05 . 11
NR 16
ano: 2011 . nr 16 . mês: maio . director: António Serzedelo . preço: 0,01 €
O Vergonhoso
1º de Maio O dia em que a democracia é posta na gaveta Foi convocada uma manifestação para o pretérito 1.º de Maio, em Setúbal, por um colectivo intitulado “Terra Livre”. Apesar de não ter sido participada ao Governo Civil, os cartazes estavam espalhados por toda a cidade e noutras, inclusive Lisboa (5000 panfletos e 1000 cartazes, o que dá nas vistas). A manifestação pode e deve ser vista, bem como o mais divulgada possível em http://www.youtube.com/ watch?v=ngMyjZVOG4U. Ao longo do percurso não houve desacatos, houve uma boa interacção entre os manifestantes e os transeuntes. A PSP acompanhou-a desde a sua chegada à cauda da manifestação da CGTP. As palavras de ordem foram “nem Estado, nem patrão, auto-gestão”, ou, “Não negociamos a nossa escravidão, a vida é nossa, não é do patrão”. A convocatória é clara, no sentido em que nos permite ver a sua intenção: “Desde o grupo de pessoas que compõem o recém-formado colectivo anarquista “Terra Livre” de Setúbal queremos convocar uma manifestação de indivíduos, grupos, colectivos, espaços ou sindicatos apartidários, anti-autoritários, anti-políticos ou autónomos para o Domingo 1º de Maio de 2011. Desejamos fazer desta data um marco de mobilização não controlada por nenhuma força partidária, por
nenhuma central sindical, ou qualquer força de repressão e controlo do Estado. Desejamos recuperar o seu carácter de mobilização geral de trabalhadores, desempregados, estudantes e de todos quantos anseiam por uma sociedade nova, livre de violência capitalista, jogos partidários e repressão estatal.” Os manifestantes, cerca de algumas dezenas de jovens, chegados à Fonte Nova, baixam os estandartes e bandeiras e preparam-se para consumir uma sopa comunitária. A PSP cerca-os, tanto a nascente como a poente. Vêm-se agentes a saírem dos carros policiais com shotguns. Logo a seguir vê-se a chegada de uma carrinha da Brigada de Intervenção Rápida e, mal estaciona, dá início um acto de brutalidade que a todos nos envergonha. Jovens a serem brutalmente espancados, como uma menina, que escorrega ao fugir a quem desferem uma bastonada na cabeça, ou um menino baleado por duas vezes no pescoço, outro com cinco tiros num joelho. Ninguém sabe como naquela tarde não morreu ninguém. As imagens ficam na retina, princi-
palmente a de uma jovem, braços abertos, desesperada, só, com os agentes a bramirem os bastões em seu redor, indefesa, vulnerável. Não façamos de conta que concordamos, ou que discordamos, com a ideologia publicitada na manifestação. Isso é irrelevante. A primeira questão importante é tentar perceber se podemos aceitar que os nossos filhos sejam espancados pela polícia por terem ideias próprias e legítimas. A segunda questão relevante é que se agentes procuram controlar uma manifestação em desmobilização com shotguns, há uma intenção inegável e uma premeditação da violência intolerável. A terceira questão é que o comunicado da PSP comprovadamente mente, e as instituições do estado não podem mentir. A última razão é, se aceitarmos o que se passou em silêncio, enterramos a democracia, o direito à opinião e à sua expressão. Por tudo isto, acusamos! josé luís neto