em setembro de 1956, foi anunciado pela NOVACAP (Companhia Urbanizadora da Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

Nova Capital), empresa encarregada da construção da cidade, um concurso nacional aberto de projetos. Oscar Niemeyer foi posteriormente nomeado diretor de arquitetura da empresa e comissionado com o projeto de todos os principais edifícios governamentais. Vinte e seis propostas foram apresentadas ao júri, dentre as quais projetos de alguns dos arquitetos mais ilustres do Brasil a época, como o escritório MMM Roberto (Fig.9). Depois de estreitar as propostas para dez finalistas, o plano elaborado por Lúcio Costa (fig. 10) recebeu o primeiro prêmio. De todas as submissões, o plano de Costa foi considerado o único que compreendeu a noção de capital nacional, como afirmado nas considerações do júri: “É o único plano de capital administrativo para o Brasil. Os elementos podem ser vistos de uma só vez: é claro, direto e fundamentalmente simples.” (EVENSON. 1973. p. 144). O júri considerou que o plano conseguiu alcançar a tão desejada monumentalidade e grandeza dentro de uma estrutura urbana bastante simples. Um dos jurados também mencionou que o conceito era fácil de entender em primeira leitura, mas tinha profundidade suficiente e um forte senso de unidade (EVENSON, 1973. p. 145). Em seu relatório descritivo, Costa reconheceu que as circunstâncias exigiam uma mudança do pensamento urbano convencional e, assim, o caráter da cidade exigiria mais do que o mero urbanismo funcio-


49 Figura 8: Igreja São Francisco de Assis. Projeto: Oscar Niemeyer. Foto: Bruno do Val. Fonte: SOUZA, 2012.

nalista poderia produzir ao argumentar: Acredito que ela (a cidade) não deve ser concebida como uma mera entidade orgânica. É capaz de funcionar de forma irracional e vital como qualquer cidade moderna: não como ‘urbs’. portanto, mas como uma “civitas”, possuindo as virtudes e atributos apropriados para uma verdadeira capital. (COSTA, 1957).

A criação da NOVACAP, cujo conceito era semelhante ao das empresas inglesas de desenvolvimento, foi outro passo fundamental para a consolidação do plano. A empresa, formada especialmente para a ocasião, tinha a responsabilidade de

comprar os terrenos e urbanizar o local, além da construção de todas as principais estruturas urbanas e edificações públicas (BENEVOLO. 1989. p. 713). Brasília foi oficialmente dedicada em 21 de abril de 1960, após um processo de construção frenético que levou três anos para ser concluído, de 1957 a 1960. Nesse sentido, a simplicidade do plano de Costa também foi determinante, contribuindo para que todos os elementos básicos da cidade fossem concluídos antes do final do mandato do presidente Kubitschek. A desejada sensação de monumentalidade para Brasília foi alcançada com o uso de Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos


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Fig. 9. Proposta de MMM Roberto para BrasĂ­lia. Fonte: http://www.brasiliaweb.com. br/

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Fig. 10: A proposta vencedora de Lucio Costa. Fonte: www.g1.globo.com

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vastos espaços vazios, em contraponto às estruturas elegantes de Niemeyer, especialmente ao longo da área monumental, onde estão localizados os prédios governamentais mais importantes e impactantes.

superquadras (Fig.11) dispostas em unidades de vizinhança, diferentes classes sociais convivessem em perfeita harmonia, tendo a seu dispor educação, religião, comércio e lazer, como observado por Lucio Costa:

Ao compararmos a construção de Brasília a outros empreendimentos de similar vulto, realizados em outras partes do mundo, podemos perceber o quão impressionante essa conquista significou para o “orgulho nacional” na época, tanto do ponto de vista social quanto cultural. Ao considerarmos o momento que atravessava o país, com grandes disputas políticas e um acalorado debate econômico e social, somado à escassez de recursos, mais impressionante ainda nos parecem a construção da Nova Capital e a inúmeras vitórias conseguidas pelos que a protagonizaram, especialmente acerca dos desafios técnicos e as inovações que deles resultaram. Enquanto Brasília ficou “pronta” em quatro anos, a capital americana Washington, DC demorou nove anos para ser concluída. Nova Délhi, na Índia, foi concluída em dezoito anos e a australiana Canberra ainda se encontrava inacabada após quarenta e sete anos do início de sua construção.

Cada conjunto de quatro quadras formaria uma espécie de área de vizinhança, com as facilidades de comércio e de interesse comunitário: cinema, igreja. Essas áreas de vizinhança iriam se suceder ao longo dos 6 Km, como se fosse uma cadeia, um colar, uma corrente, você ia passando pelas unidades de vizinhança, mas cada uma com sua autonomia relativa. Estabelecer a comunhão aí num ponto. (Lucio Costa, entrevista in ZAPATEL, 2009).

Muito já foi escrito e debatido sobre Brasília desde 1960, tanto em relação ao seu projeto urbanístico como sua arquitetura, nos quais se destacam tanto os aspectos mais monumentais, tão bem executados por Oscar Niemeyer e seus colaboradores, quanto à proposta quase ingênua de que, em sua escala residencial formada pelas Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

Ao refletirmos brevemente sobre o significado desta utopia, buscamos resgatar um pouco deste maravilhoso espirito da época de sua realização, trazendo inspiração para a geração atual e para as futuras, mostrando que vale a pena sonhar e trabalhar por um país melhor e mais inclusivo socialmente. Esta reflexão se mostra fundamental, especialmente no momento turbulento e de grande polarização pelo que passa o país, onde de um lado resistem os que lutam pelo resgate, pela preservação a pela valorização de uma ainda jovem identidade cultural e social, e de outro os que a negam, negligenciam ou se propõem mesmo a esquecê-la, reescrevê-la ou reinterpretá-la de acordo com suas próprias convicções.


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Figura 11 - Superquadra. Croquis de Lucio Costa. Fonte: ZAPATEL, 2009.

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PALAVRAS-CHAVE: Comércio Local, flâneur, Brasília

57 Aline Stefania Zim | Professora do CAU-UCB

A partir da perspectiva detetivesca do flanador explorando as passagens e galerias da Paris do século XIX, pratica-se a flânerie na entrequadra comercial do Plano Piloto em Brasília. A flânerie, como percurso, pode ser entendida aqui na dimensão de uma narrativa não linear, onde os itinerários são abertos, descontínuos e indeterminados, dando margem a novas narrativas, as quais são construídas pelo movimento das possibilidades e incertezas a partir de um olhar aberto a novas aventuras estéticas. Em contraponto ao percurso errante do flanador, propõe-se o conceito da cidade-panorama de Michael de Certeau, sob o seu aspecto reducionista que faz a cidade ser mais esquecida do que rememorada.

PELO COMÉRCIO LOCAL DE BRASÍLIA: EM BUSCA DA GALERIA DOS DESEJOS.

Fig. 1 - Calçadas de Brasília. Fonte: Acervo Olhares/UCB

RESUMO

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O DETETIVE A luz da manhã perpassa as generosas copas das árvores ao longo do caminho de pedestres. Um imenso teto verde quase se fecha no alto e o arabesco formado pelas sombras ensaia uma atmosfera bucólica, um friozinho, que cumprimenta todos os dias os seus visitantes. Seria uma típica tela impressionista de cores pálidas em pleno século XIX. Mas estamos caminhando pela cidade de Brasília em direção à padaria do Comércio Local, no alento das primeiras horas do sol da manhã, antes que a luz e o calor intenso desviem o nosso percurso para debaixo da sombra.

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Em Brasília, as calçadas concretadas há 40 ou 50 anos são rasgadas por velhas raízes que revelam a idade dos seus caminhos. As árvores que resistem no Plano Piloto crescem e envelhecem com seus moradores. Imprimem rachaduras no antigo calçamento e desenham uma geografia complexa que talvez revela menos a memória e mais o esquecimento. Para quem anda por ali, são degraus e obstáculos, integrados à escala bucólica que permanece. Segundo Costa e Lima (2010), em publicação comemorativa dos 50 anos de Brasília, “na quadra, todos eram pessoas igualmente novas, num ambiente novo, uma geração nova, uma maneira de viver nova, que começa a gerar uma nova cultura. A superquadra é a verdadeira raiz de Brasília, que fez a árvore crescer e dar frutos” (p.61). Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

Esse processo de enraizamento é feito de momentos de resistência, transgressões e sobrevivência que escrevem a história de Brasília. Elementos urbanísticos estranhos ao desenho comum das cidades brasileiras, como a superquadra e a setorização dos serviços, não impediram a sua apropriação. Como lugar praticado, todo espaço urbano é percebido, tecido e modificado continuamente. Os moradores se apropriaram, portanto, da Nova Capital para torná-la possível, seja no contexto familiar privado ou público. Para captar essa urgência e a complexidade reveladas na cidade contemporânea, é preciso uma postura detetivesca sobre o cotidiano presente, entendendo as forças que movimentaram a cidade moderna – também a Nova Capital – e o próprio estigma da modernização que é intrínseco ao nosso tempo. Nesse sentido, cabe o flâneur, personagem da literatura moderna, como a construção de uma postura metodológica de observação da realidade a partir do percurso. O flâneur ou flanador é um personagem conceitual de Charles Baudelaire, descrito por Walter Benjamin, que vagueia pela cidade de Paris do século XIX, como um ser errante numa busca velada por aventuras estéticas. Ele deixa para o turista os grandes monumentos; para ele o que interessa é a intimidade dos locais. Ele experimenta a rua buscando uma nova percepção, que é a sua percepção costurada num tempo e espaço específicos, mas não estáticos, ou seja, está disposto a percorrer a cidade para compreende-la. O flâneur encontra


na cidade o seu espaço familiar e ao mesmo tempo desconhecido. Segundo o próprio Baudelaire, para o perfeito flâneur, constitui um grande prazer fixar domicílio no número, no inconstante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa e, no entanto, sentir-se em casa em toda parte; ver o mundo, estar no centro do mundo e continuar escondido do mundo, esses são alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a língua não pode definir senão canhestramente. O observador é um príncipe que usufrui, em toda parte, de sua condição de incógnito (p. 30).

pequeno atalho é mais um beco do que uma galeria, e o outro lado não se vê, é uma surpresa. É comum encontrar ali gente que dorme no papelão.

Dentro da perspectiva detetivesca do caminhar ou flanar pela cidade, a experiência torna-se o fio condutor das narrativas urbanas. A flânerie, como percurso, pode ser entendida na dimensão de uma narrativa não linear, onde os itinerários são abertos, descontínuos e indeterminados, dando margem a novas narrativas, as quais são construídas pelo movimento das possibilidades e incertezas a partir de um olhar aberto a novas aventuras estéticas.

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A VITRINE Nas passagens da entre-quadra comercial acontece o movimento de gente que não costuma demorar. Todo dia, cada gesto que se faz na rua compõe a cena do cotidiano. O caminhão esconde a entrada da padaria. A manicure desce para fumar um cigarro. O flanelinha ensaia seu próprio concerto. Passa uma bicicleta com a entrega da farmácia. “Atendemos somente às quadras vizinhas”, diz a placa. Corta o caminho do meio e entra na quadra. O

Fig. 2: Comércio Local de Brasília. Fonte: Acervo Olhares/UCB

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A paisagem bucólica do fundo da rua mais se esconde do que se mostra: é o oposto da vitrine. As costas do comércio local não se apresentam de qualquer jeito; é preciso um olhar atento para descobrir um mosaico de fachadas que se refazem todos os dias. Há o jogo de adivinhar sobre quais são as lojas que ali, nas costas da rua, se camuflam entre portinholas de serviços e equipamentos que a rua dos fundos esconde. Há os que tratam do quintal como se tratam as fachadas, incorporando frente e fundos da rua numa visada só. Um atalho para o café, um descanso, uma vitrine de doces e o quintal é jogado para dentro das lojas do comércio local na entre-quadra: a sua galeria dos desejos.

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Desde os povos nômades na Pré-história, o homem busca um local específico e organizado para as trocas e, posteriormente, o comércio de seus produtos. O comércio foi inicialmente entendido no contexto da cidade como a praça de mercado, nem sempre considerando o edifício arquitetônico como o local específico para suas atividades. Com a formação das primeiras cidades, os percursos cotidianos se manifestavam em torno dessa sobrevivência que se tornou mais ampla. Segundo Nogueira (1965), as atividades comerciais são desenvolvidas com o surgimento da sociedade urbana, a partir de necessidades mais complexas que as dos tempos de caça ou coleta dos povos pré-históricos. Quando a troca de mercadorias acontece na praça, ou Ágora, no Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

período helênico na Grécia antiga, temos a aproximação do que entendemos como mercado aberto, ou feira. Mas é em Roma que o mercado assume a forma de um edifício funcional na forma de pequenas lojas, assim como o conhecemos hoje. A escala do amplo mercado de pequenas lojas, ou da especificidade do espaço nessa função pode ser observada no Islã, no bazar de Constantinopla, com cerca de três mil lojas. Na Idade Média o mercado volta a acontecer em espaço aberto, na praça e ao longo das vias de tráfego, ressurgindo na configuração de edifício no Renascimento, no século XIV e XV. No século XIX, o edifício comercial volta-se para si e posteriormente configura espaços relacionados com seu contexto, atendendo à sociedade dos consumidores, na ascensão do capitalismo mercantil e industrial. Nessa lógica, as cidades são tomadas pelos magazines e galerias comerciais, espaços estes que atingem sua forma mais esquizofrênica nos gigantes shopping-centers americanos. As primeiras galerias comerciais, entre o século XVIII e XIX, marcam a literatura e a crítica nesse período. As vitrines, como molduras das mercadorias, são precursoras nas mudanças de comportamento dos consumidores parisienses quando se estabelecem nas passagens, descritas por um guia ilustrado de Paris: Essas passagens, uma recente invenção do luxo industrial, são galerias cobertas de vidro e com paredes revestidas de mármore, que atravessam quarteirões inteiros, e cujos


proprietários se uniram para esse tipo de especulação. Em ambos os lados dessas galerias, que recebem sua luz do alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de modo que uma tal passagem é uma cidade, um mundo em miniatura, onde o comprador encontrará tudo o que precisar. Numa chuva repentina, são elas o refúgio para todos os que são pegos desprevenidos, garantindo-lhes um passeio seguro, porém restrito, do qual também os comerciantes tiram suas vantagens (BENJAMIN, 2009, p. 78).

Apesar da vida urbana estar sempre envolvida pelas atividades de troca e comércio, as galerias ou passagens são um marco na história do cotidiano das cidades. Cenário das primeiras iluminações a gás, foram mais tarde reconfiguradas pelo espetáculo da luz elétrica. Até 1870, as carruagens dominavam a rua. Era demasiado apertado andar sobre as calçadas estreitas e por isso flanava-se sobretudo nas passagens, que ofereciam abrigo do mau tempo e do trânsito. “Nossas ruas mais largas e nossas calçadas mais espaçosas tornaram-se mais fácil e doce a flânerie, impossível a nossos pais noutro lugar que não nas passagens”. Edmond Beaurepaire, Paris d’Hier et d’Aujourd’hui: La chronique des Rues, Paris, 1900, p.67 (BENJAMIN. Passagens. 2009, p. 79).

Esse período é marcado pelo uso de um material artificial, o ferro, que primeiramente consolida os trilhos das locomotivas no início do século XIX. Prefere-se o uso do ferro para as grandes estruturas, como salas de exposições, estações de trem, e também as galerias comerciais, evitando-se as residências. O uso das técnicas construtivas em torno do ferro e do vidro produzem imagens na consciência

coletiva da interpenetração do novo com o antigo, como imagens do desejo. Chamadas por Benjamin, no ensaio Paris, capital do século XIX, de “desiderativas”, as imagens do desejo trazem ao inconsciente da coletividade a fantasia da superação e distinção do antiquado, como passado remoto. Interpenetradas pelo novo, tais experiências geram utopias representadas por construções duradouras e também pelas modas fugazes (BENJAMIN, 1984, p. 32). Dentro dessas imagens, destacam-se os panoramas. O apogeu na difusão dos panoramas coincide com o surgimento das galerias. [...] Os panoramas anunciam uma revolução no relacionamento da arte com a técnica e são, ao mesmo tempo, a expressão de um novo sentimento de vida. O morador da cidade, cuja supremacia política sobre o morador do campo tantas vezes se manifesta ao longo do século, tenta trazer o campo para a cidade. Nos panoramas, a cidade se abre em paisagem, como mais tarde ela o fará, de maneira ainda mais sutil, para o flâneur (BENJAMIN, 1984, p. 34).

Com o uso crescente do vidro, a paisagem urbana, a partir das galerias, desdobra-se em panoramas. Os panoramas são cenários desenhados ou pintados segundo paisagens urbanas ou rurais, mas não sendo a própria realidade, são simulacros. O folhetim é a própria literatura panoramática emoldurada, popularizada e panfletária. O escritor flâneur observa e ao mesmo tempo se entrega à multidão. A vitrine tenta reproduzir no espaço externo a intimidade dos espaços interiores das casas. A simulação do ambiente seguro e Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

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protegido é reconfigurado pela transparência como elemento de transição e contato entre esses diferentes mundos – o de fora e o de dentro. A mercadoria exposta nas vitrines torna-se referência para os comportamentos sociais modernos, numa espécie de reescrita do cotidiano por seus novos percursos urbanos. O passeio cenográfico dos transeuntes pelas vitrines iluminadas; o deslumbre pela variedade de mercadorias emolduradas pelo ferro e reveladas pelo vidro; o hábito do literato de observar as pessoas na rua pelas vidraças dos cafés, são panoramas dos microcomportamentos da Paris do século XIX. “Sem as passagens, dificilmente a flanerie poderia ter alcançado a sua relevância”, diz Benjamin (1984, p. 66).

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A cidade vivencia um novo ritual de movimento em torno do consumo, fazendo das grandes exposições e das galerias comerciais um centro de peregrinação ao fetiche da mercadoria (BENJAMIN, 1984). A vitrine emoldurou as novidades, numa constante atualização das modas e referências sociais de cada época. As passagens, assim como as exposições universais, representaram a galeria dos desejos da burguesia oitocentista. PASSAGENS PELA ENTRE-QUADRA Em caso de confusão ou esquecimento, será suficiente consultar a seguinte lista: 73 - 1 - 2 - 116 - 3 - 84 - 4 - 71 - 5 - 81 - 74 - 6 - 7 - 8 - 93 -68 - 9 - 104 - 10 - 65 - 11 -136 - 12 - 106 - 13 - 115 - 14 - 114 -117 15 - 120 - 16 - 137 - 17 - 97 - 18 - 153 - 19 - 90 - 20 - 126 -21 - 79 - 22 - 62 - 23 - 124

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O escritor argentino Julio Cortázar (1968), em seu livro Jogo da Amarelinha (tradução do título original Rayuela), faz uma apologia ao jogo da amarelinha quando orienta o leitor a escolher seu próprio percurso, a partir de um índice hipertextual. Tem-se aqui uma possível alegoria da cidade para o flâneur. Nem todos os lugares são mapeados pelo trajeto do automóvel. Na cidade de Londres ou Nova Iorque, por exemplo, muitos moradores orientam o seu percurso pelo mapa de sinalização do metrô, seguindo, muitas vezes, um conjunto de referências urbanas coincidentes ou submetidas à estrutura subterrânea. A superfície de Paris, por sua vez, é uma espécie de espelho de um mapa subterrâneo que desenha os percursos da água ao longo dos séculos. Os percursos subterrâneos foram necessários para manter a vida na capital francesa. Desde os primeiros séculos o abastecimento de água


e de drenagem foram os maiores desafios dessa cidade. Segundo Benjamin, nas Passagens, “os poetas poderiam dizer que Haussmann foi mais inspirado pelas divindades inferiores que pelos deuses superiores” (Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, 1926, p.418; in Benjamin, 2009, p.12). Grande parte da infraestrutura parisiense, ainda hoje, está situada nas galerias abaixo do nível da rua, desenhando percursos de serviços e abastecimentos que resistem ao tempo e revelam, entre encontros e desencontros, a própria história da cidade. O Plano Piloto em Brasília é uma brincadeira entre os percursos e o sistema de endereçamento, semelhante ao jogo de amarelinha. Diferente do obscuro labirinto, que confunde a saída do caminhante, a amarelinha revela aos seus jogadores o objetivo final, que é visível, segundo um conjunto bem definido de regras, mas não revela qual será o percurso até se chegar ao fim do jogo. Quando se conhece o Plano Piloto por um mapa, acredita-se ser simples qualquer deslocamento num sistema numérico sequencial. O sistema de endereçamento parece óbvio, matemático. Mas basta a primeira experiência numa “tesourinha”1 local para que a maioria dos novos transeuntes percam a referência de Norte e Sul. Os próprios moradores locais confundem

endereços e referenciais urbanos pela repetição da tipologia arquitetônica que faz a paisagem ser bastante homogênea. Os turistas, mesmo portando mapas, perdem-se na lógica numérica das quadras e eixos rodoviários. Assim como em qualquer cidade, é possível se perder em Brasília. Para orientar-se, é preciso praticá-la, pois o percurso urbano é errático e os caminhos imprevisíveis, como no jogo da amarelinha. Na tentativa de compreender ou controlar o imprevisível crescimento urbano caótico movido pelos novos milhões de consumidores entre o século XIX e XX, surgem teorias e utopias urbanísticas que tratam do planejamento, da regularização e zoneamento urbanos, inclusive dos espaços de comércio. As tendências do urbanismo moderno eram do zoneamento das atividades comerciais em duas principais: uma de caráter central e diversificada e outra mais restrita e imediata, de caráter local. É o caso do Comércio Local no contexto do Plano Piloto em Brasília, que foi compreendido em sua dimensão central, pelos setores bancários e de diversão, e na sua dimensão local, pela zona residencial nas quadras e superquadras. O Relatório do Plano Piloto de Lúcio Costa (CODEPLAN, 1991), ao se referir ao comércio local como estrutura integrante do zoneamento urbano proposto para a Nova Capital, diz que

1 Balão ou retorno criado especificamente no plano piloto por Lucio Costa. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

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64 Fig. 3: Comércio Local de Brasília. Fonte: Acervo Olhares/UCB

o mercadinho, os açougues, as vendas, quitandas, casas de ferragens, etc, na primeira metade da faixa correspondente ao acesso de serviço; as barbearias, cabelereiros, modistas, confeitarias, etc, na primeira seção da faixa de acesso privativa dos automóveis e ônibus, onde se encontram igualmente os postos de serviços para venda de gasolina. As lojas dispõem-se em renque com vitrinas e passeio coberto na face fronteira às cintas arborizadas de enquadramento dos quarteirões e privativas dos pedestres, e o estacionamento na face oposta, contígua à vias de acesso motorizado, prevendo-se travessas para ligação de uma parte a outra, ficando assim as lojas geminadas duas a duas, embora o seu conjunto constitua um corpo só.

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Em Brasília 1960-2010, a superquadra é revisitada no contexto dos 50 anos de sua ocupação: nos comércios locais, a população soube descobrir e criar “esquinas” à sua maneira, adequadas à noção de espaço que o brasiliense tem dentro de si, fruto da soma da serenidade urbana com a presença constante do céu inteiro e dos 360 graus do horizonte do planalto. Os bares, com mesas nas varandas, sempre perto de um gramado e de árvores, se multiplicam e os carros descobriram a quadra ao lado para estacionar; surgiu assim, espontaneamente, uma versão já decorrente do próprio plano piloto, daquilo que seu autor chamou de “escala gregária”. Assim também o fato dos comércios locais, que se revelaram comér-


cios de bairro, abrirem suas lojas para a via de acesso e não para a quadra, como havia sido proposto, e sendo livre a instalação das fachadas, deu vida às ruas, e se pode observar que o comércio efetivamente local já descobriu as vantagens de abrir suas portas para os dois lados (Brasília 1960-2010).

O ideal do comércio local em Brasília que originalmente se volta para dentro e para perto da vida cotidiana representa a utopia e a esperança de um tipo de realidade que ainda não compreendemos. O que dizer do movimento dos “puxadinhos”2, as inversões e adaptações da cidade em direção à velocidade moderna e caótica das pessoas e seus automóveis? Ou dos seus consumidores ávidos e aflitos pela densidade – e ao mesmo tempo felizes sem ela! – entendendo pouco da razão que ainda faz de Brasília uma cidade verde, pura de algumas doenças estéticas contemporâneas tão rasas para quem amou Brasília por algum momento. É difícil entender Brasília sem a distância do projeto urbanístico, já que sua condição talvez medíocre de cidade comum, com seus problemas e normalidades semelhantes às demais cidades no mundo, é muitas vezes negada pelos seus poetas, habitantes e nostálgicos pensadores. Entendendo a superfície da cidade como tratável, Michel de Certeau (1998, p.172), diz que “Planejar a cidade é ao mesmo tempo pensar a própria pluralidade do 2 Ocupação illegal – por parte dos comerciantes Y das passagens públicas para pedestres entre os setores de comércio local (entreYquadras) e os residenciais (superYquadras) do Plano Piloto em Brasília.

real e dar efetividade a este pensamento do plural: é saber e poder articular”. A cidade é concebida a partir de um número finito de propriedades estáveis, rejeitando-se tudo aquilo que não é tratável. Segundo o mesmo autor, a cidade-conceito se degrada pelas forças que mantém o tecido urbano vivo e sobrevivente. Quando pensamos no espaço urbano como o marco totalizador e mítico das estratégias de controle, redes de vigilância e regulações cotidianas, contraditoriamente – e espontaneamente! – a vida urbana remonta e ressignifica o que o projeto urbanístico excluiu, numa espécie de resistência. A cidade então não se constitui de uma transparência racional, mas é permeada de identidades ilegíveis, inapreensíveis e astutas (p.175). A partir do pensamento de Certeau de que existe uma contradição pulsante entre o modo coletivo da gestão e o modo individual da reapropriação do espaço, a cidade-conceito é imprevisível. Acredita-se, então, ser possível a investigação urbana dentro de uma teoria das práticas cotidianas, do espaço vivido e de uma inquietante familiaridade da cidade. As intenções de projeto de Lucio Costa em Brasília foram em parte constituídas e também dissolvidas no espaço urbano ao longo do tempo. Entretanto, os percursos que movem a vida cotidiana do brasiliense são mais comuns do que diferentes de outras cidades. Como todo organismo vivo, a cidade se modifica e se adapta aos seus moradores e transeuntes. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos

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A espontaneidade e o imprevisto em Brasília são sintomas confusos e confundidos com a ilegalidade e a invasão, e nem sempre encontram suas respostas na crítica ao urbanista ou a sua obra. A produção contínua de modelos urbanos que devem abrigar os desejos de uma cidade que não cabe mais em si, provoca desdobramentos negativos, como todo discurso quando é destruído pela experiência.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA, Geraldo Nogueira. Um estudo do comércio local de Brasília. Tese apresentada à Escola de Arquitetura da Universidade de Brasília para a obtençãoo do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Brasília, 1965. BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. Trad. Gilson Maurity Rio de Janeiro: Record, 2009. ____________________. O Pintor da Vida Moderna. Org. Jérôme Dufilho e Tomaz Tadeu. Trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010. BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

CERTEAU. Michel. A invenção do Cotidiano: 1. Artes do fazer. Petrópolis: Editora Vozes, 1994. CORTAZÁR, Julio. Jogo da Amarelinha. Trad. Fernando de Castro Ferro. São Paulo: Círculo do Livro S.A., 1968. OLIVEIRA JR, Wencesláo Machado de. A cidade (tele) percebida: em busca da atual imagem do urbano. Dissertação de Mestrado. Campinas: Faculdade de Educação/ Unicamp, 1994. RELATÓRIO DO PLANO PILOTO DE BRASÍLIA/elaborado pelo ArPDF, CODEPLAN, DePHA. Brasília: GDF, 1991. SECCI, Bernardo. A Cidade do Século Vinte. São Paulo: Perspectiva, 2009.

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___________. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1989 (Obras escolhidas vol I). ___________. Charles Baudelaire: um lírico no auge do Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989 (Obras escolhidas vol 3). ___________. Walter Benjamin: Sociologia. Org. Flávio R. KotheSão Paulo: Editora Ática, 1985. BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BRASÍLIA 1960 2010: passado, presente e futuro. Francisco Leitão (organizador)...[et al.]. Brasília: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009. Revista CAU/UCB | 2020 | Artigos



A INTERBAU foi inaugurada em 1957 no âmbito do programa de reconstrução da Alemanha Pós-Guerra.

Superquadra 108 Sul - Oscar Niemeyer – Foto do Autor

53 arquitetos de prestígio foram convocados, dentre eles Oscar Niemeyer, todos os outros eram europeus. Apenas o projeto de Niemeyer serviu de protótipo e embrião norteador de uma cidade concreta e não apenas teorizada. Em 1958, pela primeira vez, o Brasil sagrou-se campeão mundial de futebol, em 59, 60, 64 e 66, Maria Esther Bueno arrasava em Wimbledon, sem falar do Cinema Novo e da Bossa Nova e em 1960 é inaugurada a nova Capital. Parecia que a História estava do nosso lado, mostrava que a distância entre o primeiro e o terceiro mundo não era intransponível. Embalava minha geração a indignação com a desigualdade social e a esperança de que poderíamos mudar a

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Matheus Gorovitz | Prof. FAU-UnB

Data vênia à mídia, apegada obsessivamente à pandemia e ignorando o resto, o aniversário de Brasília se impõe.

SEXAGENÁRIA | SAUDAÇÃO À MINHA CIDADE EM DOIS ATOS E UMA EPÍSTOLA

PRIMEIRO ATO

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sociedade, aspiração acenada pelo ideário comunista e pela vitória da revolução cubana, contemporânea da fundação de Brasília. Apesar do desenrolar da História frustrar nossas expectativas, Brasília acena para um ideal de vida e se mantém como utopia. Vilanova Artigas lembra: “não é pela utopia que as coisas devem ser criticadas, mas pela impossibilidade de as utopias serem realizadas”. Agora que só restou a esperança de poder sobreviver ao vírus, podem me chamar de saudosista. SEGUNDO ATO

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As transformações quantitativas se convertem de repente em saltos qualitativos Friederich Engels - Anti-Dühring A cidade como a casa e a casa como a cidade Alberti O projeto de Niemeyer para a INTERBAU e antes dele, em 1948, o Parque Guinle de Lucio Costa no Rio de Janeiro prenunciam o desenho de Brasília, destacamos por partes (como bem preconiza o esquartejador): – Alinha-se com a tendência então generalizada de adotar prédios de habitação em altura para liberar espaços de franco acesso para todos (aspiração que a agiotagem imobiliária corrompe). Niemeyer se vale dos pilotis para expandir a área pública configurada como parque contínuo, transponível e sem obstrução física Revista CAU/UCB | 2020 | Especiais

e visual. Os pilotis demarcam uma área de transição entre o espaço público e o privado, este limiar é celebrado pela monumentalidade conferida aos pilares – como outrora a colunata. – Os aspectos quantitativos e os qualitativos são inseparáveis (ver epígrafe / Engels). As grandezas quantitativas são mensuráveis (densidade, porcentagem de ocupação do solo, espaços livres), elas implicam em transformações qualitativas, estas têm base no caráter subjetivo – afetas à consciência – são incomensuráveis. Lucio Costa vale-se da noção de escala para exemplificar: “A chamada escala é coisa relativa, o italiano da Renascença se sentiria diminuído se a porta de sua casa tivesse menos de cinco metros de altura”. – A reciprocidade casa / cidade (ver epígrafe – Alberti) dá sentido, tanto ao projeto da INTERBAU como ao partido adotado no Plano Piloto de Brasília, assim explicitado por Lucio Costa: “Entrosar o monumental – Vive la différence – O confronto entre os projetos de Niemeyer para a Superquadra e o da INTERBAU evidencia diferenças, os pilotis das Superquadras não têm caráter monumental e nelas os apartamentos não possuem terraços. Na INTERBAU, o caráter pregnante dos pilotis dialoga contrastando com a feição doméstica dos terraços. Em Brasília, esta


relação se dá no âmbito do conjunto urbanístico onde as escalas monumental e a doméstica se diferenciam, daí Lucio Costa recomendar: “As formas usadas nas estruturas monumentais não podem ser transpostas para a escala residencial”. O mesmo raciocínio justifica a ausência de terraços, em Brasília o bloco e o parque são partes complementares da mesma composição plástica. Na INTERBAU, a área externa é incorporada ao bloco como contraponto do cotidiano ao monumental. Lembremos a ideia de Lucio Costa de atribuir à moradia “Uma certa monumentalidade”. O plano de Brasília esclarece Lucio Costa: “Não é apenas um desenho, mas sim uma concepção de cidade”.

Fig.1 – INTERBAU. Projeto de Oscar Niemeyer (1950). Fonte: KLEIN, 2020.

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Concepção que pondera: “Os interesses do homem como indivíduo nem sempre coincidem com os interesses desse mesmo homem como ser coletivo; cabe ao urbanista procurar resolver, na medida do possível, esta contradição fundamental”. REFERÊNCIA KLEIN, Kristine. Oscar Niemeyer apartment building in Berlin captured by Pedro Vannucchi. Disponível em: https://www. dezeen.com/2020/03/21/oscar-niemeyer-apartment-building-in-berlin-captured-by-pedro-vannucchi/

Fig.2 – INTERBAU. Projeto de Oscar Niemeyer (1950). Fonte: KLEIN, 2020.

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Fig.3 – INTERBAU. Projeto de Oscar Niemeyer (1950). Fonte: KLEIN, 2020.

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Fig. 4 – Bloco B da Superquadra 108 Sul. Projeto de Oscar Niemeyer). Fonte: www.google.com Revista CAU/UCB | 2020 | Especiais


EPÍSTOLA Missiva de Brasília para Dr. Lucio Esse cão é meu, diziam essas pobres crianças. “Lá está o meu lugar ao sol”: eis o começo e a imagem da usurpação de toda a terra Blaise Pascal

Dr. Lucio, Embora sexagenária ainda me comove lembrar da generosidade como o senhor me imaginou: “Cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria para o devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos do país”. A aspiração ainda permanece lamentavelmente como promessa, enquanto durarem pessoas de primeira e segunda classe o epiteto “Capital da Esperança” se manterá. Ao me alcunhar assim Malraux acertou em cheio; persisto como Utopia de carteirinha, não perco a esperança. Dante aí ao lado deve ter contado que na porta do inferno foi avisado: “Abandonai toda esperança ó vós que entrais”. Dr. Lucio, interceda junto aos Deuses Supremos, aí no Empíreo para que iluminem os pobres mortais com dificuldade em distinguir os interesses coletivos dos privados. Argumente que concebeu a cidade no sentido de “Entrosar o monumental e

o doméstico num todo harmônico e integrado”, pelo caráter monumental adquirimos consciência coletiva – se evitaria: – Privatizar a orla do lago que desfigura o caráter bucólico. Lembro-me de sua recomendação: “Preservá-la intacta, tratada com bosques e campos de feição naturalista e rústica para os passeios e amenidades de toda a população urbana”. – A apropriação indébita do espaço público no interstício entre os comércios e a quadra. Na fachada padronizar a sinalização, e de quebra uniformizar a pavimentação das calçadas, elas são do domínio público, e não extensão das lojas. – Atravancar os pilotis com bicicletários, salões de festa ou delimitá-los com grades e cercas vivas que estorvam o livre caminhar. – Desvirtuar a vocação pública do antigo Touring Club – o belo projeto de Niemeyer não condiz com o abandono a que foi relegado. – Os outdoors nas empenas que agridem a integridade da arquitetura dos prédios nos setores comercial, bancário e hospitalar. Sobre o tratamento dos blocos nas superquadras, reitero suas recomendações: – O partido deve ser claro, e as formas devem ser simples; deve haver sobriedade no emprego de elementos e no de materiais diferentes.

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– O Projeto não pode ser: complicado, extravagante, pretensioso ou rebuscado. – As formas usadas nas estruturas monumentais não podem ser transpostas para a escala residencial. Dr. Lucio, não seria hora de revitalizar a W3? Resgatar sua vocação gregária, sobretudo a W3 Sul, onde a massa arbustiva tornou-a particularmente atraente? Por fim, bastaria atentar aos seus termos: “Como se vê trata-se em suma de respeitar Brasília. De complementar com sensibilidade e lucidez o que ainda lhe falta, preservando o que de válido sobreviveu”. Bom descanso Dr. Lucio.

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Da tua Brasília

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Fig. 1 - “Entorno”. Fonte: Projeto Olhares Sobre Brasillia - UCB, 2014.

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Além da visão de Brasília em seus parâmetros “cartão postal”, o projeto Olhares abria espaço para o olhar e a vivência do habitante comum, daquele que mora na cidade ou que a visita. Propondo a incorporação de novos verbetes ao Glossário SIRCHAL, relacionados às características

Marcio Nascimento de Oliveira | Professor do CAU-UCB

O projeto, formado por uma equipe multidisciplinar de professores e alunos pesquisadores, buscou a sensibilização dos participantes e da comunidade em geral acerca do patrimônio cultural contemporâneo, promovendo discussões a respeito de Brasília como patrimônio cultural da humanidade e, ao mesmo tempo, proporcionando a produção e difusão de conhecimento sobre assuntos que dizem respeito ao sítio histórico da capital brasileira.

MEMÓRIA | PROJETO OLHARES SOBRE BRASÍLIA

O “Olhares” foi um projeto de pesquisa realizado pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília (CAU-UCB) em parceria com a Maison de l’Amerique Latine e o Glossário SIRCHAL, entre 2014 e 2107, e teve como objetivo desenvolver, por meio do olhar acadêmico, reflexões sobre o contexto e as características relativas à preservação das áreas históricas de Brasília.

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Ao longo do projeto ocorreram atividades de discussão, produção, validação e consolidação do material produzido, incluindo saídas de campo, reuniões, oficinas, jornadas e workshops. Os produtos do Projeto Olhares Sobre Brasília foram expostos tanto na UCB quanto em outros locais, incluindo o Shopping CasaPark, o Museu de Arte de Brasília (MAB), o Espaço Cultural Deck Norte (Lago Norte) e a Casa da América Latina (Paris), cuja exposição rendeu também a publicação de um catálogo, escrito em francês e português. Um relato completo da exposição do Projeto Olhares Sobre Brasília em Paris foi incluído na edição 02 da VARAU, publicada no primeiro semestre de 2015.

Fig. 3 - Créditos das imagens: Projeto Olhares Sobre Brasília – UCB, 2014.

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(1907) Athos torna-se um dos principais artistas a desenvolver uma obra de azulejaria artística totalmente integrada à arquitetura moderna. Sua obra está intimamente ligada aos espaços públicos da Capital, incluindo murais, painéis e relevos para os edifícios do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Teatro Nacional Claudio Santoro, Palácio do Itamaraty, Palácio do Jaburu, Memorial Juscelino Kubitschek, Capela do Palácio da Alvorada, Hospital Sarah Kubistchek, entre outros. Fig. 2 - Créditos das imagens: Projeto Olhares Sobre Brasília – UCB, 2014.

próprias da Capital, o projeto Olhares incluiu a criação de elementos visuais tais como desenhos, mapas, esquemas, fotografias e vídeos, entendidos como meios de construção e ampliação da produção desenvolvida, com ênfase nas características de preservação das áreas históricas de Brasília.

A seguir, reproduzimos alguns dos verbetes desenvolvidos no Projeto Olhares Sobre Brasília. AZULEJOS Não se pode falar em Azulejos em Brasília sem pensar em Athos Bulcão. No final da década de 1950, com os preparativos para a transferência da capital para Brasília, a convite do arquiteto Oscar Niemeyer Revista CAU/UCB | 2020 | Especiais

Athos Bulcão potencializou a arquitetura, trabalhou as peculiaridades oferecidas


pelo espaço projetado, as relações deste com a paisagem e com a natureza. Em seus azulejos destacam-se a modulação e o grafismo habilmente criados com base nas formas geométricas. Sua obra, parte integrante e fundamental de alguns dos principais edifícios modernos brasileiros, notabiliza-se pelo notável equilíbrio entre arte e arquitetura. BRISE-SOLEIL Termo francês, que pode ser traduzido literalmente como quebra-sol, utilizado para descrever elementos construtivos, horizontais ou verticais, móveis ou fixos, utilizados para proteger as aberturas dos edifícios. Geralmente utilizado como dispositivo de controle da insolação, considera-se que o brise-soleil chegou ao Brasil por influência do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, tendo sido posteriormente adaptado às condições dos Trópicos pelos arquitetos brasileiros. Concebidos originalmente com finalidade prática, os brises se transformaram em importantes elementos de expressão plástica, influenciando profundamente a arquitetura brasileira, em especial a de Brasília.

Fig. 4 - Créditos das imagens: Projeto Olhares Sobre Brasília – UCB, 2014.

COBOGÓ O nome Cobogó surgiu dos sobrenomes de seus três criadores, os engenheiros Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis, sendo patenteado em 1929. De uso corrente na arquitetura brasileira, tanto vernácula como erudita, os cobogós são elementos vazados geralmente fabricados em cimento,

Fig. 5 - Créditos das imagens: Projeto Olhares Sobre Brasília – UCB, 2014. Revista CAU/UCB | 2020 | Especiais

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cerâmica, argamassa, vidro, madeira, gesso e mármore e empregados para a ventilação e a iluminação natural de cômodos. Sua denominação deriva do nome de uma empresa fabricante do Recife (PE), a Cobogó. Alguns autores gostam de ver no cobogó uma reinterpretação contemporânea de um componente tradicional da arquitetura colonial luso-brasileira, o “muxarabiê”. Introduzido na Península Ibérica durante a ocupação moura, o muxarabiê é uma sacada fechada por treliças de madeira. À semelhança da “gelosia” – aportuguesamento de jalousie, palavra francesa que designa esse tipo de fechamento e significa, muito apropriadamente, “ciúmes” – está para a arquitetura assim como a burka para o vestuário: permite ver sem ser visto. Em atendimento ao disposto no Código de 1960, os cobogós foram amplamente empregados na construção de Brasília – “As áreas de serviço deverão ter elementos vazados que as protejam da visibilidade externa e impeçam a colocação de roupas para secar nos peitoris [...]” –, nesses blocos também é sistemático o emprego dos chamados “cobogós”. Muitos edifícios residenciais no Plano Piloto têm suas fachadas dos fundos completamente revestidas por cobogós, camuflando as janelas de dormitórios. Alguns blocos obedecem a outra lógica, como o Bloco A da SQS 114 que possuiu as duas alternativas – frente e fundos – lado a lado em uma mesma fachada; ou a SQS 205, na qual quase todos os blocos têm suas fachadas principais voltadas

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para o exterior da quadra, de tal maneira que ao se adentrá-la vê-se quase que apenas grandes superfícies de elementos vazados. Apesar de serem associados aos blocos residenciais, os cobogós foram amplamente utilizados também nas escolas, bibliotecas e edifícios comerciais. Este elemento arquitetônico é, sem dúvida, parte fundamental dos edifícios brasilienses. SUPERQUADRA Área residencial aberta ao público, em contraposição a condomínio fechado, com uma única entrada para veículos, emoldurada por larga faixa verde densamente arborizada, com edificações de gabarito uniforme de seis pavimentos sobre pilotis (Dicionário Aurélio). Estruturalmente, uma superquadra em Brasília é um conjunto de edifícios residenciais sobre pilotis ligados entre si pelo acesso comum, ocupando uma área delimitada pelo quadrado de 280 x 280 metros, cercado dos quatro lados com renques de árvores de copa densa, e uma população de 2.500 a 3.000 pessoas. Marcada pela presença urbana contínua, o chão na superquadra é público, onde os moradores pertencem à quadra, mas a quadra não lhes pertence. Na ausência de cercas ou guardas, destaca-se a visibilidade contínua através dos pilotis, assegurando o controle visual pelos próprios moradores. Esta é a grande diferença entre superquadra e condomínio. A superquadra de Brasília foi projetada com uma área verde perimetral; blocos com no máximo seis pavimentos mais tér-


reo; térreo livre em pilotis, o que permite a livre circulação de pessoas entre os blocos; separação do tráfego de automóveis e da circulação de pedestre, e uma entrada para cada superquadra que dá acesso a todos os blocos. Entre as superquadras há o setor comercial, escolas e outras instituições, otimizando distâncias e circulações para seus moradores. Segundo a proposição inicial de Lúcio Costa, em seu Relatório para o Plano Piloto, as superquadras são emolduradas por uma larga cinta densamente arborizada, a fim de resguar-

dar melhor, qualquer que seja a posição do observador, o conteúdo das quadras, visto sempre num segundo plano e como que amortecido na paisagem. Segundo Cristovão Tezza (Correio Braziliense, 2005), “para quem, como eu, vive em Curitiba num prédio simples que, por segurança e experiência, precisa de uma cerca elétrica contra os outros, a paisagem das superquadras [de Brasília], com o estratagema simplicíssimo dos pilotis, é uma dádiva urbana”.

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Fig. 6 - Créditos das imagens: Projeto Olhares Sobre Brasília – UCB, 2014.

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Fig. 7 - Créditos das imagens: Projeto Olhares Sobre Brasília – UCB, 2014.

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Canongia, Fernando Cocchiarale, Paulo Herkenhoff, Annateresa Fabris, Glória Ferreira, Tadeu Chiarelli, Arlindo Machado, Cezar Bartholomeu; tradução Paulo Andrade Lemos. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002. 320 p., il. p&b color. CURTI, Ana Helena (coord.); PRATA, Valéria (coord.). Apropriações/Coleções. Curadoria Tadeu Chiarelli; Porto Alegre: Santander Cultural, 2002. 147 p., il. p&b color. LEITAO, Francisco. Brasília 1960 2010: passado, presente e futuro / Francisco Leitão (organizador) – Brasília: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, 2009. LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. 555 p., il. p&b., color. REVISTA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. IPHAN. Fotografia. nº 27, 1998. TEMPOS de guerra: Hotel Internacional / Pensao Mauá. Curadoria e texto Frederico Morais. Rio de Janeiro: Galeria de Arte Banerj, 1986. [136] p., il. p&b. color. (Ciclo de exposições sobre arte no Rio de Janeiro. TORRES, Marcelo. O bê-á-bá de Brasília: dicionário de coisas e palavras da capital; Brasília

CANONGIA, Ligia (coord.). Arte Foto. Curadoria Ligia Canongia; texto Ligia Revista CAU/UCB | 2020 | Especiais

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Dona Mariana é uma pessoa que lutou a vida inteira contra as dificuldades que apareciam: a fome, a falta de moradia, falta de água e ausência de infraestrutura urbana. Meu avô trabalho nas obras do

Mariana Pereira da Silva Carvalho | Aluna do CAU.

Aqui estando, passaram a morar na Vila do IAPI, uma das regiões com o custo de vida mais barato e com fama de ser ligada a criminalidade e pobreza. Suas metas passaram a ser melhorar e evoluir, então, com o governo da época migrando a população da Vila para o que seria, hoje, a Ceilândia, suas esperanças foram renovadas.

DONA MARIANA E BRASÍLIA

Fig. 1 - Família da Dona Maria – Foto da Autora

Minha avó, que também se chama Mariana, chegou em Brasília no ano de 1966, junto com meu avô José Evaristo (hoje falecido) e 06 filhos, vindo de uma cidade do interior chamada Curvelo em Minas Gerais. Eles possuíam uma vida simples, criados numa das mais famosas fazendas da região – Fazenda das Pedras, suas famílias sobreviviam plantando e trabalhando para os “senhores” e com a construção da Nova Capital no início dos anos 60, começou a ser alimentado um sonho de morar em Brasília, com a ideia de uma melhor qualidade de vida.

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Hoje minha vó conta que vir morar em Brasília foi a melhor decisão que pôde tomar. Aqui conseguiram criar seus filhos, ver a família crescer, conseguir estabilidade e realizar sonhos. Como a mesma costuma dizer: “Da poeira, ao luxo.”, sobre como Brasília era na sua formação inicial e hoje se impressiona com as proporções alcançadas. A seguir um relato da própria Dona Mariana:

86 Fig. 2 - Dona Maria – Foto da Autora

Plano Piloto e vendeu picolés na rua até achar o seu espaço como cozinheiro, dentro das cozinhas do Aeroporto de Brasília trabalhando para uma companhia aérea. Minha vó, lavava roupas para as vizinhas, visto como era complicado a busca por água e com isso ganhava algum dinheiro ou trocava o serviço por comida. Morando na Ceilândia os dois viram a cidade se formar, juntamente com a transformação do barraco de madeira em uma casa grande e confortável da forma que sempre sonharam em ter desde que chegaram em Brasília.

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“Tinha um local onde era pro (projeto) social que atendia a gente, ia lá e fazia a inscrição pra ganhar um lote onde eles falavam que ia ser melhor, mais organizado... Quando vinha o caminhão deles, era por conta deles, já aquelas que queria escolher a quadra pra morar, tinha que pagar pra levar. Arrancava o barraco que tinha, colocava no caminhão, punha no lote que era marcado por umas estacas no chão. Mas só tinha mato, não tinha casa pra ficar, não tinha água, nem luz e nem o banheiro. Tinha que furar um buraco pra fazer a fossa e tampar ao redor com tábua. O barraco valia das coisinhas que a gente levou da Vila (do IAPI). Quando a gente chegou era um frio e chuva que Deus dava. Veio uma chuva tão forte no primeiro dia que o caminhão despejou a mudança que nos escondemos debaixo da mesa com os seis meninos, até que meu marido e o irmão dele levantou um barraco, enfiou os paus e fez de qualquer jeito, só pra gente passar as noites. Só depois que levantou um barraquinho melhor. Ai fomos capinar o lugar pra construir esse barraco porque era só terra e mato pra todo lada. Tempos depois que foi colocar luz e quando o caminhão pipa chegava, o povo faltava se matar pra pegar água. Onde os caminhões


iam, a gente ia atrás. Quem dava conta de levar tambor, levava. Eu carregava duas latas de 20 litros (de tinta) com uma tábua atravessando o meio das latas pra carregar. Tudo era muito longe pra comprar, o arroz, feijão, farinha e até o macarrão eram dentro de caixotes, despejavam os sacos nos caixotes e a gente comprava tudo solto. Pesava num saco de papel, igual compra pão hoje. Tinha que se virar com tudo saco, com lata, com tudo. Lavava roupa na bacia pegando água na rua, tinha que dar pra dar banho em 06 filhos. Eu buscava água, quando não era na (quadra) 20, era pros lados de onde é o Guará hoje. Pegava uma lata de 20 litros e punha na cabeça e tinha hora que dois galões pequenos nas mãos. Colocava pra esquentar e temperava a água em uma lata, um menino entrava, do mais velho pro mais novo, passava sabão, eu enxaguava um na água limpa e colocava o outro até completar. Todo dia os 06 tomavam banho, um banhando na água do outro.

nem árvore pra fazer uma sombra no calor e na chuva era pior porque era lama pra todo lado. Vinha todo mundo ali pela (quadra) 01, subindo por aquela rua grande de carros (Hélio Prates) até chegar em casa. A gente viu aquele centro se formando, o que era barraquinhas espalhadas foram virando uns comércios maiores, cada vez mais cheio, cada vez aparecendo mais coisa. Até se tornar o que é hoje. Mas era um tempo bom de se viver, era muita luta, todo dinheiro que entrava em casa era pra pão e leite, mas era todo mundo feliz. “

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Quando dava ali pra sábado, a gente mandava os meninos mais velhos irem na feira, ficavam negociando do jeito que eu ensinava e ai deles se não trouxessem tudo certinho. Ali dava pra encontrar de tudo, o meu mais velho começou a vender minhoca pra quem ia pescar lá pros lado do Guará, bem na frente da Feira. A gente ia, pedia uma dúzia de bananas, vinha tudo enrolado em jornal. Antes de colocarem a Caixa d’água, a gente ensinava pra eles irem seguindo as marcações que tinham nos troncos das árvores pra não se perderem, outra vez um monte de terra que ficava por ali por causa de uma obra virava um ponto de encontro. Mas não mudou muito o caminho de antigamente pra hoje, só que todo mundo vinha levantando a poeira, caminhando ali de onde é a Caixa d’água até nosso barraco. Não tinha

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Daniel Correia de Brito | professor do CAU.

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PELAS PAREDES DE BRASÍLIA

Fig. 1 - Apartamento 402 Norte – Foto do Autor

Há pouco mais de dois anos tenho experimentado registrar em paredes, através dos meus desenhos, as sensações que Brasília me desperta. Pode ser considerado pouco tempo, levando-se em conta existem mais de 30 paredes já desenhadas desde então, a maioria delas com alguma alusão à cidade. Como processo de trabalho, costumo realizar inicialmente um esboço rápido, que duram poucos minutos, de maneira a consolidar a ideia original. Em um segundo momento, transfiro a ideia para a parede, alterando as proporções dos elementos enquanto desenho, para melhor se ajustar ao ambiente. Os desenhos são executados com traços soltos e rápidos, e costumam durar aproximadamente uma hora. Sou questionado várias vezes sobre o segredo de elaborar as composições de maneira relativamente rápida, como se já fizesse este tipo de trabalho há muito mais tempo. As respostas não estão presentes somente na técnica de desenho, tampouco atreladas ao tempo em que costumo desenhar nas paredes, mas sim relacionadas ao tempo em que vivencio a cidade. Para quem já teve a oportunidade de morar, durante a infância, em uma casa na W3 Sul, e anos depois nas Super-

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quadras da Asa Sul e da Asa Norte, aonde costumava se encontrar com os amigos debaixo do bloco, ou quem costumava correr nos gramados das entre quadras e no Eixão aos domingos, ou brincar no parque da cidade, são apenas algumas das poucas histórias que inconscientemente ficaram gravadas na memória.

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Porém, tais experiências, isoladas, não respondem ao questionamento original de como elaborar e desenhar as composições de maneira tão rápida. Desde criança tive o costume de desenhar, mas foi somente quando ingressei no curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília que meus desenhos de fato ganharam esta característica que hoje expressam: traço livre, solto, tremido, sobreposto, como que se ajustando à ideal representação, sempre em movimento. Durante a graduação sempre utilizava os desenhos para representar meus projetos, estudos e ideias. E após me tornar arquiteto, fui aprimorando a técnica sem perceber, durante os vários desenhos de observação que costumava realizar durante minhas viagens. Foram várias folhas de caderno desenhadas nos mais variados locais. Mas foi somente durante as atividades de Desenhos Urbanos do Curso de Arquitetura da Universidade Católica de Brasília, idealizadas em parceria com as professoras Carla Freitas e Beatriz Melo, que pela primeira vez comecei a representar em meus desenhos a cidade de Brasília. Eram desenhos de observação, que procuravam retratar exatamente o que estava sendo visto. Monumentos, pessoas, edificações:

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a cidade viva. Ainda estava longe das composições fantasiosas e distorcidas dos elementos de Brasília que viria a fazer nas paredes. O primeiro desenho na parede surgiu quando me mudei para meu primeiro apartamento na Asa Norte. Dias antes, ainda desenvolvendo os estudos para o projeto do meu apartamento, tinha apenas uma certeza: fazer um desenho de Brasília na parede da sala. Não seria um desenho de observação, como os realizados durante as atividades de Desenhos Urbanos ou nas minhas viagens. Seria uma composição fantasiosa, que retratasse exatamente minhas sensações e memórias sobre a cidade. Neste momento, percebi então que na verdade toda experiência pessoal vivida na cidade pôde ser retratada em um desenho, de maneira espontânea. Fiz um esboço em uma folha de papel em questão de minutos, e no dia seguinte já estava rabiscando a parede, com traços tortos, linhas sobrepostas, vários erros que paulatinamente eram corrigidos e ajustados. A execução (esboço e desenho final) foi rápida, mas a ideia foi sendo amadurecida durante vários dias. A cena não retratava uma vista específica da cidade. A escala dos elementos não condizia com a realidade. A torre de TV estava muito próxima dos prédios da superquadra e a perspectiva dos prédios estavam distorcidos para melhor se enquadrarem na parede. Muitas pessoas ao analisarem o desenho me perguntavam que local de Brasília era aquele, ao que sempre respondia: “nenhum, foi tudo


inventado”. Quis representar elementos que marcaram minha memória: a escala residencial com a vegetação circundante e a escala monumental, através da Torre de TV, ambos inseridos em uma composição única. Perspectiva distorcida, proporção dos elementos propositalmente alterados, vegetação sobreposta inseridas quase que aleatoriamente na composição. A partir deste momento, pude perceber que a liberdade de representação dos elementos de Brasília em meus desenhos na verdade era oriunda da minha experiência vivida durante a infância, durante a vida de estudante de arquitetura e durante a vida de arquiteto, tendo por hábito viver e desenhar os espaços urbanos. É uma conjuntura de fatores que possibilitam a criação destas composições que somente aparentam serem elaboradas com rapidez, mas que na verdade, levaram muitos anos até que pudessem ser despertadas através de traços livres e tortos. A partir desta primeira parede, muitas pessoas começaram a pedir que eu desenhasse as paredes de suas respectivas casas, escritórios, restaurantes, academias, entre outros. E as ideias foram surgindo a partir dos pedidos, que eram os mais variados possíveis, e fui explorando o campo imaginativo e expressivo da cidade de Brasília sob minha perspectiva. Sempre preciso de alguns dias para amadurecer as ideias, antes de executar os primeiros rascunhos. Toda parede que desenho é antecedida de um esboço. A seguir, listo algumas paredes desenhadas, explicando o processo de criação das composições,

cada qual com suas peculiaridades, acompanhadas dos esboços e das fotografias dos trabalhos finalizados: APARTAMENTO NA 402 NORTE - FEV.2018. Primeira parede realizada, minha residência.

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Fig. 2 - Apartamento 402 Norte – Foto do Autor

Fig. 3 - Apartamento 402 Norte – Foto do Autor

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ACADEMIA NA 915 NORTE - MAI.2018.

Fig. 4 - 915 Norte – Foto do Autor

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O segundo desenho realizado foi em uma academia, aonde apenas foi solicitado um desenho que representasse Brasília e atividades físicas, simultaneamente. Por ter uma identificação e ser um frequentador do Parque da Cidade, decidi então representar uma de suas pontes, juntamente com a Roda Gigante do parque de diversões, com a Torre de TV ao fundo, com pessoas correndo. Para quem conhece o parque, sabe que a vista da composição não existe. É impossível visualizar ao mesmo tempo a ponte, a Roda Gigante e a Torre. Porém, quem já realizou a volta tradicional do parque, com certeza visualizou em diferentes momentos do percurso estes 3 elementos. Então é como se a imagem de fato já existisse no imaginário das pessoas.

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Fig. 5 - 915 Norte – Foto do Autor

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APARTAMENTO NA 316 NORTE - AGO.2018.

APARTAMENTO NA 116 NORTE - DEZ.2018.

Foi pedido para este desenho apenas uma pessoa fotografando um Ipê. O desafio, no entanto, era o espaço delimitador da parede. O Teatro Nacional ao fundo, isolado, compõe horizontalmente o desenho, enquanto o Ipê, representado apenas parcialmente, dá a sensação de continuidade do desenho.

A solicitação original deste desenho era que fosse representada a Igrejinha da 307 Sul, com os conhecidos azulejos de Athos Bulcão. Neste caso, a perspectiva foi trabalhada de maneira a liberar o fundo da composição para os outros elementos: Vegetação, Prédio, Catedral e a Torre de TV. O Ipê em primeiro plano completa a composição.

Fig. 6 - 316 Norte – Foto do Autor

94 Fig. 6 / Fig. 7 - 316 Norte – Foto do Autor

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Fig. 8 / Fig. 9 - 116 Norte – Foto do Autor


BAR NA 506 NORTE - MAI.2019. Este desenho talvez tenha sido um dos mais difíceis de idealizar. Não pelo seu formato predominantemente horizontal ou pela sua dimensão, mas sim pela sua concepção. Na ocasião, foi solicitado um desenho que representasse a vida urbana de Brasília, sem qualquer alusão aos cartões postais arquitetônicos da cidade. Como o local é um bar situado na W3 Norte, achei oportuno representar a vista da própria avenida em plena atividade: pessoas caminhando, carros passando e os prédios comerciais ao fundo, sem nenhum elemento que se destacasse individualmente. O valor da composição está no conjunto. A vida cotidiana urbana de Brasília sendo duplamente apreciada pelas pessoas que estão no local.

Fig. 10 - 506 Norte – Foto do Autor

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Fig. 11 - 506 Norte – Foto do Autor

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APARTAMENTO EM ÁGUAS CLARAS - JUL.2019.

APARTAMENTO NA ORLA DO LAGO - AGO.2019.

Nesta composição os elementos arquitetônicos ao fundo dialogam com a ponte do Parque da Cidade no primeiro plano. As escalas bucólica, residencial e monumental representadas simultaneamente.

Três importantes elementos arquitetônicos em uma só composição: A Igrejinha, a Catedral e a Torre de TV ao fundo. No primeiro plano, o Ipê compõe a parede, com um gato sobre ele.

Fig. 12 / Fig. 13 - Águas Claras – Foto do Autor

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Fig. 14 / Fig. 15 - Lago norte – Foto do Autor


ESCRITÓRIO NO SETOR COMERCIAL SUL - NOV.2019. O maior desenho elaborado até então, para a parede de um escritório de Contabilidade. Na composição, vários elementos da cidade estão dispostos lado a lado: Parque da Cidade, Igrejinha, prédios residenciais, Torre de TV, Teatro Nacional e o Museu Nacional, intercalados com ipês no primeiro plano.

Fig. 18 - Setor Comercial Sul – Foto do Autor Fig. 17 - Setor Comercial Sul – Foto do Autor

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FACHADA DE PRÉDIO NA 710 NORTE - MAI.2020. Esta composição, inspirada em uma fotografia da época da construção de Brasília, foi idealizada para a fachada de um prédio que tem uma loja de molduras no térreo. O intuito era de representar Brasília emoldurada em uma parede. Foi o primeiro desenho elaborado em uma fachada externa, podendo ser avistada por quem passa pela W3 Norte a pé ou de carro.

Fig. 20 - W3 norte – Foto do Autor

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Fig. 19 - W3 Noretel – Foto do Autor


O formato da parede é preponderante para a idealização dos desenhos. Em paredes verticais, a torre de TV costuma ser frequente, e os efeitos de profundidade são mais acentuados. Em formatos majoritariamente horizontais, existe a possibilidade de usar mais elementos e dispô-los lado a lado. São uma conjuntura de fatores que podem influenciar na composição final. Algumas diferenças são perceptíveis ao comparar os esboços elaborados previamente com os desenhos definitivos. Durante a execução dos desenhos na parede costumo alterar as proporções dos elementos. Isto é algo muito comum nestes trabalhos, que são executados em constante adaptação para melhor se enquadrar às proporções da parede e dos elementos circundantes.

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O que se iniciou como um desenho despretensioso em minha residência, acabou por se tornar um agradável exercício de expressividade rotineiro, com representações de Brasília sob diferentes perspectivas. Composições que ora enaltecem determinados monumentos arquitetônicos, ora valorizam o espaço urbano e o conjunto, todas mescladas em situações imaginárias e interpretativas. As quatro escalas que presidem a concepção da cidade: monumental, gregária, residencial e bucólica, idealizadas por Lúcio Costa, representadas em contextos inusitados. Um olhar diferente, multifacetado e conciso ao mesmo tempo, através de rabiscos sobre as paredes de Brasília.

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101 Thiago Pacheco Turchi | professor do CAU.

Ao longo de todo este tempo, muitas foram as generosas contribuições que tornaram este trabalho possível. O resultado de tal volume de trabalho resultou em mais de 200 maquetes em diferentes escalas e o registro de todos os alunos, técnicos e professores envolvidos merecerá em breve, um outro trabalho de maior densidade. Agora, para esta etapa me atenho a mostrar uma pequena parte dos trabalhos desenvolvidos no último ano, em especial no último semestre de 2019, momento em que a produção e padronização para a exposição foi mais intensa.

EXPOSIÇÃO DE MAQUETES DO PLANO PILOTO

Fig. 1 - Suquerquadra 308 Sul – Fonte: https://www.behance.net/igorx10301820

É com muita satisfação fazer da oportunidade de comemorar os 60 anos de Brasília uma circunstância positiva para fazer um relato da exposição de maquetes promovida pelo CAU-UCB: “Brasília 60 anos e o morar moderno”. Trata-se de uma ação importante para registrar mais esta produção do nosso curso. Nesta edição comemorativa cabe apresentar parte do trabalho desenvolvido nos últimos 4 anos pelos nossos alunos dentro das atividades das disciplinas de Maquete/ Prototipagem Digital e modelo Reduzido/Oficina de modelo Tridimensional.

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É importante agradecer a Professora Carolina Menzel, que ao apoiar o uso das maquetes em suas disciplinas de história permitiu o aprofundamento de atividades interdisciplinares, fundamentais para o engajamento dos alunos, ao ampliar as possibilidades do uso de maquetes para reflexão sobre arquitetura. É preciso dizer também que este compromisso sólido de todas as disciplinas do curso com o uso da maquete em suas atividades proporcionou a qualidade dos resultados apresentados, já que nossos alunos tem intimidade com a maquete como instrumento normal dentro dos processos de projeto e documentação.

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Para nosso laboratório esta constante participação não se trata de uma experiência nova, pois entre 2010 e 2020 foram desenvolvidos 6 trabalhos de diferentes graus de aprofundamento. Importante destacar que o registro as duas últimas produções foram transformadas em exposições: “Casas de arquitetos”, em 2013 e “Zanine 100 anos”, em 2019. Para chegar a tais resultados, vale lembrar que a partir de 2016 o ateliê de modelo reduzido do CAU-UCB, sob minha coordenação e com o apoio do nosso corpo docente, discente e técnicos iniciou o desenvolvimento deste projeto que teve como objetivo inicial criar uma nova camada de documentação sobre o morar moderno e os apartamento das superquadras de Brasília. Para tanto foram utilizados modelos físicos em diferentes escalas para desenvolver os modelos das unidades levantadas pelos autores do livro A Revista CAU/UCB | 2020 | Especiais

invenção da Superquadra, publicado pelo IPHAN/DF em 2010, ano de comemoração dos 50 anos de Brasília. Esta atividade foi muito importante para consolidação da atuação do laboratório, pois após testes e aferições de técnicas, dos materiais, das escalas e das tecnologias envolvidas no processo de confecção dessas maquetes, o que inicialmente eram apenas exercícios didáticos da prática profissional, adquiriu novas dimensões. Os resultados nos motivaram a transformar estes exercícios em uma exposição sólida capaz de contribuir para a abordagem da escala residencial de Brasília. Foram desenvolvidas maquetes em diferentes técnicas, escalas e níveis de detalhamento, permitido a compreensão: Conjunto urbanístico da superquadra na escala 1:1000 com a finalidade de aferir as relações entre seus edifícios e a malha urbana; Blocos Habitacionais na escala 1:50 e 1:100, uma aproximação dos elementos que constituem seu volume, sistema construtivo, circulação vertical, esquadrias, cobogós, paleta cromática etc... Unidades Habitacionais na escala 1:25 e 1:50 permite a leitura dos espaços domésticos, suas relações espaciais e sociais. Aqui, de modo sucinto, limita-se a registrar o processo de confecção das maquetes pelos alunos para a exposição.


Os códigos QR que aparecem nos trabalhos permitirão ao leitor visualizar vídeos e materiais complementares. Tal estratégia possibilita propor que futuros trabalhos serão apresentados e utilizarão este material com a finalidade de analisar questões técnicas e didáticas sobre a maquete como registro histórico, apontando para um enorme campo de pesquisas para o valor da função e da importância das maquetes para a história e para a historiografia de Brasília.

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Fig. 2 - Maquete da SQS 308 escala 1:200 Fonte: https://www.behance.net/gallery/88986273/SQS-308

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Fig. 3 - Maquete da SQS 105 escala 1:1000 Fonte:https://www.behance.net/gallery/85575405/Maquete-SQS-105

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Fig. 4 - Suquerquadras – Fonte: foto do autor

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Fig. 5 - Suquerquadras – Fonte: foto do autor

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Fig. 6 - Maquete do bloco F SQS 308 escala 1:50 Fonte: https://www.behance.net/gallery/88924271/CAU-UCB-Maquete-do-Bl-F-da-Superquadra-308-Sul-BSB

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Fig. 7 - Maquete SQS 302 escala 1:100 Fonte: https://www.behance.net/gallery/88929409/Trabalho-final

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Fig. 9 - Apartamento SQS 416 Bloco K escala 1:50 – Fonte: https:// www.behance.net/gallery/65601777/SQS-416_-Bloco-K_-Brahyner-e-Rayssa

Fig. 8 - apartamentos 1:50 – Fonte: foto do autor

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Revista CAU/UCB | 2019 | Acontece no CAU

Autor: Marcelo Vaz. Semestre: 2019/2 | orientadora: Aline Zim

DIPLOMAÇÃO UCB | SCS – UMA NOVA FORMA DE HABITAR.

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RevistaCAU/UCB2019 | Acontece | noCAU


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Autor: Hugo Fernandes. Semestre: 2016/2 | orientador: Nelton Borges

DIPLOMAÇÃO UCB | PARQUE BOTÂNICO NOSSA ORLA.

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Autor: Ewerton Souza. Semestre: 2018/1 | orientadora: Yara Regina

DIPLOMAÇÃO UCB | REQUALIFICAÇÃO DA GALERIA DOS ESTADOS.

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Revista CAU/UCB | 2020 | ArqCartoon



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