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Revista Laboratório do 4º Ano de Jornalismo UNISANTA

dezembro/2016

- Ano I - Edição 2

O INÍCIO E O FIM COMO CULTURAS E TRADIÇÕES ENXERGAM O VALOR DA VIDA E DA MORTE


#VIRALIZOU

EXPEDIENTE

REDAÇÃO, FOTOS, EDIÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: ALUNOS DO 4º ANO DE JORNALISMO

A modelo e atriz Nana Pereira encara as lentes da Viral. No nosso blog confira o making of deste ensaio e muito mais conteúdo exclusivo! viralunisanta.blogspot.com

Alexsandra Izar Andressa Lara Alyne Isabelle Bianca Souza Bruna Faro Bruno Secco Bruno Lestuchi Caio Malta Caroline Moraes Caroline Oliveira Daniel Ariante Daniela Silva Duda Matias Fernando Marano Graziela Simões Irineu Paixão Jade Aquino Jessica Sena Jheniffer Adorno Juliana Braz Junior Faria Karolina Spila

Karoline Oliveira Laura Bojart Leonardo Barbosa Letícia Machado Luciana Marques Lucas Musetti Lucas Rodrigues Marcelo Hermsdorf Mariana Fernandes Marina Torres Michele Rocha Nathalia Pini Rafaela Dione Ranier Grandé Roberta Caprile Rodrigo Bertolino Sara Hoffmann Romilson Allison Tayla Lorrane Thaise Souza Veridiana Augusto Willian Matias

DIRETOR DA FAAC Prof. Humberto Iafullo Challoub COORDENADOR DE JORNALISMO Prof. Robson Bastos PROFESSORES RESPONSÁVEIS Helder Marques, Nara Assunção e Raquel Alves PROJETO GRÁFICO Bruno Lestuchi, Lucas Rodrigues e Marcelo Hermsdorf

AS MATÉRIAS E ARTIGOS CONTIDOS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES. NÃO REPRESENTAM, PORTANTO, A OPINIÃO DA INSTITUIÇÃO MANTENEDORA UNISANTA - UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA

Revista-laboratório do 4º ano de Jornalismo da Universidade Santa Cecília (UNISANTA) - dez. 2016

2 ViralUnisanta.blogspot.com


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MORTE

6O queNas redes sociais fazer com as nossas pegadas no mundo virtual? 10 Segundo as religiões Mitos e dogmas de católicos, espíritas e evangélicos 14 No cinema Como a Sétima Arte enquadra a morte 18 Comunicação com os mortos A história de três mulheres que encontraram alento na psicografia

22 Suicídio Com o aumento do número de casos, o assunto não pode mais ser ignorado

26 Transplantes

Acompanhe a jornada do coração até uma nova possibilidade de vida

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ENSAIO

32 Fetiches VIDA

36 Tesão É o que colore a vida e nos define 40 Sua origem Cientistas, médicos e religiosos tentam desvendar o mistério do início da vida

44 Obesidade mórbida Relatos de mulheres que optaram pela cirurgia de estômago

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48 Esportes Radicais Esportistas vivem no pico da adrenalina em busca de liberdade e aventura

52

52 Comida Redescobrindo a alimentação como fonte da vida 56 Indetectáveis Quando o assunto é Aids ainda tem espaço para o preconceito

60 Salvo pela medicina

Após um transplante, Eduardo encontrou a chance de uma nova vida

Sumário 3



EDITORIAL A vida e a morte são namoradas. Inseparáveis. Andam de mãos dadas através do tempo e do espaço, flertando com o destino. Onde a vida vai, a morte a segue. Talvez uma das representações mais emblemáticas desse laço tão firme seja a caveira mexicana, um amuleto dos tempos pré-colombianos, que ao mesmo tempo em que enaltece a vida, homenageia os que já se foram. No México, o símbolo celebra o Dia de Los Muertos, que começa em 31 de outubro e vai até 2 de novembro. A cultura mexicana tenta colorir a morte de forma alegre, comemorando as histórias dos seus queridos que chegaram ao fim. Não é surpresa, então, que esta imagem, tão marcante e, ao mesmo tempo, delicada, tenha sido escolhido como mote desta edição. Ao longo do semestre, trabalhamos para relatar tragédias, alegrias, sufocos e risos que acompanham a chegada e partida do que conhecemos como vida, intercalando os dois extremos e convidando o leitor a uma reflexão sobre o assunto. Contamos histórias inesquecíveis que celebram quem-eoque-aindatemosporperto,homenageando também os que já encontraram o fim da linha. Nem tudo começa com “era uma vez” e muito menos termina com “e viveram felizes para sempre”, mas a história da vida e da morte não é um conto de fadas, e o nosso trabalho nesta edição foi contá-la nas inúmeras formas que ela se manifesta. Afinal, se temos certeza de alguma coisa, principalmente neste ano, é que tudo tem um ponto final. E falando em finais, esta edição é um fim: é a última produzida pelo quarto ano de Jornalismo de 2016. Mas ela é, também, uma oportunidade para um novo começo. A Viral tomou vida com a gente. Sabemos, no entanto, que ela ainda tem muito a contar antes que sua vida vá de encontro à sua amante.


Texto: BRUNA FARO E LAURA BOJART Ilustrações: CLEBER BOBADILLA Edição: BRUNA FARO E LAURA BOJART

HÁ COISAS QUE NINGUÉM PODE EVITAR, E UMA DELAS É O FIM (DO PACOTE DE BOLACHA AO RELACIONAMENTO E ATÉ À VIDA). MAS HÁ TAMBÉM COISAS QUE FICAM. O QUE FAZEMOS COM ELAS?

N

ão sabemos como e nem quando, mas todos temos uma certeza: ela chega. A morte, ironicamente, marca presença na nossa vida. Até poucos anos atrás, o processo de luto se desenrolava de maneira mais simples: os bens eram divididos entre seus parentes e as feridas da ausência se fechavam com o tempo, deixando uma cicatriz que as pessoas aprendem a aceitar, pois remetem a alguém querido. Hoje, quem se vai deixa uma herança digital. Desde seus perfis nas redes sociais até históricos de mensagens trocadas com outras pessoas, algumas até minutos antes do fim. Afinal, o que acontece com tudo isso quando partimos dessa para uma melhor? Qual é a melhor alternativa para os familiares: deixá-los

6 Memória


Você pode ler a história e conhecer a vida da pessoa que se foi. Silvania Abrão,

da página no Facebook “Falecidos do Face”

no ar e guardá-los ou simplesmente deletá-los? Não há resposta certa para essas perguntas. Elas dependem muito da família do falecido e de como ela se relaciona com o luto. Silvania Abrão Arman, uma auxiliar contábil de 52 anos, de Marília, interior de São Paulo, administra uma página no Facebook chamada “Falecidos do Face”. Nela, Silvania posta perfis de pessoas que já partiram, compartilhando um pouco de suas histórias e até como morreram. Pode parecer mórbido, mas, para Silvania, é uma maneira mais pessoal de compartilhar a notícia trágica: “Acredito que uma matéria de jornal não mostra a verdadeira face da vítima, não humaniza. Na página, você pode ler a história e conhecer a vida da pessoa que se foi”. É claro que há familiares que pedem para Silvania deletar as postagens, optando por preservar a privacidade de seus entes queri-

Elayne e Wagner em uma de suas viagens


Priscila e sua irmã, Margareth: muito carinho envolvido

dos, e ela atende o pedido prontamente. No entanto, a página vem juntando fãs; de outubro de 2015 até hoje, mais de 5 mil pessoas passaram a seguir seu trabalho. Os perfis publicados podem ser uma forma de matar as saudades. “É um jeito de reviver momentos, de reler os pensamentos do ente falecido”, acredita Silvania, afirmando que, antigamente, as pessoas faziam o mesmo, mas com álbuns de fotos.

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Mistérios

Elayne Kanashiro, 46 anos, mantém operfildoseufalecidomarido,Wagner Tavares, mais conhecido pelos seus amigos como Yoda (mestre Jedi, da saga cinematográfica Star Wars). Antes de sair precocemente de cena, aos 45 anos, em 2016, a página de Tavares no Facebook era marcada por brincadeiras e discussões acaloradas. Assim como o mestre Yoda, ele filosofava sobre os mistérios da vida e da morte. Seu

maior debate era sobre o ateísmo, queeleestudavamuito.“Elegostava deusarasredessociaisparacompartilhar informação”. Elayne, também ateia, decidiu manter ativo o perfil, pois virou um espaço de lembranças. “A irmã do Wagner ainda manda mensagensparaeleatravésdoFacebook. Foi a forma que ela achou para manter uma conexâo”. Elayne ainda finaliza com o pensamento que a internet nos deixa perto de quem está longe, e manter a página de seu marido foi uma maneira de se sentir mais próxima de seus pensamentos e atitudes tão marcantes. Também há casos em que o melhor é deletar os rastros digitais que a pessoa deixou. Priscila Aguiar, estudante de Farmácia, de 21 anos, perdeu a irmã, Margareth, 48 anos, emabrildesteano.“Quandoficaram sabendoqueelafaleceu,muitaspessoas postaram fotos e mensagens de apoio. Até certo ponto era legal, mas eu estava de luto, entrava nas redes sociais para dar uma aliviada na mente”, explica Priscila. Margareth teve seu perfil deletado cerca de três dias após sua morte, mas isso não apagou todos os seus rastros. No dia 5 de setembro, Dia do Irmão, o Facebook relembrou Priscila de sua postagem


do ano anterior. Para ela, que ainda está aprendendo a viver com a dor, o lembrete foi doloroso. Mas este recurso da rede social não causa uma reação negativa a todos: Manuella Tavares, 20 anos, perdeu o irmão, Murillo Tavares, 23 anos, em outubro do ano passado. Desde então, o Facebook a relembra de momentos com ele: “É claro que a gente tem saudades, acho impossível não ter. Mas também acho importante recordar essas coisas boas”. Apesar de sua visão mais otimista sobre o assunto, o perfil de Murillo também foi desativado. Quando ainda era vivo, ele fez um pacto com seu primo: passaram as senhas de um para o outro e combinaram que deletariam os perfis nas redes sociais do que falecesse primeiro. Mesmo assim, a família recebeu um apoio imenso por parte de amigos e até desconhecidos, que souberam do seu falecimento por meio da rede e resolveram estender um ombro amigo. Ora, não há como prever de que forma iremos reagir ao luto. A saudade é um sentimento ambivalente, que tanto pode trazer aquela conhecida sensação de aconchego, quando nos lembra-

Manuella gosta de lembrar de Murillo em um dia normal

mos de bons momentos, quanto pode invocar intensa dor, longe da vista de terceiros. Sabemos, então, que lidar com o “fantasma” que insiste em permanecer vivo nas redes sociais depende apenas de quem fica - e o que pode ajudar no processo de cicatrização da ferida que se abre com o fim da história de alguém amado

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Foi a forma que achamos para manter o contato

Elayne Kanashiro,

que mantém o perfil do seu falecido marido nas redes sociais


FIM OU COMEÇO

?

CATÓLICOS, ESPÍRITAS E EVANGÉLICOS FALAM ABERTAMENTE SOBRE A MORTE

U

m dos maiores desejos do homem é o da imortalidade, já que a morte não é encarada como parte da vida e sim como algo antagônico a ela. Sem dúvida, a morte é um grande mistério para todos. Afinal, o que acontece após a morte? Para onde foram os que morreram? Céu e inferno são realmente lugares ou apenas estados de espírito? De maneira geral, católicos e cristãos acreditam que após a morte existe a ressurreição. Já os espíritas creem na reencarnação: o espírito retorna à vida material através de um novo corpo humano para continuar o processo de evolução. Para a Igreja Católica, a vida depois da morte está inserida na crença de um céu, de um inferno e de um pur-

Texto e Ilustração: MARIANA FERNANDES, ALYNE ISABELLE E JADE AQUINO Fotos: JADE AQUINO, ALYNE ISABELLE E MARIANA FERNANDES Edição: ALYNE ISABELLE E JADE AQUINO

10 Religiões


Católicos afirmam haver um purgatório

gatório. Dependendo de seus atos, a alma se dirige para cada um desses lugares. “A alma é eterna e única. Não retorna em outros corpos e muito menos em animais. Cremos na imortalidade e na ressurreição e não na reencarnação da alma” afirma o padre José Myalil Paul, da Catedral de Santos. A Igreja afirma que, segundo a Bíblia, morreremos só uma vez. “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo” (Hebreus 9:27). Para o padre Paul, ao morrer, os católicos são julgados pelos seus atos em vida. Se eles obtiverem o perdão, alcançarão o céu, onde a pessoa viverá em comunhão e participação com todos os outros seres humanos e, também, com Deus. Se for condenado, vai para o inferno. Algumas almas ganham uma chance de purificação, explica o sacerdote, e vão para o purgatório, que não é um lugar, e sim uma experiência existencial da pessoa. Quem for para o céu ressuscitará para viver eternamente. Depois do Juízo Final, justos e pecadores serão separados para a eternidade. Na visão do pároco, Deus julga os atos de cada pessoa em vida de acordo com a palavra que revelou através de Jesus, com os ideais de amor, fraternidade, justiça, paz, solidariedade e verdade. “O que acontece conosco depois da morte é uma indicação de nossa própria escolha pessoal, somos livres para escolher a Deus e o caminho para a santidade, ou para nos voltarmos contra Ele,” explica o padre. Espiritismo A morte não é o fim, mas o começo de uma nova vida repleta de experiências futuras. Para uns,

pode ser um equívoco pensar de tal maneira. Mas, para outros, esse conceito é naturalmente plausível quando se fala do espiritismo kardecista. A doutrina tem o pedagogo Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec (1804 - 1869) como o seu principal mentor. Ela atravessou os séculos e continua crescendo no Brasil e no mundo, com cerca de 15 milhões de seguidores. No Livro dos Espíritos, Kardec diz que “estando o Espírito mais feliz do que na Terra, lamentar que tenha deixado esta vida é lamentar que ele seja feliz”. Na filosofia espirita, o que parte primeiro foi o primeiro a se libertar e devemos felicitá-lo por isso, esperando com paciência o momento em que também nos libertaremos”.

Cremos na imortalidade e na ressurreição e não na reencarnação da alma Padre José Myali Paul

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Tem muitos espíritos que nem sabem sequer que desencarnaram

Sérgio Eloy varanda, espírita

A morte é vida O espiritismo, conforme esclarece Sérgio Eloy Monteiro Varanda, 68 anos, voluntário do Seara Espírita Reluz, de Itanhaém, prega que a morte inexiste, ou seja, não é o fim de tudo, já que os espíritos podem voltar a viver dentro de outro corpo, em épocas e lugares diferentes. O termo morrer é substituído pelo verbo “desencarnar”. O voluntário é atuante na doutrina há mais de três décadas. Ele inicia a sua explicação a partir do perispírito, elemento que tem a função de moldar o seu próprio corpo da forma como se encontra, além de também estabelecer um elo que une o próprio corpo ao nosso espírito. Segundo ele, ambos estão ligados por um cordão de prata, encarregado da conexão espiritual e física. O espiritismo considera que, no momento em que não há sinais vitais presentes em uma pessoa, quando não responde a estímulos,

Muitas pessoas questionam: para onde iremos assim que morrermos?

sabe-se, por fim, que esse mesmo cordão se rompeu. Os restos mortais ficam para trás, libertando o espírito que poderá seguir finalmente seu curso rumo a outro plano. A “viagem”, no entanto, pode não ocorrer de maneira tão simples. Segundo o especialista, “um espírito tem uma determinada frequência vibracional”. Quanto maior for essa frequência, mais esse espírito será “evoluído”. Tal ação depende de vários aspectos, segundo Varanda, que vão desde a moral; a parte sentimental que representa o ciúme, a inveja e o ódio; laços afetivos; e inclusive a conexão com Deus, que deve ser fortalecida. “Têm muitos espíritos que sequer sabem que desencarnaram. Por exemplo, eu posso ter um câncer degenerativo, que está me consumindo tanto que eu nem entro no mundo espiritual, porque nem

sei ao menos que morri. E outras vezes, posso chegar ao mesmo plano continuando com aquela ideia de que ainda sinto dor e mais dor”, diz ele. Por conta disso, quando alguém falece nessas condições, equipes estarão a postos a prestarem uma espécie de atendimento médico, oferecido por espíritos que têm como missão acolher os recém-chegados que se encontram confusos, ou estejam muito ligados ao mundo em que vivemos, por terem desencarnado rapidamente. “Eu não sou daqui, porque pertenço a outra dimensão, outro mundo espiritual. Tem que se pensar que estou transitoriamente vivo, pelo tempo que está predeterminado por Deus. Daí eu faço as minhas experimentações, desenvolvo a minha inteligência, a minha moral e meu sentimento de amor” explica.


Igreja Evangélica Normalmente não se pode escolher a hora de partir. Com exceção do suicídio, a maioria das pessoas tem medo de morrer. Mas com os evangélicos, esse medo não é tão presente. Segundo Odair Roberto França, presbítero da Igreja Assembleia de Deus, quando uma pessoa aceita ser cristã, nesse determinado momento inicia-se uma separação do mundo do pecado e o indivíduo aceita a sua condição de pecador. Ele cita um trecho do Velho Testamento: “Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade” (Efésios 4:22-24). Assim começa uma caminhada seguindo as leis da escrita bíblica, e essa pessoa fica à margem da sociedade. O mundo não mais o pertence e começa a ser discipulado para alcançar o reino dos céus. O “aceitar a Cristo” é cheio de simbolismo, não é somente aceitar uma pessoa ou um Deus, mas é obedecer a um conjunto de regras e mandamentos. “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17). Para os evangélicos, os mortos não precisam de velas para serem guiados aos céus ou ao inferno. Não há meio termo, há somente dois destinos que são os céus para quem morre em Cristo e inferno para quem morre no pecado. Quando um evangélico morre, a igreja e a família já sabem para onde ele vai de acordo com as suas obras. França explica que a morte é

Quando um evangélico morre, a igreja e a família já sabem para onde ele vai, de acordo com as suas obras

como um descanso eterno e as passagens bíblicas são bem claras sobre o que acontece depois da morte. Em diversas passagens, o livro apresenta fatos vitais. “Deus confortará o fiel e mandará o ímpio para um lugar de tormento” (Lucas 16:25). De acordo com as informações do livro milenar, fica claro que haverá uma separação (morte espiritual) entre os justos (obedientes) e os injustos (desobedientes às leis de Deus), e que a morte eterna não é o fim da existência, mas sim uma eterna separação de Deus. “Se alguém teve uma vida cheia de pecados, incrédulo em Deus e seus mandamentos, porém antes de sua morte reconhece seus feitos e aceita a Jesus verdadeiramente como seu Senhor e salvador, este é salvo e entra no reino dos céus. Ou seja, essa pessoa vai ressuscitar

quando houver o arrebatamento da Igreja (volta de Jesus ao mundo) e viver as maravilhas do ‘novo mundo’, que Deus criará após sua volta. Mas, se este permanece endurecido diante da palavra de Deus e não teve atitudes que condizem com o que a Bíblia direciona, infelizmente perde a salvação e vai para o inferno”, diz Odair. Porém a “primeira morte”, que é a separação física dos entes queridos, por exemplo, ainda não é o destino final para os que morreram acreditando em Cristo. Conforme o presbítero detalha, os cristãos aguardam o dia do Juízo Final, onde os que morreram serão revividos para viver o novo tempo, e os que estão em vida seguindo as escrituras, serão retirados do mundo atual para viver as novas promessas que foram prometidas por Deus

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A MORTE PELA LENTE DO CINEMA Texto: Caio Malta e Rafaela Dione Diagramação: Jessica Sena e Rafaela Dione Edição: Jessica Sena

O CINEMA RETRATA A VIDA, E POR QUE NÃO MOSTRAR A MORTE?


H

á os que ignoram, os que têm tanto medo e preferem nem falar sobre ela, mas a morte, tão parte da vida que como quase tudo que nos cerca, não poderia deixar de inspirar as artes. Livros,filmes,sériesedocumentáriosjádedicaram muitas narrativas ao tema da morte, com mensagenstristes,humoradas,macabras...O importante é que as obras artísticas nos convidam a olhar de frente um assunto que mete tanto medo. Na real, a cada segundo que se passa você está mais perto dela. É fato. E para a maioria é assustador. Romance O que você faria se soubesse que vai morrer? No filme “P.S. Eu te amo” (EUA- 2008), o protagonista Gerry Kennedy (Gerard Butler) morre de repente e deixa a personagem principal Holly Kennedy (Hilary Swank) em choque, e sem saber o que fazer com a sua vida. O que Gerry fez antes de sua morte é mágico: ele planejou um grande esquema para que sua esposa recebesse cartas escritas por ele após a sua morte. Assim, de

modo poético, o personagem fez com que sua passagem para outra vida não fosse algo triste, um fim. Mesmo morto, ele se fez presente na vida dela, criando desafios, a motivando a realizar coisas que nunca teve coragem de fazer. Ele mostrou que o seu amor era tão grande que o mais importante era a felicidade da sua amada. A indústria de Hollywood dedicou grandes clássicos a visitar o tema da morte e o que acontece depois dela. Um deles foi sucesso de bilheteria nos anos 1990, “Ghost, o outro lado da vida” aborda o tema de modo romântico. No filme, Sam (Patrick Swayse) e Molly (Demi Moore), um casal apaixonado tem a sua história de amor interrompida quando Sam é assassinado. O personagem se transforma em um fantasma, que procura justiça e quer proteger sua amada. Muitos elementos do espiritismo foram usados no filme, como na cena em que o fantasma do protagonista, num momento de muita raiva, é capaz de mover objetos. Ou ainda quando Sam utiliza um computador para assombrar seu assassino. O momento mais marcante do filme é a cena icônica em que Molly modela uma peça num torno de cerâmica, enquanto “sente” o abraço do amado. A canção “Unchained Melody”ajuda a criar o clima e arrancar lágrimas da plateia. E se você, em coma profundo, pudesse escolher entre viver ou morrer? Mia Hall, personagem de Chloë Grace Moretz, no filme “Se Eu Ficar” (EUA -2012) teve direito a essa opção. Ela é uma violoncelista em ascensão, com uma vida perfeita e um belo futuro pela frente. Um acidente de carro mudou o curso dessa história.

Sam e Molly na icônica cena de ‘Ghost, do outro lado da vida’

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Personagem Mia Hall em uma cena do filme ‘Se eu ficar’, de 2012

A experiência de sair do próprio corpo, retratada no filme, é densa e de partir o coração. O “espírito” da personagem perambula pelo hospital, acompanhando as notícias de seu estado de saúde, da sua família e tem flashbacks da sua vida, do amor que ela viveu. Mia Hall decide lutar para voltar à vida. Pouco a pouco todos os membros da família que estavam envolvidos no acidente vão falecendo e a cada perda, a dor e as escolhas dela mudam. No final, Mia se apega ao irmão mais novo, que também acaba morrendo, o que nos faz nos perguntar qual será sua decisão? Desistir da vida? O filme termina com a escolha de Mia. E para aqueles que ficaram curiosos para saber o que vai acontecer depois, a obra é uma adaptação do livro do mesmo nome escrito pela autora Gayle Forman e sua continuação é o livro “Para Onde Ela Foi”. Suspense “Eu vejo gente morta, o tempo inteiro”. Só de ouvir essa frase você provavelmente já sabe que vamos falar do filme “O Sexto Sentido”. Nele,ColeSear(HaleyJoelOsment),umgaroto estranho consulta um psicólogo (Dr. Malcolm Crowe, interpretado por Bruce Willis), porque a todo instante vê pessoas mortas

16 Cinema

e é incomodado por elas. Em sua casa, na escola, na rua e em todos os lugares que ele vá é rodeado de fantasmas. Muitos não sabem que estão mortos, ou simplesmente querem se lamentar e assustar o garoto. O Dr. Malcolm Crowe tenta penetrar no mundo peculiar de Cole. Mas o que surpreende mesmo é que na verdade o garoto não estava sendo tratado, porque afinal o psicólogo também tinha sido morto, num atentado recente. O clímax do enredo é quando percebemos que, na verdade, o psicólogo também era uma entidade de outro plano. A cena em que Crowe se dá conta de que a vida terrena já não pertence mais a ele é angustiante. Sentimos o desespero do personagem, que não era capaz de acreditar em sua própria morte. Comédia E se você morrer e então descobrir que sua função como fantasma é assombrar sua própria casa? No filme “Os Fantasmas Se Di-


vertem” (1988- EUA), os recém-casados Barbara e Adam Maitland (Geena Davis e Alec Baldwin) morrem em um acidente. A morte é retratada de modo divertido, como algo burocrático, os falecidos encaram filas enormes para que escolham seus novos papéis “ sociais”. Depois de uma longa espera, por exemplo, descobrem que para serem livres precisam ocupar a própria casa onde moravam pelos próximos 50 anos. E de imediato são despachados para lá. As coisas se complicam quando Delia e Charles Deitz (Catherine O’Hara e Jeffrey Jones) compram a casa com a sua filha excêntrica, Lydia Deitz (Winona Ryder). Novos no assunto de assombração, os Maitland não têm sucesso em colocar medo na família, mesmo com a jovem Lydia conseguindo vê-los. Eles sabem que precisam expulsar os Deitz para poderem ter paz. Então eles “terceirizam” o trabalho e contratam um fantasma para ajudá-los, o icônico Beetlejuice (Michael Keaton), que não tem escrúpulos para chegar onde deseja. As coisas saem do controle, tanto que Barbara e Adam se unem com Lydia para se livrarem do fantasma maligno. No final, o casal se conforma e decide conviver com a família dos vivos. Sanguinários Jogos Mortais – A saga que contém oito filmes ficou conhecida na década de 2000 como uma nova abordagem para os fãs de filmes de suspense. Na produção, o vilão Jigsaw escolhe suas vítimas de modo peculiar: as pessoas que não valorizam suas vidas são escolhidas por ele para passar por uma prova mortal, um jogo perverso, do qual é impossível sair vencedor sem pagar um alto preço

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1. Os fantasmas se divertem, 1988 2. Ghost, do outro lado da vida, 1990 3. O sexto sentido, 1999 4. Jogos Mortais, 2004

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Palavras que confortam

NO CONTATO COM O MUNDO DOS MORTOS, ELAS ENCONTRARAM O ALENTO E A MOTIVAÇÃO PARA SEGUIR EM FRENTE


A

pesar da saudade, três mulheres encontraram na espiritualidade o conforto para suportar a dor da ausência de seus familiares queridos. Sonhos, mensagens psicografadas e visões do outro mundo tiveram o efeito de um ‘sopro de vida’ em suas histórias pessoais e deram a força necessária para seguir em frente. Segundo a doutrina espírita, há diversas possibilidades de contato com o que eles definem como “plano espiritual”. A psicografia, tão difundida por Chico Xavier, um dos maiores líderes da corrente kardecista no Brasil, tem sido a mais procurada por aqueles que não suportam a ausência e querem sentir a presença de seus entes queridos. Nas mensagens “ditadas” pelos espíritos, explicada em detalhes no “Livro dos Médiuns”, de Allan Kardec, os médiuns pneumatógrafos, aqueles com aptidão para obter a escrita direta, transcrevem no papel as palavras que vêm do outro plano. Para o médium Alvaro de Augustinis, que chefia os trabalhos na Fraternidade de Cáritas Deus Conduz, no bairro Macuco, em Santos, a mediunidade é algo comum a todos, “os graus é que são diferentes”. A aposentada Helena Ribeiro Santana perdeu o filho mais novo, de 35 anos. Enquanto estava no meio de um inocente jogo de futebol entre amigos, José Carlos, ao tentar chutar a bola, acabou caindo de costas no chão. Foi parar no hospital, onde nada foi constatado. Após alguns dias, com a piora nas dores, voltou ao hospital, passou por diversos médicos, até que um deles constatou uma infecção generalizada e o encaminhou para uma cirurgia de emergência. O procedimento foi realizado sem o conhecimento e permissão da família, porém não foi suficiente para salvar a vida do rapaz, que morreu na mesa de cirurgia. Dias antes, dona Helena tinha sonhado que o filho entrava em uma abertura no chão. “No sonho, ele andava em um terreno. Tinha alguém cavando um buraco, do mesmo jeito que eu vi no dia do enterro dele. No local havia um bloco em cima e um bloco menor, ao lado. Na parte de cima, eu vi uma linda coroa de flores”. O filho chegou a acalmá-la depois de ouvir o seu relato e garantiu que não havia motivos para preocupação, pois não passava de um sonho. Triste e cabisbaixa ainda hoje, dona Helena relembra que José Carlos chegou a pedir que ela cuidasse bem de seu filho pequeno, antes de sair para o jogo. “Ele sabia que eu não gostava de bola. Sempre que aparecia com uma, eu escondia dele”, completa. Os contatos com o filho, já no plano espiritual, começaram cedo. “Poucos dias depois que ele tinha morrido, estava tudo apagado e apareceu uma luz, que iluminava toda a casa. As minhas duas filhas, meu marido e alguns netos, que dormiam em casa naquele dia, correram para dentro do quarto. Quando a luz apagou, fui ao banheiro e vi meu filho sem camisa, sorrindo”, relembra com suspiro de alegria.

Texto: MARCELO HERMSDORF Foto: GRAZIELA SIMÕES E MICHELE ROCHA Edição: MARCELO HERMSDORF

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Na primeira visita ao centro espírita, em Santos, apesar de não ter recebido uma carta psicografada, como gostaria, ela foi chamada para a mesa onde eram escritas as cartas e disse que sentiu a presença de seu filho, o que a emocionou. “A moça apertou a minha mão com muita força. Eu sabia que era ele ali”. Esse tipo de contato não é algo tão comum e corriqueiro como se pensa. Para que se receba uma mensagem, seja por carta, ou em visões, o espírito não pode decidir pelo contato por si mesmo. Segundo a crença espírita, ele precisa de uma autorização superior. Alvaro alerta que os médiuns são mediadores entre os espíritos e os vivos. “É preciso muita responsabilidade e saber respeitar as condições para praticar. Além de sempre procurar fazer o bem”.

No alto da página, o altar de orações. Maria de Fátima relê carta psicografada da mãe e relembra fotos com seu pai

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Cartas Já Maria de Fátima Ferreira, hoje com 60 anos, recebeuumacartapsicografadadesuamãe,quemorreu em 1997. Dos quatro filhos, Fátima sempre foi a mais próxima. Ela esteve por perto todo o tempo em que a mãe lutou contra o câncer de mama. “Sabe quando você sente uma palpitação? Alguma coisa me dizia que eu não podia demorar para ir ao hospital”, conta ela, relembrando o dia em que a mãe morreu. “Eu precisava ir logo. O câncer já havia se espalhado”. A proximidade era tanta que Fátima tem certeza de que a mãe aguardou que ela chegasse ao hospital para dar o adeus à filha. “Ela podia ter morrido antes, enquanto só minha irmã estava lá, mas esperou eu chegar para dar o último banho nela”. Emocionada, relata: “Eu adorava dar banho nela”.


Depois de perder a mãe, ela diz ter passado por diversos momentos infelizes. “Eu chorava muito, era só chegar em casa que eu desabava. Ela era a minha vida”. O alívio veio quando visitou, junto com uma amiga, um centro espírita, em Santos, e recebeu a carta psicografada de sua mãe. “Chegamos já era mais de dez da noite. Ficamos até a madrugada, esperando nossa vez, mas valeu a espera, a carta acalmou o meu coração”, conta. Aguardando com ansiedade, ela diz que a pessoa que psicografou a carta só voltará à cidade no começo do próximo ano. Além dos sentidos Ariane Oliveira foi outra que recebeu uma carta do marido, que faleceu em 2010. Espírita e frequentadora de vários centros, ela acredita na veracidade da mensagem que abordou assuntos bem específicos da vida do casal. “Não era uma carta com informações genéricas, esclareceu algumas dúvidas que eu tinha. Falava do que eu estava sofrendo na época”. Ao receber a carta, ela sentiu um grande alívio. “É uma sensação muito boa ter notícias de alguém que está longe. Não tem como explicar”.

É uma sensação muito boa receber notícias de alguém que está longe. Não tem como explicar. Ariane Oliveira

Ariane se sentiu como se recebesse um abraço de um velho conhecido, depois de muito tempo. Nesse momento, ela teve a certeza de que seu marido estava bem e que ela poderia seguir sua vida. A ciência ainda procura encontrar explicações para esses contatos imediatos. Segundo Alvaro, isso não é o mais importante, pois “as experiências vão além dos sentidos físicos, não são palpáveis, não são ações fáceis de definir, a não ser que você viva certas experiências”. Helena, Fátima e Ariane estão convictas de que é possível, sim, o contato com o plano espiritual. E aguardam com ansiedade a próxima oportunidade para terem um novo contato com seus parentes, trazendo conforto para seus corações

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APESAR DA DIVULGAÇÃO DO SUICÍDIO SER UM DOS GRANDES TABUS DO JORNALISMO, O NÚMERO DE CASOS VEM AUMENTANDO A CADA ANO. O ASSUNTO NÃO PODE MAIS SER IGNORADO

Texto: BIANCA SOUZA Foto: CAROLINE MORAES Edição: FERNANDO MARANO E MARINA TORRES


E

nquanto algumas pessoas têm medo da morte, outras a procuram. Assim foi com a funcionária pública Denilda Valentim Vanderlei. Há 8 anos, ela passava por momentos difíceis. A perda da sua irmã Denise, o fim de um relacionamento e dívidas que ultrapassavam R$ 100 mil. Essas adversidades foram o suficiente para Denilda perder a fé em Deus. “Se ele realmente existisse, não teria deixado tudo isso acontecer”, afirma. Depois de escrever uma carta pedindo desculpas por sua falta de fé, ela pegou um frasco de chumbinho e tomou, achando que morreria rápido. Mas o veneno de rato não a matou. “Apenas senti muito frio, que doía os ossos”, lembra.

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No outro dia, Denilda acordou com seu filho de três anos dizendo que a amava. Ela se arrependeu da tentativa de suicídio. “Vi que fui egoísta... Eu adotei aquela criança, tinha que cuidar dela. E minha mãe, que tinha sofrido um AVC, precisava ver a minha vitória e felicidade”, confessa. Apesar da gravidade da situação, Denilda nunca procurou um médico. Ela conseguiu vencer o momento difícil renovando sua fé. “Quando me lembro dessa loucura, dou risada... Jamais farei isso novamente, mas dou meu testemunho para ajudar outras pessoas”, diz, confiante. Infelizmente, nem todo mundo tem a mesma sorte. A cada 45 minutos, segundo pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS), uma pessoa morre no Brasil por suicídio. E Luciana (nome fictício) faz parte deste dado. Luciana adorava festas, churrascos, viagens e, segundo a filha Tais (nome fictício), tinha sempre um amigo para tomar café ou chimarrão no final da tarde. Na primeira tentativa, pediu para o marido buscar chocolate. Quando ele chegou, ela estava no chão da cozinha com o pulso e pescoço cortados. O esposo conseguiu socorrê-la a tempo. Foi aí que Luciana deu o primeiro sinal de que tinha tendências suicidas e foi levada por sua família ao psiquiatra. Começou um tratamento com remédios, no período de uma semana. Durante esses dias, Tais ficou sem trabalhar, fazendo tudo o que a mãe gostava. “Eu perguntei se ela não se arrependia do que tinha feito, ela

Fui a última a estar com ela e a primeira a vê-la morta Tais

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A maior parte das tentativas de suicídio ocorre por ingestão de medicamentos

respondeu que se arrependia por não ter dado certo”, lembra. Mesmo com o tratamento e apoio da família e amigos, Luciana não desistiu da ideia e a segunda tentativa foi crucial. Ela foi encontrada quase sem vida, em frente ao Ginásio Guaibê, no Guarujá, após ter ingerido chumbinho. “Fui a última a estar com ela viva e a primeira a vê-la morta. Fui dentro da ambulância com minha mãe atrás, dizendo que ia ficar tudo bem”, conta. Segundo a psicóloga Marcela Mello, para alguém chegar ao ponto de se suicidar, em geral já tentou várias formas de ser feliz e não conseguiu. O indivíduo tem conflitos emocionais tão profundos e, por não tratar a tempo, se tornam maiores que sua esperança e alegria de viver. Ele não ouve mais ninguém, a não ser sua própria dor. Assim começa a depressão, o mal do século, que já foi visto como frescura, mas que faz a cada dia mais vítimas. A cada 40 segundos, por exemplo, uma pessoa comete suicídio no mundo, segundo levantamento da OMS*. Neste triste ranking, o Brasil aparece em oitavo lugar e o


estado de Rio Grande do Sul, segundo dados do Ministério da Saúde, é o estado com mais suicídios do País. Em desacordo com esses dados, o psiquiatra santista Sidney Gaspar, com o estudo “15 anos de Suicídio na Cidade de Santos - Um Convite à Reflexão”, levantou que a média de suicídios de Santos, que corresponde a 6,5 a cada 100 mil habitantes, é maior que a média nacional, de 5. Para os familiares que perdem alguém assim, o desafio é aprender a lidar com o luto, a perda e principalmente a culpa. “Dependendo do nível de proximidade, esses familiares precisam fazer psicoterapia para superar, sobretudo a culpa”, explica a psicóloga. “Quem fica se sente mal por não ter evitado e para de viver consequentemente”, complementa Marcela. Como no caso de Tais, que se sentiu culpada e impotente após perder a mãe. “A gente fica se perguntando ‘e se, e se”, desabafa. Ela entrou em estado de depressão e quis se suicidar também,

mas conseguiu superar. “Quando estamos depressivos não ligamos para ninguém, mas hoje eu vivo pela minha filha, estou bem”. A psicóloga Diva Assef acredita que, hoje em dia, a pressão imposta pelo ritmo de vida, a dificuldade das pessoas em conviver com frustrações, o desejo de ascensão e a violência são alguns dos fatores que deixam marcas. “Ao contrário do que a maioria pensa, pessoas que querem se matar dão sinais claros”, explica. Segundo a profissional, o papel do psicólogo não é de convencer, mas ajudar a vencer a angústia, frustração e dor, tornando o paciente mais forte mentalmente. Marcella lembra que na vida “vencemos um leão por dia”, como diz o ditado. “Assim também escolhemos o que enfrentar com urgência e o que pode esperar. Temos que enfrentar nossos obstáculos um por um. A gratidão é um velho antídoto, mas muito eficiente contra o desespero e a depressão”, afirma

.

SINAIS QUE INDICAM UMA POTENCIAL VÍTIMA DE SUICÍDIO:

1.

Falar sobre suicídio ou morte em geral.

2.

Manifestar sentimentos de desesperança ou culpabilidade.

3. 4. 5.

Deixar de participar das atividades favoritas.

6.

Dizer que já não precisam de determinadas coisas e dar de presente para outras pessoas.

7.

Falar sobre “ir embora”, longa viagem” ou “partir”.

Mudanças nos hábitos alimentares ou de sono. Manifestação de condutas autodestrutivas (beber álcool, consumir drogas, automutilação etc.).

fazer

“uma

Enquanto você lia esta matéria, quatro pessoas cometeram suicídio

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A VIDA APÓ

26 Transplante


S A MORTE ACOMPANHAMOS UM TRANSPLANTE DE CORAÇÃO, DESDE O MOMENTO DA CAPTAÇÃO ATÉ O ORGÃO VOLTAR A BATER EM OUTRO CORPO

Texto: KAROLINA SPILA Fotos: SARA HOFFMANN Editor: KAROLINE OLIVEIRA


Legenda da Foto

Equipe médica prepara Débora para receber o novo coração

T

ensão, angústia, medo, uma luta insana contra o relógio. O transplante de órgãos não admite falhas e nem imprevistos no meio do caminho. A cada vez que a morte encefálica de um potencial doador é registrada, um exército de profissionais sai a campo, na luta pela vida. Nem os mais de 1.000 transplantes realizadospelaequipedoInCorconseguiu reduzir o grau de adrenalina que cerca todo o ciclo. Por isso o InCor -Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- comemorou com festa a marca de mil transplantes, atingida no ano passado. Para o leitor que não atinou para a grandeza do número, trata-se do maior volume de órgãos transplantados em um mesmo centro

Notificação de órgão disponível para a enfermeira do InCor

médico em toda a América Latina. Um grande marco, portanto, mostrando o motivo de o InCor ocupar um honroso sétimo lugar entre os maiores hospitais transplantadores do mundo. Dos mil transplantes – o primeiro foi realizado em 1985- 574 foram transplantes de coração adulto. O procedimento é o de logística mais complexa, porque além da dificuldade na captação, o longo processo de avaliação para ter certeza de que o coração doado é bom para ser utilizado e compatível com o receptor, é uma verdadeira corrida contra o tempo. Cerca de 50 pessoas participam da maratona, que começa com a morte de um doador e só termina horas depois, com o coração já pulsando em outro corpo. Por mais que sejam os cirurgiões que realizem a cirurgia, residentes, enfermeiros, biomédicos, anestesistas,

Entrada no centro cirúrgico e início dos preparativos

auxiliares de enfermagem e até equipes de limpeza fazem todo o processo realmente acontecer. Passo a passo A doação de órgãos só é possível assim que fica comprovado por exames médicos que o possível doador teve uma morte encefálica. O primeiro batalhão a entrar em campo na luta pela vida é a turma da Organização de Procura de Órgãos (OPO), que primeiro contata os parentes do possível doador. Antes de mais nada, a família tem que concordar ou não com a doação. No Brasil, a taxa de aceitação das famílias é grande, chega a cerca de 50%, um índice considerado bom em relação aos números mundiais. Porém, nem sempre os órgãos podem ser utilizados. Assim que exista a concordância da família, os profissionais da OPO

Equipe médica inícia a operação de retirada do coração

Órgão sai do hospital a caminho do receptor


Após algumas horas de cirurgia, os médicos realizam o transplante do órgão

começam a trabalhar para manter o doador saudável, possibilitando que a maior quantidade de órgãos sejam doados e dando tempo para que as equipes de todo o estado e, às vezes, até de outros estados, se preparem para a captação. A partir deste momento a Central de Transplantes do estado em que o doador faleceu é acionada, e distribui o órgão de acordo com a fila. Assim o órgão é aceito para avaliação, começa o trabalho da enfermagem. Uma análise minuciosa verifica a compatibilidade do doador com o receptor, e, quando necessário, exames são pedidos para a equipe da OPO, a fim de verificar se o órgão é o melhor que poderiam ter naquele momento. Este é um momento em que o receptor, paciente que está aguardando o transplante, vive uma extrema angústia, pois, em geral, está

Entrada no centro cirúrgico do InCor

A cirurgia corre bem e dura mais de seis horas

debilitado física e emocionalmente e muito longe de viver uma vida normal. Isso quando não está internado no hospital à espera do órgão. Diversas vezes, quando a OPO fica a uma distância razoável, a enfermeira tem que ir até o local com o biomédico para verificar mais de perto a possibilidade de utilizar o coração naquele paciente. Após este passo, ainda tem a fase mais crítica: a avaliação do coração pessoalmente pelo médico que fará a retirada do órgão. Algumas vezes, mesmo após o processo prévio de avaliação, que é feito com excelência pela equipe, o coração é descartado, gerando uma cadeia de frustração. Quando o médico aprova, o órgão é retirado e colocado dentro de uma solução que o mantém saudável por até quatro horas. Aí o relógio entra em contagem regressiva

Colocação do novo coração e sutura das aortas

e qualquer deslize pode ser fatal. Quatro horas é o tempo de isquemia ideal para que o órgão não sofra nenhuma alteração. Quatro horas para que ele volte a bater. Ao chegar no centro cirúrgico do hospital onde será realizada a operação de transplante, o paciente receptor já está aguardando o coração novo e a equipe que está à espera trabalha em sintonia com a equipe da captação, a fim de diminuir ao máximo o tempo que o órgão fica sem circulação de sangue. A cirurgia pode durar de 6 a 12 horas,dependedocaso.Arecuperação segue o mesmo raciocínio: cada paciente é único. “O normal é o paciente ficar internado um mês, mas esse tempo pode variar para mais, caso exista alguma intercorrência” esclarece o Dr. Ronaldo Honorato, cirurgião do Núcleo de Transplante cardíaco de adulto do InCor.

Coração volta a bater sem ajuda das máquinas

Saída do centro cirúrgico do InCor


UMA SEGUNDA CHANCE PARA A

VIDA REPÓRTERES ACOMPANHAM UM TRANSPLANTE DE CORAÇÃO ADULTO COM A EQUIPE DO INCOR

As repórteres Sara e Karolina no centro cirúrgico, cobrindo o transplante

“Ao pensar em fazer uma matéria contando como acontece o transplante de coração, não imaginava que a angústia seria tanta. Em meados de 2016 combinei com o dr. Ronaldo Honorato, cirurgião do Núcleo de Transplante de Coração Adulto do InCor, que acompanharia todo o processo, inclusive a cirurgia de implantação do órgão, para mostrar aos leitores quantas pessoas, quanto cuidado e quanta tensão envolve uma das cirurgias mais críticas da medicina. Só que o telefone não tocava. Passou um, dois meses e ainda nenhuma possibilidade de transplante no horizonte. Comecei a ficar muito ansiosa, afinal, eu tinha um prazo para entregar minha matéria, e isso estava me tirando o sono. Cobrança de todos os lados vinham diariamente. Depois de uma conversa de mais de meia hora com o dr. Ronaldo, percebi que não dependia de mim, nem dele, nem da equipe que estava 24 horas disponível...

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Dependia de um doador compatível com nossa receptora mais grave, a Débora Vilela, de 36 anos, internada havia 15 dias com hipertrofia septal assimétrica, situação agravada por causa de uma síndrome cardiorrenal. Em bom português: o coração tinha uma obstrução importante e poderia parar a qualquer momento. “A hipertrofia septal assimétrica acontece devido a razões ainda não totalmente conhecidas, que faz com que as paredes do coração, de forma geral, hipertrofiem, ou seja, fiquem mais espessas. Isso acontece de forma tão grave, que a cavidade ventricular, que armazena o volume sanguíneo necessário para o coração injetar para o corpo, começa a ser diminuída, acomodando pouco volume”, explica o cirurgião. No caso da Débora, o volume de sangue foi diminuindo, pois as paredes do coração estavam muito grossas, ocupando o espaço de armazenamento, impossibilitando

que a quantidade correta circulasse pelo corpo. Enfim, após uma longa espera, angustiante para mim, para os médicos e, principalmente, para a Débora, um possível doador apareceu. Era uma manhã ensolarada de setembro quando a equipe começou a avaliar o coração e, às 14h30, saímos do InCor para a captação em uma cidade da grande São Paulo. Enquanto a equipe se preparava para partir em busca de seu novo coração, Débora era pura ansiedade. E já fazia planos. “Daqui para frente espero ter vida nova, conseguir fazer as coisas. Eu vou nascer de novo” conta a paciente. “Quando tive a notícia, quis chorar. Mas não pude, pois quando choro o batimento cardíaco altera, então comecei a respirar fundo”, relembra Débora sobre o momento em que a notícia foi dada para ela. A viagem de ida foi insana. A ambulância ziguezagueava pelo trânsito de São Paulo e não para-


va de balançar nem um minuto, cada segundo contava. Quase passei mal, mas, enfim, depois de cinquenta minutos de tensão, chegamos ao hospital de captação. Ao entrar no centro cirúrgico, o doador ainda estava de peito fechado. Me preparei para ver uma cena inédita: uma pessoa sendo aberto. Todo o processo de avaliação do órgão durou cerca de meia hora. Dr. Samuel Steffen, cirurgião do Núcleo de Transplante de coração adulto do InCor, pegava o coração pulsando na mão, examinando de todos os lados, acompanhava os batimentos e observava possíveis doenças que o coração possa ter. O pior é pensar que mesmo após todo esse esforço, poderíamos voltar para o InCor sem o coração da Débora, que estava precisando disso para viver. Fiquei com uma felicidade extrema quando o dr. Samuel olhou para a equipe e disse “Pode ligar lá e avisar que o órgão é bom sim”. Mesmo após essa notícia, ótima ao meu ver, a equipe continuou focada em retirar o órgão e deixar o hospital, afinal, a partir do momento que o coração ficasse sem oxigênio e sem sangue, o tempo estaria contra nós. Na volta, a mesma coisa dentro da ambulância. A caixa em que o coração é armazenado estava bem na minha frente, o que me fez pensar a viagem toda: aqui tem uma vida, vai com calma. Mas não dava, o tempo é o maior inimigo do transplante, e o coração, órgão que estávamos carregando, é o que suporta menos tempo fora do corpo. Chegamos no InCor às 19h, e a Débora já estava pronta. Dr. Domingos Dias Lourenço Filho, cirurgião do InCor, já estava no centro cirúrgico desde antes das 17h, trabalhando em conjunto com a equipe de captação. Ao chegarmos na sala de cirurgia, a paciente já estava pronta para o início do transplante. Aos poucos, a função do coração é transferida para a máquina extracorpórea, que bombeia o sangue, fazendo mecanicamente a principal função do órgão. É neste momento que acontece a retirada do coração doente. A cavidade onde o coração fica é grande e profunda, principalmente no caso de Débora, que já há anos padecia de hipertrofia. Dentro da caixa torácica, o novo coração parece o de uma criança. Após uma hora de cirurgia, o coração começa a bater, ainda com apoio das máquinas. Demora trinta minutos para o órgão ganhar ritmo e voltar a bater sem a ajuda da máquina. Ao final desse processo, é feita uma checagem para

Médicos transportam o órgão armazenado em substância que o mantem saudável por até quatro horas

Equipe médica realizando cirurgia já no InCor

verificar se tudo foi feito com perfeição, para então fechar o tórax da paciente, que já estava há mais de seis horas na mesa de cirurgia. O transplante acabou depois das 23h. Dava para ver o alívio nos rostos de toda a equipe. Eram cumprimentos e sorrisos, em comemoração ao ótimo desempenho da equipe no salvamento de uma vida. Uma semana depois, a Débora saiu da UTI e foi para o quarto. Segundo os médicos, mesmo com as complicações devido à retenção de líquido no rim, ela está se recuperando bem. A previsão é que em um mês tenha alta. As informações do dia e local da captação foram preservadas para evitar a identificação do doador, que teve ter a identidade mantida em sigilo, segundo legislação vigente no Brasil

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32 Ensaio Fetiches


FETICHE SEXO FANTASIA VAIDADE DOMINAÇÃO PRAZER Por que apontar o sexo como um indício genuíno de manifestação da vida? Com certeza não pela razão mais óbvia, que liga sexo à ideia de continuidade da espécie. O que nos levou a escolher o tema como fronteira editorial entre os assuntos que tratam do fim definitivo e as matérias que falam da vida, com todos os seus matizes de superação e encanto, foi a vontade de explorar o desejo, aquele institinto primitivo e muitas vezes incontrolável que tem papel determinante nas nossas escolhas. Partimos em busca de entender os mecanismos dessa força quase sobrenatural que sequestra o nosso senso de razão e coloca cada um dos nossos sentidos vitais em nível de alerta máximo. Descobrimos um caminho impreciso, cheio de curvas, atalhos e bifurcações, que retratamos nas próximas páginas.




36 Prazer


T É O QUE COLORE A VIDA...

TESÃO

NOS DEFINE E É DEFINIDO POR NÓS Texto: JUNIOR FARIA Fotos: CAROLINE OLIVEIRA Edição: ALEXSANDRA IZAR

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...o lugar deles é debaixo dos pés da Rainha Naja, eles adoram isso!

Divulgação

T

esão é uma palavrinha quase autoexplicativa. Todo mundo entende o que é e nem precisa ler todas as letras. É só bater o olho e pronto, dentro da cabeça formam-se milhares de imagens em um milésimo de segundo. Mas é através dos sentidos que a coisa ganha vida. O frio na barriga, o arrepio, o toque. A língua portuguesa é injusta, algo que nos inunda com um mundo de sensações se espreme entre cinco letras. Mas para alguns, tesão é a expressão máxima de estar vivo. O dicionário Michaelis, por exemplo, disseca o tesão pelo viés da física até não restar mais nada: “1.Estado ou qualidade do que está teso ou esticado: O excesso de tesão neste fio de náilon pode fazer com que ele quebre; 2. Embate violento; ímpeto; 3. Aquilo que se manifesta com força ou vigor.” O que dizer? Cada um entende de uma forma única essa manifestação de sensações intensas e ardentes tão natural na vida de todos nós. Dizem até que nesse momento de explosão dos sentidos vitais, o cérebro e os hormônios respeitam mais nosso desejos primitivos do que racionais. Na hora “h” é o que todo mundo percebe, mas poucos têm a capacidade de explicar. Longe de se contentar com a ideia simplista de rimar sexo com vida, a psicologia fez desse assunto um tema de debate quase infinito. Para Sigmund Freud, pai da área de estudo da psique humana, o desejo sexual é a base de todas as emoções humanas, quase uma obsessão. A psicóloga Luciana Paschoalino explica as diferenças do desejo sexual entre os gêneros dizendo que “na percepção masculina, o sexo em si está intimamente ligado às emoções do poder e controle do seu corpo. “Já no universo feminino, o sexo em si está mais intimidante ligado com suas “fantasias emocionais”. Luciana defende que para a mulher, há um contexto mais elaborado para o desenvolvimento da atração física, com uma série de movimentos de

Rainha Naja é a Dominatrix mais famosa do Brasil

entrega e troca de sutilezas. O ápice afetivo viria através do seu parceiro. Mas segundo ela, permitir-se é mais valioso que o orgasmo fisiológico em si. Não existem regras e muito menos quantidade para se classificar uma vida sexual como fisicamente saudável, segundo a terapeuta. “Uma vida sexual sadia é aquela na qual o sexo tem uma importância e faz sentido vivenciá-lo”. Ela ainda afirma que não há como precisar um número mínimo ou máximo de relações para enquadrar-se no quesito “normal”. Mas vale salientar que quando rola abstinência, por culpa ou medo durante o sexo, deve-se imediatamente procurar ajuda profissional para compreender a causa do transtorno. Assim como a falta de desejo, a compulsão também deve ser motivo de preocupação. Mas apesar das inúmeras tentativas da ciência ao explicar um tema tão volátil, as melhores definições partem de nós mesmos. Ápice do desejo, o orgasmo é a explosão que resulta dessa inundação de sensações e desejo. Algo tão intenso que no caso da representante comercial Isadora Santanna, 24 anos, leva às lágrimas. “Não sei explicar, mas quase todas as vezes eu choro porque me entrego 100%, como se fosse o momento mais importante de todos”. Para ela, cada mergulho nessa ideia de “pico de vida” vai além do corporal e físico. “Sinto como se não conseguisse controlar aquilo, é além do corporal, e essa coisa incontrolável vem de todas as formas, lágrimas, formigamento, todo meu corpo responde de alguma forma. E meu emocional também”.


Já para a vendedora Thaís Silva, 30 anos, a intensidade surge através dos pequenos detalhes. Ela adora vestir lingeries para o namorado e diz que no começo tinha vergonha, mas depois o tamanho da calcinha foi diminuindo. “Ele adora quando coloco uma preta bem pequenina, que some em meu bumbum.” Para ela, o que faz o clima esquentar é controlar as ações e se sentir a “chefe do momento”. Ela afirma que adora o contato pele com pele e vai além: “gosto de sentir as mãos dele pelo meu corpo inteiro, principalmente nas costas… isso me dá muito mais tesão”! E esse papo não é só para namorados apaixonados. Juliana, 34 anos, já foi casada e hoje não tem um relacionamento fixo. Ela confessa que desde que se separou seus “gostos sexuais” mudaram muito. “Hoje o que me causa mais tesão é exibir meu corpo para outra pessoa. Eu odiava isso quando era casada! Hoje, não sei explicar porque, mas adoro fazer isso”. Olhar a pessoa sentindo desejo por ela e “ouvir besteiras no ouvido” são o que lhe dão mais tesão e hoje ela não vê problema em afirmar isso. Tão diversas quanto as reações de cada um são os estímulos que provocam esse desejo ardente.

Tesão é algo tão particular quanto diverso. Mesmo entre pessoas com a mesma orientação sexual o que acende a faísca varia de maneira imensurável. E quando olhamos mais para fora da caixa, as coisas ficam ainda mais quentes. Tapinha não dói De jeito, cheiros e intensidades muito particulares de cada um, o tesão não obedece regras. Existem, porém, parâmetros mais socialmente aceitos do que outros. Mas como todos sabem, ou deveriam saber, o mundo da sexualidade é multicolorido. E é no fetichismo que todas as formas não ortodoxas de excitação se expõe de maneira mais aberta. O termo abrange de podólatras (tarados por pés) aos adeptos do trumpling (quem curte ser pisoteado por mulheres de salto-alto). Mas não se engane, fetiche é mais comum que unha encravada. Todo mundo tem, o que acontece é que alguns têm a coragem de expor suas vontades mais sinceras, por mais estranhas que pareçam. Rainha Naja é a dominatrix mais famosa do Brasil e maior expoente do fetichismo por aqui. Persona criada pela paulista Simone Martins, 35, ela ganhou notoriedadenagrandemídiarecentementeaoserentrevistadaporDaniloGentilieRafinhaBastos,nosseus respectivos talk shows. Segundo a Rainha, fetichismo não tem a ver com o ato sexual em si, mas com todo o processo de sedução. “É mais que pura sexualidade, é um estilo de vida”, acredita. Ela defende a linha da supremacia feminina através de diversas técnicas aperfeiçoadas por ela, como a hipnose comportamental, que submete homens à dominação. São seus “escravos”, como ela mesma define. “Não tem nada a ver com feminismo, mas sim com fetiche. Eu considero todas as mulheres como rainhas e incorporo esse comportamento nas minhas performances. Eu domino os homens porque o lugar deles é debaixo dos pés da Rainha Naja, e eles adoram isso!” Segundo ela, suas performances são objeto de desejo de homens e mulheres. Seus “escravos” vão de homens que fazem dog play (comportam-se como seus cachorros, andando de quatro no chão, com coleira e tudo mais) a mulheres que querem dominar seus maridos. “Muitas meninas me procuram porque querem se sentir mais seguras sobre seu próprio papel na relação”, confessa

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Texto: ROBERTA CAPRILE Ilustração: ARIMA RAYANA Edição: LUCIANA NOVAIS e JHENIFFER ADORNO

INCÓGNITA

40 ORIGEM DA VIDA


HÁ ANOS CIENTISTAS, MÉDICOS E RELIGIOSOS TENTAM DESVENDAR O MISTÉRIO DO INÍCIO DA VIDA

U

ma das coisas que mais me intriga é a pergunta “quando começa a vida?”. Sou mãe e durante a gravidez me perguntava em qual momento de fato a vida se iniciou dentro de mim. No primeiro mês, a maioria das gestantes ainda não sabe que está grávida. Era meu caso. Não sei ao certo em qual momento me convenci de que havia um protótipo de ser humano criando seu próprio habitat ali dentro. Mas, afinal, porque estou falando isso e onde quero chegar? Apostoquevocêestáacompanhandoasminhasinquietaçõese seperguntando,aíbemnoseuíntimo:“Quandocomeçaavida?”. Afaltadeexatidãoedenúmerosoufatosmuitoracionaisajudaa criaresseclimademistérioemtornodoinstanteinicialdavidade um ser humano. Pelo menos é assim para muita gente. Uma resposta precisa, absoluta e cristalina acabaria com muitas polêmicas como aborto, pesquisas com células-tronco, manipulação de embriões e até métodos contraceptivos. Mas parece que chegar a um consenso sobre o início da vida humana é das missões mais difíceis. Isso porque o debate envolve valores religiosos, políticos, jurídicos e morais. Se já é difícil definir o que é vida, com todas as suas nuances, como saber então, quando ela começa? Para o padre Francisco Pelonha, da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Itanhaém, a resposta é óbvia: “Contra fatos não há argumentos, a vida se inicia na fecundação. A partir do momentodoencontrodoóvulocomoespermatozoide,háuma fecundação e, de imediato, uma vida”. Óbvio assim? Segundo o Alcorão, o desenvolvimento embrionáriohumanopossuiváriasfases:adafecundação,onde o espermatozoide fecunda o óvulo no útero materno. A fase do embrião, que se agarra à parede uterina e ali se desenvolve e a faseemqueoembriãoédesignadofeto.“Cadaumadessasfases dura 40 dias. Depois dessas três etapas, ou seja, 120 dias após a fecundação, a alma é soprada por Alá no feto. É a partir desse momentoqueoIslamismoentendequecomeçaavida”,explicou Salah Mohamad Ali, presidente da Sociedade Beneficente Islâmica de Santos e Litoral Paulista.

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Nilton Starnini, presidente da União da Sociedade Espírita Intermunicipal de Santos, diz que a vida humana tem início na concepção, quando “o espírito designado para tomar determinado corpo a ele se liga por um laço fluídico, que vai se encurtando até o momento do nascimento”. No Budismo, a resposta também está no momento da concepção, mas a explicação é outra. Acredita-se que todas as pessoas têm o potencial de atingir a iluminação, um estado de vida que não se permite ser abalado por nenhum fator negativo externo, o chamado estado de Buda. “Quando acontece a concepção, aquela nova vida ainda não pode se manifestar diretamente em ações, mas o estado de Buda nela está latente”, explicou Victor Emanuel Rodrigues, 32, coordenador do Núcleo dos Universitários Budistas de Santos, que baseia-se no Budismo de Nichiren Daishonin. No caso do Judaísmo, acredita-se que “existem algumas etapas em que a vida e a alma vão se formando. A primeira é na concepção, a segunda é com 40 dias, quando o feto começa a adquirir forma humana, e a terceira etapa no próprio nascimento, quando a alma se completa”, explica o rabino Marcelo Borer. Quantas respostas, não é mesmo? E não para por aí. Quando peguei essa pauta, sabia que não seria fácil caminhar no labirinto dessa incógnita. Se você, que já me acompanhou até essa parte do texto, acha que vou ter uma resposta única e concreta, não se engane! A abordagem desse assunto é inevitavelmente incompleta. E a ciência? Voltando ao meu caso, talvez tenha me convencido do início de uma vida dentro de mim ao ver os borrões do ultrassom. Ou até mesmo ao ouvir a batida do coração acelerado. Pode ser também que tenha sido naquele primeiro chute. Difícil! As respostas a esse debate cheio de possibilidades sempre foram dadas baseadas em preceitos religiosos e hábitos culturais e morais. Mas hoje a ciência tem muito mais a dizer sobre isso. Segundo a embriologista Lilian Piccolo Campelo, o tema requer muita discussão e depende de que tipo de interpretação a pessoa faz sobre a palavra “vida”. “Desde o momento em que nós do laboratório, recebemos óvulos e espermatozoides para realizar a fertilização in vitro, há a necessidade das células estarem vivas. Do contrário não é possível tal procedimento. Ou seja, espermatozoides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa”, explica.

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Do ponto de visa genético, Gerson Aranha, ginecologista e obstetra, e professor de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), explica que a vida de um indivíduo se inicia no momento da fecundação (união do óvulo com o espermatozoide), havendo pequena divergência entre os geneticistas, se ela se dá no momento da formação dos pró-núcleos, ou no momento imediatamente antes da primeira divisão celular. A frase “Penso, logo existo”, que está em um dos textos mais conhecidos do filósofo francês René Descartes, dá outra visão de que só existiria vida a partir da formação do pensamento, portanto para pensar é preciso do sistema neurológico que se inicia por volta do 42º dia pós fecundação. Outrosseguemacorrentesegundoaqualasfunções orgânicas só são possíveis com a transmissão das informações metabólicas causadas pelo carreamento hormonal. Assim várias etapas diferentes da evolução

Contra fatos não há argumentos: a vida se inicia na fecundação

Padre Francisco Pelonha

No Judaísmo existem algumas etapas em que a vida, e a alma, vão se formando rabino Marcelo Borer


embrionária seriam creditadas. Normalmente se fala após a quarta para a sexta semana de evolução, o que coincidiria com o início da atividade cardíaca. E ainda há um conceito, quase esquecido, porém muito em voga no final do século XIX e início do século XX, de que a vida só se inicia com o nascimento. “Com o evoluir da medicina, a vida, ou o início de um indivíduo, tem seu start cada vez mais precoce, o que também pode variar segundo a religião e a cultura de cada povo. Porém, o consenso maior dentro da medicina atual é que a vida de um indivíduo começa no momento da fecundação”, explica o Aranha. Lei da vida Nem a lei brasileira sabe responder precisamente à questão. Segundo o advogado João Carlos Pereira Filho, pós-graduado em Direito Penal, Constitucional Aplicado e Processual Penal, existe uma divergência no Direito como um todo. A legislação brasileira não estabelece um marco correto e específico para o início

O consenso maior dentro da medicina atual é que a vida de um indivíduo começa no momento da fecundação

Gerson Aranha, médico obstetra

da vida. “Podemos chegar a essa conclusão tomando por base, por exemplo, posições jurisprudenciais e entendimentos doutrinários. Um deles é: se estabeleceu que o marco final da vida é o fim da atividade cerebral. Ou seja, se o fim da atividade cerebral é o fim da vida, o início da vida seria o início das atividades cerebrais. Outra visão sobre o assunto seria: se o governo permite a pílula do dia seguinte, até o momento que ela for eficaz, tecnicamente se entende que não tem vida”. Os anos passam, as gerações seguem e continuamos sem uma resposta concreta para essa questão que você e eu já percebemos, é cheia de contradições. A busca por explicar o que dificilmente pode ser explicado, ou melhor, a tarefa de delimitar o início da vida deve levar em consideração diversas opiniões como as das ciências biológicas, religiosas, filosóficas, antropológicas e sociológicas. O discurso acerca do início da vida sempre será perspectivo e não unilateral

“ “

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O Islamismo entende que começa a vida depois que Alá sopra a alma no feto Salah Mohamad Ali, da sociedade islâmica

Se o fim da atividade cerebral é o fim da vida, o início seria o início das atividades cerebrais João Carlos Pereira Filho, advogado

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A borboleta saiu do

CASULO 44 Obesidade mรณrbida


EM BUSCA DE SAÚDE, MULHERES FAZEM

CIRURGIA DE ESTÔMAGO

E

m vários grupos de redes sociais, pessoas que passaram por cirurgia bariátrica (ou redução de estômago) são chamadas de “borboletinhas”. O motivo é simples, muitas delas tinham uma vida presa e limitada dentro de um casulo chamado obesidade mórbida (quando o Índice de Massa Corporal ou IMC é igual a 40 ou mais). Após a operação, elas se libertam e criam asas, prontas para voar para horizontes pouco explorados. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cirurgia deve ser realizada para pacientes com IMC (Índice Médio Corporal) acima de 40kg/m2, que não obtiveram sucesso na perda de peso com outros tratamentos. Para calculá-lo, basta dividir o peso em quilogramas pelo quadrado altura em metros (IMC = peso / altura x altura). De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, há atualmente 30 milhões de pessoas obesas no Brasil, o equivalente a 15% da população nacional. Você provavelmente conhece muitas pessoas com perfil de obesidade. Famosos como Leandro Hassum, André Marques e Fausto Silva são exemplos de obesos que procuraram a cirurgia bariátrica. Mas a vontade de emagrecer e manter uma vida saudável através da sonhada cirurgia bariátrica está presente também na vida de pessoas comuns. São os casos de três mulheres que nasceram de novo: Rosangela Penasso, 47 anos, Priscila Cardoso, 30 anos, e Bianca Duarte, 21 anos. “Aquela Rosangela de um ano atrás? Morreu... Hoje sou uma nova mulher”. Essas foram as palavras da dona de

casa, que emagreceu cerca de 50 quilos. Alvo de chacota, sentia-se uma mulher feia. Aos poucos, foi perdendo a emoção de viver por conta de seu sobrepeso. Festas? Casamentos? Pegar uma cor na praia de biquíni? Bom, isso já não pertencia mais à rotina de Rosangela. Com 1,57 m de altura, aos 40 anos chegou a pesar 120 quilos. A partir desse momento, não saia mais de casa. Rosangela tinha que encomendar roupas em São Paulo ou ir em lojas especializadas para pessoas obesas. “Deixei de usar jeans e camisetas regatas. Usava roupas pretas e legging. Parecia uma bola e não uma mulher”. Sua alimentação era composta de produtos gordurosos,doces,oquedeixariaqualquernutricionista ou profissional da área da saúde de ‘cabeloempé’.“Comiatudoquevia.Refrigerante, carne mal passada e doces. Só saia da festa e parava de comer quando acabava”, conta. Ela lembra que as pessoas olhavam sem discrição,peloseuexcessodepeso.Muitasdasvezes escutava um ou outro dizer: “Nossa, engordou hein!”, “Caramba, como você está gorda”. Até mesmo sua vida sexual se complicara. Sentia-se indesejada e feia, o que para uma mulher pode ser a ‘morte’ interior. “Nunca mais usei camisola. Imagina! Iria parecer um elefante”, comenta aos risos.

Texto: Veridiana Augusto Foto: Thaíse Souza Edição: Bruno Lestuchi

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Após anos vivendo naquele martírio, decidiu fazer a cirurgia bariátrica. Sua alimentação hoje é composta por frutas, verduras, pouco carboidrato, e doces apenas de vez em quando. Antes não tirava fotos, raramente saia, não conseguia cruzar as pernas. Hoje, tira fotos de corpo inteiro, compra a melhor roupa, não se envergonha de mostrar as pernas. “Hoje sou uma nova mulher! Nova alimentação, novas roupas, novos sorrisos. Eu realmente nasci de novo”, conclui. A estilista ganhou novo estilo Priscila Cardoso, 30 anos, é outro exemplo. Ela, pesava 165 quilos. Sua obesidade interferia em muitas tarefas diárias. Não conseguia caminhar por muito tempo, sentia-se ofegante e cansaço constante. Considerava-se uma mulher linda apenas por sua fisionomia facial, o corpo era algo que ela queria esconder, mas não podia. Quando tinha vontade de ir a um barzinho, precisava verificar se as cadeiras do estabelecimento suportariam seu peso ou se haveria necessidade de mais de uma cadeira para sentar, devido ao tamanho do seu quadril. Foram diversas as vezes que

Rosangela perdeu mais de 50 quilos

deixou de curtir a noite por causa disso. Tentou várias dietas, desde as mais simples e famosas como as dietas do côco, do carboidrato e da verdura. Como esses regimes não deram certo decidiu tomar um remédio de faixa preta chamado sibutramina – inibidor de apetite, indicado para pessoas obesas. Quando parou de tomar a medicação engordou e chegou na faixa de 165 quilos. Sentindo-se desgastada emocionalmente, decidiu realizar a cirurgia bariátrica. “Tive medo de morrer antes da operação, sofri dores lancinante depois da cirurgia, minha alimentação era só a base de caldinho”. Três coisas que lhe causaram uma alegria após a recuperação foram: voltar a brincar com seu filho, usar sal-

Aquela Prisicla enorme, se foi para nunca mais voltar. Priscila Cardoso

Priscila antese depois da cirurgia bariátrica


Bianca em ensaio dias antes (à esq.) e um ano após a cirurgia (dir.). As roupas da estudante encolheram mais de dez números to alto e vestir uma calça rosa que não servia há mais de dez anos. Quase um ano após sua cirurgia e 70 quilos a menos, entre risos e um brilho no olhar diz: “Aquela Priscila enorme, se foi para nunca mais voltar. Agora sou uma nova mulher e ainda mais linda”. Borboletinha A estudante de Engenharia Química, Bianca Duarte, de 21 anos, passou pela mesma experiência de Rose e Priscila. Em julho de 2015 resolveu dar um basta em todo o sofrimento que a obesidade mórbida lhe trouxe desde a infância. Eliminou 40 quilos e agora pesa 76. “Todos os que fazem bariátrica ganham o apelido de borboletinhas porque saímos do casulo. Inclusive muitas pessoas tatuam o inseto por esse motivo”. Antigamente sua vida se resumia em comer e roer as unhas para controlar a ansiedade. Gostava muito de handebol, mas não conseguia se exercitar pelo excesso de peso. Não ia para a praia. Aposentou os shorts curtos por três anos e vestia apenas roupas pretas que aparentam emagrecimento. Ela se recorda das vezes que, na infância, não podia frequentar alguns brinquedos da pracinha ou na piscina do parque porque tinha peso superior ao permitido. “Eu não conseguia cortar a unha do meu pé e foi bem legal quando eu consegui

pela primeira vez (risos). Tinha os tendões e joelhos inflamados, não conseguia andar grandes distâncias porque o pé rachava”. O estômago estava se dilatando ano após ano, por causa do metabolismo lento. Esperava anciosamente para que o pesadelo acabasse. E acabou. Em julho de 2015 começou uma nova fase de reeducação alimentar após a cirurgia de redução de estômago. Seu estômago se tornou mais sensível para alimentos pesados. “O cheiro do óleo fritando me agride. Me tornei um pouco viciada em academia e minha autoestima melhorou 100%”. A primeira coisa que Bianca fez após a recuperação da cirurgia foi colocar um biquíni e caminhar na praia. A liberdade lhe encantava e ela sentia um novo fôlego de vida. Após um ano, ainda se sente cansada e em processo de adaptação ao novo corpo, mas se cuida para não retomar os 40 quilos. Agora, ela sabe que o padrão é ser feliz. Com sua beleza, mas, principalmente pela sua saúde. “Não tenho mais medo de me interessar por homens, porque eu sei que estou bem comigo mesma”

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48 Adrenalina


A VIDA NO LIMITE BUSCA POR LIBERDADE E SUPERAÇÃO LEVA ESPORTISTAS A VIVER NO PICO DA ADRENALINA

Texto: DANIELA SILVA Fotos: LETÍCIA MACHADO/ ARQUIVO PESSOAL Editor: LETÍCIA MACHADO


J

á pensou enfrentar um paredão de mais de 20 metros de altura? Essa é a rotina que o big rider Rodrigo Augusto do Espírito Santo, o “Koxa” escolheu para sua vida. Ele eternizou seu nomenocenáriodasmaioresondas gigantes do planeta ao encarar em agosto de 2010, na praia de Punta Docas, no Chile, a maior onda já vista na América do Sul. O guarujaense iniciou no mar aos 8 anos porém passou a se dedicar às grandes ondas apenas aos 15 anos após uma viagem a Puerto Escondido, no México quando surfou a primeira onda com mais de quatro metros. A partir daquele momento ele soube como iria viver. Estar no mar é a hora mais prazerosa do dia. Dropar ondas gigantescas é algo irresistível. “É uma mistura de adrenalina, respeito, emoção, felicidade e gratidão também. Sinto muita admiração pela natureza”, diz koxa. Em busca de superação e novos desafios, ele embarcou para a praia de Nazaré, em Portugal. Sozinho e sem equipamento adequado, entrou em uma outra equipe para fazer a segurança e, na primeira oportunidade, caiu na água. Durante as tentativas, Koxa tomou um grande susto ao ser engolido por uma onda que o fez ser atropelado por outras mais. “Depois desse dia, eu passei a me preparar melhor para o surf e em situações extremas e passei a valorizar ainda mais cada instante que vivo com meus familiares e amigos, pois são neles que a gente pensa quando vive situações como essas”. Mesmo acostumado com os

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Koxa durante gravações para documentários do fotógrafo Carlos Muriongo perigos da modalidade, Koxa revela ter muito respeito pelo mar e lembra a necessidade de um bom planejamento para obter êxito nos eventos em que o atleta participa durante o ano. “Preciso estudar o local, a parte geográfica, estrutura e me certificar que estou com o material correto. Depois desta etapa, é go big”. Pairando no ar Qualquer um que já passou pela orla da praia na região da divisa entre Santos e São Vicente e olhou para o alto, provavelmente já viu pessoas sobrevoando a cidade. Entre eles costuma estar Reginaldo Amaral, instrutor de parapente e paramotor. O Baratta, como é conhecido, decidiu fazer

...é uma mistura de adrenalina, respeito, emoção, felicidade e gratidão.

Rodrigo “Koxa”


Tudo que é fora do seu habit natural, te desperta sentimentos diferentes

Reginaldo Baratta

de seu hobbie um estilo de vida. Com 48 anos, 19 dedicados aos voos, Baratta é dono da Escola Dinâmica Do Ar, em São Vicente. Ele até tentou outros esportes como karatê, judô e até chegou a ser vice-campeão paulista de remo, mas foi o parapente que o conquistou. O esporte foi apresentado por um amigo de trabalho; na época, Baratta era engenheiro eletricista. Após realizar um primeiro voo duplo de parapente em 1997, ele prontamente se inscreveu em um curso para aprender tudo sobre a modalidade e poder ganhar as próprias asas. “Tudo que é fora do seu habitat natural, te desperta sentimentos diferentes. Quando estava lá em cima eu tive a sensação de liberdade e paz por observar a natureza”, recorda. Mas quem vê a tranquilidade no jeito e voz de Baratta pode pensar que o esporte não oferece riscos. Mas o experiente instrutor deixa claro que o medo ainda existe e serve para impor limites. O receio se transforma em

precauções que ajudam a avaliar as condições adequadas para a prática, como a situação do tempo e a segurança do equipamento, por exemplo. Aindacomtodosessescuidados, acidentes podem acontecer. Ele conta que nunca passou por situações extremas, mas já teve quedas na própria rampa de salto ou enfentou situações que lhe deixaram alguns machucados. Por outro lado, já perdeu colegas de voo. “Apesar de não ser comum, pode acontecer algum acidente fatal se o cara calcular mal, for ansioso ou querer voar em uma condição”. Entretanto não supera a sensação de felicidade, liberdade e paz presentes em todos os voos.

Reginaldo Baratta faz em média 100 voos por ano

Ele até se arrisca a fazer acrobacias aerodinâmicas para despertar a adrenalina, mas afirma que apenas a possibilidade de voar já o satisfaz. Em seu histórico há visitas a países como Itália, França, Áustria, Suíça e Alemanha, lugares inesquecíveis pela beleza e que conheceu do alto, mas foi no Brasil, mais precisamente em Araxá no Triângulo Mineiro que ele fez o melhor e mais memorável passeio da vida. “Eu decolei em Araxá e pousei em uma cidade um pouquinho antes de Franca. “Foi um voo de 90 km e foi o mais bonito porque passei em uma formação rochosa e por lagoas que eu nunca tinha visto. Nunca mais vou esquecer aquela paisagem”, declara

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Texto, foto e edição: DUDA MATIAS BRITO Colaboração: NATHALIA PINI

52 Saúde


O

VIDA

COMIDA O SABOR DA homem das cavernas mudava de local quando osrecursosnaturaisparasealimentaracabavam. Desdeosprimórdiosahumanidadesempresoube que precisava buscar alimento para sobreviver. Já o homem moderno não se preocupa com a comida, desde que ela respeite as seguintes características: sacie a fome, seja prática e sobre tempo para fazer ‘atividades mais importantes’. E o que ganhou com isso? Problemas de saúde.

Comida que gera vida A administradora Ana Cleia Vilela Pontes teve que aprender por um caminho doloroso o quanto uma alimentação saudável estava ligada à vida, não só a dela como a que ela viria a gerar. Devido à produção de anticorpos autoimunes, Ana sofreu dois abortos espontâneos antes de dar à luz ao pequeno Bento. Na primeira gestação, perdeu o bebê com apenas 11 semanas. “A minha ginecologista falou que era normal e que eu não precisava me preocupar. Passaram-se três anos e fiquei grávida novamente. Com 12 semanas tudo se repetiu, sofri mais um aborto e a médica voltou a dizer que era normal. Ela ainda afirmou que até o quarto aborto, tudo seria normal”, explica. Sem acreditar no diagnóstico apresentado pela ginecologista, Ana Cleia resolveu ouvir outro especialista. Ela já acompanhava pelo rádio o trabalho da nutricionista Gisela Savioli, uma especialista em nutrição funcional, que defendia o tratamento de muitas doenças por meio da alimentação e da suplementação vitamínica. “Em um dos episódios, ela convidou para o programa uma nutricionista especializada em gestantes e crianças, a Denise Carreiro, que contou que atendia diversas mulheres com problemas de infertilidade ou

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Após a reeducação alimentar, Ana aprendeu a preparar versões saudáveis de pratos tradicionais, como o bolo de chocolate

Os legumes tornaram-se parte principal das receitas da casa

Além de programas de rádio e televisão, a jovem mãe buscou informação em livros sobre nutrição

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outras dificuldades ligadas à gestação. Resolvi marcar uma consulta”, recorda. Foi essa nutricionista quem identificou o real problema de Ana Cleia. “Ela produz anticorpos autoimunes, que ao invés de combaterem vírus e bactérias, atacam as células e tecidos”, explica Denise, também especialista em nutrição clínica funcional. Segundo ela, Ana Cleia é ainda resistente à insulina e todos esses fatores somados inibem a fertilidade e comprometem uma gestação saudável. A nutricionista explica que muitas pessoas podem apresentar o problema, mas não desencadear os sintomas. No caso de Ana Cleia foi necessário realizar um tratamento para readequar o funcionamento de seu organismo, da seguinte maneira: cortando a ingestão de lactose e glúten, que são alimentos alergênicos, inflamatórios e de difícil digestão. Com isso, o intestino funcionaria melhor e não atrapalharia a absorção de insulina e os anticorpos autoimunes ficariam enfraquecidos. Também era preciso ingerir vitaminas encapsuladas como suplementação para compensar a dificuldade de absorção do corpo. O tratamento proposto pela especialista prometia que, em até um ano, ela estaria apta para levar uma gestação sem preocupações. Isso porque essas células autoimunes seriam negativadas e executariam a função de anticorpos. Ana iniciou a reeducação alimentar e suplementação em agosto de 2014. Exatamente 12 meses depois ela repetiu um exame chamado FAN (Fator Antinuclear), que é habitualmente realizado por pessoas que possuem doenças autoimunes. O resultado foi certeiro, o FAN deu negativo e o corpo dela estava finalmente pronto para gestar uma vida. “No mesmo mês eu descobri que estava grávida e foi uma gestação tranquila e maravilhosa”, recorda. Na época, a ginecologista não acreditou que os anticorpos estavam finalmente executando o trabalho correto e Ana decidiu trocar de médica. “Isso porque muitos profissionais estão acostumados a tratar os sintomas, não as causas. Tem


A alegria de segurar o filho no colo é maior que o sacrifício de manter uma alimentação saudável

resistência à insulina? Toma remédio. Nós não. Aqui tratamos a causa”, explica a nutricionista. Decisão Apesar dos sacrifícios de manter essa rotina de alimentação, Ana Cleia disciplinou-se e introduziu como regra uma alimentação saudável. “Não fiz uma dieta. Eu me reeduquei e não vou voltar com os hábitos antigos”, afirma. Hoje ela consegue realizar de forma saudável algo que sempre sonhou: gerar vida. Isso, graças a uma mudança de hábitos alimentares. Mas a nutricionista deixa claro: “Sabe aquele ditado: tenha os mesmos hábitos e terá sempre os mesmos resultados?”. A jovem mãe terá que manter esse hábito para sempre. “Apesar de exigir sacrifício, é muito bom! Não me arrependo. Há mais de um ano eu não sei o que é ficar doente, não tenho gripe, dores de cabeça, alergias... Sinto que o meu corpo age da maneira certa. Me sinto mais viva. O meu filho já vai fazer 6 meses e nunca ficou doente”, diz entusiasmada a jovem mãe, que pretende ter outros filhos. Comida de verdade é mais cara? Ana Cleia diz que a mudança alimentar não trouxe mudanças sig-

nificativas no orçamento da casa, “pois eu não gasto mais com pizzas, bolachas recheadas, embutidos, refrigerantes... Além disso, trocamos o hábito de ir às lanchonetes e vamos mais a feiras-livres”, explica. Com a necessidade de ter uma alimentação mais nutritiva, começou a testar novas receitas e comer mais em casa, o que contribuiu para uma redução nos gastos. Tudo isso a fez ter uma relação mais íntima com a cozinha e a criar diversas receitas. Mulher moderna Quem leu a matéria e acha que a personagem conseguiu isso por ter tempo para dedicar-se à cozinha, se engana. Além de mãe, Ana Cleia trabalha em um escritório administrativo e faz faculdade. Isso não a impede de: no café da manhã, tomar suco verde e comer cuscuz com ovo; consumir de quatro a sete frutas por dia; almoçar de maneira completa; lanchar; jantar. O segredo? Alguns truques como congelar legumes para agilizar o dia a dia; testar doces e lanches saudáveis, levar as frutas na bolsa... Ufa! Esta jovem repórter não está exagerando. No dia da reportagem, ela estava preparando um

bolo de chocolate sem glúten e sem lactose, pois no dia seguinte seria comemorado o batizado do Bento. Não provei o bolo, pois iria desfalcar a festa. Mas não foi preciso ficar com água na boca. Ela havia preparado um bolo de fubá com goiabada. Este também, sem glúten e sem lactose – e estava divino -. Bem, agora você não pode criar desculpas para aderir a uma alimentação mais saudável. E para não ficar com vontade, essas duas receitas estão no blog da Viral

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Não fiz uma dieta. Eu me reeduquei e não vou voltar aos antigos hábitos Ana Cleia

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INDETECTÁVEIS

Texto e Ilustração: LUCAS RODRIGUES Fotos: ANDRESSA LARA Edição: JULIANA BRAZ E IRINEU PAIXÃO

12 reportagem 56 P revenção


A EXPECTATIVA DE VIDA DE UM SOROPOSITIVO É MELHOR DO QUE DÉCADAS ATRÁS. AINDA ASSIM, SOBRA ESPAÇO PARA O PRECONCEITO

I

nfelizmente a AIDS ainda é uma realidade que não escolhe cor, gênero, idade e classe social. Todos estão vulneráveis, e o primeiro passo para evitar o vírus transmissor é a informação. Os primeiros registros do vírus da imunodeficiência humana (da sigla em inglês HIV) são de 1977. Desde então a ciência trava uma luta para que o sistema imunológico da pessoa contaminada seja capaz de resistir ao vírus que mata as células de defesa do organismo. AIDS, também de origem inglesa, significa síndrome da imunodeficiência adquirida. É, portanto, uma doença, desencadeada pelo HIV, que impede que as células de defesa fiquem em alerta para combater o HIV, dando espaço para que outros vírus, bactérias e fungos causem danos maiores à saúde da pessoa. Uma simples gripe pode ser fatal. Ainda assim, devido aos procedimentos médicos de hoje, mais avançados, a expectativa de vida de uma pessoa soropositiva é maior e melhor que cerca de 40 anos atrás. Essa história todo mundo conhece. O que para muitos ainda é novo é o surgimento de uma geração de “indetectáveis”. O médico infectologista Orival Silva, do Centro de Testagem, Aconselhamento, Pesquisa e Treinamento (CTAPT) de Guarujá, garante que HIV e AIDS não são a mesma coisa, e que mesmo assim, “tanto o vírus, quanto a doença deixaram de ser sinônimos de morte há muitos anos”. Indetectável é o nome dado para o paciente soropositivo que tem a carga viral zerada no organismo. Nem mesmo exames laboratoriais detectam a presença do vírus. “Isso acontece devido ao uso do tratamento antirretroviral, adequado à pessoa, que vai inibir o vírus e fortalecer o sistema imunológico”, explica.

Realidade Se o paciente é indetectável, ele não apenas corre menos riscos de sofrer com uma doença oportunista, “que para ele é um risco quase nulo”, explica o médico, mas também elimina a possibilidade de transmitir o vírus para outro indivíduo. Em 2015, durante a Conferência Internacional sobre HIV, no Canadá, foram apresentados dados do estudo “PARTNER”, que comprovam a quase inexistente chance de transmissão do vírus entre casais “sorodiscordantes”, que são formados por uma pessoa com o vírus, porém indetectável, e outra sem. O risco caiu 96%, resultando 4% de chance de transmissão, tornando os indetectáveis quase “não-transmissíveis”. No entanto, o infectologista explica que esses dados devem ser levados como informação adicional, não como verdade absoluta, e que a atenção com o vírus que causa a AIDS nunca deve ser deixada de lado. “A partir do momento que tomou o primeiro coquetel, a pessoa precisa estar ciente de que vai tomar a medicação diariamente por toda a vida, sem interrupção, a menos que o seu médico solicite mudanças”, afirma. Em números, desde 1980 até junho de 2015, o Brasil registrou cerca de 800 milhões de casos de pacientes com AIDS (dados do Ministério da Saúde). Desses, até junho de 2014, existiam 781 mil soropositivos Esses dados batem de frente com a expectativa criada pelo Ministério para a “Meta 90-90-90”, da Organização das Nações Unidas em Prol da AIDS (UNAIDS), de 2015. A meta estipula que 90% da população soropositiva do mundo seja diagnosticada; 90% entrem em tratamento; e 90% se tornem indetectáveis até 2030. Para o infectologista, a meta é ousada e preocupante, pois depende de que as pessoas se protejam, façam o teste pelo menos duas vezes por ano e, se diagnosticadas, sigam com o tratamento corretamente, sem interrupções. Ele acrescenta que, a curto prazo, é melhor prevenir a doença com a oferta de informação e respeito com os soropositivos, do que estipular 90% de eficácia no tratamento com esses pacientes. O infectologista continua e diz que a mídia pode ser uma ferramenta aliada na desmitificação do vírus e da doença. “Infelizmente, hoje a mídia se pauta pelo óbvio, que são números crescentes de casos de HIV ano após ano. É uma mídia viciada, que não abre espaço para outras discussões”.

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Coragem e Preconceito O aposentado Isaac de Souza Vaz, 56 anos, é casado, tem cinco filhos e reside no Guarujá. Ele ama o mar e pratica surfe desde muito jovem. Antes de se aposentar, foi operário em uma grande empresa e shaper da própria fábrica de pranchas, no bairro da Cachoeira. Já morou em Ilhabela, longe de tudo e todos. Foi o primeiro professor de surfe do atual campeão mundial, o Mineirinho, com quem tem grande amizade. Além de tudo isso, enfrenta uma batalha interna há 20 anos contra o HIV. Hoje ele é mais um indetectável. Se engana quem pensa que Isaac contraiu o vírus da AIDS da forma mais previsível. No início da década de 1990, ele se envolveu em uma briga de rua com um rapaz que estava mexendo com a sua namorada, hoje sua esposa, Maria da Paz. “Ele era boxeador, mas eu não me intimidei. Sai na mão mesmo, por uns 15 minutos. Foi sangue para tudo que é lado”, explica. Meses depois, a sua então namorada engravidou e começou o pré-natal. De todos os exames necessários, tudo extremamente perfeito com a mãe e com o bebê, se não fosse o último e decisivo: o de HIV. Resultado: positivo. “A Maria dizia: eu

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não tenho nem verme, como peguei o vírus?”. Foi nesse momento que Souza começou a culpar a si mesmo, ainda que não soubesse como contraiu o vírus. “Eu suspeitava de alguns relacionamentos antigos, mas não queria acreditar”. Meses depois, Isaac de Souza encontrou o tal boxeador na rua, e o achou mais magro que o normal. Ele se lembrou dos cortes que levou na mão no dia da briga. Em alguns anos ficou sabendo da morte do boxeador. “Naquela época, fiquei com receio de falar com um médico sobre eu ser soropositivo. Tinha medo dos efeitos que o AZT poderia causar no meu organismo. Perdi vários amigos vitimados pela AIDS, principalmente os ‘galinhas’”, conta se referindo aos de comportamento promíscuo. Isaac conta que ele e sua esposa resolveram encarar o HIV primeiramente com uma alimentação saudável, mais especificamente vegetariana, e muita atividade física. Seu filho mais novo não contraiu o vírus (“transmissão vertical”). Maria, logo após o nascimento do bebê, amamentou a criança na frente dos médicos, uma atitude perigosa e não recomendada, mas que ela mesma tinha total consciência do que estava fazendo.


Depois desse episódio, quando o casal já estava em casa, Isaac diz que o conselho tutelar foi acionado pelos médicos para levar o bebê, com a alegação de que ele havia sido vítima de maus tratos, em razão da amamentação não recomendada. Ele correu para o quarto e disse para a esposa fugir. O circo foi armado e parte do bairro foi até a fábrica de pranchas de Isaac conferir a confusão.“Atéaquelemomento,poucaspessoas sabiam que eu e a Maria tínhamos HIV. Depois disso sentimos muito a hostilidade das pessoas”. Dias depois, o que o casal esperava foi confirmado: a criança não foi contaminada, mas ainda assim, em certos momentos, ele sentiu o preconceito. “Já vi mães e pais tirarem seus filhos de perto do meu. Nem é preciso dizer porque, né?!” Hoje, mesmo sentindo dificuldades em razão dos efeitos colaterais dos antirretrovirais, Isaac tem a carga viral zerada. Sua esposa, por exemplo, mesmo indo ao médico com frequência, tomou uma iniciativa mais radical: passou cerca de oito anos sem o tratamentocomosantirretrovirais.“Elafoiguerreira. Passou todos esses anos sem sequelas do vírus, e não desenvolveu AIDS. Só tomou o medicamento quando não pôde mais ficar sem. Hoje ela também é indetectável”

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LEIA A BULA! Ação do vìrus e consequências

Quando o vírus entra no corpo humano ele danifica e mata as células de defesa chamadas “linfócitos T CD4+”, que coincidentemente, são as mais importantes. A pessoa portadora do vírus não tratado tem chances reais de desenvolver complicações graves devido a doenças oportunistas, e pode transmitir HIV para outros indivíduos.

1.

O método disponível para tratar o paciente soropositivo é o uso de antirretrovirais e existem diversos tipos desses medicamentos, desde os que impedem a multiplicação do vírus até os que proíbem a entrada do vírus nas células. O efeito que surge no organismo por causa dos medicamentos é a multiplicação de células de defesa saudáveis, que quando somada a outras práticas, melhora a qualidade de vida do soropositivo.

2.

Apesar de existirem 22 tipos de antirretrovirais (sendo dois de combinações), nenhum deles mata o HIV, apenas impedem o enfraquecimento do sistema imunológico. No caso dos indetectáveis, mesmo com um tratamento intenso, o vírus se esconde em locais onde nem o medicamento não consegue agir, nem um teste sanguíneo identifica. Por isso não é recomendável interromper o tratamento, porque o o vírus pode voltar a se reproduzir e possivelmente desenvolver uma mutação contra o medicamento usado.

3.

Informações adicionais Isaac de Souza em sua fábrica de pranchas, no Guarujá, para as lentes da Viral

É comum que o soropositivo não desenvolva AIDS entre 6 e 10 anos, demonstrando apenas alguns sintomas que podem ser confundidos facilmente nesse período, mas isso varia de pessoa para pessoa; Quando o CD4+ está abaixo de 200 significa que o soropositivo está com AIDS, e que tem grandes chances de ser contaminado por alguma doença oportunista, como gripe; O Brasil possui legislação específica dos grupos mais vulneráveis ao preconceito e à discriminação contra portadores de HIV, como homossexuais, mulheres, negros, crianças, idosos, portadores de doenças crônicas infecciosas e de deficiência. Em 1989, foi criada a Declaração dos 11 Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS. Além disso, existem benefícios específicos garantidos por lei em finanças, trabalho, saúde e transporte público (Acesse goo.gl/Msh6dh).

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Com as cartelas dos remĂŠdios e o enxoval da filha, Eduardo agora sorri para fotos novamente

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A NOVA VIDA DE EDUARDO CARA A CARA COM A MORTE, NA FILA POR UM TRANSPLANTE DE RIM, EDUARDO ENCONTRA NA FAMÍLIA A CHANCE DE UMA NOVA VIDA

Texto: RODRIGO BERTOLINO Fotos: RODRIGO BERTOLINO Edição: BRUNO SECCO E DANIEL ARIANTE

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Eduardo beija sua futura filha, Sophia

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ma chance de recomeçar. Mais do que uma frase de efeito, o pensamento exprime o momento vivido pelo vendedor Eduardo Soave, de 56 anos. Após quase morrer de insuficiência renal crônica, a vida lhe ofereceu a possibilidade salvadora de um transplante. Hoje, renovado e feliz, ele espera o nascimento de sua filha Sophia, em dezembro. Em meados de 2013, Eduardo iniciou a hemodiálise. “Eu fiquei desesperado. Não sabia direito o que teria que passar, e o medo de não continuar vivo foi enorme. Os médicos não chegaram a um diagnóstico da real gravidade do meu caso e tive que fazer hemodiálise às pressas. Foi horrível”. Eduardo teve que encarar a hemodiálise por cerca de 11 meses. Nesse tempo, ele conta que o apoio da família e amigos próximos foi essencial. “Nas vezes em que pensei que não aguentaria, tinha a minha esposa e a minha família ao lado para me reanimar. O apoio é funda-

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mental para a recuperação”. Um em cada dez brasileiros tem problemas renais, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia. As principais causas que levam à insuficiência renal são a diabetes e a pressão alta. Um hipertenso ou diabético deve fazer exames preventivos constantemente, pois essas duas doenças sobrecarregam o funcionamento dos rins. Um anjo Estava na família, de fato, a salvação do vendedor. Edson Soave, de 51 anos e primo de Eduardo, fez os exames para saber se era compatível para um transplante de rim. O gesto de amor ao próximo até hoje emociona o, outrora, paciente de hemodiálise do hospital Santa Casa de Misericórdia de Santos. “Foi incrível. Ele é um anjo que Deus colocou em meu caminho. Quanto mais agradecer ainda será pouco pelo ato de humanidade que esse primo, que agora é irmão, fez por mim”, reiterou Eduardo. Edson explica que a decisão de se

Nas vezes que pensei que não aguentaria, tinha a minha esposa e família ao lado Eduardo


Ver um parente próximo recuperado é algo que não tem preço Edson Soave, o doador

prontificar para um transplante foi uma reação à gravidade do estado do parente. “Você descobre que um ente seu muito querido tem uma necessidade e que você é capaz de atendê-lo. Pra mim, o estranho seria não fazer nada”. Por ser pai de dois filhos, o doador disse que pensou bastante para que se, um dia, algum deles precisasse de um rim, não despertasse o sentimento de arrependimento. No entanto, ele enfatiza que o ato de salvar uma vida foi o que falou mais alto no momento da decisão. “É uma situação muito pessoal e está relacionada principalmente ao aspecto emocional, mas, no meu caso, trata-se de uma oportunidade divina, que é dada a poucos e a satisfação de ver um parente próximo recuperado é algo que não tem preço”, concluiu Edson. Após dois anos do transplante, Eduardo soube da notícia que terá uma filha. Sophia é aguardada para o mês de dezembro. O novo momento é festejado por toda a família. “Fico feliz com essa possibilidade de recomeçar. Tenho certeza que aprendi muito com tudo o que me aconteceu e agora estou mais atento à saúde e espero ver minha filha crescer com muito amor”, afirmou Eduardo.

Prevenir é o melhor remédio As doenças renais se desencadeiam de forma silenciosa. Isso faz com que, por muitas vezes, o diagnóstico seja feito de forma tardia e o quadro já esteja avançado. Ligia Fátima de Costa Urnikes, nefrologista do Hospital Ana Costa, recomenda alguns hábitos que podem impedir as doenças renais de se agravarem: controle adequado da pressão arterial e dieta balanceada, ingerindo bastante água e evitando excesso de sal, proteínas, gorduras e bebidas alcoólicas. Além dessas recomendações, a médica pede atenção especial quanto à auto medicação, dizendo que o correto é evitá-la: “medicamentos que não exigem receita médica, principalmente os anti-inflamatórios não hormonais como o diclofenaco, meloxicam, tenoxicam e nimesulide, que são compostos químicos que ao longo do tempo atacam os rins e são encontrados na maioria dos remédios”. No caso de Eduardo, o transplante de rim o tirou da hemodiálise e salvou sua vida, mas pacientes que ficam refém do tratamento podem viver, em média, mais dez anos. Receber um rim saudável é receber uma nova vida e renovar os sonhos de quem passa por essa realidade

Eduardo, agora recuperado, coloca a mão sobre o local da cirurgia

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