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NR 04
Ano: 2010 . nr 04 . Mês: Maio . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço0,01 €
A Pobreza e a Exclusão Social ASTROLÁBIO
que se chegou. Os lucros fabulosos dos grupos económicos e financeiros foram obtidos à custa da desvalorização do trabalho e dos direitos dos trabalhadores, da degradação dos salários e das prestações sociais, do desinvestimento em políticas públicas, das políticas fiscais gravosas para quem Decidiu a União Europeia dedicar o ano de 2010 ao vive ou viveu do seu trabalho, da liberalização de sectores económicos, incluindo serviços, enfim do combate à pobreza e à exclusão social. Com isto, reconhece o fracasso implícito de todas resultado do reforço do neoliberalismo em todas as suas políticas económicas e sociais que remetem as políticas da UE. para a tão “cantada” Estratégia de Lisboa, a mesma A pobreza em Portugal tem vindo a crescer e, hoje, que correndo o ano de 2000 se propunha erradi- 18 em cada 100 pessoas vivem na pobreza. Estes car a pobreza da Europa até 2010. Sim, erradicar a números incluem desempregados, reformados, pensionistas, mas também trabalhadores pobreza! E propunha-se a algo que se tornam pobres a trabalhar (cerca mais vistoso e grandiloquente: de 38%) devido aos baixos salários, à preque teríamos «a economia do Entrevista a cariedade e ao custo de vida cada vez mais conhecimento mais compeAna Drago elevado. titiva e avançada do mundo, O número europeu que serve de referência a caminho do pleno emprego e da inclusão social». Miríficas palavras? Ou um para definir a pobreza equivale a um vencimendiscurso que ocultava decisões sinuosas e oblíquas? to mínimo mensal de 406 euros. Quem tiver um O que nos resta hoje? E onde está a dita coesão rendimento inferior é pobre. Contudo,há grupos económica e social de que os seus mais famosos que são muito mais vulneráveis ao risco de poarautos põem já em dúvida, titubeantes em en- breza e, nesses, contam-se as crianças, os jovens, contrar justificações que, como véus, escondam as os reformados e também as mulheres. Nestas, as verdadeiras causas da profunda crise em que vive desigualdades salariais repercutem-se nas reformas mergulhada a UE, nestes dias do nosso profundo e pensões onde continuam a existir discriminações entre homens e mulheres. descontentamento? Em 2000, a taxa da pobreza europeia era de 15%; Um espesso manto de silêncio cobre a situação dos em 2010, subiu para 17% ameaçando cerca de 85 deficientes em Portugal que serão muitos daqueles milhões de pessoas com todo o sofrimento e de- que vivem situações de pobreza extrema devido sespero a que conduz. Há 19 milhões de crianças aos montantes muito baixos das suas pensões e na situação de pobreza na rica UE! Com os seus 23 às suas necessidades acrescidas e à falta de apoios sociais condignos. milhões de desempregados, com destaque Com as medidas anunciadas para os jovens, cuja taxa de desempreEntrevista a no PEC, a pobreza e a exclugo ultrapassa já os 21%, com o crescente Fernando são social irão agravar-se muito número de trabalhadores precários que Dacosta rapidamente. E vem o governo afecta, sobretudo, os jovens e as mulheres, falar-nos do Ano de Combate à as contínuas ameaças de despedimentos, os salários cada vez mais baixos, a pobreza terá Pobreza e Exclusão Social! Basta de hipocrisia! tendência a subir e a inclusão social será cada vez A pobreza não é uma fatalidade à qual tenhamos de nos resignar e o aumento do desemprego, os mais uma miragem na UE. Não foram os trabalhadores e as populações que salários baixos e as condições de precariedade beneficiaram com a dita Estratégia de Lisboa que são as principais causas de pobreza e que a perpetuam e agravam. A pobreza leva à fome, a fome vai ser retomada na estratégia «Europa 2020». A pobreza e a exclusão social são atentados aos leva à doença e pode levar à morte, a pobreza direitos humanos fundamentais e não se comba- leva ao insucesso escolar e … Estes círculos de tem com acções generosas ou com sobras ou actos causas e consequências têm de ser quebrados e como os que se prevêem para este Ano Europeu de só uma vontade política determinada e corajosa poderá fazê-lo. Combate à Pobreza e Exclusão Social. As causas da pobreza são estruturais e há que A pobreza e a exclusão social serão combatidas identificar as responsabilidades da situação a com políticas económicas e sociais que apostem
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“Quem poderá ser tão bárbaro, a ponto de não perceber que o pé de um Homem é muito mais nobre que o seu calçado...e que a sua pele é mais nobre que a roupa que veste?” MIGUEL ÂNGELO
no desenvolvimento e valorização da produção nacional e do mercado interno, no emprego com direitos e respeitadoras dos direitos dos trabalhadores, com aumentos salariais e das reformas e pensões, na promoção de serviços públicos de qualidade, devendo estes estarem excluídos de quaisquer acordos comerciais, nomeadamente, a saúde, a educação, a cultura e o ambiente. “Na hora que o bicho pega/ Na hora que o bicho corre/ Gente rica fica junto com quem/ Já morreu de fome.” Não podemos deixar à solta o bicho rico que precisa da miséria da grande maioria para mais enriquecer. Anita Vilar
anita.vilar@gmail.com
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02 ACTIVISMOS
A minha greve pessoal vida, é tragédia. Dramatizo? sariamente faço, é mesmo um Talvez. Mas isso agora não dever que se lhes exige. Eu pelo menos exijo. é importante. Posto isto, eu próprio, no O importante é que, regra g e r a l , p r o c u r o l o c o m o - dia estipulado, e em solidaver-me o menos possível e riedade honesta com os grenas melhores condições pos- vista, organizei uma greve só minha. Acordei síveis. Sendo tarde, sem grande que não posnão duvido convicção. Volsuo transporte tei a adormecer. próprio e pes- em nada da legitiVoltei a acordar, soal – como, midade dos trabapor exemplo, lhadores das empre- com menor convicção ainda. Em u m j a c t o – , sas de transportes todo o caso, ergui a coisa torpúblicos à realizao punho, só para na-se, obviação da greve. mais facilmente mente, comrebolar cama plicada. Viajei fora. Almocei. uma vez, por comboio, de Lisboa a Cas- Demoradamente. Ordens do telo Branco (ao Fundão, na médico. A televisão diz-me verdade) em primeira classe. que o país enfrenta uma A viagem foi um mimo. O quase paralisação. (Exagero, silêncio. O espaço. A paisa- exagero.) Ainda bem. Com a gem. O silêncio. Foram três degustação feita, pego em horas que ainda hoje gos- mim e parto, sem preocutaria de estar a viver. Óbvio pações de maior, para o café que, recriar tal façanha numa habitual, munido do jornal do viagem para Lisboa é tarefa dia e de dois ou três livros inglória. Não há silêncio. Não escolhidos aleatoriamente da há espaço. Não há paisagem. biblioteca pessoal. A noite cai e eu dou o É uma hora que eu agradadia como um retumbante velmente dispensaria. Aparentemente, no entanto, sucesso. Efectivamente, e ao sou ave rara na matéria. Quem que parece, a greve teve uma me previne para a greve, grande aderência. Admitamos. A coisa causa que, calculo, vive entusiasticamente as viagens diárias, transtornos? É óbvio que fá-lo com um leve misto de sim. Eu próprio, concedo, já tristeza e exasperação. Pes- os sofri, uma ou outra vez, quando os comsoalmente não promissos foram compreendo. A televisão inadiáveis (pouIntimamente diz-me que o país cos, poucos). A não desejo produtividade do compreender. enfrenta uma quase país ressente-se? Perante a notí- paralisação. É óbvio que não. cia, eu pró- (Exagero, exagero.) Na verdade, nada prio não pen- Ainda bem. há de mais prosei duas vezes. dutivo que um dia Agradeci aos céus, desmarquei compro- de quietude, onde se coloca missos e esperei paciente- em dia aquilo para o qual já mente o dia louvado. A des- ninguém via dias. É claro que, um único dia de greve raraculpa era perfeita. Santo dia. Feliz dia. Pelo mente faz emergir o resultado pretendido. menos para mim. Mediante tal situação, há Na verdade, não duvido em nada da legitimidade dos tra- apenas uma solução. É repetir balhadores das empresas de o protesto, como meio de prestransportes públicos à reali- são, uma e outra vez, até que zação da greve. É um direito alguém ceda. Deus sabe que que lhes assiste, como meio eu assim fiz. Por solidariedade. reivindicativo. Aliás, tendo em Por solidariedade. Para com conta que, provavelmente, os os grevistas, claro. E para com ditos trabalhadores detestam comigo próprio também. tanto as viagens que obrigatoriamente fazem como eu Tiago Apolinário Baltazar detesto as viagens que necesEstudante Universitário
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RUI BARBOSA
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Pessoas amigas avisam-me que está planeada para daí a um dia uma greve geral das empresas de transportes públicos. Autocarros e comboios. Setúbal, aparentemente, inclui-se. A advertência é por isso amável, principalmente
porque sabem que sou um utilizador habitual dos mesmos, sempre que preciso de me deslocar à capital. O que, apesar de tudo, tende a ser habitual. Para minha infelicidade. Não que eu não aprecie Lisboa. Ou, pelo menos, as livrarias de Lis-
boa. Não. O que eu não aprecio é a viagem necessária para chegar a Lisboa. Mas eu disse infelicidade? Disse mal. O termo mais correcto para exprimir aquilo a que me sujeito, por vicissitudes necessárias da
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ACTIVISMOS 03
ANDRÉ DE AGUALVA
«Uma cidade com casa e trabalho para todos»
De Sevilha até El Coronil é menos de uma hora de viagem. São cerca de 50 km que se percorrem entre campos e extensos olivais. El Coronil é uma vila de casas brancas com cerca de 5 mil habitantes que se ocupam maioritariamente na agricultura. Aqui se ergue o Centro Operário Diamantino Garcia construído com o trabalho voluntário de militantes do SOC (Sindicato de Obreros del Campo). O SOC foi o primeiro sindicato a legalizar-se na Andaluzia aglutinando comissões de jornaleros que vinham funcionando desde o tempo da ditadura. O padre Diamantino Garcia, conhecido por o «padre dos pobres», foi um dos seus principais dirigentes. No edifício a sua figura tutelar ombreia com a de Che Guevara. Aqui chegamos à fala com Diego Cañamero actual dirigente do SOC. Ninguém diria que ele foi durante mais de trinta anos protagonista de batalhas tão duras como as que têm desenvolvido os operários do campo filiados no SOC. Ocupações de quintas, greves de fome, corte de estradas.
«Temos um movimento sindical mas muito ligado ao social e ao político. O SOC não é um sindicato tradicional. O nosso sindicato intervém na vida social de um povo. Pode ser um problema ecológico, social, de trabalho, desportivo, cultural, reivindicativo e até municipal. O nosso sindicato tem uma influência no político e no municipal» explica Diego Cañamero. A influência do SOC em autarquias como as de Marinaleda e El Coronil tem chamado a atenção de jornalistas mesmo fora de Espanha. O New York Times publicou uma reportagem sobre Marinaleda intitulada: «Uma cidade em Espanha com casa e trabalho para todos». As cooperativas agrícolas criadas nas terras ocupadas dão emprego a todos. Os municípios cedem terrenos, facultam os materiais e o apoio técnico aos habitantes promovendo a autoconstrução de habitações pelos próprios ou usando trabalhadores municipais na sua construção e vendendo depois a preços muito baratos. «Uma tarefa fundamental, uma rei-
vindicação fundamental é sectores de actividades. O SOC tem na sua matriz o acesso à habitação» diz originária uma forte tradição Diego Canãmero. A intervenção autárquica libertária que se nota não apesó foi possível através da nas na forma de tomada de criação de um partido polí- decisões mas também nos tico, a CUT (Central Unitária métodos de acção directa de Trabalhadores) capaz de que emprega. «São acções concorrer a eleições. «Temos de alto risco. Ocupámos o um partido a CUT. Somos os TGV, o aeroporto, a televisão Canal Sur. Queúnicos. Aqui é remos romper o o sindicato que O SOC não poder mediático. cria o partido, A informação está é ao contrá- é um sindicato controlada». rio. Temos um tradicional. O nosso No Verão de parlamentar sindicato intervém 2009 sindicalistas no Parlamento na vida social de um do SOC percorreda Andaluzia ram toda a Andae vários pre- povo. luzia chamando sidentes de a atenção para o câmara (alcaides)». A CUT organiza-se tal desemprego e a necessidade de como o SOC em uniões locais. repartir a riqueza e o trabalho As decisões são tomadas em como resposta à crise. Conseassembleias. «Os dirigentes guiram fazer desviar a Volta aqui não têm privilégios ser- à Espanha em Bicicleta, ocuparam a principal estação de vem o povo». Com mais de 20000 ade- televisão da Andaluzia e correntes no meio rural o SOC taram o Comboio de Alta Velolançou-se há cerca de três anos cidade na estação de Sevilha. num projecto ambicioso fun- Esta jornada de luta culmidando o SAT (Sindicato Anda- nou com uma Marcha sobre luz dos Trabalhadores). Uma Sevilha em 4 de Outubro de tentativa de criar uma central 2009 onde desfilaram cerca de sindical nacionalista andaluza 15000 pessoas reivindicando capaz de abranger todos os dignidade e emprego.
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«O nosso objectivo é conseguir coisas no concreto e mostrar um horizonte. O problema de fundo não é conseguir mais um subsídio» explica Diego Cañamero a propósito da Marcha pela Dignidade e pelo Emprego «Nesta conjuntura não é possível mudar o sistema. Não há alternativa agora. Mas estamos a reivindicar condições concretas que introduzam contradições no sistema. Mais apoio às cooperativas, ajuda aos pequenos agricultores, repartição das terras, cursos de formação, subsídio agrário mais favorável». Acabamos a conversa com Diego Cañamero e recordamos uma frase de Diamantino Garcia que deu nome ao Centro Obrero de El Coronil onde colhemos a entrevista «Não há causas perdidas, há causas difíceis mas como são tão justas um dia as ganharemos». Mais informação: http://www.sindicatoandaluz.org http://www.soc-andalucia.com André de Agualva aagualva@yahoo.com
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04 ACTIVISMOS
RUI BARBOSA
Um olhar solidário perante a crise económica
Debruçando-me entre o Perante esta crise financeira à escala mundial em teclado do computador e a que nos encontramos, onde vista da minha janela perante todos os dias fecham milhares a imensidão da serra, penso e de empresas lançando milha- pergunto-me quantos jovens res de trabalhadores para o que como eu terminaram os desemprego predomina a des- seus cursos, vêem-se neste momento com as suas vidas valorização de valores. Atirando milhares de pes- adiadas, sem um emprego, soas para a miséria, sem ou com empregos precários, um ordenado, para susten- vivendo ainda dependentes dos tar a casa e os filhos, de que seus progenitores, ou vendo-se vive esta gente? Sem espe- obrigados a trabalharem em rança num amanhã, as famí- coisas diferentes daquelas para lias vêem-se fragilizadas, a qual estudaram, mas, consem meios de subsistência. tudo, sonhando num amanhã Arrancadas ao mundo, lutam diferente para os seus filhos, para conseguir de volta um ou ainda questionando-se se emprego que lhes dê o ali- valerá a pena tê-los. Com este quadro de desemmento para cada dia. Bem sei que a crise fragiliza emocio- prego, vidas adiadas, trabalhos nalmente as pessoas, depri- precários. As perdas são muimindo-as, entristecendo-as, tas e os ganhos muito insuficientes e fremas não nos quentemente podemos deixar Atirando deparamo-nos vencer pela crise com o medo e nem pela tris- milhares de pessoas a incerteza teza, temos que para a miséria, sem de um futuro ter forças, energia um ordenado, para para os nossos positiva para nos sustentar a casa e filhos. Acredierguermos e contamos muitas tinuarmos cami- os filhos, de que vive vezes que o nhando todos os esta gente? futuro é uma dias. Temos que extensão do lutar, ter fé, às vezes uma simples crença presente. E muitas vezes temos em Deus ou em algo de trans- dificuldades em imaginá-lo cendente e sobrenatural aju- bom. Mas não nos podemos da-nos a ter esperança para prender a este medo, temos enfrentarmos o dia-a-dia, que vencer o medo acredique às vezes mais parece um tando que o amanhã nascerá inferno para quem o vive dia- melhor, mais sólido e mais humano, que o presente. riamente sem ter para viver.
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Perante esta crise económico-financeira estamos ainda perante uma grave crise de valores, onde os valores humanos de solidariedade e partilha de uma comunidade deram lugar a um único ideal: o capitalismo das sociedades modernas e do lucro fácil. Aponta-se como uma das possíveis soluções para esta crise económico-financeira e de valores, viver em pequenas comunidades Intentional Community, o que já está a acontecer nos Estados Unidos da América, onde as pessoas desempregadas e sem meios monetários para sobreviver, já começaram a aderir a estes sistemas de vida em comunidade. São as chamadas Eco-villages. Não são formadas por um conjunto de hippies, mas por pessoas que partilham o mesmo modo de estar, empenhadas em sobreviver sem dinheiro, num sistema auto-sustentável de sobrevivência. Comunidades independentes de sistemas políticos ou religiosos, em que cada pessoa é livre de ter a sua próprias crenças ou ideologias. São Comunidades onde as pessoas partilham e convivem em solidariedade com o seu semelhante. São comunidades onde existem casas para todos, trabalho, comida, educação e onde se pratica o sistema de troca em que cada um dá como moeda o que produz, onde o mútuo entendimento é uma
solução cada vez mais viável volver afinidades e sentimenpara os tempos de “crise” que tos de identidade, de pertença correm. Estas crises que esta- a grupos, de integração e de mos vivendo não terão sur- comunidade, através das relagido por falta de humanidade ções com os outros. Já não se fala de outra e espírito de partilha entre as comunidades? Esta crise é uma coisa na comunicação social do que a palacrise também ela vra “crise”, de valores humaSão as chaeste bombarnos e sociais onde dear consas pessoas aliena- madas Eco-villages. tante faz com das no consumo Não são formadas que as pesdesmedido do ter por um conjunto de soas vivam cada vez mais, hippies, mas por pes- a i n d a m a i s esquecem-se do atormentaser e dos valo- soas que partilham das. r e s d a c o m u - o mesmo modo de A crise do nhão, da solida- estar, empenhadas sistema políriedade e da par- em sobreviver sem tico e econótilha. E é pela pardinheiro, num sistemico vigente tilha e pela solidama auto-sustentável dá que penriedade que nassar. É urgente cem comunidades de sobrevivência. um reajustamais fortes e mais mento deste, saudáveis, como refere Rappaport: “na pers- que não pode estar apenas pectiva da psicologia comu- centrado nos valores económinitária, existe uma relação cos. É imprescindível dar tamentre a qualidade de vida dos bém alguma ênfase aos valoindivíduos e da comunidade, res humanos, para que possapelo que as comunidades mos ter melhor qualidade vida. fortes beneficiam os indiví- A Humanidade necessita de duos. Pertencer a um grupo, valores, de afectos e de solidaorganização ou comunidade, riedade para que possa crescer em que a pessoa possa dar e sã. Pode ser esta a fórmula que receber apoio é uma forma de faltava para que as pessoas se aumentar o controlo pessoal, tornem mais solidárias, mais ou seja, aumentar a influên- participativas, mais integracia nas várias esferas da sua doras e mais humanistas na vida.” É em contextos deste comunidade onde vivem. género, formais e informais, que as pessoas podem enconRodrigo Alves trar recursos materiais, desenPsicólogo
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O Primado do Produtivismo Vivemos num tempo sujeito ao primado do produtivismo, herança da Revolução Industrial que moldou o nosso mundo. É certo que a sociedade em que vivemos é hoje dominada pelos serviços, porque a indústria, essa, migrou para paragens mais a Sul. Mas o produtivismo não nos abandonou. Pelo contrário, até se refinou, com intrusiva tecnocracia dos recursos humanos a desagregar as solidariedades no mundo do trabalho; tecnocracia que já não se limita à esfera do trabalho, mas que invade tam-
sua força, neste mundo em bém o espaço do lazer. O lazer, que julgáramos que o trabalho tornado cativo que iria fazer-nos caminhar de estreitas metas quantitarumo a uma maior liberdade, tivas ou financeiras deixou de fazer sentido em resultado de para um número uma acumulaO lazer, que cada vez maior de ção de riqueza julgáramos que homens e mulhematerial nunca res. E perante um vista, está hoje iria fazer-nos trabalho assim em franco recuo. caminhar rumo a desumanizado, Por inteiro sub- uma maior liberbuscamos cada metido à mira- dade, está hoje em vez mais a reagem do cres- franco recuo. lização na miracimento, palagem do consumo vra mágica que ecoa nas nossas mentes, qual (o autor deste modesto artigo promessa de um admirável inclusive). Temos, pois, este nosso mundo novo que nos nega produtivismo. Que aparenteo presente. Dizia Raoul Vaneigem, mente domesticou o homem. pensador situacionista, que E que vive na ilusão de ter o trabalho foi o que homem dominado a natureza. achou de melhor para nada fazer da sua vida. Julgo que Luís Marvão, esta frase conserva intacta a Sociólogo
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Santa Casa da Misericórdia de Setúbal Área de Saúde: CLÍNICA DE MEDICINA FÍSICA E REABILITAÇÃO Área Social: CENTRO DE APOIO A IDOSOS DEPENDENTES LAR ACÁCIO BARRADAS LAR DR. PAULA BORBA APOIO DOMICILIÁRIO Área de Património Histórico: FUNDO DOCUMENTAL (Mais de 1700 documentos do Séc. XVI a XX depositados no Arquivo Distrital de Setúbal para Consulta) Sede: Rua Acácio Barradas n.º2, 2900-197 Setúbal . Tel. 265 520 964
RUI BARBOSA
"Não fazer nada é uma actividade interior; não é preguiça, é reflexão." Albert Cossery
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06 NA VIGIA
Um dia Ganho 2.80 euros à hora. Vinte horas semanais. Em part-time recebo 260 /280 euros. Acho eu, ainda não percebi bem, e acho que eles também não, mas por via das dúvidas devem optar pelo valor mais baixo. Nunca acertam bem nas contas. Se fizer um Full-time ganho aproximadamente 550 euros (Eles dizem que ganharia quase 600, mas nunca se pode acreditar muito no que dizem). O meu horário nunca é fixo, e isso não quer dizer que trabalho por turnos… uns dias trabalho quatro horas, outras cinco, umas vezes tenho duas folgas seguidas, outras apenas uma, umas vezes trabalho cinco dias seguidos, tenho um dia de folga, trabalho mais cinco…. Resumindo: Eu nunca sei qual vai ser o meu horário. Umas vezes pedem-me para ficar mais 15 minutos depois da minha hora de saída… “tamos com falta de pessoal, e há muito trabalho para fazer”. Se fosse uma vez ou outra… ainda por cima têm a lata de se “esquecer” desses favores que lhes fazemos quando entram em ataques de histeria com exacerbações
narcísico-megalómanas. Há ali sempre muita coisa para fazer, e poucas pessoas para o fazer. Resultado. Cada um tem de trabalhar
como se valesse por dois. TODOS OS DIAS. E ficar mais 15 minutos depois da hora porque é sempre precisa ajuda… Mais, dizem que não podemos fazer pausas, qualquer pessoa sabe que temos direito a 10minutos
de pausa a cada duas horas de trabalho, mas eles dizem que não. Infelizmente os meus colegas seguem essa regra, e atiram-se aos arames
quando resolvo fazer um intervalo de 20 minutos após 4 horas de trabalho. Estão a meter-nos o dedo mindinho no cú, coçando o esfíncter com a unha. E nós a vermos. Uma colega minha tem de por
vaselina, não percebi muito bem porquê, acho que não é uma piada. É coisa séria, tipo doença ou alergia. Eu também vou começar a levar vaselina. Para mim e para os outros. Nutro alguma compaixão por algumas das pessoas que lá andam, não sou tão frio como posso parecer. O vestiário. Esse é ridiculamente diminuto, tenho aproximadamente um metro quadrado para trocar de roupa, não tenho onde me sentar, e quando estão lá mais do que 2 pessoas, a circulação torna-se complicada, damos por nós a interromper alguém a mudar de cuecas. A sala de refeições é também diminuta, cabem lá só quatro pessoas a comer, parece um refúgio nuclear, com a excepção da única janela de 30 x 30cm que lá está. Mas pronto, meteram lá uma televisão, isso é importante. Não me interpretem mal. Não é que eu não goste do trabalho que faço, melhor, não gosto nem desgosto, e se tivesse um ordenado digno para um ser humano (que não precisa só de comer, dormir e
trabalhar) nem me queixava de muita coisa. Devemos estar gratos de ter um emprego nos dias de hoje, mas 2,80 euros à hora… oprime qualquer um. Vaselina. Às vezes passo por lá, e fantasio com um desastre natural. Deprime-me e revolta-me ver uma cidade a crescer desta forma descontrolada onde cada vez há mais betão do que natureza, transformando-se em blocos cinzentos mal distribuídos e mal organizados. Revolta-me ainda mais ter de recorrer a esses lugares seja para o que for. Vaselina. Um dia. Um dia, vou entrar num hipermercado do Belmiro. Começo por aquele onde trabalho. Vou às compras com um T-34 Soviético, esmago aquela merda toda muito devagar e contemplativamente. Fumando um bom cigarro, praticando tiro ao alvo aqui e ali. Sempre com a recomendada “Boa disposição”. Não alcanço a perfeição, mas foda-se… Puta de alegria. António Godinho, Repositor de Frescos
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Ciclo de Cinema integrado no Programa do Diálogo Intercultural. Projecção do filme Próxima Estação realizado por Estella Ilárraz, 69’, Espanha.
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CONVERSA COM JOSÉ FALCÃO SOBRE O TEMA O Racismo e os Direitos Políticos .
ENTRADA LIVRE!
Ciclo de Cinema integrado no Programa do Diálogo Intercultural. Projecção do filme Adeus Às Mães realizado por Mohamed Ismail em 2007.
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NA VIGIA 07
RUI BARBOSA
Os novos vampiros da educação
Enquanto se acelera a pau- viver permite disfarçar os perização do país, de milhões pais e mães desempregade pessoas!, através do ema- das, a dependência no limite grecimento das reformas, relativamente aos avós, os dos salários, dos despedi- horários desencontrados mentos, há já com os familiaquem espreite res, que muitas O CDS (...) a possibilivezes não exisexige mais autodade de agratem, a imposvar as feridas ritarismo, multas, sibilidade de a para retirar castigo aos pais que mãe, o pai, podedividendos. não podem, inclusirem ajudar, por É o caso do vamente retirandonão terem tido CDS. direito à escolhes o que apenas dá O que se laridade básica. para a sobrevivência. Por não detepassa dentro das escorem essa cullas dos 10 aos 15 anos é tura que julgávamos ser um reflexo da sociedade. um direito humano e por Pobreza reflectida nos isso nem se aperceberem livros que são caríssimos. da falta que faz. Livros que não se têm. O que se passa o minisPequenos-almoços duvi- tério não quer saber. A rede dosos. Jantares imprevi- pública de infantários está na síveis. Fome. lógica dos privados e os preO que se passa dentro ços competem com o que se das escolas, às vezes nin- paga na universidade. Os 12 guém sabe. Só a luta de ou 13% de meninos e meni-
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nas que, segundo os cálcu- se castiga os professores. A los, precisam de apoio espe- incapacidade de resolver os cializado, desde o infantá- problemas mais prementes rio, continuando por aí fora, e sinalizados tem que ser estão fora dos planos. Foi o atribuída aos responsáveis anterior governo de Sócra- governamentais. Os orgates que retirou os poucos nismos dos vários minisapoios, reduzindo-os aos térios não conseguem, os casos visivelmente mais apoios demoram meses, graves. mas sobretudo anos. O que a escola precisa O que a escola precisa é é de meios. Para promo- de turmas ricas em diverver a resolução sidade. dos problemas Do que uma O que se e não os deixar escola não “apodrecer”. Pre- passa dentro das precisa é de cisa de equipas escolas, às vezes criar dezenas, de apoio, que centenas de ninguém sabe. incluam várias revoltados, os valências: social, que estão nos psicológica, teraúltimos lugapia da fala, mediadores e res da escala social e que dinamizadores comunitá- são afastados do seu grupo rios. Precisa de agilidade e de idade, da sua turma: o reconhecimento. Precisa da escândalo dos chumbacooperação efectiva e em dos que se arrasta à vista tempo útil, em vez do labi- de toda a gente parece não rinto burocrático com que comover o governo.
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O CDS não exige mais meios e modos para ajudar a prevenir os problemas, ou para os resolver. Exige mais autoritarismo, multas, castigo aos pais que não podem, inclusivamente retirando-lhes o que apenas dá para a sobrevivência. Que às vezes têm de ser substituídos por avós ou irmãos mais velhos. Ou que pura e simplesmente estão incontactáveis por mil e uma razão e a escola não tem meios. A luta pela escola pública é um desafio. Uma incessante necessidade para lidar com a violência social que se abate sobre a população adulta. O CDS é um vampiro à espera. Tem que ser desmascarado. Jaime Pinho, Professor
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“Temos um défice educativo, que se ar r Numa altura onde já se começam a sentir as forças telúricas que em breve agitarão, com explosões mediáticas, o arranque do próximo ano lectivo, O SUL aproveitou para questionar Ana Drago, deputada na Assembleia da República, coordenadora do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda da comissão de “Educação e Ciência”, membro do grupo de trabalho “Estatuto da carreira docente e avaliação de desempenho dos docentes”, com vista a descortinar qual o ponto de situação das nossas escolas e que caminhos alternativos propõe para a Educação em Portugal. Ana Drago destacou-se no Parlamento quando disse ao então Primeiro – Ministro, Durão Barroso, que “este governo não cairá, porque não é um edifício. Sairá com benzina, porque é uma nódoa”. Irreverente e lúcida, não esconde ser uma pessoa de convicções profundas, dizendo frontalmente o que pensa de alguns dos actores políticos do actual panorama português. Socióloga, considera que essa formação é a de “uma ciência moderna, do conhecer para transformar. É de largo espectro, que abrange todos os aspectos sociais”. Lamenta ainda a “transfiguração da Sociologia como uma tecnologia do poder, mas há pessoas que a usam dessa forma. Pode ser utilizada antes para obter os instrumentos para transformar a ordem social.” Nesse sentido publicou “Agitar antes de ousar: o movimento estudantil anti-propinas”, pelas edições Afrontamento, análise da primeira manifestação política de uma promissora geração, que se celebrizou sobre o estigmatizante apodo de Vicente Jorge Silva – a “Geração Rasca”. O Sul – Porque razão contesta o sistema de avaliação dos professores? Ana Drago – Acho que à medida que foram sendo analisados os procedimentos do Governo, constatou-se
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que não havia qualquer preocupação de se qualificar a escola. Não se tinha em vista dar uma resposta mais democrática ao sistema de ensino, mas apenas se tinha como intenção concreta criar difi-
culdades à progressão da carreira dos docentes – em suma, simplesmente reduzir a factura salarial do Ministério da Educação. Atenda-se a que a Escola Pública (EP) tem feito pro-
gressos extraordinários em de meios sociais difíceis, em democracia. Alargou-se a rede que os pais não estão habituescolar, permitiu-se o acesso ados a ler livros ou tão sima todas as classes sociais, mas plesmente a ver o telejornal ainda existem muitos pro- e a discutir aquilo que está a blemas, que têm a ver com a acontecer. Esse grupo esconossa história, com aquilo a lar precisa de estratégias de que denomino o fechamento pedagogia e de respostas que das torneiras da EP. Precisa- só a escola, enquanto colectivo, poderá dar. mos de cumprir É distinta de com esse pilar da a Escola uma outra que democracia que Pública (EP) tem não se insira é a igualdade de feito progressos num contexto oportunidades. extraordinários em social difícil. Como é diversa S – Mas para se democracia. a sua inserção, avaliar a qualinão podemos dade da EP não é preciso algum controlo? Que avaliar à peça. Precisamente por estas razões modelo alternativo? AD – Os professores, é ver- o Bloco de Esquerda avandade, dão aulas sozinhos çou com uma proposta de com os seus alunos; mas só avaliação das escolas atenpoderá haver um projecto que dendo ao seu contexto. Elas vise a qualidade, se tiver uma têm de conhecer muito bem lógica de trabalho colectivo a comunidade educativa em entre os docentes. Uma ava- que estão inseridas, perceber liação estritamente individual quais são as respostas necesnão permite dar essas respos- sárias que têm para aquela tas. Por exemplo, imagine- comunidade. Em contextos mos uma turma que provém mais difíceis precisas de pro-
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rasta de geração em geração”, diz Ana Drago fissionais que não são apenas professores, tais como mediadores sócio-culturais, técnicos de serviço social, psicólogos que trabalhem. Depreende-se, portanto, que perspectivo a avaliação da escola enquanto equipa que dá, ou não, respostas eficazes nos locais onde se inserem. Penso também que a avaliação deve ser externa e independente à mesma, pois o que é importante é perceber se os estabelecimentos escolares funcionam, ao invés de colocarmos docentes a avaliarem os outros.
tências, mais competências e mais competências, como se as crianças fossem cavalos de corrida a serem domesticados para entrar no mercado de trabalho, de modo a serem fulminantes a arranjar emprego, converterem-se em funcionários-modelo, repletos de sucesso.
S – Dentro dessa perspectiva, como vê os cursos profissionalizantes na EP? AD – Isso é uma matéria um pouco mais complicada. Os cursos profissionalizantes foram uma resposta que em determinada altura da anteS – Então as questões cen- rior legislatura se criou para tram-se na avaliação dos combater um dos problemas docentes e não no modelo da EP. As Escolas Secundárias privilegiam as áreas acadéda EP? AD – Sim, apesar de pensar micas, mas há um conjunto que há muito para discutir. da população que não tem É um dos debates mais difí- a capacidade de as dominar tão bem. Com ceis a fazer hoje as vias proem dia. A socieNão consefissionalizandade tem um conguimos ter uma tes procurajunto de esperaneducação de quali- remos diminuir ças, nomeadao abandono mente por parte dade se tivermos escolar (pordos pais, face à docentes com 140 tanto, não é de EP. Eles preten- alunos somenos). No dem que os seus entanto, terefilhos sejam preparados para o mercado de mos uma escola dual, onde trabalho, para a sensibiliza- a pertença de classe imediação ambiental, para a educa- tamente determinará o lugar ção sexual, para a prevenção de cada um. rodoviária, para a educação artística, etc. Há um conjunto S – Estes cursos profissioenorme de pressões para que nalizantes não colocarão em a EP responda aos proble- risco a existência das escomas actuais da humanidade. las profissionais existentes A escola não se mudou para em todo o país? Sabemos isso, foi apenas somando as que os cursos profissionaexpectativas. Assim, um aluno lizantes são muito ligeiros do 8.º ano tem 37 horas de face à componente técnica aulas/semana, o que significa dos cursos profissionais das que tem jornadas de traba- escolas especializadas. Tal lho quase como se fosse um não será enganoso? adulto. Os miúdos não têm AD – Não sou favorável à separação de escolas, ou seja, tempo para brincar. uma académica, para filhos S – A EP serve para criar de advogados e outra, para os futuros profissionais para filhos dos operários. Quero o mercado, ou para formar que no mesmo espaço, na EP, estejam diferentes classes cidadãos? AD – Eu acho que tem de ser sociais e por isso concordo criado um campo de indivi- com a oferta profissionaliduação, onde a personalidade zante na EP. Isso é positivo. de cada um tenha espaço para Temos de dignificar a escose criar a si mesma. Tem de lha profissionalizante, caso haver lugar para experimen- contrário quem lá está, ficará tar, para errar, para estarem num gueto. É difícil trabalhar uns com os outros. É um erro sobre estas matérias, é muito somar sempre mais compe- difícil, eu reconheço.
LEONARDO DA SILVA
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S – Atendendo a que Portugal se encontra numa situação muito difícil, compreendendo que a perspectiva explanada aumentaria inevitavelmente as despesas correntes, como explicar mais gastos em educação ao país? AD – Há dois aspectos a ter em consideração. O primeiro é o de abrir as escolas aos pais e comunidades, o que não comporta despesas significativas. O outro prende-se com um défice educativo, que se arrasta de geração em geração. Terá de haver um momento em que teremos de investir avultadamente, para se atingir o nível de, por exemplo, a Suécia, a Noruega ou a Inglaterra, que têm EP há séculos a trabalhar muito bem. Não conseguimos
ter uma educação de qualidade se tivermos docentes com 140 alunos. Mais funcionários na EP significa, sim, um aumento na despesa corrente. S – Como financiar esse aumento das despesas correntes? AD – O Bloco de Esquerda apresentou 15 medidas de total alteração do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC). Desde logo a arrecadação das mais valias, das transacções para “off-shores” e reavaliação das parcerias público-privadas (são 48 000 milhões de € para os próximos 30 anos). Temos igualmente apresentado propostas no que respeita à cobrança de bónus dos ges-
tores das empresas públicas, que permitem a angariação de bastante dinheiro. Em suma, existe um conjunto de medidas que permite receitas para requalificar os serviços públicos ou, as doaremos a privados que vão ficar com esses mesmos serviços públicos. Não há estratégias fáceis, nem ninguém propõe que se gastem rios de dinheiro, mas que se façam as escolhas que tenham em vista a qualificação do nosso capital humano. O modelo dos baixos salários está esgotado. O desemprego que temos resulta disso mesmo. José Luís Neto jose.neto@jornalosul.com
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Medicina Tradicional Chinesa, O Yin e o Yang “A lei do Yin e do Yang é a ordem natural do universo, a fundação de todas as coisas, mãe de todas as mudanças, a raiz da vida e da morte. Para a cura é preciso compreender a raiz da desarmonia que está sempre sujeita à lei do Yin e do Yang.” “Nei Jing”, cap.5 A lei do Yin e do Yang corresponde ao conceito de unidade-dupla, o segundo dos cinco conceitos básicos da filosofia taoista que são classificados pela seguinte ordem: o Ciclo, a Dualidade, a Hierarquia, a Totalidade, a Relatividade. O conceito de unidade dupla, traduz a síntese dos complementos ou a união dos extremos, o mecanismo bipolar que define a dinâmica universal que resulta da contestação permanente de duas entidades complementares e indissociáveis, porque só podem existir coexistindo, é do eqilibrio/desequilíbrio/ equilíbrio… do Yin/Yang que resulta o movimento e a vida. Assim, o movimento é Yang e a imobilidade Yin, o calor é Yang e o frio é Yin, exterior/interior, superficial/profundo, luz/
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escuridão, céu/terra, etc. O taoismo é uma filosofia de inspiração natural que utiliza o modelo biológico como modelo de raciocínio. Baseado na observação minuciosa e repetida dos fenómenos naturais, os antigos elaboraram um conjunto de conceitos e de leis fundamentais que regem o universo e que se aplicam naturalmente aos seres humanos como parte integrante desse mesmo universo. Os conceitos e as leis que a filosofia taoista elaborou ao longo de centenas de anos de observação dos fenómenos constituem hoje os fundamentos da medicina tradicional chinesa e o Yin e o Yang são a chave para a compreensão de uma medicina
que por ser “tradicional” tem caracteristicas próprias que a tornam única ao nível do entendimento da doença, do diagnóstico, do tratamento, dos métodos de tratamento, da farmacopeia, dos instrumentos de trabalho. A medicina tradicional chinesa (MTC) tem tido nos últimos anos um grande incremento em todo o mundo pela sua (aparente) simplicidade e elevada eficácia. Da medicina tradicional chinesa fazem parte terapias como a Tuina (massagem), Qi Gong (exercícios fisicos e respiratórios), os suplementos à base de plantas medicinais e outras substâncias de origem animal e mineral (pílulas, infusões, decocções, unguentos) e a ACUPUNCTURA e MOXIBUSTÃO (tratamentos com agulhas, ventosas, moxa…). A MTC fundamenta-se numa teoria energética. Diz a teoria que nós temos uma energia vital, o QI, e que é essa energia que nos mantém vivos e com saúde. Se o QI for suficiente, equilibrado e circular livremente teremos saúde, se o QI for insuficiente, desequilibrado ou se bloquear surgirão a dor e a doença. O Yin e o Yang
estão contidos no QI que per- do coração e uma lombalgia corre o corpo segundo um sis- pode ter como causa uma defitema de canais ou meridianos ciência do QI , ou do Yin, ou de energia que estão directa- do Yang do rim dependendo da sintomamente relacionados tologia acomcom os órgãos, sobre O taoismo é panhante, da estes canais enconconstituição tram-se os pontos uma filosofia de e da idade do de acupunctura. O inspiração natupaciente, e do corpo e a mente, ral que utiliza o diagnóstico o físico e o mental modelo biológico que resulta estão intimamente como modelo de da observarelacionados, como ção da língua o Yin e o Yang são raciocínio. e da palpação indissociáveis, trado pulso que tar o corpo implica são duas das também equilibrar a mente e acalmar o espírito, tra- formas mais importantes do tar a mente passa obrigatoria- diagnóstico em MTC. A eleição mente por equilibrar o corpo. do tratamento adequado quer O diagnóstico em medicina seja um protocolo de pontos tradicional chinesa consiste de acupunctura, uma infusão essencialmente na interpreta- ou umas cápsulas, uma masção do equilíbrio/desequilíbrio sagem ou uns exercícios de Qi do Yin/Yang. Para fazer um Gong terá sempre como objecbom diagnóstico energético tivo o equilíbrio Yin/Yang e não são necessárias máqui- será obrigatoriamente difenas ou qualquer outro instru- rente conforme o desequilíbrio mento. As doenças em MTC diagnosticado apesar do sinsão classificadas em síndromes toma principal ser o mesmo. energéticos, por exemplo uma Simples, Yin = Yang. E lembre-se “a doença é o depressão pode corresponder a uma estagnação do QI do principio da cura”. fígado, uma enxaqueca pode ser causada por um excesso Gilberto Conde, de Yang do fígado e uma insóAcupuncturor / Naturologista nia por uma deficiência do Yin www.gilbertoconde.com
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RUI BARBOSA
A controvérsia dos vários Atlânticos
A Atlantic History (História ticas são imensas e abruptas do Atlântico) é uma constru- por parte dos Europeus. Isto ção analítica e uma catego- porque, na verdade a Atlanria específica da análise his- tic History, é uma história tórica que incide em toda a não do Atlântico mas sim área envolvente da bacia do do Atlântico Norte, fruto de Atlântico e ilhas adjacentes uma historiografia anglodurante a Época Moderna. saxónica em que África Teve a sua institucionali- não está contemplada nem zação com a revista Atlan- incluída e os Ibéricos, pouco tic Studies (Estudos Atlânti- ou nada. Mais ainda, os seus cos), em 2004, em Harvard e historiadores falam numa é apoiada pela American His- Época Moderna, mas os torical Association. Está inti- seus estudos vão muito para mamente ligada aos nomes além de 1800 e raramente incidem nos de Jack P. Green e Philip D. Morgan As críticas são séculos XV e XVI. As crítiambos da Uniimensas e abrupcas podem ser versidade Jonhs resumidas em Hopkins em Bal- tas por parte dos 5 pontos funtimore, Maryland, Europeus damentais, nos Estados Unimas não se dos da América. É uma “história” que pre- esgotam de forma alguma. Em primeiro lugar, o Atlântende estudar tudo o que se relacione com o Atlântico, tico não é um todo uno e digo com a bacia do Atlân- único, mas sim um complexo tico – pessoas, natureza, espaço geográfico com sociecomércio, cultura, circuitos, dades radicalmente diferenetc – num determinado perí- tes em termos culturais. Exisodo de tempo (1500-1800), tem de facto vários atlântidesignadamente a Época cos: o atlântico do Norte da Moderna. No entanto aqui Europa, o Atlântico Espareside a controvérsia. As crí- nhol e o Atlântico Português;
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o atlântico católico e o pro- apresentam-se no litoral dos testante; o atlântico comer- continentes e ilhas em detricial, o atlântico do tráfico de mento dos territórios do inteescravos, o atlântico revolu- rior, onde se estabeleceram cionário, o atlântico tropical comerciantes e colonos. Por último, em quinto lugar, e o temperado, etc. Em segundo lugar, o Atlân- Jonh Elliot, autor de Impético, no período em que a A. rios do Mundo Atlântico (2006), critica H. incide, é mais o facto de a A. que um ponto de Apesar de im- H. se centrar encontro, não é um nas relações espaço indepen- portantes estudos transnacionais dente nem imó- multidisciplinares em zonas de vel, nem pode ser na área assinados fronteira que isolado do resto por historiadores ligam muitas do mundo, nem nacionais, as persáreas do atlânestudado separapectivas académitico formando damente, muito um todo, em menos se os seus cas continuam, no detrimento da principais acto- geral, estáticas. evolução disres estão fora do tinta dessas campo de estudo: os Ibéricos. É um espaço mul- mesmas áreas e até mesmo tidimencional e multicultural, sem muita preocupação em factores que são por ela negli- especificar como estas ligações afectaram a história, ecogenciados. Em terceiro lugar, mui- nomia e cultura dessas áreas tos concordam no facto de ligadas ao atlântico. É portanto, em resumo, a A. H ser um pretexto para uma “nova” história imperial, uma história incoerente, cujo grande actor é o atlân- isolada do conjunto e pretensiosa porque se assume tico anglo-saxónico. Em quarto lugar, os territó- como uma nova abordagem rios contemplados pela A. H. ao tema, na minha óptica iló-
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gica e incongruente. Em Portugal existem duas grandes linhas para enfrentar esta historiografia do Atlântico; são, por um lado, uma união com Espanha e desta forma entrar no debate, ou por outro lado, criar uma plataforma com o Brasil – onde já existe diálogo. Uma ou outra linha pressupõem, no entanto, para a nossa historiografia, transformações cruciais, designadamente, uma renovação no discurso e temática da nossa História da Expansão. Apesar de importantes estudos multidisciplinares na área assinados por historiadores nacionais, as perspectivas académicas continuam, no geral, estáticas. É preciso internacionalizar as nossas investigações, publicar no estrangeiro, criar novos campos de investigação e criar laços académicos seja com Espanha ou com o Brasil. O que se torna imperativo é que se produza e se abra o debate. Daniela Silva, Historiadora
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João da Ilha e as influências do Mundo
SUL - Como é constituído o Grupo João da Ilha? João da Ilha - O Grupo estreou-se ao vivo em Junho de 2008 tendo como formação base um trio constituído por mim na voz e guitarra, Nuno Carpinteiro no acordeão, o Sandro Maduro na voz e baixo, embora já tenha contado com a participação de outros músicos em etapas distintas da sua actividade. Desde Setembro de 2009, o Grupo João da Ilha passou a contar com o Rui Rosado na bateria e percussão.
HELDER CARDOSO
“O Grupo João da Ilha iniciou a sua actividade em Janeiro de 2008 em Setúbal, sucedendo ao percurso a solo de João da Ilha e reflectindo o facto de cada um dos músicos integrantes desejar dedicar-se à música moderna portuguesa, cruzando o seu carácter singular pessoal com os sons da Tradição Açoriana, a ambiência da cidade à beira Sado e as influências do mundo”. Diz-nos João da Ilha em entrevista a O SUL.
Folclore, às Tradicionais “Cantigas ao Desafio” e às “Cantigas das Velhas”, assim como de compositores Açorianos que se inspiram nas tradições e isso de forma muito espontânea influenciou e ainda influencia a minha composição trazendo uma forte marca para o projecto.
S - Sonoridades influenciadas pela Música Tradicional Portuguesa e nomeadamente pelos sons da Tradição Açoriana. Qual a razão? JI - Cada elemento provém de diferentes origens e transporta diferentes in- S - Como está a correr o vosfluências, fruto da sua ac- so percurso de aceitação por tividade musical anterior à parte do público? formação deste grupo. De JI - A reacção deixa-nos opqualquer modo todos os timistas! O público que nos elementos têm em comum aborda destaca sempre a orio interesse pela Música Tra- ginalidade, a mistura dos sons, dicional Portuguesa, o que o conceito calmo e acústico, serve de primeiro suporte as letras e as composições. A crítica construpara embarcar tiva ajuda-nos a nesta mistura (...) todos os evoluir e a apermusical, que feiçoar alguns v a i t a m b é m elementos têm em pormenores. A beber do Jazz, comum o interesse reacção do púdo Pop e das pela Música Tradiblico é sempre Músicas do cional Portuguesa muito positiva; Mundo. conseguimos perNa minha cebê-la através situação em particular, tenho a influên- do entoar de alguns refrões cia da música de Tradição ou até do acompanhar o ritmo Açoriana comum em todas das letras com a movimentaas festividades que acon- ção do corpo, o que é bastante tecem na Ilha Terceira, do reconfortante para nós.
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S - Acham que há mercado S - Conseguem viver do em Portugal, para este géne- vosso trabalho enquanto ro musical? E na Europa? músicos? Qual delas vos JI - A maioria das profis- dá verdadeiramente mais sões passam por momentos prazer? conturbados na actualidade JI - Não. Eu partilho a múe sobretudo esta profissão sica com a área das Terade músico, instável, pou- pias Alternativas. O Nuno co defendida e respeitada, é contabilista, o Sandro é sem regulamentação, de- licenciado em Marketing e pendendo dos casos, é de está empregado num restaudifícil afirmação tanto em rante; por fim, o Rui já viveu Portugal como no estran- da música noutros períodos da sua vida, geiro. Quero mas no diaacreditar que há a-dia é auximercado para o No nosso liar de educanosso género íntimo desejamos, ção desde há musical, que é muitas vezes, só vários anos. música PortuArrisco dizer guesa. E, com tocar música. que a Músicerteza, poderá ca, como é haver na Europa e até no resto do Mundo, óbvio, dá-nos um prazer porque nos dias que correm, muito especial e temos um com o veículo da Internet, sentimento de realização as redes sociais e o conceito de cada vez que tocamos, de globalidade, é possível seja num ensaio, em casa fazer chegar a nossa música ou num palco. No nosso a todo o lado. Algum do re- íntimo desejamos, muitas portório do Grupo João da vezes, só tocar música. No Ilha mistura sonoridades entanto, todas as restantes que se podem reportar à actividades também fazem World Music, o que pode parte das nossas vidas e efectivamente obter re- dão-nos alguns prazeres e ceptividade noutros países alguns dissabores, aliás tal como ser Músico! além do nosso.
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S - Um dos momentos de maior visibilidade foi a participação, no programa do Quarto Crescente da RTP1, do Júlio Isidro. Quais são as tuas expectativas futuras? JI - A oportunidade de ir à televisão, sobretudo a um programa cultural de qualidade, deu-nos um momento de maior visibilidade mas, o nosso objectivo é mostrar a nossa música e conseguir chegar a todos os públicos, persistir e participar no movimento da Música Portuguesa. As expectativas são positivas, porque somos optimistas. Talvez não faremos música a vida inteira; o que interessa é que, no agora, que a fazemos, estamos com convicção e dedicados. Esperamos sinceramente que se consiga gravar um disco nos próximos tempos, que registe uma etapa do nosso percurso musical, e que isso nos leve a outros locais, a outras etapas, a mais palcos e a mais pessoas, culminando noutros discos e ainda mais locais. Patrícia Trindade Coelho patricia.coelho@jornalosul.com
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O desassossego de Natércia Fraga Para que nos serve o desas- dade esta dos números, mas, sossego? “Se escrevo o que mesmo que não tenha sido sinto é porque assim diminuo intencional, uma organização a febre de sentir.” Quem assim que passa por estes númese justificou foi Bernardo Soa- ros não pode deixar de indires, um dos actores da cria- ciar uma ligação ao tempo (a ção pessoana, num dos excer- quantidade de dias da semana tos do seu Livro do Desassos- – sete partes – ou a das semasego. Esta escrita do desas- nas de um ano – o total de sossego passa por uma justi- poemas), sobretudo porque o ficação para vencer a indife- tempo determina os poemas, rença ou o vazio, para agarrar haja em vista que apenas um a vida e construir a biografia, não é datado (e este servirá porque, como escreveu Fer- para dizer que o eu constrói o nando Gandra, só o confor- seu tempo, na medida em que mista vive “tranquilo, banali- um poema a mais desconstrói zado”, a ocupar uma “biografia a identificação do número de de que não é protagonista, a poemas com a referência das troco da calma certeza da sua semanas), e porque o próprio estabilidade” (O sossego como tempo é motivação de escrita – “Do tempo vivo num tempo problema, 2008). E s t e s c o n s i d e r a n d o s / Que não é o dos relógios / levam-nos a Asas do Desas- Nem aquele que se conta”, sossego, conjunto de poemas ou, por outras palavras, é o de Natércia Fraga (Setúbal: tempo aquele que eu faço, que Centro de Estudos Bocage- construo no meu desassosanos, 2010), por onde pas- sego, marcado por mim ou sam fragmentos de vida e por aquilo que me marcou, de tempo, onde a poesia como é dito no final do texto reflecte a tal “febre de sen- “Do Tempo, poema a Camões”: tir” de que falava Pessoa e “Do meu tempo (…) / Sei apeonde um eu se constrói a nas sabores, odores, tactos, / partir das inconstâncias e Sentimentos, pensamentos, / dos momentos, assumindo Que forram a transitoriedade o seu retrato feito de tem- do / Tempo mortal e finito / E o fazem sentir vago, etéreo, pos e de palavras. Cinquenta e três poe- transcendente…” E lá se justimas surgem agrupados em fica o poema sem data, elemento necessásete partes, que rio para desfarecebem os títuzer a ordem e los “Da Amiconstruo no os números do zade”, “Do Amor”, meu desassossego, tempo… “De Macau”, “Do marcado por mim É esta marcaMar”, “De Outros ou por aquilo que ção individual do Cânticos”, “Da tempo que perSolidão” e “Dos me marcou mite o manuseSonhos e das amento do próMemórias”. Do conjunto de poemas, cin- prio tempo dos poemas e que quenta e dois são datados, eles nem sempre sejam aprepormenor que não pode ser sentados por ordem cronolóminimizado por causa da rela- gica, quase respeitada dentro ção do poeta com o tempo. de cada grupo, mas que em Será apenas uma ques- cada grupo recomeça. Abrangendo um período tão numérica e de curiosi-
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que se desenrola entre Outubro de 1979 e Agosto de 2008, estes poemas vão marcando também um percurso autobiográfico, como podemos ver através de alguns indicadores que se sobrepõem ao percurso da autora: pelas entradas das dedicatórias (a amigos, a familiares); por um pendor memorialístico presente em alguns dos textos (recuos ao tempo da infância, com memórias à mistura, invocando tempos com o pai, a mãe ou com os avós); pelas referências a uma geografia de vida (que passa pelas ilhas, por Macau, pelo Sado e pela “Serra-Mãe”); pela existência de um grupo dedicado à temática da solidão, cenário indispensável para o encontro do eu consigo, no seu espelho, em busca da sua singula-
ridade, como é visível quando justifica esse mesmo tempo de solidão – “É o preço que pago por ser singular / E conversamos demoradamente / Silenciosamente / Sem rancor nem dor / Como personagens que se desdobram…”; finalmente, pelo próprio texto seleccionado para fechar o livro, em jeito de auto-retrato, que é também assinatura e que novamente insiste no papel que o tempo desempenha: “Sou assim uma espécie de vagabunda / Que se encontra onde os outros se perdem / Vagueando por tempos inexistentes / Todavia tão claros e luminosos / Como fogo de artifício / Desenhado em mil formas e mil cores / Valsando nos espaços siderais…” Imagens fortes nesta poesia de Natércia Fraga são ainda
as que resultam de símbolos como a água – fonte geradora no espaço uterino ou força indomável que abraça a ilha ou emergência da paixão (“venho de noivar com o Mar…”); a ilha – na sua inconstância, oscilando entre a presença e a ausência, o longe e o perto, com a imponência descrita por escarpas e pintada por magma, rochas e flores; o entardecer e a noite – momentos que permitem ao eu entrar dentro do tempo, acordando “adormecidos sons e langorosas tristezas / De trazer por casa”; a infância – tempo de imaginações aconchegadas (“adormecia, sonhando com marés, céus, viagens, / fantasias…”); o amor – nas suas vestes de paixão, frequentemente associado à brevidade e à Natureza, deixando registo em poema feito tela. Asas do Desassossego surge, assim, para assinalar o equilíbrio do eu, que rejeita a passividade e o sossego. É com um olhar inconformado que são pintados os “Velhos no Jardim”: “O tempo cai gota a gota / Sobre as suas vidas gastas / Sem que nada os espere / Senão as sombras do jardim / Onde tentam ludibriar a morte / Nos baralhos com que jogam / As cartas / Dos dias.” Em Asas do Desassossego, o eu constrói-se pelas memórias constantes, perdendo-se “nos interstícios do tempo” e valorizando espaços “quase inexistentes / (…) / desenhados nas paisagens interiores”, num fulgor em que se diz a própria vida e em que se passeia pelo tempo, algo que é intrínseco ao próprio poeta. João Reis Ribeiro Professor
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“Temos de pedir perdão ao povo português, pelas Nascido em Angola, cedo veio para Portugal. Estudou em Lamego, na Faculdade de Letras de Coimbra, tendo concluído Filologia Românica em Lisboa. Iniciou a sua carreira como jornalista em 1967, tendo trabalhado em diversos jornais e revistas como o “Comércio do Funchal”, o “Diário de Lisboa”, o “Diário de Notícias”, o “Jornal de Letras”, o “Público” e a “Visão”. Colaborador em diversos programas de rádio, apresentou na RTP, em 1991/92 uma rubrica sobre literatura. Dirigiu os “Cadernos de Reportagem” e foi co-editor da Relógio de Água. Com mais de uma vintena de livros publicados, de vários géneros, ganhou os mais diversos prémios literários e jornalísticos com a sua obra. Em 2008 sai a lume “Os Mal-Amados”, livro que desde então tem tido reedições constantes e sucessivas, um best-seller comparável apenas às suas “Máscaras de Salazar”. Da pena de um autor que tem uma lucidez preclara, temos um livro essencial para o entendimento da História de Portugal dos últimos 50 anos, onde se traça a evolução de todo um povo através do contacto privilegiado, íntimo e muito pessoal com alguns dos seus mais relevantes actores, tais como Marcelo Caetano, Salazar, Mário Soares, Álvaro Cunhal, Amália Rodrigues, Natália Correia, Agostinho da Silva, Snu Abecassis e a Irmã Lúcia. Obra indispensável numa época de desnorte, funciona como templo identitário, âncora fundamental para a compreensão da nossa actualidade colectiva. SUL – Em “Os Mal-Amados” as ambições de vários sectodá início à prosa com Marcelo res do país, sobretudo dentro Caetano, numa descrição in- do Regime. Aconteceu-lhe o timista e solitária do estadista pior que pode aconteceu num que vê para além, mas cujas político – a paralisia. Depois circunstâncias o atropelam. da “primavera marcelista”, em É esta a imagem que guarda que muitos acreditaram, e ele próprio também, a esperando marcelismo? Fernando Dacosta – Há vá- ça dissipou-se. O país entrou rios Marcelos Caetanos. Há em roda livre, os aparelhos um, político ambicioso, cor- repressivos (PIDE, Censura responsável pela construção Prévia, Forças Armadas e do Estado Novo, profundo co- Igreja) passaram a funcionar nhecedor da realidade africa- desconcertadamente. Marcelo na, cultíssimo, intransigente, angustia-se e fecha-se, recureductor, frio e implacável. sando intervir. Deseja abandonar o poder, Outro, homem que tudo acabe inquieto, perIsto é tudo depressa. Daí o turbado, hesipessoal menor, que Movimento dos tante, ressentié para deitar fora no Capitães, merado e sobretudo mente corporaparalisado. A carro-vassoura que tivo, propagar-se situação que o destino fará em irreversivelmente lhe coube ge- breve passar por nós. . Marcelo Caetarir, pós-salano é, no entanto, zarismo, era muito complexa, por toda uma figura-chave no nosso uma ditadura anquilosada. Tal país, porque é com ele que o criou-lhe uma situação de- Império se desfez. veras difícil. Precisava de, ao contrário do que fez, decidir S – Os Retornados, no seu rápido e em força. Como não texto, são vistos como uma conseguiu, perdeu o controle vitória da sociedade portuda situação, fazendo despertar guesa, testemunha da força
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da cultura e da mentalidade 5.º Imperialista secularmente sedimentada. Está correcta esta leitura? FD – 5.º Imperialista não sei se foi. Foi uma vitória da maneira de ser afectuosa, solidária e corajosa dos portugueses. Daí eles, os impropriamente chamados de Retornados, constituírem um fenómeno de integração e revitalização dos país, que se encontrava, na altura, semiamorfo. Eles reconstruíram Portugal com a sua capacidade de acção, de empreendimento e de ousadia. A sua raiva foi o seu motor. África é que perdeu indesculpavelmente com a sua retirada. Se eles continuassem lá, não se teria passado a tragédia das guerras civis que posteriormente a retalharam de forma abjecta. S – Na sua narrativa verificamos que há uma leitura da realidade actual, como uma repetição do “sem saída” do final do Estado Novo. Estaremos no fim da 3.ª República? FD – A admitir que esta é a 3.ª República, estamos. “Errámos
todo o discurso dos nossos tante percentagem de lusoanos”, como dizia Camões. Te- africanos. São populações, no mos de pedir perdão ao povo geral, mal integradas e mal português, pelas ilusões que compreendidas? lhe causámos, pelas promes- FD – Não há portugueses sas que lhe fizemos, pela mi- bacteriologicamente puros. séria e desesperança em que o Somos uma salada de todas as lançámos. A Esquerda perdeu raças, cores, credos e pantoa grande oportunidade. Não minas existentes. Somos, por natureza, uns soube estar à aldesadaptados tura, dignificar o Não é qualadaptados ao povo que, afinal, não passou para quer União Europeia que acontece. Portugal nem ela de um ele- que nos vai deitar é um país, é mento de engorda abaixo. Iremos pasuma ideia um interesseiro. sar esta fase medíopouco mítica, um saco de S – Os nossos cre, chata, corrupta, g o v e r n a n t e s demagógica e aldra- batatas onde cabe tudo. É têm uma visão bana, emergindo e de futuro para continuando a nossa isso, aliás, que lhe dá alguma Portugal? vidinha de sempre. graça. Esses FD – Eles nem grupos não sequer visão têm, quanto mais futuro. Isto é tudo são novidade nenhuma, pois pessoal menor, que é para dei- o fenómeno da sua presença tar fora no carro-vassoura entre nós repetiu-se no início que o destino fará em breve e no fim do Império. No Século XVI, um terço da população passar por nós. de Lisboa era constituída por S – Que viabilidade para Por- pretos, índios, indianos, mulatos, etc. São tão portugueses tugal? FD – Toda, toda a viabilidade como todos nós, tal qual nós para Portugal. Basta reparar somos tão africanos quanto que o nosso é o país mais an- eles, porque as nações não são tigo da Europa, vai fazer 1000 só de pretos, ou de brancos, anos de existência e que vi- ou de amarelos, mas são de ver em dificuldades tem sido pretos, brancos e amarelos. o pão do nosso dia-a-dia. Dar a volta aos poderes, aos S – Nesta cidade vivem porgovernos, às leis, aos costu- tugueses, africanos, timomes, aos interesses, tem sido a renses e brasileiros, muitos nossa especialidade, graças à dos povos lusófonos. É isto manha, à criatividade, à afec- a lusofonia? tuosidade e à sonsice que nos FD – Pode ser. Espero bem que caracteriza. Não é qualquer sim. Lusofonia é uma palavra União Europeia que nos vai que soa bem e sintetiza ainda deitar abaixo. Iremos passar melhor a capacidade que os esta fase medíocre, chata, cor- povos de Língua portuguerupta, demagógica e aldraba- sa têm de se relacionar com na, emergindo e continuando o que lhes é diferente. Se os portugueses tivessem alguma a nossa vidinha de sempre. especialização, e felizmente S – Setúbal é um distrito não têm, a não ser a de vionde vemos morar impor- verem trabalhando o menos
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MAI 2010
NR 04
CULTURA 15 ilusões que lhe causámos”, entrevista a Fernando Dacosta
S – Que impressão tem de Setúbal, visto cá morar há um ano? FD – Deliciosa. Parece que estou em Lamego, onde fiz o Liceu há 50 anos atrás. É extraordinariamente castiça, afectuosa, gordurosa, ociosa, decadente, tudo coisas que eu gosto. Espero que a ASAE não venha cá, pois fechava a cidade. José Luís Neto jose.neto@jornalosul.com
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FOTOGRAFIA CEDIDA POR FERNANDO DACOSTA
essa especialização seria a do convívio. Foi o que fizemos mais de 5 séculos – andámos pelo mundo a acrescentar os outros com a nossa cultura e a acrescentarmo-nos com a cultura dos outros. Isso foi magnífico e tornamo-nos nos campeões da globalização e da convivialidade. Temos sido intermediários excelentesentre dominadores e dominados, isto é, entre os grandes empreendedores e as populações locais, aquilo que Agostinha da Silva chamava capatazia. É essa capacidade que pode abrir-nos a um futuro novo sob o véu daquilo a que chamamos lusofonia. Estilhaçada a União Europeia, que está a ser mais rápido do que se pensava, temos esse grande potencial para nos entregarmos, até porque os povos das regiões por onde andámos desejam a nossa presença, dadas as profundas afinidades que nos unem. O espectro do neocolonialismo está afastado, pois esse papel está bem entregue aos chineses, americanos e quejandos. Em África está tudo por fazer e nós sabemos fazer, porque conhecemos, amamos e acreditamos nesses fabulosos territórios. Aliás, chegou a altura do chamado 3.º mundo afirmarse, enquanto o 1.º se afunda.
RUA PROF. BORGES MARCELO. 2910-001 SETÚBAL TEL. 265 729 920 FAX. 265 729 901
ASSISTENTE DE ARQUEÓLOGO
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O Assistente de Arqueólogo é o profissional qualificado que, em trabalho de campo e de laboratório, está apto, sob orientação do arqueólogo, a executar tarefas no domínio da investigação, registo, análise e conservação de sítios e materiais arqueológicos, sendo capaz de utilizar os equipamentos e aplicar as técnicas necessárias à execução de trabalhos de escavação, prospecção, topografia, cartografia, desenho, fotografia, conservação preventiva de bens arqueológicos.
O Assistente de Conservação e Restauro é o profissional qualificado que, em organizações prestadoras de serviços nessa área ou em organismos responsáveis pela conservação e difusão do património cultural, está apto, sob orientação directa de um técnico superior da área, a aplicar as técnicas relativas à conservação preventiva bem como ao restauro do património cultural móvel ou integrado, de entre as seguintes especialidades: azulejo, cerâmica e vidro; bens arqueológicos e etnográficos; documentos gráficos e fotográficos; escultura; pintura; pedra; pintura mural; metais e madeiras.
CONDIÇÕES DE ACESSO Possuir o 9º ano de escolaridade Não ter concluído o ensino secundário Não ter mais de 25 anos
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DUPLA CERTIFICAÇÃO:
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12º ANO DE ESCOLARIDADE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DE NÍVEL 3
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MAIS INFORMAÇÕES:
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secretaria@eps.pt www.eps.pt
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INSCRIÇÕES ABERTAS
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ISENÇÃO DE PROPINAS DE FREQUÊNCIA
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