Multidisciplinaridade na Saúde Bucal - 6ª ed

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Multidisciplinaridade na Saúde Bucal

Maria Salete Sandini Linden João Paulo de Carli Ricardo Cauduro

6ª edição

Editora


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Multidisciplinaridade na Saúde Bucal MARIA SALETE SANDINI LINDEN JOÃO PAULO DE CARLI RICARDO CAUDURO ORGANIZADORES

Editora

6ª EDIÇÃO 2013


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IMPRESSO: 978-85-61660-19-2 E-BOOK: 978-85-61660-18-5


APRESENTAÇÃO

Há uma clara tendencia para a prática clínica multidisciplinar na Odontologia. No fundo, o retorno para a antiga clínica geral. Pode parecer um retrocesso, mas é uma adaptação a nossa realidade. Tanto para a condição sócio-economica da população, com a explosão da classe média, como para buscar um equilíbrio na forte queda de demanda ao consultório privado. A ª edição do livro ‘‘Multidisciplinaridade na Saúde Bucal’’, acompanha esta tendência. Procura fomentar conhecimentos e pesquisas diversificadas. Nos EUA há vestígios de correr o mesmo. A proliferação dos ‘‘Dental Group’’ é um bom exemplo. Como afirma a profª. Maria Salete Sandin Linden, uma das incentivadoras do livro em seu formato original, um dos seus objetivos é viabilizar mediações no processo de construção do conhecimento. Cada vez mais diverso e interligado. Aproveitando, INTERDISCIPLINAR não é sinônimo de MULTIDISCIPLINAR. Tem a ver com relações entre profissões diferentes a primeira, enquanto a segunda envolve a mesma área ou profissão. Para confundir, há ainda TRANSDISCIPLINAR. Mas fica para a 7ª edição.

RICARDO CAUDURO


AUTORES

Alessandra Pascotini Grellmann

Gustavo Gomes Agripino

Mestranda em Ciências Odontológicas com ênfase em Periodontia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Brasil.

M.D, Ph.D, Dr. em Estomatologia. Professor do Departamento de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Campus VIII, Araruna, Brasil.

Alexandre Roberto Heck Professor da Universidade Federal do Paraná – UFPR Doutro, Mestre e Especialista em Endodontia.

Aline Cruz Especialista em Periodontia (EBMSP/Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública)

Alvaro Hafiz Cury Professor Doutor da Universidade do Norte

Ana Cristina Barreto Bezerra Professora Adjunto IV da Universidade de Brasília

Gustavo José de Luna Campos Especialista, Mestre e Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, FOP/UPE.

José Márcio Lenzi de Oliveira Professor da Universidade Paulista-Brasília

José Rodrigues Laureano Filho Especialista, Mestre e Doutor em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Unicamp. Pós-Doutorado em Cirurgia Bucomaxilofacial no Kaiser Permanent Medical Center – USA. Prof. Adjunto de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, FOP/UPE.

André Luiz Tannus Dutra Professor da Universidade do Estado do Amazonas

José Wittor de Macêdo Santose

Cintia Iara Oda Carvalhal

Acadêmicos de Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, Campus VIII, Araruna, Brasil.

Professora Doutora da Universidade do Estado Amazonas

Diego Gonçalves Henrique Pires Acadêmicos de Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, Campus VIII, Araruna, Brasil.

Kívia Linhares Ferrazzo Professora Adjunto do Curso de Odontologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil.

Egas Moniz de Aragão

Maísa Casarin

Professor da Universidade Federal do Paraná – UFPR Doutro, Mestre e Especialista em Endodontia.

Mestranda em Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Brasil.

Erica da Silva Carvalho

Manuel Antonio Gordón-Núñez

Professora da Universidade Estadual do Amazonas;

M.D, Ph.D, Dr. em Patologia Oral. Professor do Departamento de Odontologia / Mestrado em Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Campus VIII, Araruna, Brasil.

Érica Del Peloso Ribeiro Doutora em Periodontia (UNICAMP) e Professora Adjunto (EBMSP)

Fabiano Oliveira de Araujo Professor da Universidade Tuiuti – PR. Doutor, Mestre e Especialista em Dentística.

Marcos Alan Vieira Bittencourt Doutor em Ortodontia e Professor Adjunto (UFBA)

Maria Cecília Fonseca Azoubel

Fabricio Batistin Zanatta

Doutora em Ciências Médicas (UFCE) e Professora Adjunto (EBMSP)

Doutor em Odontologia - Professor Adjunto do Curso de Odontologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS, Brasil.

Maria Isabel Anastacio Faria de França

Guilherme Machado Barbieri

Marilisa Carneiro Leão Gabardo

Mestre e Doutor em Odontologia pela PUCRS

Doutora e Mestre em Saúde Coletiva.

Doutora, Mestre e Especialista em Endodontia


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Mauro Luiz Travessa de Barros

Roberta Santos Tunes

Professor Mestre da Universidade do Estado do Amazonas

Doutora em Periodontia (UNICAMP) e Professora Adjunto (EBMSP)

Mary Pereira Heck Professora da Universidade Federal do Paraná - UFPR Doutora, Mestre e Especialista em Dentística

Mônica Dourado Doutora em Periodontia (USP) e Professora Adjunto (EBMSP)

Orlando Ayrton de Toledo

Rodrigo Jacques Gomes Especialista em Ortodontia pela AGOR/RS. Especialista em Implantodontia pela FATEC/DENTAL CEEO

Sandra Aparecida Marinho M.D, Ph.D, Dra em Estomatologia. Professora do Departamento de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Campus VIII, Araruna, Brasil.

Professor Titular Aposentado Universidade de Brasília

Sandro Bittencourt Paulo Cesar Antunes dos Santos Cirurgião Dentista formado pela USP de São Paulo, Clínico em Reabilitação e Estética desde 1992 Professor da Disciplina de Informática Odontológica na UNG entre 1997 a 1999, Colaborador do Livro ABC da Informática Odontológica (do Prof. Dr. Moacyr Menendez).

Doutor em Periodontia (UNICAMP) e Professor Adjunto (EBMSP)

Silvana Pasetto Professora Doutora da Universidade do Estado do Amazonas

Thiago Mendes de Lima Professor Especialista da Universidade do Norte

Pierre Andrade P Oliveira M.D, Ph.D, Dr. em Odontologia – Área de Saúde Coletiva. Professor do Departamento de Odontologia, Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Campus VIII, Araruna, Brasil.

Urbino da Rocha Tunes

Raquel Pippi Antoniazzi

Vania D'Angelo R. A. Santos

Doutoranda em Odontologia - Professora Assistente do Curso de Odontologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil.

Cirurgiã Dentista formada pela USP de São Paulo em 1989. Especialista em DTM e DOF pela UNIFESP – Escola Paulista de Medicina - 2003. Ortodontista desde 1990. Cursos de Educação Contínua em várias técnicas de Ortodontia e OFM (Begg, Straight Wire, Ricketts, Planas, Vaz de Lima entre outras) no Brasil e EUA com nomes como Larry White, MacNamara, Bergensen, Ayala, Faria Lago entre outros. Graduada em outras áreas profissionais pelo IMSP, São Judas e IA-UNESP. Mestranda em Odontopediatria na UNICSUL

Ricardo Wathson Feitosa de Carvalho Especialista, Mestre e Doutorando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, FOP/UPE.

Doutor em Imunologia (UFBA) e Professor Titular (EBMSP)


SUMÁRIO

1 - Odontologia na Interdisciplinaridade em Relação à Responsabilidade Civil do Cirurgião Dentista com o Paciente - Prontuário Odontológico como o Grande Dilema Profissional.....................................................................................9

2 - Pacientes Hipertensos e a Prática Odontológica..............................................................19

3 - Riscos e Complicações do Uso de Piercing Oral e Perioral............................................26

4 - Exames Complementares: Critérios e Interpretações......................................................36

5 - Componentes Orgânicos da Saliva em Pacientes com Predominância de Respiração Bucal e Nasal na Faixa Etária de 6 a 14 Anos de Idade..........................46

6 - Ortodontia Fixa na Dentição Decídua e Mista: Descrição do Protocolo, Casos Clínicos e Tratamentos Inovadores........................................................................52

7 - Sorriso Gengival: Uma Abordagem Multidisciplinar........................................................65

8 - Uso de Sistema Autoligante Interativo no Preparo Pré-cirúrgico De Classe III....................................................................................75

9 - Clareamento de Dentes Não Vitais - Uma Consideração Multidisciplinar......................79

10 - Diagnóstico da gengivite: Estado da arte........................................................................86

11 - Desinfecção Total da Boca para Tratamento Periodontal..............................................95


ORTODONTIA Capítulo

1

Odontologia na Interdisciplinaridade em Relação à Responsabilidade Civil do Cirurgião Dentista com o Paciente - Prontuário Odontológico como o Grande Dilema Profissional. Érica da Silva Carvalho José Marcio Lenzi de Oliveira, André Luiz Tannus Dutra Cintia Iara Oda Carvalhal Thiago Mendes de Lima Mauro Luiz Travessa de Barros Alvaro Hafiz Cury Silvana Pasetto

1. INTRODUÇÃO A odontologia como ciência e técnica abrange várias disciplinas que caíram na característica das especialidades, como se a formação de base tendesse a desaparecer no contexto atual. Como uma ciência mais humanizada e conscientizada há uma lacuna que mostra que independente da disciplina e pela falta de interdisciplinaridade na área o cenário atual é de uma profissão desunida e com números crescentes de processos judiciais e éticos. Com isso fica perceptível a deficiência de conhecimento do dentista sobre sua responsabilidade civil e sobre a importância do prontuário odontológico direcionado respeito pela autonomia do paciente. A responsabilidade civil é definida como a reparação do dano causado a outrem, sendo o dever de reparação decorrente de obrigação assumida ou por inobservância de norma jurídica (PAULO, 2004). Consiste no interesse de restabelecer o equilíbrio que foi quebrado pela ocorrência do dano. Para se caracterizar a responsabilidade civil é imprescindível a existência de certos elementos como: a conduta do agente, por ação ou a omissão; o dano; a presença de um nexo de causalidade, entre o dano e a conduta do agente; e a culpa do agente (GEALH, 2005). Do ato odontológico danoso surge a obrigação de reparação desse mesmo dano. Quando demonstrado que sofrimentos físicos e morais, padecidos por um paciente após submeter-se a determinado tratamento odontológico, decorreram de negligência, imprudência ou imperícia do profissional, fica caracterizado o dever deste de indenizar o mal causado (FIGUEIRA JÚNIOR e TRINDADE, 2010). Na atual sociedade, grande parte dos pacientes veem a Odontologia com promessas de resultado, e não como intervenção de saúde. Isto é agravado pela falta do devido esclarecimento ao paciente, informando-o sobre as limitações biológicas e técnicas inerentes à profissão. Quando o resultado final do tratamento está em desacordo com aquilo que o paciente almejava, este busca no âmbito jurídico a compensação da sua insatisfação. Um fator determinante para o aumento de processos judiciais contra cirurgiões-dentistas é relação dentista / paciente, a despreocupação com a documentação legal e a utilização inadequada de propagandas publicitárias, promovendo uma Odontologia


10 com garantia de resultados, ao que parece, desconsiderando a imprevisibilidade da resposta biológica de cada paciente a um determinado tratamento e, ignorando a importância de se avaliar cada caso clínico especificamente. A documentação odontológica, na forma do prontuário odontológico, é o único meio que o cirurgião-dentista resguardar a si e a seus pacientes, mostrando que respeitou seus princípios profissionais e a autonomia do seu paciente. Não agindo por negligência, imprudência ou imperícia na realização do tratamento odontológico. Todavia, na maioria dos casos, o cirurgião-dentista não tem a documentação completa. Este capítulo tem por objetivo esclarecer a responsabilidade civil do cirurgião-dentista em todas suas áreas e orientar los sobre a importância da elaboração da documentação que compõe o prontuário odontológico.

2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Histórico da Responsabilidade Civil no Direito A responsabilidade de reparar o dano causado a outrem é resultado de uma longa evolução histórica. Nos primórdios da civilização dominava a vingança coletiva, onde o grupo social reagia em conjunto pelo dano causado a um de seus componentes. Depois desse período, com o Código de Hamurabi – que é datado do século XXIII a.C. e que foi um dos primeiros sistemas codificado de normas – vigorou a lei de talião, onde a responsabilização pelo dano tornou-se individual. As pessoas, através da vingança privada, faziam justiça com as próprias mãos, retribuindo o mal pelo mal. Era uma reação espontânea e natural contra a lesão sofrida, com a possibilidade de produzir na pessoa do lesante dano idêntico – ou proporcional – ao que experimentou (DINIZ, 2010). Após essa fase, a responsabilidade pelo dano passou a ser por meio de composição. O ofensor, mediante uma punição do Estado, teria que pagar uma pena, representada por dinheiro ou coisa. As penas para o caso concreto passaram a ser tarifadas e estavam previstas nas XII Tábuas. A Lex Aquilia, datada de 286 a. C., foi o divisor de águas da responsabilidade civil, sendo a primeira tentativa de generalização dos preceitos delituais, onde a culpa era o fundamento da responsabilidade (VENOSA, 2006). Se o agente agisse sem culpa, não era atribuída a ele nenhuma responsabilidade. Nessa época, entendia-se por culpa o ato cometido por negligência, imprudência, imperícia ou dolo. O conceito da Lex Aquilia foi ampliado a partir do século XVII, quando os juristas romanos formularam o fundamento da responsabilidade civil no resultado da quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano (BAPTISTA, 2003). Esse fundamento foi aperfeiçoado pelos juristas franceses que elaboraram os princípios gerais da responsabilidade civil, onde a culpa (elemento subjetivo) e o risco (elemento objetivo) motivavam a reparação do dano. O resultado dessas evoluções é utilizado pelo nosso ordenamento jurídico. Os elementos objetivo e subjetivo da responsabilidade civil estão previstos no artigo 927 e seu parágrafo único, do Código Civil, literalmente: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (PINTO, 2009). Com isso, a responsabilidade resulta diretamente do dano, em decorrência de ato culposo ou do risco. Como a sociedade vive em constantes mudanças sociais, tecnológicas e econômicas, é dever da Ciência do Direito se adequar a essa constante evolução, buscando sempre resguardar o patrimônio, baseando-se, na maioria das vezes na Lex Aquilia, que é alicerce de toda a responsabilidade civil. 2.2. Conceito de Responsabilidade Civil A responsabilidade civil é o instituto jurídico no qual a vítima pode valer-se para ver reparado dano moral ou material sofrido decorrente de alguma obrigação assumida ou por inobservância de norma jurídica.


11 Para Direito e Cavalieri Filho (2007) responsabilidade civil pode ser definida como a obrigação sucessiva que surge para recompor o dano decorrente do descumprimento de uma obrigação originária. É o dever que alguém tem de reparar o prejuízo causado pela violação de um dever jurídico. Para Diniz (2010), a responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano, seja moral ou patrimonial, que tenha causado a terceiros, em razão de ato praticado por ela mesma, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. Os princípios de responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral que tenha sido violado, desfazendo tanto quanto possível seus efeitos e restituindo o prejudicado (VENOSA, 2006). A responsabilidade civil tem sua origem advinda de diversos fatores, sendo os principais o descumprimento obrigacional, a desobediência a uma regra contratual, ou simplesmente, o fato de não se respeitar um preceito normativo que regula a vida em sociedade (PEREIRA, 2007). Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar os serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não-cumprimento da obrigação (DIREITO e CAVALIERI FILHO, 2007). Para Diniz (2010), a ação de responsabilidade civil apresenta dupla função. A primeira é garantir o direito do lesado à segurança, mediante pleno ressarcimento dos danos que sofreu, restabelecendo-se a situação anterior ao dano, na medida do possível. A segunda é servir como sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vitima, punindo o lesante e desestimulando a prática de atos lesivos. 2.3. Pressupostos da Responsabilidade Civil Os elementos essenciais para que se configure a responsabilidade civil, ou seja, os pressupostos que, necessariamente, devem estar presentes para o efetivo surgimento da obrigação de indenizar a vitima são: - a conduta do agente; - dano, experimentado pela vítima; - relação de causalidade, ou nexo causal, entre a atitude humana e o dano. 2.3.1. Conduta do agente O primeiro pressuposto da responsabilidade civil é a conduta do agente, que pode ser relacionada a uma ação ou a um ato de omissão praticado por ele próprio ou até mesmo por um terceiro que esteja sob sua responsabilidade (ALMEIDA, 2007). Para Diniz (2010), a conduta do agente, fato gerador da responsabilidade, poderá ser ilícita ou lícita. A ação ou omissão do agente, para constituir ato ilícito, envolve a infração de um dever legal, contratual ou social. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco. 2.3.2. O dano O dano, segundo pressuposto, consiste no prejuízo sofrido pelo agente, do qual se busca uma compensação através da indenização paga por aquele que gerou o dano. A obrigação de reparar o dano vincula-se a um comportamento humano. É uma obrigação derivada de ato ilícito por meio de ações, culposas ou dolosas, praticadas como infração a uma conduta a ser seguida (SILVA, M., 2009). Segundo Diniz (2010), o dano é a lesão que, devido a um determinado evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral. O dano poderá ter efeito indireto, mas isso não impede que este seja um efeito necessário da ação que o provocou (SILVA, R., 2007). A reparação do dano se dava apenas no âmbito patrimonial. Atualmente, sua concepção está mais ampla, abrangendo também os danos não-patrimoniais, que podem ser morais, à imagem, estéticos, entre outros. 2.3.3. O nexo causal Segundo Venosa (2006), nexo causal é o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que se torna possível concluir quem foi o causador do dano. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso a e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido (DINIZ, 2010). Com efeito, para que haja a caracterização da responsabilidade civil, é necessário haver a identificação do dano, a ação que gerou o


12 ato lesivo, o agente causador, bem como a relação entre eles. 2.4. Fundamentos da Responsabilidade Civil Os fundamentos da responsabilidade civil são a culpa e o risco. A culpa é a falta de diligência na observação da norma de conduta. É o desprezo por parte do agente do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude (VENOSA, 2006). A culpa, sob os princípios consagrados da negligência, imprudência e imperícia, contém uma conduta voluntária, mas com resultado involuntário, decorrente da falta de previsão ou previsibilidade e a falta do cuidado devido, cautela ou atenção (CABRAL, 2009). Na negligência, o agente não age com a atenção devida em determinada conduta. Na imprudência, o agente é precipitado e age sem prever conseqüências prejudiciais. Na imperícia, o agente demonstra inabilidade para seu ofício, profissão ou atividade. Já a responsabilidade fundada no risco consiste na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta do seu causador (DINIZ, 2010). 2.5. A Responsabilidade Civil na Odontologia A Odontologia é uma atividade profissional ligada à área da saúde, que apresenta autonomia das demais atividades e é regulada em nosso país pela Lei nº 5.081 de 24 de agosto de 1966. O exercício da profissão pelo cirurgião-dentista alude à prática de atos e procedimentos reservados ao diagnóstico, tratamento e prognóstico das moléstias que acometem a região buco-maxilar (ALMEIDA, 2007). A função essencial da Odontologia é a de preveni-las, tentar corrigi-las, quando possível, ou minimizá-las, quando irreversíveis. O tratamento odontológico destina-se, sempre, à tentativa de restauração de uma saúde bucal perdida ou comprometida pelas afecções dentárias, não se podendo jamais deixar de considerar que o paciente nasce com, ou adquire, determinadas características bucodentárias (SILVA, M., 2009). Se o cirurgião-dentista infringiu normas e regras da sua profissão, não tomando todas as providências que o caso exigia, objetivando a melhoria da saúde do paciente, este poderá ser responsabilizado pela prática de erro odontológico (VANRELL, 2002). Para Vanrell (2002), o erro odontológico é o fato que, física ou psiquicamente, gera dano ao paciente, e é resultado de um agir culpável do cirurgião-dentista. A ação de responsabilidade civil na Odontologia ocorre quando o cirurgião-dentista, ao realizar determinado procedimento, acaba por provocar um dano ao paciente intencionalmente. Este dano pode ser físico ou mesmo um dano moral (PEREIRA, 2007). O possível dano resultante da ação do cirurgião-dentista, advindo da sua prestação de serviços, deverá ser indenizado mediante comprovação da culpa do profissional (SILVA, R., 2007). Segundo Melani e da Silva (2006), a responsabilidade civil odontológica é o dever ético jurídico de ressarcir o dano patrimonial ou moral, fundamentado na existência de culpa e na relação de casualidade entre a culpa e o dano gerado, em que a causa decorre de uma omissão ou ação, direta ou indireta, praticada pelo cirurgião-dentista no exercício da sua profissão, ou por quem ele é responsável em sua equipe de trabalho. De acordo com Martins-Filho et al. (2010), para que materialize a responsabilidade do cirurgião-dentista, faz-se necessário a ocorrência concomitante de cinco condições. São elas: - a presença de um agente, um cirurgião-dentista legalmente habilitado; - o ato profissional, que deve obedecer às normas e dispositivos específicos da legislação; - ausência de dolo, entendendo-se que o profissional agiu sem a intenção de causar dano ao paciente; - existência do dano; - relação ou nexo entre causa e efeito, que configura uma relação direta ou indireta entre o ato profissional e o dano causado. A responsabilidade civil do cirurgião-dentista inicia-se no planejamento e na orientação do paciente quanto à condução do tratamento. A culpa do cirurgião-dentista poderá ser averiguada quando o profissional atuar, por ação ou omissão, sem o intuito de lesar, mas assumindo tal risco. O cirurgião-dentista será culpado quando seus atos forem dignos de censura, entendendo-se que o profissional poderia ter agido de forma distinta (CABRAL, 2009).


13 A responsabilidade civil do cirurgião-dentista está vinculada a uma relação obrigacional, que obriga o profissional a responder pelo dano causado, sempre que agir com culpa em suas modalidades – negligência, imprudência e imperícia (MINERVINO e SOUZA, 2004). A negligência é a falta de cuidados e precauções por parte do cirurgião-dentista. É o descuido do profissional em relação à sua atuação, desconsiderando a atenção que o exercício da Odontologia exige. Sempre que o profissional tiver a obrigação de agir ou de ser omisso e não o faz, estará sendo negligente (PEREIRA, 2007). A imprudência ocorre quando o profissional age de forma precipitada, sem os devidos cuidados que o tratamento impõe, desconsiderando os resultados adversos e nocivos que são passíveis de ocorrer, decorrentes da conduta do profissional (PEREIRA, 2007). A imperícia caracteriza-se pela falta de conhecimento, de habilidade efetiva, de qualificação técnica que o tratamento exige para ser realizado. Ocorre quando o profissional, sem a devida competência, executa um procedimento, causando dano ao paciente (PEREIRA, 2007). De maneira geral, a atividade do cirurgião-dentista pressupõe a criação de um contrato de prestação de serviços com o paciente. Sendo assim, a responsabilidade do cirurgião-dentista é eminentemente contratual (ALMEIDA, 2007). A obrigação contratual do cirurgião-dentista compreende o dever de executar o serviço convencionado obedecendo à adequação técnica e científica (MARTINS-FILHO et al., 2010). Quanto à forma de execução, o contrato pode ser instantâneo, quando as prestações são cumpridas em um único ato; ou um contrato de trato sucessivo, quando o tratamento se prolonga por um tempo (ALMEIDA, 2007). Através deste contrato inicia-se uma obrigação, que pode ser de meio ou de resultado. Segundo Colovan, Mendonça e Lima (2008), a obrigação de meio é aquela assumida pelo profissional, onde este se dedica e se compromete a prestar o serviço, aplicando as técnicas adequadas, agindo com empenho e prudência, buscando atingir uma meta, um resultado positivo, mas sem comprometer-se a atingir um resultado específico. Desta forma, na obrigação de meio, o profissional tem o dever de atuar com diligência, aplicando ao tratamento todo o seu conhecimento, com o objetivo de alcançar o resultado esperado pelo seu paciente. Todavia, caso não se atinja o êxito, isto não significa o descumprimento de sua obrigação contratual (PEREIRA, 2007). Na obrigação de resultado, o cirurgião-dentista está automaticamente assumindo a responsabilidade de alcançar uma expectativa dada a seu cliente. É quando o dentista se compromete, além do esforço necessário, a atingir determinado resultado útil da sua atividade (GARBIN; GARBIN e LELIS, 2006). Se o paciente entender que o resultado obtido não coincidiu com o anunciado pelo cirurgião-dentista, este fica obrigado a indenizar o dano causado (COLOVAN; MENDONÇA e LIMA, 2008). A principal diferença existente entre a obrigação de meio e a obrigação de resultado é que na primeira o profissional não assume a responsabilidade pela impossibilidade de previsão do resultado final do tratamento, pois, um mesmo tratamento empregado em casos distintos, pode variar seu resultado de acordo com o organismo de cada paciente. Na obrigação de resultado, o profissional é obrigado a alcançar um determinado resultado, devido ao fato de comprometer-se em cumprir as expectativas do paciente. A conseqüência do inadimplemento da obrigação de meio refere-se ao ônus da prova. Caberá ao paciente demonstrar que o resultado esperado não foi atingido porque o cirurgião-dentista não empregou a diligência e a prudência a que se encontrava obrigado, e isto porque nessa relação obrigacional o cirurgião-dentista apenas está obrigado a fazer o que estiver ao seu alcance para conseguir a meta pretendida pelo paciente (SILVA, M., 2009). É importante destacar que, na obrigação de meio estabelece-se que não há como se prever o resultado, todavia, este fato não exime o cirurgião-dentista de empregar todos os meios e recursos, necessários e disponíveis, para a cura ou solução do problema, objetivando sempre alcançar o melhor resultado possível para a saúde dos seus pacientes (PEREIRA, 2007). Se o cirurgião-dentista promete alcançar uma expectativa criada pelo paciente, uma possibilidade de resultado sequer, ele deverá cumprir o que foi prometido, sob pena de ter que indenizar o dano, ou mesmo a insatisfação do paciente. Se o paciente entender que o resultado obtido não atingiu, ou não coincidiu com aquele anunciado pelo dentista, ele poderá levar seu caso para decisão em uma lide judicial (PEREIRA, 2007). A relação contratual que se estabelece entre cirurgião-dentista e seu paciente era, até bem pouco tempo, entendida pelo Direito como pertencente exclusivamente, como obrigação de resultado. Felizmente, a decidida atuação dos cirurgiões dentista, encabeçados principalmente por pesquisadores e docentes da área da Odontologia Legal, foi fazendo ver aos juristas que o estádio


14 em que se encontra a ciência odontológica não podia mais se conter no campo da previsibilidade de resultados, eis que dependentes da resposta biológica de seus pacientes, ou até mesmo da sua colaboração (SILVA, M., 2009). Sabendo-se que o êxito em um tratamento odontológico está na dependência não só da adoção de uma técnica correta e atualizada por parte do cirurgião-dentista, mas também da resposta biológica de cada paciente ante a terapêutica adotada e, ainda, os hábitos e cuidados individuais de cada paciente, entende-se que todas as especialidades odontológicas deveriam ser consideradas como obrigação de meio, devendo-se apurar a conduta do profissional e observar a sua documentação, previamente constituída (GARBIN; GARBIN e LELIS, 2006). O cirurgião-dentista só não será responsabilizado se o evento danoso se der por erro escusável, em face do estado da ciência, por culpa da vítima, por caso fortuito ou força maior e se ele agiu sem culpa e de conformidade com as normas norteadoras do exercício de sua profissão (DINIZ, 2010). Cabe ressaltar que o insucesso terapêutico não constitui culpa, desde que o tratamento tenha sido realizado dentro dos padrões científicos mais atuais. Assim, o cirurgião-dentista apenas se obrigaria a diligenciar os meios de obter a cura, sem se comprometer a efetivá-la (GARBIN; GARBIN e LELIS, 2006). A imprevisibilidade biológica da resposta de cada paciente ao tratamento e a possibilidade de insucesso no resultado devem sempre ser consideradas. Entretanto, tem-se visto que a Odontologia apresenta uma tendência atual de ser enquadrada como obrigação de resultado, situação esta decorrente das promessas de resultados específicos, feitas aos pacientes pelo profissional e por meio de propagandas publicitárias inadequadas, levando o paciente a entender que todo procedimento na Odontologia terá sucesso, independente de qualquer fator adverso (SILVA et al., 2009). (ANEXO A) Ainda hoje, certa camada de profissionais da área odontológica anuncia garantia de seus serviços, e até promete fazê-lo, por escrito. É evidente que essa prática, condenável, que deve ser erradicada de maneira drástica pela comunidade odontológica, poderá influenciar a expectativa do paciente em relação aos resultados do tratamento odontológico (SILVA, M., 2009). Assim como em outras atividades na área de saúde, o cirurgião-dentista tem o dever de informar ao paciente sobre os riscos dos procedimentos odontológicos e suas possíveis conseqüências. Se não houver informação prévia, será presumida a culpa do profissional (SILVA, R., 2007). Segundo Figueira Júnior e Trindade (2010), há que se provar a culpa do profissional. Se não for comprovado culpa do profissional, este é eximido da situação, configurando nos autos a inexistência de um dever para o cirurgião-dentista de indenizar o paciente por eventual dano que este tenha sofrido em tratamento odontológico. Desta forma, cabe ao profissional apresentar documentos que comprovem a ausência de sua culpa. 2.6. O Prontuário Odontológico Para que a relação existente entre o cirurgião-dentista e o paciente esteja em consonância com a legislação que a regulamenta, é necessário que esta relação seja documentada. A documentação odontológica possui grande importância nas relações de consumo, pois comprova como se deu a relação entre cirurgião-dentista e paciente. Além disso, comprova os atos éticos praticados pelo cirurgião-dentista (MACIEL, 2003). Para fins legais, administrativos e clínicos, o cirurgião-dentista deve registrar as atividades realizadas em um paciente através da documentação odontológica e armazená-las em arquivo pessoal, na forma de prontuário odontológico (MACIEL, 2003). Para Kato et al. (2008), o prontuário é um conjunto de documentos padronizados, organizados e concisos que são destinados ao registro dos cuidados prestados ao paciente, para uma correta avaliação, diagnóstico do caso, plano de tratamento, atendimento efetuado e proservação do paciente. (anexo B). De acordo com Figueira Júnior e Trindade (2010), o contrato, na forma de prontuário, é essencial, pois estabelece normas e parâmetros, regulando a própria relação de prestação de serviço, que se estabelece entre o cirurgião-dentista, e seu paciente, no início do tratamento. Segundo Carvalho (2009), um prontuário odontológico deve conter, minimamente: - identificação do cirurgião-dentista; - identificação do paciente; - identificação do representante ou do assistente, se o paciente for menor; - anamnese, com a identificação, principal queixa, história de doença atual, histórico médico pregresso e odontoestomatológico e o exame clínico bucal e extra bucal;


15 - diagnóstico e plano de tratamento, com a descrição das opções de tratamento, as limitações técnicas e biológicas, assim como os riscos e benefícios de determinado procedimento odontológico, informações estas presentes no termo de consentimento livre e esclarecido; - atendimento efetuado; - proservação do paciente; - radiografias e fotos; - cópia de receitas, sendo que a segunda via deve estar anexada ao prontuário; - cópia de atestados e; - cópia de recibos. Além disto, no prontuário deve haver a assinatura do paciente indicando: - ciência, entendimento do tratamento, dos procedimentos, dos riscos e benefícios possíveis, que é o próprio termo de consentimento livre e esclarecido; - concordância relativa à opção de tratamento; - veracidade das informações fornecidas durante anamnese; - concordância relativa à previsão de honorários. O prontuário odontológico deve conter todas as ocorrências, suas conseqüências verificadas ao longo dos atendimentos, bem como todas as providências tomadas (SILVA et al., 2009). O consentimento livre e informado está vinculado à responsabilidade civil dos profissionais da área odontológica. Este documento não retrata apenas a autorização do paciente em submeter-se a um tratamento, o que é de extrema importância, mas também envolve o seu pleno conhecimento acerca dos riscos, prognósticos e necessidades de tais intervenções (ALMEIDA, 2007). Para Paranhos (2007), o consentimento livre e informado manifesta as condições e limitações do profissional como reabilitador, junto com o aceite e entendimento do paciente. Trata-se de um acordo entre duas ou mais pessoas, sobre determinado objeto lícito e possível, que visa adquirir, resguardar, notificar ou extinguir direitos. No final do consentimento livre e informado, deve-se solicitar a autorização ao paciente para execução do tratamento, para o anúncio em artigos científicos ou mesmo para anúncios publicitários, respeitando sempre o anonimato do paciente. Segundo Almeida (2007), mesmo que o cirurgião-dentista tenha agido de acordo com a mais primorosa técnica, dispondo de toda a sua perícia e conhecimentos necessários, a responsabilidade civil poderá surgir da falta de consentimento pelo paciente, mesmo que tais resultados não advenham diretamente de uma má atuação do profissional no que diz respeito ao procedimento em si. Nestes casos, a responsabilidade decorre da atuação do profissional além do que lhe foi contratado, podendo o paciente pleitear uma indenização em virtude de não ter concordado com determinada conduta do cirurgião-dentista, mesmo que tenha sido obedecido todo o protocolo preconizado pelo ofício (ALMEIDA, 2007). Dessa maneira, o cirurgião-dentista tem a obrigação de prestar todas as informações possíveis a respeito do diagnóstico, prognóstico, real necessidade e riscos de determinada intervenção odontológica, devendo atuar no limite do consentimento de seu paciente plenamente esclarecido (ALMEIDA, 2007). Para se chegar a uma sentença condenatória, desfavorável ao cirurgião-dentista, o juiz fará uso de todas as provas levantadas. É nessa fase que se torna essencial a documentação completa do paciente (GEALH, 2005). O prontuário odontológico é o único artifício de defesa do cirurgião-dentista contra as demandas judiciais promovidas contra os profissionais da área odontológica. A necessidade de possuir tais documentos, com a devida assinatura do paciente ou de seu responsável legal, faz parte da precaução que se deve ter em relação aos processos judiciais e éticos a que está sujeito o cirurgião-dentista, constituindo elemento probatório ao seu favor (GARBIN et al., 2009). O cirurgião-dentista quando apresenta seus prontuários incompletos e deficientes, sem as assinaturas de consentimento do paciente, fica exposto, e, em caso de processo judicial, terá dificuldades de trazer provas de sua inocência (CABRAL, 2009). A documentação odontológica, para ser apresentada pelo profissional como prova, deve ser produzida oportunamente, ou não servirá para este fim. O profissional deve elaborar o prontuário ao longo do tempo, durante a realização de todo o tratamento. Se não for produzida desta forma, será irrelevante (SILVA et al., 2009). A documentação odontológica do paciente é uma fonte de informações para os pacientes e também de prova para os cirurgiões


16 dentistas em questões judiciais (MACIEL, 2003). O cirurgião-dentista, além de diligente no exercício profissional, deve registrar, por escrito, todos os seus atos, advertências dadas ao paciente e sempre exigir sua assinatura. Deve realizar todos os procedimentos baseados em técnicas coerentes e atualizadas, sem esquecer que, em um processo judicial, para sua defesa, a peça fundamental é o prontuário odontológico. O descuido com a documentação odontológica compromete e muito a defesa do cirurgião-dentista em processo judicial movido por pacientes insatisfeitos com o tratamento recebido (GARBIN; GARBIN e LELIS, 2006). A formação profissional e a vasta literatura odontológica oferecem os subsídios necessários para a elaboração dessa documentação. A falha ou falta da devida documentação, pode vir a comprometer a validade dos procedimentos sob o aspecto legal. O prontuário deve ser uma rotina em todas as diversas áreas da Odontologia para servir de auxilio na defesa do cirurgião-dentista diante de possíveis processos (KATO, 2008).

3. DISCUSSÃO De acordo com Silva et al. (2009), a difusão dos métodos de cura e a consciência do dano sofrido tem conduzido a um aumento significativo do número de pacientes que buscam a reparação por prejuízos em decorrência da culpa profissional. Cabral (2009), diz ser imprescindível que os cirurgiões-dentistas estejam cientes dos riscos a que estão vulneráveis em ter que responder, frente ao poder judiciário e à sociedade, pelos prejuízos ocasionados a seus pacientes, quando do exercício da atividade profissional. Segundo Garbin et al. (2009), os motivos que levam o paciente a ajuizar uma ação de responsabilidade civil contra o cirurgiãodentista são, principalmente: por sentir-se enganado pelo profissional que não atendeu às suas expectativas e ai referimos as propagandas que fogem ao código de ética; pelo insucesso do tratamento; pela relação de informação inadequada ou mesmo deficiente entre paciente e profissional. Garbin, Garbin e Lelis (2006), verificaram que, ao longo dos tempos, subsiste na propaganda odontológica a prática de garantia dos serviços prestados, muitas vezes até por escrito, utilizando-se de argumentos exagerados e positivistas, fatos que automaticamente configuram o tratamento proposto como sendo de resultados. Por outro lado, a dependência da resposta biológica do paciente ou mesmo a sua colaboração para o sucesso do tratamento odontológico tem feito alguns juristas perceberem que, na Odontologia, não pode haver previsibilidade de resultados (GARBIN; GARBIN e LELIS; 2006). Para Garbin et al. (2009), a atividade profissional da Odontologia, pelas suas próprias características, não poderia ser considerada como obrigação de resultado, pois, classificá-la desta forma contraria as peculiaridades das profissões da área da saúde. Para Garbin, Garbin e Lelis (2006), a ocorrência de ações judiciais movidas contra cirurgiões-dentistas poderia ser minimizada pela satisfação do paciente com o serviço realizado, por um bom relacionamento profissional/paciente, pela informação adequada sobre o serviço realizado e por uma adequada documentação odontológica. Segundo Santos (2010), atualmente, o cirurgião-dentista é um bom profissional técnico, mas falha com relação aos aspectos legais da sua profissão. Uma comunicação pobre e uma documentação sem muitos detalhes são as culpadas preliminares dos riscos para os cirurgiõesdentistas (GARBIN et al.; 2009). Para Maciel (2003), o prontuário odontológico é um documento singular, sendo o único instrumento de defesa contra as demandas judiciais promovidas contra profissionais da Odontologia. Em seu trabalho, Melani e da Silva (2006), ressaltam que a maioria dos profissionais da Odontologia não confeccionam um prontuário odontológico completo, com todas as intercorrências anotadas e com as devidas assinaturas do paciente, o que dificulta a defesa do profissional frente a um possível processo de responsabilidade civil, pois é na documentação odontológica que o cirurgião-dentista procura as provas para sua defesa. Santos et al. (2010), ressaltam que a adoção de medidas preventivas é importante para evitar atritos entre profissionais e pacientes. Entre as principais precauções está a descrição de forma clara dos procedimentos a serem realizados, bem como o termo de informação que conste os riscos e as opções de tratamento oferecidas ao paciente. Para Paranhos (2007), todos os cirurgiões-dentistas deveriam fazer uso do consentimento livre e informado, estabelecendo-se a


17 relação jurídica e os deveres secundários, estes destinados a preparar ou assegurar a perfeita realização de prestação do serviço odontológico. Para Figueira Júnior e Trindade (2010), cabe ao cirurgião-dentista, consciente de sua responsabilidade e obrigação inerente à profissão, minimizar sua taxa de risco profissional, assim como evitar ações por parte de seus pacientes, munindo-se de uma série de atenções e cuidados, observando rigorosamente as regras da boa atuação profissional e praticando sistematicamente um relacionamento harmônico e de amizade com seus pacientes. Para Gealh (2005), o bom relacionamento entre o profissional e o paciente é fator fundamental na prevenção de futuros processos, devendo-se estabelecer uma relação de confiança, sempre esclarecendo os procedimentos a serem realizados, sem criar expectativas ao paciente. A Odontologia, ao mesmo tempo em que aprofunda e alarga a sua produção no campo do saber científico e tecnológico, precisa, urgentemente, voltar-se os olhos para os reflexos de sua atuação sob a ótica do campo jurídico (SILVA, M., 2009).

4. CONCLUSÃO Devido ao fato de a Odontologia ser vista, principalmente, como obrigação de resultado, situação esta decorrente do fato de as propagandas comerciais odontológicas promoverem uma ´´Odontologia facilitada``, com garantia dos serviços prestados, verificase o aumento no número de processos judiciais contra cirurgiões-dentistas. Observa-se grande negligência por parte dos profissionais na estruturação dos prontuários odontológicos de seus pacientes, documento este que seria o meio de defesa do profissional. Através dessa abordagem conclui- se que, além de fomentar a difusão e aplicação deste assunto cada vez mais comum na Odontologia, faz-se necessário conscientizar os cirurgiões-dentistas sobre a importância da documentação odontológica no seu cotidiano e trabalhar a odontologia como interdisciplinar baseada em uma profissão tão cientifica técnica como humanizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALMEIDA, F. B. S. Responsabilidade civil do cirurgião dentista na Implantodontia. 2007. 54f. Monografia (Especialização para Magistratura) – Escola de Magistratura do Paraná, Curitiba, 2007. 2. BAPTISTA, S. N. Teoria geral do dano. São Paulo: Atlas, 2003. 3. CABRAL, C. de P.V. Responsabilidade civil do Cirurgião-Dentista. Revista Naval de Odontologia On line, v. 3, n. 2, p. 16-19, nov. 2009. 4. CARVALHO, E. S. Responsabilidade Civil do Cirurgião-Dentista. CRO DF, 2009. 5. COVOLAN, E; MENDONÇA, L. N; LIMA, S. de O. O direito analisa a responsabilidade civil na Odontologia. Anuário de Produção de Iniciação Científica Discente, v. XI, n.12, p. 523-534, 2008. 6. DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 7. DIREITO, C. A. M; CAVALIERI FILHO, S. Comentários ao Novo Código Civil: Da Responsabilidade Civil Das Preferências e Privilégios Creditórios. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 8. FIGUEIRA JUNIOR, E; TRINDADE, G. de O. Responsabilidade do Cirurgião Dentista Frente ao Código de Defesa do Consumidor. Cadernos UniFoa, Volta Redonda, ano V, n. 12, p. 63-70, abr. 2010. 9. GARBIN, C. A. S. et al. A responsabilidade profissional do cirurgião-dentista segundo a opinião dos advogados. Revista de Odontologia da UNESP, Araçatuba, v.38, n. 2, p.129-134, 2009. 10. GARBIN, C. A. S; GARBIN, A. J. I; LELIS, R. T. Estudo da percepção de cirurgiões-dentistas quanto à natureza da obrigação assumida na prática odontológica. Revista de Odontologia da UNESP, Araçatuba, v. 35, n. 2, p. 211-215, 2006. 11. GEALH, W. C. et al. O Cirurgião Bucomaxilofacial e suas Responsabilidades diante do Novo Código Civil. RBC – Revista de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, v. 3, n. 11/12, p.186-190, nov. dez. 2005. 12. KATO, M. T. et al. Responsabilidade Civil do Cirurgião-Dentista. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, v.20, n. 1, p. 66-75, jan. abr. 2008. 13. MACIEL, S. M. de L. et al. A Documentação Odontológica e a sua Importância nas Relações de Consumo: Um Estudo em Campina Grande –PB. Pesq Brás Odontoped Clin Integr, João Pessoa, v. 3, n. 2, p. 53-58, jul. dez. 2003. 14. MARTINS-FILHO, I. E. et al. Responsabilidade civil do cirurgião-dentista especialista em Dentística: obrigação de meio e resultado. Revista Odontologia e Sociedade, São Paulo, v. 2 , n. 12, p. 14-22, 2010. 15. MELANI, R. F. H; SILVA, R. D. da. A relação profissional-paciente. O entendimento e implicações legais que se estabelecem durante o tratamento ortodôntico. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 11, n. 6, p. 104-113, nov./dez. 2006. 16. MINERVINO, B; SOUZA, O. T. Responsabilidade civil e ética do ortodontista. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 9, n. 6, p. 90-96, nov./dez. 2004. 17. PARANHOS, L. R. et al. Orientações legais aos cirurgiões dentistas. Revista Odonto, São Bernardo do Campo, ano 15, n. 30, p. 55-62, jul. dez. 2007. 18. PAULO, A. de. Pequeno Dicionário Jurídico. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.


18 19. PEREIRA, W. A responsabilidade civil do cirurgião dentista em face ao Código de Defesa do Consumidor. Revista Horizonte Científico, Uberlândia, v.1, n. 1, 2007. 20. PINTO, A. L de T; SANTOS, M. C. V. dos; CÉSPEDES, L. VADE MECUM. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 21. RODRIGUES, S. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. 22. SAMPAIO, R. M. de C. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. 23. SANTOS, F. de S. dos et al. Defesa do consumidor e a Odontologia: relato de caso. Revista Científica Multidisciplinar do Centro Universitário da FEB, Barretos, v. 6, n. 2, p. 27-30, nov. 2010. 24. SILVA, M. da. Compêndio de Odontologia Legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. 25. SILVA, R. B. T. da. Responsabilidade Civil: Responsabilidade Civil na Área de Saúde. São Paulo: Saraiva, 2007. 26. SILVA, R. H. A. da et al. Responsabilidade civil do cirurgião-dentista: a importância do assistente técnico. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 4, n. 6, p. 65-71, nov. dez. 2009. 27. VANRELL, J. P. Odontologia Legal e Antropologia Forense. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 28. VENOSA, S. de S. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.


PACIENTES ESPECIAIS Capítulo

2

Pacientes Hipertensos e a Prática Odontológica

Kívia Linhares Ferrazzo Raquel Pippi Antoniazzi

INTRODUÇÃO A hipertensão arterial sistêmica é um dos mais importantes fatores de risco de doenças cardiovasculares e uma das doenças crônicas mais prevalentes no Brasil e na população mundial. Segundo as Sociedades Brasileiras de Hipertensão e Cardiologia, aproximadamente 300 mil pessoas no Brasil morrem de doenças cardiovasculares por ano. A hipertensão é classificada como uma doença silenciosa de evolução lenta e discreta, o que, por sua vez, dificulta em muito o diagnóstico em suas fases iniciais, que geralmente é realizado por acaso ou em condições adversas. Essa ausência de sintomas é considerada um dos grandes problemas, pois, além de dificultar o diagnóstico, interfere também na adesão do paciente à terapêutica. Se a doença não for adequadamente tratada, poderá comprometer gravemente órgãos-alvo, sendo fator de risco para eventos cardiovasculares com associação direta à mortalidade cardiovascular. A pressão arterial (PA) nada mais é do que a força exercida pelo sangue sobre as paredes das artérias. Quando é realizada a aferição da PA, dois valores são obtidos. Esses são denominados pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD). A PAS refere-se à pressão arterial máxima e ocorre durante a contração ventricular; a PAD refere-se à pressão arterial mínima equivalendo ao relaxamento ventricular. A hipertensão arterial pode estar associada a algumas condições sistêmicas, como doença renal crônica, apneia obstrutiva do sono, hipertireoidismo ou uso crônico de drogas, como anti-inflamatórios esteroidais (corticoides), anti-inflamatórios não esteroidais e anticoncepcionais. Nesses casos é chamada de hipertensão secundária. Entretanto, na maioria das vezes a hipertensão não está associada a nenhuma doença ou condição sistêmica, quando é chamada de hipertensão essencial. Hábitos de vida, fatores genéticos e ambientais estão envolvidos com o surgimento, severidade e progressão da hipertensão arterial. Os fatores de risco para a hipertensão incluem: dieta rica em sódio, alcoolismo, tabagismo, sedentarismo, hereditariedade, gênero e etnia, dentre outros. A doença pode ocorrer também como decorrência de fatores relacionados ao sistema simpático, mas, em geral, é o resultado do somatório de fatores de risco que determina a instalação da hipertensão e sua gravidade.


20 DIAGNÓSTICO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL O diagnóstico da hipertensão arterial sistêmica não deve ser feito com base em uma única medida da PA, pois desta forma o paciente poderia ser classificado erroneamente como hipertenso, e ser submetido a um tipo de tratamento desnecessário. O diagnóstico, portanto, deverá ser confirmado por repetição das medidas, em condições ideais, em pelo menos outras três ocasiões. Alguns fatores podem levar a uma mensuração inadequada, sub ou superestimando a real PA do paciente. Dentre esses fatores podemos destacar a utilização da técnica correta, o aparelho utilizado e as condições do paciente, que incluem a prática de esforço ou exercícios físicos próximos ao horário da mensuração e a ingestão de determinados alimentos como a cafeína. Para se aferir a pressão arterial, diferentes métodos podem ser utilizados. O método convencional, utilizado desde 1903, é aquele que utiliza um esfigmomanômetro e um estetoscópio. O esfigmomanômetro pode ser o de coluna de mercúrio, que tem sido considerado padrão ouro em múltiplos estudos na literatura, ou esfigmomanômetro aneróide, que utiliza uma espécie de mostrador analógico para indicar o nível de pressão. Existe ainda outro modo de se realizar a mensuração da PA, utilizando aparelhos automáticos / semiautomáticos, que o fazem pelo método oscilométrico durante a deflação do manguito. Os aparelhos automáticos apresentam a vantagem de serem mais práticos, não necessitando de treinamento especial para sua utilização. Entretanto, salienta-se que esses aparelhos devem ser validados por protocolos de acordo com as normas das entidades internacionais Association for the Advancement of Medical Instrumentation e British Hypertension Society. A técnica de aferição convencional é simples e está detalhadamente descrita nas VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Alguns passos devem ser observados, começando com o fato de que o paciente deve estar tranquilo e calmo, de preferência em repouso de 5 a 10 minutos. Para iniciar, faz-se a localização da artéria braquial no braço do paciente e o posicionamento do manguito, evitando folgas e centralizando a bolsa de borracha sobre a artéria braquial, cerca de 2 a 3 cm acima da fossa antecubital. Com o paciente na posição sentada e ereta, manter o braço na altura do quarto espaço intercostal. Posicionar o estetoscópio suavemente na fossa antecubital sobre a artéria braquial, evitando compressão excessiva. Inflar rapidamente, de 10 em 10 mmHg, até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível da pressão sistólica estimada do paciente, e proceder a deflação em velocidade constante de 2 a 3 mmHg por segundo, que pode ser elevada para 5 a 6 mm Hg por segundo, após a determinação da pressão sistólica, para evitar congestão venosa e desconforto para o paciente. A pressão sistólica é identificada no momento do aparecimento do primeiro som da série de sons (fase I de Korotkoff), que se intensificam com o aumento da velocidade de deflação. A pressão diastólica é determinada pelo desaparecimento dos sons (fase V de Korotkoff). Deve-se auscultar cerca de 20 a 30 mm Hg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento, e, depois, proceder à deflação rápida e completa.

CLASSIFICAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL: DIRETRIZES BRASILEIRAS X DIRETRIZES NORTE-AMERICANAS Existem diferenças na classificação da pressão arterial entre os diversos consensos publicados sobre hipertensão arterial. Todos eles, entretanto, definem a hipertensão arterial como uma pressão arterial sistólica maior ou igual a 140 mmHg e/ou uma pressão arterial diastólica maior ou igual a 90 mmHg. As VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão (2010) classificam a pressão arterial conforme o quadro abaixo: Ótima: Pressão sistólica menor que 120 mmHg e diastólica menor que 80 mmHg; Normal:

Pressão sistólica menor que 130 mmHg e diastólica menor que 85 mmHg;

Limítrofe:

Pressão sistólica entre 130-139 e pressão diastólica entre 85-89 mmHg;

Hipertensão estágio 1:

Pressão sistólica entre 140-159 e diastólica entre 9099 mmHg;

Hipertensão estágio 2:

Pressão sistólica entre 160-179 e diastólica entre 100-109 mmHg;

Hipertensão estágio 3:

Pressão sistólica maior que 180 e diastólica maior que 110 mmHg.


21 A grande diferença entre as diretrizes brasileiras e as diretrizes norte-americanas diz respeito aos pacientes que apresentam pressão arterial sistólica entre 120 a 139 mmHg e diastólica entre 80 e 89 mmHg. Segundo as diretrizes norte-americanas (The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure – JNC7), esses pacientes são considerados pré-hipertensos. Ainda, segundo os autores, a pré-hipertensão é considerada precursora da hipertensão, sendo que pessoas com pré-hipertensão apresentam maiores riscos de desenvolver hipertensão ao longo da vida. Nas demais categorias a classificação é semelhante. A hipertensão arterial é classificada somente como grau 1 (pressão arterial sistólica entre 140 e 159 mmHg ou pressão arterial diastólica entre 90 e 99 mmHg) ou grau 2 (pressão arterial maior ou igual 160/100 mmHg). Se tais medidas forem abaixo de 120/80 mmHg o indivíduo é considerado normotenso. O JNC7 sugere que, além do médico, todos os profissionais da saúde, incluindo enfermeiros, nutricionistas e cirurgiões-dentistas, devem estar comprometidos com o controle da pressão arterial, e podem exercer um papel importante orientando o paciente sobre os riscos da hipertensão, reforçando instruções sobre a importância de uma terapia eficaz e da adesão ao tratamento, e com isso, promover intervenções positivas no estilo de vida do paciente. Desta forma, o cirurgião-dentista tem como dever intervir, de modo que seu papel influencie o paciente de maneira positiva de diferentes formas: desde a detecção da condição do paciente, até o controle da PA. Sendo assim, o profissional deve adquirir o hábito de rotineiramente aferir a PA em seus pacientes, assim como ter conhecimento sobre os sintomas associados à doença em questão, sobre a terapia medicamentosa que o paciente utiliza, e se o mesmo aderiu à terapêutica proposta pelo médico.

TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL Segundo as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão, o que deve orientar o profissional na decisão pelo tipo de abordagem terapêutica não deve ser apenas o nível da pressão arterial, mas sim, a presença de fatores de risco, como diabetes, síndrome metabólica, lesões em órgãos-alvo e a presença de doença cardiovascular. Na literatura existem duas formas de tratamento: a terapêutica farmacológica, ou medicamentosa, e a terapêutica não farmacológica. A terapêutica não medicamentosa visa mudanças nos hábitos de vida dos pacientes, de modo que o mesmo possa praticar hábitos mais saudáveis que contribuam para a diminuição dos valores pressóricos, melhorando sua condição e promovendo uma melhor qualidade de vida. Consiste em alterações alimentares (alimentação saudável, consumo controlado de sódio e álcool e consumo de potássio), prática de exercícios físicos (combate ao sedentarismo), além de incentivo na diminuição e cessação dos hábitos relacionados ao tabagismo e ao alcoolismo, o que muitas vezes é mais difícil de se conseguir em determinados tipos de pacientes. Essas informações e recomendações, quando passadas ao paciente, podem proporcionar resultados satisfatórios e atuar como coadjuvante ao tratamento medicamentoso. O tratamento não farmacológico da hipertensão tem como propósito, além de promover uma redução da PA, diminuir também a necessidade do uso de fármacos anti-hipertensivos, promovendo, dessa forma, a redução da morbidade e mortalidade associada à HAS. É possível conseguir bons resultados com o tratamento não medicamentoso, através de modificações no estilo de vida, principalmente no paciente pré-hipertenso. A redução do peso combinada com uma dieta balanceada e hipossódica contribui de forma positiva no controle da HAS, e tais modificações no estilo de vida agem de forma benéfica, além de potencializar a ação farmacológica anti-hipertensiva. Devido ao fato de haver grande disparidade entre vários estudos, não se sabe ao certo o real mecanismo patológico que poderia indicar com exatidão a relação existente entre hipertensão e obesidade. De fato, o excesso de peso é cotado como fator de risco, sendo que estudos demonstram que este amplia de duas a seis vezes o risco do paciente de desenvolver hipertensão. Sendo assim, as perdas de peso e da circunferência abdominal podem contribuir não somente para um melhor controle da hipertensão, mas também para funções metabólicas associadas, levando a uma melhor qualidade de vida. O índice de massa corporal (IMC) é um padrão internacional para avaliar o grau de obesidade, obtido através da divisão da massa corporal (peso) pelo quadrado da estatura (altura). Segundo o JNC7 e as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão, as medidas antropométricas ideais a serem alcançadas para prevenção e controle da HAS são: IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2 e circunferência abdominal menor que 102 cm para homens e menor que 88 cm para mulheres. A terapêutica farmacológica para a hipertensão consiste do uso de fármacos para controle da pressão arterial. Esse tipo de terapia pode ser complementado com terapia não farmacológica. Dentre os medicamentos mais comuns utilizados estão os betabloqueadores, diuréticos, bloqueadores de canais de cálcio, inibidores de enzima conversora de angiotensina, que são usados


22 de forma isolada ou em associações. O controle da hipertensão arterial está relacionado diretamente à adesão do paciente ao tratamento. A proposta terapêutica deve ser a mais simplificada possível, de modo a contribuir para uma melhor adesão dos pacientes. Diversos estudos na literatura sugerem que é melhor utilizar um protocolo terapêutico de dose única diária, substituindo medicamentos de dose dupla diária. A associação de diferentes medicamentos em única apresentação, substituindo o uso de vários medicamentos, contribui para minimizar o esquecimento. Além disso, os efeitos colaterais dos fármacos podem trazer para os pacientes algum tipo de sensação ou percepção de piora de qualidade de vida, ou ainda, sensação de mal-estar, o que compromete a adesão ao tratamento, pois se trata de uma doença praticamente assintomática. Vários fatores influenciam na adesão do paciente ao tratamento e, dentre eles, estão os individuais, acerca do próprio paciente, o tipo de terapêutica, farmacológica e não farmacológica, e os fatores relacionados ao sistema de saúde e integração pacienteprofissional. Em geral, pacientes com um nível socioeconômico não privilegiado têm seu índice de adesão diminuído, ora pelos custos com a terapêutica, ora por uma mera falta de estímulo, o que faz com que eles acabem abandonando o tratamento. Dessa forma, profissionais da saúde devem ter conhecimento dos fatores que podem vir a favorecer o processo de adesão, promovendo desta maneira uma estratégia mais eficiente, a fim de se obter uma maior adesão ao tratamento por parte do paciente e, por conseguinte, melhor controle da hipertensão e qualidade de vida.

PLANEJANDO O TRATAMENTO ODONTOLÓGICO DO PACIENTE HIPERTENSO No tocante ao tratamento odontológico do paciente hipertenso, salientamos a importância do cirurgião-dentista adotar como rotina a aferição da pressão arterial de seus pacientes em todas as primeiras consultas, retornos e, eventualmente, em todas as consultas, caso o paciente apresente pressão arterial não estável. Apesar de ser o ideal, sabemos que essa prática não é adotada por muitos cirurgiões-dentistas, seja por falta de tempo ou mesmo por desconhecimento do seu papel como agente promotor de saúde, que deve visar não apenas a saúde bucal, mas a saúde global de seus pacientes. Estudos demonstram que as complicações cardiovasculares aumentam de forma linear e contínua a partir de uma pressão arterial de 115/75 mmHg. O risco de morte por eventos cardiovasculares dobra para cada 20 mmHg de aumento na PAS e para cada 10 mmHg de aumento na PAD em indivíduos de 40 a 70 anos de idade. Apesar de não existirem evidências científicas suficientes que comprovem a ocorrência de complicações cardiovasculares associadas a procedimentos odontológicos a partir de determinado nível de pressão arterial, a maioria da literatura adota como ponto de corte o limite de 180/110 mmHg de pressão arterial para a realização de procedimentos odontológicos eletivos. Nesses pacientes devem ser realizados apenas tratamentos de urgência, para controle de dor, hemorragias e infecções, através de procedimentos pouco invasivos e com prescrição de analgésicos e antibióticos, se necessário. Além disso, esses pacientes, por apresentarem hipertensão arterial grave, devem ser imediatamente encaminhados ao médico. Ressaltamos que essa conduta é baseada em evidências derivadas de estudos realizados em grupos limitados de populações, de consensos e opiniões de especialistas, que, através de trocas de experiências clínicas, elaboraram guias / diretrizes para tratamento odontológico em pacientes hipertensos. Os demais pacientes (PA menor que 180/110 mmHg), se estiverem assintomáticos, podem ser submetidos a quaisquer tratamentos odontológicos eletivos, mas, ainda assim, recomenda-se encaminhar ao médico aqueles pacientes que estejam com pressão arterial elevada, para o devido tratamento e eventuais ajustes na medicação anti-hipertensiva. Além da aferição rotineira da pressão arterial, a anamnese deve ser realizada da forma mais completa possível, buscando identificar a causa da hipertensão e possíveis lesões em órgãos-alvo associadas à hipertensão, bem como tomar conhecimento de todos os medicamentos que o paciente utiliza continuamente. O conhecimento da pressão arterial e da medicação anti-hipertensiva que o paciente utiliza permite um adequado planejamento do tratamento odontológico, que inclui a escolha do anestésico a ser utilizado. Isso pode impedir ou minimizar complicações durante o tratamento odontológico. Uma pergunta recorrente que é feita por estudantes e mesmo por profissionais de odontologia é: qual anestésico deve ser utilizado no paciente hipertenso? Infelizmente essa pergunta não tem uma resposta simples. Para responder a essa pergunta, temos que considerar outras questões. Qual é o grau (severidade) da hipertensão do paciente? Qual (is) medicação (ões) anti-hipertensiva (s) o


23

paciente utiliza? O paciente apresenta alguma outra condição sistêmica associada? Qual o procedimento odontológico a ser realizado e o tempo previsto? As respostas a essas perguntas irão influenciar na escolha do anestésico a ser utilizado. A II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia apresenta considerações em relação ao uso dos anestésicos locais. A principal preocupação se refere ao uso dos vasoconstritores. De um modo geral, na maioria dos pacientes hipertensos podem ser utilizados com segurança de dois a três tubetes de anestésicos locais contendo epinefrina, na concentração de 1:100.000. Conforme já mencionado anteriormente, salientamos que o cirurgião-dentista deve ficar atento à medicação antihipertensiva utilizada pelo paciente. De um modo geral, são conhecidos três mecanismos para o desenvolvimento da hipertensão arterial essencial. São eles: mecanismo relacionado ao sistema nervoso simpático; mecanismo relacionado ao volume circulante e mecanismo relacionado ao sistema renina-angiotensina-aldosterona. A pressão arterial é proporcional ao débito cardíaco e à resistência vascular periférica. Para entendermos o mecanismo de ação dos medicamentos anti-hipertensivos, é necessário recordarmos a fisiologia do nosso organismo na regulação do sódio, do controle de volume circulante, e da resistência vascular periférica. Tentaremos ilustrar esse mecanismo resumidamente no esquema acima. Existem várias classes de medicamentos utilizados para o tratamento da hipertensão arterial, indicados de acordo com os mecanismos desencadeadores da hipertensão arterial, citados anteriormente. Muitos deles podem estar associados a alterações na mucosa oral, bem como podem sofrer interações com outras drogas. Alguns estudos demonstraram grande aumento da pressão arterial sistêmica após a administração de anestésicos locais contendo epinefrina e levonordefrina em pacientes que usavam antihipertensivos beta-bloqueadores não seletivos (propranolol). Nesses casos, é prudente e racional considerar a possibilidade de não se utilizar anestésicos contendo esses vasoconstritores. Caso o profissional julgue importante a utilização de anestésicos contendo esses vasoconstritores, seja em função do tipo de procedimento a ser realizado e/ou do tempo estimado de duração, recomenda-se restringir a quantidade de anestésicos a dois tubetes e realizar o monitoramento da pressão arterial durante o procedimento. A tabela da próxima página lista as principais classes de medicamentos anti-hipertensivos, mecanismos de ação dos medicamentos e considerações de interesse odontológico, como alterações que podem surgir decorrentes do uso contínuo do medicamento e possíveis interações medicamentosas.


24 CONSIDERAÇÕES FINAIS A hipertensão arterial pode ser diagnosticada através de uma técnica relativamente fácil e com amplo acesso aos profissionais de saúde. O cirurgião-dentista pode desempenhar um papel importante, tanto para diagnosticar, bem como para estimular e conscientizar o paciente na adesão ao tratamento proposto pelo médico, a fim de que este tenha um melhor prognóstico e, por fim, uma melhor qualidade de vida. Uma boa anamnese e o conhecimento da medicação anti-hipertensiva utilizada pelo paciente são fundamentais para o planejamento do tratamento odontológico.

PRINCIPAIS CLASSES DE MEDICAMENTOS ANTI HIPERTENSIVOS

MECANISMO DE AÇÃO DOS MEDICAMENTOS

CONSIDERAÇÕES DE INTERESSE ODONTOLÓGICO

Bloqueiam a reabsorção de sódio no rim, causando a umento da excreção urinária de sódio com consequente redução do volume de líquido extracelular ( intersticial e intravascular ) e diminuição da resistência vascular periférica.

Boca seca, reações liquenóides.

2. INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DA ANTIOTENSINA (ECA)

Bloqueiam a conversão da angiotensina I em angiotensina II . Ação da angiotensina II: a angiotensina II produz vasoconstrição e estimula a secreção de aldosterona levando ao aumento da reabsorção renal de sódio.

Erupções cutâneas, lesões penfigóides orais, reações liquenóides, risco de angioedema de lábios, língua .

3. BLOQUEADORES DO RECEPTOR DA ANGIOTENSINA

Bloqueiam os receptores AT 1 da angiotensina II, antagonizando sua ação (veja explicação acima).

Angioedema de lábios e língua.

Redução do tônus simpático, diminuição do débito cardíaco, alguns deles fazem vasodilatação

Os efeitos adversos estão mais relacionados aos beta-bloqueadores: bradicardia, hipotensão ortostática. Ficar atento à associação de beta bloqueadores não seletivos com epinefrina. Reações liquenóides.

5. BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO

Redução da resistência vascular periférica por diminuição da concentração de cálcio nas células musculares lisas vasculares.

Hiperplasia gengival .

6. VASODILATADORES DIRETOS

Promovem relaxamento da musculatura da parede vascular e diminuição da resistência vascular periférica.

Pode causar hipotensão ortostática e taquicardia reflexa .

Inibe a ação da renina e, consequentemente, diminui a formação de angiotensina II.

Essa classe de medicamentos entrou no mercado em 2007, e não existem relatos de alterações orais associadas a essas drogas.

1. DIURÉTICOS Tiazídicos Alça Poupadores de potássio

4. INIBIDORES ADRENÉRGICOS Betabloqueadores Alfabloqueadores Ação Central

7. INIBIDOR DIRETO DA RENINA


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ESTÉTICA Capítulo

3

Riscos e Complicações do Uso de Piercing Oral e Perioral

Manuel Antonio Gordón-Núñez Gustavo Gomes Agripino Pierre Andrade P Oliveira Sandra Aparecida Marinho José Wittor de Macêdo Santos Diego Gonçalves Henrique Pires

INTRODUÇÃO O body piercing, ou piercing corporal é uma arte definida como a penetração de uma jóia em aberturas feitas na pele ou mucosa, com propósitos religiosos, culturais e/ou sexuais1. Os locais mais frequentemente eleitos para o uso de piercing corporal são as sobrancelhas, nariz, orelhas, umbigo, mamilos e genitálias. Porém, algo que tem chamado bastante a atenção dos cirurgiõesdentistas é a colocação do piercing em regiões orais e periorais2,3. O piercing oral é definido como a colocação de uma jóia ou dispositivo nas estruturas intraorais ou que, mesmo colocado fora da boca, possui alguma comunicação intraoral4. A inserção de piercings orais e periorais tem sido associada a complicações que variam de leves até graves, muitas vezes podendo levar até a morte, incluindo desde o edema até a endocardite bacteriana5. A gama de complicações associadas ao uso de piercing oral ainda é agravada por ser muitas vezes um procedimento executado por leigos, carentes do conhecimento clínico e anatômico necessário para a colocação do dispositivo, exercendo a prática em locais com condições físicas inadequadas, infringindo as normas de biossegurança e sem cuidados pós-operatórios1,2. Considerando que a literatura sobre os riscos e complicações associados ao uso de piercing oral é escassa, este capítulo apresenta uma abordagem sobre as principais complicações locais e sistêmicas em indivíduos usuários de piercing oral, no intuito de orientar aos discentes e profissionais da Odontologia, bem como a população em geral sobre os riscos e complicações referentes ao uso desse ornamento nos tecidos orais e periorais.

REFERENCIAL HISTÓRICO Achados arqueológicos têm comprovado que o piercing corporal, inclusive aqueles na região oral, possui referências de uso há pelo menos 3.500 anos atrás no Antigo Egito como símbolo da realeza, onde há relatos de perfuração da região do umbigo e colocação de jóias. Alguns autores afirmam que o uso do body piercing á ainda mais antigo, sugerindo essa prática há mais de 5.000 anos atrás6. Há relatos que os piercings no nariz e orelha eram frequentemente usados na Índia. Entre os esquimós do Estreito de Bering, o uso


27 era reservado às garotas na pré-puberdade que, ao alcançarem a puberdade, deixavam o uso do piercing. Na Colômbia e Peru, os homens usavam ornamentos no septo nasal. Ainda nesses países, em suas origens Incas, o body piercing era restrito à nobreza do império e militares recém-graduados7. Os piercings nos lábios, bochecha e língua também foram usados tradicionalmente nas culturas Hindu, Chinesa e Ameríndia6. Com relação aos adornos labiais, os homens esquimós do Alaska realizavam cerimônias onde os adolescentes que haviam alcançado a puberdade tinham seu lábio inferior perfurado por objetos de madeira ou osso (piercings hoje conhecidos como labret). Em algumas tribos da Etiópia, as mulheres tinham seus lábios inferiores perfurados para a inserção de pratos, ou discos de madeira. Já em Toposa, no Sudão, as mulheres tinham o hábito de usar um fio de bronze atravessando o lábio inferior na linha média, como sinal de seu estado matrimonial. Para os antigos Maias, o piercing era um ícone de espiritualidade, virilidade e coragem7. Na sociedade moderna, tem se visto uma alteração dos propósitos pelos quais os piercings eram comumente usados na antiguidade. Não mais visto como um símbolo cultural, religioso ou de poder e status, o piercing é agora visto como um acessório de moda, rebeldia ou fetiche sexual8. Em países desenvolvidos, o body piercing se tornou um acessório muito usado pelos movimentos punk e hippie (coadjuvantes no movimento de contracultura) e após isso, como uma forma de arte corporal juntamente com as tatuagens, marcas e cicatrizes. Nesse período dos anos 80, o uso do piercing na sociedade ocidental se tornou algo escandalizante e de má fama, já que era frequentemente associado à rebeldia e à falta de normas dos movimentos de contracultura6. Nos anos 90, o uso do piercing aumentou no ocidente alterando o quadro visto na década de 80, tornando a prática do body piercing cada vez mais disseminada. Em grande parte, esse crescimento do uso é devido ao fato do piercing ter sido cada vez mais utilizado por pessoas públicas como os pop stars e celebridades. Atualmente, é uma prática presente em todas as classes sociais no mundo inteiro, mas parece prevalecer naqueles que usam o piercing com o intuito de distinção dos demais na sociedade ou pela aceitação em determinados grupos sociais1.

PERFIL DOS USUÁRIOS E CARATERÍSTICAS DO PIERCING Se no oriente tal prática já existe há milênios, no ocidente só veio a se tornar popular recentemente, em meados do século XX, demonstrando um crescimento constante8,4. O uso do piercing é mais comum em adolescentes e jovens adultos, por razões estéticas, moda, fetiche sexual, forma de expressão pessoal, adesão em um grupo social, dentre outras9, 10. Observa-se uma tendência ao uso de piercing oral em indivíduos de ambos os sexos, porém com leve predominância nos homens, entre as idades de 12 a 43 anos, com média de 24,3 anos7, 8. Uma variedade de razões parece exercer influência na decisão dos indivíduos para perfurar o corpo e colocar o piercing. No mundo ocidental, podem ser elencadas a expressão da individualidade e embelezamento do corpo, arte, moda, prazer, aceitação a grupos sociais, resistência, espiritualidade, tradição cultural, provocação, ousadia, motivação sexual e apenas por diversão. No entanto, em outras partes do mundo, incluindo a África do Sul, o uso de piercing corporal e oral pode ser parte das crenças religiosas e influências culturais11, 12. Os tipos mais comuns de piercings são três: Barbell, um piercing com duas esferas, uma em cada extremidade; Labret, que possui uma esfera em uma ponta e uma superfície plana na outra; e os piercings em forma de Argola6, 8, 9, 13. A maioria dos piercings é feita de metal, sendo o aço inoxidável o material mais comum na composição destas jóias. Existem piercings feitos de níquel, prata, aço cirúrgico inoxidável, cromo, ouro, titânio, nióbio, ou liga metálica, como níquel-cobalto. Podem também ser fabricados com materiais sintéticos como teflon, acrílico, nylon ou plástico. Outros materiais como pedra, madeira, osso, politetrafluoroetileno (polímero de carbono e flúor- fluorine) e polipropileno, também podem fazer parte da constituição do piercing3, 14, 15.

COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS AO USO DE PIERCING ORAL E PERIORAL A literatura científica alerta sobre os riscos que podem ser associados com piercing oral e perioral, descrevendo condições que variam de desconfortos relativamente benignos, como a inflamação transitória, até complicações graves, inclusive a morte. A natureza das complicações varia conforme o tempo de uso do piercing, sendo classificadas, em complicações imediatas e tardias, as quais, usualmente, representam alterações locais. São consideradas complicações imediatas aquelas que ocorrem desde o momento da perfuração até 24 horas depois. Os problemas mais comumente relatados durante esse período incluem edemas, dor,


28 hemorragia, aumento do fluxo salivar, alteração da fonação, da mastigação, da deglutição e infecção. Essas complicações geralmente são mais graves quando o local de colocação do piercing é a língua1,3. As complicações tardias mais comuns incluem recessão gengival, atrofia da mucosa e danos aos elementos dentários, com destaque para fratura, fissura e abrasão15,16. Além dessas complicações locais ainda podem ser encontradas complicações sistêmicas, incluindo infecções virais, abscessos e endocardite bacteriana 5,10.

INFLAMAÇÃO O aumento da frequência do uso de piercings oral e perioral nos países ocidentais, principalmente entre os adolescentes, levou a classe odontológica à preocupação com os seus efeitos adversos no tocante às agressões mucocutâneas2,6,18 e, até mesmo, nervosas19. Dentre as complicações imediatas, a dor decorrente de um processo inflamatório, de origem infecciosa ou não, é uma das mais prevalentes, juntamente com edema, podendo resultar em alteração na fala, deglutição e mastigação2,13,20. Segundo López-Jornet et al21, essas complicações geralmente ocorrem por conta de dois fatores. O primeiro deles seria a qualidade do material usado e a habilidade do operador, com capacidade para utilizar o método de desinfecção mais adequado do material. O segundo fator seria o trauma envolvido na implantação desses ornamentos, assim como a natureza dos tecidos envolvidos. Vários autores relatam o processo inflamatório como uma complicação imediata do uso do piercing, entretanto, a maioria dos estudos apresenta relatos de caso clínico ou revisão da literatura. Com relação aos aspectos morfológicos relacionados ao uso desses ornamentos, López-Jornet at al21 publicaram os resultados de um estudo experimental com implantação de piercings em cães, permitindo assim, inferências importantes acerca do processo inflamatório em pacientes que fazem uso desses ornamentos intraorais, descrevendo-se a evolução clínica e microscópica desse processo. Foi relatado que, após sete dias de uso do ornamento, observa-se uma larga área de eritema e edema, a qual, microscopicamente corresponde a um tecido de granulação disposto initerruptamente em todo o comprimento do canal onde está implantada a barra do piercing. Nas áreas mais superficiais da mucosa, podem ser vistos depósitos de fibrina e extensa infiltração de neutrófilos e macrófagos, juntamente com abundantes restos nucleares. Em quinze dias, os autores relatam que o aspecto clínico e histopatológico permanece sem grandes alterações. Após um mês da implantação dos ornamentos, observa-se tecido de granulação maturo exibindo numerosas fibras colágenas, dispostas em feixes. Após três meses, o tecido de granulação é totalmente substituído por fibrose. A partir do estudo acima detalhado, infere-se que o processo inflamatório decorrente da inserção de piercings intra e periorias é caracterizado clinicamente por dor, edema e eritema localizado, que apresenta reparo tecidual em três meses. É também caracterizado microscopicamente por apresentar predomínio de neutrófilos e macrófagos nas fases iniciais e linfócitos e células gigantes multinucleadas após as primeiras semanas, sendo considerada uma complicação aguda ou imediata.

LESÕES MUCOCUTÂNEAS Dentre as lesões mucocutâneas mais prevalentes, classificadas como efeito adverso tardio, porém geralmente diagnosticadas em poucos meses após a implantação do ornamento, estão a formação de tecido hiperplásico e de cicatrização2,4,13,15,19 (Figuras 1A, 1B e 1C). Também são encontrados efeitos tardios como a despapilação da lingua4, além de lesões das estruturas nervosas, mais comuns na língua, podendo gerar parestesia e/ou nevralgia. Esses efeitos adversos tardios, especialmente o crescimento hiperplásico de tecido cicatricial, podem ocorrer acompanhando o processo de cicatrização normal da perfuração ou decorrentes de trauma secundário pela movimentação da jóia6. Após a remoção do ornamento e dos cuidados básicos de higiene na área afetada, o tecido hiperplásico tende a sofrer remissão2. Alguns autores descrevem, ainda, a rara apresentação de reações granulomatosas tardias, denominadas “reações granulomatosas que mimetizam sarcoidose”, muitas das quais podem sofrer remissão espontânea, porém respondem bem ao tratamento à base de esteróides tópicos ou injeções intralesionais de corticoides, como a triancinolona23.


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Fig. 1 - (A) Hiperplasia em ventre lingual devido a piercing; (B) Granuloma piogênico como complicação de piercing lingual; (C) Dilaceração da língua devido a trauma por piercing; (D) Hemorragia por piercing lingual.

LESÕES VASCULARES Evidentemente, a colocação de piercing oral representa um procedimento invasivo da mucosa oral, e considerando que os locais usualmente utilizados são caracterizados por uma rica vascularização, existe o risco de rompimento de estruturas vasculares, levando a sangramento prolongado e hematoma. A língua, por exemplo, possui uma estrutura tecidual altamente vascularizada e inervada e espera-se que um sangramento controlado possa ocorrer durante e após a perfuração para colocar um piercing (Figura 1C). . No entanto, uma complicação a ser considerada é o risco de hemorragia grave, a qual pode levar a perda significativa de sangue e choque hipovolêmico2,13. A hemorragia excessiva pode estar associada à falta de conhecimento anatômico por parte dos body piercers, além do fato que, para minimizar a sintomatologia dolorosa durante o ato de colocação do dispositivo, muitas vezes o profissional realiza a perfuração rápida e bruscamente, podendo levar a um mau posicionamento do mesmo e consequentemente a uma lesão vascular 2,5,17.

PROCESSOS INFECCIOSOS LOCAIS E SISTÊMICOS Pelas características da mucosa oral e a diversificada microbiota desse microambiente, a colocação de piercing oral e perioral representam procedimentos de potencial risco para o desenvolvimento de processos infecciosos de variada natureza (Figura 2A e 2B). Além da agressão da mucosa durante o procedimento de perfuração, com invasão de bactérias orais e possível bacteremia transitória, no elenco de fatores predisponentes ao desenvolvimento de processos infecciosos bacterianos incluem-se aqueles relacionados à falta de medidas de biossegurança e os relacionados a traumas secundários promovidos pela presença persistente do corpo estranho aos tecidos. Somados a esses fatores, doenças reumáticas, cardiomiopatia hipertrófica e principalmente, prolapso da válvula mitral têm sido relatados como condições predisponentes para infecções sistêmicas advindas de complicações locais associadas ao piercing oral16. A literatura mostra que os pacientes com piercing oral e perioral que desenvolveram complicações infecciosas bacterianas em boca e em regiões de cabeça e pescoço estavam entre os 13 e 30 anos de idade, com média de 21,9 anos e que as complicações mais frequentes incluíam infecção local, endocardite infecciosa, corioamnionite, glossite, linfadenite submandibular, sialadenite submandibular, abscessos molares, abscessos linguais, angina de Ludwig e tétano cefálico. Nesses casos, os microrganismos associados aos processos infecciosos foram grupos de Streptococcus viridans, Peptostreptococcus micros, espécies de Actinomyces não-israelii, Eikenella corrodens, espécies de Lactobacillus, Neisseria mucosa, Haemophilus aphrophilus, Staphylococcus aureus, S aureus meticilino-resistente (MRSA), Pseudomonas aeruginosa, Erysipelas e Streptococcus βhemolíticos 2,5,17. Embora os processos infecciosos possam ocorrer em associação à colocação de piercing em qualquer localização da boca, estes


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Fig. 2 - (A) Infecção em local de piercing lingual; (B) Processo infeccioso em piercing perioral; (C e D) Abrasão dentária por interposição do piercing lingual entre os dentes anteriores.

ocorrem com maior frequência em indivíduos portadores de piercing lingual, localização que, pelas suas características anatômicas, constitui a região de maior ocorrência de complicações infecciosas locais e/ou sistêmicas severas. A patogênese das infecções bacterianas associadas ao uso de piercing lingual usualmente está relacionada ao fato de que o trauma inicial da perfuração é seguido por um período de três a seis semanas de reparo tecidual, durante o qual os microrganismos, favorecidos pela rica vascularização do espaço sublingual, ganham os vasos sanguíneos e podem disseminar-se por via hematogênica levando a bacteremia transitória23. A proximidade das cadeias ganglionares ao foco de infecção no local de colocação de um piercing lingual pode favorecer a difusão desse processo, ganhando assim as bactérias, mais facilmente a via hematogênica e levando a problemas mais graves, atingido até mesmo órgãos vitais e desenvolvimento de complicações como a endocardite15,24, qual usualmente é causada por bactérias oriundas do meio bucal que colonizam o endocárdio e afetam as válvulas promovendo sua disfunção. Esta condição é usualmente assintomática, mas pode estar associada a sinais e sintomas como febre, calafrios, tremores e eritema ao redor do piercing. Existe ainda o risco de sepse, podendo levar a choque séptico e risco de vida. A disseminação do processo infeccioso-inflamatório local pode levar a angina de Ludwig2,13. A colocação de piercing oral é considerada um procedimento de alto risco para o desenvolvimento de endocardite infecciosa pelas seguintes razões: (i) é um procedimento invasivo, (ii) o local de colocação do piercing pode representar um reservatório para microrganismos potencialmente causadores de endocardite infecciosa como o S. aureus e os Streptococcus viridans, (iii) o tempo relativamente prolongado para o processo de reparo da mucosa oral após o trauma de colocação do piercing (aproximadamente 6 semanas na língua) constitui tempo suficiente para a proliferação e invasão de microrganismos na ferida, (iv) comumente os procedimentos são executados por pessoas desqualificadas e sob inadequadas condições de biossegurança, (v) o desenvolvimento de biofilme microbiano sob a jóia e a dificuldade de higienizá-la, somado ao risco de trauma secundário associado à presença desse dispositivo tornam a língua um local de alto risco para a disseminação microbiana25. Embora raros, abscessos cerebrais também têm sido relatados como complicações graves associadas ao uso de piercing lingual23. Nesse contexto, existe o relato curioso de um caso de corioamnionite ocasionado por Eikenella corrodens, um microrganismo comensal da cavidade oral, onde foi sugerido que a prática do sexo oral, por homem portador de piercing gerando trauma na língua, poderiam ter sido fatores contribuintes para a infecção vaginal da gestante e consequente corioamnionite26. Na literatura, não existe relato de nenhum caso de infecção pelos vírus das hepatites A, B ou C, HIV, vírus Epstein Barr e herpes. No entanto, considerando a alta prevalência destes vírus na população mundial, os mesmos constituem agentes potencialmente infecciosos que podem facilmente serem transmitidos através do procedimento de perfuração do piercing, principalmente se considerado que, a maioria das vezes, tal prática é realizada sem nenhuma medida de biossegurança 5. A profilaxia antibiótica é recomendada em procedimentos na cavidade oral para prevenir complicações infecciosas, em pacientes com condições cardíacas predisponentes de alto a moderado risco para o desenvolvimento de endocardite bacteriana. No entanto, não existem referências nas recomendações específicas da Associação Americana de Cardiologia sobre o piercing oral como fator


31 de risco para essa complicação. Porém, considerando que muitas vezes essa prática é realizada sob condições que não seguem os padrões de biossegurança adequados para procedimentos invasivos, constitui atitude prudente que indivíduos de risco que desejam colocar piercing oral, consultem o médico ou o cirurgião-dentista no intuito de avaliar a necessidade de profilaxia antibiótica antes do procedimento17,25. O regime profilático padrão recomendado para procedimentos invasivos da mucosa oral e que pode ser indicado em casos de piercing oral, é a prescrição de dose única de 2 g de amoxicilina por via oral 1 hora antes do procedimento cirúrgico17,25.

COMPROMETIMENTO DE ESTRUTURA DENTÁRIA Os danos aos dentes geralmente estão associados ao uso do piercing na língua2,4. O desgaste dentário pode ocorrer durante a fala, mastigação ou devido ao desenvolvimento de hábitos parafuncionais como morder a haste do piercing e batê-lo contra os dentes, principalmente os molares e pré-molares2,3,6. A abrasão dentária, definida pela perda de substância do dente que promove desgaste do esmalte, podendo se estender à dentina, é uma lesão que, dentre outros fatores etiológicos, pode ser ocasionada pelo uso do piercing. Suas características clínicas são desgastes nas superfícies radiculares expostas do dente, na região da junção cemento e esmalte, em indivíduos com recessão gengival e, no bordo incisal dos dentes anteriores 27. Pacientes que utilizam piercing, geralmente nas regiões da língua, lábios e bochechas, podem desenvolver hábitos parafuncionais que ocasionam a abrasão. A interposição do piercing entre os dentes anteriores pode gerar um desgaste nas incisais em forma de “V”, assim como o hábito de ocluir com o piercing interposto entre os pré-molares e molares, que promove desgaste das cúspides, caracterizando-se como lesão localizada (Figuras 2C e 2D). O hábito de deslizar o piercing entre os dentes pode causar uma lesão difusa, atingindo várias regiões do dente e inclusive, diversos elementos dentários28. No tratamento, é recomendada a eliminação do fator etiológico, podendo ser feita com a orientação ao paciente de não interpor o piercing entre os dentes. Como se trata de um hábito parafuncional, (inserção entre os dentes) essa orientação nem sempre é uma ação fácil. Caso não se consiga, recomenda-se a remoção do piercing. Depois de removida a causa, o cirurgião-dentista deve atuar na reabilitação do paciente, focando na eliminação da sensibilidade ou dor (caso esteja presente) e realizando tratamentos restauradores no sentido de resgatar a funcionalidade e estética28. As fraturas dentais podem ocorrer por qualquer injúria de natureza térmica, química ou mecânica que afete um dente. No caso da utilização de piercing oral, a injúria é provocada pelo contato mecânico do adorno com os tecidos dentários. A fratura está diretamente relacionada com a intensidade do impacto entre o piercing e os dentes29. A fratura é o problema mais diagnosticado nos pacientes portadores do piercing na língua (Figuras 3A e 3B). Geralmente as esferas metálicas que suportam o adorno são as principais causas de injúrias, especialmente às cúspides de pré-molares e molares, respondendo por grandes perdas de estrutura dentária nos molares, durante a mastigação, e, consequentemente, perda da vitalidade pulpar27. As fissuras dentais são um tipo de fratura dentária incompleta, podendo ser denominadas de rachaduras ou trincas. Também conhecida como a Síndrome do Dente Rachado, caracteriza-se por ser acompanhada de dor severa, aguda e quase insuportável do dente afetado, quando na mastigação. A identificação clínica clara e inequívoca da rachadura ou trinca nem sempre é possível e, o aspecto radiográfico dos dentes frequentemente se encontra dentro dos padrões de normalidade. O uso de piercing lingual é um fator etiológico que pode conduzir à ocorrência dessa síndrome, que frequentemente, leva às fraturas incompletas dos dentes30. O tratamento indicado para as fissuras dentárias varia de acordo com os tipos de fissuras encontradas, podendo ser necessário o tratamento endodôntico, caso atinja a polpa. Também pode ser indicada a instalação de coroa total ou até a extração do dente, caso a fissura atinja as paredes dos canais radiculares31. Na prevalência das complicações de piercing oral, aquelas relacionadas com a jóia foram, destacam-se a fratura e o desgaste dental, representando de 14% a 41% dentre todas as complicações32. Estudos identificaram algum tipo de perda de estrutura dental como esmalte e dentina em pacientes com piercing lingual, com comprometimento especialmente dos pré-molares e molares (com uma maior prevalência em cúspides linguais) e em incisivos inferiores33. Portadores de coroas de porcelana apresentaram um risco aumentado de fraturas com a utilização de piercing oral34. Já pacientes com grandes restaurações ou cáries têm um risco aumentado


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Fig. 3 - (A) Fratura de borda incisal em incisivo central direito por trauma com piercing lingual; (B) Múltiplas fraturas dentárias por piercing lingual; (C) Comprometimento da papila incisiva por piercing em freio labial; (D) Recessão gengival em incisivo centrais por piercing labial.

de fraturas de cúspide33. No intuito de prevenir ou minimizar o risco de perda de estrutura dos dentes, indica-se que, para pacientes relutantes à remoção destes ornamentos, o uso de esferas de acrílico, que são menos nocivas à superfície dentária, contudo, as mesmas também são irritantes aos tecidos periodontais27.

ALTERAÇÕES PERIODONTAIS Como as principais localizações do piercing oral são a língua (linha média, à frente do freio lingual), seguida do lábio (linha média ou lateralmente), as alterações periodontais ocorrem mais comumente nas regiões adjacentes a estes locais. Geralmente são devido ao trauma de fricção, causando recessão e sangramento gengivais, perda de inserção periodontal e perda óssea localizada24,35(Figuras 3C e 3D). A recessão gengival é um dos problemas crônicos mais comuns encontrados nos usuários de piercing oral, principalmente os labiais, os quais promovem traumatismo crônico de baixa intensidade sobre a gengiva, danificando o periodonto de incisivos inferiores com consequente recessão gengival na região vestibular destes dentes3,4,8,15. Com a recessão gengival, devido à exposição da junção amelo-cementária e do cemento radicular, pode haver hipersensibilidade dentinária e cárie radicular, além de provocar problemas estéticos, quando na face vestibular. O uso do piercing lingual pode aumentar em até 11 vezes a chance de ocorrência de recessão gengival lingual leve, de baixa severidade na região lingual de dentes anteriores inferiores1,4. Por outro lado, o ato de ficar movimentando constantemente o piercing lingual também traumatiza os tecidos periodontais21. Gengivas mais finas e delicadas tem maior risco de recessão do que gengivas mais espessas. Os piercings localizados no freio labial superior também podem provocar perda da papila interdental dos incisivos centrais superiores, pelo trauma da esfera do piercing, que repousa neste local4. O contato com o piercing lingual pode aumentar a probabilidade de acúmulo de placa supra e subgengival na superfície lingual dos dentes incisivos anteriores inferiores, provocando gengivite. Além disso, o repetido trauma pode produzir perda óssea localizada e perda de inserção clínica. Isso ocorre devido à protrusão constante da língua, afetando os tecidos da mucosa adjacente8,36. A perda de inserção periodontal está mais associada a piercings localizados na língua. Esta ocorre mais comumente na região lingual de incisivos centrais inferiores e pode desenvolver-se mesmo quando a recessão gengival é mínima. Como a presença de bolsa periodontal é imperceptível visualmente, é recomendável realizar exames e sondagens periodontais regulares nos dentes inferiores anteriores dos usuários de piercing. Um fato interessante a ser destacado é que como a maioria dos usuários de piercing oral é jovem, a cura periodontal é mais rápida e a regeneração óssea mais acelerada, em relação aos indivíduos mais velhos13,15. Além disso, o tempo de uso do piercing está diretamente relacionado à condição dos tecidos periodontais e dentários adjacentes, onde, quanto maior for o tempo, pior a condição encontrada. As alterações periodontais geralmente aparecem nos primeiros anos de


33 uso8. O piercing lingual não aumenta o risco de periodontite, porém, deve-se também levar em consideração a presença de outros fatores de risco para progressão de uma periodontite35. Indivíduos portadores dessa doença previamente à colocação de piercing oral possuem maiores chances de colonização da jóia por bactérias periodontopatogênicas, tornando-se o piercing um reservatório microbiano. Portanto, durante o decorrer do tratamento da periodontite, o piercing deve ser removido. Somado aos problemas periodontais, o acúmulo de placa ao redor do piercing aponta-se como responsável por aumentar consideravelmente a halitose nos pacientes1,2,4,15. Em relação às alterações periodontais, a melhor opção seria a prevenção, onde os usuários devem ser corretamente orientados quanto aos malefícios do uso do piercing e evitar seu uso. Como geralmente o número de casos de complicações ocasionadas pelo piercing lingual é maior que as do piercing labial, a própria instalação deste primeiro não deve ser recomendada. Além disso, usuários de piercing devem ser proservados em longo prazo, para diagnóstico e controle de alterações periodontais já instaladas37.

OUTRAS COMPLICAÇÕES Complicações menos graves em usuários de piercing oral, incluem problemas funcionais como a geração de corrente galvânica pelo contato entre a jóia e restaurações dentárias metálicas, dificuldade na fonação, disfagia, sialorréia, alteração do paladar, além de formação de tecido reacional, reações de hipersensibilidade e deglutição da jóia1,2,13,15,17. Tais complicações interferem com a qualidade de vida dos indivíduos e precisam também serem tratadas. A utilização de piercing lingual pode interferir na articulação da fala, causando disfonia, que é a alteração do padrão vocal, ou seja, qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural da voz. Após instalação do piercing lingual, o comprometimento da fonação ocorre principalmente nas primeiras semanas de uso13. A pronúncia de certos sons, como o S, CH, T, F ou V pode ficar distorcida. Geralmente, esta interferência na fonação desaparece em um período máximo de duas semanas. Se os problemas persistirem, deve-se remover o piercing, já que a simples retirada do objeto é suficiente para que qualquer alteração das funções orais desapareçam13. Frente ao eventual desenvolvimento de inflamação exagerada e/ou infecção associadas à colocação de piercing oral, a proximidade das cadeias ganglionares ao foco de infecção pode favorecer a difusão do processo e risco de angina de Ludwig, com a qual podem haver problemas de fonação e obstrução das vias aéreas5,6. As reações alérgicas de hipersensibilidade por contato ocorrem em um indivíduo sensibilizado pelo uso constante de um determinado material. Considerando a constituição do piercing, os processos alérgicos usualmente ocorrem quando um indivíduo utiliza metal de má qualidade ou quando o material contem níquel. Este metal é o que mais causa reação alérgica atópica ou por contato, particularmente em mulheres, devido à sensibilização progressiva pelo contato constante com jóias ou bijuterias. A maioria dos autores concorda que a taxa de incidência de alergia a níquel alcança 10% na população em geral, principalmente se já houve contato prévio frequente com o material. Além disso, o ouro de baixa qualidade também contem níquel. Já o ouro acima de 14 quilates ou a platina produzem pouca alergia, mas são mais comuns em outras partes do corpo. O titânio e o aço inox tem excelente biocompatibilidade, causando menos alergia15,38. Clinicamente, na alergia por contato, surge eritema e leve edema ao redor da perfuração onde o piercing está inserido. Irritação na pele do mento circundando o piercing labial também ocorre pela presença de saliva que atravessa o canal onde o mesmo está colocado. Para o correto diagnóstico da alergia por contato, deve-se realizar o teste de contato, principalmente para se estabelecer qual o material sensibilizador específico. A melhor recomendação é a cessação do uso dos materiais que contenham o agente causador da alergia37,38. O piercing oral e/ou nasal é de particular interesse em situações de emergência e na anestesiologia, principalmente quando da necessidade de intubação orotraqueal ou laringoscopia devido aos riscos de ingestão e aspiração. Esses procedimentos podem promover traumatismo do local de um piercing lingual e causar consequente edema lingual e/ou da faringe, podendo levar à obstrução das vias aéreas. Considerando esses riscos, nessas situações, sempre que possível, recomenda-se a remoção do piercing oral ou nasal antes do procedimento. Portanto, profissionais de saúde como anestesiologistas, cirurgiões, entre outros, devem ter conhecimento sobre a remoção da jóia em caso de emergência9.


34 As lesões nervosas, não são comumente relacionadas ao uso de piercings. O local de colocação de piercing lingual é significativamente inervado com fibras sensoriais e/ou motoras, portanto existe o risco de mutilação dessas estruturas anatômicas. O mecanismo causal de alterações neuronais pode envolver a irritação mecânica ou química do nervo, com sensibilização secundária do tipo central e periférico. Além disso, outra possibilidade seria o galvanismo, correntes elétricas que podem provocar a nevralgia39.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, o uso de piercing oral e perioral representa fator predisponente para o risco de complicações locais e sistêmicas. O piercing oral está intimamente associado com complicações locais de baixa gravidade até aquelas que podem representar risco de morte. As complicações relatadas geralmente são agravadas pela falta de preparo profissional da maioria dos body piercers, que realizam os procedimentos de forma empírica e sem obedecer ao mínimo as medidas de biossegurança, além do fato dos usuários não terem noção dos riscos que esta prática representa para a saúde oral e/ou sistêmica. É indiscutível que a prática do piercing oral exige uma regulação legislativa que garanta as normas de biossegurança e formação profissional dos body piercers visando a minimizar os riscos e complicações. Alguns países já possuem normas reguladoras da prática do piercing e fiscalização dos estabelecimentos destinados a esses procedimentos, no entanto essas leis não são padronizadas. A realidade brasileira é um tanto deficiente neste assunto, portanto faz-se necessário maior esforço no sentido de chamar a atenção das autoridades competentes, para que a prática do piercing, cada vez mais comum, principalmente entre jovens inexperientes, não termine sendo um foco de patologias previsíveis e preveníveis8. Diante do exposto, destaca-se a necessidade de promover e/ou intensificar campanhas de conscientização para a população, exercendo o cirurgião-dentista um papel preponderante, capacitando-se para a abordagem adequada do paciente, esclarecendo sobre os riscos do uso de piercing oral e, no caso de complicações, realizar o diagnóstico e planejamento do tratamento efetivo ou o devido encaminhamento para o profissional específico. Com o objetivo de reduzir o risco de complicações locais e/ou sistêmicas em usuários de piercing, relatam-se uma série de cuidados que os cirurgiões-dentistas podem repassar para seus pacientes1. - Recomendar dieta líquida fria durante as primeiras 24 horas, e, em seguida, uma dieta com alimentos macios; - Colocar gelo no local do piercing durante 30 minutos a intervalos de 45 minutos, durante um total de 4 a 5 aplicações por dia, para reduzir o edema que ocorre na primeira fase da cicatrização. O edema diminui após 24 horas e desaparece após uns 5 dias; - Não utilizar qualquer tipo de solução bucal durante as primeiras 24 horas e, depois, realizar 4 a 5 bochechos diários com clorexidina 0,12% durante 10 dias; - Limitar ou evitar o uso de álcool, cigarros e cafeína, pelo menos durante os primeiros dias. Eles poderiam aumentar o inchaço, dor, sangramento ou comprometer o processo fisiológico de renovação das células epiteliais da mucosa oral; - Evitar mascar tabaco e roer unhas para prevenir microlesões da mucosa oral durante a cicatrização dos tecidos; - Evitar falar demais, ou bater o piercing contra os dentes, uma vez que os tecidos já sofrem trauma durante a fonação e mastigação, sendo indesejável a ocorrência de trauma adicional; - Intensificar os cuidados com a higiene oral e com o piercing usando uma escova macia. A higiene deve ser realizada com muito cuidado quando a lesão ainda está em processo de reparo, a fim de reduzir a formação de biofilme bacteriano ao redor do piercing; - Se o indivíduo se nega a retirar o piercing, sugere-se substituí-lo por outro menor, uma vez que a lesão tenha cicatrizado, isto irá reduzir as chances de irritação no local; - Verificar regularmente o piercing, com o intuito de identificar qualquer sinal de alteração e evitar complicações no local.

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DIAGNÓSTICO BUCAL Capítulo

4

Exames Complementares: Critérios e Interpretações

Ricardo Wathson Feitosa de Carvalho Gustavo José de Luna Campos José Rodrigues Laureano Filho

INTRODUÇÃO Ao indicar uma intervenção cirúrgica se faz necessário o conhecimento do indivíduo como um todo para poder proporcionar uma melhor avaliação. A avaliação pré-operatória pode se beneficiar da solicitação de exames complementares em determinados pacientes. A prática de solicitar rotineiramente conjuntos padronizados de exames tem sido questionada1. A grande maioria dos exames passa de complementares a "exames de rotina", sendo solicitados sem critério, de modo inadequado e indiscriminado2, não atendendo ao princípio fundamental que é o identificar ou diagnosticar doenças e disfunções que possam comprometer os cuidados do período pré-operatório3. A tendência atual é que os exames complementares não devem ser solicitados de rotina e, sim, de acordo com o propósito de otimizar o cuidado pré-operatório, tendo como base as informações obtidas no histórico clínico, exame físico, tipo e porte do procedimento cirúrgico3,4.

CRITÉRIOS PARA SOLICITAÇÃO DE EXAMES COMPLEMENTARES Para solicitação de exames pré-operatórios devem ser considerados critérios de relevância ou prevalência das doenças e sensibilidade e especificidade dos exames1. A tabela 1 mostra as recomendações dos exames a serem solicitados na avaliação pré-operatória, estando de acordo com achados clínicos5.

EXAMES DE IMAGEM A imaginologia é um importante recurso que os profissionais dispõem. O propósito dos exames por imagem deve ser a obtenção de imagens que possam esclarecer ou confirmar as suspeitas do diagnóstico clínico e determinar com precisão a extensão da lesão. Não importa que a lesão seja óbvia nem quão evidente o diagnóstico possa parecer, em nenhuma circunstância o tratamento definitivo deve ser estabelecido sem um exame de imagem adequado.


37 Tipo de Exame

Achado Clínico

Intervenções de médio e grande porte; Suspeita clínica de anemia/policitemia; Esplenomegalia, uso de anticoagulantes, presença de infecção, radio ou quimioterapia recentes; Paciente acima de 60 anos História de sangramentos anormais; Coagulograma Operações vasculares, oftalmológicas, neurológicas, CEC, hepatopatias, Síndrome de má absorção, neoplasias e esplenomegalia; Tipagem sanguínea Se houver possibilidade de perda volêmica >30% Glicemia > 40 anos História pessoal ou familiar de diabetes mellitus (DM); Uso de hiperglicemiantes; Pancreatopatias; Creatinina > 40 anos História pessoal ou familiar de nefropatia; História de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) ou DM; > 60 anos; Raio X Operações torácicas, abdome superior; Cardiopatas; de Tórax Pneumopatas; Portadores de neoplasias; Tabagista com carga tabágica >20 maço/ano Homem > 40 anos e Mulher > 50 anos; Eletrocardiograma Presença de doenças sistêmicas associadas a patologias cárdicas: (ECG) DM, HAS, hiperlipidemia, uso crônico de drogas cardiotóxicas, portadores de doenças pericárdicas, endocárdicas ou miocárdicas. Hemograma

Estrutura Anatômica Maxila Nariz Naso-Órbito-Etmoidal Complexo Zigomático Côndilo Mandibular Mandíbula Frontal

Exames de imagem Waters Perfil dos Ossos Próprios do Nariz, Waters TAC de face Waters, Axial de Hirtz Towne PA, Lateral Oblíqua PA, Perfil

Tab. 1 - Exames a serem solicitados de acordo com os achados clínicos.

Tab. 2 - Estruturas anatômicas e incidências radiográficas apropriadas.

EXAME RADIOGRÁFICO Os exames radiográficos se utilizam da emissão de raios-x para a obtenção de imagens que são passíveis de distinguir estruturas e tecidos. Nos ossos, o exame radiogrãfico pode evidenciar fraturas, neoplasias e distúrbios do desenvolvimento. Nos tecidos moles podem evidenciar a presença de corpos estranhos. Na estrutura dentária pode demonstra presença de cáries, fraturas e alterações do desenvolvimento. A solicitação de exames radiográficos deve ser realizada com critério e nas incidências adequadas6, evitando gastos e radiação desnecessária ao paciente. As incidências radiográficas maxilofacais usuais na rotina hospitalar, estão descrita na tabela 2 de acordo com a estrutura anatômica de interesse7.

TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC) A tomografia (tomo= corte; grafia= escrita) é um método de obtenção de imagens através do uso de raios-x, que se tornou o recurso de imagem de referência na avaliação da estrutura maxilofacial. O seu uso teve inicio nos anos 70, com Housfield6.


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Fig. 1 - TC em cortes axial (A), coronal (B), sagital (C) e 3D (D).

Fig. 2 - Ressonância nuclear magnética da ATM, denotando degeneração do disco articular.

Invariavelmente, as imagens radiográficas do esqueleto maxilofacial mostram estruturas anatômicas sobrepostas, sendo este um limitante em algumas ocasiões8. A TC supera a maioria das limitações dos exames radiográficos, fornecendo imagens sem sobreposição, permitindo a visualização em qualquer um dos três planos espaciais7. A depender do interesse de avaliação, o exame tomográfico pode ser solicitado com janelas para tecidos duros e/ou moles, com espessuras de cortes variáveis em projeções axiais, coronais, sagitais e reconstrução tridimensional (3D) (Figura 1)7.

RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA (RNM) Ressonância nuclear magnética é uma técnica que permite determinar propriedades de uma substância através do correlacionamento da energia absorvida contra a frequência9. Segurança é a grande vantagem da RNM, já que não usa radiação ionizante nas diversas capacidades em promover cortes em diferentes planos10,11, dando uma visão panorâmica e, finalmente, na capacidade de mostrar características dos diferentes tecidos6,11. O contraste da imagem em RNM é baseado nas diferenças de sinal entre distintas áreas. A RNM tem um contraste superior a TC na resolução de tecidos moles, tendo pouca definição dos tecidos ósseos, se comparada à TC, pois esses emitem pouco sinal6. Os pacientes que iram se submeter a uma RNM devem ser minuciosamente interrogados e advertidos quanto ao potencial perigo que tem os pacientes que possuem implantes metálicos (marcapassos, pinos ósseos de sustentação, clips vasculares e etc), de aproximarem-se de um magneto9,10,11. Amálgama dentário e implantes dentários não afetam a RNM, porém não sendo bem tolerada por pacientes que sofrem claustrofobia10. As principais indicações da RNM na área maxilofacial são desordens da articulação têmporo-mandibular e neoplasias das glândulas salivares10,12 (Figura 2).

ULTRASSONOGRAFIA A ecografia ou ultrassonografia é um exame que se utiliza do eco produzido pelas ondas sonoras, permitindo a aquisição de imagens dinâmicas, em tempo real, em cortes seccionais ou tridimensionais, que podem se adquiridas em qualquer orientação espacial13. Por não utilizar radiação ionizante, como na radiografia e na TC, de aplicação simples, não invasivo e com baixo custo operacional13, firma a ultrassonografia como um dos pilares do diagnóstico na atualidade, possibilitando o estudo não invasivo da hemodinâmica através do efeito Doppler, conhecendo o sentido e a velocidade de fluxos sanguíneos10,13. A principal indicação da ultrassonografia na área maxilofacial é no auxílio ao diagnóstico de neoplasias das glândulas salivares (Figura 3).


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Fig. 3 - Ultrassonografia da região submentoniana, denotando formação ecogênica, de contornos regulares e bem delimitados, correspondendo a uma lesão cística com líquido espesso.

Fig. 4 - Cintilografia óssea denotando intensa e difusa hiperconcentração anômala do traçador (99mTc-MDP) ao longo do lado esquerdo da mandíbula, com extensão para a ATM (E). No restante do esqueleto nota-se aparente distribuição fisiológica do traçador.

CINTILOGRAFIA A cintilografia ou gamagrafia é um procedimento que permite assinalar num tecido ou órgão a presença de um radiofármaco e acompanhar seu percurso graças à emissão de radiações gama que fazem aparecer na tela uma série de pontos brilhantes (cintilação)14. Relacionada a outras técnicas de imagem, a cintilografia tem a capacidade de formar imagem de todo o esqueleto de uma só vez, perimitidno a avaliação da atividade metabólica óssea. No entanto, esta modalidade de imagem tem restrições, pelo fato de possuir alta sensibilidade e baixa especificidade, sendo impossível distinguir vários processos que podem causar o aumento da captação14,10. A principal indicação da cintilografia na área maxilofacial é nos casos de desordens do desenvolvimento, possibilitando a análise do metabolismo ósseo (Figura 4).

PET SCAN O Positron Emission Tomography ou PET Scan, é o método capaz de detectar com enorme precocidade mínimas áreas de tumor (até 4 mm) que não podem ser vistas nos demais exames, senão tardiamente, quando o tumor já apresenta grandes dimensões15. O princípio do PET Scan baseia-se na capacidade que tem as células tumorais de concentrar glicose (FDG) com muito maior avidez que os tecidos não tumorais. Portanto ao se realizar imagens de corpo inteiro, possibilita a detecção de anormalidades metabólicas, tendo a capacidade de medir o metabolismo das lesões, demonstrando a presença de alterações funcionais antes mesmo que a anatomia seja afetada e seja detectada pela TC ou RNM, permitindo o diagnóstico precoce de doenças neoplásicas15.

HEMOGRAMA O hemograma é o exame complementar que avalia, quantitativamente e qualitativamente, os elementos figurados do sangue, auxiliando no diagnóstico de anemias, quantidade de plaquetas, alterações neoplásicas, processos infecciosos entre outras afecções16. O hemograma completo é composto pelo eritrograma, que fornece informações sobre as células vermelhas, pelo leucograma, que avalia as células brancas, e pelo plaquetograma, que representa a contagem de plaquetas (Figura 5)16.


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Fig. 5 5 - Hemograma completo (Eritrograma + Leucograma + Plaquetograma).

ERITROGRAMA O eritrograma é a parte do hemograma que estuda as alterações nos eritrócitos, na hemoglobina, no hematócrito, nos índices globulares e na morfologia eritrocitária, ajudando do diagnóstico de anemias e policitemias16. - Eritrograma: Contagem de eritrócitos (E), Dosagem de hemoglobina (Hgb, HGB), Hematócrito ou Volume Globular (Hct), Volume corpuscular médio (VCM), Hemoglobina corpuscular média (HCM) e Concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM).

ERITRÓCITOS (E) Os eritrócitos ou hemácias são os elementos figurados do sangue de maior número, havendo 900 hemácias para 01 leucócito e aproximadamente 30 plaquetas. As hemácias são responsáveis pelo transporte do oxigênio (O2) para os tecidos e, no caminho inverso, transportar o dióxido de carbono (CO2) para os pulmões17. Os glóbulos vermelhos são capazes de transportar grande quantidade de O2 devido à hemoglobina presente no seu citoplasma17, tendo um tempo médio de vida de 120 dias16. Valores de referências (VR): H→ 4.5 à 6.0 Milhões/mm3 M→ 4.0 à 5.5 Milhões/mm3 - Eritrocitose: > 7.000.000/mm³ (Policitemia) / Eritropenia: < 4.000.000/mm³ (Anemias)

HEMOGLOBINA (HGB) Através das hemácias, a hemoglobina realiza o transporte do O2 dos pulmões aos tecidos, e do CO2 dos tecidos aos pulmões. O volume de O2 que o sangue transporta, quando sua Hgb está completamente saturada é chamada de capacidade de oxigenação do sangue. Nos pulmões, onde a pressão de O2 é alta, cada molécula de Hgb se combina com quatro moléculas de O2, que são carreadas e transferidas aos tecidos, onde a pressão de O2 é baixa18. A combinação da Hgb com o CO2 que é normalmente produzido nos tecidos, sendo facilmente reversível quando o sangue chega aos pulmões. VR: H → 13,5 à 18g/100ml M → 11,5 à 16,4/100ml - Poliglobulia > 18g/100ml - Oliglobulia < 13,5/100ml


41 HEMATÓCRITO OU VOLUME GLOBULAR (HCT) O Hct representa a proporção entre a parte sólida e a parte líquida do sangue. É a massa total de glóbulos vermelhos por volume de sangue16. O Hct correlaciona-se melhor que a contagem de eritrócitos com a viscosidade sanguínea e é a cifra mais usada. Quando há anemia, o Hct encontra-se diminuído por causa da falta de glóbulos vermelhos (Hct = E x VCM)16. O sangue é composto de: plasma (55%), glóbulos vermelhos (43%), glóbulos brancos e plaquetas (2%). VR: H → 40 a 50% M:→ 36 a 50% ↑ Hct (Desidratação, estado de choque, queimaduras, ↓ plasma) ↓ Hct (Anemias) Como se pode perceber, alterações da série vermelha, ou seja, nas hemácias, Hgb, e Hct indicam anemia ou policitemias, complementados pelos valores de VCM, HCM, CHCM, e observações microscópicas do sangue (tamanho, forma e cor das hemácias), ajudam a definir qual o tipo de anemia16. As anemias são doenças em que os glóbulos vermelhos (a proteína que transporta O2) apresentam valores inferiores aos normais, ficando o transporte de O2 deficitário16. A anemia pode causar sintomas como fadiga, fraqueza e cefaléia constante. A menor viscosidade do sangue contra-indica intervenções cirurgias pela possibilidade de processos hemorrágicos. Já as Policitemias são doenças caracterizadas por um aumento do número de glóbulos vermelhos. O aumento da viscosidade do sangue daí derivado pode causar várias doenças microangiopáticas19.

LEUCOGRAMA É a parte do hemograma completo que estuda a série branca, os leucócitos16. Os leucócitos (ou glóbulos brancos), são elementos figurados responsáveis pelo mecanismo de defesa do organismo, combatendo os microorganismos por meio de sua captura ou através da produção de anticorpos. Por isso, o aumento de tamanho de gânglios, revela a existência de uma inflamação ou um processo infeccioso19,20. Um adulto normal possui entre 4 a 11 mil leucócitos por microlitro (mm3) de sangue. Uma quantidade muito pequena ou muito grande de leucócitos indica um distúrbio16. A leucopenia, uma diminuição na quantidade de leucócitos para menos de 4.000 células por mm3, torna uma pessoa mais suscetível a infecções. A leucocitose (> 11.000/mm³), um aumento na quantidade de leucócitos, pode ser uma resposta a infecções, ou ser resultante de um câncer, de um traumatismo, do estresse ou de determinadas drogas. Na avaliação dos leucócitos, temos ainda a quantidade de granulóciltos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos) e agranulócitos 16 (monócitos e linfócitos), que esclarecem o diagnóstico de várias doenças infecciosas e hematológicas . Os valores de referência para cada parâmetro fornecido no resultado variam de acordo com a faixa etária e o gênero.

NEUTRÓFILOS São os leucócitos mais numerosos, circulam por cerca de dez horas. Essas células representam uma das mais importantes linhas de defesa, sendo o primeiro mecanismo de defesa contra agressão microbiana16. Sem os neutrófilos, um indivíduo poderia morrer rapidamente de uma simples infecção17. Caso ele falhe, o monócito (o macrófago do sangue, que engloba os invasores) é acionado. Em ordem de maturidade temos: segmentados > bastões > metamielócitos > mielócitos > promielócitos16. Desvio à esquerda é a presença de células jovens no sangue periférico, obedecendo à ordem de maturação das células - infecção aguda severa.

BASÓFILOS Os basófilos constituem menos do que 1% do total da população de leucócitos. Uma de sua função é a de ligação dos antígenos às moléculas de IgE, atuando na reação alérgica através da liberação de histamina21. Basofilia (↑ Basófilos): podendo estar relacionados com leucemia mielóide crônica, anemias hemolíticas crônicas, eritrema, varíola e varicela.


42 EOSINÓFILOS Os eosinófilos agem no complexo antígeno-anticorpo, possuindo função fagocitária, tendo preferência por ingerir partículas estranhas a bactérias22. Sua presença significa boa reação à infecção. Eosinofilia (↑ Eosinófilos): pode ocorrer devido a processos alérgicos, agudização de processos específicos, viroses, tumores malignos, pós-irradiação, pênfigo, eritema, granuloma eosinófilo, anemia perniciosa, doença de Hodgkim, leucemia mielóide e tumores ósseos.

MONÓCITOS Os monócitos têm como função ingerir bactérias, células mortas, anormais ou infectadas, representando uma fase na maturação da célula mononuclear fagocitária originada na medula óssea18. Seu aumento significa boa reação de defesa do organismo, promovendo a cura do processo inflamatório e defesa orgânica. Monocitose (↑ Monócitos): pode significar um indício de boa reação por parte do organismo, infecções bacterianas, muitas infecções por protozoários, leucemia monocítica, alguns casos de tumores cerebrais, envenenamento por tetracloretano.

LINFÓCITOS Os linfócitos circulantes no sangue e na linfa se originam principalmente no timo e nos órgãos linfóides periféricos 18, sendo mais atuantes em infecções virais. Sua função é conferir defesa imunológica tardia. São classificados em dois tipos principais, linfócitos T e B. Os linfócitos T têm longo período de vida (anos). Os linfócitos B têm vida curta (semanas)18. Linfocitose (↑leucócitos): têm como causas mais comuns infecções crônicas e leucemias linfocíticas.

PLAQUETOGRAMA As plaquetas promovem a coagulação do sangue e auxiliam a reparação da parede dos vasos sanguíneos, evitando perda de sangue. As plaquetas atuam limitando a hemorragia ao revestimento endotelial dos vasos sanguíneos em caso de lesão. Se o revestimento endotelial se rompe e as plaquetas entram em contato com o colágeno subendotelial, elas se tornam ativadas, liberando o conteúdo de seus grânulos, aderem à região lesada da parede do vaso (adesão plaquetária) e aderem umas às outras (agregação plaquetária)21. A contagem de plaquetas é necessária para se determinar alguma alteração plaquetária. Pacientes com plaquetas muito baixas (trombocitopenia) são mais propensos a sangramentos. Plaquetas muito elevadas (trombocitose) podem favorecer a trombose. VR: 130.000- 400.000/µl.

COAGULOGRAMA O coagulograma é um conjunto de exames que avalia os mecanismos de hemostasia. Os componentes do sistema hemostático incluem as plaquetas, os vasos, as proteínas da coagulação sanguínea, os anticoagulantes naturais e o sistema de fibrinólise23. O coagulograma é fundamental no pré-operatório de qualque cirurgia de médio à grande porte. Também deve ser solicitado para investigar sangramentos espontâneos e petéquias. Coagulograma: TS – tempo de sangramento, TC – tempo de coagulação, TP – Tempo de protrombina ativada, TTPa – Tempo de protrombina parcilamente ativada, INR – Índice de normalização internacional.

TEMPO DE SANGRAMENTO (TS) O TS não é muito fidedigno (variações diárias e inter-examinador), sendo realizada a análise da hemostasia primária (plaquetas, fator de von Willebrand). VR: 3 a 7 minutos.


43 TEMPO DE COAGULAÇÃO (TC) O TC trabalha com sangue total, portanto é pouco sensível. Será aumentado em deficiências graves da via intrínseca ou comum. VR: 5 a 8 minutos.

TEMPO DE PROTROMBINA ATIVADA (TP) O TP avalia as vias extrínseca (I, II,V, VII, X) e comum da cascata de coagulação. A cascata da coagulação inicia-se com a ativação das plaquetas e é completada pela ação dos fatores da coagulação. O TP e o TTPa medem a funcionamento desses fatores. O TP analisa principalmente o fator VII da via extrínseca (Vit. K dependente), sendo também o melhor parâmetro para análise da via comum. VR: 11 a 15 seg.

TEMPO DE PROTROMBINA PARCILAMENTE ATIVADA (TTPA) O TTPa testa os participantes da via intrínseca (XII, XI, IX, VIII) e via comum (X, V, II, I) da cascata de coagulação. VR: 25 a 35 seg. O TP e o TTPa são avaliadores da hemóstasia secundária. O tempo de sangramento avalia a hemostasia primária.

ÍNDICE DE NORMALIZAÇÃO INTERNACIONAL (INR) Referencial para comparar a capacidade de coagulação do paciente com grupo controle. Quanto maior o INR, maior a diferença de coagulabilidade. Quando elevado o INR, a coagulação do paciente apresenta-se deficitária. VR: 0,9 A 1,2. INR elevado indica alteração no TP (sem relação TTPa).

URÉIA A uréia é uma substância produzida no fígado e está relacionada com o metabolismo de proteínas (aminoácidos). Por ser excretada principalmente pelos rins, fica fácil deduzir que, se os rins não estão excretando uréia adequadamente, sua concentração no sangue irá aumentar. VR: 10 a 40 mg/dl.

CREATININA A creatina é um composto de aminoácidos presente principalmente nos músculos. Um dos produtos do metabolismo da creatina é a creatinina, presente no sangue e que é excretada principalmente pelos rins. A concentração de creatinina sérica é mais sensível e específica do que a concentração de uréia sérica no estudo da função renal. Valores aumentados indicam problemas de função renal. Geralmente o nível sérico de creatinina é proporcional à severidade da enfermidade24. VR: 0,60 a 1,30 mg/Dl.

GLICEMIA Os carboidratos consumidos diariamente são transformados em glicose, sendo a glicemia a concentração de glicose no sangue. A dosagem de glicose é importante para o diagnóstico ou controle do tratamento do diabetes mellitus. Só tem valor se realizada com um jejum mínimo de 8 horas. Valores menores que 100 mg/dl são normais; entre 100 e 125 mg/dl são considerados pré-diabetes; acima de 126 mg/dl são compatíveis com diabetes.

TGO (TRANSAMINASE GLUTÂMICO-OXALACÉTICA) E TGP (TRANSAMINASE GLUTÂMICO-PIRÚVICA) São exames para se avaliar o fígado. Valores elevados indicam lesão das células hepáticas. Normalmente traduzem algum tipo de hepatite, seja viral, medicamentosa ou isquêmica. TGO: H (10 - 55 U/L); M (10 - 50 U/L) / TGP: H (10 - 72 U/L); M (10 - 68 U/L).


44 CULTURA / ANTIBIOGRAMA / BACTERIOSCÓPIA Cultura é um exame laboratorial, que consiste no cultivo de agentes infecciosos em meio próprio (substância líquida ou sólida) que permite a nutrição, o crescimento e a multiplicação de microorganismos25,26. Um antibiograma é um exame que mede a susceptibilidade/resistência de uma bactéria a um ou mais antimicrobianos. Seu objetivo é tanto a análise do espectro de sensibilidade/resistência a drogas de uma bactéria quanto à determinação da concentração mínima inibitória. Através deste exame o profissional fica sabendo quais antibióticos a bactéria é sensível e as quais são resistentes, possibilitando a instituição do tratamento mais eficaz para o processo infeccioso25,26. Se o paciente estiver fazendo uso de algum antibiótico no momento da coleta do material destinado a cultura, isto afeta o resultado, podendo acusar um falso negativo25,26. Comumente o resultado da cultura que irá auxiliar o profissional, não fica pronto no mesmo dia. As bactérias precisam de um tempo para crescer o suficiente para que possa ser identificada. Este tempo é muito variado, dependendo do tipo de bactéria pesquisada e do local onde foi feita a coleta25,26. A bacterioscópia apesar de não ser o método de eleição, é o método mais rápido, permitindo o resultado em poucas horas. Entretanto, é pouco sensível e inespecífico, não permitindo a identificação entre as diferentes espécies, permitindo apenas a detecção de bactérias de acordo com o Gram, seja negativo ou positivo25,26.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos dias atuais observa-se uma tendência na racionalização do uso dos exames complementares no sentido de avaliar o estado de saúde do paciente cirúrgico, sendo recomendável que a solicitação esteja fundamentada nas informações obtidas durante a anamnese e exame físico, vindo a evitar a solicitação desnecessária de exames. Um resultado de exame complementar sem uma história clínica e um exame físico adequado pode causar mais confusão do que elucidações, cabendo ao profissional saber quando e quais exames solicitar, estando hábito a interpretá-los.

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ODONTOPEDIATRIA Capítulo

5

Componentes Orgânicos da Saliva em Pacientes com Predominância de Respiração Bucal e Nasal na Faixa Etária de 6 a 14 Anos de Idade

José Márcio Lenzi de Oliveira Erica da Silva Carvalho André Luiz Tannus Dutra Ana Cristina Barreto Bezerra Orlando Ayrton de Toledo

INTRODUÇÃO Na literatura médica e odontológica, estudos têm descrito o envolvimento da respiração bucal em alterações do crescimento facial e estrutural, especialmente no período da infância1. Existem níveis de combinações de capacidades respiratórias nasal e bucal. A maioria dos pacientes podem ser considerados como respiradores buconasais e uma minoria dos pacientes podem ser considerados respiradores bucais2; 3. Os respiradores bucais podem apresentar problemas posturais, como: lordose cervical, projeção anterior da cabeça e diminuição dos movimentos de amplitude da cabeça4. A obstrução nasal aguda pode ser decorrente de processos infecciosos e introdução de corpos estranhos. Algumas evoluem para obstrução nasal crônica como a hipertrofia de tecidos linfáticos amígdala faríngea ou adenóide e de amígdalas palatinas que são consideradas a principal causa desta patologia obstrutiva, dificultando a passagem normal de ar para as vias aéreas inferiores5;6. A existência de uma relação de causa e feito entre a obstrução do fluxo nasofaríngeo com a respiração bucal e modificações indesejáveis no crescimento e desenvolvimento das estruturas craniofaciais e na microbiota, justificaria a indicação de uma intervenção cirúrgica em idade precoce, para permitir a respiração nasal. Porém o crescimento e desenvolvimento das estruturas craniofaciais são determinados geneticamente e sua ocorrência se faz independente do modo respiratório, a intervenção não estaria indicada apenas para normalização do desenvolvimento destas estruturas7. Estudos mais recentes começam a associar outras anomalias aos pacientes com predominância de respiração bucal, especialmente as alterações nos componentes orgânicos salivares8;9;10. O fluido salivar apresenta múltiplas funções, dentre o efeito lavagem, solubilização de substâncias que dão sabor aos alimentos, formação do bolo alimentar, diluição de detritos, lubrificação dos tecidos moles, facilitação da mastigação, deglutição e fonação. É responsável pela proteção do dente, pela neutralização de ácidos, através da capacidade tampão, pela manutenção de concentrações supersaturadas de cálcio e fosfato. Participa da formação da película adquirida do esmalte, do revestimento da mucosa oral e na


47 defesa antimicrobiana. As alterações salivares podem comprometer os tecidos bucais moles e duros e suas funções11; 12. A saliva é essencial no equilíbrio bucal, podendo fatores externos como a respiração bucal, influenciar sua quantidade e qualidade, produzindo uma seleção de bactérias com elevado potencial de virulência, propiciando uma maior predisposição para o desenvolvimento de lesões de cárie dentária, como também de periodontopatias e doenças sistêmicas 13;14;15;16. O respirador bucal fica mais suscetível às faringites e amidalites. Este fluxo com baixa umidade e ar seco “rouba” umidade da mucosa bucal durante a respiração, inflama as mucosas e as cordas vocais, o que pode tornar a voz rouca pela sensação da garganta seca e áspera 17. A presença de agentes antimicrobianos na saliva integra mecanismo de defesa do organismo humano contra os agentes etiológicos que predispõem às doenças. As imunoglobulinas na saliva são oriundas das glândulas salivares e do soro sanguíneo. Predomina a imunoglobulina A secretora (IgA secretora), que é derivada de plasmócitos, nas glândulas salivares e representa o principal mecanismo de resposta imune específica da saliva18. Por outro lado, as imunoglobulinas M e G (IgM e IgG) presentes na saliva são derivadas do soro através do fluido crevicular gengival e estão em concentrações inferiores a IgA salivar. Os anticorpos que agem contra vírus e componentes virais podem ser detectados na saliva e representam um importante meio para diagnóstico de infecções virais agudas e infecções congênitas 19. As imunoglobulinas do tipo IgA predominam na saliva e o aumento em suas taxas pode caracterizar uma maior predisposição ao risco de desenvolvimento da doença cárie dentária 20;21. Este estudo está fundamentado na verificação dos crescentes índices de prevalência de crianças respiradoras bucais na cidade de Brasília, devido a fatores como clima seco, variações de temperatura, desencadeando processos alérgicos e padrões de respiração atípicos. A observação clínica e a análise das sérias conseqüências físicas e psicológicas, incluindo a provável alteração dos componentes orgânicos da saliva, demonstram ser esta patologia geradora de uma má-qualidade de vida.

METODOLOGIA Esse estudo foi realizado em crianças na faixa etária de 6 a 14 anos, que procuraram o tratamento ortodôntico no Hospital Militar de Área de Brasília (HMAB) durante o ano de 2010 e 2011. O projeto de pesquisa foi previamente avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Forças Armadas – HFA, sob número 005/2007. No Hospital Militar de Área de Brasília foram encaminhados para o exame inicial 310 indivíduos que aguardavam atendimento ortodôntico. Os exames clínicos intra e extrabucais foram realizados com instrumentos clínicos específicos, concomitante analisou-se as radiografias panorâmicas e telerradiografias de perfil. Os exames foram feitos no consultório de ortodontia preventiva do hospital, e registrados em fichas clínicas elaboradas para o estudo. Os critérios de inclusão no estudo foram portadores de maloclusão classes I, II ou III de Angle; crianças na fase de dentição mista/permanente; ausências de lesões de cárie; pacientes que não estejam nos últimos dois meses fazendo uso de qualquer tipo de terapia medicamentosa; pacientes que não tenham sido submetidos nos últimos dois meses a tratamento com radioterapia, o retorno com o termo de consentimento livre e esclarecido autorizado pelo responsável. Da amostra inicial 220 indivíduos trouxeram o termo de consentimento autorizado. Foram diagnosticados 160 com respiração predominante nasal (grupo 1) e 60 com respiração predominante bucal (grupo 2). O autor do projeto realizou o diagnóstico inicial, utilizando o protocolo preconizado por Willian James, e confirmando, de maneira multidisciplinar, pelos profissionais do Hospital (fonoaudiólogo e otorrinolaringologista). Para continuação da pesquisa 103 crianças compareceram ao exame no dia agendado, compondo a amostra final do do estudo, 2 grupos, sendo o grupo I composto por 59 crianças com maloclusão do tipo Classe I,II e III de Angle, com predominância de respiração nasal; e o grupo II composto por 44 crianças com predominância de respiração bucal. figura 1 – Fluxograma dos pacientes participantes da pesquisa. A coleta da saliva ocorreu no período matutino, no intervalo das 07:00 às 09:00 horas. Os pacientes estavam em jejum por no mínimo 2 horas. A amostra salivar foi coletada sem estimulação, utilizando o método de expectoração ou do cuspe. A saliva coletada foi depositada em um tubo ependofen e manteve-se em caixa refrigerada para posterior congelamento em freezer com temperatura de -20º, para avaliação das imunoglobulinas IgA, IgG e IgM. Quantificou-se as imunoglobulinas IgA ,salivar através da técnica nefelometria (equipamento NBII), Behring Nephelometer II e


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Gráfico 1 - valores de imunoglobulina IgA nos componentes da amostra

Fig. 1 - Fluxograma dos pacientes participantes da pesquisa.

Gráfico 2 - Proporção da amostra segundo o gênero.

com reagentes e calibradores fornecidos pelo próprio fabricante (kit Behring®-USA). Utlizou-se o software estatístico Statistical Package for Social Science- SPSS 17.0 para fazer a análise estatística dos dados. No histograma abaixo estão plotados os valores de IgA para os grupos estudados. O valor médio de IgA foi de 8,49 com desvio padrão 10,736.Gráfico 1

RESULTADOS Observa-se que o IgA no grupo dos respiradores bucais possui média muito superior a do grupo dos respiradores nasais. Enquanto a média de IgA dos respiradores bucais foi igual a 11,1 a dos respiradores nasais foi de 5,5. A variabilidade (desvio padrão) dos dados no grupo dos respiradores bucais também foi superior, 13,4 contra 6,1 dos respiradores nasais. O gráfico 2 abaixo relaciona a imunoglobulina IgA, considerando apenas o gênero da amostra sem importar o padrão respiratório diagnosticado. O gênero masculino totalizava 49 indivíduos, apresentando média de imunoglobulina IgA de 6,33 enquanto o grupo do gênero feminino foi composto por 41 indivíduos e apresentou média de 11,07. Como o grupo feminino obteve uma média maior da imunoglobulina IgA, foi necessária a realização do teste t. Concluiu-se que existia diferença estatisticamente significante entre os grupos, sendo o grupo feminino o que apresentou maior média. A distribuição do total de indivíduos analisados por faixa etária da amostra, considerando os diferentes grupos com relação ao padrão de respiração, encontra- se no gráfico 3. A faixa de idade situada entre os 8 e 10 anos foi a única onde o grupo dos pacientes com predominância de respiração bucal foi maior que a dos pacientes com predominância de respiração nasal, para a amostra estudada, levando-se em consideração a variável imunoglobulina IgA, aferida em 90 dos 103 indivíduos participantes da pesquisa.


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Gráfico 3 - Respirador bucal ou nasal segundo Gráfico 4 - Valor médio do IgA, por faixa etária, segundo sexo e o grupo de respirador. a faixa etária.

O valor médio dos índices de imunoglobulina IgA, divididos por gênero e idade, respeitando as diferenças diagnósticas entre os padrões predominante respiratório, encontra-se no gráfico 4. O valor médio de imunoglobulina IgA para o gênero masculino com predominância de respiração bucal foi de 7,43; e para o gênero feminino de 16,97. Para o grupo com predominância de respiração nasal, o gênero masculino apresentou um valor médio de IgA 5,42 enquanto a média de imunoglobulina IgA para o gênero feminino foi de 6,45. Nos dois grupos pesquisados, a média do IgA para o grupo feminino foi superior à média do grupo masculino. Na faixa etária entre os 6 e 8, e 8 a 10 anos, o valor médio da imunoglobulina IgA para o grupo do gênero feminino com respiração predominantemente bucal foi muito superior ao valor médio dos demais grupos da mesma faixa etária. Na faixa etária de 14 a 16 anos, o valor médio da imunoglobulina IgA para o grupo do gênero feminino com respiração predominantemente nasal foi muito superior ao dos demais grupos de mesma faixa etária. Constatou-se uma prevalência de respiração bucal de 5,5%, podendo este baixo índice estar relacionado tanto ao componente genético como às questões climáticas, pois os indivíduos da amostra eram provenientes de uma região de baixa prevalência de doenças respiratórias22.

DISCUSSÃO A saliva é produzida e secretada também pelas glândulas salivares menores, que são glândulas dispersas em toda a camada de epitélio que reveste o palato, os lábios, as bochechas, as tonsilas e a língua, secretam apenas muco com a função de conservar a umidade da mucosa bucal22;23;24. A IgA desempenha papel importante na neutralização e eliminação de antígenos locais e na modulação de fatores imunológicos teciduais ou humorais. A diminuição do IgA salivar pode estar associada a fatores como desnutrição e stress25. Baixos índices de IgA salivar tem sido apresentados como fatores de risco para infecções respiratórias superiores, enquanto IgE demonstra importante papel na patogenicidade de muitas reações inflamatórias alérgica26. Foram encontrados níveis de IgA e IgG em proporções menores nos pacientes diagnosticados com predominância de respiração bucal, os mesmos autores em pesquisa semelhante, em 2003, quando avaliaram índices de IgA específicos para streptococos do grupo mutans e cândida albicans, não encontraram diferenças estatisticamente significantes entre pacientes com predominância de respiração bucal e predominância de respiração nasal13. Os níveis salivares tanto da imunoglobulina IgA como IgE se apresentam mais altos em adultos quando comparados com crianças, e nenhuma diferença significante foi observada entre homens e mulheres26.


50 Estudo realizado no departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo afirma que as tonsilas são imunologicamente ativas entre os 4 e 10 anos de idade, e diminuem após os 20 anos, mostrando um decréscimo de sua importância após essa idade. Em pacientes com infecções recorrentes, há inflamação do epitélio das criptas resultando em diminuição do transporte de antígenos e diminuição da função imunológica dos LB, com conseqüente redução da produção de anticorpos e da população de linfócitos nos centros germinativos. Porém, em alguns casos pode haver um incremento da reposta imune Th2(células indutoras de imunoglobulinas), com aumento da ativação de LB. Sendo assim, tonsilas cronicamente infectadas e com volume aumentado freqüentemente têm sua função imunológica alterada27. Os valores dos níveis de imunoglobulinas séricas no pós-operatório de cirurgias de adenóide, apesar de inferiores aos do préoperatório, estão dentro dos limites da normalidade. Refletem provavelmente uma diminuição da estimulação antigênica28. Em trabalho feito por Koga em 1996, ela verificou que a síndrome do respirador bucal (SRB) acarreta alterações no meio bucal e na microbiota, produzindo possível seleção de bactérias cariogênicas, o que poderia aumentar a suscetibilidade à cárie. Com isto, compararam o fluxo salivar, a presença de estreptococos do grupo mutans e os níveis de imunoglobulinas anti-Streptococcus mutans na saliva de pacientes com SRB e crianças normais. Foi realizada também a quantificação de imunoglobulinas antistreptococcus mutans (IgA, IgC e IgM), por meio da técnica ELISA. A quantidade de IgA e IgM anti-Streptococcus mutans foi menor no grupo respirador bucal13. Já em seu trabalho de 2003 a autora verificou que não foram observadas diferenças para o anti-S. mutans e os níveis de IgA antiCandida entre os grupos de respiradores bucais e os nasais29. Nessa pesquisa quando comparado os níveis de IgA do grupo de pacientes com predominância de respiração bucal com o grupo de pacientes com predominância de respiração nasal foram observados valores de 11,72 para o grupo de pacientes com predominância de respiração bucal e valores médios de 5,90 para os pacientes do grupo de respiração predominantemente nasal. Esta diferença foi considerada significativa. Tais achados podem estar associados ao momento do exame clínico e diagnóstico dos pacientes como foi sugerido no estudo dos otorrinos em São Paulo. Dentro dos relatos dos responsáveis pelas crianças respiradoras bucais houve relatos de que elas sofrem de processos alérgicos crônicos o que favoreceria a presença maior de células de defesa (IgA) neste grupo.

CONCLUSÃO Como os respiradores bucais necessitam de cuidados multidisciplinares, e a odontologia se faz extremamente indispensável para o sucesso do tratamento mais pesquisas devem surgir para aumentar as informações e até mesmo servir de comparativos para os resultados diferentes encontrados nos estudos já realizados. Considerando que todos os fatores relacionados neste trabalho e na literatura envolvem a qualidade de vida dessas crianças.

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ORTODONTIA Capítulo

6

Ortodontia Fixa na Dentição Decídua e Mista: Descrição do Protocolo, Casos Clínicos e Tratamentos Inovadores

Vania D'Angelo R. A. Santos Paulo Cesar Antunes dos Santos

Ao diagnosticarmos maloclusões e hábitos parafuncionais na infância, observamos que apertamentos e bruxismos já estão presentes desde muito cedo em muitos dos casos. Coexistem com esse quadro os contatos prematuros e interferências oclusais, rinites, asmas e outras patologias que afetam a qualidade do sono. Fatores hereditários, comportamentais e emocionais também fazem parte desse arsenal de distúrbios sistêmicos. O apertamento e o bruxismo promovem desde muito cedo alterações nos rebordos alveolares, e, segundo HELLSING (1990), a "sobremordida" acentuada pode causar, com uma certa freqüência, injúrias na ATM e músculos da mastigação. Fazemos aqui uma colocação: A evidência de que a sobremordida pode causar a DTM pode ser questionada pelo seu inverso, ou seja, tendo-se a DTM, a sobremordida é "construída" no sistema. Isto é, a DTM é a precursora da sobremordida e não só fator predisponente. Por isso a atenção que devemos dar à DTM já presente na infância, pois as forças que incidem sobre o sistema como um todo, moldam desde pequeno o futuro paciente ortodôntico. Baseado nesse potencial risco, somos a favor do tratamento interceptador ou preventivo, o mais precoce possível, além de tentar detectar e reeducar o mais cedo os quadros de DTM. Caso não consigamos essa interceptação, ao término da irrupção da dentição permanente muitos dos pacientes, passam a ter uma estrutura alveolar incompatível com a verdadeira necessidade de espaço e do potencial genético e funcional que deveriam ter sido alcançados. Há muito tem sido descritos hábitos parafuncionais diversos na literatura que são fatores etiológicos das maloclusões. Na casuística geral observada, foram encontradas situações desde mastigação unilateral, mal uso da musculatura perioral, até as diversas graduações de bruxismos e apertamentos, já desde idades muito precoces. Isso, sem citarmos formações congênitas e síndromes 7. Outro ponto a citar seriam as causas por fatores de meio ambiente e dieta, hábitos como uso de chupetas, atividades físicas ou ausência delas, além de hábitos comportamentais. O fato de termos um intrincado conjunto de tecidos em crescimento, e também termos fatores psicoemocionais expressos na região


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Figura 1 - Células de Rouget. Funcionam como reguladores da pressão nos capilares. Tem essa forma aracnóide que permite abraçar a estrutura do capilar.

Figura 2 - Tipos de capilares sanguíneos. A- Contínuo, B- Fenestrado, C- Descontínuo

oral, é necessário um estudo profundo de cada caso para podermos escolher os procedimentos clínicos que mais satisfaçam a solução em caráter preventivo ou interceptativo da maloclusão . Durante décadas o tratamento desses casos ficou condicionado à erupção dos dentes permanentes, e depois, com novos estudos, a ortodontia preventiva e a ortopedia funcional vieram dar soluções a várias questões relativas ao crescimento facial e alveolar, minimizando problemas futuros. O que hoje percebemos é que independente das técnicas usadas, os tratamentos longos, dependentes da colaboração de pais e crianças, ou o uso de forças de alta magnitude para as estruturas biológicas, que implicavam em quadros dolorosos eram as constantes no perfil de tratamentos usados. Mesmo que adotemos práticas ecléticas associando várias filosofias, desde ortopedia funcional dos maxilares (Planas, Bimler, Frankel, Lima), twinblock, disjuntores encapsulados ou modelo Hass, ortodontia fixa (Begg, Ricketts, Andrews, autoligáveis, e bidimensionais), barras linguais e palatinas, placas miorrelaxantes de Michigan10, 11, placas cognitivas , além de acessórios como Jasper Jumper, Jones Jig, cursores, pêndulos entre outros mais, percebemos que a da fase de crescimento transversal da maxila é de suma importância para os futuros procedimentos na dentição permanente. Por esse motivo, e sempre baseado em evidências, implementamos esse protocolo afim de circundarmos e termos controle sobre cada caso em particular, principalmente daqueles pacientes que não fazem bom uso da aparatologia móvel, seja por que motivo for e para aplicar o necessário em cada situação. Cabe aqui também frisar a utilização de disjuntores em alguns casos, que aplicavam forças muito grandes às bases ósseas através dos dentes decíduos que também foi e é um procedimento bastante utilizado na prática clínica em todo o mundo. Na ortodontia preventiva e interceptativa, porém, todos esses procedimentos e técnicas tradicionais ficavam, como mencionado anteriormente, condicionadas ao uso consistente e perseverante dos aparelhos removíveis ou a forças pesadas com procedimentos que eram ou muito lentos, de acordo com a filosofia empregada, seja ortodontia pura ou ortopedia funcional dos maxilares, ou muito rápidos e muitas vezes instáveis. Com relação à ortodontia fixa, movimentações com forças médias, dentro da ortodontia contemporânea, até bem pouco tempo eram padrão. Observações pontuadas em diversas técnicas apontavam para casos clínicos em que forças leves eram empregadas exporadicamente, usando fios de niti de baixo calibre (012 por exemplo) e a diminuição do atrito na mecânica também tomou ênfase na última década até que as mudanças realmente aconteceram quando a concepção da ortodontia autoligável chegou até nós. Quando a técnica autoligável e fios termoativados foram introduzidos, fomos percebendo que muitos dos conceitos precisavam ser refeitos. As forças agora minimizadas respeitam a oxigenação e metabolismo dos tecidos. A expansão que era feita com forças pesadas e com aparelhos disjuntores, móveis ou ortopédicos poderia ser repensada. Os acessórios que vieram conjuntamente da técnica lingual também contribuíram para usar conceitos totalmente novos de tratamento agregando teor mecânico ao conjunto. Podemos citar aqui os bite turbos, ou batentes, os bild up´s e outros tipos de desoclusores que usados com dupla finalidade, podem conduzir o tratamento de forma mais eficiente, associando inclusive o tratamento da DTM concomitante pois podem se comportar, se bem utilizados como uma placa de mordida que atua 24 h por dia. Com o advento dos novos fios ortodônticos termoativados, hoje, conseguimos um controle de força muito maior do que jamais foi


54 alcançado. E, para a nossa surpresa, os fios mais leves passaram a ser os mais eficientes no mecanismo de movimentação. Como Proffit já comentou: "o nível de força ideal é aquele que não oblitera os vasos sanguíneos". Ou seja, necessitamos de metabolismo alimentado pelo oxigênio. Para isso, a circulação sanguínea deve ser preservada nos tecidos periodontais, levando nutrientes e células remodeladoras como os macrófagos, no mínimo. Existem vários estudos sobre a pressão do sangue na microcirculação para que o O2 esteja disponível ao nível celular mais básico. Há diferenças para diversos tecidos, e há várias pressões que os capilares exercem sobre os tecidos para que a quantidade de força seja positiva e ele entre no espaço intersticial. Ao nível periodontal, a força da circulação sanguínea varia entre 25 a 30g, para a maioria dos indivíduos, e, dependendo do gradiente osmótico da membrana celular, das células de Rouget entre outras estruturas, esse sistema pode absorver o O2 com maior ou menor potência. Em resumo, na microcirculação temos os seguintes elementos: - Relação arteríola/capilar - Densidade capilar (número capilar/grama de tecido) - Tipo de capilar que contribui no dimensionamento da pressão de O2 - Demanda metabólica - Barreiras adicionais, membranas, líquido intersticial, gradiente osmótico - Fatores anatômicos locais, como as células de Rouget e musculatura lisa - Micronutrientes Portanto, qualquer força que impeça a microcirculação ao nível da membrana celular, é impeditiva para um bom metabolismo ósseo. O ideal é sempre ficarmos abaixo de 28g, em média. Houve relatos que forças de 12 gramas foram suficientes para movimentar dentes. Segundo Hodge et al. (1997) uma PLA (placa lábio ativa) pode atingir forças de 9 até 12g, sendo que uma força de 1,68g já é suficiente para produzir movimento dental quando aplicada por um período de 8 semanas (Weinstein, 1967). Portanto, forças abaixo da pressão sanguínea na microcirculação em períodos de 8 semanas parecem ser bastante eficientes. Os fios termoativados, associados a braquetes autoligáveis parecem se comportar desse modo interativo. Os primeiros estudos mostram que a eficiência clínica desses fios e o sistema de alta performance dos autoligáveis no que diz respeito ao quesito movimentação, parece ser incostestável. Medidas de força feitas sobre os sistemas mecânicos com esses fios demonstra que elas ficam dentro desse patamar de 28g ou menos. Há muitos clínicos e teóricos que contrapõe essa performance, mas parece ser evidente que a movimentação é muito mais rápida. E parece bem provável que seja pela qualidade da nutrição dos tecidos adjacentes ao dente em movimento. Baseando-nos em confirmações radiográficas, os fios com protocolos bem aplicados, nos intervalos de tempo corretos e sem antecipar a troca, movimentam os dentes mantendo a higidez das raízes sem as indesejadas reabsorções, ou no mínimo, reduzem drasticamente o risco destas ocorrerem, porque mantém a força em nível ideal para manter metabolismo e o O2 nas mitocôndrias. Mesmo que façamos nosso controle por meio de tomografias, ao que tudo indica, as estruturas são mantidas, tanto ósseas quanto radiculares e não se produzem fenestrações iatrogênicas. Aliás, antes do advento dessa técnica, parecia não haver tanta preocupação em se evidenciar a ocorrência das fenestrações e das reabsorções, por justamente, sabermos que elas poderiam ocorrer, e que poderiam ser uma intercorrência perfeitamente comum, mesmo que iatrogênica. Era de prática clínica uma radiografia panorâmica e uma telerradiografia lateral ao final do tratamento para nos certificarmos de que nada indesejado houvesse ocorrido, mas caso isso se confirmasse, como uma reabsorção radicular ou um arredondamento de ápice mais evidente, havia um consenso de que as forças teriam sido demais para o metabolismo do paciente e que infelizmente a intercorrência era "aceitável" pela dificuldade do caso em questão. Passamos a encarar algumas intercorrências nesse nível como "um mal necessário". Muitas vezes havia a necessidade de grandes forças na prática clínica. Uso de extrabucais com forças geradas de 500g, disjuntores que poderiam desencadear até 1 kg de força... Sabíamos que a força necessária era grande. Com os primeiros fios de niti e os braquetes programados da técnica Straight Wire essas forças começaram a diminuir de dimensão. E essa prática difundiu-se para a maioria das técnicas pelo que foi observado, com algumas exceções.


55

Figura 4 -

Figura 3 -

Costumou-se dimensionar entre 100 e 150g de força como sendo a usual na maioria das técnicas, e mesmo em distalizações com uso de microimplantes a força mais usada girava dentro desse padrão. Molas em sentalloy eram confeccionadas para manter o tempo todo a força de 150g, e essa quantidade de força foi usada como uma base para a dimensão de forças que acreditávamos serem eficientes para a movimentação ortodôntica. Partindo dessas ferramentas, iniciamos o reestudo de vários casos já em andamento, e mudamos o protocolo aplicado. Quando os primeiros estudos sobre o metabolismo dos tecidos periodontais com as forças promovidas pelos fios termoativados começaram a ser publicados percebemos que deveríamos redimensionar as forças ortodonticas empregadas. Segundo os estudos mostram, a circulação sanguínea na região do periodonto tem como resultante uma força de 28g. Assumimos, portanto, forças abaixo dessa dimensão. E para isso, decidimos construir um protocolo usando aparelho fixo e fios termoativados na dentição mista. Inicialmente, refizemos todas as radiografias panorâmicas para verificar os estágios de reabsorção dos decíduos e, todos os dentes que dispunham ao menos 50% das raízes, foram incluídos no arco. Montamos o aparelho em pacientes com os primeiros molares superiores permanentes erupcionados, assim como os incisivos centrais superiores e os incisivos inferiores permanentes. Os incisivos laterais superiores somente eram incluídos no arco se não interferissem ao nível radicular com a coroa dos caninos permanentes em formação. Utilizamos braquetes bidimensionais (os incisivos com slot 18 e dos caninos aos primeiros molares permanentes usamos slot 22). No início, utilizamos amarrações em diagonal nos braquetes de slot 22 (fig3) pela não disponibilidade inicial dos braquetes autoligados que seguem a prescrição desse protocolo. Esse procedimento produz de uma redução bastante grande do atrito, apesar de não termos feito sua exata mensuração, e acreditamos que se equipare na ordem de 70% da capacidade de deslize do braquete autoligável. Nos casos seguintes já dispúnhamos dos referidos braquetes. Acrescentamos ao protocolo o sistema Bidimensional de Gianelly de 1985, mais precisamente o modelo A (fig.4) de sua publicação. Adicionamos ao sistema os acessórios desoclusores, os bite turbos e bild up´s, e alguns bild up´s na forma de pistas diretas Planas que posicionavam os dentes de forma a movimentarem-se na direção do vetor desejado. Quando Planas utiliza as pistas indiretas nos aparelhos bimaxilares, ele consegue potencializar a movimentação e utilizar forças de apertamentos e bruxismos presentes no paciente, para benefício do próprio paciente. Porém quando Planas introduziu as pistas diretas, sobre os próprios dentes, houve um aumento das possibilidades, podíamos tratar pacientes muito novos, utilizando resina, e que podiam, assim, usar um aparelho 24h por dia. Aqui começa uma nova maneira de pensar. Depois de termos tantos elementos que comprovadamente, são efetivos nos tratamentos ortodônticos, bastaram-nos dar a cada elemento a sua função, e baseando-se em estudos científicos anteriores, juntar esses elementos de forma harmônica e lógica para dar a forma a esse Protocolo de Dentição Mista por nós idealizado, ou PDM. Todos os elementos que usamos e citamos em nosso protocolo, cada um na sua época de introdução ao mundo da ortodontia, foi muitíssimo estudado e comprovado. As pistas diretas Planas tem um valor inestimável e indiscutível na ortodontia precoce. O sistema bidimensional também tem embasamento científico suficiente para ter o seu lugar entre os recursos mais importantes para precocemente, possibilitar o correto torque incisal tão importante ao selamento labial e fonação. As pistas Twin Block diretas, sim, parecem inovações ainda não aplicadas, mesmo porque na Ortopedia Funcional dos Maxilares o uso do Twin Block não é tão difundido. Ele é um recurso usado para incrementar a protrusão maxilar com ganho de DVO. Deve-se


56 comentar que o uso de 70º de inclinação nessas pistas não é rígido, mesmo porque a construção dessas pistas diretamente na boca e seu ajuste posterior ainda parece ser o melhor procedimento por não teorizar sobre a tonicidade muscular do paciente e sim controlarmos do ponto de vista clínico. Podemos também propor estudos para a confecção dessas pistas em articulador para posterior cimentação. E finalmente, o advento do sistema autoligável e fios termoativados que já tem notoriamente, a sua validação científica. Notem que nada de novo foi introduzido, a exceção do que comentamos sobre as pistas diretas Twin Block. O metabolismo de reabsorção do dente decíduo é próprio e inerente a cada paciente. Foram publicados dezenas de estudos sobre o processo de reabsorção decídua. Estudando-se os mecanismos e mediadores bioquímicos envolvidos na indução da reabsorção fisiológica. A apoptose foi evidenciada nos cementoblastos, fibroblastos do tecido pulpar, do ligamento periodontal e nos restos epiteliais de Malassez dos dentes decíduos. Usando-se radioisótopos buscou-se identificar os prováveis mediadores bioquímicos indutores da apoptose nestas células. Uma das proteínas envolvidas na indução da apoptose em eventos fisiológicos, a proteína morfogenética óssea 4 (BMP-4), foi detectada nos cementoblastos e células do ligamento periodontal do dente decíduo. Além dela as enzimas gelatinase B e um tipo de metaproteinase tomam parte do processo. Em artigo de 2004, publicado pela Revista Dental Press, pelo Prof. Dr. Alberto Consolaro; Professor Titular em Patologia Bucal pela Faculdade de Odontologia de Bauru - FOB-USP - São Paulo, há a menção sobre as características histológicas dos dentes decíduos em relação aos permanentes e as consequentes diferenças quando submetidos às forças ortodônticas: (...) As células que protegem a raiz dentária da reabsorção durante a remodelação óssea diária são os cementoblastos, pois não possuem receptores para os mediadores deste processo. Quando algum fator como força intensa, traumatismos, cirurgias, substâncias químicas, produtos bacterianos e lesões eliminam os cementoblastos ocorre a reabsorção radicular. Nos dentes decíduos, assim que completam a sua formação, observam-se esparsos e eventuais cementoblastos, odontoblastos, fibroblastos e restos de Malassez em apoptose, um processo de morte celular natural e geneticamente programada. A rizólise decídua se inicia quando o dente se completa; é um processo lento e gradual, pois os mediadores da reabsorção estão em nível muito baixo nas áreas sem estresse celular e inflamação (...). Ou seja, os fatores de reabsorção não são reconhecidos pelos cementoblastos dos permanentes, mas o são pelos decíduos, justamente por razões bioquímicas da natureza dos cementoblastos sobre superfície das raízes decíduas. No caso da ortodontia fixa, com as forças empregadas pela ortodontia convencional, correr-se-ia o risco de termos ao final da movimentação apenas as coroas dos decíduos sem o resultado da expansão maxilar por exemplo. Porém, em defesa da possibilidade de uso dos decíduos como elementos efetivos do tratamento temos que verificar certos fatos comprovados como a indução da rizólise, via apoptose. Esta independe dos dentes permanentes e inicia-se logo após a completa formação do dente decíduo. É um processo natural. A aceleração e o aparecimento de frentes de reabsorção que são característica da rizólise em decíduos são conseguidos devido à proximidade e aos mediadores do folículo pericoronário dos dentes permanentes, apesar disso. Na rizólise sem a proximidade do dente permanente não se vê esse tipo de reabsorção, parece ocorrer somente a perda do contorno da lâmina dura e da raíz. O que não caracterizaria um procedimento iatrogênico. Os dados mais precisos que temos hoje é que a rizólise decídua seja, na verdade, incrementada pelo folículo pericoronário dos permanentes com mais intensidade do que por fatores intrínsecos aos próprios decíduos. Por esse motivo, é justo que apreendamos ser possível, através das forças leves, conduzir a movimentação dos decíduos, mesmo com áreas de cementoblastos rarefeitas, com baixa resposta inflamatória e de forma a conseguir expansão transversal. Desta forma podemos compensar surtos de crescimento defasados usando o PDM, da mesma forma que quando usamos os aparelhos móveis. A grande vantagem no uso do PDM é a possibilidade do acoplamento dos dispositivos de pistas usados na OFM que atuam 24h por dia, sem o problema da não cooperação que mitiga, e muito, o desempenho dos aparelhos móveis. Além disso, não ocorre uma limitação em relação ao controle e individualização das intercuspidações. Outro detalhe importante é que não foi feito nenhum estudo longitudinal sobre a comportamento dos fios termoativados sobre os decíduos. Em virtude da possibilidade de extrapolarmos tal performance para esse processo de obtenção de áreas ósseas nas regiões circundantes aos decíduos e visto a rizólise ser mais pertinente à presença do permanente próximo à região radicular decídua, do que ao decíduo, propriamente dito, a proposta do PDM é tão ou mais válida do que de qualquer outro protocolo já consolidado.


57 Quanto aos dentes permanentes envolvidos na mecânica mais precocemente, temos trabalhos mostrando que manter a microcirculação é essencial para não haver intervenções na rizogênese durante movimentações ortodônticas. No artigo do Dr. Alberto Consolaro de 2001 é esclarecido que: "A reabsorção óssea no periodonto lateral e apical durante o movimento dentário induzido por aparelhos ortodônticos depende da pressão exercida sobre os vasos sanguíneos com diminuição do seu calibre e redução do fluxo sanguíneo, promovendo isquemia. Esta isquemia pode levar a áreas de necrose e hialinas com morte focal dos cementoblastos, fenômenos envolvidos na iniciação das reabsorções dentárias. Também depende da compressão celular e deformação do citoesqueleto, promovendo o estresse celular e consequente liberação de mediadores locais da osteoclasia. A papila dentária, espacialmente, representa um botão ou uma "esponja" de tecido mole (...). Sua nutrição advém de um vaso principal de origem óssea, de vasos menores e numerosos do folículo dentário e também da rica matriz extracelular pobre em fibras dos tecidos vizinhos e embrionários embebendoa com o líquido intersticial. As forças geradas na movimentação dentária induzida em dentes com rizogênese incompleta, dificilmente promoverão colabamento de vasos e isquemia na área. A papila dentária e tecidos vizinhos são moles, ocupam uma grande área (...), não sendo comprimidos contra o osso apical localizado à distância se comparado com o osso alveolar no ligamento periodontal completamente formado. Não haverá de ocorrer necrose e áreas hialinas na região apical, muito menos morte dos cementoblastos recém-estabelecidos. Da mesma forma, estas forças não promoverão compressão e deformação do citoesqueleto significantes a ponto de gerar estresse celular e níveis elevados de mediadores locais de osteoclasia". Por esses motivos, o acompanhamento radiográfico é muito importante, mas mais importante é o cuidado com as forças geradas sobre os dentes. O protocolo por nós proposto engloba sim acompanhamento radiográfico a cada 6 meses, e não propõe tempo de tratamento maior que 1 ano, salvo casos mais graves. Porém, radiografias constantes esbarram na incidência de raios X nocivos, e devem ser feitas somente em casos de suspeita maior de reabsorção. Como explicado, o cuidado com o dimensionamento das forças, sim é que deve ser observado, e constantemente, além das direções das movimentações dos dentes, lembrando sempre onde está o permanente e o contato da sua cápsula com a raíz do decíduo e da força que impomos aos permanentes envolvidos no sistema mecânico e que está em rizogênese incompleta. Toda essa interação de forças bem dimensionada e direcionada, mais o uso de dispositivos de OFM, alguns de uso inédito são o diferencial em nosso Protocolo. O descruzamento, retrusão e protrusão pelo aparelho fixo bidimensional, auxiliado pelas pistas diretas Planas ou Twin Block, são muito bem utilizados em nosso protocolo, pois mudam a fisiologia da mastigação de forma rápida ao nível preventivo e interceptativo. E, a proposta é, no mínimo, diminuir o impacto das oclusopatias na dentição permanente e nos prognósticos mais arriscados para cirurgias ortognáticas, e de forma acelerada. Se necessário, em fases posteriores, complementa-se após a irrupção dos permanentes e com a aparotologia fixa, e segundo protocolos convencionais ou autoligáveis, de preferência, os ajustes necessários para a correção ortodôntica de giroversões, alinhamentos e nivelamentos de pequenas dimensões. Nossa proposta utiliza o dente decíduo dentro dos parâmetros mais funcionais de metabolismo que nos é possível no momento. Sabemos que a nutrição sanguínea chega às células periodontais devido às forças leves, levando O2 . Do mesmo modo, podemos fazer uma análise crítica sobre como norteamos há décadas, com o uso de dispositivos móveis ou ERM e forças pesadas a obtenção de crescimento do osso alveolar . Vários estudos mostram que a maior parte da correção pelo crescimento ósseo geral da face, nas diversas oclusopatias é devida ao crescimento do osso alveolar. Mesmo nos avanços mandibulares propostos na OFM. E esse osso alveolar é delicado, com microcirculação muito bem constituída. É claro que fica aqui mais um imenso campo para debates filosóficos e comprovações científicas, porque esbarra em muitos conceitos já amalgamados em nossa consciência e nossa prática profissional. Existe, além do ponto de vista filosófico-científico, uma série de outros paradigmas técnicos sobre o dente decíduo. No que concerne à fixação de dispositivos como braquetes, tubos, ou botões, por exemplo, há o paradigma de que o decíduo não é


58 capaz de reter com eficiência a sua colagem, pois a formação do esmalte é histologicamente diferente. Mas, um estudo sobre a eficiência da colagem em decíduos ser menos efetiva, que a colagem em permanentes mostra que submetidos à análise estatística, os resultados não mostram diferença significativa entre eles.19 Os resultados foram os seguintes: 82,40 Kgf/cm² (21,26 Kgf/cm²) para os dentes decíduos e 85,27 Kgf/cm² (18,89 Kgf/cm²) para os dentes permanentes. Em face disto, pode-se concluir que a prática de colagem de braquetes e botões em molares decíduos, nos limites do trabalho, tem apoio laboratorial. Por todos esses motivos existe a necessidade de repensarmos e estudarmos todos esses dados à luz das novas tecnologias. Quando o sistema autoligável ganhou sua forma de conduzir os tratamentos, alguns elementos novos, outros nem tanto, vieram como acessórios muito importantes, senão imprescindíveis na boa performance nessa técnica. Quando idealizamos esse protocolo para aplicarmos na dentição mista percebemos que havia a necessidade de alguns desses elementos e acessórios. Abaixo enumeramos um resumo desses requisitos e suas razões: 1. Braquetes bidimensionais que podem ser autoligados (ou uma prescrição mesclada como descreveremos mais adiante) 2. Fios termoativados e cooper niti (012, 014, 016, e 014x025, 016x016, 016x022, 016x025 e, eventualmente 017x025) 3. Bite turbos 4. Bild up´s e pistas diretas Planas (transversais) 5. Pistas diretas Twin Blocks (anteroposteriores) Porque selecionamos esses elementos para montar esse protocolo? 1. Os braquetes bidimensionais 018 x 028 são utilizados nos incisivos e a partir dos caninos usamos os braquetes 022 x 028. O slot 018 anterior proporciona o controle de torque muito precoce quando são instalados os fios quadrados e retangulares. 2. Os fios termoativados são essenciais, sem eles não existiria a força de reconstrução óssea necessária para haver a adaptação dos arcos e a mordida construtiva. A sequência não é rígida, porque muitas vezes precisamos já torquear. 3. O Bite Turbo é aplicado aos dentes superiores anteriores, geralmente incisivos, mas, muitas vezes em caninos, proporciona a desoclusão desejada para que os fios atuem livremente e possam exprimir os torques. Nos casos de dentição mista, queremos liberar os dentes posteriores para ocorrer desenvolvimento ósseo e reequilibrar o surto de crescimento transversal da maxila e mandíbula com os espaços requeridos para os incisivos permanentes. Usando braquetes bidimensionais esse processo é melhor controlado e rapidamente se adquire os torques nos incisivos tão importantes para o perfil e selamento labial. Além disso, os toques interincisivos são muito importantes por proporcionar estímulo neurológico de reposicionamento mandibular. Na OFM os toques de incisivos são obtidos já na mordida construtiva para potencializar a resposta neurológica logo nos primeiros dias de uso do aparelho ortopédico. Uma estratégia que auxilia tanto o toque interincisivo quanto a desoclusão é a confecção dos Bite Turbos. O Bite Turbo é um elemento tremendamente versátil, além de dar referências neurológicas de imediato, libera a oclusão reduzindo o overbite. Ele também é estratégico para se potencializar torques para low ou high, pelo simples toque intermitente. Em nossa prática em DTM, costumava-se manter o paciente compensado por meses com as Placas Miorrelaxantes modelo Michigan para depois se pensar no tratamento ortodôntico. Hoje, os Bite Turbos e Bild up's funcionam como uma placa 24h por dia, antecipando a maioria dos casos de tratamento ortodôntico. Nas crianças o funcionamento é similar. Muitos tem bruxismo e apertamento que podem ser melhor controlados. Mas, não me assusto quando uma criança consegue quebrar até os Bite Turbos bem confeccionado, pois a atividade parafuncional nelas pode ser muito grande. 4. Os Bild up's são herança da ortodontia lingual, chegaram aos poucos e consolidaram a sua posição tão essencial como os Bite Turbos. Sua função é promover desoclusão posterior, principalmente nos casos de classe III com mordida cruzada anterior, mas também nos cruzamentos em geral. Na PDM utilizamos muito esses Bild up's na forma de pistas diretas Planas, obedecendo aos princípios que compõe a Lei Planas de Desenvolvimento. Essas construções são feitas em resina e apenas nos dentes decíduos, e aí outra função importantíssima dos mesmos no conjunto do


59 protocolo. Juntamente com a movimentação promovida pelos fios, as pistas direcionam os vetores de crescimento e equilibram a simetria facial e muscular. Outra função é a contenção dos impulsos do bruxismo e apertamento. Não são todos os casos, mas uma grande parte de nossos pacientes reduz em muito as atividades parafuncionais. Esse é um campo ainda muito novo e que necessita mais dados estatísticos. 5. As pistas diretas modelo Twin Block foram baseadas nos ângulos oblíquos do aparelho Twin Block indiretos, que utilizam pistas inclinadas em 70 graus, e promovem a protrusão da mandíbula e o controle da erupção dos molares permanentes. Estamos iniciando o estudo para poderem ser aplicadas, também, em casos de classe III para evitar avanço mandibular, principalmente parafuncional.

CASOS CLÍNICOS CASO 1 Menina de 8 anos, não cooperadora de ortodontia móvel. Usou por 6 meses um expansor tipo Schwartz com encapsulamento, sem colaboração. Resolvemos utilizar o protocolo de dentição mista. Note-se a quase resolução da mordida cruzada, mais evidente do lado direito e a expansão fisiológica que ocorreu em ambos os lados acomodando a linha média de forma natural, porque houve a desprogramação através da desoclusão ocasionada pelos bild up´s. Como inclinamos os bild up´s, eles se comportam como pistas diretas Planas associadas ao sistema.

Estado inicial em novembro de 2011

03 de outubro de 2012

02 de julho de 2012

29 de janeiro de 2013

CASO 2 Menina com atresia maxilar e tendência para Classe III, 8 anos de idade. Utilizamos inicialmente aparelho expansor Schwartz com encapsulamento e após 2 meses resolvemos instalar o PDM, não pela colaboração, mas pela gravidade do caso que para nós exigia algo mais efetivo em 18 de outubro de 2012 foi montado o PDM. Em 27 de novembro de 2012, com apenas 40 dias de tratamento, reparem na relação de classe III inicial e agora: Feitas as exodontias dos remanescentes dos elementos 54 e 64, verifica-se a obtenção dos espaços transversais necessários além da projeção da maxila sobre a mandíbula, diminuindo, já a discrepância antero-posterior de classe III, que seria muito mais difícil e


60 lenta a sua obtenção com as técnicas utilizadas anteriormente. Devemos frisar que as forças utilizadas não excedem os valores de 28 gramas da circulação sanguínea, sendo portanto totalmente fisiológicas. Não houve uso de elásticos intermaxilares, pois foi montado somente o aparelho superior. Não houve relato de nenhuma dor pela paciente.

Estado inicial

18 de outubro de 2012

27 de novembro de 2012

18 de outubro de 2012

18 de outubro de 2012

19 de fevereiro de 2013

26 de março de 2013

07 de maio de 2013

CASO 3 Menina 8 anos de idade: colocamos o protocolo como primeira escolha, para interceptar mordida cruzada e atresia geral da maxila. Retiramos em 25 de outubro os laterais do conjunto de forças para não haver perigo de toques intraósseos das raízes dos laterais e coroas do caninos em formação e aumentamos a altura do bild up esquerdo para facilitar a passagem do canino decíduo: E, outras fotos na sequência , aguardando somente alinhamento para a retirada do aparelho. Aliás, cabe aqui dizer que os cuidados nessa idade devem ser redobrados pelos pais com relação à higiene e também com relação aos alimentos crocantes e borrachóides (pipocas e pizza por exemplo) que podem causar muitas quebras do aparelho. Mas, tomando-se os cuidados, não vimos nenhum outro ponto negativo quanto à instalação e manutenção dos elementos do protocolo. Utilizamos portanto, o PDM nesse caso associando Bite Turbo para controlar dimensão vertical e, portanto os elementos 16 e 26


61 foram mantidos fora do arco superior para terminar erupção. Os elementos 36 e 46 foram inseridos para manter protrusão inferior dos incisivos. Fios usados foram os 014 termoativados. Neste momento aguardamos o final da esfoliação decídua e erupção permanente para terminar o caso, agora, sem muitas complicações.

11 de setembro de 2012

27 de novembro de 2012

Fotos iniciais e em 11 de setembro de 2012, quando instalamos o PDM.

04 de abril de 2013

07 de maio de 2012

CASO 4 Paciente com fissura palatina, não teve boa performance com aparelho expansor móvel, sentia dores e acreditamos que devido ao estiramento da cicatriz cirúrgica, resolvemos implantar o PDM após 4 meses do tratamento com o referido expansor. Ao retirarmos em 10 de outubro no acompanhamento acrescentamos pistas Planas muito rasas para manter o descruzamento bilateral. E em 11 de dezembro verificamos a estética e os contornos labiais no sorriso e em 19 de março constatamos na esfoliação dos molares decíduos superiores o contorno vestibular dos pré-molares que se projetaram, provavelmente pela presença de matriz óssea alveolar.

09 de junho de 2011

04 de junho de 2012

11 de dezembro de 2012


62

11 de dezembro de 2012

19 de março de 2013

CASO 5 Menino de 11 anos no final da dentição mista com histórico de 2 anos de aparatologia móvel. Os vetores de força foram aplicados tendo em vista adequação do surto transversal, mas manteve-se defasagem na DVO e no avanço mandibular. Apesar de termos os caninos decíduos em Classe I, havia projeção e overjet maxilar que se comprovou ao montarmos a pista Twin Block direta (esse elemento será melhor comentado em outro artigo, por se tratar de publicação original do autor). Associando o Bite Turbo às pistas Twin Block para incrementar o vetor vertical temos a seguinte montagem (4 de abril de 2013). Reparem na inclinação da pista direta Twin Block proximo a 60 ou 70 graus.

27 de novembro de 2012

4 de abril de 2013

A variação de perfil inicial em 27 de novembro de 2012 e 19 de fevereiro de 2013

CASO 6 Menino de 8 anos em classe II e mordida cruzada esquerda. Optamos de imediato pelo PDM pela necessidade de trabalharmos em vários vetores de crescimento, antero-posterior e transversal. Aqui em 27 de novembro de 2013 ao iniciarmos a montagem, que se segue:. Em seu retorno em 29 de janeiro de 2013, mostrando a incrementação das pistas, que aqui estão em angulação moderada, nem Planas nem Twin Block e o efeito do reposicionamento em mordida construtiva que atuam 24 h por dia estimulando ortopedicamente o paciente. Aqui o comportamento do paciente com as pistas Twin Block ao tocar e protruir a mandíbula, criando o vetor ortopédico. Nesse paciente como possui mordida cruzada unilateral, houve a inclusão dos elementos 16 e 26 no arco. É possível termos uma flexibilidade na montagem do PDM, com relação à utilização dos braquetes, convencionais, autoligáveis ou


63 com slot vertical como o Vector da Aditek, o Versátil Barbosa, TP Orthodontics e outros similares, porém frisamos que o ideal para o protocolo seria termos braquetes totalmente adaptados aos dentes decíduos, com prescrição bidimensional e que comportassem ligaduras elásticas para travar ou dificultar de modo simples, o deslizamento, juntamente com os stop archs. O profissional deve planejar cada caso visando o objetivo, e aplicar o travamento e o deslize conforme a necessidade. Atualmente utilizamos somente prescrição autoligável composta de braquetes bidimensionais. Fazemos a composição da prescrição. O sistema Vector da Aditek ou similares como fabricam-se empresasa como a TO orthodontics, também atendem bem o não atrito se for utilizado o slot vertical e amarração em fio de aço com folga.

Inicial 27 de novembro de 2012

02 de maio de 2013

29 de janeiro de 2013

02 de maio de 2013

Aqui alguns casos e diferenças de padronização: 11 e 12 com Bioclip 018 e demais Easy Clip 022 da Aditek.

Easy Clip slot 022 em todos os braquetes.

Foto frontal do aspecto de crescimento tranversal para o descruzamento.

Braquetes autoligáveis bidimensionais

CONCLUSÃO Todos esses casos que iniciamos com o PDM estão sendo avaliados radiograficamente. Como não queremos incidir os pacientes com excesso de radiação, estamos aguardando alguns meses para avaliar a progressão da reabsorção fisiológica dos decíduos. Como em todos os casos são usados fios termoativados 012 a 014, redondos e CuNiti 016x016, verificamos a interação com os braquetes , apreendendo que as forças estão dentro do limite de força de 28g preconizados, e portanto, há a preservação da microcirculação e não deve ocorrer grandes alterações metabólicas perceptíveis. É pertinente observar que, pela saúde gengival apresentada, acreditamos que não haja nenhuma aceleração da esfoliação dos decíduos. Segundo Consolaro "os dentes decíduos iniciam a sua reabsorção assim que terminam a sua erupção..." portanto, precisamos avaliar também o grau de preocupação que devemos ter se houver a aceleração, controlada, da esfoliação dos decíduos, em detrimento do conjunto de todo o sistema e modelação das estruturas que podemos conseguir. Acreditamos que pelo objetivo a


64 ser alcançado, vale todo o empenho e os cuidados redobrados. Evitar tratamentos com riscos de exodontias e cirurgias ortognáticas, com riscos de reabsorções de dentes permanentes é que são metas a serem conseguidas. Além da rapidez e controle que podemos ter em pacientes normais e não colaboradores onde era impossível conseguir sem riscos o sucesso do tratamento, vemos como um protocolo viável e de excelência para a idade. A dinâmica do tratamento vem ao encontro da nossa urgência em se conseguir resultados precoces com ou sem colaboração, e da compatibilidade ao nosso novo meio onde se traduz pela eficiência e rápida performance da nossa sociedade. O não comprometimento da qualidade de vida é pertinente a cada indivíduo, e é seguramente um modelo que irá de adaptar a várias pessoas. As técnicas anteriores sem dúvida sempre terão seu lugar pois muitos irão preferir aparelhos removíveis. Esta é uma das opções propostas, e como citamos anteriormente, tão válida pelo seu teor científico como pelo sua viabilidade clínica. De nada adianta termos ferramentas científicas formidáveis se não podemos utilizá-las com cooperação do paciente. Independente disso, os benefícios que estamos tendo com a interceptação real dessas maloclusões nos incentivam a prosseguir com esse protocolo e validarmos sua aplicação científica como futuro padrão de excelência para essas disfunções.

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PERIODONTIA Capítulo

7

Sorriso Gengival: Uma Abordagem Multidisciplinar

Aline Cruz Roberta Santos Tunes Maria Cecília Fonseca Azoubel Mônica Dourado Sandro Bittencourt Érica Del Peloso Ribeiro Marcos Alan Vieira Bittencourt Urbino da Rocha Tunes O sorriso gengival pode ser definido como uma exposição excessiva da gengiva ao sorrir, entre a borda inferior do lábio superior e as margens gengivais dos dentes superiores, que compromete a estética (1). Apesar da maior parte dos profissionais da Odontologia considerar que, durante o sorriso, o lábio superior deve posicionar-se ao nível da margem gengival dos incisivos centrais superiores, uma pequena quantidade de gengiva à mostra é esteticamente aceitável e, em muitos casos, confere uma aparência jovial (2,3,4,5,6,7,8,9). A depender da maneira como o excesso tecidual é disposto em relação aos dentes e aos lábios, expor até 3 mm de gengiva além dos limites cervicais é admissível (2,10). Sua etiologia multifatorial distribui-se por várias áreas, dificultando seu diagnóstico e, consequentemente, o tratamento (2). Relaciona-se com: excesso anterior vertical maxilar, protrusão dentoalveolar superior, extrusão e/ou erupção passiva alterada dos dentes anterossuperiores, aumentos gengivais, hiperatividade dos músculos elevadores do lábio superior, tamanho e forma do lábio superior (1,11). A avaliação isolada do sorriso gengival, por parte dos profissionais, quase nunca é capaz de fornecer elementos para se definir a participação de cada um dos fatores etiológicos envolvidos. Isso decorre do fato de que cada profissional tende a fazer o diagnóstico com base no que estuda e conhece em sua prática clínica, percebendo menos os aspectos que não domina. A abordagem multidisciplinar, considerando seus fatores etiológicos relacionados a aspectos dentogengivais, dentoesqueléticos, e musculares, facilita o diagnóstico e direciona ao tratamento adequado.

1. ASPECTOS DENTOGENGIVAIS Para tratar o sorriso gengival com uma intervenção periodontal cirúrgica é necessário haver uma etiologia relacionada que justifique, como a irrupção passiva alterada e os aumentos gengivais (1). Observa-se que esses fatores estão associados a dentes anteriores encurtados devido à migração coronária da gengiva (11). Os aspectos mais importantes a serem considerados para o correto diagnóstico são: o tamanho e proporção largura/comprimento


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Fig. 1 - Incisivos superiores com diferentes proporções, representando dentes: A) estreitos e compridos (<65%), B) proporcionais (75%-85%), C) Quadráticos (>85%).

Fig. 2 - A) Incisivos superiores encurtados devido a irrupção passiva alterada, B) Marcação externa correspondente JCE, na área do zênite do incisivo central, C) Remoção do tecido gengival.

dos incisivos superiores e a mensuração dos comprimentos da coroa clínica e coroa anatômica. A avaliação do espaço biológico, contorno e linha gengivais, relacionam-se aos dois primeiros e direcionam, principalmente, o tratamento. 1.1. Avaliação do tamanho e proporção largura/comprimento dos incisivos superiores; do espaço biológico e dos comprimentos da coroa clínica e anatômica. A proporção de cada dente é avaliada, numa vista frontal, por meio da divisão da largura do dente por seu comprimento. A relação largura/comprimento (L/C) elevada é encontrada em dentes quadrados, enquanto a proporção mais baixa, em dentes alongados, retangulares. (13,16,20). A proporção estética "padrão-ouro" determina que a largura dos incisivos centrais superiores deve ser de aproximadamente 80% de seu comprimento, com variação aceita entre 75% e 85%; e a dos incisivos laterais superiores em torno de 70% (Fig. 1) (11,12,13,14). Coroas dentárias encurtadas se relacionam com as seguintes causas: migração gengival coronária; redução, em altura, das bordas incisais dos dentes superiores por atrição ou fratura; e coroas originalmente curtas (natas). A solução para cada um desses problemas difere de acordo com a razão do encurtamento (11,14). A migração gengival coronária pode estar relacionada com aumentos gengivais por hiperplasia tecidual (medicamentosas, infecciosas ou idiopáticas) ou com a irrupção passiva incompleta ou alterada (10,11). Assim, normalmente, o aumento das coroas clínicas dos incisivos é realizado por meio da remoção do excesso de tecido gengival que recobre o esmalte cervical (10). Quando os aumentos gengivais são por razões infecciosas, medicamentosas ou idiopáticas, torna-se necessário um tratamento complementar, de acordo com sua etiologia, antes da realização da intervenção cirúrgica. A irrupção dentária divide-se em ativa e passiva. A irrupção passiva alterada, incompleta ou retardada é uma anomalia do desenvolvimento na qual essa etapa não ocorre por completo ou atrasa. Os dentes apresentam-se com coroas clínicas curtas e geralmente apresentam valores aumentados de profundidade de sulco gengival clínico (>3mm). Esta situação representa indicação precisa para a atuação do periodontista no tratamento do sorriso gengival (10,15). As estruturas periodontais levam cerca de dez anos, após a irrupção ativa, para atingir seus valores definitivos e estabilidade dimensional (10). Na terapêutica da irrupção passiva alterada, a remoção do excesso de tecido gengival que recobre o esmalte cervical tem por base a JCE (junção amelocementária) (Fig 2), sendo necessário avaliar se já houve a completa irrupção dos dentes envolvidos. Quando a distância entre a crista óssea alveolar e a JCE é menor que 1 mm, insuficiente para a ancoragem das fibras de inserção do espaço biológico, há necessidade da realização de osteotomia, para o restabelecimento das corretas distâncias biológicas (10,11). O espaço biológico é representado pela junção fisiológica gengivodentária compreendida entre a base do sulco e o topo da crista


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Fig. 3 - Representação do espaço biológico – Fonte Borghetti (10).

Fig. 4 - Incisivo central superior encurtado por atrição, com extrusão compensatória e uma profundidade normal do sulco clínico à sondagem periodontal.

óssea. É composto apicalmente pela inserção conjuntiva e, coronalmente, pelo epitélio juncional (Fig. 3). Sua mensuração pode ser realizada com sonda milimetrada periodontal, identificando a margem gengival e indo até a crista óssea, com o paciente sob anestesia local (10). O limite cervical de restaurações e preparos protéticos, quando intrassulcular, deve, idealmente, situar-se no máximo 0,5 mm apical à margem gengival, para assegurar seu confinamento no sulco histológico e o adequado controle de biofilme dental. Considerando que o espaço biológico se inicia no fundo do sulco e mede cerca de 2 mm, para maior segurança, é recomendável manter distância de cerca de 3 mm entre o limite da restauração e o osso alveolar. A avaliação do comprimento da coroa clínica e da coroa anatômica direciona o tratamento periodontal de cirurgia plástica quando somada ao conceito de espaço biológico. O comprimento da coroa clínica corresponde à distância da borda incisal do dente à gengiva marginal. Por sua vez, o comprimento da coroa anatômica é determinado pela medida da borda incisal até a JCE, que é localizada pela saliência perceptível com a sonda periodontal no sulco. Em condições de normalidade, tem-se 2 mm de tecido gengival recobrindo a coroa dentária. Esta gengiva marginal livre que avança sobre o esmalte tende a retrair com a idade (10). A diferença entre as medidas do comprimento da coroa clínica e da anatômica indica o máximo de gengiva que pode ser eliminada sem expor a superfície radicular. Assim, o tratamento do sorriso gengival pode ser realizado por meio de alongamento coronário com cirurgia plástica periodontal, envolvendo remoção gengival até o nível da JCE. Quando o encurtamento das coroas dentárias se correlaciona com a redução, em altura, das bordas incisais dos dentes superiores por atrição ou fratura, pode ocorrer extrusão dentária compensatória. Nesse processo, os incisivos extruem, juntamente com seu periodonto de inserção e proteção, podendo levar a uma exposição exagerada da gengiva durante o sorriso (10). À sondagem periodontal, esses dentes apresentam valores normais de profundidade de sulco gengival (Fig. 4) e o tratamento pode ser realizado por meio de: aumento de coroa clínica e reabilitação protética ou movimentação ortodôntica, associada à Odontologia Cosmética (11). Após intrusão, faz-se necessário restabelecer o tamanho e a proporção largura/comprimento ideais, aumentando o comprimento dentário dos incisivos. Na primeira abordagem, o aumento de coroa clínica não tem por base a JCE, sendo realizado além dos limites da coroa anatômica, expondo a superfície radicular. Desta maneira, torna-se mandatório um tratamento reabilitador protético complementar e, geralmente, necessita-se restabelecer as distâncias biológicas por meio da osteotomia. É importante avaliar a conicidade das raízes para saber se é possível alcançar uma estética favorável, em relação ao formato das restaurações protéticas e à disposição do periodonto marginal e interproximal. Coroas protéticas muito triangulares não são aceitáveis porque propiciam o surgimento de "espaços negros" pós-operatórios (11). As vantagens dessa opção englobam um tempo menor de tratamento e a não necessidade do uso de aparelho ortodôntico. Como desvantagens, têm-se a imposição de restauração protética nos dentes envolvidos, a diminuição da proporção coroa/raiz e a perda do periodonto de suporte (10,11,16). Na segunda abordagem, respectivamente, é realizado, inicialmente, tratamento ortodôntico para alinhar e nivelar os dentes anteriores, de acordo com os parâmetros estéticos de contorno e linha gengivais. A vantagem é que, após a intrusão ortodôntica dos


68 A

Fig. 5 - Medida (em milímetros) da quantidade de exposição gengival do incisivo superior na radiografia cefalométrica de perfil.

B

Fig 6 - Em mulheres, exposição normal dos incisivos superiores, durante o repouso (A), comparada com uma exposição excessiva desses dentes (B).

incisivos, pode-se lançar mão da Odontologia Cosmética para restabelecer tamanho e proporção largura/comprimento dos incisivos (11,12,14). Tem-se a opção de utilizar restaurações estéticas em resina, além de laminados ou fragmentos em porcelana e não a obrigatoriedade de uma reabilitação oral com elementos protéticos (14). Quando a relação largura/comprimento dos incisivos superiores está normal ou diminuída, impossibilita intervenções de aumento de comprimento coronário. Nesses casos, a etiologia do sorriso gengival se inter-relaciona com desarmonias dentoesqueléticas e/ou musculares. 1.2. Avaliação da linha e contorno gengivais x Posicionamento dentário Considerando que um pequeno excesso de exposição gengival pode ser aceitável a depender de sua disposição em relação aos dentes e lábios, o tratamento de diversos casos de sorriso gengival exige a harmonização estética da linha dos colos, contornos gengivais e posicionamento dentário. A linha dos colos ou linha gengival é determinada pelo nível da gengiva marginal dos dentes maxilares e deve seguir a forma do lábio superior. Os limites gengivais dos incisivos centrais superiores devem estar situados no mesmo nível e de maneira simétrica. Os dos caninos estão no mesmo nível ou mais apicais que os dos incisivos centrais. Os incisivos laterais apresentam seus limites gengivais, idealmente, 1 mm coronal aos dos incisivos centrais, sendo aceitável esteticamente quando estão no mesmo nível desses dentes (10). Os contornos gengivais seguem a arquitetura óssea subjacente e, deste modo, estão relacionados com o posicionamento dentário. Na avaliação individual do contorno gengival marginal de cada dente, deve ser observada a localização dos zênites (ponto apical de maior curvatura da gengiva marginal). Nos caninos e incisivos centrais superiores ele é desviado distalmente em relação ao longo eixo destes dentes. Já nos incisivos laterais superiores, encontram-se localizados na parte central. (10).

2. ASPECTOS DENTOESQUELÉTICOS Os fatores etiológicos do sorriso gengival associados com os aspectos dentoesqueléticos são: extrusão dos dentes anterossuperiores, protrusão dentoalveolar superior, projeção horizontal da maxila e excesso de crescimento vertical maxilar (12). O ortodontista é o profissional adequado para tratar o sorriso gengival relacionado com as desarmonias dentoesqueléticas, estabelecendo um diagnóstico que identifica e avalia os elementos do sorriso que podem ser corrigidos e melhorados pela movimentação dentária, ortopedia facial ou por um tratamento ortocirúrgico. O objetivo é atingir o melhor resultado, em repouso e funcionalmente, correlacionado com a estética da face, dentes e sorriso (3). 2.1. Exposição dos incisivos superiores e Arco do Sorriso A adequada exposição dos incisivos superiores, durante o repouso (com lábios entreabertos), a fala e o sorriso está diretamente relacionada à aparência jovial do sorriso. Observa-se, com o processo de maturação e envelhecimento dos tecidos, a inevitável diminuição dessa exposição. O fator tempo, então, precisa ser considerado nesta avaliação (6,7,9,16,17,18). A quantidade de exposição dos incisivos superiores, durante a posição de repouso dos lábios, é de aproximadamente 2 a 4,5 mm, nas mulheres (Fig. 6A), de 1 a 3 mm, nos homens (11,19). Para o registro, mede-se a distância, em milímetros, entre o estômio (contorno inferior do lábio superior) e a borda incisal do incisivo central superior (3,19). O ortodontista pode utilizar a radiografia cefalométrica, em norma lateral, com os lábios em repouso, para realizar esta medida (Fig. 5). A maior exposição dos incisivos


69 B A

Fig. 8 - A) Figura ilustrativa do transpasse vertical anterior normal (20%) normal dos incisivos superiores em relação aos inferiores, B) Foto exemplificando transpasse vertical excessivo (sobremordida exagerada). Fig. 7 - Arco ou curva do sorriso em um paciente do sexo masculino.

superiores em repouso (Fig. 6B) se relaciona com a extrusão desses dentes (verificar transpasse vertical), o padrão facial dolicocefálico, o excesso vertical maxilar (avaliar terço inferior da face) e o encurtamento do lábio superior (11). As avaliações fonéticas, durante o exame clínico, também são importantes (9,17). O paciente pode articular frases formadas por fonemas que favoreçam a captura da maior exposição dos incisivos, seguidas de um sorriso amplo e espontâneo (11,17). No sorriso, considera-se mais atrativo quando o lábio superior repousa na altura da margem gengival do incisivo central superior (3,8). Segundo Saver (2001), o arco do sorriso é a curvatura formada pela união das bordas incisais dos dentes anterossuperiores, que deve ser paralela à margem superior do lábio inferior para uma aparência estética e jovial (Fig. 7) (8). Essa curvatura é mais acentuada nas mulheres e mais plana nos sorrisos masculinos. Nos indivíduos com padrão facial braquicefálico, o arco do sorriso é mais plano, quando comparado ao dos padrões mesocefálico ou dolicocefálico (8,11). A curva do sorriso está relacionada ao comprimento incisal e à musculatura do lábio, devendo ser considerada durante o plano de tratamento do sorriso gengival (3,18). Durante a intrusão dos incisivos superiores, o ortodontista deve estar atento para evitar sua planificação (8,20). Quando o planejamento do tratamento do sorriso gengival envolve a impacção maxilar e/ou intrusão de dentes anterossuperiores, a magnitude da alteração dentoesqueletal não deve se basear na quantidade de exposição gengival a ser diminuída, mas na manutenção da exposição adequada dos incisivos em repouso. Assim, pacientes que apresentam excesso nessa exposição (Fig. 6B) não trazem grandes desafios em relação ao planejamento da correção ortodôntica ou ortocirúrgica, devido à possibilidade estética de intrusão destes dentes e/ou impacção maxilar (11,18). Àqueles com sorriso gengival associado a excesso vertical maxilar e que apresentam exposição de incisivos normal (Fig.6A) ou diminuída (lábios de tamanho aumentado), o tratamento se torna bastante difícil porque o comprimento labial permite pouca ou nenhuma intrusão dos incisivos (7,17). 2.2. Transpasse vertical anterior (sobremordida ou overbite) O transpasse vertical dos incisivos superiores sobre os inferiores em máxima intercuspidação, considerado normal, é de 20% (Fig. 8A). O termo sobremordida exagerada é utilizado quando se excedem os valores de normalidade (Fig. 8B). Peck & Peck (7) relacionam transpasses verticais e horizontais excessivos como fatores associados à etiologia do sorriso gengival, e o tratamento ortodôntico, por meio da redução desses transpasses, com o êxito na correção da exposição exagerada da gengiva. O recurso terapêutico ortodôntico de intrusão de incisivos superiores, normalmente, é possível quando há sobremordida exagerada possibilitando a reposição apical desses dentes, para correção do excesso de exposição gengival (15). Precisa-se, porém, fazer o diagnóstico diferencial com a extrusão dentária compensatória porque, nestes casos, nem sempre existe uma sobremordida exagerada devido ao desgaste incisal (ou fratura) e a reconstrução destas unidades por meio da Odontologia Cosmética é essencial após o reposicionamento dentário por intrusão ortodôntica.


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B A

Fig. 9 - A) Figura ilustrativa do transpasse horizontal normal dos incisivos superiores em relação aos inferiores, B) Foto exemplificando o transpasse horizontal excessivo, numa maloclusão de Classe II de Angle, com incisivos superiores vestibularizados.

2.3. Posicionamento dos incisivos x Excesso horizontal da maxila x Transpasse horizontal (sobressaliência) x Perfil facial O transpasse horizontal é dado pela medida horizontal, em milímetros, da borda incisal do incisivo superior até a face vestibular do incisivo inferior (Fig 9). A medida considerada normal é de aproximadamente 1 a 2 mm e pode ser mensurada, por meio de uma régua milimetrada iniciada em zero, tanto diretamente na boca do paciente como em modelos em gesso. Estes desvios também podem ser avaliados em fotografias faciais (principalmente de perfil) e radiografias cefalométricas em norma lateral. Para um diagnóstico mais fidedigno, o ortodontista utiliza a cefalometria, como recurso auxiliar ao exame clínico e a avaliação dos modelos. Assim é possível obter por meio de planos e ângulos, o grau de inclinação e protrusão dos incisivos em relação às bases ósseas, o grau de protrusão maxilar e o tipo de perfil, correlacionando com os desvios dos padrões considerados normais (4). O sorriso gengival está associado à protrusão e/ou vestibularização demasiada dos incisivos superiores e/ou excesso horizontal maxilar, ao transpasse horizontal aumentado e consequentemente, a um perfil convexo (1,7,12,21). Vig e Brundo (21) observaram que indivíduos com maloclusões Classe II esquelética moderada e severa, que apresentam grande transpasse horizontal, mostram maior resistência ao recobrimento dos incisivos superiores pelo lábio superior com a idade. Peck & Peck (7) discutem que, se esta observação clínica é válida, a redução ortodôntica da sobressaliência e da sobremordida poderia atenuar efetivamente o sorriso gengival nestes casos. 2.4. Espaço interlabial O espaço interlabial corresponde à distância entre os lábios em repouso, relaxados e entreabertos, numa vista frontal, dada em milímetros (17,19). As médias consideradas normais variam de 0,5 mm a 3 mm (11,19). Para registro desse dado, é interessante a inclusão, na documentação inicial, de uma fotografia aproximada dos lábios em repouso (11). Diversos fatores determinam o espaço interlabial, incluindo altura esquelética anterior, protrusão dentoalveolar, comprimento, espessura e postura labial (12,19). Aumentos na distância entre os lábios são observados em desarmonias dentoesqueléticas (excesso vertical maxilar, protrusão ou vestibularização dos incisivos superiores), estando associadas ou não às alterações anatômicas (lábio curto) e/ou funcionais do lábio superior (11,18,19). Jacobs (25) observou que a redução no espaço interlabial, no sentido vertical, ocorre na proporção de 1 mm para cada 2 mm de retração de incisivos superiores movimentados ortodonticamente, associando com a melhora do perfil, da postura labial e do sorriso gengival (12). Se esta distância está normal ou diminuída, a origem do sorriso gengival é predominantemente muscular (7,12). 2.5. Proporções verticais dos terços faciais A face divide-se verticalmente em terços: superior, da linha do cabelo à glabela; médio, da glabela à borda inferior do nariz; inferior, da borda inferior do nariz ao tecido mole do mento. A proporcionalidade vertical facial é determinada com base no equilíbrio das dimensões dos terços superior, médio e inferior. Quando essas são aproximadamente iguais, a face é considerada harmônica e estética. O terço inferior da face é o mais importante para o diagnóstico do sorriso gengival (20). O comprimento normal do terço inferior da face é aproximadamente igual ao do terço médio. A harmonia do terço inferior é expressa quando a parte superior, da borda inferior do nariz ao estômio, corresponde a um terço e o restante, aos dois terços finais (16,19). Faces longas, com terço inferior aumentado, estão geralmente associadas ao sorriso gengival, rotação mandibular no sentido horário ou excesso maxilar vertical, espaço interlabial aumentado e lábios superiores curtos (1,12,15,20). A relação com o excesso esquelético vertical de maxila é ainda maior quando a parte superior do terço facial inferior encontra-se aumentada (20). Peck &


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Fig. 10 - Avaliação do comprimento do lábio superior.

Peck (7), em um estudo comparativo entre indivíduos com sorriso gengival, concluíram que a exposição gengival exagerada ao sorrir pode ser resultado do excesso de crescimento vertical anterior maxilar e que é comum, nestes pacientes, uma distância interlabial aumentada. A análise facial, principalmente de seu terço inferior, é muito importante para o diagnóstico das desarmonias esqueléticas relacionadas com o sorriso gengival. De modo geral, se o problema esquelético é muito significativo no desequilíbrio facial, o tratamento ortodôntico e ortopédico somente não é capaz de corrigí-lo, necessitando-se de intervenção cirúrgica (4,12).

3. ASPECTOS MUSCULARES Identificar a etiologia muscular do sorriso gengival é de fundamental importância para compreender as limitações do tratamento ortodôntico, ortocirúrgico e/ou periodontal, buscando auxílio em outras especialidades como, por exemplo, a Medicina Estética e a Cirurgia Plástica. Além disso, o diagnóstico correto diminui o risco de se corrigir a exposição exagerada da gengiva em detrimento de outros aspectos estéticos favoráveis do sorriso (7). A mensuração sistemática da relação entre lábios e dentes e a forma como a dinâmica do sorriso interage com este complexo, conduz o profissional a um diagnóstico e plano de tratamento adequados (18). Desta maneira, os aspectos musculares a serem avaliados e registrados relacionam-se às características morfofuncionais labiais, principalmente do lábio superior, tais como: mobilidade, comprimento e espessura. A hipermobilidade do lábio superior é o principal aspecto a ser analisado para diagnosticar se o sorriso gengival é de origem muscular. O lábio superior não hiperativo geralmente translada cerca de 6 a 8 mm da posição de repouso para um amplo sorriso. Por outro lado, no lábio superior hiperativo, essa distância pode ser 1,5 a 2 vezes maior (11). Em relação ao comprimento do lábio superior, este deve ser avaliado, numa vista frontal, com o paciente em repouso (lábios relaxados), medindo a distância em altura do filtro - distância entre a borda inferior do nariz (Sn) até a região mais inferior do lábio superior (St) - em relação às comissuras labiais. As alturas das comissuras são obtidas medindo-se, perpendicularmente, a distância entre essas estruturas (C1 e C2) e suas projeções (C1' e C2') numa linha horizontal que une as duas bases alares (Fig. 10)(11,17). As medidas lineares absolutas não são tão importantes, mas sim a relação entre o comprimento do filtro e das comissuras com a exposição dos incisivos centrais superiores. Em crianças e adolescentes, a altura do filtro é levemente mais curta do que a das comissuras, o que é explicado pelo processo diferencial de maturação dos lábios durante o crescimento (11,17). Normalmente, quando isso acontece em adultos, ocasiona exposição aumentada dos incisivos durante a posição de repouso e fala (17). Apesar de autores (15,17) afirmarem que indivíduos com lábio superior curto tendem a expor mais gengiva ao sorrir, Peck & Peck (7), em um estudo comparativo entre indivíduos com sorriso gengival e sem esta característica, afirmam que não encontraram correlação entre o comprimento do lábio superior e a capacidade de produzir uma maior quantidade gengiva aparente no sorriso. A avaliação da espessura labial é o aspecto morfofuncional de menor importância, mas deve ser considerado durante o planejamento e tratamento ortodônticos relacionados com o sorriso gengival, uma vez que lábios finos respondem mais intensamente às modificações dentoalveolares e aos padrões contráteis da musculatura por se apresentarem mais tensionados (19, 21).


72 A

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D

C

Fig. 12 -– A) Perfil convexo, B) Selamento labial, C) Arco do sorriso desagradável, D) Espaço interlabial aumentado (normal = 0,5 a 3 mm) e boa exposição dos incisivos superiores no repouso (normal = 2 a 4,5 mm em mulheres). Fig. 11- A) Grande exposição gengival, B) Coroas dos incisivos superiores encurtadas; linha e contorno gengivais inadequadas. Após identificação da junção amelocementária (JCE), marcação do zênite do incisivo central (ponto sangrante), C) Sonda milimetrada periodontal indicando externamente a distância da margem gengival para a JCE, na área do zênite.

A

B

C

Fig. 13 - Classe I de Angle, com biprotrusão dos incisivos e sobremordida de 20% (normal).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Para o correto diagnóstico e implementação de um tratamento específico e adequado para o sorriso gengival, torna-se imperativa uma avaliação multidisciplinar, que deve considerar os diversos aspectos relacionados à sua complexa etiologia, onde se incluem os aspectos dentogengivais, dentoesqueléticos e musculares.Tal abordagem será ilustrada por um caso clínico. S.R., 35 anos de idade, sexo feminino, sistematicamente saudável, relatou como queixa principal, exposição exagerada da gengiva ao sorrir. A avaliação dos aspectos dentogengivais mostrou uma exposição gengival de 7 mm ao sorrir e alterações significativas em relação ao tamanho e proporção largura/comprimento dos incisivos superiores. A alta proporção (≥ 85%) denota grande encurtamento das coroas clínicas destes dentes (Fig 11A-B-C). A sondagem periodontal revelou nos dentes anteriores, profundidade aumentada de sulco gengival clínico (valores acima de 3 mm) e comprimento diminuído das coroas clínicas em relação ao comprimento das coroas anatômicas, o que conduziu o diagnóstico à irrupção passiva alterada. Posteriormente, sob anestesia local, a sonda milimetrada periodontal foi introduzida até a crista óssea alveolar para avaliar o espaço biológico. Ainda foi observado espessamento ósseo, acima das margens cervicais dos incisivos superiores, acompanhando a grande faixa de gengiva exposta, que contribuía para o sorriso gengival. O posicionamento dos dentes anteriores e seu contorno gengival estavam inadequados (Fig. 11B). Os incisivos centrais estavam intruídos, em relação aos incisivos laterais, e com seus limites gengivais abaixo aos dos caninos. Em relação aos aspectos dentoesqueléticos, apresentou as seguintes características: Adequada exposição dos incisivos superiores em repouso (Fig. 12D); arco do sorriso plano, desagradável (Fig. 12C); perfil convexo (Fig. 12A), devido a uma biprotrusão dentoalveolar acentuada associada a maloclusão Classe I de Angle (Fig. 31); espaço interlabial bastante aumentado (Fig. 12D); terço facial inferior aumentado com excesso maxilar vertical (Fig.12A e 12B). A protrusão dentoalveolar, também presente neste caso, é um aspecto que deve ser considerado durante o planejamento porque a sua correção reduz a exposição gengival exagerada ao sorrir (7,11,21). Em relação aos aspectos musculares, não se observou alterações nas características morfofuncionais do lábio superior. Apesar de se tratar de um caso com grandes alterações dentoesqueléticas, inclusive com excesso vertical maxilar, com indicação ortocirúrgica, a paciente não aceitou esta abordagem. A alternativa proposta foi diminuir a exposição gengival com cirurgia plástica periodontal e depois, encaminhá-la para o tratamento ortodôntico para a redução da biprotrusão dentoalveolar anterossuperior.


73 A

B

C

A

B

C

A

B

C

Fig. 14 - Gengivoplastia do lado direito, A) Incisão ao nível da JCE, visando restabelecer a proporção largura/comprimento dentária adequada, B) Conferência da medida do comprimento do incisivo central, tendo como referência o zênite do incisivo central e o comprimento dos caninos, C) Remoção gengival realizada nas outras unidades, estabelecendo contorno e linha gengivais adequadas unilateralmente.

Fig. 15 - Gengivoplastia. A) Sonda milimetrada periodontal demonstrando a maior espessura óssea que necessita de osteoplastia, B) Procedimento realizado do outro lado, estabelecendo contorno e linha gengivais adequadas, associada à frenectomia

Fig. 16 - Osteoplastia: A) Retalho total preservando as papilas gengivais e plastia óssea unilateralmente, diminuindo, por meio de uma broca esférica cirúrgica, a espessura na área relacionada com o platô alveolar, seguindo a anatomia da região; e na área acima à JCE, realizada com cinzéis, para restabelecer o espaço biológico, B) Realização dos mesmos procedimentos, no lado esquerdo, C) Sutura com fio vycril 6.0 e fio seda 4.0 na área da frenectomia.

Fig. 17 - Pós-cirúrgico 30 dias.

Uma vez que as coroas dos incisivos se apresentavam muito encurtadas, a gengivoplastia foi planejada como primeira intervenção para favorecer o controle de biofilme e, futuramente, possibilitar a montagem da aparelhagem ortodôntica (Figs. 15 e 16) O aumento gengival ocasionado por irrupção passiva alterada reduziu as coroas clínicas dos incisivos superiores à metade das coroas anatômicas, além de alterar o contorno e linhas gengivais (Fig. 14A). A cirurgia periodontal foi realizada com remoção da gengiva a nível da JCE para a exposição de toda a coroa anatômica desses dentes (Fig. 14), promovendo melhor relação largura/comprimento das coroas dentárias e reduzindo parte do excesso de gengiva aparente ao sorrir. Ainda foi necessária osteoplastia para atenuar a espessura óssea na área relacionada como platô alveolar (Fig.15) e para restabelecer o espaço biológico (manter distância de pelo menos 2 mm da JCE até à crista óssea). Após a intervenção periodontal, houve uma melhora nos contornos e linhas gengivais, além da obtenção de proporções largura/comprimento dos incisivos ideais e uma ligeira diminuição do platô ósseo, favorecendo um sorriso mais estético, apesar das desarmonias dentoesqueléticas e do excesso de gengiva ao sorrir ainda presentes (Fig.17). A paciente ficou satisfeita como resultado obtido e foi reinstruída sobre suas necessidades ortocirúrgicas e reabilitadoras. O diagnóstico do sorriso gengival engloba o conhecimento periodontal, ortodôntico e de outras especialidades médicoodontológicas. Desta maneira esta análise permite a identificação, organização e entendimento dos fatores etiológicos gengivais, dentários, esqueléticos e musculares,

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ORTODONTIA Capítulo

8

Uso de Sistema Autoligante Interativo no Preparo Pré-cirúrgico De Classe III

Rodrigo Jacques Gomes Guilherme Machado Barbieri

INTRODUÇÃO Foi inicialmente proposto um plano de tratamento com a utilização de sistema ortodôntico fixo da Dentsply GAG International, Bohemia, NY-USA com um sistema de clipes (IN-OVATION R),com dimensões de slot .018''X.022 ''. Esses conjuntos de braquetes são de última geração associados a arcos pré-ajustados nas peças de corpo duplo, utilizando sofisticadas propriedades funcionais por meio da interação com o arco. Os braquetes fornecem um inédito grau de liberdade de circulação entre o slot e clip, combinado com o controle simultâneo do fio, assim esses mecanismos interativos equilibram os objetivos tradicionais de liberdade e controle de movimento do dente.(1) O tempo de tratamento pré-cirúrgico foi realizado em 10 meses com a utilização de arcos de níquel titânio termoativados da empresa Morelli, Sorocaba, SP-BR numa sequência de .014''; .016''; .018''; .016''x.022'' superior e inferior. Utilizou-se arco de aço .017''x .025'' do mesmo fabricante para refinamento e estabilidade prévios à cirurgia ortognática. Normalmente, o prazo para a correção de problemas dento alveolares de Classe III com braquetes convencionais é estimado numa média de 24 a 36 meses.(2) Mecanismos de controle de movimentação dentária utilizando ligadura elástica são extremamente demorados, tanto no posicionamento inicial quanto nas recolagens necessárias, visto que elásticos e ligaduras metálicas podem relaxar e alongar, principalmente quando o fio não está inteiramente dentro do slot. Além disso, elastômeros de poliuretano têm demonstrado deformação permanente, decomposição, decadência do seu vigor e atrito significativo, suficiente para impor ancoragem. Ligaduras de aço inoxidável têm pontas afiadas que podem atrair placa bacteriana e restos alimentares, aumentando o risco de infecção cruzada.(3) Este novo sistema interativo, associado a uma tríade: braquetes com clipes ativos, arcos de níquel titânio e dupla combinação de slots, tem como vantagens possibilitar um menor tempo de tratamento, visto que, proporciona uma ativação com rendimento constante do fio em contato íntimo com o interior do encaixe, fazendo com que seja dissipada uma força suave e contínua com níveis abaixo da força ótima preconizada para a utilização de uma mecânica ortodôntica desenvolvida clínica e cientificamente para o uso para os braquetes convencionais.(4)


76 Os braquetes autoligantes interativos têm um braço de precisão formado pela quarta parede móvel, produzindo muito cedo controle de rotação nas três dimensões em arcos redondos e leves. Este mecanismo de baixa fricção proporciona maior flexibilidade intrabraquete e interbraquete fazendo com que o arco tenha uma inserção mais confortável e fácil o que permite sua melhor adaptação.(1) Isso faz com que os dentes que necessitam de maior força para sua correção a recebam por meio da pressão gerada pelo clipe ativo do braquete comprimindo o fio contra o fundo do slot, assim como dentes que necessitam menor quantidade de força recebam menor quantidade de carga.(1) Dentes que estão devidamente alinhados e nivelados podem ficar de uma forma passiva dentro do arco ortodôntico em decorrência de não haver necessidade de mais força e torque.(5)(1) Os níveis de atrito também diminuem drasticamente. Isto porque não há necessidade de se colocar ligaduras metálicas ou elásticas ao redor das aletas, pois está incorporado no braquete um sistema de tampa de cromo cobalto que substitui o uso de ligaduras.(6) (1) Aliado a isso, um fator muito importante para a redução significativa de níveis de atrito é a disposição molecular entre braquete, clipe e fio, visto que todos são da mesma origem metálica que possibilita a ocorrência de forças de Vander Walls mesmo que o fio de níquel titânio possua um menor nível de lisura superficial gerando mais atrito.(7) Este sistema de tampa, mais conhecido como clipe, tem a capacidade de formar uma quarta parede desse braquete, o que possibilita a sua interatividade quando somado ao fio, quer seja ele de aço, níquel titânio termoativado ou níquel titânio convencional. Diminuindo em grande proporção a perda de eficiência da dissipação da força quando o mesmo é comparado ao uso das ligaduras elastoméricas, as quais, desenvolvem a degradação hidrolítica dos elastoméricos aumentando quantitativa e qualitativamente a população bacteriana. Estes problemas são amplamente minimizados quando estes braquetes autoligantes são utilizados, evitando assim o abalo dos tecidos periodontais, visto que, não há necessidade de elastômeros, diminuindo significativamente a quantidade de bactérias encontradas ao redor dos braquetes e a liberação de substância químicas que proporcionam irritabilidade ao periodonto de sustentação. O tempo de consulta clínica, com o uso dos braquetes autoligantes interativos, diminui significativamente pois, há necessidade de pouco instrumental para abrir o mesmo. Da mesma forma, a colocação de um fio e o fechamento do clipe é feita de modo rápido e prático não requerendo o uso de instrumental mais sofisticado ou um grande aparato clínico.(8) Quanto à diferenciação do uso de duas dimensões de slots nos mesmos arcos, sendo que de canino a canino, superiores e inferiores com a dimensão de .018x.025'', esta tem como virtude a possibilidade de permitir melhor controle de torque mesmo em fios mais leves e em períodos iniciais do tratamento ortodôntico. Dessa forma, se consegue em menor tempo, um preenchimento do fundo do slot, ocupado pelo fio, o que proporciona mais precisão de movimentação radicular, principalmente quando se trata de caso no qual houver necessidade de extrações de pré-molares para se fazer retração ou perda de ancoragem.(1) Ainda, referente ao sistema autoligante, a diferença de rendimento do braquete interativo quando comparado ao passivo é muito significativa. Características técnicas biomecânicas são muito diferentes.(1) O sistema autoligante interativo tem como característica fundamental a possibilidade de interação com o fio, promovendo a autocinese de uma forma mais intensa, movimento produzido biologicamente que, por sua vez, se torna mais estimulado pelo sistema interativo. Já não se pode afirmar o mesmo quando se trata do sistema autoligante passivo, que não produz este tipo de resposta e tem rendimento modesto, podendo por vezes chegar a desenvolver um atrito maior do que um braquete convencional. Braquetes autoligantes passivos não demonstram qualquer tipo de interação entre o fio ortodôntico e o clipe do braquete. Somente têm a função de manter o fio no interior do slot.

RELATO DE CASO Paciente A.P. de 20 anos, apresentava Classe III de Angle com overjet negativo de 4 mm, inicialmente com necessidade de correção ortodôntica e cirúrgica. Foi realizada a instalação e ativação do sistema ortodôntico fixo metálico In-Ovation R (DentsplyGAGInternational, Bohemia, NY-USA) corpo duplo, prescrição Roth no mês de fevereiro de 2008, utilizando como fio inicial o arco níquel titânio termoativado .014'' superior e inferior. Os mesmos arcos foram repetidos no mês de março de 2008. Em abril de 2008,efetuou-se a trocados arcos superior e inferior para níquel titânio termoativado .016''. No mês de maio de 2008, ocorreu a utilização dos mesmos arcos. Em junho de 2008, foram colocados arcos de níquel titânio termativados. 018'' superior e inferior. Em julho de 2008, houve a repetição dos mesmos arcos. Em agosto do mesmo ano, arcos de


77

Fig. 1 - Fotografias iniciais da paciente, frontal, perfil e ¾. Radiografia teleperfil inicial.

Fig. 2 - Fotografias da fase final da primeira etapa de tratamento ortodôntico pré- cirúrgico. Nota-se a utilização de braquetes autoligantes com arcos de aço .017''x.025'' nas fotografias 1 e 2. Foto de perfil da paciente.

Fig. 1 - Fotografia 72h pós-cirurgia ortognática de correção de Classe III. E radiografia frontal do pós-cirúrgico.

Fig. 4 - Fotografias 30 dias pós-cirurgia ortognática de Classe III de desimpacção de maxila, e mentoplastia.

Fig. 5 - Fotografias intrabucal frontal e extrabucal do pós operatórios de 120 dias demonstrando excelente intercuspidação e estabilidade oclusal e harmonia facial observada na segunda fotografia.

Fig. 6 - Radiografias de teleperfil, frontal e submento vértex

Fig. 7 Fotografia 3/4 e frontal da paciente 120 dias após a cirurgia ortognática.


78 níquel titânio termoativados.016''x.022'' foram inseridos. No mesmo mês, foram realizados os primeiros moldes para setup précirúrgico. Nestes, houve a detecção de contatos prematuros na região de primeiros e segundos molares, no local foram iniciados pequenos ajustes oclusais por desgastes dentários utilizando-se brocas, visto que ainda existiam instabilidades oclusais. Em setembro de 2008, repetiram-se os mesmos arcos retangulares e foram feitas novas moldagens e modelos para simulação précirúrgica. Houve ainda a necessidade de melhorias no ajuste da oclusão observadas nos modelos pré cirúrgicos. Feitos os ajustes nas cúspides dos primeiros molares superiores cerca de 1mm e a confecção de novos modelos para setup, obteve-se em um curto período de tempo a correção ortodôntica necessária para a estabilidade, o que foi observada nos modelos de gesso para a execução da cirurgia ortognática. No mês de outubro de 2008, foram introduzidos arcos de aço .017''x.025'' superior e inferior, com ganchos de fixação soldados no arco, para a utilização de elásticos de Classe I para fixação e estabilização da mandíbula no pós-cirúrgico mediato.

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ESTÉTICA Capítulo

9

Clareamento de Dentes Não Vitais Uma Consideração Multidisciplinar

Maria Isabel Anastacio Faria de França Mary Pereira Heck Fabiano Oliveira de Araujo Alexandre Roberto Heck Egas Moniz de Aragão Marilisa Carneiro Leão Gabardo

A odontologia moderna busca constantemente o restabelecimento estético e funcional a fim de devolver ao paciente um sorriso harmonioso. Assim, quando temos dentes com alteração de cor e restaurações insatisfatórias que levam a desarmonia do sorriso, é necessária intervenção profissional utilizando técnicas adequadas para a solução de tais problemas. O clareamento dental interno tem se tornado um procedimento de rotina nos consultórios odontológicos principalmente por ser um tratamento conservador, pois não requer remoção de tecido dental sadio promovendo resultados imediatos e, em caso de fracasso, não impede que terapias mais invasivas sejam realizadas. Além disto, trata-se de um procedimento que envolve baixo custo, especialmente quandocomparado à procedimentoscomo a confecção de facetas ou coroas totais.1,2 No entanto, para indicar o tipo de clareamento é necessário o conhecimento das diferentes causas da alteração de cor, do tempo decorrido desde o escurecimento, dosmateriais e suas concentrações. A elaboração de um plano de tratamento adequado, com conhecimento das indicações e contra-indicações evita efeitos indesejáveis como a indução de reabsorção cervical externa.

CAUSAS DE ALTERAÇÕES DE COR EM DENTES TRATADOS ENDODONTICAMENTE As alterações de cor nos dentes desvitalizados podem estar associadas aabertura coronária deficiente, com consequente retenção desangue e restos de tecido pulpar em decomposição, medicação intracanal, cimentos obturadores e obturação deficiente que possibilita a passagem de fluidos que se associam a restos pulpares. Componentes sanguíneos provindos da hemorragia sofrem hemólise, liberando ferro, que, na presença de bactérias, reage com o sulfeto de hidrogênio e produz um pigmento preto (sulfeto de ferro)1, 3 - 11. Medicação intracanal contendo substâncias como nitrato de prata, iodo, cloreto de mercúrio e outros sais metálicos ou óleos essenciais formam substâncias resinosas causadorasde escurecimento5. A tabela 1 mostra terapias endodônticas que podem estar associadas com a descoloração dental. Além disto, as dimensões da cor (matiz, croma e valor),influenciadas pela presença da polpa dentária (responsável pela presença de


80 MEDICAMENTOS INTRA-CANAL

TIPO DE DESCOLORAÇÃO

AUTORES

Formocresol

Descoloração acentuada

Gutiérrez&Guzman (1968)

CMCP (para - monoclorofenol canforado)

Não causa descoloração

Gutiérrez&Guzman (1968)

Eugenol

Não causa descoloração

Gutiérrez&Guzman (1968)

Iodoformio

Amarelo ao marrom amarelado

Gutiérrez&Guzman (1968)

Tabela 1: Descoloração dental associada à terapias endodonticas

umidade na estrutura dental),quando a vitalidade pulpar deixa de existir, altera a cor e o brilho do dente, comaparecimento de tons mais escuros e matizesque variam entre o cinza, verde, pardo ouazulado.12 - 15.

AGENTES CLAREADORES Agentes clareadores são materiais que fornecem luminosidade ou clareiam o substrato dental através de reações químicas. As reações de clareação usualmente envolvem processos de oxidação ou de redução que degradam sistemas cromáticos. Estes processos podem envolver a destruição ou a modificação de grupos cromóforos no interior do substratoem unidades menores, mais solúveis que são mais facilmente removidas no processo de branqueamento. Os agentes clareadores mais comuns geralmente encaixam-se em duas categorias: cloro e seus compostos relacionados (como hipoclorito de sódio) e os agentes de branqueamento a base de peróxido (peróxido de hidrogênio), ou produzido frente a reações químicas quando se usa peróxido de carbamida ou perborato de sódio.1, 16 - 18. Materiais para o branqueamento dental contendo peróxido de hidrogênio são usados com sucesso para o tratamento de dentes nãovitaisque apresentam descoloração; sendo considerado um potente agente oxidante por liberar uma grande concentração de oxigênio facilitando assim sua penetração nos espaços interprismáticos e canalículos dentinários, no entanto, seu uso tem sido ocasionalmente associado com reabsorção radicular externa.19 Já o perborato de sódio é um pó estável. Quando em solução com água, se decompõem em metaborato de sódio, oxigênio e peróxido de hidrogênio em uma concentração baixa entre 10% e 16%.20 Em seguida o peróxido de hidrogênio libera oxigênio ativo, dando início ao processo clareador.21 A literatura vem mostrandoa eficácia do clareamento com perborato de sódio misturado com água ou peróxido de hidrogênio. A estabilidade da tonalidade dos dentes tratados com mistura de perborato e água mostra-se tão elevada quanto à estabilidade da cor dos dentes tratados com uma mistura de perborato de sódio com peróxido de hidrogênio em concentrações de 3% e 30%.13, 22, 23 Portanto, a mistura perborato e água é efetiva, menos agressiva, e portanto, com menor possibilidade da ocorrência de reabsorções externas cervicais.

MECANISMO DE AÇÃO DOS AGENTES CLAREADORES O peroxido de hidrogênio atua como um forte agente oxidante através da formação de radicais livres, oxigênio reativo e anions de peróxido de hidrogênio. Estas moléculas reativas atacam longas cadeias de moléculas cromóforas tornando-as menores, com cores menos pigmentadas e moléculas mais difusíveis. O peróxido de carbamida produz uréia que pode se decompor em dióxido de carbono e amônia. Não se sabe o quanto de amônia pode se formar durante o clareamento com peróxido de carbamida. O elevado pH da amônia facilita o processo de branqueamento.18 Isso pode ser explicado pelo fato de que, em solução básica, menor ativação de energia é necessária para a formação de radicais livres deperóxido de hidrogênio e a taxa de reação é maior, resultando emum rendimento melhor em comparação com um ambiente ácido.24 O resultado do procedimento de branqueamento é dependente,


81

Esquema ilustrando as reações de clareamento

principalmente, da concentração do agente clareador utilizado, da capacidade do agente em alcançar as moléculas cromóforas,da duração e o número de vezes que o agente entre em contato com as moléculas do cromóforo. Assim,a ação dos agentes clareadores ocorre por conversão das moléculas causadoras da pigmentação em produtos intermediários, de coloração mais clara e clinicamente aceitável. Ao final desse processo, os pigmentos geram produtos como dióxido de carbono e água.25

REABSORÇÃO CERVICAL EXTERNA Existem alguns efeitos deletérios que envolvem o clareamento em dentes desvitalizados, entre eles, a reabsorção cervical externa. A reabsorção é uma condição associada tanto a processos fisiológicos quanto patológicos, resultando em perda de dentina, cemento e osso.26 Segundo CONSOLARO27 (2005), áreas lateralmente vizinhas na região cervical formam-se em momentos diferentes da odontogênese: enquanto uma área está acabando de produzir o esmalte, está ocorrendo a fragmentação da bainha epitelial de Hertwig, por isso, há irregularidades nas relações entre o esmalte e o cemento. Ora Áreas de dentina podem estar recobertas com esmalte sob cemento, em outras áreas ambos ficam topo a topo e, em outras, verdadeiras janelas ou “gaps” expõema dentina aos tecidos periodontais. Muitas dessas áreas dentinárias podem estar recobertas apenas pela tênue camada de cemento intermediário,18 facilmente removido por enzimas presentes na região do tecido conjuntivo gengival durante um processo inflamatório ou por produtos químicos que podem chegar à junção via túbulos dentinários.27 As janelas ou “gaps” dentinários na junção amelocementária possibilitam a comunicação entre a cavidade pulpar e a superfície dentária cervical, onde ocorre um tipo específico de reabsorção. Estas janelas ou “gaps”dentinários estão intimamente relacionadas com sua etiopatogênia principalmente quando relacionam-se com os procedimentos e substâncias utilizadas no clareamentoe traumatismos dentários.27 Um processo inflamatório desencadeado nos tecidos gengivais por agentes irritantes, advindos dos túbulos abertos nas janelas cervicais pode despolarizar a matriz extracelular. Isso pode ocorrer quando os clareadores dentários utilizados no interior da câmara pulpar saem pelos túbulos expostos ao periodonto por estas janelas cervicais, induzindo ao aparecimento de um processo inflamatório na região. As janelas de dentina, responsáveis pelo contato dos agentes clareadores com o periodonto, desencadeiam uma resposta imunopatológica que leva à mobilização celular para efetivar a eliminação dos antígenos.27


82

Tampão Biológico

HARRINGTON, NATKIN19 (1979) demonstraram em cães que agentes clareadores (peróxido de hidrogênio) induzem a ocorrência de reabsorção cervical externa.29 O peróxido de hidrogênio em altas concentrações tem um pH baixo, que leva a desnaturação protéica e desmineralização que levará a um aumento de permeabilidade dentinária na região, fazendo com que os gases da reação química do perborato de sódio (técnica mediata) ou do peróxido de hidrogênio possam chegar até a superfície externa da raiz.30, 31 Existem também registros da ocorrência da infiltração de peróxido de hidrogênio proveniente da câmara pulpar através dos túbulos dentinários em direção aos tecidos periodontais, principalmente na presença de defeitos cementários.29 O acompanhamento de dentes de dentes clareados pela técnica “walkingbleach” (perborato de sódio com água) não tem mostrado o desencadeamento de reabsorção cervical.32 A simples abertura coronária e irrigação com hipoclorito já promove algum clareamento e quando apenas a água destilada é utilizada como veículo em agentes clareadores no interior da câmara pulpar conduz a resultados estatisticamente semelhantes, sendo assim, não existe explicação científica que justifique o uso a água oxigenada como veículo. A presença de cemento funciona como uma barreira à difusão de substâncias aplicadas no interior da cavidade pulpar diminuindo a permeabilidade desta região.33 Para Macisaac, Hoen5(1994), os relatos de reabsorção cervical externa associados ao processo de clareamento publicadosna literatura têm em comum alguns fatores:em 100% dos casos, o vedamento cervical era inexistentee, em 84% usou-se a técnica termocatalítica. Em80% dos casos o clareamento foi realizado na mesma sessão da obturação docanal radicular e em 74% o trauma foi o fator etiológico a desencadear a necessidade de endodontiaa que o dente havia sido submetido. Isto explica a necessidade da colocação de um material para vedar a região cervical, todos os autores concordam que esta é a melhorforma de se precaverquanto àprobabilidadede que os agentes clareadorespossam atingir via região cervical ou via canal radicularo periodonto.34 A possibilidade de reabsorção é menor quando se utiliza o tampão biológico cervical (vedamento), pois atua como um agente protetor da reabsorção cervical externa (Figura 1). O uso de uma barreira de material 2mm abaixo da junção do cemento-esmalte resulta em uma estética mais aceitável das coroas em resultado de branqueamento sem riscos de infiltração do material clareador para o periodonto cervical.35 Entretanto, existe uma enorme controvérsia com relação ao material a ser utilizado para o vedamento cervical.3, 15, 16, 27 Mas, parecenos que a opção mais apropriada é o uso do cimento de ionômero de vidro devido as suas propriedades de adesão química obtida através da troca de íons entre o material e a estrutura dental, algo único na Odontologia e de extremo valor.36 Esta adesão à estrutura dentária contribui para o vedamento marginal e,conseqüentemente, para a manutenção da longevidade doselamento.37, 38 Os casos de reabsorção são diagnosticados vários anos após o branqueamento, por isto dentes que sofreram este tipo de tratamento devem ser posteriormente proservados.26, 34


83 CONDIÇÕES EXIGIDAS PARA REALIZAÇÃO DO CLAREAMENTO INTERNO Vários fatores são necessários para a realização do clareamento interno. O canal radicular deve estar devida e hermeticamente obturado a fim de prevenir a difusão do agente clareador através do forame apical; a coroa deve estar relativamente intacta; toda e qualquer dentina cariada ou amolecida deve ser removida quando existente; restaurações responsáveis pelo escurecimento da coroa também devem ser removidas; o periodonto deve estar em perfeitas condições de saúde.2, 4

TÉCNICAS DE CLAREAMENTO DE DENTES DESVITALIZADOS A técnica denominada "walking bleach"que foi introduzida em 1961 envolvia o uso de uma mistura de perborato de sódio e água dentro da câmara pulpar seguida da selagem da câmara pulpar e permanecendo em seu interior no período de tempo entre uma sessão e outra.39 Este método foi posteriormente modificado e a água foi substituída pelo peróxido de hidrogênio de 30-35% com afinalidade de acelerar e potencializar o efeito clareador do perborato de sódio.40 Muitos autores recomendam a associação do perborato de sódio à água devido à redução do risco do desenvolvimento de reabsorção cervical externa quando comparada com à associação ao peróxido de hidrogênio à 35%; uma vez que o peróxido de hidrogênio liberado pelo perborato de sódio é de baixa concentração.28, 23 Como mencionado anteriormente a técnica walking bleach utiliza como agente clareador o perborato de sódio que é inserido na cavidade pulpar associado à água destilada sob a forma de uma pasta espessa com posterior selamento do dente. O agente clareador é mantido na cavidade por no mínimo três dias e no máximo sete dias, podendo ser renovado por até mais 3 sessões.4, 23

SEQUÊNCIA CLINICA DA TÉCNICA WALKING BLEACH

1 - Determinar a causa e o grau da descoloração do dente limpando asuperfície do dente a ser clareado.

2 - Isolamento absoluto para evitar risco de queimaduras pela ação cáustica do peróxido de hidrogênio.

3 - Desobturação do canal para confecção do tampão biológico. Tomando-se como referência o tamanho da coroa, mensurada da borda incisal à margem gengival, e a esta medida acrescentando-se 3mm,obtemos o tamanho suficiente do tampão biológico.


84

4 - Colocação do ionômero de vidro numa espessura de aproximadamente 2mm, com seringa Centrix, entre o material obturador (guta-percha) e o espaço da câmara pulpar.

5 - Aplicação do gel de peróxido de hidrogênio 35% no interior da câmara pulpar e na superfície vestibular do dente.Realiza-se três aplicações do material com duração de 15 minutos cada. 6 - Lavagem abundantemente

7 - Aplicaçãode umapasta de perborato de sódio e água no interior da câmara pulpar com uma “bolinha” de algodão.

8 - Restauração provisória.

9 - Repetiçãoda mesma sequência técnica por três semanas seguidas, em média. 10 - Após a terceira aplicação, coloca-se um curativo com bicarbonato de sódio associado ao soro fisiológico para neutralizar o pH do meio,que permanece por uma semana, e sela-se a câmara pulpar com ionômero de vidro.

11 - A restauração definitiva do dente deve ser realizada apenas uma semana após o final de clareamento, quando não haverá mais oxigênio livre, pois este irá impedir a total polimerização dos materiais resinosos utilizados para a restauração.


85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Attin T, Paqué F, Ajam F, Lennon AM. Reviewofthecurrent status oftoothwhitningwiththewalkingbleachtechnique. IntEndod J. 2003;36(5):313-29. 2 - Britto JP, Holland R, Dezan E. Endodontia. Clareamento Dental Interno. RGO2000;48(2):97-101. 3 - Baratiere LN, Ritter AV, Monteiro Junior S, Andrada MAC, Vieira LCC. Nonvitaltoothbleaching: guidelines for theclinican. Quintessence Int.1995;26(9):597608. 4 - Demarco FF, Turbino ML, Jorge AG, Matson E. Influenceofbleachingondentinbondstrenght. Am J Dent, cap. 11, p. 78-82, 1998. 5 - Macisaac AM, Hoen CM. Intracoronalbleaching: Concernsandconsiderations. J CanDent Assoc. 1994;60(1):57-64. 6 - Howell RA. Bleachingdiscoloured root-filledteeth.BrDent J. 1980;148(6):159-62. 7 - Watts A, Addy M. Toothdiscolourationandstaining: a reviewoftheliterature. BrDent J.2001;190(6):309-16. 8 - Ahmed HMA,Abbott PV. Discolourationpotentialofendodontic procedures andmaterials: a review. 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PERIODONTIA Capítulo

10

Diagnóstico da gengivite: Estado da arte

Alessandra Pascotini Grellmann Raquel Pippi Antoniazzi Fabricio Batistin Zanatta

INTRODUÇÃO O primeiro sinal clínico de desequilíbrio do processo saúde-doença periodontal é representado pelo desenvolvimento da gengivite. A gengivite induzida por placa bacteriana é causada pelo acúmulo do biofilme supragengival em torno da margem gengival e é desencadeada em um período que varia de 10-21 dias de acordo com variações interindividuais (1). O controle deste biofilme reequilibra o processo saúde-doença promovendo o restabelecimento da saúde gengival entre 7 e 10 dias (1-4). A gengivite está confinada aos tecidos de proteção do dente e apesar de não causar danos irreversíveis, sua presença é um pré-requisito para o estabelecimento de um biofilme subgengival, o qual desencadeia a periodontite (5-8). As periodontites avançadas, juntamente com a doença cárie, são as causas mais comuns de perdas dentárias em adultos (9, 10). Ainda, estão associadas a maiores impactos na qualidade de vida por desencadearem alterações como halitose, migrações dentárias patológicas, recessão gengival, sangramento, dentre outros (11). Além do fato de a gengivite preceder a periodontite, o diagnóstico da inflamação na gengiva serve para que o cirurgião-dentista monitore sítios em que deve haver uma melhora no controle de placa, ou seja, a presença ou ausência da gengivite está diretamente relacionada com a frequência de uma adequada higienização caseira (1). Portanto, o diagnóstico, prevenção e tratamento da gengivite são necessários. Posto isto, a presente revisão narrativa objetivou apresentar e discutir os diferentes métodos de diagnóstico de gengivite presentes na literatura.

REVISÃO DE LITERATURA Estudos epidemiológicos vêm demonstrando alta prevalência de gengivite e periodontite nas populações (12, 13). Dentre as alterações periodontais, a gengivite é a mais prevalente, afetando quase 100% das pessoas (14). Confirmando sua associação etiológica, se observam, na população, também altos níveis de biofilme supragengival, o que denota falhas nos autocuidados de higiene bucal, especialmente nas regiões proximais (15, 16). Por consequência, a gengivite é bastante frequente nessas áreas (17).


87 Alterações visuais (vermelhidão, edema, alterações na textura) e/ou presença de sangramento marginal têm sido propostos como componentes de diferentes índices utilizados para diagnóstico do processo saúde-doença gengival (18-31). Muhlemann & Son (1971) relataram que um índice gengival deve ser capaz de detectar o sinal mais precoce da gengivite. Entretanto, ainda não há um consenso na literatura sobre a cronologia de eventos visuais e inflamatórios no curso etiopatogênico da gengivite.

DIAGNÓSTICO DA GENGIVITE A gengivite pode ser diagnosticada por meio de diferentes métodos. Embora a evidência histológica da inflamação seja um método acurado para avaliar a gengivite, a biópsia não é uma prática para o diagnóstico da patologia. Portanto, um método menos invasivo é necessário (32). A medida do fluxo do fluido crevicular gengival (FCG) tem demonstrado ter um importante valor na avaliação da gengivite (33-36). A utilização de escores categóricos tem sido empregada por diferentes índices. Nesses, há uma mescla de aspectos visuais e a presença de sangramento marginal após estímulo mecânico (26, 27, 29). Já outros, avaliam apenas aspectos visuais (25, 31). Ainda, há os que utilizam apenas o componente de sangramento de acordo com sua extensão (23, 28), seu tempo de sangramento (19, 30) ou apenas a presença ou ausência do mesmo (18, 20-22, 24). É difícil determinar qual critério (volume de fluido gengival, alterações visuais ou sangramento gengival) expressa melhor o estado inflamatório da gengiva, uma vez que algumas evidências demonstraram correlações fracas entre critérios clínicos/fluido gengival e status inflamatório observado histologicamente (35, 3740). Sendo assim, comparações entre as diferentes ferramentas diagnósticas do processo saúde-doença gengival podem ser imprecisas. De acordo com Carter & Barnes (1974), um bom índice para avaliar a gengivite deve primeiro demonstrar sua validade, medindo as coisas que pretende medir e, ao mesmo tempo, ter sensibilidade suficiente para reconhecer pequenos graus de alteração. Além do mais, deve ser reprodutível se for aplicado pelo mesmo ou por diferentes examinadores. Por fim, um índice deve ser simples de usar, requerer poucos instrumentos e ser o mais isento possível de interpretação subjetiva. Diversos métodos para estimulação do sangramento marginal têm sido usados: utilização da sonda periodontal (18, 19, 26, 28-30), madeira interdental (21, 27), fio dental (20), fita dental (22), escova dental (23) e escova interdental (24). A tabela 1 mostra as principais características dos índices mais utilizados até o presente momento.

FLUIDO CREVICULAR GENGIVAL (FCG) O FCG é o resultado da interação entre o biofilme bacteriano aderido à superfície do dente e às células do tecido periodontal (41). É uma complexa mistura de substâncias derivadas do soro sanguíneo, leucócitos, células estruturais do periodonto e microrganismos bucais. Assim, a análise de FCG representa uma medida não invasiva de acesso ao estado patofisiológico do periodonto de um sítio específico (42). O FCG é constantemente secretado (43). Löe & Holm-Pedersen (1965) relataram que o fluxo de fluido crevicular gengival (FCG) é proporcional ao grau de severidade da inflamação, ressaltando sua importância como um instrumento de avaliação. Eles concluem que para obter medidas válidas do fluido, tiras de papel devem ser posicionadas na entrada (método extrassulcular) e não dentro do sulco gengival até encontrar resistência (método intrassulcular proposto por Brill & Krasse em 1958). Essas diferenças nas técnicas provavelmente afetam os resultados, uma vez que mesmo uma inserção suave no sulco gengival causa dano suficiente para alterar a permeabilidade do epitélio, de modo a aumentar a quantidade de fluido gengival (46). Valores baixos do FCG estão associados com tecido saudável e altos valores com tecido inflamado (33, 35). Sinais visuais de inflamação têm sido associados com um aumento do volume do FCG (35, 36, 45, 47), assim como o sangramento gengival também está relacionado com um aumento do volume de FCG (30, 35, 36, 48-50). Vários métodos foram desenvolvidos para a coleta de fluido. Entre eles, o método de lavagem gengival (51), a utilização de túbulos microcapilares ou micropipetas (52) e tiras de papel filtro (44). O método de lavagem tem a limitação de não fornecer informação relacionada ao volume do fluido coletado e, apesar de o método que utiliza túbulos poder medir diferentes volumes de fluido, necessita-se de uma técnica sensível que demanda um tempo longo (em torno de 30 minutos por sítio) para garantir uma coleta acurada de pequenos volumes (53). Além disso, pode causar trauma, afetando a medida do volume e componentes do fluido coletado. Já a técnica de absorção (tiras de papel filtro) é rápida, de fácil utilização, minimamente invasiva e é tradicionalmente o método de escolha (53, 54).


88 Diferentes tipos de tiras absorvíveis estão disponíveis: Durapore, Millipore (55), cromatografia Whatman (56) e tiras de papel absorvente (57), entretanto nenhuma delas tem sua validade testada com o Periopaper®. O Periopaper® é uma tira de papel amplamente reconhecida como método de escolha para coletar fluido via absorção (54, 58). Devido a importância de quantificar o volume de FCG, um certo número de métodos tem sido descrito para quantificar o fluido via absorção: colorimetria, pesagem e o uso de um aparato eletrônico (Periotron®). Colorimetria é um método válido que usa ninidrina ou fluoresceína para marcar áreas de absorção, contudo as manchas empregadas nessa técnica e a de pesagem não permitem a análise dos componentes do FCG. Mais recentemente, a introdução de uma mensuração eletrônica por meio do Periotron®, dispositivo amplamente utilizado em pesquisa e que foi desenvolvido especificamente para essa utilização, permitiu uma determinação mais precisa do volume do FCG, fornecendo a possibilidade de investigação laboratorial subsequente da composição da amostra (53). O equipamento mede a capacitância da tira de papel filtro umedecida no fluxo da corrente elétrica (59). Três modelos de Periotron® foram produzidos (600, 6000 e 8000) e todos têm apresentado acurácia na mensuração do volume do fluido coletado no periopaper (53). O Periotron® 8000 (Ora Flow Inc., Amityville, NY, USA) quantifica o volume de FCG ou saliva coletada com tiras de papel filtro e, utilizando um programa de computador, converte os dados introduzidos para a unidade de volume (60). Recomenda-se que o FCG coletado no Periopaper® seja imediatamente transferido (dentro de 0-2s) para o Periotron® para evitar a evaporação do material (61, 62). Outros aspectos operacionais e técnicos como o tempo de coleta, a contaminação das amostras de FCG por sangue, saliva e placa bacteriana e a temperatura e umidade do ar podem interferir na acurácia da medição do fluido (34, 53, 60, 63, 64). O conhecimento e controle desses aspectos asseguram que os resultados observados possam, de fato, refletir a condição tecidual investigada. Trabalhos mais antigos sobre o Periotron® sugerem que as tiras de papel filtro devem permanecer no local por cinco segundos (53). Contudo, abordagens alternativas foram desenvolvidas para aumentar o volume do FCG disponível para subsequente análise laboratorial (53). Uma delas inclui deixar a tira na entrada do sulco gengival por um período mais longo de 30 segundos (65) ou 3 minutos (36, 44). Um estudo em indivíduos com gengivite comparou esses dois tempos de coleta e não foi encontrada diferença na taxa do fluido proporcional ao aumento do tempo de medição (66). Com base nos resultados, os autores justificam restringir o tempo de coleta para 30 segundos, determinando com segurança o grau de infecção da gengiva. Porém, o problema com o tempo de coleta prolongado é que a natureza das amostras de fluido pode se alterar, principalmente na concentração de proteínas (67). O volume e a taxa de fluxo do FCG são indicadores de mudança na permeabilidade vascular que ocorre em estágios iniciais da inflamação (68). As medidas clínicas padrão usadas para determinar inflamação gengival podem, então, ser menos sensíveis que o resultado do FCG, o que confere vantagens diagnósticas do FCG em estágios mais precoces da gengivite (41, 53). Entretanto, apesar da coleta e análise do FCG serem adequadas para investigações científicas, o diagnóstico de gengivite feito pelo sangramento marginal é mais fácil, rápido, barato e, portanto, mais aplicável para a rotina de prática clínica e de estudos epidemiológicos.

CRITÉRIOS VISUAIS VERSUS SANGRAMENTO MARGINAL Alguns índices gengivais têm sido baseados em características clínicas da inflamação, contendo componentes avaliados de forma não invasiva por meio de exame visual (cor, textura, forma, sangramento espontâneo) e componentes inflamatórios que podem ser avaliados de forma invasiva após algum estímulo. Um desses sinais visuais da inflamação gengival é a vermelhidão da margem da gengiva, a qual evidencia-se a partir da vasodilatação e do aumento no número de unidades vasculares no tecido conjuntivo subepitelial (69). Já o edema e a textura lisa da gengiva livre refletem a perda de tecido conjuntivo fibroso e o extravasamento de células inflamatórias para a matriz extracelular. O sangramento após algum estímulo ocorre devido a micro-ulcerações no epitélio sulcular (70). Esse tem sido frequentemente utilizado como parâmetro na avaliação da gengiva devido a sua objetividade e facilidade (71-73). Um índice diagnóstico das condições gengivais deve idealmente ser simples e rápido de avaliar, com seus critérios claros e de fácil compreensão, bem como apresentar sensibilidade para identificar variações nos diferentes estágios da doença (25). Neste sentido, a utilização de critérios visuais (cor, edema, textura) dificulta a aplicação clínico-epidemiológica pelo tempo adicional de avaliação dispendido, pela dificuldade de visualização em regiões proximais, especialmente em dentes posteriores, pela subjetividade dos aspectos visuais e, ainda, por estes não serem determinados apenas por componentes inflamatórios, mas também por variações na intensidade da melaninogênese, grau de queratinização e vascularização (70).


89 Tabela 1 – Descrição dos principais índices para diagnóstico de gengivite

Nome do Índice (Abreviação)

Autor(es) (Ano)

Instrumento/Tempo para sangramento (segundos)

Escores

Sítios avaliados

Papillary-MarginalAttachment Index (PMA)

Schour & Massler (1947)

Apenas visual/Não se aplica

0: sem gengivite em nenhuma região da boca

Vestibular de todos os dentes; papila,gengiva marginal e inserida avaliadas separadamente

1: gengivite leve – localização da inflamação na papila em 1 a 3 dos 6 dentes anteriores inferiores 2: gengivite moderada – extensão da inflamação para a gengiva marginal em mais que 3 regiões ou dentes. Vermelhidão e brilho estão aumentados em intensidade 3: gengivite severa – extensão da inflamação para a gengiva inserida. Vermelhidão, edema, perda de pontilhado e de tônus. Sangramento espontâneo está geralmente presente 4: gengivite muito severa – periodontite generalizada muito severa

Gingival Index (GI)

Löe (1967)

Sonda*

0: gengiva normal 1: inflamação leve – leve alteração de cor e leve edema. Sem sangramento à sondagem

Vestibular, distovestibular, mésiovestibular e lingual de todos os dentes

2: inflamação moderada – vermelhidão, edema e brilho. Sangramento à sondagem 3: inflamação severa – marcada vermelhidão e edema. Ulceração. Tendência ao sangramento espontâneo

Sulcus Bleeding Index (SBI)

Mühlemann & Son (1971)

Sonda (paralela ao longo eixo do dente)/30

0: aparência saudável da gengiva papilar e marginal, sem sangramento do sulco 1: aparência saudável da gengiva papilar e marginal, sem alteração de cor e sem edema mas sangramento à sondagem do sulco

Vestibular, distovestibular, mésiovestibular e lingual de todos os dentes

2: sangramento à sondagem e alteração de cor devido a inflamação. Sem edema 3: Sangramento à sondagem e alteração de cor e leve edema 4: sangramento à sondagem e alteração de cor e edema evidente ou sangramento à sondagem e edema evidente 5: sangramento á sondagem e sangramento espontâneo e alteração de cor, edema acentuado com ou sem ulceração

Gingival Bleeding Index (GBI)

Carter & Barnes (1974)

Fio dental não encerado (2 vezes)/Não é relatado; 30 é permitido para reinspeção

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Interproximais de todos os dentes exceto entre 2ºs e 3ºs molares; áreas podem não ser avaliadas quando a posição do dente, diastema ou outro fator compromete uma relação interproximal desejável

Bleeding Index (BI)

Edwards (1975)

Fita dental (2 vezes)/15

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Interproximais de todos os dentes


90 Gingival Bleeding Index (GBI)

Carter & Barnes (1974)

Fio dental não encerado (2 vezes)/Não é relatado; 30 é permitido para reinspeção

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Interproximais de todos os dentes exceto entre 2ºs e 3ºs molares; áreas podem não ser avaliadas quando a posição do dente, diastema ou outro fator compromete uma relação interproximal desejável

Bleeding Index (BI)

Edwards (1975)

Fita dental (2 vezes)/15

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Interproximais de todos os dentes

Gingival Bleeding Index (GBI)

Ainamo & Bay (1975)

Sonda (3 a 4 vezes)/10

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Vestibular de todos os dentes

Pappilary Bleeding Index (PBI)

Mühlemann (1977)

Sonda*

0: sem sangramento

Interproximais de todos os dentes

1: apenas um ponto sangrante 2: diversos pontos sangrantes isolados ou uma pequena única área de sangramento 3: triângulo interdental preenchido com sangue logo após a sondagem 4: sangramento abundante após sondagem em que o sangue se espalha em direção à gengiva marginal

Pappilary Bleeding Score (PBS)

Loesche (1979)

Madeira interdental*

0: gengiva saudável, sem sangramento

Interproximais de todos os dentes

1: gengiva avermelhada, com edema, sem sangramento 2: sangramento sem escoamento 3: sangramento com escoamento para gengiva marginal 4: sangramento abundante 5: inflamação severa; vermelhidão acentuada e edema, tendência ao sangramento espontâneo

Modified Pappilary Bleeding Index (MPBI)

Barnett et al. (1980)

Sonda (1 vez)/0-30

0: sem sangramento até 30s

Mesial de todos os dentes

1: sangramento entre 3-30s 2: sangramento dentro de 2s 3: sangramento imediato após colocação da sonda

Bleeding Time Index (BTI)

Nowicki et al. (1981)

Sonda (1 ou 2 vezes)/0-15

0: sem sangramento após 2 sondagens dentro de 15s 1: sangramento entre 6-15s após a 2ª sondagem 2: sangramento entre 11-15s após 1ª sondagem ou dentro de 5s após a 2ª sondagem 3: sangramento dentro de 10s após 1ª sondagem 4: sangramento espontâneo

Todos os dentes


91 Eastman Interdental Bleeding Index (EIBI)

Caton & Polson (1985)

Madeira interdental (4 vezes)/15

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Vestibular na interproximal

Quantitative Gingival Bleeding Index (QGBI)

Garg & Kapoor (1985)

Escova dental*/30 é permitido para reinspeção

0: sem sangramento sob escovação; cerdas livres de manchas de sangue

1 escore para cada 6 segmentos: canino a canino, ou pré-molares e molares esquerdos ou direitos nos arcos superior ou inferior

1: leve sangramento sob escovação; pontas das cerdas manchadas com sangue 2: sangramento moderado sob escovação; cerca da metade do comprimento das cerdas (das pontas para baixo) manchadas com sangue 3: sangramento severo sob escovação; todo o comprimento das cerdas de todas as cerdas incluindo a cabeça da escova coberta com sangue

Modified Gingival Index (MGI)

Lobene et al. (1986)

Apenas visual/Não se aplica

0: ausência de inflamação 1: inflamação leve; leve alteração de cor, pequena mudança na textura em parte mas não em toda a gengiva papilar ou marginal

Vestibular, distovestibular, mésiovestibular e lingual de todos os dentes

2: inflamação leve; mesmo critério do 1 porém envolvendo toda a unidade papilar ou gengiva marginal 3: inflamação moderada; brilho, vermelhidão, edema e/ou hipertrofia da papila ou gengiva marginal 4: inflamação severa; vermelhidão acentuada, edema e/ou hipertrofia da papila ou gengiva marginal, sangramento espontâneo ou ulceração

Bleeding on Interdental Brushing Index (BOIB)

Hofer et al. (2011)

Escova interdental vez)/30

(1

Dicotômico (presença/ausência de sangramento)

Interproximais de todos os dentes

Considerando limitações de aspectos visuais no diagnóstico de alterações gengivais, a presença ou ausência de sangramento após sondagem do sulco (18) é mais universalmente aplicável em estudos clínico-epidemiológicos bem como pelos CirurgiõesDentistas por apresentar facilidade e rapidez (20, 29). Embora o sangramento gengival à sondagem não seja um bom indicador diagnóstico para a perda de inserção clínica, sua ausência é um excelente sinal preditivo negativo da perda de inserção futura (74). Alguns autores demonstraram que mesmo na ausência de alterações visuais, um expressivo percentual de sítios demonstra sangramento marginal (29, 75, 76), o que coloca a presença de sangramento como um sinal que antecede as alterações visuais (18, 20, 29, 75-77). Já outros autores notaram que, em estágios iniciais da gengivite, mudanças na cor e no contorno precedem o sangramento marginal (70, 78). Essa discrepância nos achados pode ser tanto devido a subjetividade do exame visual como a variações das técnicas que avaliam o sangramento (70), podendo também aumentar o número de resultados falso positivos em decorrência do traumatismo após estímulo mecânico.

SONDA PERIODONTAL VERSUS FIO/FITA DENTAL Variações na profundidade de inserção e angulação da sondagem podem alterar os resultados por estimularem o sangramento em regiões mais profundas da bolsa ou por causarem traumatismo, confundindo assim, o valor diagnóstico do sangramento à sondagem marginal (79, 80).


92 Há evidências que a inflamação gengival na região proximal parece iniciar na área central da papila (21, 81, 82), área que dificilmente é avaliada completamente pela sonda em sítios sem perda de inserção e com ponto de contato. Assim, parece que a utilização da sondagem marginal para diagnóstico das condições gengivais parece ser, de certa forma, limitada nas regiões proximais. Neste sentido, o uso do fio/fita dental como recurso diagnóstico pode trazer vantagens óbvias na região proximal através do contato com toda a extensão da papila.

FIO/FITA DENTAL VERSUS MADEIRA INTERDENTAL VERSUS ESCOVA INTERDENTAL Índices gengivais que utilizam madeira interdental como dispositivo para detectar gengivite proximal (21, 27) podem causar trauma ao tecido devido sua forma e rigidez, devendo ser utilizados com cautela. Já o índice proposto por Hofer et al. (2011), em que se insere uma escova interdental na região vestibular abaixo do ponto de contato, tem a limitação de não poder ser usado quando a papila preenche toda a região interproximal. Dentre os quatro dispositivos, o fio e a fita dental parecem ser os mais adequados para detectar gengivite proximal, pois possivelmente não causam traumatismo no tecido gengival e podem ser inseridos nos espaços proximais havendo ou não a presença de papila.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O diagnóstico clínico da gengivite pode ser realizado por diferentes métodos. No ambiente clínico, alterações de sangramento avaliadas dicotomicamente parecem ser melhores pela simplicidade, velocidade e pouca subjetividade. Além disso, a ausência de sangramento gengival à sondagem é desejável, indicando um baixo risco de futura perda de inserção clínica. No plano de pesquisa, a incorporação de critérios visuais associado à presença de sangramento parece diferenciar com maior clareza pequenas alterações gengivais, aumentando a sensibilidade do método.

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PERIODONTIA Capítulo

11

Desinfecção Total da Boca para Tratamento Periodontal

Raquel Pippi Antoniazzi Maísa Casarin Kívia Linhares Ferrazzo Fabricio Batistin Zanatta

INTRODUÇÃO A doença periodontal tem uma natureza infecto-inflamatória e é uma das principais causas de perda dentária, podendo resultar em diminuição da função matigatória e da qualidade de vida (Shanbhag, Dahiya, Croucher, 2012). Clinicamente a periodontite é diagnosticada pela presença de sangramento à sondagem periodontal associada à perda de inserção. Esses sinais se desenvolvem como um resultado da resposta de um hospedeiro suscetível à presença de um biofilme subgengival, resultando em uma lesão inflamatória rica em leucócitos e pobre em colágeno (Page et al., 1997). Devido à impossibilidade de controle da suscetibilidade do indivíduo, o tratamento de indivíduos com periodontite visa obter o controle da infecção a níveis compatíveis com a saúde periodontal, utilizando-se da raspagem e alisamento radicular e controle adequado do biofilme supragengival caseiro, o que resulta em redução na carga bacteriana e no controle da inflamação. Cabe salientar que, independentemente da técnica utilizada, o sucesso do tratamento a longo prazo depende do controle do biofilme supragengival caseiro e da realização de manutenção periódica preventiva (Renvert & Persson, 2004). Casos de resultado negativo da terapia periodontal têm sido associados à presença de patógenos periodontais persistentes ou recolonizados após tratamento (Renvert, Dahlén, Wikström, 1996; Cugini et al., 2000). Tradicionalmente, a terapia periodontal tem por objetivo a desorganização do biofilme subgengival, seguindo o protocolo de raspagem e alisamento radicular (Rasub) por quadrantes ou sextantes, em sessões curtas durante algumas semanas (Cobb, 1996). Após sete dias da Rasub, os sítios periodontais são recolonizados por bactérias menos patogênicas (Maiden et al., 1991). A origem dessas bactérias ainda é incerta. Porém, especula-se que possa ser uma multiplicação de bactérias persistentes na bolsa periodontal e/ou dos túbulos dentinários (Giuliana et al., 1997; Petersilka, Ehmke, Flemmig, 2002; Lamont & Yilmaz, 2002). Ainda, bactérias presentes na saliva, língua, amígdalas, mucosa bucal e bolsas ainda não tratadas também podem também colonizar sítios já tratados por Rasub e, dessa forma, ter uma contribuição na recolonização subgengival de bolsas após tratamento periodontal (Teughels et al., 2009). Neste sentido, a terapêutica sistematizada por sessões poderia, em tese, favorecer a reinfecção das bolsas anteriormente tratadas por meio de translocação bacteriana de outras bolsas ainda não tratadas. Além disso, a terapia periodontal necessita um tempo consideravelmente alto para ser finalizada, o que pode levar a não adesão adequada ao tratamento pelo paciente.


96 Nesta perspectiva, em 1995, surge na Bélgica uma nova proposta de abordagem na terapia periodontal denominada Desinfecção Total da Boca (DTB) (Quirynen et al., 1995). O objetivo dessa conduta foi reduzir, em um curto período de tempo, os patógenos periodontais de toda a cavidade bucal, minimizando a recolonização dos sítios recentemente tratados.

TERAPIA DE DESINFECÇÃO TOTAL DA BOCA A DTB proposta por Quirynen et al., (1995) consiste em um tratamento focado na desinfecção de vários sítios da boca em um curto período. A raspagem e o alisamento radicular são realizados em duas consultas no período de 24 horas associados à irrigação subgengival com gel de clorexidina 1% por três vezes (repetidas a cada 10 minutos). Para diminuir a possibilidade de translocação das bactérias de outros nichos da cavidade bucal, além do controle do biofilme supragengival caseiro, foi inserido um regime antimicrobiano por 2 meses após a terapia subgengival com escovação da língua pelo paciente com gel de clorexidina 1% por 1 minuto, bochechos com solução de clorexidina 0,2% (12/12 horas) e spray de clorexidina nas amígdalas. A partir de 1995 foram desenvolvidos uma série de estudos de DTB com alterações nos protocolos de tratamento, utilizando diferentes instrumentais, agentes antimicrobianos locais e sistêmicos, abordagens para o controle de placa supragengival, além de muitos diferenciarem indivíduos com periodontite crônica (PC) e agressiva (PA). Apesar da escassez de evidências comparando longitudinalmente a resposta à terapia periodontal entre PC e PA, alguns estudos mostram respostas semelhantes após curtos períodos de seguimento (Rosalem et al., 2011; Liu et al., 2013). Entretanto, outras evidências constataram que a PA pode apresentar uma resposta diferenciada à terapia periodontal (Ford, Gamonal, Seymour, 2010; Armitage, 2010; Deas & Mealey, 2010). Assim, avaliar os resultados do tratamento de DTB separadamente para PC e PA parece ser importante. Cabe salientar que ainda existe uma dificuldade de se avaliar os diferentes tratamentos em pacientes com PC ou PA devido à ausência de definições de casos universalmente aceitas que permitam comparações claras entre os estudos.

DESINFECÇÃO TOTAL DA BOCA PARA TRATAMENTO DE PERIODONTITE CRÔNICA A periodontite crônica é uma doença imune-inflamatória e multifatorial, que se caracteriza por uma destruição periodontal em um indivíduo mais velho, com uma lenta taxa de progressão e é freqüentemente modificada por fatores de risco, como fumo e diabetes (Armitage, 2010). Apresenta as mais altas prevalências na população, chegando a acometer 80% dos indivíduos da região metropolitana de Porto Alegre (perda de inserção ³ 5mm em pelo menos um dente) (Susin et al., 2004). Os principais patógenos associados à doença parecem ser principalmente certos patógenos cultiváveis onde se destacam a P. gingivalis, T. forsythia, C. rectus, Eubacterium sp., P. micra and Treponema sp. Novos métodos microbiológicos têm demonstrado que bactérias grampositivas parecem também exercer um papel na etiologia da doença. Tendo em vista a impossibilidade de modulação clínica da suscetibilidade do hospedeiro, a terapia periodontal fica restrita à desestruturação do biofilme dental para a redução da microbiota patológica, favorecendo uma microbiota periodontal benéfica (Renvert, Dahlén, Wikström, 1996). Os ensaios clínicos iniciais desenvolvidos pelo grupo Belga demonstraram resultados clínicos e microbiológicos favoráveis à DTB (Vandekerckhove et al., 1996; Bollen et al., 1996; Mongardini et al., 1999). Entretanto, estudos mais recentes têm falhado em encontrar vantagens da DTB no tratamento da PC (Apatzidou & Kinane 2004; Koshy et al., 2005; Wennström et al., 2005; JervøeStorm et al., 2006; Quirynen, Teughels, Steenberghe, 2006; Zanatta et al., 2006). Três revisões sistemáticas foram publicadas até o momento, avaliando a DTB em pacientes com PC. Em 2008, 7 ensaios clínicos foram incluídos em uma meta-análise e não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas reduções de profundidade de sondagem (PS), nível de inserção clínica (NIC) e sangramento a sondagem (SS) entre o tratamento de DTB e convencional (Farman & Joshi, 2008). No mesmo ano, uma meta-análise também com sete ensaios clínicos randomizados (ECR) com acompanhamento mínimo de 3 meses, com características metodológicas mais bem definidas, demonstrou um pequeno benefício na redução média da PS para DTB (0,53mm) em bolsas moderadas de dentes unirradiculares e ganho de inserção clínica (0,33mm) em bolsas moderadas de dentes uni e multirradiculares comparada ao tratamento convencional. Foi observada também uma diferença quando comparada a DTB com ou sem o uso de antissépticos, com maior ganho de inserção clínica (0,74mm) no grupo sem antisséptico em bolsas profundas de dentes multirradiculares (Eberhard et al., 2008). Os ECRs avaliados nessas revisões mostram resultados com muita variabilidade. Essa variabilidade está relacionada à diferença na severidade da doença (pacientes


97 principalmente com bolsas moderadas), tipo de sonda periodontal utilizada (manual ou computadorizada), instrumentos manuais e ultrassônicos, concentrações e tempo de uso da clorexidina e tempo utilizado para o procedimento de DTB (de 12 a 24 horas). Outro aspecto a ser considerado é o de que em alguns estudos os pacientes receberam orientações de higiene bucal após a primeira sessão de Rasub, enquanto em outros os indivíduos já iniciaram no baseline com uma higiene bucal excelente. Além disso, o período das reavaliações das terapias variou de 3 a 8 meses.

DESINFECÇÃO TOTAL DA BOCA PARA TRATAMENTO DE PERIODONTITE AGRESSIVA A periodontite agressiva (PA) é uma doença imune-inflamatória multifatorial, que acomete principalmente indivíduos jovens e apresenta uma rápida e severa progressão. A doença ocorre também por uma interação entre patógenos específicos e a suscetibilidade do hospedeiro (Armitage, 1999). Há uma grande diversidade bacteriana nos indivíduos diagnosticados com PA, mas as bactérias mais fortemente associadas são a P. gingivalis, T. forsythia e A. agregatibacter, além de alta prevalência e proporção da espécie Selenomonas nos sítios afetados pela doença (Faveri et al., 2008). Certas cepas e clones da bactéria A. actinomycetemcomitans parecem ser importantes no processo etiopatogênico do biofilme subgengival nos clássicos pacientes com PA localizada (envolvimento de incisivos e primeiros molares) (Cortelli et al., 2005; Haubek et al., 2008). A genética e influências ambientais também desempenham um papel importante no processo de susceptibilidade dos indivíduos acometidos pela PA e isso se traduz em processos imunes e inflamatórios nas reações aos agentes infecciosos variáveis (Kinane & Lappin, 2002), ou seja, os diferentes resultados clínicos podem estar relacionados à responsividade inflamatória apresentada individualmente (Kinane & Hart, 2003). Além disso, parece que a microbiota associada à PA localizada é ligeiramente diferente da PA generalizada ou PC. Um número limitado de estudos sugere também uma diferença na microbiota entre a PA e PC nas formas generalizadas (Armitage, 2010). Tendo em vista a impossibilidade de modulação clínica da suscetibilidade, a terapia periodontal fica também restrita à desestruturação do biofilme dental para a redução da microbiota patológica, favorecendo uma microbiota periodontal benéfica (Renvert, Dahlén, Wikström, 1996). Entretanto, em alguns casos, a terapia mecânica pode não ser suficiente para o adequado controle da doença, sendo a antibioticoterapia uma alternativa como tratamento coadjuvante (Guerrero et al., 2005; Sgolastra et al., 2013), favorecendo uma resposta clínica mais favorável e conduzindo a uma melhor estabilidade da microbiota (Haffajee, Socransky, Gunsolley, 2003). Ensaios clínicos sugerem resultados clínicos e microbiológicos favoráveis à DTB no tratamento da PA (Quirynen et al., 1999; De soete et al., 2001; Moreira et al., 2007). Tendo em vista a maior suscetibilidade dos portadores de PA na presença de periodontopatógenos (Ford, Gamonal, Seymour, 2010; Armitage, 2010) a translocação bacteriana no tratamento periodontal por sessões pode ser, em tese, mais crítica em comparação à PC, o que traria resultados clínicos melhores para a DTB em portadores de PA. Uma recente meta-análise comparou a DTB com e sem a utilização de amoxicilina e metronidazol no tratamento da PA, mostrando um benefício dos antibióticos quando associados à DTB (Sgolastra et al., 2013). Entretanto, não há nenhuma revisão sistemática comparando DTB ao tratamento convencional no tratamento da PA. Um aspecto que chama a atenção nos ECRs foi o tempo despendido para o tratamento periodontal (1/h por quadrante independentemente do tipo de abordagem). Considerando que os critérios de elegibilidade normalmente incluíram periodontite avançada, esse tempo pode ser pequeno para uma adequada desinfecção da superfície radicular. Já foi demonstrado que um maior tempo de instrumentação subgengival traz um benefício clínico no tratamento não cirúrgico da periodontite agressiva generalizada (Sigusch et al., 2005). Assim, hipotetiza-se que essa estratégia terapêutica pode trazer mais benefício no tratamento da PA do que na PC, uma vez que a carga bacteriana residual nas bolsas periodontais parece ser mais facilmente combatida pelo paciente portador de PC comparado ao de PA (Kinane & Lappin, 2002). A desinfecção das bolsas em um curto período aparentemente retarda a “novo plaque formation” (Sekino et al., 2004). Assim, a abordagem de DTB para a PA generalizada avançada parece potencialmente trazer benefícios adicionais uma vez que resulta em um efeito positivo na diminuição da contagem bacteriana salivar e na taxa de formação da placa supragengival (“the novo plaque formation”) (Dahan et al., 2004; Rowshani, Timmerman, Van der velden, 2004). Por outro lado, a adesão do paciente ao controle de placa supragengival é frequentemente difícil de predizer. Neste sentido, um controle supragengival prévio às intervenções subgengivais parece ser mais cauteloso e racional e, da mesma forma, também vai influenciar a “the novo plaque formation” uma


98 vez que a extensão de gengivite também se correlaciona positivamente com a velocidade de formação da “the novo plaque formation” (Sekino et al., 2004).

EFEITOS ADVERSOS DA DTB NO TRATAMENTO DA PC E PA A DTB parece, de certo modo, ser mais agressiva e desconfortável aos pacientes. Para o tratamento da PC, evidências demonstram uma elevação da quantidade de microrganismos presentes na corrente sanguínea e uma maior prevalência de episódios de febre, as quais se justificam pela extensa bacteremia ocorrida durante a Rasub em tempo prolongado (Quirynen et al., 2000; Quirynen et al., 1999; Mongardini et al., 1999 e De Soete et al., 2001). Na DTB podem ocorrer também maior ocorrência de lesões herpéticas ou aftosas (Vandekerckhove et al., 1996; Eren, Gürgan, Bostanci, 2002) Considerando os efeitos adversos da DTB na PA Quirynen et al., (1999), Mongardini et al., (1999) e De Soete et al., (2001) relataram uma maior ocorrência de febre e aumento da temperatura corporal em comparação à terapia por sessões. Moreira e FeresFilho (2007) em um acompanhamento de 6 meses relataram maior presença de herpes labial e febre na DTB.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando a limitação dos estudos existentes, as mínimas diferenças clínicas entre a DTB e terapia por sessões e o maior risco de efeitos adversos relatados na literatura disponível, parece não existir uma superioridade da DTB em comparação à abordagem padrão na terapia periodontal. Por outro lado, a DTB não parece trazer piores resultados clínicos. Assim, a tomada de decisão para o tipo de abordagem deve ser baseada em uma discussão com o paciente, pautada no custo-benefício, efeitos adversos, avaliação do perfil do paciente (colaborador nos cuidados caseiros), disponibilidade de tempo do binômio paciente-profissional e habilidade do profissional.

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