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NR 05
Ano: 2010 . nr 05 . Mês: Junho . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço: 0,01 €
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Navegadores, velejemos rumo ao infinito! Em memória de João Aguiar
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A 3 de Junho de 2010 faleceu João Aguiar. Autor notável sólida, bem como na conversa com os criou alguns dos mais importantes monumentos escritos Logadogue Swing Project, músicos ainda portugueses da 3.ª República. João Casimiro Namorado a despontar, mas de qualidade inebriante. de Aguiar nasceu a 28 de Outubro de 1943, em MoçamConcluímos com uma deriva televisiva a um bique. Frequentou Direito e Filosofia, licenciando-se em documentário sobre as relações Brasil-Portugal, Jornalismo, em Bruxelas. Retornando a Portugal em 1976, húmus da civilização lusófona, elo inquebrantável trabalhou na rádio e em jornais, n’“A Luta”, no “Diário de que ultrapassa a língua comum, no reconhecimento Notícias”, no “Diário Popular” e na “Sábado”, nomeadade um bater cardíaco compassado. Para o melhor, para mente. Na RTP coordenou a escrita da “Rua Sésamo” e “O o pior, somos uma só matéria. Bando dos Quatro”. Inicia nos anos 80 a carreira de roDaqui partimos para as tradições portuguesas e sobre a mancista, com títulos poderosos como “A voz dos Deuses”, sua actual pertinência. Deste ponto de vista temos várias “O homem sem nome”, o “Trono do Altíssimo”, a abordagens, de ricas perspectivas. “Encomendação das Almas”, “Uma deusa na bruma” De uma forma clara, temos a apresenContributos e “O jardim das delícias”, alguns entre cerca de uma tação de uma plataforma que ora nasce, da Memória vintena de títulos. anti-touradas em Setúbal. Há tradições que Operária, Amigo desta cooperativa, veio apresentar à Acadese justificam, outras nem tanto. A violência de para a História morte sobre os animais não pode, nem deve, ser mia Problemática e Obscura a sua visão do problema do Trabalho de Inês de Castro para a cultura portuguesa, a 28 tolerada. De outras tradições, nos fala Natasha de Março de 2008, num ciclo integrado por outras Amaro, como da dificuldade que a sociedade figuras da cultura portuguesa como Armando Nascimento portuguesa tem ainda em ter uma efectiva paridade entre homens Rosa, Fernando Dacosta e Regina Bronze. Em 1997 havia e mulheres. Em altura de dificuldades, ao invés de discriminar, há publicado a sua versão da “Inês de Portugal”, que serviu que ousar ser mais justo e mais solidário. Mantendo-nos nas de guião ao filme de José Carlos de Oliveira, lançado nesse tradições, e na sua quebra, António Galrinho, que profetiza mesmo ano. Este amigo recusou a banalidade na sua vida. uma revolução no atavismo cultural que constata na ciEra irónico, culto e acessível. Demonstrou cabalmente dade de Setúbal. Do tradicional desgoverno do país nos que é conhecendo profundamente o passado colectivo, fala Luís Câmara Pestana, a propósito do projecto que se pode projectar um futuro digno. Ousou ir contra Biomares e Joaquim Judas, acerca do Serviço o fenómeno da desmemoriação colectiva, esse apagar da Nacional de Saúde, numa fase em que Setúbal identidade própria, promovida pelos mass media e pelos assiste estupefacta ao encerramento das urpolíticos mesquinhos que nos governam. A este folio divino, gências pediátricas no Hospital Distrital, o presta a cooperativa sua singela homenagem. S. Bernardo. Face às duras e contraditórias Essa homenagem, como não podia deixar de ser, é acção. múltiplas linhas de tensão do presente, Assim, procuramos harmonizar um conjunto de textos não é estranho sentirmo-nos perdidos, que nos falem do passado, do presente e do futuro, sem desnorteados. Nesse sentido Catarina desvirtuarmos a natureza do jornal. Uma carta de uma Marcelino apresenta-nos um guia de freira do Convento de Jesus introbússola e astrolábio, numa duz o carácter intimista da história, proposta de entendimento Touradas – que Aguiar sempre defendeu. A ele do mundo, que podemos O fantasma juntamos o maravilhoso inerente às sem receio interpretar, que acorda, notícias de navios naufragados. Ambos como à vista de voo de a aberração reportam mais ao imaginário de Alepássaro, permitindo comque regressa xandre Dumas, mas Aguiar, em certa preender um sentido para medida, foi o nosso Dumas contemas tensões quotidianas que porâneo. Acrescentamos, ainda, as memórias pessoais de nos deixam, por vezes, aturdidos, aliuma antiga trabalhadora da CUF, que nos fala de história mentando a esperança em amanhãs e de memória, de um verdadeiro espírito do lugar, ao que risonhos. Eis a nossa proposta para os romanos chamavam Manes. este número. Resta-me desejar-lhe O mundo da cultura pátria está espelhado em várias áreas, uma boa leitura. com o consagrado escultor e ceramista Andreas Stocklein, que durante muitos anos viveu em Setúbal e a ela está José Luís Neto umbilicalmente ligado, a Arlindo Mota, poeta com obra jose.neto@jornalosul.com
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02 NA VIGIA
Crise e Crise
No Serviço Nacional de Saúde É hoje consensual que o SNS rigisse as graves distorções é uma das maiores e mais pere- estruturais que afectavam o nes conquistas da Revolução de SNS. Puro engano. A política Abril, mas, desde a sua criação, do medicamento e de equiele foi objecto de agressões por pamento manteve-se nas parte das forças económicas, suas linhas fundamentais e sociais e políticas mais retró- os propósitos de reforma dos gradas da sociedade portuguesa, cuidados de saúde primários adversárias de um serviço de ficaram no papel. Mas pior que saúde público gratuito, a que to- tudo, o PS não só não mexeu dos os cidadãos tivessem acesso na formação médica como em condições de igualdade e deu início ao processo de desregulação onde fossem presdas relações tados cuidados da A total desrecontratuais mais elevada quagulação das relações dos profissiolidade. nais de saúde O PSD, o CDS e contratuais com com o SNS, o minúsculo PPM os profissionais é o iniciando uma que, sob a desig- núcleo central da nova fase no nação de Aliança sua acção processo de Democrática (AD), promiscuidaconstituíram governo no final de 1979, desde de entre a prestação pública logo manifestaram sua relutân- e privada de cuidados de saúcia na aplicação na Lei, acabada de, que abriu caminho ao dede aprovar, que instituía o SNS. senvolvimento do negócio da Durante a década de 80 e até saúde pelas multinacionais. meados dos anos 90, com goO segundo governo de vernos do PSD sozinho, ou em coligação com o PS, faltaram Guterres já foi marcado pela ao SNS recursos essenciais ao declarada adesão do PS às teseu desenvolvimento. Uma ses neoliberais da designada política do medicamento e do Estratégia de Lisboa com a equipamento tecnológico de sua contorcida tese de dessubserviência em relação às truição das funções sociais do estado (desigmultinacionais foi nadamente na geradora de um saúde) como endividamento (...) o endivicondição de monumental, a damento, o desinsustentabilidívida às farmávestimento na fordade do chacias tornou-se mação médica e nos mado estado asfixiante, os cuisocial eurodados de saúde cuidados de saúde peu. Enquanprimários e hospi- primários permanetalares estiolaram cem como problemas to o Governo de António em instalações estruturais de fundo Guterres se degradadas, nos do SNS desmorona, centros de saúo seu último de das zonas de maiores crescimento demo- ministro da saúde, Correia gráfico avolumaram-se as listas de Campos, anuncia as parde utentes sem médico e nos cerias público-privadas para a hospitais cresciam as listas de construção de hospitais. De volta ao governo com espera para consultas, exames, Durão Barroso e Santana tratamentos e cirurgias. Herdados desse período, a Lopes, o PSD, agora coligado par do endividamento, o de- com o CDS, mantém e desensinvestimento na formação volve a mesma linha. Leva a médica e nos cuidados de gestão privada aos hospitais saúde primários permanecem na forma de Hospitais SA e como problemas estruturais propõe-se levá-la aos cuidados de saúde primários de fundo do SNS. Quando o PS voltou sozi- quando é demitido. Novamente no governo, nho ao governo, na segunda metade da década de 90, sec- agora com Sócrates, o PS detores progressistas da saúde senvolve a maior ofensiva de acalentaram a esperança de sempre contra o SNS. A total uma viragem política que cor- desregulação das relações
contratuais com os profissionais é o núcleo central da sua acção. Entretanto, as características básicas da gestão privada mantêm-se nos hospitais, agora na forma Hospitais EPE, é aplicada aos Cuidados Continuados e é alargada aos Cuidados de Saúde Primários, no modelo Unidades de Saúde Familiar. A “contratualização” não consegue esconder o recuo do Estado enquanto “prestador” e o alargamento do seu papel “financiador”. Com cada vez menos instrumentos para fazer valer o interesse público, o resultado é um crescente endividamento e desperdício da capacidade instalada do serviço público e uma quase completa dependência dos prestadores privados em algumas áreas.
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Com o 25 de Abril e o SNS, Portugal tem uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil e uma prestação notável em matéria de saúde materna; mas – e sobretudo – o acesso aos cuidados de saúde continua a ser considerado pela esmagadora maioria da população um direito inalienável. Na luta por condições de trabalho dignas e pelo direito à saúde, os profissionais de saúde e as populações, tal como estiveram no processo que levou à criação do SNS, continuam a ser a principal trincheira de resistência na sua defesa e os principais agentes das necessárias reformas estruturais de sentido democrático que é necessário levar a cabo, para reforçar o carácter público do SNS e a gratuidade e excelência dos cuidados por ele prestados.
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Reconhecer que o processo de privatização da saúde é a principal causa das debilidades e de endividamento no SNS, é o primeiro e indispensável passo para que a Constituição de Abril se cumpra e o direito à saúde seja um facto.
A filha doente, de Gabriel Matsu, 1658-1659, Gemäldegalerie, Berlim
Joaquim Judas Médico
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NA VIGIA 03
world press cartoon
O mundo mudou
O mundo de facto mudou, vidas, os Talibãs aterrorizauma mudança que nos apa- vam o Afeganistão há muito nhou desprevenidos, que teve tempo, o Sadam era um diconsequências mais ou menos tador sem escrúpulos há déinesperadas, que nos colocou cadas, mas agora o mundo tinha mudado. O coração da perante novos paradigmas. A queda do muro de Ber- América fora atingido e com lim em 1989, abriu o mundo ele, simbolicamente, todo o Ocidente. a uma nova arruO mundo mação. Já não há global trouxe dois blocos que O séc.XX foi medem forças palco de conjunturas novas economias emergenentre si e que se anti-democráticas tes. Com um equilibram nesse crescimento constante medir que nasceram impar – A de forças. Este democraticamenChina, a Índia mundo bipolar foi te, sabendo tirar transformado num partido das crises, do e o Brasil são os casos mais mundo de novas descontentamento e paradigmátiemergências – poda aparente falta de cos. Crescem líticas, económicas ideologia a um bom rite sociais. mo, à custa de O fenómeno mão-de-obra do terrorismo foi crescendo, foi ganhando for- barata. Tudo isto enquanto o ça e eclodiu a 11 de Setembro Ocidente apostava na especude 2001. Já tinham explodido lação imobiliária e financeira bombas em muitos locais, os que cresceu até rebentar na terroristas já tinham ceifado crise que hoje vivemos.
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As sociedades alteraramse significativamente. Passou a haver uma espécie de luta cultural entre as sociedades ocidentais e as sociedades islâmicas. Não é possível, à luz de fundamentalismos exacerbados, gerar tolerância entre sociedades que defendem valores tão diferentes, umas o individualismo e a liberdade e outras o colectivismo e a obediência. Há ainda no Ocidente mudanças sociais de monta que se enquadram num contexto pós-moderno, como a abertura de vários países ao casamento de pessoas do mesmo sexo, a despenalização do consumo de drogas, a permissão do testamento vital abrindo caminho à legalização da eutanásia, regras de paridade nas democracias, entre outras mudanças operadas. Contrapondo o conservadorismo assoberbado em algumas sociedades com a Xaria como lei.
Perante esta nova realidade global, cada vez é mais necessária a ideologia, cada vez é mais necessária a diferença entre esquerda e direita. É preciso ter muito cuidado com afirmações que põem em risco a democracia. A História deve ensinar-nos. O séc.XX foi palco de conjunturas antidemocráticas que nasceram democraticamente, sabendo tirar partido das crises, do descontentamento e da aparente falta de ideologia. A Europa assiste hoje a uma situação muito difícil e que não a é, só do ponto de vista económico e financeiro. A Europa está nitidamente a virar à direita o que significa, conservadorismo e imobilismo associados em muitos casos ao neo-liberalismo. Na Hungria a direita ganhou as eleições com 80% dos votos dos quais 18% foram votos na extrema-direita.
Não é de facto tudo igual, a esquerda simboliza progresso, mudança, modernidade. Talvez a esquerda hoje precise de ser reinventada, precise de novas lideranças, precise de novas ideias e de novos protagonistas. Mas a exigência à esquerda é maior, porque à direita não se espera transformação, espera-se sim a defesa do que não muda. Os valores da igualdade, da solidariedade, da defesa intransigente da coisa pública, independentemente dos protagonistas, das estratégias e do momento que vivemos, são os valores que nos guiam à esquerda, na aposta num mundo melhor com mais direitos, liberdades e garantias para todos em prol da igualdade de oportunidades num mundo mais justo. Catarina Marcelino Deputada do PS
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04 ACTIVISMOS
Entrevista a Natasha Amaro, no Congresso do MDM O Movimento Democrático de Mulheres realizou o seu 8.º Congresso nos dias 15 e 16 de Maio, em Lisboa. O SUL foi, por isso, entrevistar uma das suas dirigentes, Natacha Amaro. social, reforçada por medidas economicistas e cegas perante a situação existente, agravou os problemas e dificuldades que as mulheres vivem no seu dia a dia, acentuando desigualdades, discriminações e injustiças. S - Quem participou no Congresso? NA -Participaram nos trabalhos do 8º Congresso aderentes do MDM, de Norte a Sul do país (incluindo o arquipélago da Madeira!), mas também estiveram presentes delegações internacionais de organizações de mulheres de vários países e convidadas e convidados de muitas entidades e organizações que trabalham com o MDM ou acompanham a sua actividade regularmente.
S - Qual foi a avaliação feita entre o 7º e este Congresso S - Que conclusões fundaem relação aos problemas mentais foram tiradas? que afectam as mulheres? NA -Relativamente à situação das mulheres no mundo Que mudanças houve? NA -Entre 2005 e 2010 a si- do trabalho, o MDM exigiu tuação das mulheres portu- a adopção de medidas para guesas não melhorou. Pelo combater eficazmente a excontrário, as mulheres viram ploração das mulheres no várias dimensões da sua vida trabalho, a fim de que os seus deteriorarem-se, fruto de po- direitos fundamentais sejam líticas e caminhos errados e respeitados, nomeadamente pondo cobro às profundamendiscriminações te penalizadores (...) o combate salariais direcdos sectores mais tas e indirectas, frágeis e despro- ao tráfico de seres protegendo tegidos da nossa humanos e à prostias mulheres sociedade. Actu- tuição, como avilalmente, e apesar tantes ataques à dig- do assédio e da violência, de as mulheres nidade e condição combatendo constituírem a flexibilidade quase metade da das mulheres, bem população activa como à violência do- e desregulamentação dos (47,2% em 2009), méstica, que grassa horários de continuam a re- na nossa sociedade trabalho e gaceber em média rantindo a sua menos 25 a 30% menos que os homens no de- participação em igualdade sempenho de funções seme- de circunstâncias. Mas muilhantes, constituem a maioria tas outras áreas da vida das dos desempregados e dos portuguesas foram tocadas nas beneficiários do Rendimento conclusões do 8º Congresso Social de Inserção. As mulheres do MDM: a defesa da saúde da portuguesas continuam a ser mulher como uma questão de das mulheres europeias que relevância pública e política mais horas trabalham dentro com repercussões de grande e fora de casa, que prestam os alcance social e económico; principais cuidados à família, a reivindicação do reforço da persistindo os trágicos nú- protecção social como forma meros da violência que sobre de combate à pobreza e a sielas recai. A crise económica e tuações socialmente frágeis; o
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NATASHA AMARO
O SUL - Qual foi o tema deste Congresso? NA - O 8º Congresso do MDM teve como lema “Em movimento – sonhar e viver melhor, mulheres pela igualdade”. É um lema que procura conter algumas das questões fundamentais da vida das mulheres, actualmente: a dinâmica de um quotidiano que se compõe de muitas vertentes a desenvolver e acompanhar num ritmo intenso (em movimento); a perspectiva de um futuro positivo, com níveis e qualidade de vida elevados (sonhar e viver melhor); a defesa incontornável do valor da igualdade pela mão das próprias mulheres.
combate ao tráfico de seres hu- intervenções militares, agresmanos e à prostituição, como sões e ocupações estrangeiras, aviltantes ataques à dignidade estreitamente ligada à solidae condição das mulheres, bem riedade com as mulheres que, como à violência doméstica, em todo o planeta, defendem e que grassa na nossa sociedade; lutam por mudanças sociais e uma maior participação políti- que, junto dos seus povos, estão ca e uma cidadania participa- na primeira linha do combate às agressões e tiva por parte das violências. mulheres, como Entre 2005 e compromisso S - Que docuético e como si- 2010 a situação das mentos foram nal positivo na mulheres portugueaprovados? q u a l i d a d e d a sas não melhorou. NA -Os 2 dias democracia e do Pelo contrário, as do Congresso espaço ocupado mulheres viram permitiram pelas mulheres na uma reflexão sociedade; a exi- várias dimensões da sobre os princigência da igual- sua vida deteriorapais problemas dade no campo rem-se que atingem da educação, da as mulheres, escola, do ensino, em Portugal e no mundo, e do desporto, da cultura. No campo internacional, o 8º propiciaram a aprovação de Congresso não pôde deixar de importantes documentos que apontar o mundo profunda- espelham essa reflexão, ao mente desigual em que vive- mesmo tempo que nos ajumos hoje. O MDM persiste na darão no desenvolvimento sua luta pela paz, opondo-se às da actividade do Movimento
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nos próximos 4 anos. Foram aprovadas moções de solidariedade com Cuba, Palestina e Sahara Ocidental bem como duas outras sobre a situação das mulheres portuguesas e pelo direito ao trabalho com direitos das mulheres na Europa. Foi também aprovado o documento base do Congresso intitulado “Em movimento – Sonhar e viver melhor, mulheres pela igualdade”, a Declaração às Mulheres Portuguesas e a Plataforma sobre os Direitos das Mulheres. S - É possível fazer uma síntese da Plataforma aprovada? NA -A Plataforma é um espaço comum, um patamar de entendimento, entre o MDM e outras organizações, das mais variadas áreas de intervenção na sociedade, que partilhem os valores da igualdade e da justiça e que queiram, connosco, construir um património de acção e intervenção em torno das questões da emancipação, da visibilidade, dos direitos das mulheres. É uma oportunidade para convergir esforços no sentido da construção de um futuro mais igualitário, sem discriminações, com a partilha e o trabalho de todas e todos. S - Que aspectos mais gostaria de ressaltar deste Congresso? NA -A participação das congressistas, mas também das convidadas e convidados, de forma activa, empenhada, entusiasta, criativa e construtiva; a reflexão sobre as pequenas e grandes causas que afectam as mulheres, em Portugal e no estrangeiro; a profundidade e qualidade das propostas e exigências apresentadas pelo MDM, como verdadeiro movimento de mulheres, reivindicativo e actuante; a componente internacional que ilustrou a capacidade de intervenção do MDM nesse campo tão difícil e constituiu um contributo activo para um expressar de viva voz de problemas e realidades de mulheres que conhecemos mal e que, habitualmente, são arredados dos meios de comunicação social dominantes. Anita Vilar anita.vilar@gmail.com
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ACTIVISMOS 05 Touradas,
o fantasma que acorda, a aberração que regressa (especismo), em prol barbárie suficientemente de um tratamento mais deplorável e ainda se ético para com estes lembram de, em cone de uma cidade mais junto com a tauromáfia, justa e exemplar. Não se organizar uma tourada pretende"humanizar o para "celebrar" as festas animal, nem animalizar de Sant'iago. Em pereo humano", mas sim grinação segue-se para propor uma relação har- uma praça desmontável, moniosa e coerente com para a festa, a festa da morte. as demais espécies. Como seres humanos individuais e como Lutar e agir, caminhar sociedade, temos, ao em sentido contrário ao longo dos últimos anos, da inércia do nada fazer. evoluído no Fazer, agora mais que diz resque nunca, conpeito à nossa tra o fantasma Numa altura consciencia- em que a maioria adormecido há lização face à dois anos e que da população porproblemática agora teima em animal. Numa tuguesa, de acordo acordar para altura em que com sondagens nos assombrar a maioria da insuspeitas e incom estas depopulação vestidas de cienmonstrações portuguesa, tificidade, declara "culturais" de de acordo com sangue e violênquerer as touradas sondagens cia. É isto que insuspeitas e proibidas por lei, queremos? É investidas de eis que se ruma isto que permicientificidade, contra uma maré timos? Defendedeclara querer chamada evolução se a crueldade as touradas como tradição proibidas por e ensina-se aos lei, eis que se mais novos. Que ruma contra uma maré se ensine então tamchamada evolução - a bém, que condenação Câmara Municipal de em praça pública era Setúbal deu parecer tradição, e quando os favorável ao projecto pequenos perguntarem de reabilitação da Praça "porque é que a tradição de Touros Carlos Relvas, acabou" puxe-se pela tendo todas as forças cabeça e rabisque-se políticas com assento uma qualquer invenção camarário votado a favor. para se tentar manter Pretende-se, com este a coerência que não propósito, que a Praça existe. seja felizmente reaberta como espaço cultural, A irrascível crueldade mas lamentavelmente, humana. Até quando? que nela se continuem a assistir a corridas de Rita Vairinhos touros. Não fosse já esta ÉS'animal
DANIEL OCHOA DE OLZA
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Lutar e agir, caminhar em sentido contrário ao da inércia do nada fazer. Fazer. Foi neste sentido que nasceu a ÉS'animal - Plataforma de Acção
Pela Ética Animal Em Setúbal - constituída por um grupo de cidadãos que pretende dar voz a quem não a tem, e sensibilizar para
as consequências da atitude generalizada na sociedade, e em concreto em Setúbal, de preconceito para os indivíduos animais não-humanos
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Domingo a 5.ª das 19h às 2h 6.ª e Sábado das 20h às 4h
Travessa da Anunciada, n.º 20
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06 PERIFERIAS
Combatentes da Sonolência Ao mostrar ou falar de Setú- o que sucedia nos anos oitenbal a pessoas que são de fora ta e noventa. Mas, mal encerra da cidade, que mal a conhe- o grosso do comércio e se faz cem ou nunca a visitaram, al- noite, Setúbal fica mesmo como gumas vezes me perguntaram uma aldeia. A sonolência que se sente “Setúbal é um dormitório de Lisboa?” A primeira vez que durante o dia conduz a cidaouvi tal pergunta estava eu de a um sono pesado, que se e a pessoa que me acompa- repete noite após noite, ano nhava no Forte de S. Filipe a após ano. Ora, é à noite que olhar para Setúbal, o Sado e a se espera aconteçam muitos Tróia. Não conheço nenhuma dos eventos culturais, sejam vista para uma cidade portu- ligados ao cinema, ao teatro, à guesa que tenha a beleza e o música, etc. E é à noite, sobreencanto daquela. Por isso, an- tudo em pequenos círculos, tes de responder, ainda pensei como bares, colectividades “Que raio de sítio para ouvir e outros espaços de cultura, e responder a uma pergunta que desde há uns anos a esta parte fervilha uma dinâmica destas!” Lembro-me, apesar do que promete reverter o panoinesperado da pergunta e rama cultural da cidade. Até há pouco anos, mal se da reflexão de perplexidade que de imediato me ocorreu, abria uma porta, muitos dos artistas e criatiter respondido vos de diferentes sem hesitar Estes jovens áreas davam o “Não. Setúbal é salto para a tão um dormitório fazem pela vida, apetecida Lisboa, dela própria.” combatendo ou para o estranNunca me ti- a sonolência geiro. No entanto, nha ocorrido com parcas armas no centro desta tal frase, pelo recente dinâmique também a mim mesmo ela surpreendeu. ca está uma geração, na casa Por se adequar perfeitamente dos vinte e dos trinta e pouà realidade dos nossos dias, cos anos que, mesmo tendo duas décadas depois continuo feito a sua formação noutras a usá-la quando descrevo ou bandas, se recusa a abandonar Setúbal. São jovens que fazem mostro Setúbal a alguém. Setúbal sofre, como nenhu- finca-pé para ficar, dando um ma outra capital de distrito, contributo sério para acabar para o bem e para o mal, com com a pasmaceira cultural da a proximidade de Lisboa. Em sua cidade. Curioso é também o facto horas sem trânsito que atrapalhe, chega-se de centro a de, de um modo geral, não se centro em trinta minutos. isolarem. Mesmo trabalhando Pode-se argumentar que em em diferentes áreas, interagem Setúbal pouca coisa aconte- uns com outros e juntam-se ce por Lisboa estar tão perto. em grupos ou associações Mas tal não sucede noutras que, por sua vez, também cidades bem mais próximas interagem entre si. E, além da capital, como em Almada disso, é frequente trabalhae no Seixal, que há décadas rem com elementos de outras nos habituaram a uma rele- gerações, que chamam para vante dinâmica cultural de as suas actividades. Muitas vezes gratuitamente, qualidade. “Setúbal é uma aldeia gran- outras apenas pelo valor de de” é uma frase dita e ouvida uma bebida ou pelo preço simbólico de 1 ou frequentemente 2 euros, se pode entre os setuSetúbal desfrutar de um balenses. Uma concerto, de uma aldeia é, por é um dormitório exposição, de uma norma, um local dela própria curta-metragem, onde pouco ou de uma peça de nada acontece que mereça registo. Durante o teatro ou de uma palestra que, dia, Setúbal tem ainda algum por norma, surpreendem pela movimento a nível comercial, qualidade. Estes jovens fazem pela mas que nada se compara com
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RUTE VIEIRA
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vida, combatendo a sonolência com parcas armas. Mas a sua determinação poderá ser o motor duma actividade
cultural de relevo nos próximos anos, e que certamente contribuirá para dinamizar também a economia da cidade.
Contamos com eles!” António Galrinho Professor
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PERIFERIAS 07
Uma outra perspectiva do BIOMARES (Arrábida) carece de sentido, fundamento e rigor científico, no máximo poderão causar pequenos danos, nunca em larga escala como se tenta fazer crer. Fica a ideia que este projecto está “assente em pés de barro”e que os técnicos partiram de um pressuposto errado, ou seja, que iriam intervir num local isento de factores externos como a poluição, efeitos das dragagens, desassoreamentos etc., como se a área em causa tivesse fronteiras físicas, que na realidade não tem…
O Biomares é um projecto Life (projectos financiados para recuperação de habitats e que financiam até 50 % das despesas; neste caso os restantes 50 % foram financiados pela Secil), que pretende replantar os fundos marinhos com seba, uma planta marinha, numa pequena zona do Portinho da Arrábida, Creiro e Galapinhos. A seba desapareceu quase totalmente de todo o estuário do Sado, onde actualmente, não existe quantidade suficiente para recuperar a zona, pelo que a planta tem sido trazida maioritariamente da Ria Formosa. Sobre este projecto muito Portinho da Senhora da Arrábida, desembarque. Editor F.A. Mendes em 1905 se tem publicitado e bradado zona em causa e que justificam anos atrás, memória de falta a Lisnave veio para Setúbal, sabe Deus a quem, nomeadao desaparecimento da seba de seba, a julgar entre outras que as dragas que se vêem mente sobre o nº de espécies são: a pesca intensiva com coisas pela quantidade de com mais regularidade acsó agora identit r a i n e i r a s e hippocampus spp. (cavalos- tualmente a menos de uma ficadas mas há grandes redes, marinhos) existentes. Até aos milha marítima do Portinho muito conhecidas 220 novas o arrasto com finais dos anos 80 ainda eram, da Arrábida e que são caupelos pescadores espécies?Serão mes- ganchorra e a infelizmente, vendidos secos sadoras de problemas soda região. Manda mo desconhecidas fundeação de- em quantidade no Portinho da bejamente conhecidos, que a sensatez e os sordenada das Arrábida, como recordações há elevadíssimo desassoreados portugueses? Esbons princípios mento das praias e alteração embarcações. da zona. que só se fale e taremos na presença dos fundos marinhos (proSerão estes os enalteçam de- de um novo Charles Vamos acreditar que os téc- blema este que poderá deitar principais e terminados as- Darwin… grandes pro- nicos do Biomares tiveram por terra um projecto deste suntos quando em conta, analisaram e pon- tipo), etc. blemas? estes chegam ao Estarão mesmo sanados os O desaparecimento de seba deraram criteriosamente toseu término com verdadeiproblemas para é normalmente um sintoma dos os seguinro e efectivo sucesso (oxalá poder avançar de um enorme problema, es- tes problemas: tenha), até lá, tudo o mais é Fica a ideia com um protando muitas vezes associa- que Setúbal tem mero “Show off”. do a problemas de poluição, esgotos a céu que este projecto está jecto desta natureza? dragagens, predação, etc. há aberto, descar- assente em pés de Haverá razão para tanA ideia base artigos científicos referentes gas efectuadas barro e que os técnita badalação e enfatização? do projecto, paredes-meias a este assunto. cos partiram de um 220 novas espécies? Serão replantação de Muito se tem dito e difama- c o m o c l u b e mesmo desconhecidas dos pressuposto errado plantas, é clarado sobre as amarrações das Naval de Seportugueses? Estaremos na mente uma ideia embarcações, quando desde o túbal, que há presença de um novo Charles início do século passado sem- metais pesados no Sado, que de louvar. Agora que não se Darwin… pre houve imensas embarca- há uma Sécil a laborar acti- tente passar a mensagem que Os técnicos do Biomares ções no Portinho da Arrábida vamente, que há um enorme um dos maus da fita são as têm alegado constantemene nunca houve, até há alguns tráfego marítimo desde que embarcações de recreio, pois te, que as grandes ameaças à
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A seba veio quase totalmente da Ria Formosa onde ia ser construída uma infraestrutura (porto de abrigo da Culatra) e tal implicaria a destruição de parte da seba local que acabou por ser transferida para a Arrábida. Queremos acreditar que por detrás deste dispendioso projecto esteve um elaborado e exaustivo estudo que tenha comprovado cientificamente a sua viabilidade. Aguardemos pelo seu desfecho e que venham de lá esses largos hectares de novas pradarias marinhas, até há data, no decorrer do 4º e aparentemente último ano do projecto, há muita dificuldade em observar o que quer que seja. É preciso ter confiança nos técnicos, mas exige-se que esta equipa identifique e comprove cientificamente as causas para as poderem minimizar e resolver efectivamente este problema. Caso contrário, todo este trabalho e gasto de dinheiros públicos correm sério risco de ser em vão. Luís Câmara Pestana
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08 PERIFERIAS
Carta a António, de uma esposa de Cristo O Convento de Jesus é o monumento por excelência de Setúbal. Belo e imponente, trata-se de um antigo convento de freiras clarissas, que tinham reputação de austeridade invejável. Afirmava o historiador Almeida Carvalho que, em média, a sua esperança de vida em clausura era de apenas dois anos, devido à dureza da vida religiosa. Os conventos femininos serviam propósitos claramente definidos – o do desaparecimento da pessoa feminina, porquanto não era considerada útil à família, ou conveniente em determinadas circunstâncias dos jogos sociais. No entanto, os conventos femininos, enquanto instituições em si próprias, t i n h a m o b j e c t i vo s q u e prosseguiam. Apagavam-se mulheres; nasciam esposas de Cristo. Porém, mesmo atendendo à enorme reputação desta casa religiosa, como em tudo, não há perfeições. Um conjunto de cartas foi encontrado, nos anos 80 do século XX, por detrás do armário dos relicários do Coro-alto do convento de Jesus; apresentamos agora uma dessas cartas, testemunha de um outro lado das clarissas até agora desconhecido. A missiva é enquadrável no final do século XVIII, sem estar assinada, mas escrita por uma freira natural do Norte do país. A beleza, a ingenuidade e a humanidade desta missiva, que actualizámos a grafia, deve fazer-nos recordar o quanto ignoramos por não proteger, por não cuidar e por não conhecer o nosso património:
Ecce Homo de Juan de Valdes Leal (1622 - 1690)
de serem banidos com algumas preocupações, não secam mas sim enverdece. Tua partida esquecida para mim nunca será lastimosa “Ao meu caro António, ausência. Causas os dias de uma Primavera. a triste lemNunca espairebrança com a Deus encem as dores da que se depõe o escuridão, que animoso gosto trego o meu pensar ancorou na de um atiçado até a rápida morte fecundidade amor que jura me tragar “ do meu infeliz constância, te [ser]. Curam facilitou ainda com os pareceres de uma ainda amiúdo se me está determinada resolução, representando a pronta
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execução dos deveres da conversação que teu amor fiel amizade, que mais se me felicitava nos instantes da minha dedivisava o clarão socupada lida. do amanhecido Um conjunto Eu mesmo te dia, seguia vão os teus passos de cartas foi encon- i a p r o c u r a r, atado o risco a f i m d e s e r e s trado, nos anos 80 dos inconbevisto deste que do século XX, por nientes, que sente a langues- detrás do armário poderia ter a cia das minhas dos relicários do minha consvistas não altante amizacançarem o re- Coro-alto do conde, mas só tu gozijo em que se vento de Jesus mo merecias. costumava rever meu amor. Neste mesmo Os dias passo bacilantes, instante me ocorre a bela a cada instante afrouxa-
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vam minhas forças, turbão minhas bistas o tristonho apar tamento para mim. Sentindo estou amargas queixas, devo formar de uma partida que um instante me não deixa sossegar a desse desafogo, aonde existes em teu alcanço vau; mas adeus, e levai meu pensamento a compreender a justa razão que domina agora com abundância. Devo crescer em meu coração amontoados prazeres de verem os meus olhos fugir de minhas bistas \\ o meu doce bem, ele se encaminha por ásperos montes, Deus queira o dever da lembrança do amor que me rendia, pois sujeito estava a estranha admiração. Eu sim, me lembro da fiel companhia que seguindo vai seus passos, a esta conclusão. A mim, a frouxidão que existe em meu pobre coração. Vinde a fecundos bosques tomar posse da minha solidão, pois outro não merece meu coração. Tu roubaste o recreio que desfrutava o país da circunferência de meus olhos, o alto cume de um áspero monte sobe a meu desejo na mente de ser bisto do meu bem, que procuro por mais diligências que meu cuidadoso desvelo faça. Apurando minhas bistas para uma e outra parte não devizo mais que apenas as carcomidas ribanceiras e entre os seus bales desocupados, tristezas desmorosas e de lá avisto espaçosas lonjuras. Ali penso sobre aspereza das mortificações de que me vejo cercada, uma parte de tristeza obriga que meus olhos prontos estejam ao desafio de insultarem as cuidadosas fontes, competência não tem um leve instante que se demore e meu pensamento sobre a tua falta fica meu coração prezo; e sem sutura puder[a] ter; a Deus entrego o meu pensar até a rápida morte me tragar \\.” José Luís Neto jose.neto@jornalosul.com
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PERIFERIAS 09 O naufrágio do Schoonhoven
A captura de Damiate, de Cornelis Claesz vam Wieringen, 1625, do Frans Halsmuseum, em Haarlem
A 20 de Dezembro de 1625 cais no sentido de arrecadar os parte da ilha de Texel, na salvados arrojados à costa. Com efeito, sabemos que a Holanda, sob o comando de Kornelis Hartman, o navio 25 e a 26 de Janeiro de 1626, “Schoonhoven”. Construído Agostinho Dias - que assistia em 1619 e pertencente à câma- em Melides à fábrica das mara de Amesterdão da Verenig- deiras de pinho para as naus da de Oost-Indische Compagnie Índia - escreve duas cartas ao (VOC), este jacht de 400 to- Vedor da Fazenda, Luís da Silva. Nelas, dava-lhe neladas faz a sua conta de como terceira viagem Os sobrenaquela paraem direcção à Ásia, gem dera à cosnum percurso que viventes foram ta, por temporal, se vê tragicamente conduzidos a uma nau holaninterrompido pelo Lisboa, aprisiodesa e como, da seu naufrágio na nados no tronco gente que levacosta de Portugal, dos Castelhanos va, “morrera a a 23 de Janeiro de como inimigos da maior quan1626. tidade”. Mais Documentação Grande Ibéria e o informava que inédita, pertencen- navio perdeu-se, na dita nau se te quer ao Arquivo por entre as areias “levavam onze Histórico Ultramade Melides e o âncoras e que rino, quer aos aresquecimento da eram muito quivos holandeses, boas para naus permite-nos não só história suas que lá esidentificar a zona a sul de Melides como o local tavam e para tiros e dezasseis da ocorrência deste naufrágio peças, duas de corso e as mais como também nos dá a saber as de defesa e trinta mil patacas diligências desenvolvidas pelas em três caixões”. Relatava ainda Agostinho mais variadas instituições lo-
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Dias que na manhã do dia 26 estava “o mar muito forte e levou tudo o que estava na praia, que nada aparece, só pedaços de tábua por toda a praia, que fui a mais de quatro léguas; cuido que nada se tirará pelo mar ser muito forte e levar tudo para dentro, pelo vento ser sul e correr ao longo da praia”. A 27 de janeiro, chega a Lisboa nova carta a confirmar o naufrágio. Nela, Manuel Canto Serra, Juiz de Fora de Setúbal, escrevia que “na costa de Melides, termo de Santiago de Cacém, deu à costa uma nau que dizem ser da Holanda e segundo parece pelo que tem saído em terra devia ir carregada de mantimentos por se achar muita carne na costa desta vila e na de Tróia e Melides; me dizem haver saído pipas de vinho e outras coisas de que não tenho bastante notícia por ser o tempo ser muito tempestuoso e não haver lugar para passarem barcos à parte de além; sobre esta matéria tenho feitas as diligências que me parecem
necessárias e logo me parto lha, 1 cabilha com 1 argola, 2 a Tróia por em arrecadação o cadeiras, 5 pregos, 1 chapa de ferro, 1 argola, 1 saca, 6 rolos que houver” Também de Santiago do Ca- de chumbo, cordas, 6 arcos de cém se escreve para Lisboa. ferro, pedaços de velas, e mais Os juizes daquela vila faziam algumas miudezas”. Rapidamente de Lisboa se saber a Sua Magestade “em ordenou ao Ouvicomo a 23 deste dor de Campo de mês de Janei(...) um Ourique para que, ro deu à costa percurso que se como provedor, na praia desta entrasse naquevila um navio vê tragicamente le lugar, por este de holandeses interrompido pelo ser do donatário, piratas, o qual seu naufrágio na e que de tudo ficom a força dos costa de Portugal, zesse inventário. mares, e tormena 23 de Janeiro de Mandou-se igualta se fez logo em 1626 mente a Melides pedaços” ficando Francisco Rebelo, em seu poder “o inventário dos bens que para “por em cobro toda a arse acharam pelas praias do tilharia, enxárcia e mais coisas” mar da vila de Melides” en- arrojadas à costa. Os sobreviventes foram contre os quais se contavam “3 quartos de manteiga, 1 barril duzidos a Lisboa, aprisionados pequeno com 3 almudes de no tronco dos Castelhanos como manteiga, 1 barril de azeite, 1 inimigos da Grande Ibéria e o barrilinho de azeite, 1 manta navio perdeu-se, por entre as verde, 1 manta branca, 4 chu- areias de Melides e o esquecimaços vários, mais 4 barris de mento da história. Até hoje. manteiga, 2 barris de alcatrão, mais 13 pipas de vinho, mais Alexandre Monteiro 1 quarto, mais 1 galope, 1 seArqueólogo
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10 PERIFERIAS
“Contributos da Memória Operária, No Centenário da República hoje no século XXI, todos temos a obrigação de trazer ao debate, a memória da vida vivida no mundo do trabalho no século XX. Este artigo não é um memorial ao passado, mas pretendo com ele honrar a memória e aqui deixar o meu vivo testemunho, como contributo para a história do futuro, por isso recuei no tempo, pesquisei, investiguei e recordei, as minhas próprias memórias e vivências, pessoais e familiares, assumindo por inteiro com muita honra, o papel de intervenção que tive nessa grande Empresa que foi a CUF, antes e depois do 25 de Abril, à qual só deixei de pertencer em Setembro de 1994. Porque de memória se faz a história, é preciso honrar, preservar e não esquecer para memória futura, feita hoje neste País de Abril, para que no século XXI, não sejam consagrados apenas os construtores de impérios, mas também que centenas de milhares de trabalhadores/trabalhadoras, ao longo de um século, muitas vezes em condições desumanas de trabalho, (com jornadas que chegaram a ter 14h00 diárias),
foram obreiros desse império, constituindo um exército de mão-de-obra altamente qualificada e mal paga. A CUF não é uma construção individual de um só homem, ela é bem o exemplo de uma construção colectiva, regada com muito suor, lágrimas e sangue de muitos homens e mulheres ao longo dos tempos. É preciso que os herdeiros deste património do trabalho prestem uma homenagem aos milhares de trabalhadores, homens e mulheres, que morreram por acidentes de trabalho e por doenças profissionais, bem como, os muitos milhares que ficaram inválidos para o resto da vida. Em nome da memória do trabalho, proponho: aos responsáveis do espólio da CUF/ Quimigal, que divulguem esses números, que permitam o acesso para estudo, a todo o acervo documental sobre esta matéria, porque a história da CUF, não pode e não deve esquecer aqueles, a quem ela um dia roubou a vida e a saúde, (a
silicose provocada pela pirite tado deficitárias e uma taxa de e pela juta foi responsável por inflação como Portugal nunca conhecera. Para contrabalanmuitas mortes). É inegável que a história do çar estes aspectos negativos, Barreiro se confunde e se cruza havia um clima francamente com a história da industrializa- optimista entre comerciantes, ção e com a história da CUF; um financeiros e industriais que século é muito tempo, o mundo esperavam o enriquecimenmudou e é hoje muito diferen- to fácil com o fim da guerra te; o tempo é sempre um dos e a assistência inglesa ainda melhores conselheiros, porque se mantinha.Os partidos renos permite pela distância diri- publicanos eram também os primeiros interesmir conflitos e sados num rápido aproximar inPorque de surto de desenvolteresses mesvimento industrial mo quando memória se faz a e comercial que diferenciados, história, é preciso faria crescer a mas por mim honrar, preservar e sua base de apoio n ã o e s t o u não esquecer para urbano. disponível memória futura Por outro lado, o para esquecer, movimento operáou permitir rio saía da guerra branquear a e do sidonismo verdade, sobre as condições de exploração do bastante forte e em pleno flutrabalho de várias gerações de xo, depois de ter participado trabalhadores desta empresa. activamente na destruição A República, em 1919, her- do aparelho sidonista. Após da da guerra e do sidonismo longo tempo sem aumento uma situação financeira difícil, de salários, num período de com uma dívida externa de inflação galopante, seria bem mais de 22 milhões de libras, difícil manter o congelamento uma dívida interna superior a salarial perante um impetuoso 300.000 contos feita durante e forte movimento operário, a guerra, umas finanças do Es- que demonstra a sua força,
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aprovando um plano que tem por base duas grandes traves mestras: que são a criação da CGT, sonho dos sindicalistas desde o congresso de Tomar de 1914, e a criação de um jornal diário da organização, a “Batalha”, que publicou o seu primeiro número em 23 de Fevereiro de 1919. A República procurava evitar o confronto directo e imediato com o movimento operário e em véspera de eleições, o gabinete de Domingos Pereira aprova no dia 10 de Maio de 1919, aceitando uma velha reivindicação dos sindicatos e promulgando uma série de leis que vêm ao encontro das reivindicações do movimento operário: o horário de trabalho obrigatório de oito horas diárias ou 48 semanais, e a instituição dos seguros sociais obrigatórios, formação do Instituto de Seguros, e das Bolsas de Trabalho. As associações patronais podiam admitir o aumento de salários que pensavam recuperar sob a forma de aumentos de preços, mas a jornada de trabalho de oito horas era um golpe demasiado
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PERIFERIAS
Fotografia do Arquivo de O SÉCULO
para a História do Trabalho” I
duro para passar sem protesto. Uma reunião conjunta da Associação dos Lojistas, da Associação Industrial e de Víveres a Retalho opõe-se à lei das 8 horas e ameaça boicotar a sua aplicação, numa atitude imitada por um grande número de associações. Em 14 de Junho de 1919 abre-se no Barreiro o primeiro grande confronto,
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quando Alfredo da Silva toma a direcção da resistência ao crescente movimento operário e procura provocar um conflito que leve o governo a actuar e a tomar posição. Para tal faz um despedimento maciço de operários das suas fábricas, seguido de lock-out , afirmando que manterá as fábricas fechadas enquanto os trabalhadores não acatarem
as suas condições. Alfredo da Silva, apoiante sidonista, chamou assim o patronato a cerrar fileiras e terminar com as cedências. É apoiado pelo governo que destaca para o Barreiro importantes forças policiais com ordens para reprimir severamente os piquetes de greve; logo nos primeiros confrontos a GNR mata dois operários, enquan-
to a polícia assalta as Federações Sindicais encerrando-as. Como protesto, todo o pessoal da CUF entra em greve, sendo desencadeadas várias greves de solidariedade, noutros sectores de actividade, quase todas vitoriosas a curto prazo: Corticeiros do Barreiro, Estofadores e Decoradores de Lisboa, Metalúrgicos, Cesteiros e Alfaiates, Eléctricos
da Carris, Companhia das Águas de Lisboa etc. Apesar da brutal repressão, quase no fim do ano, a vitória foi do operariado o qual tinha conquistado o dia de oito horas de trabalho em toda a cintura industrial de Lisboa e nalguns pontos do Norte. A vida é uma grande escola e todos aprendemos com todos. Alfredo da Silva também aprendeu com os grevistas de 1919, de 1934, de 1943, e de muitos outros, ao longo do tempo e foi por isso obrigado a assimilar que a “mão-deobra era naqueles tempos (mas ainda hoje), matériaprima insubstituível,” é verdade que ele abre o caminho pioneiro da criação de regalias sociais para os trabalhadores, deixando essa herança aos seus sucessores, mas é importante lembrar, que foi a luta heróica de várias gerações de trabalhadores, que conquistaram, muitos deles com a sua própria vida, as regalias sociais que a minha geração veio encontrar. Ercília Talhadas Jurista
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“Lá e Cá” – A grata experiência transatlântica Nas linhas que se seguem, partilho a vivência única num projecto pioneiro de televisão que reuniu dois países com um passado comum: Brasil e Portugal. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”
O projecto mais apaixo- nante número de documennante e mais envolvente da tários, séries de televisão e minha vida profissional está curtas-metragens. Laine Milan assume que a ser transmitido até finais de Julho, em simultâneo, na RTP este documentário está longe 2 e na TV Cultura (S. Paulo, de ser politicamente correcto Brasil), aos domingos. Trata- e defende que pode contribuir se do documentário “Brasil, para uma aproximação mais Portugal – Lá e Cá” que em efectiva entre os dois povos, treze episódios mostra os dois enquanto que o jornalista países em cenários – até agora Paulo Markun acredita que a “audiência brasileira tenha - pouco conhecidos. A ideia original desta co- vontade de saber mais sobre produção é do jornalista Portugal. Que está longe de brasileiro Paulo Markun, que ser o cliché a que foi reduao entrevistar Carlos Fino, se zido!” Realizadora e jornalista têm apercebeu das trajectórias de vida comuns, e das diferen- agora um outro olhar sobre Portugal e os ças e semelhanças portugueses. de ambos, que caBrasil, Paulo Markun biam num prograreconhem a d e t e l e v i s ã o Portugal – Lá e ce “um país apresentado pelos Cá” que em treze agradável, dois. Paulo Markun episódios mostra que busca é um conceituado os dois países em recuperar a jornalista brasileiimportância ro, já trabalhou nas cenários – até do passado principais estações agora - pouco e que descode televisão brasi- conhecidos” bre agora que leiras, sendo ainda nem tudo se escritor, documenresolverá com tarista, e um homem de causas nobres que fazem a adesão à União Europeia”, dele – também - um defensor Laine Milan salienta que “ao dos valores da democracia conhecer melhor este moque ajudou a implementar derno país europeu, os brasileiros derrubam os clichês no Brasil. A direcção geral/realização de um lugar atrasado, com é de Laine Milan, licenciada as velhinhas vestindo preto em Jornalismo e com especia- e os homens com grandes lização em Cinema, também bigodes”. Também a autora destas com um curriculum invejável com passagem pelas maiores linhas espera que o “Lá e Cá” cadeias de televisão do Brasil, crie uma nova ponte atlânrealizadora de um impressio- tica com afectos e respeito
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ADELAIDE COELHO
Fernando Pessoa
Trabalhar numa equipa lique ultrapassem as mágoas do passado colonial. Nos derada por Laine Milan é um jovens e nem sempre fáceis privilégio, a repetir. Tenho um - mas muito simpáticos - ca- enorme orgulho de ter sido minhos da democracia, há um dirigida por esta senhora que longo caminho a percorrer. desperta em mim respeito e afecto iguais Portugal e Brasil aos sentidos têm que aprender, (...) longe de pelo meu “pai juntos, a ser mais ser politicamente profissional” tolerantes com (Jorge Simões) o passado, mais correcto, defende que me “pariu” generosos com que pode há mais de vinte o presente, mais contribuir para anos na Rádio optimistas com o uma aproximação Azul e mais futuro. Portugal mais efectiva entre tarde em teletem que aprender os dois povos visão. também a receber Neste espaço melhor quem aqui procura o pão recusado no de afecto e respeito incluo Paupaís de origem, à semelhança lo Markun, Waguinho La Bella do que os portugueses ain- e João Roni. Trabalhar nesta da fazem lá fora nos dias de co - produção transatlântica permitiu-me confirmar que hoje.
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profissionalismo, parceria, confiança e generosidade falam um excelente português nos dois lados do oceano. Permitam-me também um abraço a toda a equipa luso – brasileira (Digital Azul, RTP, TV Cultura, Ocean Films) e um agradecimento especial aos dois operadores de câmera e ao assistente de produção (João Massapina, Ricardo Augusto e António Nascimento) que generosamente calcorrearm comigo quilómetros de estrada e sorrisos. Para ver ou rever os episódios já emitidos basta clicar em www.tvcultura.com.br/laeca Adelaide Coelho Jornalista
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“Setúbal tem muito para dar”, entrevista a Andreas Stöcklein Andreas Stöcklein, artista plástico, formador na escola de arte e comunicação AR.CO e na Escola António Arroio, em Lisboa, escreve também mensalmente para o guia de eventos de Setúbal. Apaixonado pelo Azulejo. O SUL - Como é que foi o seu um movimento e uma massa contacto com Portugal e o crítica. azulejo? Fale-nos um pouco Deve-se trabalhar no pormeda sua ligação a este país e nor. Setúbal tem muito para dar! Creio que para isso se especificamente a Setúbal. Andreas Stöcklein - O meu deve habituar as pessoas primeiro contacto com Por- através da educação. É netugal foi em 1979, quando de- cessário incutir aos jovens, cidi percorrer a costa portu- desde muito cedo, o gosto guesa com um amigo e duas pela cultura. pranchas de Surf. A viagem Acho que Setúbal vai no bom durou 3 meses e foi bastante caminho, não vai dar já reenriquecedora. Em 1981 voltei sultado, mas vai dar daqui a a Portugal, a Coimbra, para algum tempo. frequentar um curso de Português durante cerca de três S - Qual a sua opinião sobre as artes plásticas em Portusemanas. Em 1982 regressei a Portugal, gal/Setúbal? com um colega. Ficámos na AS - Portugal tem uma cultura Serra da Arrábida, num pano- própria, valores próprios, tem rama muito rural. Achei uma uma influência latina, a expresexperiência fabulosa, cheia são artística é mais humanizada de liberdade, face à sociedade do que nas sociedades nórdicas, com sentimentos sentidos de Alemã, cheia de restrições. Nessa altura fazíamos insta- outra forma, o que se reflecte na arte que se lações na natufaz. A internet reza. Portugal tem ajuda a diEm Lisboa descobri o azulejo e uma cultura própria, vulgar, mas o conhecimento achei fascinante, valores próprios, directo é outra e então arranjei tem uma influência coisa. emprego numa latina, a expressão A cidade tem pequena fábrica um potencial de restauração em artística é mais enorme para Lisboa, que me humanizada do o desenvolviaceitou. Entre- que nas sociedades mento cultural, tanto voltei para nórdicas mas sinto que a Alemanha, para não consegue acabar o curso. E atrair um púem Março de 83 voltei para a fábrica e estive blico alargado para sustentar a trabalhar lá até ir trabalhar e justificar produções mais para Setúbal. Aqui abri o meu ambiciosas, ou – ao contrário – mais experimentalistas e irprimeiro atelier em 1988. reverentes . Sempre achei que S - Descreva-nos a sua visão Setúbal sai prejudicado por da cultura em Setúbal. O que ficar nem muito longe nem muito perto de Lisboa. é que falta à cidade? AS - Nasce muita cultura em Setúbal, mas depois vai para S - É formador na Escola Arco fora. É este um dos males, não e na escola António Arroio. conseguir agarrar as pesso- Como tem sido essa experias à cidade. A solução talvez ência? seja correr mais riscos, cha- AS - Aprendi muito e dá-me mar artistas de fora, instituir muito prazer trabalhar com um pólo de experimentação. pessoas que nunca pintaram, E havia muitas hipóteses de nunca trabalharam com azufazer isso, porque há muitos lejo, que têm que começar do sítios esplêndidos para ser- nada e compactar isso em três virem de ateliers permanentes meses. É complicado, mas dá ou de verão, para dinamizarem resultados espantosos. Sei que e chamarem pessoas, criarem cada pessoa tem criatividade
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Intervenção Artística em azulejo na Estação ferroviária de Campolide, Lisboa
e precisa apenas de algumas, uma tela. Faz parte de uma poucas ferramentas para de- construção, é necessário um senvolver essa criatividade. muro de suporte. Tenho que reagir de acordo Tem sido um aos sítios públiprojecto muito Nasce muita cos. Isso é muito enriquecedor, gratificante, nada com o con- cultura em Setúbal, é igual e isso fastacto com as mas depois vai para cina-me muito. pessoas. fora. É este um dos males, não conseguir Andamos pela cidade e vemos um S - Como funagarrar as pessoas à sítio onde o azuciona o seu lejo iria contribuir trabalho en- cidade. para esse local. quanto artista As duas maiores plástico? AS - Trabalho muito na base obras que fiz foram na estação da encomenda. Acho que o de Campolide e na Faculdade azulejo tem muito a ver com de Direito de Lisboa. Tenho o espaço público, não é como um projecto na Alemanha,
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mas ainda está numa fase muito embrionária. S - A nível pessoal, qual a sua preferência? AS - A nível pessoal eu gosto de desenhar e de tinta-dachina. Tenho que saber desenhar para fazer seja o que for. O desenho é fundamental. Desenhar não é só criar uma imagem, é assimilar um objecto, ter em conta as propriedades, o peso, a luz; temos que conviver com o objecto para pudermos desenhá-lo. João Miguel Fernandes cultura.activa10@gmail.com
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A seda das palavras Arlindo Mota é uma persona- sensibilidade, sentido lírico. Palidade setubalense que dispensa lavras de amor, desejo, partilha, apresentações. A sua intervenção ternura, inquietação, busca, num cívica e cultural, tocando múl- navegar poético por rotas ora tiplas áreas, tem sido das mais originais ora revisitadas, entre actuantes nas últimas décadas. um presente calmo, de aceitação Todos conhecemos a sua acção de um destino inevitável, e um enquanto professor, homem de passado pontuado por afectos pensamento, cidadão empenha- vários, delineando o «percurso do. Tem, desde sempre, dedicado percorrido» de uma viagem inà escrita boa parte do seu tempo, cessante. Viagem ou viagens, já investindo em áreas tão distintas que ao longo do livro a viagem é como a filosofia, o municipalis- tema recorrente, assumindo dimo, o património. Porém, a mais ferentes planos e simbologias. íntima, a mais secreta, a mais Palavras de seda em festim constante, é a escrita poética, de polissemias, vestindo os sensendo de destacar Canto Viageiro tidos: a visão, o toque, o olfacto. (1981), Incertos Dias Através delas (1986), Marca de desenha-se Os sentidos Água (1996) e A um retrato na Seda das Palavras balizam grandesua dimensão (2004), título que mente esta poética, de corporaliretoma em parte desaguando em mo- dade, retrato os anteriores, a mentos de ternura e de contornos que foi acrescenfinos, sobressensualidade tado um lote de saindo rosto, poesias inéditas, olhos, lábios, «Poemas para Cibele». mãos, veículos de expressões De seda se vestem as pala- de afecto e desejo. Os sentidos vras deste último título, depois balizam grandemente esta pode ensaiado o «canto viagei- ética, desaguando em momenro» e ultrapassados «incertos tos de ternura e sensualidade, dias» de um quotidiano a que esta, por vezes, mais presseno eu poético soube apor a sua tida do que dita. O eu poético vive permanen«marca de água», sob o olhar atento, «húmido» e «brilhante» temente do contraponto do tu, de Cibele. Palavras atravessa- nomeado ou não, latente, vivo, das por um toque de delicadeza, omnipresente. Um tu maiori-
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tariamente singular, objecto da memória, da paixão, do desejo e das obsessões do eu. O olhar do sujeito poético espraia-se do corpo ao espaço em seu redor, espaço quase sempre litoral que se funde, amiúde, na memória de vivências amorosas. São abundantes os elementos naturalistas, surgindo em jogos antitéticos ou complementares, plenos de simbologias, como a água, o fogo, o sal, a luz, a noite, o dia, o luar, o mar, o rio, o calor, o vento, o tempo, o sol, a lua, a terra, a ilha, a raiz, o arco-íris, a areia, onde se escrevem «palavras que o acaso não esquece». Aqui e ali respira-se o perfume da giesta, da malvasia, de uma flor; sente-se o sabor a cereja. Alguns destes motivos surgem como obsessões lexicais do poeta, repetindo-se ao longo do livro, vestindo diversos sentimentos e servindo reflexões várias, dando a ver um sujeito inteiro, vivendo, entre estações, o tempo de ser criança, o tempo de amar, o tempo de sonhar, o tempo de todas as mudanças, o tempo de desiludir-se, o tempo de redescobrir sentidos e afectos, tempo que é «escanção dos sonhos» e dá à vida, à medida que vai sendo vivida, diferentes perspectivas. A persona poética vai-se questionando, desenhan-
"Eructação profana em negligenciado local de culto" Foi este o título do último concerto dos Traumático Desmame que esteve quase para não acontecer na inauguração do Festival Urbano de Música e Outras coisas (FUMO) no passado dia 13 de Junho. E de facto não aconteceu, pelo menos na sua íntegra, pois a banda foi alvo de uma censura que se baseou na incompatibilidade (?) ou inconveniência das suas qualidades estéticas com o espaço de actuação – a capela dos Claustros do IPS. Para quem não conhece os Traumático Desmame, eles são uma banda que se insere dentro da música experimental/ noise e que demonstram uma singular acuidade conceptual e estética, que “apesar” do carácter improvisado das suas performances (entenda-se antes
assim em vez de “concerto”) apresenta uma consciência e sensibilidade artística de que carecem muitos artistas contemporâneos. Todos os elementos das suas performances são um veículo, não para transmitir ideais políticos ou religiosos (e se o forem serão, no máximo, uma posição crítica sem tomada de partidos), mas sim para complementar o espectáculo que pretende, na sua essência, chocar o espectador, explorando a natureza do ser humano. No fim, “Mais do que um concerto, o que os Traumático Desmame propõem é uma experiência transversal por entre a vídeo-instalação e a música. Entremeando o live-act com fragmentos visuais recolhidos de filmes e afins, os Traumático
Desmame oferecem uma experiência catártica com tanto de purificação como de violência”. Disto a organização já sabia, aparentemente os donos da casa é que não…. O que começou no início como uma censura aos vídeos e a certos actos por parte da banda (a que estes gentilmente comprometeramse a entrar em acordo) culminou na interrupção desrespeitosa do espectáculo passados 8 minutos. A expressão artística é, na minha opinião, o que de mais honesto e saudável o ser humano tem para oferecer. Mas ainda somos perseguidos por atitudes medíocres, diria até medievais, dignas de uma caça às bruxas. Francisco Noá Artista Plástico
do percursos, manifestando mais ou menos assumida. É em «Poemas para Cibele» inquietações. Reflecte sobre poesia, afirmando que «a ge- que o reflectir sobre os limites ometria do poema é hexago- do ser humano é mais vivido. nal», constituindo-se como Aí, a par da redescoberta dos objecto fechado nos limites sentidos, tudo converge para a aceitação seda sua especifirena da grande cidade, levandoO tom caminhada nos a reparar em coloquial de alguma que é a vida. alguns aspectos f o r m a i s , c o m desta poesia coexiste O confronto entre o amor e destaque para a com o gosto pelo uso a finitude, um dimensão estró- de vocábulos menos dos tóp icos fica, balizada por habituais universais da grande contenção. poesia, confere Os poemas são geralmente curtos, lembran- a este livro uma certa dimensão do alguns deles a concisão dos de busca da intemporalidade haikai. Apenas a última parte poética. Talvez por isso haja do livro, «Poemas para Cibele», quem vislumbre uma certa contraria esta constatação, já tonalidade clássica em alguns que os poemas que a nomeiam destes poemas. No final deste canto viageiro são um pouco mais extensos, sem, contudo, chegarem a ser de uma voz poética que tem atravessado moradas diversas, longos. O tom coloquial de alguma é o amor que nos surge como desta poesia coexiste com o ninho. E o poema diz-nos que gosto pelo uso de vocábulos o sujeito poético continua a menos habituais. Surgem mes- olhar os sentimentos como mo expressões que actualmen- «húmus», como «campos de te só têm uso literário, como semeadora», acredita neles, «ledo» e «coita de amor». Essas e, apesar de conhecer os seus escolhas ao nível da linguagem limites, permanece aberto ao fazem-nos ouvir outras vozes, sonho, à viagem, ao amor, à presentes ainda em sonorida- efemeridade, enfim, à vida. des, motivos, ideias, temáticas, mitologias, sentidas como raiz Fátima Ribeiro de Medeiros mais ou menos consentida, IELT - FCSH, UNL
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JUN 2010
NR 05
15
CULTURA
Nos caminhos marginais da sonoridade perfeita The Logadogue Swing Music Project é um dueto acústico formado por Nuno Castelo e Luís Cansadinho, fundado em 2008. Quer um, quer outro, entraram em muitos outros projectos musicais ao longo das suas carreiras, porém, neste, revelam uma experiência acumulada que ultrapassa o epifenómeno mediático. Explicam-nos tudo isto muito claramente quando nos dizem: “ é que músicos compatíveis, já conhecíamos vários. Neste caso, fizemos ao contrário, pois o que nos interessava eram pessoas compatíveis.” Afinal, conhecem-se desde os tempos da escola, feita em Setúbal. Partilham os seus mundos, as suas amizades. Assim melhor se compreende a cumplicidade intensa que os une em palco… e vale a pena vê-los, bem como escutá-los. A maturidade é, neste caso, amiga da qualidade e já nos trintas, souberam aliar vontade ao estudo e à técnica, no mais invulgar e intrigante conjunto musical de qualidade de Setúbal. Neste mês passam pelo mamaRosa, em Setúbal, pela Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa, pelo Fórum Cultural da Baixa da Banheira e terminam, a 26 de Junho, na Academia Problemática e Obscura.
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LUCIANO CORREIA
O Sul - Como é que iniciaram mos repetir, uma, outra e outra o projecto Logadogue, com vez mais. Cinco a seis horas de uma sonoridade Jazz manou- exercício quotidiano, muita devoção e esforço, acrescido de che, e logo em Setúbal? Logadogue - O projecto Lo- bastante tempo depois, fizeram gadogue vai beber a sua inspi- com que sentíssemos, um dia, ração a referências da guitarra que havíamos ultrapassado como Django Reinhardt, Al Di- aquela fronteira. Trabalhámos meola, Stochelo Rosenberg e intensamente e foi muito duro Joscho Stephan. Do nosso pon- o percurso até atingirmos um to de vista o jazz americano não padrão de qualidade aceitáevoluiu significativamente nos vel para nós, de modo a que últimos trinta anos, o que não o sentíssemos que era hora de o faz um estilo musical propria- partilhar com o público. mente vivo, além de que não nos revíamos no estereótipo S - Qual a recepção da astecnicista que se assiste nesta sistência setubalense a este fase. Por afinidades musicais tipo de sonoridade marginal, e também culturais, pareceu- atendendo a que é um público nos fazer mais sentido investir culturalmente pouco inovador? nas apropriaL - Chegar a muições miscige(...) o sucesso ta gente não é fánadas do jazz cil, mas o nosso europeu, onde dos Hands on Apobjectivo é, aos existe maior proach inspiraram poucos, irmo-nos ingenuidade e a uma mudança dando a conhecer. maior lirismo. radical na forma de Compreendemos Não havendo que as pessoas lugar onde o nos encararmos a não sabiam da aprender, uma nós mesmos existência destas vez que a Essonoridades de cola de Jazz do Barreiro, nem mesmo a Dám- todo. Esperamos, um dia, cair son de Setúbal, o leccionam, na moda, porque isto da música seguimos o velho caminho dos muito tem a ver com modas. auto-didactas. Tal significa que Esta expectativa é legítima, pois ouvíamos os álbuns e tentáva- trabalhámos muito e continua-
mérito da Prima Folia, seguida também do Experimentáculo e da Elucid’arte. Muito trabalho tem sido, na realidade, concretizado.
mos a trabalhar bastante. No que respeita a Setúbal é necessário entender que tem uma história, muito associada às realidades fabris, aos operários e ao mundo do trabalho. Dessa identidade bem vincada advém também a nossa história cultural relativamente recente e actual. Contudo recordamos quando ainda há alguns anos não existia uma agenda cultural. Há melhorias, pois as comunidades evoluem naturalmente. Pensamos que temos sempre de arregaçar as mangas. Isso nota-se claramente no próprio Conservatório de música que, com o ensino articulado, está a ter resultados muito animadores. Recordo que quando
um de nós o frequentou era ainda mínimo, era muito caro e, logo, muito elitista. Recordemos ainda que, há alguns anos, o sucesso dos Hands on Approach inspiraram a uma mudança radical na forma de nos encararmos a nós mesmos. Os miúdos, subitamente, perceberam que podiam modificar o seu destino. Outro aspecto essencial é o trabalho do Davide Fournier na Classe de jazz Dámson, uma justa referência, pois não só forma instrumentistas, como cria o público do jazz, que já existe e é representativo actualmente. Recordamo-nos, também, quando para tudo se pediam verbas ao município. Actualmente isso já não se vê,
S - Que falta então? L - Apesar de todo este movimento, há ainda uma cultura de banda de garagem inculcada na nossa classe média. Aliás, desse tipo de cultura cultural é o Concurso disso exemplo. Um grupo musical como o nosso, por exemplo, não pode participar nesse concurso, bem como alguns outros músicos talentosos, como é o caso do Marco Alonso, por exemplo. A nível institucional é o Concurso de Bandas organizado por uns, o festival da fortaleza, por outros, o Jazz Rendez-Vouz por outros ainda, e o importante Festival de Canto Lírico, desarticulado da gestão do Fórum Luísa Todi, do auditório José Afonso, etc. Os projectos e os técnicos não estão a ser solidários, articulados e transversais, daí que as acções pareçam desenquadradas de uma estratégia clara, de coerência e solidariedade entre si. No que respeita à promoção da música, tradicionalmente negócio de pessoas para outras e não de instituições, basta dizer que não possuímos um pianobar em Setúbal. A questão da mentalidade é a mesma. Não se faz porque se julga que não haverá público, não se criando oportunidade. As pessoas consomem o que lhes oferecem, pelo que se mais nada se lhes dá, uns ficam, outros públicos vão, partem ao encontro das suas expectativas, que não conseguem ser cumpridas no lugar onde vivem. Aos poucos, o desenraizamento desses será total e tudo vai ficando um pouco na mesma, pois pensam que não vale a pena fazerem-se escutar, perpetuando a cultura da banda de garagem. José Luís Neto jose.neto@jornalosul.com
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