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Ano: 2010 . nr 03 . Mês: Abril . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço0,01 €

A Visita do Papa

PÁGS. 8 e 9

PÁGS. 2 e 3

É um daqueles acontecimentos que faz parar Fátima e visitas papais servem, hoje, para superar o País. Um país já muito lento pela inacção e a falência do catolicismo enquanto doutrina para a pela incriatividade. E que faz deste pequeno Salvação (em que já ninguém acredita, suplantado território o centro do mundo, para compensar progressivamente pelo cristianismo evangélico). O a sua situação de periferia e de insignificância catolicismo deixou de ser uma praxis espiritual, na globalidade. bíblica, apontada para o pós-morte. Tende a A atitude perante o Papa é um acto de adoser, apenas, uma referência cultural que se ração. Queiram ou não os teólogos católicos, assume numa identidade exteriorizada o Papa passa por ser um ente divino. Os em monumentos. A prócatólicos veneram o Papa como um deus pria Igreja só já conseEntrevista gue afirmar-se com vivo. Seja ele um mortal e um pecador (como qualquer humano), os fiéis reseressas referências, a Maria vam-lhe as atitudes devidas a um deus das Dores obliterando o que incarnado. Segundo um dogma de 1870 ele ela própria estaMeira é infalível. Auto-proclamado infalível. beleceu como Junte-se a isso o fenómeno Fátima, o práticas «indissítio da Terra escolhido pela «Mãe de Deus» pensáveis para a Salvação» que para aparecer (nas simbólicas humanas, a são os Sete Sacramentos. «Mãe de Deus» está acima de Deus), e temos Nos princípios dos anos 70 dois traços culturais típicos do catolicismo do séc. XX, 90% dos portuguemediterrânico, da área cultural que os anglosses declaravam-se «católicos» e saxões abreviam em pigs (Portugal, Itália - ou cerca de 65 % praticavam os Sete a Irlanda, a católica por excelência - Grécia Sacramentos. Nos anos 80, cerca e Espanha). Podíamos acrescentar Marrocos. de 80% declaravam-se católicos A religião desta área cultural é exteriorizada, mas, só, entre 15 e 20 % praticavam. visualizável, multitudinária, massificada pela Hoje, os praticantes situam-se entre imitação, regida por infalibilidades e pela espeos 10 e 15 %. E temos uma classificação rança em messias providenciais. tipicamente portuguesa: «católicos não O Papa e Fátima são, hoje, dois símbolos do praticantes», quer dizer, segue-se um catolicismo, mas que - tendo em conta os textos líder sem aderir a uma doutrina. Hoje, sagrados fundadores do cristianismo compaa Igreja vocaciona-se para a defesa de rados sociologicamente com as práticas - difi«valores»... mas só de alguns valores - os cilmente se coadunam com a filosofia religiosa da «família tradicional» e pouco mais. da origem que é alheia àquele tipo de O catolicismo era uma «reliculto e a qualquer chefia infalível. gião sociológica», uma justifiNão há A visita do Papa tem mais impacto cação para a defesa da Cultura. maçãs em Portugal do que em qualquer país Este pressuposto desapareceu. podres no Mas persistem outros traços culdo mundo, já que é mal vista nos paífundo do ses anglo-saxónicos e nórdicos que turais ancestrais: a divinização cesto são cristãos protestantes. Uma visita do líder, a demissão do indivíduo à Itália não faz sentido porque é lá face ao «todos», a condenação das que ele reside. Na Irlanda, enfrentaria a popudiferenças, a exteriorização religiosa verlação cristã-protestante. A visita à Grécia será sus espiritualidade... Assim, Fátima conta apenas diplomática porque os gregos, católisobretudo porque «junta muita gente» e cos ortodoxos, seguem os respectivos «papas» segue-se o Papa porque é um chefe, e locais ou metropolitas. Em Espanha, uma visita «carismático» (bonito, etc), e porque do Papa provoca uma dor de cabeça à Igreja «arrasta multidões» (as multidões e ao Estado dada a capacidade de rebeldia e comandam o indivíduo). Mende contestação dos espanhóis. Em Portugal, o sagens para a Salvação pósPapa está como que em casa. Os portugueses morte que era o objectivo são seguidistas em deterimento da reflexão do catolicismo: zero. individual e da inovação; privilegiam a exteMoisés Espírito Santo riorização da religião em deterimento da espiProf. Cated. da UNL ritualidade; a salvação vem-lhes pelo conforSociólogo das mismo; votam como lhes mandam; idolatram Religiões os ricos que os sugam; atropelam-se para ver o cacique bem-falante que lhes mente; admiram os grandes ladrões e os corruptos porque «são espertos». Demitem-se face aos poderosos. São subservientes por opção. Em suma: já são «papistas» por cultura, papistas «avant la lettre». Daí que ver o papa- paradigma, o do antigo Império - o infalível pela via dum decreto - é o máximo.


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02 NA VAZANTE

Maria das Dores Meira Passados seis meses após uma vitória inequívoca nas eleições autárquicas, O SUL entrevista Maria das Dores Meira, Presidente da Câmara Municipal de Setúbal para procurar descortinar junto da autarca as práticas e políticas culturais que defende para a capital de Distrito.

O SUL - Jorge Sena disse: “A cultura serve para mostrar a nós própr ios que somos mel hores do que pensamos ser”. Numa das cid ades ma is pobres do país, como pode a cultura enfrentar este paradigma? Maria das Dores Meira - Sem cultura, o local onde vivemos não faz sentido, o município não se desenvolve sem cultura. Somos um município privilegiado, com um enorme legado deixado pelos nossos antepassados, a nível histórico, ambiental e humano de referência, o que nos dá a base para desenvolvermos Setúbal para aquilo que queremos ser. Temos de continuar com as nossas raízes, música, poesia, escrita e associações. S - O que está a ser feito para salvaguardar a memória da cidade, visto que sem memória não há futuro? M. D. M - Na área da música temos um projecto d e d i vul g a ç ão d o c a n to lírico, que não acontece em mais nenhum sítio do país, tendo como referência a Luísa Todi, que nos faz continuar. Apoiamos as escolas de música e o nosso conservatório. Ta m b é m n a á r e a d a s artes, em relação ao património edificado, a preservação e requalificação do Convento de Jesus, é extremamente importante. É uma peça arquitectónica, um edifício que não pode desaparecer, para que ali possamos mostrar o melhor que temos na área da pintura, e que seja um museu vivo, onde se faça música, exposições e vários tipos de arte como já teve. Setúbal também é extremamente rica na área do teatro, temos uma companhia profissional e várias amadoras, o que não existe em muitos municípios. Também não é normal termos dois ranchos de fol-

clore, a riqueza das tradições e da etnografia ligada à nossa memória das salinas e do estuário que eles cantam e preser vam. Na área da poesia, homenageando o Bocage e o Sebastião da Gama, temos poetas que é uma coisa lindíssima. Nós também apoiamos e queremos que tenham meios para que possam editar os seus livros. Também temos a cinematografia, mais um privilégio, o Festróia, que promove o cinema através de um festival, temos também o Curtas Sadinas, que começou com doze ou treze curtas-metragens, e este ano estão cinquenta a concurso. Não posso deixar de referir os nossos museus, que fazem parte da Rede Portuguesa de Museus, inclusivé já ganharam prémios, museus vivos, o Museu de Setúbal nem tanto porque as condições não são as melhores, mas o Museu do Trabalho é um museu vivo, com projectos que interagem com a população e as várias comunidades que existem em Setúbal, e é um dos poucos que existem na Europa com os três sectores do mundo do trabalho. Acho que isto é uma riqueza como não existe em muitos lugares. S - Que razões existem para não haver um museu da cidade aberto para perpetuar a nossa memória? M. D. M - As razões são a falta de espaço. O Museu da Cidade vai funcionar no Convento de Jesus, e

aguardamos que dentro no máximo de dois anos esteja todo reabilitado, caso contrário perderemos a candidatura ao QREN, para ter o espólio de pintura e escultura acessíveis aos cidadãos, com exposições permanentes e itinerantes, que possam contar e relatar a história da nossa cidade. Como se fez ainda há pouco tempo com a exposição de João Vaz na casa da Baia, que os nossos serviços fazem com muita qualidade, temos também o privilégio de ter técnicos excelentes a trabalhar connosco.

PATRÍCIA TRINDADE COELHO

S - Como c ad a époc a segrega uma cultura própria, o que está a ser feito pa r a o ap oio à c r i aç ão actual? M. D. M - Temos várias áreas de criação. Na área do teatro pretendemos ajudar os grupos de teatro na sua organização e do ponto de vista logístico, porque sem condições de trabalho é muito difícil criar. Vamos ter um auditório a funcionar no Quartel do 11, juntamente com a escola de hotelaria. Esperamos ter condições de acomodar o TAS como companhia residente e no teatro de Bolso, vir a dar lugar a mais uma ou duas companhias para terem outro tipo de condições. Em relação à música queremos consolidar o canto lírico e promover o

estudo desta área, fazendo com que a casa Luísa Todi, que já tem o projecto terminado, avance ainda este mandato e passe a ser a casa do estudo da música erudita e clássica, e venha a ter uma gestão par tilhada com o Conservatório, a Academia de Música e outras escolas, para ali haver um estudo da música diferente. Ainda na área da música temos previsto um espaço na Casa da Cultura, que irá ser criada, e em conjunto com a Associação José Afonso, um arquivo e fundo documental para a música tradicional portuguesa, de intervenção e popular. Estamos também preocupados em arranjar aí um espaço onde as bandas de garagem, a música, o jazz se possam desenvolver e criar. De dizer que algumas das bandas que passaram no nosso Concurso de Bandas de Garagem, e que ajudámos a promover, andam em digressão pelo m u n d o . Estamos empenhados em criar o Museu da Educação em associação com o Centro de Estudos Bocageanos, em principio será na antiga Prisão das Mulheres ou na actual Biblioteca Municipal, uma vez que irá para um espaço novo, e vamos continuar a apoiar na área da poesia na edição de livros. Temos algumas edições nossas por sair e outra até lançadas por técnicos nossos dos museus. S - E apoio efectivo à criação contemporânea, nomeadamente a projectos? M. D. M Te m o s o p r o j e c t o R E S A RT E no qual participamos, e para já ainda não temos mais nada previsto. Apoio a projectos específicos não é fácil fazê-lo, em Setúbal, porque causa do orçamento que não é muito grande. Mas temos agora um projecto


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A Presidente da Câmara Municipal de Setúbal em entrevista tal como em torno do Convento de Jesus. Felizmente hoje temos a obra a arrancar, mas há uns anos quando era necessário pressionar as entidades do poder central que têm poder financeiro, era muito pouca gente em relação à maioria que acreditava na causa. De qualquer forma temos alguns grupos de teatro e associações que S - Estamos a assistir ao fazem muito e bom trabalho, ressurgimento de associa- e é sempre bom que apareções em várias áreas cul- çam mais para ajudar a dinaturais. De que forma vê a mizar e mexer com as coisociedade civil disponível sas, não podemos estagnar, é preciso agitar consciências e para este fenómeno? M. D. M - Não é muito fácil, pôr as pessoas a pensar, mas sentimos que o movimento e xi s te m várias associativo é razões que prenm u i to r i c o , Sem cultura, o dem as pessoas a mas às vezes local onde vivemos suas casas. existem crinão faz sentido (...) ses directiS - A capivas, de manter as pessoas. Como sabe- tal de Distrito foi decapimos o trabalho é volun- tada da única universidade tário e quase missioná- aqui existente. Sem Artes e rio, e sabem daquilo que Humanidades como reinfalo porque o fazem. Não ventar a sociedade? M. D. M - É necessário é muito fácil num mundo globalizado em que as pes- haver outra Universidade, soas estão assoberbadas não faz sentido que a sul do pelos horários, alguns até Tejo até quase ao Algarve na procura de trabalho por- nada exista. Existem curque estão desempregados, sos que parece não termos outros a tentarem manter-se direito ou acesso a eles, o numa competitividade feroz, que eu acho uma enorme e pouco tempo lhes sobra maldade. Os acontecimenpara fazerem este trabalho tos relativos à Universidade extremamente meritório e Moderna foram muito mal importante, e estas crises de geridos e tratados, o Ministédinamização da sociedade rio da Ciência e Ensino Superior nem sequer nos ouviu. civil aparecem. Lembro-me que, por cau- Depois de várias pressões, sas extremamente nobres e inclusive junto do Sr. primeiimportantes, como no caso ro-ministro, a quem solicitáda luta contra a co-ince- mos que intercedesse junto neração, assistimos a um ao ministro Mariano Gago, mobilização muito fraca, para nos ouvir. É inadmisface àquilo que nós sentimos sível que uma autarquia serem as preocupações das não tenha voz em algo com pessoas. E neste momento esta importância, o munié muito difícil dinamizar as cípio estava disposto a dar pessoas, apesar delas nos a sua cota-parte, e assumir dizerem que concordam, a sua responsabilidade até que vai avançar que tem a ver com arte pública. Vamos lançá-lo para escultores e jovens escultores, para se fazer arte pública em jardins e praças da cidade. Temos também alguns projectos muito pontuais com escolas, mas ainda não é nada estruturado e com continuidade, infelizmente.

na gestão do próprio edifício. Tínhamos algumas soluções para ajudar a resolver o problema, e para não fechar a Universidade, mas tal não aconteceu, o que revela um grande desrespeito por quem foi eleito pelos setubalenses, e pelos setubalenses. Fizemos algumas abordagens junto a uma universidade em Lisboa, que não posso revelar visto ainda continuarmos em negociações, no sentido de vir um pólo com os cursos ministrados em Lisboa ou, pelo menos, alguns cursos para termos a trabalhar num pólo universitário em Setúbal. Estamos a encetar esforços para no próximo ano, virem senão os cursos, pelo menos as pós-graduações, para se começar a criar hábitos, e vamos ver o que acontece. Mas acho muito redutor não haver ensino universitário na cidade, isto apesar do excelente trabalho do Instituto Politécnico, é algo que nos faz muita falta. S - Como se sente sendo mulher à frente uma autarquia? M. D. M - Sinto que é um privilégio e uma honra a escolha dos setubalenses, pela minha pessoa e pelo par tido que represento, para dirigir o rumo da autarquia. Somos a Capital de Distrito que maior PIB entrega nos cofres do poder central. É uma responsabilidade enorme porque sinto todos os dias que não posso falhar a aposta que os cidadãos fizeram em mim. Enquanto mulher, eu ou qualquer outra mulher somos uma mais-valia. A sinceridade que as mulheres têm, em qualquer área; acho que encaramos a missão de forma diferente dos homens, as mulheres têm maior espí-

rito de entrega, não desis- as dúvidas apareceram: “Ela tem enquanto não resol- não vai ser capaz de gerir vem as questões, indepen- um barco deste tamanho”, dentemente da hora a que afinal trata-se de um muniregressam a casa. Na maior cípio com um défice finanparte dos homens, o com- ceiro muito grande, com portamento não é o mesmo. muitos problemas sociais e Eu não sou feminista, por- de várias ordens, e dizia-se que acho que a jornada da que: “Uma mulher não vai vida deve ser complemen- ter pulso”. Acho que consetada pelos nossos parcei- gui, passado um ano, provar que assim não ros homens, era, mas no primas estou É necessário meiro ano sensó a falar tia-me permad e c a r a c t e - haver outra Univernentemente a rísticas. Por sidade, não faz sene x e m p l o , à tido que a sul do Tejo ser testada pelos partidos da opofrente de uma até quase ao Algarve sição, a tentarem empresa, digo nada exista. tudo com algum isto, pordesrespeito. As que a minha f o r m a ç ã o é n a á r e a d o coisas nunca são fáceis, mas direito. Como agente ofi- passado um ano, consegui cial de propriedade indus- ganhar o respeito de todos. trial, tenho alguns escri- Para os resultados eleitotórios, pelo que digo isto rais alcançados foi preciso porque o trabalho estava trabalhar quase o triplo do sempre em primeiro lugar. que seria normal. Gostava Claro que verificava pri- de dizer também que Setúmeiro se o meu filho estava bal tem sido um Distrito bem, mas é totalmente dife- atípico no que toca à gesrente a entrega. No municí- tão por mulheres. À frente pio é extremamente moti- da Assembleia Municipal vante ver a transformação tínhamos a Dra. Odete Sanem que podemos participar tos, tínhamos como Govere dá-nos uma força muito nadora Civil a Arq. Teresa g r a n d e , v e r q u e s o m o s Almeida e, depois, a Dra. capazes e, com os outros, Eurídice Pereira. Eu estou poder realmente mudar e como Presidente da Câmara, ajudar em todas áreas. No temos ainda uma Directora início foi atípico o meu apa- dos Serviços Prisionais, uma recimento como Presidente Directora da Polícia Judiciáda Câmara. Este mandato é ria, uma Directora da Segumais formal e institucional. rança Social, uma Directora Não quer dizer que o outro do Festróia, outra da Acanão fosse, mas não é nor- demia de Dança; à frente do mal aparecerem presiden- Club Setubalense tínhamos tes a meio do mandato. Esta uma mulher, na vossa coosubstituição primeiramente perativa Prima Folia, uma não foi bem vista pelas pes- mulher, em quatro esquasoas. Apesar da sua legali- dras, no IEFP…; deveria ser dade, alguns sectores mani- feito um estudo, somos um festaram o seu desagrado. concelho atípico no que resSe eu fosse um homem era peita às cotas. normal, apesar de já ter acontecido noutras câmaras Leonardo da Silva deste pais, enquanto mulher leonardo.silva@jornalosul.com

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04 NA VIGIA

As Preciosas Beatas Há uma anedota portuguesa nanta do Senhor Padre… Mas há que conta a história de uma beata, algo de podre no reino da Virtão beata, que era fumada por gem Maria… Apesar de muitas um padre. Este começo popular terem abraçado a fé, serem misleva-me a falar-vos hoje de duas sionárias, freiras nos mais variacoisas: das mulheres dentro da dos cantos do mundo, algumas igreja e da sua impossibilidade estiveram nas antigas colónias de ministrarem as missas. em Angola, Moçambique, Timor, É claro que muitas são teólo- outras até receberam o Prémio gas, fundamentalistas acérrimas Nobel da Paz em 1979 e recorsobre a interrupção voluntária do-me, então, de Madre Teresa da gravidez e da eutanásia, o de Calcutá. que serve para exemplificar este Mas questiono-me logo … tipo de marca de tabaco. será que ela não foi para o Confuso? Passo a descre- Seminário? Será que deu alguma ver esta campanha publicitá- vez missa ? Haverá alguma vez ria sobre as beatas humanas. espaço dentro da igreja católica Recordem-se da lei que vigora para uma mulher padre, bispo desde 1 de Janeiro de 2008 que ou papa? Contam-se lendas de obriga as pessoas a fumarem na uma papisa… mas será que o rua, fora do seu lugar de traba- Vaticano aceita ? Será que nos lho, centros comerciais, bares, livros de Nostradamus haverá discotecas. Nessa altura, correu passagens que falem sobre isso? logo uma piada “Ainda dizem que E o Padre António Vieira falou a igreja católica está em crise! nalguma parte delas no famoso Desde esta manhã Quinto Império? A mulher que há uma maniSerão estes festação de beatas na Igreja Catónas ruas à procura os pontos que os lica estará semde novos fiéis (…)” homens temem? pre condenada O que é que isto Ou serão outros em a ficar nos bastitem a ver com as dores, apesar de que elas responmulheres na igreja terem um olhar e na sua impossi- deriam aos procrítico e viperino bilidade de pode- blemas com uma sobre o que se passa sobre a rem dar missas? Ou maior eficácia? terem outros cargos vidinha de cada dentro da igreja para um; não gostam além de só serem teólogas ou de mudanças… até parece que freiras? Claro que tem. Falo-vos têm medo de estar no palco então das mulherzinhas, habi- de uma arena da fé … mas elas tuadas a estar na igreja, cren- continuam lá na igreja, calates, ajudantes, como se fossem das a apararem-lhe os golpes, uma doméstica da igreja que só dão-lhes uns beliscões psicoservisse para rezar o terço ou, lógicos para ver se os acorno melhor dos casos, a gover- dam, mas nada, algumas até

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manipulam os fiéis quando estes seus meninos continuam a esticar as cordas nas suas acções dominicais e pessoais, preparam ardilosamente um abaixo-assinado dirigido ao senhor bispo, para correrem com aquele herético dali para fora. Digam lá se não há aqui um serviço de bastidores? Afinal, as beatas dão cházinhos na hora do terço, nas missinhas aos domingos e noutros locais de beneficiência; coitadas, não podem entrar nos quadros da fé corporativa ou até mesmo absolutista, porque o galo de Roma continua a cantar no seu poleiro como quer e dispõe. Alguns deles até comentam: E se elas fossem papas, o fumo deixaria de ser branco ou passaria a ser rosa choque? Haveriam pastoras de interiores? Haveriam hóstias com sabor a diversos pratos culinários? De onde viria o vinho? Teriam que dar a missa a correr para fazer as tarefas domésticas? Haveria espaço para terços Ives SaintLaurent? As velas da Igreja do Vaticano seriam do Emporio Armani Casa? Seria lançado algum perfume da Carolina Herrera com o nome de Santa Teresa de Ávila? Serão estes os pontos que os homens temem? Ou serão outros em que elas responderiam aos problemas com uma maior eficácia? Até porque a Igreja foi e ainda é hoje um óptimo instrumento de poder. Não tomariam elas com mãos de ferro a questões ligadas à pedofilia dentro da igreja? Não

evitariam os abortos que se fazem quando são padres a sugerir o aborto a algumas das fiéis mais fervorosas que trarão dentro de si um novo salvador do mundo? Ou não vigiariam alguns homens que iriam para a Igreja para se casar com Deus? Já que a família não permite que me casem com uma pessoa do mesmo sexo que eu, a sociedade não aceita e a igreja também não? Porque não casarem-me com Deus, ao menos assim comiam dois ovos da Páscoa de uma vez só. Dariam o laço matrimonial perfeito sem se manifestarem, até porque como diz a Igreja o que Deus uniu, jamais ninguém pode separar… Se elas chegassem a padres, bispos ou até mesmo papas, será que não haveria um novo cisma ou até mesmo uma crise de fé? Não haveria aqui um remake do século XVI das 95 teses de Lutero ? Não seriam construídas as bases de uma nova fé? Nalgumas seitas ou derivações do Cristianismo já existem mulheres pastoras e bispas. Alguns pastores evangélicos quando viram mulheres a ministrarem cultos converteram-se ao Catolicismo. O que eles pensaram foi mais ou menos isto: bem se não os posso vencer, junto-me a eles. Creio que eles temam o resultado do Livro do Apocalipse de São João tendo que se curvar à besta da Lilith... Pensemos que o grande mistério desta situação é que a sua bíblia não seja aquela a que é lida nas missas,

mas sim um livro de Moliére “As Preciosas Rídiculas “. Bento XVI até poderá mesmo escrever um livro com o nome de “As Preciosas Beatas “, podendo até escrever isto: - Vocês, gajas missionárias, sairam da costela de Adão, são descendentes de Eva que deu a maçã a Adão, não queiram que vos aconteça o mesmo à única mulher que se divorciou dele com o apoio da Igreja. Coitada, foi condenada a errar pela eternidade. Vejam lá se não querem fundar a Congregação das Irmãs Descalças de Lilith? Vocês estão condenadas a ser apenas umas preciosas beatas.Enquanto nós, padres, teremos direito a ler o Record Missionário, treinar no Ginásio Missionário, ir à Portugália Missionária, enfim às coisas que nós, gajos missionários, fomos preparados para dar missas. Porque vocês, como disse, estão condenadas a ser umas preciosas beatas; continuem aí, a rezar, a preparar-nos as coisas a que nós estamos habituados enquanto o mundo durar. Ainda bem que vocês só sabem dizer mal da vida dos outros e não se juntam todas para fazer uma liga contra nós, gajos missionários, e fazernos frente, porque até mesmo o grande remate do Juízo Final será feito por um homem. Continuem assim preciosas beatas que estão bem. O senhor esteja convosco. Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe. António Almeida Historiador


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PERIFERIAS 05

O naufrágio da Nuestra Señora del Rosario Portugal, os Açores e a Para saber que nau era esta Madeira funcionaram no perí- teremos que retroceder até 12 odo das Descobertas como de Setembro de 1589, dia em uma autêntica placa giratória que zarparam de Cuba cerca mundial para as embarcações de 90 naus e galeões. Entre que faziam a torna-viagem do tempestades, ventos contrários e os corsários ingleses Oriente e das Américas. Lugar de abrigo e de pas- de Lorde Cumberland que sagem obrigatória de navios os esperavam nos Açores, e frotas de dois destes navios comércio e de Da tripulação conseguiram cheguerra, os nosgar sãos e salvos de 240 pessoas, sos mares foram ao porto de Angra, cenário habi- cerca de metade na ilha Terceira. tual de naufrá- afogou-se nas Jan Huygen gios de navios, areias da foz do van Linschoten, o que explica Sado. um holandês que bem o facto da naufragara tamCarta Nacional bém ele nos AçoArqueológica Subaquática res conta-nos como ancoconter cerca de 6000 registos raram “a capitana e a vicede embarcações naufragadas almiranta da frota, carregaem águas portuguesas. das com 5 milhões em prata, Um destes registos corres- tudo em grandes lingotes de ponde ao de uma nau espa- 4 e 6 quilos de peso, que disnhola da frota das Índias Oci- puseram no cais, que ficou dentais que “depois de cortar coberto de tabuleiros e arcas os mastros, deu à costa rija- de prata, cheias de moedas mente em Setúbal, onde se de 8 reais, uma coisa marapartiu em bocados, com alguns vilhosa de se contemplar, homens a salvarem-se a nado para além do ouro, pérolas e e a darem a notícia de que o outras pedras preciosas, que resto se teria afogado.” não vinham registadas.”

Estes dois navios - o galeão Santissima Trinidad e a nau Nuestra Señora del Rosario - saíram de Angra a 26 de Novembro de 1589. Três dias depois, uma tempestade fez abrir a calafetagem da Trinidad. Perante a iminência do naufrágio, o almirante Juan de Goyaz transferiu toda a prata que tinha a bordo, bem como a sua tripulação e passageiros para a Rosario. Correndo com os ventos ainda ciclónicos, avistaram terra, provavelmente Larache, em Marrocos. Ao amanhecer do dia 7 de Dezembro, acharam-se “varados quasi en tierra a sotavento de Setubal”. “Pegados a la costa”, querendo entrar no porto, não o puderam fazer por haver “grande mar y viento oest-noroest muy forçosso” pelo que foram

obrigados a “dar fondo en la costa y ensenada de troya”. Perante o deteriorar das condições meteorológ ic a s , resolveram cortar as amar ras e dar com a nau em terra “donde en 2 horas se hizo muy pequeños pedazos la nao obra de dos leguas de Setubal”. Da tripulação de 240 pessoas, cerca de metade afogou-se nas areias da foz do Sado. Perderam-se igualmente cerca de 23 toneladas de ouro e prata. Nos meses que se seguiram, pescadores e oficiais da Coroa acharam por entre documentos, ins-

A barra do Sado, de Pedro Teixeira (1634), in “El atlas del Rey Planeta: la descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos”

trumentos de navegação e bens pessoais dos naufragados, grande quantidade de prata e ouro lavrado ou amoedado. Apesar de terem sido contratados vários recuperadores de salvados, quase nada da carga de dois navios que esta nau trazia a bordo foi recuperado. Se o local do naufrágio não foi ainda localizado até agora, esta situação poderá contudo vir a mudar brevemente: este ano, um projecto de prospecção irá ser levado a cabo pelo Ministério da Cultura. Talvez então se possam trazer à superfície as evidências materiais de uma tragédia que não foi menos do que a maior lástima do mundo para quem a ela sobreviveu. Alexandre Monteiro Arqueólogo


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Desigualdade de género, factor de precariedade laboral As mulheres “pela sua natuA formação/qualificação, crureza” foram deixadas para trás zada com o diferença salarial pela igualdade de direitos da existente nas categorias profisRevolução Francesa. E o modelo sionais mais elevadas, demonsque a sociedade do séc. XIX tra que o acesso à educação e desenvolveu a partir deste à formação das mulheres, não acto discriminatório, tradu- veio resolver, per si, as desigualziu-se no estereótipo da famí- dades e a precariedade feminina lia burguesa, onde as mulheres no mercado de trabalho. Poderia eram “mães dedicadas e espo- ter feito a análise a partir dousas amantíssimas”, estando- tros factores como o acesso a lhes vedada a actividade de lugares de decisão ou os víncucarácter público. los laborais que obteria idêntiContudo a realidade do ope- cos resultados. rariado pobre era diferente. Esta realidade persistente durante a era As mulheres do povo, por moderna e que se Hoje, apesar necessidade, perpétua na póseram parte da das conquistas feitas modernidade contiforça produtiva pelas mulheres ao nua a ter como pano do capitalismo de fundo a “natulongo do séc. XX, a emergente, mas reza” feminina, ou fruto dos mes- discriminação no seja, o papel repromos valores dis- mundo do trabalho dutor das mulheres criminatórios, continua a ser uma que se confunde a s u a m ã o - realidade estrutural com a função de de-obra tinha e persistente. cuidar construída menor valor. socialmente numa Hoje, apesar base, rígida e condas conquistas feitas pelas mulhe- servadora, com consequências res ao longo do séc. XX, a discri- nefastas ao longo do ciclo de minação no mundo do trabalho vida, destacando-se a formacontinua a ser uma realidade ção do valor das pensões. estrutural e persistente. Estou convicta que a desiA OIT, em 1951 aprovou a gualdade de género no merConvenção nº100, que institui cado de trabalho, que se traduz salário igual para trabalho igual. em precariedade laboral para Esta Convenção foi adoptada as mulheres e que tem propela Lei Portuguesa em 1969. fundas implicações no desenNa Europa, segundo o EUROS- volvimento dos países, quer TAT, a média da diferença sala- ao nível da economia, quer ao rial entre homens e mulheres é nível da pobreza, ou ainda ao de 18%, sendo Portugal o País nível da natalidade, se ganha, da UE27 com a 4ª menor dife- fundamentalmente, por duas rença (8%) influenciada pela vias: pela conquista mascuelevada participação feminina lina da esfera doméstica, que no mercado de trabalho, pelo passa por uma atitude prónúmero elevado de trabalhado- activa dos homens reflectirem res/as na administração pública sobre a sua identidade mascue por níveis salariais médios lina num novo paradigma de pouco elevados. organização social, mas tamMas se analisarmos os dados bém pela necessidade de ser dos Quadros de Pessoal do Minis- assumido através dos parceitério do Trabalho que se debru- ros sociais em sede de concerçam apenas sobre o sector pri- tação social, que a luta contra vado nacional, concluímos que a a desigualdade de género no diferença nas profissões menos mercado de trabalho é uma qualificadas é de 8%, mas nas prioridade nacional que trará profissões mais qualificadas a resultados positivos no comdiferença é de cerca de 30%. bate à precariedade, no comAinda com base na mesma bate à desigualdade, na profonte, tendo em conta todo o moção duma sociedade com universo de trabalhadores/as do elevados padrões de justiça e sector privado, as mulheres são desenvolvimento, uma sociemais qualificadas que os homens dade digna do séc.XXI. mas encontram-se maioritariamente na base da pirâmide das Catarina Marcelino categorias profissionais. Deputada do Partido Socialista

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ACTIVISMOS 07

MayDay: uma resposta urgente do precariado O avanço brutal da precarie- primeiras edições foram, acima dade, que se instalou nas nossas de tudo, os primeiros momenvidas como se fosse inevitável, tos de visibilidade do precariado há muito tempo saiu do anoni- em Portugal, a afirmação da sua mato. Existe hoje uma resposta condição e da urgência de conque cresce e recusa os anúncios tarem na luta dos trabalhadores. dum presente e dum futuro sem Não foi um acto arrogante nem perspectivas, feito do massacre hostil, mas uma expressão que diário das milhares de pessoas tardava tendo em conta a enorme que sustentam lucros crescen- recomposição que se vem estates e crises sucessivas. belecendo nas relações laborais O MayDay é uma dessas res- – estima-se que existam hoje 2 postas. Uma experiência interna- milhões de pessoas com víncucional, que surgiu em Milão em los precários em Portugal. Seria 2001 e que se vem generalizando grave ignorar que a precariedade a várias cidades europeias e não não é um fenómeno dependente só. No 1º de Maio, duma qualquer Dia do Trabalhador, circunstância Tem sido este milhares de precáparticular ou da rios e precárias saem o percurso e a contri- emergência de à rua em vários can- buição do MayDay crises mais ou tos do mundo para para o combate funmenos violenafirmar a recusa dos damental de quem tas: é a forma trabalhos temporácomo governos trabalha para viver. rios e das vidas suse patrões, por pensas, das chantaessa Europa e gens e das perseguições no traba- mundo fora, imaginam a orgalho, dos salários que não dão para nização do trabalho e da vida de viver e da ofensiva sobre os servi- milhões de pessoas. O MayDay continua a ser hoje ços públicos. É um chamamento urgente, numa parada combativa o que foi sempre: um ponto de que responde com imaginação ao encontro, onde se juntam as várias cinzentismo que querem impor às vítimas da renovada agressividade nossas vidas, onde desfila a alegria da exploração, mobilizando-se a da luta dos explorados que conhe- partir da convicção de que é possícem a sua condição, mas recusam vel tomar a vida nas mãos e aposaceitá-la. tar num contra-ataque ao isolaEm Portugal, o MayDay reali- mento para que são empurrados za-se em Lisboa desde 2007 e no sectores cada vez mais vastos da ano passado chegou também ao classe trabalhadora. É aqui que se Porto, acompanhando o cresci- centra o desafio decisivo: contramento do movimento e da sua riar a pulverização forçada dos tracapacidade de mobilização. As balhadores e trabalhadoras, reno-

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vando a sua capacidade de organização para permitir enfrentar as velhas e novas formas de opressão nas relações laborais. Tem sido este o percurso e a contribuição do MayDay para o combate fundamental de quem

trabalha para viver. Três anos após o seu arranque, o saldo desta organização é da maior importância. Com esta mobilização, em grande medida, começou a ultrapassar-se o medo que encobria uma realidade que tardava em

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encontrar um lugar central no conflito social e no debate político. Foi também a partir da experiência do MayDay que surgiram e se afirmaram os primeiros colectivos de trabalhadores precários com intervenção permanente. E, o que é mais importante, o combate à precariedade conta já hoje com experiências concretas de trabalhadores que se organizam para a denúncia e superação da sua situação específica. No próximo dia 1 de Maio, a mobilização de todos os trabalhadores é fundamental e faz-se num contexto de ataque ao conjunto da população, em que a sangria da crise revela toda a ganância e agressividade. Nunca foi tão urgente uma resposta decidida, uma mobilização contra os congelamentos vários – nos salários, nos direitos, nas prestações sociais, na vida –, recusando a forma trágica como alastra o desemprego e, no seu lastro, se amplifica a vulgarização da precariedade. Os precários lá estarão, em Lisboa e no Porto, com todos os trabalhadores, num protesto que tem que reclamar uma resposta à degradação de todas as condições para trabalhar e viver. Até lá, continuamos este percurso de mobilização, na qual todas as pessoas são necessárias. Já soa o alarme: MayDay!! MayDay!! Tiago Gillot Activista do MayDay Lisboa e do Mov. Precários Inflexíveis


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Não há maçãs podres no “

sociais latentes, é dos locais onde o estigma da pobreza e da miséria é auditivamente visível. Face ao que parece ser uma inevitabilidade, onde o pragmatismo racionalista aconselha aceitação a um mundo que não é perfeito, erguem-se doze jovens, que opõem ao calculismo frio dos números, a obstinação do calor terno das suas convicções e da sua fé. São 21 horas quando me encontro na igreja de Santa Maria, a paroquial mais central da cidade do Barreiro. Apesar do vasto largo que

antecede o templo, ladeado riedade, que em muito prepor prédios altos, não deixa cedia aquele procedimento, de ser claro que o mesmo é bem como muito tinha ainda de uma dimensão desme- a percorrer até alcançar o surada. Permite receber até seu fim último. O processo tem início 1200 fiéis, o que faz com que este seja o maior edifício numa sessão pedida junto religioso de toda a Diocese do secretariado da paróde Setúbal. A arquitectura quia, solicitando apenas não esconde a sua inspiração um encontro com alguém primitiva. Grosso modo é um do grupo social. Marcado o gigantesco pavilhão despor- mesmo, segue-se uma contivo, somente difere, e muito, versa intimista com apenas no que cobre este esqueleto um dos membros, de modo de betão, tornando-o digno a não expor quem pree útil para a função a que se cisa deste apoio. Após, uma destina, por vezes até inti- ficha é feita, é informatimista. Por detrás da igreja zada a informação modelo, existe um vasto pátio, parte salvaguardando-se o sigilo ajardinado, outra parte des- entre a pessoa que pede e a tinado a um grande telheiro que dá despacho ao pedido. e a um volumoso armazém. É confirmada a informação A porta do armazém estava e criado um cartão nominal aberta, permitindo ver um que é entregue ao utente. A corredor que liga várias partir daqui, segue-se a solisalas. Numa delas encontra- citação de aumento da distrivam-se dois jovens, prepa- buição alimentar, por parte rando umas etiquetas colo- do grupo social ao Banco Alimentar e ridas. Agregado à Segurança familiar com 1 Colamos Social. Casos pessoa corresexcepcionais, ponde à cor azul, tantas figuras como aqueles a g r e g a d o d e 2 quantas forem as que necessitam p e s s o a s c a b e - crianças de um de maior apoio, lhe a cor laranja, agregado famipara além de à de 3 pessoas a liar. É assim que alimentação e cor verde e assim sabemos a comida vestuário, são sucessivamente, encaminhados seguindo o arco- necessária para para o Prior. íris das possibili- essa família, ao As famílias ou dades humanas. longo de um mês. “ os indivíduos A estas etiquetas que possuem o coloridas plasticartão passam ficadas, junta-se um ou vários autocolan- a ser acompanhados regutes com figuras de bonecos larmente pelo grupo, que se estandardizados, com a fres- vai inteirando das maiores ou cura de uma “Hello Kitty”. menores necessidades, pois a Pergunto para que servem realidade é dinâmica. Mensalmente chega o apoio aqueles desenhos, ao que Ana, psicóloga de 25 anos do Banco Alimentar e, trimesapenas, interrompe o tra- tralmente, o da Segurança balho e diz-me: “As figuras Social (Programa Comunitário com laçarotes rosa repre- de Apoio Alimentar a Carenciasentam uma filha, as figuras dos – PCAAC), ao qual se junta com a jardineira azul repre- o angariado pelos paroquiasentam um filho. Colamos nos, principalmente consubstantas figuras quantas forem tanciado em vestuário, que é o as crianças de um agregado que as instituições supra-menfamiliar. É assim que sabe- cionadas não fornecem. Tudo mos a comida necessária o que chega é inventariado e para essa família, ao longo verificado, mercê da sua natude um mês.” Dito isto retorna reza e das datas de validade, às fitas coloridas de embru- de modo a optimizar a distrilho, que prende a cada eti- buição. Com base nos fundos queta. Vi que me introdu- alimentares e no número de zia no meio de uma vasta utentes, para além da percepcadeia operatória de solida- ção das necessidades de uma

Tomas Castelazo

A cidade do Barreiro, com potencial que apresenta, cerca de 50 000 habitantes adiou as suas capacidades (82 000 em todo o Conce- intrínsecas frente ao brilho lho), é emblemática da Mar- da cidade que se lhe opõe n a o u t r a m a rgem Sul. Apregem do Tejo; deisenta das mais O Barreiro (...) xou-se adormeacutilantes reacer na suave canlidades urba- é dos locais onde o nas do Distrito. estigma da pobreza ção de embalar da suburbanidade, Palco privile- e da miséria é augiado de algu- ditivamente visível. do facilitismo em se converter em mas das duras cidade-dormilutas sociais do Século XX apresenta-se, tório. Com uma mobilidade actualmente, ainda presa a pendular diária absolutaesse património genético mente reveladora, um pasdo século que nos antece- sado industrial insatisfatoriadeu. Contida face ao enorme mente ultrapassado, conflitos


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fundo do cesto pessoa, se elabora o cabaz sistente e necessário, é feito mensal individual. Após todo em regime de voluntariado. este trabalho, há que fazer a As motivações pessoais que repartição da distribuição, levam a que doze pessoas ali colocando as etiquetas colo- se juntem com vista a uma noitada de traridas com os resbalho regular pectivos sacos corfoi um dos ponrespondentes, onde (...) no tos que mais estarão já os proBarreiro existem me impressiodutos alimentares. 1050 famílias ou, nou ao longo Esta foi a fase do daquela noite. processo em que se preferirmos, São pessoas encontrei os dois 2750 pessoas a com percurjovens já referidos. serem assistidas Pouco depois, através dos progra- sos bem distintos, vidas difemais dez outros mas de auxílio na rentes, mas jovens se lhes junsua alimentação que o consetavam. Após o janguem ultrapastar, ao invés de diária. sar em prol de outras opções à causa comum. sexta-feira à noite, optam por ir para ali, onde Para Ana, por exemplo, tralhes espera longas horas de ta-se de um processo de deslabor. Sempre em conversa coberta, também ela volunanimada, trocando impres- tária de missionação em São sões sobre tudo e sobre nada, Tomé. Procura um lugar actucom gargalhadas intercala- ante numa igreja que não das, iniciaram a realização oferece muitas soluções às dos cabazes alimentares para mulheres de espiritualidade 540 pessoas. Sublinhe-se que viva, que aos claustros preeste trabalho constante, per- fira um apostalado militante.

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Para David a motivação é bem res, que dispensa a perfeidistinta, pois encara o volun- ção dos modelos gregos ou tariado de forma neo-cruza- hollywoodescos, é essa obstidística. Para ele “a igreja está nação comungada que estava a ser perseguida pelo sistema” bem explícita nuns papéis e “não é uma boa acção ajudar dispersos pelo armazém – os outros só por si” despro- “Famílias de 2: 3 kg de arroz, vido de um enquadramento 1 kg de leite em pó, 4 litros de mais vasto, o que colide com leite líquido, queijo – 3 caixas o artigo 39.º do título III da de triângulos e 2 fatiados, 6 “Doutrina Social da Igreja”, pacotes de manteiga, 1 pacote mas que se compreende à de cereais (papa láctea), 1 kg luz de uma típica sã juven- de farinha, 3 embalagens de tude, que se bate por causas. sobremesas de morango, 2 Já para Maria João, a razão de embalagens de esparguete, ali estar prende-se com a fina 1 kg de açúcar, 3 pacotes de ironia de “para poder criti- bolachas, 4 pacotes de leite car, como gosto de fazer, pre- de chocolate, 3 litros de leitecisava de fazer alguma coisa creme, 2 embalagens de massa c o t ov e l o s , 2 que me desse essa embalagens de legitimidade”. “Afi(...) a igreja massa pevide e nal podia estar no cinema, não numa está a ser persegui- 2 embalagens de macarrão.” discoteca porque da pelo sistema” Os números, não gosto muito, mas também posso ir ao todavia, não escondem um cinema num outro dia qual- cenário aterrador. Segundo os quer”, confessa entre uma números avançados por fonte gargalhada. O ligante de toda da Segurança Social de Setúesta diversidade humana, tão bal, no Barreiro existem 1050 comum a tantos outros luga- famílias ou, se preferirmos,

2750 pessoas a serem assistidas através dos programas de auxílio na sua alimentação diária. 5,5% da sua população vive em extrema pobreza, sendo que 1,1% dos habitantes é alimentada pelo esforço das 14 a 18 horas mensais que aqueles 12 jovens decidiram doar. Este triste panorama assume maiores proporções quando pensado à escala distrital, onde, 12,5% da população está oficialmente desempregada (CGTP/IN segundo dados do IEFP para Janeiro de 2010), o que significa que, na realidade, pelo menos 15% da população activa está sem trabalho, o que inevitavelmente irá engrossar, e muito, as já 36 078 que não conseguem fazer face ao mais básico da sua existência – disporem dos meios para simplesmente comerem. Não nos enganemos, estamos perante uma calamidade social. José Luís Neto jose.neto@jornalosul.com


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ANDRÉ DOMINGOS

Quero o meu “c” mudo, se faz favor

A lusofonia, tal como a voltou a ser colocado recenburocracia a entende, não temente na agenda pública. passa de uma triste ilu- Segundo os seus relatores são. Verdade que, de tem- e defensores, este Acordo pos a tempos, os países da visa constituir-se como «um dita comunidade lusófona passo importante para a se reúnem para discutir um defesa da unidade essencial conjunto denso de inani- da língua portuguesa e para dades. É pouco. É nada. Em o seu prestígio internacional». grande medida, e fora a ilu- Nada mais falso. Nada mais minada sonsice idiota. Prihabitual, Pormeiro, porque Portugal não tugal não quer a língua porquer saber do resto saber do resto do tuguesa não se do mundo lusófono. mundo lusófono. constitui como E o mundo lusó- E o mundo lusófono uma «unidade», e muito fono não quer não quer saber de menos será saber de Portu- Portugal. E não sem esta «essengal. E não sem alguma razão. cial» para o alguma razão. seu uso; a A realidade, no língua inglesa, por exementanto, nunca foi impeditiva plo, entre outras, apresenta de fantasias avulsas por parte variantes nos diversos paíde mentes superiores. A última ses que a tomam como línpérola? O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de gua oficial, sem nunca ter sido 1990, que, perdido na gaveta objecto de regulação estatal – durante alguns anos, e de o que nunca foi impeditivo do onde nunca deveria ter saído, sucesso da mesma. Segundo,

porque o «prestígio internacional» de uma língua, a conseguir-se, consegue-se através da sua real leitura e uso, muito por intermédio dos seus «clássicos» literários, e não por decretos legais e, por isso, artificiais, em matéria cultural, os quais, aliás, nunca foram pródigos em gerar grandes resultados. O Dr. Carlos Reis, no entanto, discorda. E com um argumento de peso. Este eminente especialista, que fundou uma distinta carreira alimentando-se da pobre carcaça de Eça de Queiroz, munido de ininteligíveis poderes sobrenaturais, afirma, convicto, que o próprio Eça subscreveria este extraordinário Acordo. Ele lá deve saber. Para este, e para Eça, aparentemente, a eliminação das consoantes mudas ou semi-mudas c e p, sem regra ou sentido, e contra todo um testemunho etimológico, a supressão do hífen,

Porque é preciso ter em do incompreensível emprego atenção que a língua, quale supressão dos acentos, etc., quer língua, é um sistema etc., não poderia ser mais lógico e defensável. E tudo orgânico (porque usada por um conjunto em prol de uma de seres falan«defesa da uniVerdade que tes) que natudade essencial da língua por- esta não é a primeira r a l m e n t e s e desenvolve, tuguesa». O que reforma ortográfica quer na fala é facto é que, de da língua portuguequer na graforma sinoní- sa. Em 1911 procufia, através do mica, os brasileirou-se, com a dita tempo, e que ros continuarão reforma ortográfica, acarreta no a andar de óniseu aspecto bus e os portu- acima de tudo, dar gráfico e dicgueses de auto- uma unidade à gracional, todo carro. Pormeno- fia de Portugal (...) um porte culres, sem dúvida. tural e identiVerdade que tário. Esquecer isto é esqueesta não é a primeira reforma ortográfica da língua portu- cer tudo. O que, infelizmente, guesa. Em 1911 procurou-se, com este Acordo Ortográfico, com a dita reforma ortográ- foi o que aconteceu. fica, acima de tudo, dar uma Pessoalmente, como tantas unidade à grafia de Portugal, coisas na vida, quero o meu c que então vivia numa pro- mudo, se faz favor. funda irregularidade. Este não é de todo, no entanto, o Tiago Apolinário Baltazar caso presente. Estudante


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CULTURA

Agostinho da Silva: a via lusófona Agostinho da Silva, cujo centenário do nascimento se comemorou no ano de 2006, é, por muita gente, tido como um filósofo “bem intencionado”, “generoso”, mas, por isso mesmo, demasiado optimista, demasiado ingénuo… Essa “impressão geral” não resiste, contudo, ao confronto com alguns textos do próprio Agostinho da Silva. Eis, em particular, o que veremos na sua obra Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, obra redigida em 1957, já no Brasil, para onde Agostinho partira em 1944 e donde só voltou em 1969, vinte cinco anos depois, para, de novo em Portugal, viver os últimos vinte e cinco anos da sua vida. Na sua obra Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa faz, Agostinho da Silva, uma retrospectiva da História de Portugal, desde a genesíaca cisão com Castela,

passando por toda a Gesta dos Descobrimentos, até à situação portuguesa de então. Sendo esse o enfoque, a perspectiva agostiniana extravasa em muito esse horizonte. De tal forma que, em particular no seu último capítulo, desenvolve, Agostinho da Silva, uma reflexão sobre as sociedades de hoje – entendamo-nos: sobre as sociedades de hoje no primeiro mundo, as chamadas “sociedades da abundância” –, reflexão essa de tonalidades bem sombrias… Com efeito, se nesse último capítulo, prefigura Agostinho a possibilidade de se “varrer de vez da face do universo a miséria material da Humanidade” – prefiguração não tão ingénua quanto parece, dada a

exponencial evolução da téc- forma alguma, ou só de forma inteiramente livre, assumir, nica –, pergunta-se o mesmo insuficiente, resposta à ques- de modo pleno, a sua cultura. Agostinho que tipo de socie- tão “para que viver?”. A par- Não, longe disso, um impédades resultariam dessa plena tir daqui, não há, obviamente, rio apenas português – tamuma única resposta. É cada bém português, na medida erradicação da miséria. Ouçamos as suas palavras: um de nós, na sua irredutível em que nele a cultura portuguesa deve também poder singularidade, “Que vão fazer que sabe como afirmar-se, mas não apenas, os homens bem Que vão fazer pode fazer ver- ou sequer hegemonicamente, alimentados, por mais que de forma dissidadeiramente bem vestidos os homens bem alida sua vida uma mulada, português. Eis o que, e bem alojados mentados, bem vesna nossa perspectiva, nunca “vida plena”. e bem trans- tidos e bem alojados Ainda assim, será demais salientar, dado o portados que e bem transportados Agostinho da facto da valorização agosa técnica nos que a técnica nos S i l v a d á - n o s tiniana da “cultura portupoderia aprealgumas pistas guesa” ter sido muitas vezes sentar desde poderia apresentar – daí, desde logo, entendida de forma igualjá? Nenhuma desde já? ” toda a importân- mente errónea. experiência foi De resto, a valorização da cia da noção de jamais feita em grande escala e, portanto, cultura no seu pensamento cultura tem também virtunada se pode afirmar de um enquanto fundamental ins- alidades materiais ou, mais modo que seja mais ou menos tância mediadora no processo especificamente, sociais. Só científico; mas há todas as de plenificação humana. Ini- ela pode ser o elo que susrazões para temer, pelo exem- ciando-se esse processo na tenta uma sociedade. Se uma plo de certos países em que satisfação das necessida- sociedade se baseia apenas se atingiu já um nível de des materiais básicas – ali- num elo económico, cedo se vida razoavelmente ele- mentação, vestuário e aloja- desagregará, como se torna vado, que a Huma- mento –, facto por Agostinho cada vez mais evidente... nidade caísse na em nenhum instante escamo- Por muito que isso repugne mais deplorável teado – e daí toda a dimensão a alguns, é também através dela, da culdas decadên- sócio-política do tura, que se seu pensamento cias (…).”. cimentam as (...) a valoEis, a nosso –, ele só se cumsolidariedades ver, o que já hoje pre verdadeira- rização da cultura internacionais. se pode verifi- mente no sobre- tem também virtuSe, em geral, os car em “grande sequente plano alidades materiais portugueses escala”. Se é cultural. foram – e conÀ l u z d e s t a ou, mais especificaverdade que a tinuam a ser – grande maioria perspectiva, com- mente, sociais. tão solidários da humanidade preende-se pois com a causa se debate ainda bem o sentido da pela satisfação valorização agostiniana da timorense, foi, em grande das suas neces- “cultura portuguesa”. Ela não medida, porque havia, porsidades mate- é valorizada para se impor, de que há, um elo entre Porturiais básicas forma mais menos “imperia- gal e Timor: um elo cultural, – alimentação, lística”, a qualquer outra. Ela é precisamente. Dir-se-á que vestuário e aloja- valorizada para que nós, por- o nosso móbil deveria ser mento –, a imensa tugueses, nos possamos elevar sempre o amor pela humaminoria que já as através dela. Quanto muito, é nidade em geral e não por supriu não parece esse o exemplo que Agosti- nenhuma cultura em partisaber hoje, na sua nho da Silva pretendia dar ao cular. É defensável, mas não grande parte, “para mundo: a de um povo que se é isso que, na nossa perspecque viver”. Como se, eleva através da plena assun- tiva, acontece. Daí que devasatisfeitas as necessi- ção da sua cultura. Não para mos agir em consequência. Daí, em suma, a “via lusódades materiais bási- que os outros povos assumam cas, a humanidade não a nossa cultura, mas, ao con- fona” que tem sido defentivesse mais nada à sua trário, a sua própria. É disso, dida pelo MIL: MOVIMENTO tão-só, que se trata: que cada INTERNACIONAL LUSÓFONO. frente senão o vazio. Face a esse vazio, a essa um, por extensão, cada comu- Em todas as nossas propostas “vida vazia”, exorta-nos, nidade, assuma, plenamente, e iniciativas (www.movimentolusofono.org), o que temos Agostinho da Silva, à “vida a sua cultura. A nosso ver, o tão vilipen- visado é a criação de uma verplena”. Mas o que será – perguntar-se-á – essa “vida diado “Quinto Império” de dadeira comunidade lusófona, plena”? Para começar, ela que fala Agostinho da Silva assim cumprindo o sonho de será, decerto, a antítese não é senão isso: o espa- Agostinho da Silva. d a “ v i d a v a z i a ” , ço-tempo em que todas aquela que não as comunidades, todos os Renato Epifânio encontra, de povos, possam, de forma Associação Agostinho da Silva

ACERVO DA ASSOCIAÇÃO AGOSTINHO DA SILVA


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CULTURA

O Direito a ter Direitos

LEONARDO DA SILVA

Os intermitentes do espectáculo e do audiovisual

A contrastar com as notícias diárias sobre a crise nos diversos sectores, falências de empresas, aumento de desemprego, e outras agruras do género, surgem as notícias sobre o impacto das actividades culturais na economia do no nosso país. O sector cultural e criativo representa 2,8% da riqueza gerada em Portugal (num estudo de 2006) e prevê-se que, apesar da crise, o sector continue em expansão. No entanto, por detrás destes números está ocultada a precariedade em que muitos dos profissionais das artes do espectáculo e do audiovisual se encontram (e infelizmente também de outras áreas como a arquitectura, o design, etc). Parte dessa riqueza é obtida através de contratação precária, com uma utilização generalizada de recibos verdes, que não conferem o acesso a direitos básicos como o subsídio de doença, de desemprego, ou

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direito a férias, obrigando os trabalhadores a pagar seguros contra acidentes de trabalho e valores de prestações sociais muitas vezes totalmente desproporcionadas face aos seus rendimentos. Desde há muito que este sector necessita de um regime laboral específico, de forma a que este trabalho com características específicas, de carácter irregular, descontínuo - intermitente - esteja previsto e protegido pela Lei. A criação de cultura, de bens culturais, faz-se por ciclos, por vezes de curta, ou de muito curta duração, o que implica uma enorme mobilidade dos trabalhadores deste sector, trabalhando, ou acumulando vínculos, para vários empregadores. A Lei que defendemos deveria obrigar a que estes vínculos sejam contratos de trabalho por conta de outrem, combatendo eficazmente os recibos verdes no sector.

Essa necessidade da criação de um regime específico fez nascer a Plataforma dos Intermitentes, composta por vários sindicatos e associações ligados ao teatro, à dança, ao cinema, à música, ao novo circo, etc. Procurando uma voz única, transversal a todos os sectores do espectáculo e do audiovisual, unindo profissões técnicas e artísticas, a Plataforma dos Intermitentes, desde 2006, tem-se empenhado na defesa dos direitos destes trabalhadores. A Plataforma acompanhou a criação da primeira lei sobre o regime laboral dos profissionais do espectáculo e do audiovisual, a Lei 4/2008 do Partido Socialista. Esperávamos que, após tantos anos de abusos de recibos verdes e degradação das condições de trabalho, esta tendência se invertesse e direitos básicos fossem reconhecidos. Mas esta lei, apesar de reconhecer o direito a contratos

de trabalho, não criou ferra- na produção cultural. A Plataforma dos Intermimentas para que os mesmos sejam efectivamente cele- tentes desenvolveu proposbrados, nem criou nenhum tas e fomentou a existência regime de segurança social deste debate entre os profispara proteger os intermiten- sionais das várias áreas e o tes. Ou seja, nada mudou. poder politico. Estamos agora Surgiram agora novas pro- com um novo projecto para postas legislativas. O Partido organizar e defender os traSocialista, pela mão da depu- balhadores do espectáculo e tada, actriz e realizadora Inês da cultura: a criação de um de Medeiros, propõe altera- sindicato transversal às várias ções à lei 4/2008, introdu- áreas. Esta nova estrutura, a zindo mecanismos para que ser fundada em Junho, persejam celebrados contratos de mitirá responder na continuitrabalho nas produções cul- dade às necessidades indiviturais apoiadas pelo estado duais e colectivas dos profise uma certa flexibilização do sionais, com a definição das acesso ao subsídio de desem- condições de trabalho, tabeprego. O Bloco de Esquerda, las salariais de referência, através de duas propostas de apoio jurídico aos profissioleis da deputada, actriz e ence- nais, pressões aos empreganadora Catarina Martins, pro- dores (por exemplo nos casos põe um novo enquadramento, de não pagamentos salariais), que generaliza o mas também na acesso aos direicriação de curA Lei que tos na segurança sos de valorizasocial e regula- defendemos ção ou reconmenta os contra- deveria obrigar a versão profistos de trabalho. sional, promoque estes vínculos Esperamos que sejam contratos de ção de debates este novo passo e eventos, etc. trabalho por conta reúna consensos Entretanto, na Assembleia da de outrem, combaa aprovação e República para tendo eficazmente discussão das que a nova lei seja os recibos verdes novas propostas de lei muito mais do que no sector. recentemente uma lei 4/2008 apresentadas melhorada e que venha finalmente trazer o na Assembleia da República, reconhecimento destas acti- irão ditar um avanço, ou um vidades profissionais, com a recuo, nesta longa jornada garantia de direitos básicos aos pelo reconhecimento dos profissionais do espectáculo e direitos dos profissionais do espectáculo e do audiodo audiovisual. O investimento nas artes e visual. Esperamos que seja um na cultura tem de passar pela avanço. valorização das condições de trabalho dos seus profissioPara receber, seguir as nossas nais. Reconhecer a intermi- iniciativas, mande um mail para tência, conferindo-lhe um intermitentes@gmail.com. pouco mais de segurança, combatendo a precariedade, Carla Bolito, Actriz é a melhor forma de investir e Bruno Cabral, Realizador


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CULTURA 13

“A guitarra é a minha vida” diz Marco Alonso

DANIELA SERÔDIO

Marco Alonso é um jovem músico talentoso natural de Setúbal. Como nos disse, parece destinado à música e a nada mais: “O meu gosto pela música nasceu por volta dos meus 12 anos, quando encontrei um disco do grande Paco de Lucía entre os discos da minha mãe. Ouvi e fiquei completamente maravilhado…”

“A descoberta do disco despertou-me a vontade de aprender guitarra, iniciando o estudo com um professor particular. Ainda insatisfeito, inscrevi-me no Conservatório de Setúbal, onde permaneci 3 anos. O Conservatório era a forma de aprendizagem mais próxima da Guitarra Flamenca, através do estudo na Guitarra Clássica. Na procura de material didáctico sobre Flamenco, conheci o Professor Jorge Chainho, director da Escola Moderna de Jazz de Almada/Seixal. Leccionou-me durante 5 anos. Desta forma, consolidei o meu caminho no Flamenco, e pude ter contacto com outras perspectivas que me deram um conhecimento mais alargado do mundo da música. Mais tarde surgiu a oportunidade de ir para Córdoba, no âmbito do Festival Internacional de Guitarra de Córdoba. Queria certificar-me que os meus conhecimentos do Flamenco eram válidos, e só com o grande Maestro Manolo Sanlúcar e outros grandes guitarristas como José António Rodriguez, Paco Serrano e Manolo Franco, podia ter a noção real dos meus conhecimentos. Foi um curso intensivo de técnica e composição intitulado “Naturaleza y forma de la Guitarra Flamenca”. Enquanto músico, amadureci, melhorando essencialmente o domínio da Guitarra Flamenca.” O SUL - Como defines o Projecto Marco Alonso? Marco Alonso - O Projecto Marco Alonso é o meu mundo transposto em notas musicais. O Flamenco foi o veículo de criação

de um estilo muito próprio, que reflecte a minha visão musical e da vida. É um misto de criação instintiva e técnica através de todo o conhecimento musical vivido e experienciado.

S - Como aparece o Projecto Marco Alonso? M. A. - O Projecto Marco Alonso surge logo após o curso em Córdoba, quando senti a transição de um espírito de aprendiz

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para alguém que já tem algo a partilhar. Quis tornar realidade o desejo de criar um projecto a solo e comecei a construí-lo de uma forma séria. Nunca imaginei um projecto enquanto passatempo mas, como base duma carreira, com cabeça, tronco e membros. Comecei a compôr pequenas peças para funcionarem como repertório de um álbum. Seleccionei então 10 temas com consciência, sempre com o intuito de mostrar o meu trabalho a nível nacional e internacional. Ao longo deste processo tive a necessidade de encontrar músicos à altura destas metas, que interpretassem as composições por mim criadas, tarefa que não foi fácil. De momento, os músicos que me acompanham nos espectáculos são o Helder Pereira (Guitarra Electro-acústica, Alaúde, Harmónica e Percussão) e João Branco (Percussão). Seleccionei estes músicos devido às suas capacidades musicais e interpretativas que favorecem as performances ao vivo. Apesar de estarmos a falar de um projecto a solo e com base em composições muito pessoais, é justo referir a sua contribuição no enriquecimento e heterogeneidade do projecto. S - Em Julho de 2009 lançaste o teu primeiro álbum. Como está a correr a aceitação por parte do público? M. A. - Lancei o meu primeiro álbum, edição de autor, intitulado “Tu Aroma, Tu Sabor”. No que respeita à aceitação por parte do público, creio que este ainda não está habituado a música contemporânea. A população, em geral, não tem hábitos de consumo cultural. Estamos numa fase em que as pessoas privilegiam o consumo de música desprovida de critérios

que eu considero fundamentais na música de qualidade. A aceitação é boa, mas o mercado que gosta e aceita da minha música é muito específico. S - De que forma foi feita a promoção e distribuição do álbum? M. A. - Toda a promoção, divulgação e distribuição do álbum foi realizada pelo grupo e por amigos. O álbum está á venda nas Fnac’s em Portugal Continental e em alguns espaços musicais e culturais de Setúbal. Também fomos convidados recentemente a participar no programa “Quarto Crescente” da RTP com o Júlio Isidro, onde interpretámos o tema "Maestre Lucia" ao vivo. S - Perante a intermitência de trabalho na vida de um músico, sentes-te lesado nos teus direitos enquanto trabalhador? M. A. - Sinto-me lesado e acho que todas as pessoas, independentemente da etnia, nacionalidade ou profissão devem ser abrangidas por todos os direitos elementares inscritos na Constituição. Gostaria de sentir uma maior preocupação das entidades responsáveis, uma maior oferta e investimento sério na cultura e, em especial, na música. S - Este ano vão participar no Festival de Flamenco de Lisboa. Quais são as tuas expectativas? M. A. - A grande preocupação é oferecer ao público, em Setembro, para além de um espectáculo de virtuosismo técnico, uma cumplicidade poética através da música. Essa é a identidade do espectáculo. Quero-o único, intimista e inovador. Patrícia Trindade Coelho patricia.coelho@jornalosul.com


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CULTURA

Sebastião da Gama: 60 anos sobre o Diário Em 11 de Janeiro de 1949, diário “íntimo”. Sebastião da Gama tinha 24 Um dos aspectos mais inteanos, a licenciatura, a experiên- ressantes neste Diário é a forma cia lectiva de professor provi- como é dada voz aos alunos, não sório na Escola João Vaz, vários por aquilo que terá acontecido textos publicados, entre os quais nas aulas, mas pela maneira dois livros, e iniciava o estágio como essa entrada das vozes dos de professor na Escola Veiga outros – os alunos – se exerce e Beirão, em Lisboa, desse dia se vê no Diário, na vida do “eu” datando a primeira página do que se escreve também com os seu Diário (apenas publicado outros: mencionando os seus em 1958), a registar as obser- nomes próprios (com absoluta vações do metodólogo, Virgílio recusa do tratamento dos aluCouto: “Para começar, o meto- nos pelo número de ordem e dólogo falou connosco durante dando a ideia da constância da uma hora. De acordo com o presença do outro no espaço que disse, vão ser as aulas de e tempo do diário), reproduPortuguês o que eu gosto que zindo em discurso indirecto, elas sejam: um pretexto para aludindo a conversas, abrindo o estar a conviver com os rapazes, espaço para o discurso directo, alegremente e sinceramente. registando os textos escritos E, dentro dessa convivência, dos alunos (de cartas ou de como quem brinca ou como composições). A importância quem se lembra de uma coisa desta entrada dos alunos no que sabe e vem a propósito, ir Diário é tanto mais interessante ensinando. Depois, esta nota quanto ela não se deve a critéimportantíssima: lembrar-se rios estéticos, antes tem lugar a gente de que deve aceitar os porque o diarista a valoriza, rapazes como rapazes; deixá- princípio que está de acordo los ser: porque até o barulho é com a necessária capacidade uma coisa agradável, quando de aceitação do outro – dos “rapazes” – expressa no iníé feito de boa-fé.” Este texto iniciador do Diário cio do diário, no registo de 11 apresenta-se como uma decla- de Janeiro de 1949. ração de intenções, como um As regras para essa entrada programa próprio, como um do outro na aula, na vida e no perfil do que deve ser o pro- diário são logo estabelecidas no fessor, como deveria ser ele, registo de 12 de Janeiro de 1949, Sebastião da Gama, enquanto ao relatar que pedira lealdade professor, haja em vista o cru- aos alunos, princípio a exigir zamento das intenções do pro- reversibilidade. Ao mencionar fessor orientador do estágio e esse acordo no diário, Sebastião da visão que o novo profes- da Gama está também a fazer sor perfilhava quanto à sua uma profissão de fé na lealdade função – “vão ser as aulas de e a estabelecer os seus próprios Português o que eu gosto que limites para a escrita da vida, elas sejam”. do diário. Mas o seu testemuSebastião da Gama tinha bem nho perante os alunos vai mais a noção da razão de ser de um longe, insistindo no direito à diário. Mas torna-se evidente palavra, à voz – “Sei coisas que que este professor redigia um vocês não sabem, do mesmo diário para ser o seu espaço modo que vocês sabem coisas e tempo de reflexão sobre a que eu não sei ou já me esqueci. sua prática peda(…) A todos cabe gógica durante o o direito de falar, Sei coisas que desde que fale um tempo de estágio, sobretudo numa vocês não sabem, do de cada vez e não área tão sensí- mesmo modo que corte a palavra ao que está com vel como era a do vocês sabem coisas ela.” ensino do Portuque eu não sei ou já guês, misto entre Assim estabeme esqueci. “ o estudo do funlecidos, entendicionamento da dos e aceites os língua e o conhecimento da princípios, são frequentes as literatura e da cultura portu- vezes em que os rapazes têm guesas, não omitindo algu- a palavra neste Diário pelos mas confidências que bem mais diversos motivos, muitas integrariam uma espécie de vezes acontecendo que a voz

do professor se mistura com a voz dos jovens, num trajecto em que o mais importante deste diário parece ser, como referiu Clara Rocha, a “comunhão do professor com os alunos”, através da palavra. O leitor pode ainda assistir à consistência da cultura que este jovem professor detinha. Pelo Diário perpassam os nomes e as referências às obras de escritores portugueses e estrangeiros, seus contemporâneos uns (e até alguns do seu círculo de amizades) e clássicos outros, a rondar as seis dezenas de indicações, sempre chamados para ilustração de situações de aula ou para aprofundamento da preparação das lições ou da reflexão sobre as mesmas, citações que não constam apenas da indicação dos nomes, mas

que demonstram um conhecimento das obras a que estes autores estão ligados. O estudo do Diário de Sebastião da Gama como repositório pedagógico de novas práticas no domínio da educação escolar foi já encetado por autores vários, considerando a sua modernidade, ideia para que contribuíram práticas como a não utilização da tinta vermelha para correcção, a capacidade de improviso na realização de cada aula, as aulas ao ar livre, a utilização de recursos inovadores para a época (cartazes, festas escolares, biblioteca de turma, dramatização de textos dos alunos, reformulação do estudo e do ensino da gramática, consulta de apontamentos durante os exercícios, interacção professor-aluno,

redacção dos sumários a cargo dos alunos, etc.). Outra linha de pensamento é a existência de uma pedagogia da felicidade no Diário de Sebastião da Gama, onde se fundem o educador e o poeta, ambos trilhando a rota da sensibilidade para que os alunos encontrassem a felicidade. E o Diário de Sebastião da Gama aí está, acentuando os fragmentos do registo da vida do professor e dos alunos na luta contra o silêncio, contra o acanhamento imposto, em favor da liberdade e da criatividade, na conquista do direito aos afectos, do direito à expressão, do direito à palavra, do direito à voz, do direito à poesia da vida. João Reis Ribeiro, Professor


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CULTURA 15 Albert Einstein partilha a O SUL “O Homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade”, entrevista ficcionada a Albert Einstein (1879 – 1955), a partir de texto em Monthy Review, Maio de 1949.

O SUL - Senhor Professor, o que pensa sobre a situação económica que actualmente vivemos? Albert Einstein - Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. S - E o que causou, do seu ponto de vista, a crise? A. E. - A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas.

gresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados”. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que determinado trabalhador recebe é determinado não pelo valor dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exi-

gências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto. S - Nesse sentido, como interpreta as recentes manifestações de tensão e violência que têm eclodido aqui, na Margem Sul? A. E. - É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. S - Julga então que se trata de uma manifestação de um mesmo processo? A. E. - O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente

S - Poderia aclarar a sua leitura? A. E. - Os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos pareciam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo. S - Depreende-se, portanto, uma inevitabilidade? A. E. - É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. O pro-

Foto tirada por Arthur Sasse em 1951 na comemoração do seu72º aniversário

organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegiadas da população.

positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas sim como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou até à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração.

S - Será que a Comunicação Social ser ve de mediadora? A. E. - A S - Como vê concorrêno ensino em cia sem limiA produção é Portugal? tes conduz a feita para o lucro e A. E. - É incuum enorme não para o uso. tida uma atitude desperdício exageradamente do trabalho e a esse enfraquecimento da competitiva no aluno, que consciência social dos indiví- é formado para venerar o duos. Nas condições existen- sucesso de aquisição como tes, os capitalistas privados preparação para a sua futura controlam inevitavelmente, carreira. Todo o nosso sistema directa ou indirectamente, as educativo sofre deste mal. principais fontes de informaS - Como melhorá-la? ção. É assim extremamente A. E. - A educação do indidifícil e mesmo, na maior parte dos casos, comple- víduo, além de promover as tamente impossível, para o suas próprias capacidades cidadão individual, chegar a inatas, tentaria desenvolver conclusões objectivas e utili- nele um sentido de responsazar inteligentemente os seus bilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do direitos políticos. poder e do sucesso na nossa S - O que lhe parece, como actual sociedade. homem da ciência, a co-inS - Será Portugal um país cineração numa cimenteira, localizada num Par- viável? A. E. - O Homem pode que Natural, proposto que vai ser a Património Natural encontrar sentido na vida, e que concorre às Maravilhas curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à Naturais de Portugal? A. E. - Em lado nenhum sociedade. ultrapassámos de facto o que S - Em nome deste jornal Thorsein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvol- quero agradecer ao Senhor vimento humano. Os factos Professor Albert Einstein a económicos observáveis per- ambilidade que connosco tencem a essa fase e mesmo teve e também o privilégio as leis que podemos deduzir de nos ter concedido esta a partir deles não são aplicá- entrevista. Muito obrigado. A. E. - Visto que, nas actuais veis a outras fases. circunstâncias, a discussão S - Está em causa a coe- livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu são social? A. E. - O indivíduo tor- poderoso, considero a funnou-se mais consciente do dação desta revista como um que nunca da sua dependên- serviço público importante. cia relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta José Luís Neto dependência como um bem jose.neto@jornalosul.com


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