Arte do vestuário

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A RT E

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T É C N IC A D O V E S T UÁ R IO

SA N TA C ATA R I N A

ARTE DO VESTUÁRIO







ARTE E TÉCNICA DO VESTUÁRIO EM SANTA CATARINA

POR

ASTRID FAÇANHA


ARTE DO VESTUÁRIO


ARTE E TÉCNICA DO VESTUÁRIO EM SANTA CATARINA TEXTOS POR E D I TA D O P O R

ASTRID FAÇANHA HELOISA GARRETT E RAFAELA TASCA


CAPÍTULO


DEDICADO ÀS FAMÍLIAS QUE CONSTRUÍRAM UMA HISTÓRIA E VESTEM O BRASIL.


JACQUES LE GOFF


“A realidade histórica tem duas faces. Uma é feita de fatos, eventos, realidades materiais, e a outra, de ideias, imagens e sonhos.”


PATROCÍNIO CULTURAL: UM INVESTIMENTO PARA AS PRÓXIMAS GERAÇÕES


Com o mesmo orgulho de quem há 30 anos viu 15 máquinas de costura, 2 teares e 40 colaboradores trabalhando a todo vapor construírem uma das maiores empresas têxteis do sul do Brasil, a Rovitex apresenta Arte do Vestuário. Movidos pela vontade de contribuir com a história de todo o setor, patrocinamos este projeto louvável e de alto valor cultural e afetivo, que eterniza, por meio deste livro, o legado e o pioneirismo dos grandes protagonistas da indústria têxtil catarinense.


SUMÁRIO

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A moda que o brasileiro veste

Capítulo 1 – H istória e Memória

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Zeitgeist: a arte do vestuário

44

Museu de Hábitos e Costumes: olhar voyeur com a história e lifestyle da região de Blumenau

50

Museu Hering: o potencial intangível de uma marca

56

História, tradição e cultura

60

A moda no tempo

Capítulo 2 – Do fio à roupa

80

Cadeia têxtil: características produtivas e indicadores da região

92

Por trás de processos, histórias de vida

102 Rovitex: três décadas de perseverança e dedicação rendem boas histórias 108 Incofios: produzindo matéria-prima com qualidade made in Brazil 114 Tecnologia catarinense: startup exporta conhecimento 118 A camiseta que virou love brand

Capitulo 3 – Conhecimento, Identidade e Inovação

128 Santa Catarina no mapa da moda 134 Conhecimento estratégico: aprender para crescer 138 Um espaço para pensar o techné 146 A cabeça no mundo e os pés no chão 152 Futuro promissor: a dinâmica trajetória de jovens profissionais


SUELI MARIA VANZUITA PETRY

HISTORIADORA E DIRETORA DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E MUSEOLÓGICO DA FUNDAÇÃO CULTURAL DE BLUMENAU

Astrid Façanha, ao escrever Arte e Técnica do Vestuário em Santa Catarina, nos legou uma obra instigante. É uma verdadeira mestre que nos conduz a mergulhar numa trama de vivências e tecer conexões entre o passado e o presente. Na confecção desta trama, a autora, para justificar a presença da indústria têxtil e do vestuário concentrada na região do Vale do Itajaí, rastreou o cotidiano oitocentista de Blumenau, uma comunidade historicamente rica em vivências, individualidades e manifestações culturais, com a intenção de extrair sinais das “vivências cotidianas” dos indivíduos que iniciaram seu processo civilizatório. Segundo Agnes Heller (1989, 17), “a vida cotidiana é a vida de todo homem (...) nela colocamse em funcionamento todos os seus sentidos, (...) sua personalidade, habilidades, capacidades intelectuais, sentimentos, paixões, ideologias”. Dentro da complexidade desse processo de construção da pesquisa, a autora revela para o leitor de que forma as iniciativas locais de imigrantes alemães, italianos e outros que vieram constituir esse mosaico cultural, envolvidos pelo espírito empreendedor, criatividade e ousadia, dotados de habilidades técnicas e comerciais, chegaram


PREFÁCIO

à industrialização investindo na área têxtil, escrevendo os primeiros capítulos de uma história

acordo com a última moda”. (BLUMENAU, 1851. 223)

Através desse contexto apresentado no decorrer da

Estar “de acordo com a última moda” demonstra

pesquisa foi possível mostrar o surgimento da indústria

de superação que se tornou um componente

a inquietação de estar sintonizado com os costumes

e a produção de peças do vestuário na sociedade

cultural até os tempos atuais.

locais. Nesse sentido, a autora, para exteriorizar o

local, responsáveis pelo desencadeamento de uma

elo vestuário-moda-indústria na região do Vale do

nova força econômica que se mantêm viva e se replica

em Santa Catarina, Astrid, ao investigar a

Itajaí, apoiou-se nas pesquisas realizadas em dois

com o surgimento de novas empresas no ramo da

relação entre as indumentárias e o nascimento de

espaços de memória representados pelo Museu de

confecção, com histórias, de certa forma, similares.

indústrias do ramo têxtil no período oitocentista,

Hábitos e Costumes e Museu Hering.

Nesta tessitura da Arte e Técnica do Vestuário

revela o quanto os precursores e os continuadores

Essas unidades culturais, através da

Na finalização do capítulo, em “A moda no tempo”, Astrid Façanha faz um desfecho,

desse mercado foram e continuam ousados em

sobreposição de imagens, nichos temáticos,

entrelaçando acontecimentos, tecendo e

investir nessa área.

acessórios, peças do vestuário, elementos da arte

arquitetando as conjunturas que possibilitaram,

do bordado, costura, materiais de embelezamento,

ao longo do tempo, formatar a diversidade de

entrelaçam nas interfaces das leituras. Ao abordar

acervos do cotidiano familiar, entre outros, se

representações e visões da moda dentro do contexto

História – Memória, a autora fundamenta no

cruzam. O Museu Hering, no seu escopo, historiciza

fabril local e externo, que continuam desafiando “este

seu primeiro capítulo a peculiaridade regional

de forma virtual o nascedouro da indústria têxtil, que

novo tempo”, investindo na edificação de empresas

catarinense. Na literatura e documentação

se confunde com a história da cidade de Blumenau.

do ramo têxtil. Entre as inúmeras empresas citadas

O livro é costurado em três momentos que se

relacionadas ao vestuário e moda local, denota-se o

Da junção desses espaços de memória, Astrid

nesta obra, evidenciamos e louvamos o gesto da

quanto os costumes originários da bagagem cultural

Façanha, com sua experiência profissional e

Rovitex, que, ao fazer o registro dos seus 30 anos de

dos imigrantes adaptaram-se ao modus-vivendi

sensibilidade no “mundo da moda”, soube extrair

atividades e sucessos, é uma das incentivadoras para

brasileiro. O fundador da cidade, Dr. Blumenau,

o olhar dos “acontecimentos” para dar visibilidade

a realização desta produção cultural.

já fazia referências quanto ao modo de vestir-se e

ao vestuário – por si só um componente

formas de conduta do imigrante:

importante nas vivências do cotidiano da cidade

de que é possível associar “a arte do vestuário” ao

–, e com sabedoria sedimentou a relação do

contexto histórico sociocultural catarinense, mais

elegância, precisando ou querendo manter relações

Museu de Hábitos e Costumes com o vestuário, e

especificamente à região do Vale do Itajaí, que se

com autoridades, não pode esquecer de trazer um

o “potencial intangível de uma marca” aplicado ao

destaca como um polo exportador dentro do âmbito

fraque, pantalonas e um colete de cetim preto, de

Museu Hering.

mundial da globalização.

“(...) quem quiser apresentar-se na cidade com

Esta obra é, na realidade, uma demonstração




A MODA QUE O BRASILEIRO VESTE Ao olhar para as ruas deste vasto Brasil de tantos contrastes, percebe-se algo em comum, uma certa hegemonia no vestir, um consenso, mainstream ou brazilianness. Como dizem os franceses, un je ne sais quoi; na filosofia hegeliana proposta como zeitgeist, espírito do tempo, aqui adaptado para raumgeist, espírito do lugar, que se traduz em uma moda casual

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PEÇA ICÔNICA Uma das primeiras camisetas fabricadas pela Cia. Hering

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VISTA DA FÁBRICA e residência de Hermann Hering no bairro Bom Retiro, Blumenau, a partir de 1897

Tal revelação, o coup d’éclat, aconteceu ao pisar pela primeira vez no chão de fábrica de uma indústria têxtil e de confecção, na bucólica cidade de Luiz Alves, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Acostumada às passarelas, onde roupas desfilam desafiadoras, aos editoriais e campanhas publicitárias com suas eternas promessas aspiracionais e às vitrines reluzentes que seduzem indiscriminadamente aos que passam, ali me dei conta de que o ciclo fechou-se e da percepção veio a hipótese: e se for esta a moda que o brasileiro veste?

linha de montagem do vestuário, fibra, fio, tecido, corte, costura, pesquisa, beneficiamento, design, maquinário de ponta, engenheiros e operadores especializados contracenavam como em um balé sincronizado. O consumidor nem imagina, pensei, que ao comprar sua roupa, tecida na trama há a magia dos processos produtivos. A indústria têxtil de Santa Catarina impressiona tanto pelos indicadores produtivos e comerciais quanto por sua herança cultural. Levantamos dados sobre a relevância do Estado como cluster da produção de têxteis e vestuário e nos deparamos com uma tradição com mais de 130 anos de história. Disseminada de pai para filho, de patrão para funcionário, esta história tem origem na imigração europeia para a Região Sul do Brasil, na segunda metade do século 19, e se consolida com a produção de vestuário para marcas de moda nacionais e internacionais. Italianos, poloneses, ucranianos e, principalmente, os colonos alemães, ao desembarcarem no Porto de Itajaí, trouxeram para a região suas raízes e conhecimentos, além do orgulho pelo ofício e pelo savoir faire, pelo techné, o saber fazer, c om herança na tradição

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A incursão na indústria têxtil de Santa Catarina que

das guildas medievais. Por outro lado, trouxeram

resultou neste livro começou para valer a partir

o espírito empreendedor do artesão do fim de

dessa constatação. Na sede da Rovitex, indústria

século, que na Europa tornava-se mercador e

que agrega todos os elos da cadeia produtiva e de

industrial. Essas características concederam à

transformação têxtil e do vestuário, assistimos à

região uma identidade peculiar, construída na

fibra de algodão entrar por um portão e, do outro

fusão do artesanal e do tecnológico, da produção

lado, saírem roupas prontas para a coleção. Na

material e de valores culturais.

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TRABALHADORES no processo de fiação da Indústrias Hering, década de 1950

Tradição do trabalho, austeridade e, ao

dos produtores, sendo destes 4.937 unidades

mesmo tempo, ousadia são traços marcantes da

de produção de matéria-prima têxtil e 4.139

influência europeia, principalmente germânica,

fabricantes de artigos confeccionados. O Estado

aparente tanto na personalidade do povo quanto

é o principal fabricante de tecido de malha, com

no modus operandi produtivo e nos negócios. Por

36,8% da produção nacional. A historiadora e

outro lado, é notável a incorporação do jogo de

professora Sueli Petry, conhecida carinhosamente

cintura brasileiro, na flexibilidade de renovar-se

como a guardiã da memória de Blumenau e região,

na crise, mudar modelos de negócio e processos,

esclareceu, no seu depoimento para este livro,

de forma a não parar nem com a produção

que até hoje existe uma amálgama produtiva na

material, nem com a história.

industrialização da região. No início havia um

A história sociocultural e da produção de

modelo de processo vertical; com o tempo, passou

têxteis que narramos neste livro começa a

a ser horizontal, com a terceirização de algumas

se misturar a partir deste ponto. No início da

das etapas produtivas. Atualmente, a indústria

colonização europeia, as primeiras comunidades

permanece diversa no sentido de que muitas

urbanas foram construídas nos entornos das

empresas mantêm uma produção verticalizada

grandes fábricas que surgiam com suas ruas de

na própria empresa, que envolve desde a

vilas operárias, onde acontecia a vida social. Ao

transformação da matéria-prima até a criação de

expandirem suas instalações e desenvolver suas

uma marca de moda.

produções, as indústrias formaram uma mão de

Por indicação da historiadora, conhecemos o

obra especializada e capacitada para operar o

Museu de Hábitos e Costumes, onde parte desta

maquinário importado. A partir das instalações

história é contada, a partir da cultura material

das grandes indústrias, outras menores foram

do vestuário. Instalado em uma antiga casa de

surgindo, às vezes formadas por ex-funcionários

comécio, o museu foi concebido com a doação

que se tornavam fornecedores dos antigos

do acervo de indumentária colecionado pela Sra.

patrões. Assim foi sendo tecida uma grande malha

Ellen Weege Vollmer. Filha e mulher de alemães

produtiva de Blumenau e espalhando-se pela

e com tino empreendedor, a Sra. Vollmer ajudava

região do Vale do Itajaí, banhada pelo Rio Itajaí-

a tocar os negócios da família, entre estes, a

Açu, até o norte do Estado.

Fábrica de Chapéus Nelsa. Percebeu desde cedo

A região faz de Santa Catarina o segundo

a importância da indumentária como testemunho

maior polo produtor e exportador da cadeia

cultural e mais tarde doou sua coleção para a

têxtil brasileira, onde estão localizados 15,4%

Fundação Cultural de Blumenau.

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SALA DE TEARES da Indústrias Hering, década de 1950

O Museu Hering é outro espaço importante para a conservação da memória e da tradição no vestuário da região de Blumenau e do Vale do Itajaí. Construção em enxaimel datada do século 19, onde funcionava o antigo refeitório e biblioteca dos funcionários da companhia fundada por Hermann e Bruno Hering em 1880, está localizada no Vale do Bom Retiro, onde até hoje funciona a sede da Hering. Além de documentar a trajetória da empresa, que se confunde com o próprio desenvolvimento da região, a exposição permanente conta com arrojado projeto multimídia e traz desde o depoimento em áudio dos fundadores com base em registros históricos até acervo de maquinaria, entre máquinas de costura mecânicas e teares circulares de operação por manivela. Uma apresentação em audiovisual mostra de forma linear o fluxo de produção do vestuário. Pioneiros com espírito empreendedor, a exemplo dos irmãos Hering, perceberam a demanda em Blumenau e região por roupas leves, porém, resistentes e casuais, aptas a serem usadas tanto para o trabalho quanto para o lazer. Os recémchegados logo abandonavam seus pesados trajes europeus em prol de uma forma de vestir mais apropriada ao clima e rusticidade dos trópicos, que incluía o uso da camiseta de algodão, na Europa considerada roupa de baixo. As mulheres dos imigrantes ocupavam-se das atividades domésticas


e nas horas vagas aprendiam a costurar para fazer

colocar na mesma mesa de discussões empresas

as roupas da casa e também contribuir com o

concorrentes, com a finalidade de encontrar

orçamento familiar. Algumas dessas costureiras

soluções para problemas em comum, entre estes, a

profissionalizaram seus ofícios e passaram a

formação e o treinamento da mão de obra local, a

integrar o quadro de mão de obra especializado das

ética e governança corporativa, além de promover

indústrias de confecção.

a identidade da região, não apenas como produtora

Atualmente, a formação de mão de obra no Estado é garantida por 37 cursos presenciais de graduação e 21 cursos técnicos voltados para o

de vestuário com qualidade, mas, também, como criadora e difusora de marcas de moda. A trajetória para o desenvolvimento deste

setor têxtil e de confecção. Entre estes, destaca-se o

livro sobre o setor têxtil e do vestuário do Vale

Bacharelado em Moda – Habilitação em Estilismo, da

do Itajaí, no Estado de Santa Catarina, envolveu

Universidade do Estado de Santa Catarina, a Udesc,

o levantamento bibliográfico e de dados

onde se formou o jovem estilista Lui Iarocheski,

macroeconômicos, viagens de observação in

recém-ingresso no line-up da Casa dos Criadores,

loco e coleta de depoimentos de profissionais

em São Paulo. Já a Orbitato, Instituto de Estudos

e empresários da região. Culminou com a

em Moda e Design, é uma escola independente de

participação em um encontro do SCMC realizado

formação técnica, idealizada e dirigida pela artista

na tenda circense do parque temático Beto

Celaine Refosco. Funciona desde 2007, na cidade de

Carrero World, no município de Penha. Ao assistir

Pomerode, com a proposta de fomentar a criatividade

a empresários da indústria têxtil e de confecção

aliada à técnica de produção catarinense de moda.

catarinense sentados na arquibancada e discutir

Com a mesma preocupação de inserir Santa

Os recém-chegados logo abandonavam seus pesados trajes europeus em prol de uma forma de vestir mais apropriada ao clima e rusticidade dos trópicos, que incluía o uso da camiseta de algodão, na Europa considerada roupa de baixo

informalmente, com bom humor, o futuro do

Catarina definitivamente no mapa da moda foi

setor, encontrei o ponto de alinhavo para minhas

criado por empresários da região o Santa Catarina

impressões: é da união, do comprometimento e

Moda e Cultura (SCMC), movimento que incentiva

otimismo de pessoas com as quais conversamos,

e promove a atualização, o aperfeiçoamento e as

do engenheiro ao químico têxtil, da costureira

relações empresariais do mercado têxtil catarinense.

ao estilista, do empresário ao profissional da

Segundo Amélia Malheiros, atual presidente do

comunicação, que é construída a identidade da

SCMC, um dos feitos principais da proposta foi

moda que o brasileiro veste.

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CAPÍTULO

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Em Santa Catarina, a produção têxtil impressiona pela tradição, com mais de 130 anos de trabalho e ousadia. A arte do seu vestuário é feita de fibra, fio, corte e costura trançados por costureiras, técnicos e empreendedores. Força do hábito e dos costumes, a moda é criada no cotidiano, no fio diário da vida e na casualidade das relações. Imprescindíveis, os guardiões desta trajetória ali estão recolhendo saberes, indumentárias, estilos de época, resquícios e relíquias para o futuro. Os museus salvaguardam a memória, mantendo-a no presente a inspirar novos talentos.

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HISTÓRIA E MEMÓRIA HERANÇA CULTURAL E VOCAÇÃO 34

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A

relação entre arte e vestuário encontrada em uma região com mais de 100 anos de

tradição têxtil e vocação para a produção de roupas em grande escala pode não ser tão evidente, até que se perceba a ligação entre a produção industrial e a produção cultural da região. Em Arte do Vestuário, a legitimidade dessa relação é pensada com base no conceito de zeitgeist. O zeitgeist, ou espírito do tempo, é interpretado a partir dos anos 1800, quando chegam os primeiros imigrantes na colônia de Blumenau, no Vale do Itajaí, e inicia-se o embrião da indústria têxtil da região até o presente. Essa herança cultural é introduzida pela narrativa da historiadora Sueli Petry, que revela como surgiram as primeiras indústrias têxteis a partir da demanda local e da expertise do imigrante. Segundo o relato da historiadora, a tradição é determinante na identidade e qualidade da produção regional. Para ilustrar os sinais do zeitgeist no vestuário, é apresentada a gradual mudança da roupa de corte para a roupa do dia a dia, aqui chamada de moda casual. O breve mapeamento desse movimento que vai do final dos anos 1800 aos dias de hoje – e coincide com o desenvolvimento da região de Blumenau – sugere que a moda casual produzida em Santa Catarina está coerente com o movimento macro de tornar o vestuário mais confortável

TÊXTIL

e amigável. Dois museus da região, o Museu de Hábitos e Costumes e o Museu Hering, têm o papel de salvaguardar a herança cultural e industrial da região, além de reforçar a relação do vestuário com arte ao tratá-lo como objeto de pesquisa e contemplação. Para fechar, uma linha do tempo confronta o zeitgeist local com o que está acontecendo no mundo. Desse cruzamento e sobreposição de acontecimentos surgem padrões que continuam a confirmar: o que está acontecendo na Europa reflete-se no Vale do Itajaí. O que vem de acolá mistura-se com o que está ali, e se uma região tem tanta vocação para o têxtil e o vestuário tal fato em si já justifica que ela seja tratada como patrimônio cultural.

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ZEI TGEIST

CAPÍTULO

A ARTE DO VESTUÁRIO

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P

ara o grande filósofo da modernidade Georg W. F. Hegel (1770-1831), todo acontecimento ou êxito

nada mais é do que resultado de um processo. Observar qualquer área de produção cultural e material a priori é entender tal processo, que, por sua vez, gera mudança e transformação. A mudança, processo histórico, ainda que relacionada ao tempo, zeit, é um potencial, um vir-a-ser, semente e essência, aquilo a que o pensador se refere como geist, algo a meio caminho entre sentir e perceber, espécie de quintessência do ser, na sua melhor expressão de autoconhecimento e autorrealização. A relação do vestuário com o zeitgeist, nesse sentido, é tão surpreendente quanto infalível, ao prestar-se tanto como possibilidade teórica para pensar o fenômeno moda quanto como possível compreensão da causa e efeito do fenômeno. A historiadora norte americana Patricia A. Cunnnigham, nos seus estudos sobre o vestuário, percebe que a roupa reflete o período em que é usada e os esforços para mudar a moda, radicalmente ou não, são sinais dos tempos. No Diretório (1795-1799), regime político adotado após a Revolução Francesa, surge o embrião de uma mudança radical no vestuário que influenciará todo o Ocidente. A roupa começa a ganhar mais leveza e se torna mais definitiva na forma. Segundo o historiador August Racinet (1825-1893), com a perda da aura aristocrática que se espalhou na Europa Ocidental, surgem novos valores, os homens estão cada vez menos ornamentados e passam a se vestir conforme a ocupação profissional. François Boucher (1885-1966) relata que, ao longo do século 19, influenciada pelas novas condições de vida impostas pela Revolução Industrial e submetendo-se às novas tecnologias têxteis e das máquinas de costurar roupas, a indumentária feminina gradualmente perde seus elementos de fantasia e capricho. A partir de 1850, o negócio das roupas é transformado pela abertura de grandes lojas de departamento e feiras de exibições. As organizações de produção em massa, do prêt-à-porter e do ready to wear, impõem estilos, códigos, materiais e acabamentos, tendo em vista novas classes emergentes. Na Paris da Belle Époque, destaca-se um criador e produtor artesanal chamado de couturier, a exemplo do inglês Charles Frederick Worth. Assim como Worth, pequenos ateliês que fazem vestidos e enxovais femininos à mão, com modelagem escultural, para um corpo idealizado e tratado como ornamento. A julgar pela descrição de Boucher, a moda feminina nessa época beira ao absurdo. Figurinos exagerados deixam a desejar no quesito graça, nas armações pesadas demais, nos chapéus sobrecarregados e no efeito geral de um incômodo vestir (Boucher, 1996, p. 374).

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VESTUÁRIO ILUSTRADO Publicações originais alemãs trazidas no período da imigração, sob a guarda do Acervo Histórico de Blumenau

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Segundo documentado pelo sociólogo e economista Thorstein Veblen (18571929), na virada do século, uma mulher bem vestida representava socialmente um status para sua família. Na obra “A teoria da classe ociosa” (1899), Veblen estabelece o conceito de consumo conspícuo, ou ostentatório, com a finalidade de impressionar e demarcar posição social. Livros de etiqueta tornam-se leitura obrigatória e publicações femininas com foco na moda e nos costumes são cada vez mais procuradas. Estar na moda ganha novos sentidos, como usar a roupa certa na ocasião, hora e temperatura corretas. Aderir a essas regras passou a fazer parte da vida em sociedade

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Na Inglaterra do Romantismo, a crinolina encontra

da saia comprida em um novo modelo batizado com

oposição violenta das massas. A peça é satirizada

seu nome. A “Bloomer” é considerada a primeira

na mídia, apesar de ser considerada uma evolução

calça feminina do Ocidente. Motivado pelo crescente

no vestuário feminino, ao dispensar as camadas de

interesse pelos esportes no início do século 20, surge

anáguas. Com a curiosa reação “anticrinolinista”,

um estilo de vida cada vez mais ativo e saudável, que

lojas de departamento como a Liberty, em Londres,

pede roupas mais confortáveis, com silhuetas mais

introduzem uma nova proposta de vestuário mais

leves e soltas. Aqueles a favor do movimento pleiteiam

prático, com aspecto sóbrio e feito para ser usado no

reformas na saúde e higiene do corpo, além do fim

dia a dia. Segundo os historiadores, a simplicidade da

de frivolidades como rendas, babados e peças de

nova proposta não exclui o sentido de elegância e as

baixo incômodas como bustles (armações), anquinhas

senhoras começam a cobrar dos seus costureiros um

(enchimentos), corpetes e anáguas. O movimento

estilo com formas mais casuais.

reverbera os conceitos iluministas do filósofo Jean-

Nesse cenário de mudanças de valores emerge

Jacques Rousseau (1712-1778), com foco na liberdade

o primeiro movimento em grande proporção, de

e simplicidade do vestir, temas que ele explora na

contrarreforma ou antimoda. Batizado de Aesthetic

obra “Emílio, ou Da Educação” (1762) escrito como

ou Reform Dress Movement (Roupa Estética e da

Bildungsroman, gênero alemão de romance educativo.

Reforma), surge na Inglaterra e ganha força nos

A Alemanha no fin de siècle consiste em diversos

Estados Unidos. Com a influência do puritanismo

países de língua alemã reunidos pela Deutscher

protestante, passa a ser chamado de Grand Denial,

Bund, Confederação Germânica, solta e dividida pela

ou “Grande Refusa”, verdadeiro boicote aos excessos

rivalidade entre Áustria e Prússia. Com a entrada tardia

e submissões impostos pela moda. Intelectuais,

no sistema capitalista industrial, a região atravessa

feministas, boêmias da burguesia e trabalhadoras

reformulação social que coloca em risco a pequena

da classe média passam a renegar a moda vigente,

burguesia constituída por camponeses, artesãos

considerada vergonhosa e ostentatória, e pregam o

fabricantes e comerciantes. O período é marcado

retorno a um vestir mais livre e amigável.

pela degeneração de valores tradicionais e um

O Dress Reform Movement está associado aos

recomeço com base no desconhecido. Ameaçado pelas

primeiros movimentos de liberação feminina, das

importações de tecidos da Inglaterra e pela indústria

décadas de 1840 e 1850, e foi pioneiro ao promover

avassaladora que vem substituí-lo, o pequeno artesão

a moda casual. Entre as defensoras mais fervorosas

de tecido tem poucas opções – arrisca-se como

do movimento está a norte-americana Amelia Jenks

empreendedor no novo modelo industrial ou sucumbe

Bloomer, que em 1850 popularizou a reformulação

ao proletariado. Resta-lhe ainda a opção de começar



a vida em outro lugar, para onde possa transportar sua

Colônia de Blumenau trazem o gosto pela vida

sutil. Porém, intensifica-se na virada do século 20,

cultura e seus valores (Maria Luiza Renaux, 1995).

prosaica, a valorização do núcleo familiar e a

quando finalmente se estabiliza, para então, no século

celebração do “feito em casa”.

21, neutralizar-se.

Da Alemanha unificada surgem correntes de idealismo populista como o volksgeist (espírito

Ao longo dos anos 1900, peças da moda casual

nacional), volkstum (folclore), altdeutsch (estilo antigo

deve refletir as necessidades de adaptação ao

como vestidos amplos, camisetas, calçolas e

alemão) e, ainda, kultur (cultura), consciência de uma

ambiente, de se proteger do clima e atender ao corpo

ceroulas são usadas dentro de casa ou como roupa

nação com base na sua cultura e produção, tanto

por meio do movimento e da higiene (Renaux, 1995).

de baixo. No início de século 20, a roupa casual é

intelectual quanto material. Tais conceitos, além de

Predomina na Colônia de Blumenau um estilo de

associada à roupa utilitária e ao uniforme. A partir de

valorizarem o sentimento de pátria nacionalista,

roupa coerente com os padrões burgueses, para os

1950, o atual básico jeans e camiseta vira imagem

reforçam o senso de ousadia e transformação que se

quais a estética conta menos do que a ética e a honra

revolucionária para a juventude rebelde e, na

traduz em uma vida voltada para o trabalho e que tem

e a economia se traduz na limpeza e nos cuidados

década de 1960, é apropriado definitivamente como

como realização a felicidade do dever cumprido. O

pessoais. O traje do colono da época, segundo Renaux,

elemento do vestuário jovem e descolado, e dai em

novo clima estabelecido traz certo lebensführung, ou

é a calça de linho, camiseta de algodão e chapéu

diante nunca mais sai do guarda-roupa.

estilo de vida, segundo a historiadora catarinense Maria

de abas largas. Os pés, descalços ou enfiados em

Luiza Renaux. Essa nova atitude rejeita a frivolidade dos

tamancas. As mulheres se vestem como na Alemanha

contribuição do filósofo para o pensamento da

hábitos de imitação à corte, assim como os galanteios

rural, com saia, avental e blusa; porém, na colônia,

modernidade – a dialética, proposta conceitual e

e maneirismos dos cortesãos, em favor das virtudes

algumas vezes se permitem abrir mão do corpete, do

metodológica que tanto influenciou o pensamento

pequeno-burguesas consideradas mais legítimas por

xale e da touca (Idem, 1995). Para as ocasiões especiais,

científico e materialista. Ambos, zeitgeist e moda,

estarem fundamentadas na realidade da produção

consultam os figurinos das revistas trazidas da Europa.

são regidos pela dinâmica da dialética a partir de três

humana, conforme o espírito do tempo, o zeitgeist.

O próprio Dr. Blumenau, fundador da colônia

Como foi documentado por Renaux, o que é

40

Para os imigrantes, vestir-se, assim como morar,

De volta a Hegel, cabe aqui retomar outra grande

movimentos em looping: tese, antítese e síntese. A

batizada com seu nome, adepto da camiseta de

tese é como uma hipótese, que, uma vez identificada,

considerado “cortesia” passa a ser visto como afetado

algodão e da calça de linho, instrui seus conterrâneos

gera a antítese, espécie de tensão que busca apaziguar

e artificial, ao contrário da “virtude”, associada ao

sobre a adaptação ao estilo de vida colonial. Segundo

o conflito, até chegar ao consenso, que é a síntese, o

honesto e autêntico. O antigo amor à honra galante

documentado pela historiadora catarinense Sueli Petry,

resultado, propulsor da próxima tese, ponto de partida

é substituído pelo amor ao trabalho burguês. O fim

Blumenau aconselha o imigrante a possuir pantalonas

para um novo ciclo na dialética da moda.

da malha social tradicional e as transformações das

e colete de cetim preto, de preferência no corte da

relações econômicas e produtivas levam camadas

moda (Petry, 2000). Aos menos exigentes, o fundador

pode ser considerada uma antítese da moda afetada

da sociedade a uma onda de imigração, na segunda

indica que tenha pelo menos um paletó fino de tecido

da corte rococó do século 18, que culmina com o

metade do século 19, que atinge seu auge nas

azul, para as ocasiões especiais. O antagonismo entre

movimento da contrarreforma (Dress Reform) no século

décadas de 1880 e 1890. Os primeiros imigrantes

a roupa do dia a dia e o traje para ocasiões especiais

19. O movimento continua na oposição ao longo do

alemães que chegam ao Brasil e instalam-se na

pode, neste momento e lugar, pode parecer um tanto

século, quando adquire valores éticos e morais. As duas

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A dialética hegeliana aqui aplicada à moda casual


grandes guerras do início do século 20 impulsionam a tendência ao utilitário e racional, que no armistício rende-se ao New Look de Christian Dior. Na década de 1970, um estilo de vestir-se sem pompas nem circunstâncias rompe de vez com o mainstream e assume uma posição de contracultura. Jovens de ambos os sexos aderem ao conforto e ousadia da roupa folgada, sem restrições, logo em seguida da roupa justa e elástica (leggins e collants). Esses movimentos refletem a libertação do corpo e, metaforicamente, da mente. Nos últimos 30 anos, a revolução da moda casual continua em curso Influenciada pelo movimento do japonismo dos anos 1980, adquire estética minimalista e desconstruída, com inspiração no pauperismo da era pós- industrial europeia. Na década seguinte, na Europa e nos Estados Unidos, vem nova revolução no vestuário que traz a estética do inacabado e assimétrico dos

BOUCHER, François Leon Louis. A history of costume in the west. Thames and Hudson, Nova York, 1996. CUNNINGHAM, A. Patricia. Politics, health and art: reforming women’s fashion, 1850-1920. The Kent State University Press, Kent, 2002. PETRY, Sueli. A fibra tece a história: a contribuição da indústria têxtil nos 150 anos de Blumenau. Sintex, Blumenau, 2000. RACINET, Auguste. The costume history. Taschen, Paris, 2014. RENAUX, Maria Luiza. O papel da mulher no Vale do Itajaí, 1850-1950. Editora da Furb, Blumenau, 1995.

designers belgas da Antuérpia e o estilo desencanado e descombinado dos grunges de Seattle. A partir dos anos 2000, o casual encontra-se definitivamente assimilado no vestuário urbano ocidental. Atualmente, com os micromovimentos simultâneos que permeiam a cultura material como os High and Low, do Fast Fashion, do Normcore, do See now buy now e do Genderless, entre outros, chegamos a uma 41

possível síntese da dialética da moda, quando opostos são anulados, moda e casual entram em equivalência e indústria, cultura e sociedade são uma só. A arte do vestuário propõe perceber e refletir justamente sobre este zeitgeist sem restringir-se ao vestuário, apesar de este ser seu objeto de estudo.

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MUSEUDE HÁBITOS -E COSTUMES OLHAR VOYEUR COM A HISTÓRIA E LIFESTYLE DA REGIÃO 44

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S

urpreende o desenho lúdico de uma peça do vestuário feminino em tamanho gigante

na fachada do antigo casarão tombado pelo patrimônio histórico. É lá que está localizado o Museu de Hábitos e Costumes, instituição vinculada à Fundação Cultural de Blumenau. A sensação de voltar no tempo faz parte do programa, assim como a expectativa do sonho prometido que desperta o local, com seus ares de casa de bonecas. A experiência é intensificada pelo fato de o projeto expográfico ser concebido de forma a permitir a visitação livre, pela qual o frequentador circula à deriva, faz suas escolhas de percursos e constrói sua

DE BLUMENAU

própria trajetória no tempo. A partir daí, uma vez as portas abertas, é só atravessar quartos e cômodos e subir as escadas correndo, como criança, para deleitar-se com os ambientes e seus acervos que dão a impressão de que, ao menos no casarão, o tempo não passa. A exposição permanente apresenta vestígios dos hábitos e costumes catarinenses, dos séculos 19 e 20, representados por mais de cinco mil peças entre vestuário masculino e feminino, chapéus, luvas, sapatos, bolsas, malas, acessórios diversos, brinquedos, além do mobiliário e objetos de uso doméstico. Grande parte do acervo doado à Fundação Cultural de Blumenau foi reunido pela Sra. Ellen Weege Vollmer, herdeira da antiga Fábrica de Chapéus Nelsa.

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PROJETO EXPOSITIVO

a reconstituição de uma antessala de banho,

O casarão tem três andares expositivos com espaços

espécie de bourdoir feminino que convida a uma

temáticos. Entre as curiosidades, o local já foi

observação intrometida e indiscreta da intimidade

banco e no térreo há resquícios dessa atividade

feminina. Em outra sala, a ambientação de uma

com o grande cofre-forte. Nesse espaço acontecem

pequena oficina de costura, com alfaiates sentados

exposições temporárias que, de alguma forma,

em suas máquinas profissionais, reforça a tradição

dialogam com o acervo permanente. No sótão

da região na produção do vestuário.

da casa há um intrigante ambiente onde estão

Outro olhar sobre o mesmo tema é a

reproduções dos quartos da família com mobiliário

representação das costureiras domésticas,

de época, objetos pessoais e peças do vestuário

mães de família que atendiam, com seu ofício,

dispostas displicentemente como se o espaço

às necessidades vestimentares do lar, além de

ainda fosse habitado. Uma instalação com as malas

comercializar o excedente da produção como

reunidas pela Sra. Vollmer entre cestas, baús de

complemento da renda familiar. Um ambiente que

navio e caixas de chapéu evoca reminiscências

reproduz o espaço que costumava ser dedicado aos

sobre a travessia transatlântica dos imigrantes da

trabalhos manuais femininos mostra a riqueza dos

Europa para os trópicos. Ponto de convergência

saberes populares entre bordados e rendas, através

entre o acervo, o ambiente e a experiência da

de instrumentos, materiais e mostra das técnicas.

visitação é o conflito silencioso, que ainda assim se

Mais adiante, uma vitrine com um maiô preto,

faz perceber, entre o imigrante que chega no Brasil

de linhas retas, datado de 1929, reflete a geometria

com seus trajes europeus e por baixo usa peças

Art Déco do período. Um vestido de noiva fluido e

de algodão e linho e o brasileiro que se veste com

romântico, porém, sem aviamentos, oferece uma

algodão e linho, porém, no contato com o europeu,

pista sobre o despojamento e simplicidade, por outro

redefine seu conceito do estar bem vestido

lado, a expertise no vestuário que é característico

em sociedade.

da região. A ambientação da peça contra um painel de altar de igreja como pano de fundo contribui

46

MULHER, INDUMENTÁRIA E ESTILO DE VIDA

para a experiência do olhar e do sonhar. Desperta

Em especial, o universo feminino é bem

a atenção, ainda, um conjunto em tecido plano de

representado na coleção de peças íntimas entre

saia e blusa com laço no pescoço, em tons azulados,

negligées, calçolas, cintas-ligas e, até mesmo,

acompanhado de um scarpin bege. O look, de uma

paninhos higiênicos usados no século 19. A

assombrosa atualidade, faz alusão ao perfil da mulher

cenografia que contextualiza essa coleção traz

profissional catarinense, com espírito empreendedor.

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REMINISCÊNCIAS O resultado dessa coleção foi reunida em 75 malas, para que, no futuro, pudessem ser abertas e apreciadas por quem não testemunhou aquelas épocas

OUSADA E VISIONÁRIA

Uma instalação com as malas reunidas pela Sra. Vollmer entre cestas, baús de navio e caixas de chapéus evoca reminiscências sobre a travessia transatlântica dos imigrantes da Europa para os trópicos

Em seus diversos depoimentos sobre o incrível acervo que colecionou ao longo de sua vida e doou para a Fundação Cultural de Blumenau, a Sra. Ellen Vollmer, descendente de imigrantes pomeranos, que chegaram ao Brasil na segunda metade do século 19, afirma que a coleção começou quando ainda era menina. Além do gosto e interesse pelo vestuário e itens do cotidiano, quando ficou moça passou a guardar os objetos que ganhava da avó e da mãe adotiva. Quando percebeu que os hábitos das famílias de Blumenau estavam mudando e muitas abandonavam os antigos casarões para morar em apartamentos, começou a juntar objetos e roupas deixados para trás. O resultado dessa coleção foi reunida em 75 malas, para que, no futuro, pudessem ser abertas e apreciadas por quem não testemunhou aquelas épocas. A oportunidade surgiu com o apoio da amiga, a historiadora Sueli Petry, e o incentivo do empresário Wander Weege, que se ofereceu para viabilizar o museu como salvaguarda do acervo.

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MUSEU HERING Concebido para a salvaguarda da memória de uma empresa que atravessa três séculos de tradição na área têxtil e de confecção, o Museu Hering destaca-se pelo ineditismo no país, mas a surpresa não para aí. Uma visita ao bairro do Bom Retiro, em Blumenau, poderia ser mais uma brand experience, porém, na casa do século 19, com arquitetura em Enxaimel, a marca é um mero pretexto para o gesto de resgate e preservação. Não apenas da memória e do acervo material, mas também da herança cultural e industrial da região

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O POTENCIAL INTANGÍVEL


O

Museu Hering expressa sua essência a partir dos pilares “família” e “companhia”, que

ao longo da experiência ramificam-se para relações com o design, a linha de produção e a propaganda. Os méritos da criação do museu devem-se a Ingo Hering, presidente da companhia na década de 1980, quando esta comemorou 100 anos de existência. Na visão de Ingo, a centenária empresa merecia um espaço para guardar e preservar sua história. O projeto, desenvolvido com uma equipe de museólogos, foi realizado 30 anos depois, às vésperas dos 130 anos, que passou a ter sua trajetória exposta. No decorrer da concepção, do desenvolvimento do projeto e do funcionamento do museu, foram incorporadas áreas de pesquisa e

DE UMA MARCA

comunicação. O ponto de partida para a expografia foi o levantamento do acervo institucional existente, composto de documentos, fotografias, vestuários, catálogos, mostruários têxteis e maquinários de época.

REGISTRO HISTÓRICO Como fio condutor para a experiência vivenciada no Museu Hering estão o passado e o presente de uma empresa têxtil que começou sua história na colônia de Blumenau, no final do século 19, e construiu uma trajetória relacionada à industrialização da região do Vale do Itajaí. Quando Friedrich Hermann Hering, fundador da empresa, partiu da Alemanha, o país fazia uma tardia travessia do modelo feudal medieval para o sistema capitalista industrial. No Brasil, Hermann encontrou um processo fabril embrionário e uma economia apoiada na lavoura. Na Europa, o novo sistema industrial organizado a partir de turnos de trabalho em fábricas, da produção em série e do uso de maquinário tecnológico representava uma transição do modelo econômico agrícola e artesanal. As notícias divulgadas pelos agentes de imigração da época, sobre as oportunidades no novo continente, exerciam enorme fascínio nos pequenos e médios produtores e comerciantes. Foi nesse contexto que Friedrich Hermann emigrou da Alemanha, em 1878, para desbravar novos territórios de existência na colônia alemã de Blumenau, recém-fundada no Estado de Santa Catarina, em 1850. Mestre em tecelagem na pequena cidade de Hartha, na antiga Baviera, Hermann mantinha, com o irmão Bruno, uma casa de varejo e atacado. Herdeiros de uma tradição familiar secular, com especialidade profissional na tecelagem e malharia, os Hering decidiram trazer esse conhecimento para o Brasil. Hermann veio primeiro com os filhos mais velhos, depois trouxe a mulher, o irmão e os demais da família para ajudar nos negócios. No ano de 1880, os irmãos fundaram a Gebruder Hering (Irmãos Hering) sem saber que ali colocavam a pedra fundamental para o desenvolvimento industrial têxtil e de confecção da região.

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ACERVO VIVO

IMERSÃO SENSORIAL

Por meio das culturas material e midiática, o

O projeto museológico é, principalmente, uma

acervo reforça valores simbólicos e culturais.

sofisticada exposição midiática construída

Entre os bens móveis, encontram-se têxteis,

com recursos multimídia, a partir dos quais, ao

objetos, instrumentos e maquinário, além de

representar o passado, recria-se uma inesperada

correspondências, fotografias e catálogos.

ruptura com o presente. A sensação permanece

A maior parte do acervo encontra-se

ao longo de toda a visitação, sendo intensificada

nas salas 1 e 2 do museu.

ainda mais por se estar em uma típica casa do

Na sala 1, entre amostras de algodão in natura, fios e modelos das primeiras peças produzidas pela empresa, como uma camiseta

Enxaimel. A sala 1 traz um vídeo sobre a cidade de

de 1930, estão cartas e documentos que

Blumenau contextualizando a criação da empresa.

registram a evolução da região. O centro

Uma réplica antiga de uma carta de Hermann à

da atenção da sala são dois teares ainda em

sua esposa, Minna, e família na Alemanha, de 31

funcionamento. O mais antigo é uma verdadeira

de julho de 1879, vem acompanhada de recurso

relíquia, por se tratar de um tear circular francês

em áudio que traz uma narrativa oral da carta,

do ano de 1889, movido manualmente

interpretada por ator com sotaque alemão.

e registrado na Cia. Hering como número

Na sala 2 há um sistema audiovisual projetado em

3 do patrimônio. O tear produz três

painel com depoimentos dos funcionários e ex-

tipos de malha – meia-malha, moletom

funcionários, acionado pelo visitante por meio da

e piquê – e tem capacidade produtiva

escolha de temas e personagens em tela tátil.

de até 10 quilos por dia.

Na sala 3, verdadeira imersão midiática. Primeiro,

Na sala 2 estão belas máquinas de costura

52

século 19, com tijolos aparentes e estrutura

um audiovisual com a evolução “Moda nos

das décadas de 1930 e 1940, com linhas Art

séculos 20 e 21”; depois, um choque ao se deparar

Déco e Art Nouveau, além de uma máquina

com nove monitores de vídeo que representam,

de costura do século 19 em ferro e caixa de

com certo distanciamento, a cadeia produtiva

madeira. O acervo é aberto para receber novas

têxtil. Cada monitor traz imagens em movimento

doações e tem um programa de preservação

das diferentes etapas da linha de produção

contemporânea a ser lançado. A proposta é

de uma indústria de moda, entre as quais:

coletar e documentar com critério a produção

engenharia de produto, malharia, beneficiamento,

das diferentes marcas da empresa.

estamparia, corte, costura, bordado e embalagem.

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Em outra tela menor, um vídeo em looping

construção consiste na técnica de encaixar vigas

mostra a montagem, a partir do zero, do padrão

de madeira aparentes, entre si, na horizontal,

de loja Hering. Ainda na mesma sala, o painel

vertical e transversal, chamada de fachwerk ou

conceitual “Intimidade” traz a relação da

Enxaimel. A edificação é considerada peça do

percepção através da intermediação midiática.

acervo e no ano de 2002 foi tombada pelo IPHAN

Trata-se de um painel fotográfico acessado por

(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

furos que simulam buracos de fechadura, por

Nacional). A Enxaimel acabou sendo retomada na

onde se pode bisbilhotar a roupa de baixo de

nova identidade visual do Museu Hering, a partir

diferentes épocas e idades.

de um tipo de letra inspirado na arquitetura, o

Para fechar, um vídeo com o tema

Enxaimel Type.

“Criatividade na moda”, com amostra de estampas na malha. Na sala 4, o grand finale: retrospectiva da ética e estética brasileira, da década de 1960 a 2005, por meio de comerciais da Hering veiculados na televisão.

PATRIMÔNIO IMÓVEL E VIRTUAL Além da casa e seu acervo, faz parte do patrimônio do Museu Hering o seu entorno, considerado um verdadeiro museu a céu aberto. Trata-se de um conjunto arquitetônico industrial remanescente do núcleo inicial histórico do bairro do Bom Retiro, onde a empresa se instalou no final do século 19. Construções europeias características, como a Enxaimel, misturam-se a vilas operárias e edifícios com arquitetura industrial modernista, projetada pelo arquiteto de origem alemã Hans Bross e com jardim suspenso assinado por Burle Marx. A sede do Museu já foi um antigo refeitório e

O arrojado conceito do Museu Hering utiliza-se de recursos multimídia para incentivar o acesso voluntário e interativo do visitante. A exposição de longa duração, “Tempo ao Tempo”, reflete a sabedoria do fundador, Hermann Hering, que costumava dar tempo às adversidades

biblioteca para os funcionários da empresa. Sua

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HISTÓRIA, TRADIÇÃO ECULTURA 56

ENTREVISTA

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SUELI PETRY


Diretora de Patrimônio Histórico e Museológico da Fundação Cultural de Blumenau, Sueli Petry analisa de que forma história, costumes e produção material são alinhavados na herança cultura do Vale do Itajaí

S

ueli Maria Vanzuita Petry é considerada guardiã da memória da região e condecorada

cidadã honorária blumenauense. Entre seus muitos feitos, é autora de livros, edita a revista “Blumenau em Cadernos” e conhece de cor e salteado o precioso acervo de indumentária do Museu de Hábitos e Costumes, legado da Sra. Ellen Vollmer. Sueli é historiadora, especialista em administração de arquivos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e foi professora, durante 16 anos, nos cursos superiores de História e Moda da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Nesse relato, a “guardiã da memória” tece seus comentários sobre a evolução de Blumenau e a tradição no vestuário, desde a chegada dos primeiros colonos europeus até a relevância do Vale do Itajaí como polo produtivo.

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HERANÇA INDUSTRIAL COM MAIS DE 100 ANOS

casando, migravam para outra região, o que acabou

As primeiras indústrias da região foram

a não gerar grandes latifúndios. Em seguida, vieram

desenvolvidas a partir da demanda de

os artesãos e comerciantes, aquele colono que não

fornecimento para os imigrantes que chegavam

era agricultor. São os marceneiros, oleiros, talheiros,

em decorrência da herança produtiva industrial;

principalmente da Itália e da Alemanha. Quem

pequenos comerciantes, que perdiam autonomia na

por outro lado, a manifestação da moda como em

fornecia o tecido grosso, listrado, usado nas calças

Revolução Industrial tardia da Alemanha e da Itália.

um desfile pode ser algo apoteótico, que apresenta,

dos colonos era a empresa Industrial Garcia,

As grandes indústrias que foram se estabelecendo,

lança a produção da indústria, mas também traz

primeira grande tecelagem da região. Quem fazia

assim como as casas de comércio, tornaram-se as

uma manifestação do “aqui e agora”. Na década

os cuecões, as ceroulas, isto é, a roupa de baixo,

grandes irradiadoras da cultura local.

de 1850, a Europa vivia um pós-renascimento,

era a Hering. Quem fazia um tecido diferenciado

com Charles Frederick Worth inaugurando o

para decoração era a Karsten. No século 19, Garcia,

que viria a ser conhecido como a alta-costura e,

Hering e Karsten foram as pioneiras no sentido de

aqui em Blumenau, iniciávamos um processo de

iniciar um parque industrial têxtil em uma região

colonização.

que não possuía matéria-prima, porém tinha

MODA, CONCEITO E COLONIZAÇÃO Estamos em uma crise dos paradigmas e das grandes instituições, como os desfiles de moda e a própria definição do que é conceitual. No Brasil há um ponto de vista de tratar moda como design,

território, recursos hidráulicos, mão de obra com RELAÇÃO VELHO E NOVO MUNDO

herança na manufatura europeia, além do espírito de empreendedorismo, comum nos processos de

Em nossos acervos temos revistas do ano 1868 que

colonização.

eram importadas da Europa. Ou seja, a alta-costura iniciando-se lá e as mulheres lendo as revistas aqui. Por quê? Quem eram essas mulheres? De que forma

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gerando muitas terras em lotes pequenos, de forma

INDÚSTRIA E COMÉRCIO A base da economia local passou a ser os comerciantes, que dominavam a economia em diversas localidades. O comerciante recebia do colono a matéria-prima. Porém, o colono não retirava o capital, deixava a render juros. Com isso, o comerciante acumulava capital e investia em várias outras ações. Na década de 1920 veio a segunda leva de imigrantes da Alemanha, após a

IMIGRAÇÃO E ASSENTAMENTO

Primeira Guerra Mundial. Já não era o imigrante

esse conhecimento contribui para a cultura local?

No Estado de Santa Catarina, tudo começou com

em busca da terra e sim o profissional que desejava

Por outro lado, ao chegarem à região, os colonos

as imigrações. No litoral foram os açorianos; eles

se recuperar financeiramente e voltar para seu

tiveram que abandonar seus pomposos trajes

queriam o mar, ao qual estavam acostumados. Para

país. Porém, quando chegou aqui, percebeu que

europeus. Devido às condições rústicas da região,

o interior veio o europeu em busca de terras para

havia campo e incentivo, porque o comerciante

houve um empobrecimento do traje. Hermann

desenvolver uma economia latifundiária, porém,

iria financiá-lo. Em 1907 foi criada uma “caixa

Blumenau, médico e filósofo alemão, que na década

de pequena extensão rural, minifúndios suficientes

econômica” de empréstimos local, organizada por

de 1850 recebeu autorização para estabelecer uma

para sobreviver. As famílias continham de 12 a 15

comerciantes e industriais. Essa caixa deu origem

colônia privada na região, já alertava os futuros

membros e, segundo a tradição, o filho mais velho

ao Banco Inco (Banco Indústria e Comércio de

imigrantes sobre o vestuário apropriado ao uso no

saía de casa e o mais novo ficava tomando conta

Santa Catarina), que funcionou de 1934 a 1968,

país tropical.

dos pais. Portanto, à medida que os mais velhos iam

quando foi vendido para o atual Bradesco.

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CULTURA, POLÍTICA E TECNOLOGIA Blumenau era o centro intelectual e cultural, onde estavam estabelecidos a indústria e o comércio. Tudo se passava ali e o município tinha uma votação estrondosa, a ponto de ser considerado uma ameaça ao projeto de nacionalização. O grande município de Blumenau, que até 1930 tinha 10.610 km² e atualmente possui apenas 519,8 km², foi dividido em 40 municípios. Cada município desenvolveu um sistema econômico próprio, porém, interdependente e à semelhança de Blumenau, que continuou sendo o centro de referência para a região metropolitana do Vale do Itajaí. Havia o hábito de replicar o que se fazia em Blumenau, desde modelos econômicos até celebrações e projetos urbanos – o cordão umbilical continua até hoje. Apesar

isenção fiscal de 10 a 15 anos, para empresas

mãe na malharia como estilista, desenhista,

se estabelecerem na região e terem tempo de

decoradora, uma espécie de mulher das

maturação, de formação de mão de obra e

sete profissões. Em 1965, com a influência

começarem a crescer. Nas cidades do interior,

da cultura jovem e da mudança na moda, a

como Rodeio, Ascurra, Ipiranga, Indaial e Gaspar,

fábrica de chapéus Nelsa fechou. Dona Ellen

por exemplo, as mulheres trabalhavam no

se transformou em colecionadora de vestuário.

campo; porém, fazia parte da formação feminina

Morria alguém e ela estava lá. Foi juntando

saber costurar. Com apenas 12 anos de idade já

botões, linhas, tecidos, sapatos, vestidos, maiôs,

faziam curso de corte e costura, como parte da

chapéus, bolsas, peles e acessórios. Ia guardando

educação para o lar. À medida que as grandes

tudo em malas e, para não atrair traças, colocava

indústrias pioneiras, como a Hering, foram

dentro um saquinho de pimenta-preta. Em cada

reformulando suas estruturas, incentivaram seus

peça, colava uma etiqueta com dados sobre a

ex-funcionários a abrirem suas próprias facções e tornarem-se terceirizados. Além de disponibilizar assistência em gestão e contabilidade para os novos empreendedores, financiavam a venda de maquinário de segunda mão. Assim foram surgindo pequenas empresas familiares.

de descentralizada, a região passou a investir em outras tipologias de empresas. Na década de 1960 teve início um grande investimento em empresas

ELLEN VOLLMER E O MUSEU DE HÁBITOS E COSTUMES

de tecnologia da informação. A região até hoje é

Ellen Vollmer, nascida em 1928, é filha adotiva

muito forte, tanto no desenvolvimento de softwares

de uma senhora de espírito empreendedor,

quanto de hardwares para a indústria pesada.

Cecília Weege Lischke, proprietária, com o

Ellen Vollmer foi pioneira no sentido de perceber

marido e, depois, o genro e a filha, da fábrica DESENVOLVIMENTO DO POLO TÊXTIL E DE CONFECÇÃO

de chapéus Nelsa, fundada em 1924. A família

Blumenau, como polo, impulsionava outras

lá, comprava máquinas e fabricava localmente.

indumentária local

regiões, já que as cidades do entorno tinham

Em 1953, abriram a malharia Maju, que produzia

território, porém, quase nenhuma atividade, a

como patrimônio

roupas íntimas e pijamas. A empresa fornecia a

não ser a agrícola. Aos poucos, as prefeituras

roupa fechada, a camiseta e a calcinha prontas.

foram estimulando o desenvolvimento com

Dona Ellen participava de tudo, ajudava a

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a importância da

viajava para a Europa, via o que era produzido

artístico e cultural

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A MODA NOTEMPO 18281860 1910 1950 1980 Quando a colônia de Blumenau é fundada, em 1829, no Estado de Santa Catarina, a Europa passa por verdadeira mudança de paradigma, com a queda das monarquias absolutistas e a ascensão das novas correntes de pensamento revolucionárias, como o Iluminismo francês e o Esclarecimento alemão. Ao longo do tempo, acontecimentos locais coincidem com globais

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Na década de 1880, quando uma pequena malharia inicia suas atividades industriais no Vale do Itajaí, a primeira maison de alta-costura em Paris estava a pleno vapor. Nos anos 1990, a reviravolta com a ideologia do desconstrutivismo se manifesta na moda na Europa e nos Estados Unidos, enquanto no Brasil o movimento é visceral, com o fim do protecionismo da indústria local e a abertura do mercado para a importação. 2016 é o ano em que Santa Catarina se consagra como polo produtivo de moda e o mundo assume definitivamente o casual. c a p í t u l o

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A Revolução Industrial na Inglaterra alavanca a indústria têxtil. Na Europa do início do século 19, estilos de moda já haviam sido estabelecidos, porém, detalhes e acabamentos mudam rapidamente, com variações nos aviamentos, mangas e chapéus para mulheres. Casacos,

18281850

culotes, calças, casacas e gravatas assumem novas formas para os homens.

Na arcaica Confederação Alemã do início do século, a indumentária ainda é inspirada no Antigo Regime francês; contudo, nenhum corte controla mais a roupa, que passa a ser modificada pela influência de outros grupos sociais. A burguesia emergente busca reconhecimento social através das roupas. Com a homologação de concessões provinciais outorgadas por Dom João VI, com direitos de terra e privilégios de exploração, sai de Hamburgo o primeiro transporte de imigrantes para a nova colônia que se forma no norte da província de Santa Catarina. Os imigrantes recebem lotes de terra e passam a se dedicar principalmente à agricultura. São fundadas colônias como Blumenau e Brusque, surgindo uma malha urbana multipolarizada, com pequenos e médios núcleos populacionais. Hermann Bruno Otto Blumenau, nascido no distrito de Harz, na cordilheira alemã da Alta Saxônia, funda, em 1850, a colônia de Blumenau, após receber autorização do Governo Provincial para explorar e povoar o território do Vale do Itajaí, região serrana banhada pela bacia do Rio Itajaí-Açu.

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Blumenau torna-se um dos mais bem-sucedidos empreendimentos de colonização da América do Sul. Os colonizadores europeus trazem o gosto pela literatura, arte, música e indumentária. A região torna-se importante polo agrícola e industrial.

As vestimentas dos colonos vão aos poucos se adaptando ao novo ambiente, com uso de calças largas de linho e camisetas de algodão. Em 1857, o

1860 -1900

alfaiate inglês Charles-Frederick Worth funda, na Rue de La Paix, em Paris, o que viria a ser a primeira casa de alta-costura francesa. Worth promove a roupa de ateliê, um modo de produção em que o modelo é preparado com antecedência, mudado com frequência e executado após a escolha da cliente. Em visita à Exposição Universal de 1876, na Filadélfia, o imperador Dom Pedro II compra duas máquinas de costura, buscando fomentar a industrialização do país. Em 1879, Hermann Hering, já instalado como imigrante em Blumenau, compra o primeiro maquinário de sua empresa de malhas: um tear circular manual junto com um caixote de fios. Na Europa e nos Estados Unidos, o movimento chamado Aesthetic Dress Reform rejeita a moda vitoriana ornamental em favor da simplicidade no vestir. Em 1892, é fundada a Fábrica de Tecidos Carlos Renaux em Brusque. 65

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Em 1908, a Indústria Gebrüder Hering recebe o prêmio de Melhor Malharia na Exposição Internacional do Rio de Janeiro. São intensificadas as importações de maquinário têxtil e a instalação de usinas

19101940

hidrelétricas como a de Salto contribui para a industrialização da região.

Em 1913, a Hering inicia a construção de sua própria fiação, passando a englobar todas as etapas da produção. A Industrial Garcia, fundada por Johann Heinrich Grevsmuhl, August Sandner e Johann Gauche, em 1868, é transformada em Sociedade Anônima e adota a denominação Empresa Industrial Garcia & Probst Fábrica de Fiação e Tecelagem. Esse mesmo ano marca a abertura da primeira butique de Gabrielle Chanel na França e o lançamento do automóvel Model T, de Henry Ford, que, inspirado nos processos da indústria têxtil, apresenta sua linha de montagem que revolucionaria o setor automobilístico. Em 1925 é fundada a Fábrica de Chapéus Nelsa S/A, da família da Sra. Ellen Vollmer. Notícias vêm pelas ondas do rádio e dos dois lados do Atlântico; a Primeira e a Segunda Guerra Mundial impactam social e economicamente as relações humanas, refletindo-se nos imigrantes europeus. Nesse período, ocorre a consolidação da indústria têxtil do Vale do Itajaí, com a atuação de estabelecimentos como a Cia. Hering, Karsten, Artex, Teka, Buttner e Carlos Renaux, que, livres da concorrência estrangeira, passam a abastecer majoritariamente os mercados

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local e regional, além do nacional e externo. Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a mulher ocupa o lugar do homem no mercado de trabalho e adere ao uniforme e à roupa utilitária.

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Pouco após o armistício de 1945, surge na França uma nova silhueta marcada pelo New Look de Christian Dior. A coleção, batizada de Corelle (conjunto de pétalas), marca um retorno à feminilidade e traz de volta a submissão do corpo feminino. As americanas

19501970

vão para as ruas protestar, mas a silhueta em linha A impõe-se na década de 1950.

Do oeste americano, o jeans usado por mineiros é incorporado às vestes casuais como expressão da juventude urbana e a t-shirt de algodão é passada de underwear a peça independente do vestuário masculino por influência de mariners e astros de Hollywood, como James Dean. Em 1950, Blumenau, com 48.108 habitantes, já havia desenvolvido sua vocação industrial e comandava as atividades têxteis de municípios como Rio do Sul, Itajaí e Brusque. No lazer, as atividades favoritas dos habitantes da região são o tiro ao alvo, boliche e noitadas de skat (jogo de cartas). Na Europa, Pierre Cardin é o primeiro nome da alta-costura a criar para o prêt-à-porter, sendo o primeiro designer a licenciar produtos com seu nome. Martha Rocha torna-se ícone de beleza nacional, surgem as linhas da arquitetura moderna de Niemeyer e a Bossa Nova dá o tom do período. O presidente Juscelino Kubitschek acelera a industrialização no país e a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande é concluída, redesenhando o fluxo de escoamento da produção sulista. Os Portos de Itajaí e São Francisco do Sul são melhor aparelhados, facilitando o envio da produção catarinense aos mercados externos. O Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex) é fundado em 1952. Em 1960, a Singer lança sua primeira máquina de costura fabricada no Brasil, o modelo 15C, que passa a figurar como item desejado no enxoval das

68

brasileiras. Em 1963, a Rhodia inaugura, na Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), em São Paulo, uma série de desfiles-shows, com coleções que reuniam grandes nomes da moda nacional com o das artes. Com a chegada da Jovem Guarda no ano de 1965, o chapéu cai em desuso e é fechada a Fábrica de Chapéus Nelsa S/A. Sob a direção de Wolfgang Weege, em 1968, inicia-se a produção têxtil da Malwee. Em 1971, Zuleica Angel Jones, a Zuzu Angel, monta um desfile-protesto em Nova York. A primeira edição brasileira da revista Vogue é publicada em maio de 1975 pela Carta Editorial.

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A década de 1980 é marcada por um estilo extravagante, da ombreira à manga-morcego,

19801990

passando pelo jeans de cintura alta e pela calça legging colorida, ícone do gym às discotecas.

Para concorrer de igual para igual com os homens no mercado de trabalho, mulheres aderem ao power dressing e se vestem com ternos e terninhos. Em Nova York, as profissionais vão trabalhar de tênis e carregam o scarpin na bolsa para trocar no escritório. O boom econômico da era Regan/Thatcher e a gradual transferência de poder do Estado para a sociedade traz uma nova mentalidade no Ocidente focado no indivíduo. Nesse novo cenário, entra em cena a figura yuppie do jovem profissional de sucesso que consome bens e experiências extravagantes e cujo lema é o binômio work hard/play hard. O yuppie usa terno e gravata com tênis e deixa a barba por fazer. Oliveiro Toscani assume a estratégia de comunicação da Benetton em 1982 e desenvolve campanhas icônicas para a marca italiana, criando polêmica social e identidade de moda para a roupa básica e casual. A Benetton inova seu modelo administrativo ao investir no just in time, com a produção ajustada conforme a demanda. Em 1986, o jovem casal Rose e Vitor Rambo funda em Blumenau a Rovitex, empresa familiar que teria sua sede transferida para o município de Luiz Alves. Nesse mesmo ano, em Brusque, surge uma marca infantojuvenil que aposta na qualidade, no design, na propaganda e no mascote Digby para conquistar

70

o público jovem: a Colcci. A desconstrução do vestuário ocidental começa na década de 1980, com a onda do japonismo, liderada por Rei Kawakubo, Issey Miyake e Yohji Yamamoto, e culmina no movimento da escola belga, quando seis jovens designers da Escola de Moda da Real Academia de Belas-Artes da Antuérpia – entre estes Ann Demeulemeester, Martin Margiela, Dries Van Noten e Olivier Theyskens – levam suas criações para a Semana de Moda de Londres,

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em 1988. No Brasil, no mesmo ano a Editora Abril lança a revista Elle, voltada para a moda e a cultura pop. Acontece um movimento de bubble up no sistema da moda sem precedentes, com a cultura de rua influenciando a alta-costura, e o estilo jovem e a roupa utilitária são inseridos no mix arbitrário de possibilidades. O tênis se torna ubíquo é até as marcas de luxo passam a lançar seus modelos premium. A abertura de mercado na Era Collor intensifica a competição internacional, principalmente com países asiáticos, com grande impacto na indústria têxtil e de confecção brasileira. São necessárias novas estratégias e um novo posicionamento empresarial. As importações e a alta do preço do algodão na década de 1990 desencadearam a crise em uma das maiores malharias do país, a Sulfabril, fundada em 1947. A Fábrica de Tecidos Carlos Renaux, em Brusque, é outra a sofrer com as consequências da nova conjuntura; fundada em 1892, encerra suas atividades após 121 anos. Em 1990 começa a MTV no Brasil trazendo a estética “moderninha” das bandas de rock e dos VJs.

cenário dos primeiros cursos superiores em moda no país. A Casa de Criadores é

O surgimento dos eventos de moda no calendário nacional também marca o

lançada em São Paulo, em 1997, apostando na criação autoral e na revelação de

período. A Leslie Semana de Estilo, no Rio de Janeiro, acontece em 1992. Em

novos talentos. Porém, foi no ano anterior que o produtor Paulo Borges lançou

São Paulo, o Phytoervas Fashion, direcionado a novas marcas, toma forma no

o Morumbi Fashion, evento que se consolidaria internacionalmente ao longo

ano de 1993 e, no ano seguinte, acontece a primeira edição do Mercado Mundo

dos anos, passando a se chamar São Paulo Fashion Week (SPFW) em 2001.

Mix. Em 1994, a Hering inicia as primeiras operações no modelo de franquias e,

Em 1998, durante o XVIII Congresso Nacional de Técnicos Têxteis, discute-se

no ano seguinte, engaja-se na campanha “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”

pela primeira vez o impacto causado pela indústria têxtil ao meio ambiente.

para arrecadar fundos para o Instituto Brasileiro de Combate ao Câncer. Em

O grunge, movimento que se iniciou com as bandas de garagem da cidade de

1996, ingressa a primeira turma no Bacharelado em Moda com Habilitação em

Seattle, nos Estados Unidos, influencia um novo estilo de vestir mais despojado,

Estilismo da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), reforçando o

com uso de calças amplas, xadrez, moletom e tênis.

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20002016 72

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Em fevereiro, o The New York Times declara que 2000 é o ano da moda brasileira. O grupo AMC Têxtil adquire a Colcci e, com alto investimento em marketing, assume novo posicionamento no mercado, contratando Gisele Bündchen, já consagrada nas passarelas e editoriais internacionais com status de übermodel.

Em 2001, é fundada a Incofios, empresa de fiação de algodão e outras

Instituto-e de Oskar Metsavaht, que se torna ícone de um lifestyle de moda

fibras naturais, visando abastecer o mercado nacional com matéria-prima

consciente. Em 2011, o empresário é citado pela revista norte-americana

de qualidade. Em 2003 acontece a primeira edição do Donna Fashion em

Fast Company como uma das 100 pessoas de negócios mais criativas do

Florianópolis, com marcas catarinenses no line up. Em 2005 o Centro

mundo e sua Osklen recebe o título de “Marca de Luxo Emergente do Ano”,

Universitário Senac abre as inscrições para o primeiro mestrado acadêmico

em Londres. Em Pomerode, o Instituto Orbitato lança, em 2010, o “Projeto

em moda da América Latina chamado de Moda, Cultura e Arte. Ainda no

Mulheres de Mafra”, com o objetivo de repensar os resíduos da indústria

mesmo ano, o primeiro congresso científico de moda no Brasil é realizado

têxtil num modelo de solução upcycling. Acontece a fusão da Sulfabril de

no Centro Universitário Moura Lacerda, de Ribeirão Preto. No ano de 2006,

Blumenau com a Quality Malhas, de Brusque. O estilista Lui Iarocheski

a Dudalina, a fábrica de camisas fundada por Duda e Adelina Hess em 1957,

ganha o RG Design Award de Viena e passa a integrar o line up oficial

entra no varejo com lojas próprias com as marcas Dudalina, Individual, Base e

do Vancouver Fashion Week. Em 2015, Gisele Bündchen se despede das

Dudalina Concept. Em 2010 a empresa lança a Dudalina Feminina, apostando

passarelas durante o desfile da Colcci na SPFW. A Udesc inicia o primeiro

no desenvolvimento de camisas para mulheres profissionais. Em 2007, o

Mestrado Profissional em Design de Vestuário e Moda de Santa Catarina em

grupo AMC adquire mais uma renomada marca brasileira, a Fórum, fundada

2016, o ano das Olimpíadas no Brasil. Nicolas Ghesquiere, da Louis Vuitton,

por Tufi Duek em 1981. A segunda década do novo milênio começa em um

traz a coleção Cruise, inspirada no tema olímpico e no melhor estilo

cenário de crise econômica global. As novas mídias acentuam uma forma de

Athleisure, para desfilar no Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói.

comunicação pulverizada, em que o conceito de experiência de marca e do

Heide Slimane para a Yves Saint Laurent apresenta a coleção primavera/

usuário ganha força no mundo da moda com o branded content, reforçando a

verão de moda casual inspirada no grunge dos anos 1990 e no normcore

presença corporativa nas redes sociais e canais proprietários. Entra em pauta

de 2015, no ano seguinte Slimane sai da YSL. A Rovitex comemora 30 anos

de vez a sustentabilidade na cadeia produtiva, com exigências legais para a

com o incentivo ao livro Arte do Vestuário, publicação sobre a produção

operação da indústria têxtil nacional, preconizado por iniciativas como a do

industrial e cultural de moda em Santa Catarina.

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CAPÍTULO

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A produção material de um setor reflete-se na cultura da sociedade onde se insere, assim como em sua cadeia de distribuição de valores. Conforme narrado no capítulo anterior, tecidas na malha industrial catarinense estão a memória e a tradição de uma região com mais de 130 anos que fazem do Estado um dos principais polos têxteis e de confecção do país. Essa trajetória é revelada em dados quantitativos confrontados com depoimentos de quem faz parte desta 77

história e contribui para que a identidade da região seja seu maior patrimônio.


DOFIO À ROUPA A CULTURA TÊXTIL DE SANTA

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A

o desconstruir e reconfigurar a dialética hegeliana, do processo histórico para o materialismo, o

filósofo e sociólogo Karl Marx (1818-1883), conterrâneo de Hegel, sugere que nas bases das causas mais importantes que uma sociedade produz estão os bens materiais e estes podem ser evidenciados por meio de dados econômicos. No sentido do materialismo dialético, tecnologia, meios de produção, mão de obra e bens materiais decorrentes dos processos produtivos e, ainda, a circulação desses valores tornam-se registros preciosos sobre como uma sociedade produz sua cultura. Portanto, a produção material de uma região também é produção de valores culturais. Um conjunto de indicadores macroeconômicos confirma que o Estado de Santa Catarina tem um papel relevante na produção de têxteis no país. Enquanto polos da Região Sudeste concentram grandes mercados de consumo, o principal cluster de Santa Catarina, o Vale do Itajaí, é uma região predominantemente produtora e

CATARINA

distribuidora, que contribui para o Estado apresentar uma participação expressiva de, em média, 15% do total da produção brasileira, posicionando-se como terceiro polo têxtil no país. O polo têxtil catarinense emprega em média o equivalente a 19,1% do mesmo setor nacional. Com um parque industrial sólido, empresas centenárias e uma cadeia produtiva verticalizada, algo cada vez mais raro no mundo, o Estado produz do fio à peça confeccionada e nos últimos anos tem investido em redes de distribuição e marcas próprias, apresentando desempenho e posicionamento no mercado da moda. Na primeira parte deste segundo capítulo, o desempenho do Estado de Santa Catarina é comparado ao da indústria têxtil nacional, a partir dos dados levantados e compilados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) e pelo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI), publicados pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) e pelo Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (SINTEX). Os resultados apresentados mostram desde o volume de produção de têxteis até o investimento em maquinário e equipamento, a empregabilidade do setor e, ainda, a balança comercial nos últimos anos. A pesquisa separa os resultados do setor de têxteis e o da confecção. 79

A segunda parte do capítulo traz depoimentos de profissionais que atuam nas diversas etapas da cadeia produtiva, do supervisor da fiação à piloteira da peça de vestuário, passando pelo profissional responsável pelo tratamento e reuso dos recursos hidráulicos, o que fecha e, ao mesmo tempo, reabre o ciclo de produção. Como fechamento, o capítulo traz entrevistas com proprietários, CEOs e diretores de indústrias têxteis catarinenses que são referência no setor pela sua estrutura produtiva, desempenho ao longo dos anos e crescimento expressivo no mercado.

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CADEIA TÊXTIL

CARACTERÍSTICAS PRODUTIVAS E INDICADORES DA REGIÃO

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C

om os diversos segmentos têxteis representados, o Estado de Santa Catarina tem como

trunfo a integração linear das unidades têxteis e de confecção. Entre as características da produção de vestuário na região encontra-se tanto a roupa básica e utilitária (casual) quanto a participação cada vez mais efetiva na moda e no estilo de vida dos brasileiros. Enquanto a região tem tradição na produção de private label para marcas nacionais e internacionais, nos últimos anos as indústrias passaram a desenvolver marcas próprias e investir no varejo. A malharia é o carro-chefe da região. Porém, ao longo do processo de desenvolvimento de marcas e pontos de venda, o tecido plano entrou no mix de produtos e na composição de looks. Enquanto algumas indústrias mantêm uma linha verticalizada, do fio à roupa pronta, a grande maioria adota o modelo produtivo horizontal ou híbrido, com parte da produção interna e parte terceirizada, ou, até mesmo, comprada fora (outsourcing). Segundo relatório emitido pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) com base em levantamentos dos anos 2011 a 2015, nesse período, a Região Sudeste perdeu parcelas da sua participação na produção de têxteis para outras regiões do Brasil, inclusive a Região Sul, onde Santa Catarina é líder no números de indústrias do ramo. Os dados da ABIT apontam para um quadro de declínio na conjuntura geral da atividade produtiva têxtil nacional. No período analisado, de 2011 a 2015, o número de unidades produtivas em atividade no setor têxtil recuou 4,3% no país como um todo. No ano de 2015, em relação ao ano anterior, a queda registrada foi de 2%. Ainda assim, um segmento forte no Estado de Santa Catarina, a linha lar, que até 2014 correspondia a 25,8% do total da produção nacional, continuou a crescer no período de 2011 a 2015, apresentando alta de 9,9%.

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Meias e outros acessórios do vestuário também

ampliação da capacidade produtiva, como na

menos atraente o desenvolvimento, produção e

sofreram uma retração nacional, registrando uma

aquisição de máquinas, ampliação de instalações

compra de produtos têxteis no exterior, reduzindo

queda de 14,4% no número de estabelecimentos

e treinamento de pessoal, estimados em

o saldo negativo da balança comercial setorial para

em atividade no país. Na confecção, geralmente o

R$ 2,9 bilhões. Porém, esse montante é inferior

US$ 4,8 bilhões em 2015. Isso significou queda

setor no Brasil com maior número de produtores, a

aos investimentos feitos nos anos anteriores e

de 19,2% na relação importação/exportação, após

queda no período analisado foi de 1,2%, enquanto

evidencia uma queda de 32,4% sobre os valores

sucessivas quedas nos anos anteriores.

as fiações apresentaram queda de 10,7%; as

apresentados em 2014 e 26,7% em relação ao

tecelagens, de 6,1%; e as malharias, de 7,8%. Por

ano de 2011. Segundo as pesquisas, o ano de 2015

anos, houve um crescimento de 5,2% na balança

outro lado, os setores que menos registraram

apontou um recuo no investimento dos segmentos

comercial do setor têxtil, já que o déficit em 2011

quedas foram os de fibras e filamentos, com

de manufaturas têxteis como um todo, quando

era de US$ 4 bilhões. Com as importações em

-45,5% e -13,4%, respectivamente. Quanto à mão

comparado ao ano de 2014. O segmento de fiação

queda, produzir localmente e abastecer a crescente

de obra ocupada no setor, a queda foi de 10,4%

registrou o pior índice em investimentos, na ordem

demanda do mercado interno passaram a ser o

no setor têxtil e de 4,7% nos confeccionados.

de 51,6%. No setor de maquinário e equipamentos,

novo foco das indústrias. Além disso, a ABIT destaca

Portanto, no período de 2011 a 2015, o número

apesar de os investimentos em 2015 atingirem

como outro ponto positivo o fato de nos últimos

médio de funcionários por unidade produtiva

R$ 1,6 bilhão, esse valor aponta uma queda de 28,7%

dez anos o preço médio das exportações brasileiras

sofreu declínio tanto no setor têxtil quanto no

em relação ao ano de 2014 e de 24,7% no período

de vestuário terem aumentado 70%. Segundo o

de confeccionados. As pesquisas de BI (business

de 2011 a 2015.

órgão representativo, aproximadamente 65% das

intelligence) indicam como possível consequência

A boa notícia divulgada pela ABIT é que, apesar

Como consequência, nos últimos cinco

exportações brasileiras são de empresas que fazem

desses resultados o maior nível de automação e

de nos últimos anos o Brasil ter se tornado um país

parte do Programa Texbrasil. Parceria da ABIT

modernização do setor.

importador de produtos têxteis e confeccionados,

com a Agência Brasileira de Exportação (APEX),

recentemente houve uma mudança de percurso,

o programa incentiva as empresas brasileiras a

2015 houve investimentos significativos realizados

com as indústrias voltando-se para o mercado

investirem no valor agregado como forma de

na cadeia têxtil brasileira, em modernização e

interno. A desvalorização da moeda nacional tornou

expandir para o mundo.

Apesar do clima de instabilidade, no ano de

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»»4,9 mil empresas representam 15,3% do total de indústrias têxteis do país. »»300 mil empregos gerados no Estado, o que equivale a 19,1% do pessoal ocupado na cadeia têxtil brasileira no ano de 2014. »»465 mil toneladas de produção têxtil, representando 21,3% do volume de produção nacional. »» O Estado concentra empresas de grande porte e capital e tem a segunda maior empresa têxtil do Brasil. »»1,6 bilhão de peças confeccionadas em 2014, o que corresponde a 17,4% do total produzido no país, incluídos vestuário, “camaba” (cama, mesa e banho), artigos técnicos e industriais. »»R$ 22 bilhões foi o valor da produção do setor no Estado, com participação de 17,5% sobre o total nacional em 2014. »»R$ 398 milhões de investimentos em máquinas, equipamentos e instalações no Estado, representando 19% do total investido pelo setor têxtil no país e 1,8% da receita estimada para as empresas da região. »»US$ 172 milhões foram exportados pelo setor no Estado, o equivalente a 18% do total exportado pelo Brasil (excluindo fibras/filamentos). Fonte: Iemi/Sintex

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SETOR T&C Quantidades de Empresas e % de Têxteis diante de Confeccionados TÊXT

IL

COFECÇÕES E MS .139 AN =4

9%

IGUAL A 2.957 EMPRESAS TÊXTEIS NO BRASIL

TÊX

RINA ATA C TA

TI

L

16%

IGUAL A 798 EMPRESAS TÊXTEIS EM SANTA CATARINA

%

EM SANTA CATARINA

= 91%

15,4%

NO

ASIL BR

29.028 COFEC ÇÕ

ES

POLO TÊXTIL Indústrias têxteis no Brasil

84

Das 31.985 indústrias têxteis brasileiras, 4.937 estão localizadas no Estado.

Fonte: Iemi/RAIS

+0,6%

465

462

+1,1%

2.183

2.159

2.114 446

A produção têxtil sofreu uma queda de 8,8% nos primeiros anos da década de 2010. Em 2014, houve um reaquecimento do setor, a produção têxtil do país teve alta de 1,1% enquanto em Santa Catarina foi de 0,6%.

493

Em milhares de toneladas

448

EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO

2.173

TÊXTEIS

2.393

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

Brasil Sta. Catarina Fonte: Iemi/Sintex – 2014

-8,8% -5,7%

2010

2011

2012

2013

2014


9,53

9,48

9,64

9,92

9,42

-0,5%

CONFECCIONADOS

EVOLUÇÃO DO SALDO

+0,9%

1,65

1,63

1,59

1,67

No período de 2010 a 2014, houve uma queda de 4,4% na produção nacional de confeccionados e de 1,1% na produção de Santa Catarina. No ano de 2014, enquanto a produção do Estado teve um crescimento de 0,9%, a produção nacional sofreu uma retração de 0,5%.

1,59

Em milhões de peças

-4,4% -1,1%

Brasil Sta. Catarina

2010

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

TÊXTEIS

2011

2012

2013

2014

SETOR T&C

VOLUME DA PRODUÇÃO EM SC

VALOR DA PRODUÇÃO EM SC

Em milhares de toneladas e em % da produção nacional

Em R$ bilhões

15%

41%

Em 2014, a produção de vestuário teve o melhor desempenho do Setor T&C no Estado, com um faturamento de aproximadamente R$ 16 bilhões, seguido pelas malhas e pela linha lar.

12,9%

162 MIL t.

192 MIL t.

207 MIL t.

FIOS FIADOS

1,7 3,6

TECIDOS PLANOS

4,9

MALHAS

15,9

VESTUÁRIOS

3,8

LINHA LAR

Fios fiados Tecidos planos Malhas Fonte: Iemi/Sintex – 2014

ARTIGOS TÉC. E IND.

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

1,3


CONFECCIONADOS

975 MILHÕES - 59,1%

15,9%

VOLUME DA PRODUÇÃO EM SC

406 MILHÕES - 24,6%

25,8% 17,7%

Em milhões de peças e % de produção nacional

Vestuário Artigos téc. e ind. Linha lar

270 MILHÕES - 16,4% O vestuário é o principal produto confeccionado de Santa Catarina. Outro segmento com relevância é a produção de artigos da linha lar.

Relação da produção destes produtos no Estado com o total nacional.

SETOR T&C

1.570

1.592

1.581

1.596

1.618

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

GERAÇÃO DE EMPREGOS

301

300

299

301

No ano de 2014, a indústria têxtil de Santa Catarina empregou 300 mil pessoas, o equivalente a 19,1% do Setor T&C nacional no mesmo ano. Desse montante, 29,6% das pessoas estão alocadas nas indústrias têxteis e 16,9% do total, em indústrias de confecção.

309

Em milhares de pessoas empregadas

2013

2014

Brasil Sta. Catarina

-3% -2,9%

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

2010

2011

2012


SETOR T&C

63,3%

OCUPAÇÃO POR SEGMENTO EM SC Em % de pessoas empregadas

5% 5%

3 3,3 ,7 %

%

Aqui é apresentada a participação de cada segmento na ocupação geral do Setor T&C em Santa Catarina. Sobressai o segmento do vestuário, que emprega 63,3% e o de malharias, que corresponde a 13,3% do total.

,3% 13

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

6,4%

Vestuário Malhas Linha lar Beneficiamento Tecelagem Outros Fiação

TÊXTEIS

OCUPAÇÃO POR PORTE DE EMPRESA Em % de pessoas empregadas

Do total da mão de obra ocupada na indústria têxtil catarinense, 23,1% estão em empresas de grande porte, 26,1% em empresas de médio porte; 31,1%, de pequeno porte e 19,8%, em microempresas. Perfil de Empresa/ Quantidade de funcionários Grande porte - 500 ou mais Médio porte - 100 a 499 Pequeno porte - 20 a 99 Microempresas – 5 a 19 Fonte: Iemi/Sintex – 2014

PEQUENO PORTE - 31,1% MÉDIO PORTE - 26,1% GRANDE PORTE - 23,1% MICROEMPRESAS - 19,8%


398

2.074

2.169

2.075 397

429

460

O investimento em maquinário no Setor T&C brasileiro apresentou um crescimento de 13,9% nos anos de 2010 a 2014. O Estado de Santa Catarina foi na contramão do cenário nacional, com uma retração nos investimentos de 13,5%. Os investimentos do Estado em maquinário correspondem a 19,2% do total investido no país.

420

Em R$ milhões

1.821

INVESTIMENTO EM MAQUINÁRIO

2.128

SETOR T&C

2013

2014

Brasil Sta. Catarina

+13,9% -13,5%

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

2010

2011

2012

SETOR T&C

INVESTIMENTO EM MAQUINÁRIO POR SEGMENTO EM SC Em % do montante investido

Do montante investido pelo Estado de Santa Catarina no ano de 2014, o maior percentual corresponde ao segmento de fiação com 31,5%, seguido de confeccionados.

31,5%

Fiação

24,9%

Vestuário

24,2%

Beneficiamento

15%

Malhas

Fonte: Iemi/Sintex – 2014

3,9%

Tecelagem Outros

0,5%


2011

2012

2013

-5.496

2010

BALANÇA COMERCIAL

-5.318

SETOR T&C

2014

2015

-4.769

Fonte: ABIT

-5.905

-3.525

A balança comercial do Setor T&C nacional apresentou um crescimento de 48,9% nas importações e queda de 21,7% nas exportações, registrando um déficit de US$ 5,9 bilhões no ano de 2014. Já em 2015, o setor importou menos, porém, também exportou um pouco menos – uma retração de 18,1% e 8,1%, respectivamente, o que impactou na redução do déficit em 18,8%, saindo do registrado no ano anterior para US$ 4,8 bilhões nesse ano.

-4.749

Indústria Têxtil e de Confecção brasileira

Importação

7%

5%

5%

3º Índia

4º Bangladesh

5º Turquia

5% 5º Jaraguá do Sul

11%

As importações do Estado foram bem mais elevadas do que registrado no Brasil. Segundo dados publicados pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), em 2012. 84% das importações têxteis do estado foram provenientes da Ásia, sendo:

2º Indonésia

5% 4º Joinville

1º China

7%

11%

Confeccionados Artigos do vestuário e acessórios Ranking 2013 dos municípios catarinenses:

3º Apiúna

Fonte: MDIC - Sistema Alice, 2013

Exportação

2º Pomerode

O Estado apresentou índices de exportações inferiores aos números nacionais, tanto nos têxteis quanto nos confeccionados. No mesmo ano, as importações do Estado foram bem mais elevadas do que registrado no Brasil. O principal destino da produção da têxtil e de confecção do Estado é o Mercosul, que absorve 49% das exportações do setor, assim distribuídas: Paraguai, com 20%; Argentina, com 17%; Uruguai, com 12%; México, com 9%; e Estados Unidos, com 8%.

1º Blumenau

Dados de Importação e Exportação

58%

COMÉRCIO EXTERIOR EM SC

57%

SETOR T&C




92

POR TRÁS DE PROCESSOS, HISTÓRIAS DE VIDA Preparação da fibra, fiação, malharia, beneficiamento, costura e reaproveitamento de água fazem parte da linha de montagem do produto têxtil e do vestuário. Por trás dessas operações estão profissionais competentes e engajados com suas funções de transformadores

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


A

cadeia de produção da malha de algodão é sustentada por uma série de elos

industriais independentes, porém, integrados e alinhados. Ao transformar a matéria-prima, cada elo gera um subproduto acabado, semiacabado ou intermediário, que passa a ser matéria-prima para o próximo elo e agrega valor à matéria-prima original. O primeiro prepara e analisa a fibra de algodão; o segundo, o elo da fiação, é onde a fibra é transformada em fio. A partir da seleção e mistura de fios, vem a construção da malha no tear circular. Em seguida, o beneficiamento (tinturaria) irá agregar acabamentos e efeitos, transferido pelo último elo da linha de montagem, o da confecção (corte e costura), onde o tecido é transformado em roupa e ganha tridimensionalidade. Porém, a cadeia da produção industrial não termina com a confecção e sim com o elo do tratamento dos afluentes, tão importante e essencial quanto os outros. No município de Luiz Alves, no oeste do Vale do Itajaí, esses elos são revelados por fontes primárias, a partir do relato de pessoas cuja vida e atividade profissional misturam-se ao fazer a mágica acontecer.

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h i s t ó r i a s

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v i d a

93



EVANDRO LUCIANI, Supervisor de Fiação Evandro nasceu na cidade de Blumenau e trabalha há 23 anos na Rovitex, onde começou como operador. Atualmente, é responsável pela supervisão, manutenção e qualidade da produção de fios na matriz, em Luiz Alves, mas responde diretamente ao gerente da Incofios, em Indaial, a partir de uma interação entre as duas empresas. O profissional acompanha o processo desde que o algodão chega cru na indústria e vai para o armazenamento, separado por carreta. Do armazenamento, segue para o setor de

PAULO VITOR GERETTO, Supervisor de Malharia

análises de matéria-prima. Todos os lotes de fibras são submetidos a testes e análises antes da chegada aos teares. Cada algodão tem

Paulo tem 26 anos e há dois trabalha na Rovitex como supervisor de malharia.

suas características, de acordo com fatores genéticos e influência

Atualmente, reside em Luiz Alves, mas é de São Paulo e formou-se em

do meio ambiente. Os fatores mais importantes para medir a

Engenharia Têxtil na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná. Veio

qualidade da fibra são comprimento, uniformidade, resistência,

para a região do Vale do Itajaí atraído pelas oportunidades que o polo oferece.

tonalidade, alongação e fiabilidade. Segundo Evandro, o algodão

Gosta de trabalhar em uma empresa como a Rovitex, que tem todo o processo

pode ter características boas, resistência razoável, porém, pode

têxtil, do início ao fim, sem pular nenhuma etapa. A malha é trabalhada a partir

conter muitas impurezas. Esses fatores devem ser detectados na

de diversos tipos e composição de fios, com controle de LFA (comprimento de

avaliação inicial do processo. Todo o material testado é avaliado de

ponto) para garantir sua gramatura final e estabilidade dimensional. Segundo

acordo com o padrão USTER, medida de referência internacional

Paulo, dependendo do ajuste dos teares circulares, da transposição das agulhas

para controles de qualidade de fiação. Quando é detectada uma

e da mistura de fios, sai um tipo de produto com um tipo de efeito. Ele cita

fibra com resistência muito baixa, esta é eliminada, para não gerar

como exemplo os mesclados acinzelados que nasceram de um defeito e hoje

uma perda no fio mais adiante, na linha de produção. O processo de

são considerados um efeito. A malha foi produzida a partir da mistura do fio

limpeza e abertura do algodão se dá em duas etapas: na máquina

de algodão com fibra de poliéster. No processo de tingimento, a fibra sintética

Blendomat, onde a separação da fibra e impurezas ocorre através

continuou branca e o algodão foi escurecido. Nesse sentido, como explica o

da força centrífuga e da gravidade, que induz a saída dos resíduos.

profissional, dá para ser bem criativo. A empresa trabalha com malha de várias

Na cardagem, o processo de abertura e limpeza da fibra é mais

estruturas, como a meia-malha, o pique e o moletom. Segundo Paulo, a equipe

precisa. Segundo Evandro, sua função é acompanhar até o final da

da malharia sempre tenta desenvolver algo novo para apresentar à gerência

linha do fluxo da fiação, onde toda a sujeira que sai do algodão,

de produtos, para aprovar e enviar uma amostra ao cliente. Além do tecido de

poeiras, caules e fibras descartadas vai para um depósito para ser

malha para consumo próprio da confecção, a empresa também comercializa a

armazenada e reciclada por uma empresa especializada.

malha em rolo. A meta da equipe é produzir 20 mil toneladas de malhas por dia.

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IVO RONCHI, Abastecedor de Produção

para avaliação da tonalidade. Como programador

composições. Além de profissionais como Ivo e

de produção, Ivo é responsável por receber um

Carlos, o tingimento conta com gerenciadores de

CARLOS JOSÉ KROISCH, Supervisor de Beneficiamento

lote do Planejamento e Controle de Produção

processo que acompanham as diversas etapas,

(PCP) e colocar nas máquinas de tingimento, a

em tempo integral, de forma a rastrear o processo

MARINA BARBOSA Engenheira química

partir das especificações ou receita. Cada lote é

e corrigir eventuais desvios. As cartelas de cores

agrupado por peças similares, unidas através da

desenvolvidas pela gerência de produto são

Ivo Ronchi tem 23 anos de empresa e Carlos

costura, com as mesmas afinidades de tingimento

elaboradas no laboratório químico da empresa,

Kroisch, 22. Ambos trabalharam na primeira

e com identificação específica para a programação

onde trabalha a engenheira química Marina

década da Rovitex, quando a empresa ocupava um

da máquina. Carlos é responsável por toda a

Barbosa. A profissional explica que, dependendo

único galpão, produzia malha do tipo popular, com

área de beneficiamento, tinturaria, acabamento,

da mistura de fios, o lote tem que ser tingido

fio open end e operava com uma gama de apenas

estamparia rotativa e utilidades, caldeira e

mais de uma vez para alcançar o tom desejado.

40 cores. Atualmente, a gama de cores é ampla e

estação de tratamento de águas e esgotos. O

Na fase de acabamento, o lote é acompanhado

as cartelas são definidas por temas. Ao seguir para

processo de coloração da malha envolve a

por outros especialistas, que fazem revisão de

o setor de beneficiamento, a malha é tratada e

aplicação de corante na fibra e fixação posterior

largura, gramatura e tonalidade, além de verificar

tingida, para em seguida ser retirada uma amostra

e pode incluir matérias-primas de diversas

o aspecto visual do produto como um todo.

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2

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d e

97

v i d a


SALETE GESSER CAETANO E MARIA DO CARMO MACHADO, Costureiras

trabalham na Rovitex e a mais velha faz faculdade

peça com maior complexidade, com mais detalhes

de moda para ser estilista. As profissionais

e acabamentos, demanda mais tempo.

explicam que fazem a costura das peças em

O tipo de tecido também influi na produção.

No setor de costura, a malha bidimensional ganha

ritmo de linha de produção industrial, com cada

Segundo as costureiras, a malha é mais fácil de

forma tridimensional com a montagem e costura

costureira responsável por uma operação. Assim

costurar por ser mais maleável e garantir melhor

das partes que compõem a peça de roupa. É onde

que a peça chega, cortada e com sua respectiva

encaixe. Já detalhes em renda ou tule demandam

trabalham dona Salete Gesser Caetano e dona

ficha técnica, começa a execução por operação. Se

mais atenção. Quando identificam algo que não

Maria do Carmo, costureiras com 24 e 23 anos

chega uma camiseta, a primeira operação fecha,

funciona, conforme as especificações da ficha

de empresa, respectivamente. Dona Salete conta

prega um ombro, a próxima faz a bainha e assim

técnica, chamam a supervisora; caso contrário,

que foi uma das primeiras costureiras a serem

por diante na linha de montagem. Com a dona

mais adiante, na linha de produção, o defeito

contratadas e na empresa conheceu o marido,

Salete e a dona Maria do Carmo, trabalham sete

pode ser percebido pela costureira seguinte e a

que é do Paraná e atualmente trabalha na fiação.

profissionais. No início de cada turno é produzida

peça retornar. Segundo dona Salete e dona Maria

Um dos filhos da dona Maria do Carmo quase

uma ficha com a divisão das linhas de operação, de

do Carmo, as peças de roupa mais elaboradas,

nasceu na indústria, de parto prematuro, antes de

forma que cada costureira faz um pouco de tudo.

portanto, mais difíceis de serem feitas, são os

a profissional ser levada às pressas para o hospital.

Se a peça for básica, no caso da camiseta, chegam

vestidinhos de criança. Já ambas elegem o moletom

Atualmente, duas das suas filhas mais novas

a produzir de 500 a 600 peças por dia. Se for uma

como o tecido mais agradável de trabalhar.

98

A R T E

D O

V E S T U Á R I O



LOURIVAL MULLER, operador de máquina de tinturaria responsável por tratamento de efluentes

às normas internacionais ETA e EPA. Segundo o profissional, a água passa por todos os processos de produção, em especial a secagem em rama, o

Seu Lourival entrou na empresa no ano de

tingimento e a estamparia rotativa. O volume a

1995, há 20 anos. Antes, trabalhava no campo

ser tratado está na faixa dos 200 cubos por hora,

e, depois, em uma funilaria. Atualmente, reside

para que a água seja devolvida para o rio 100%

a uma quadra de onde trabalha e no meio do

limpa. Após passar pela centrífuga, o lodo residual

seu turno, que começa às 5h50 da manhã, vai

é seco e pulverizado, para então ser prensado e

tomar café em casa com a mulher. O profissional

enviado para uma caçamba onde segue para um

é responsável pela estação de tratamento de

aterro ambiental certificado. O investimento em

efluentes para adequar as águas residuais ao

tratamento de água é o tempo todo fiscalizado

descarte no meio ambiente. Na empresa, a água

por órgãos competentes e faz com que a empresa,

utilizada em resfriamentos do tingimento, assim

atualmente, seja referência nesse quesito para

como a energia dos efluentes quentes antes do

o Estado de Santa Catarina. Por outro lado,

envio à estação de tratamento, é reaproveitada a

segundo explica seu Lourival, o reverso também é

partir de um sistema automatizado e monitorado

verdadeiro: a água que é reaproveitada deve estar

pelo Seu Lourival, para garantir que atendam

bem limpa para não sujar e amarelar a malha.

100

A R T E

D O

V E S T U Á R I O



ROVITEX

TRÊS DÉCADAS DE PERSEVERANÇA E DEDICAÇÃO RENDEM BOAS HISTÓRIAS

102

ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

VITOR, ROSE E DAYANA RAMBO


E

gressos das grandes indústrias de Blumenau, o jovem casal Rose e Vitor Rambo

resolveu empreender e abrir uma pequena malharia com ajuda de familiares. O crescimento foi pequeno, porém, gradual. No final da década de 1980, a indústria têxtil brasileira, até então com poucos e grandes players, passava por um período de turbulência e reestruturação. O casal percebeu uma oportunidade para conquistar market share e partiu para uma nova empreitada, desta vez, apenas os dois. Em 1º de fevereiro de 1986, abriram a Rovitex, no município de Blumenau. Começaram com um sonho, dois teares, 15 máquinas de costura e 30 colaboradores. Poucos anos mais tarde, em 1991, com a ajuda dos três filhos, Carlos, Dayana e Junior, a empresa cresceu e a sede foi transferida para o município de Luiz Alves. A construção da matriz trouxe uma grande evolução para a empresa, que expandiu sua produção para filiais na região do Vale do Itajaí. Ao apagar sua trigésima vela, no ano de 2016, a matriz da Rovitex contabiliza um parque fabril com cerca 55 mil m² de área construída, 1.900 colaboradores, três marcas de moda com cinco coleções por ano e 20 toneladas de malha produzidas por dia.

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:

r o v i t e x

103


COMO TUDO COMEÇOU

atividades em dezembro de 1983 e ao final de 1985

onde trabalhamos focados – eu, minha esposa,

já tínhamos 70 funcionários e produzíamos cerca

Rose, e minha filha Dayana, na sede da Rovitex.

de cinco mil peças por dia. Acabamos dividindo a

Meu filho Júnior trabalha focado na Incofios e

confecção que iniciava suas atividades. Era jovem,

empresa, meu sogro ficou onde já estávamos, eu e a

o outro filho, Carlos, focado na RV Construtora,

não tinha experiência de vendas, mas trabalhei nessa

Rose montamos a Rose e Vítor Têxtil, a Rovitex, em

outro ramo de negócios da família. Somos um

confecção quase três anos quando surgiu a ideia de

outro lugar. Como tínhamos tecelagem e confecção,

grupo de capital fechado, 100% familiar, porém,

montar meu próprio negócio. Para isso, convidei meu

separamos os teares e as máquinas de costura. A

com empresas completamente separadas, que têm

sogro para ser sócio. Nos três anos em Pomerode,

Rovitex nasceu como uma nova empresa, com 35

os mesmos sócios.

percebi que seria um negócio lucrativo. Comprei

funcionários, 15 máquinas de costura e dois teares,

algumas peças já cortadas na Hering, assim iniciei o

progrediu e virou o que é hoje.

Vitor Rambo – Em meados da década de 1980 fui trabalhar na cidade de Pomerode, em uma

trabalho. Antes de ir para Pomerode, pensava que só existiam a Hering, a Sulfabril, na época, e a Malwee, que já tinha bastante nome. Quando saí para iniciar a

Vitor Rambo– A primeira fiação surgiu em Luiz Alves, em 1996, em função de termos

Vitor Rambo – O crescimento da Rovitex sempre

que, já na época, fabricar um produto barato.

foi lento, porém, gradual. Em todos estes anos

Foi quando tivemos a ideia de trabalhar com

não houve um movimento atípico, sempre

o fio de algodão Open End e não o Penteado.

crescemos um pouco e isso continua até hoje.

A fiação em Luiz Alves surgiu para fabricar

No ano passado faturamos mais do que em 2014;

fio Open End e fomos pioneiros em fazer

este ano, estamos faturando 15% a mais do que

confecção com esse fio, menos nobre que o

foram demitidos de dois a três mil funcionários.

no ano passado. Isso se deve a uma queda de 50%

Penteado. Logo acabamos não usando o fio que

Fui dispensada em março e em julho já tínhamos

nas importações de confeccionados, além de a

produzimos na unidade e partimos para o fio

começado a nossa empresa. Começamos bem

entrada de tecidos no Brasil ter diminuído 40% e

Penteado. Passamos a vender para terceiros toda

devagar, com nossas economias, duas máquinas

a de fios, 30%. Apesar do consumo menor, fomos

a produção de Open End. Em Indaial fazemos

de costura e a ajuda do meu pai. Hoje, nossos

beneficiados por essa diminuição da entrada de

fios 100% algodão, tanto Penteado quanto

funcionários têm facilmente duas máquinas de

importados. Atuamos em vários setores têxteis,

Open End; desenvolvemos 20 tipos de produtos

costura em casa. Não tínhamos muita pretensão,

fazemos matéria-prima em outra empresa, a

de fio de algodão com torções diferentes.

fomos agregando colaboradores um a um. Primeiro

Incofios, que fica em Indaial. Devemos ser a quinta

Atualmente, a Rovitex compra menos matéria-

contratamos uma costureira; mais tarde, quando

ou sexta fiação do Brasil em volume de produção.

prima da Incofios, pois, assim como outras

compramos um tear, a família entrou para ajudar e

Parte dessa produção também acontece aqui, em

indústrias, acabamos indo para a importação,

acabamos montando uma pequena malharia.

Luiz Alves. Produzimos fio, vendemos matéria-

adquirindo tanto fios importados quanto tecidos

Vitor Rambo – Começamos pequenos, mas o

prima, fabricamos e comercializamos tecido,

e aviamentos e, principalmente, confeccionados

crescimento foi bastante rápido. Iniciamos as

porém, a menina dos nossos olhos é a confecção,

importados.

confecção em Pomerode, percebi que não eram só as grandes, já existia uma gama de pequenas empresas que entravam no mercado. Rose Rambo – Nesse período, eu trabalhava como assistente social na Hering. Estávamos no auge da crise, até então éramos 12 assistentes sociais e

104

CRESCIMENTO E ATUAL CONJUNTURA

DO FIO AO CONFECCIONADO, PRODUÇÃO HÍBRIDA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


CAPACIDADE PRODUTIVA

“O crescimento da Rovitex sempre foi lento, porém, gradual. Em todos estes anos não houve um movimento atípico, sempre crescemos um pouco e isso continua até hoje.”

Vitor Rambo – Se hoje a nossa tecelagem em Luiz Alves tornou-se pequena, limitada, por outro lado, a tinturaria ficou superdimensionada, com maior capacidade produtiva do que a tecelagem. Atende nossa confecção e também vendemos o excedente em tecido, em média 150 toneladas por mês de malha em rolo para pequenas confecções.

VITOR RAMBO

Beneficiamos, em média, 400 toneladas por mês – destas, vendemos 150 toneladas e absorvemos 250 para o uso nos nossos produtos. Produzimos cerca de 70 mil peças de vestuário e aproximadamente 15 mil peças são importadas; no total, comercializamos hoje de 85 a 90 mil peças de confeccionados por dia. A importação de confeccionados começou na empresa há oito anos. Já chegamos a importar mais, porém, hoje, com o dólar alto, estamos importando um pouco menos. Ainda assim, talvez mais ou menos 30% do nosso faturamento venha dos importados. Os outros 70% vêm da produção própria, que pode trabalhar com fios importados, como a viscose, por exemplo,

oportunidades para diferenciar nossos produtos. Recentemente compramos uma máquina de estamparia digital que está sendo útil tanto na confecção quanto na malha de rolo. A arte da estampa pode ser desenvolvida internamente pelos nossos designers ou compramos de estúdios e bureaux. Já trabalhamos com licenciamento, tivemos a marca “Meninas Superpoderosas”, mas percebemos que não era interessante e decidimos focar no nosso métier. Na confecção, temos um grupo de estilistas, um para cada marca: a Rovitex, que possui as linhas adulto, plus size, teen e kids; a Endless, marca feminina mais premium; e a infantil Trick Nick, até 12 anos. Atuamos no mercado da moda, produzindo cinco coleções durante o ano. Começamos a desenvolver as coleções com muita antecedência. Nem chegamos no outono, mas já estamos criando para a primavera. No inverno, a gama de produtos importados é maior; a malha e o moletom são feitos aqui, mas uma jaqueta de couro fake, um casaco de sarja, desenvolvemos na China, onde mantemos um escritório de outsourcing.

além do tecido plano importado e aviamentos. PESQUISA DE MODA E SOURCING FLEXIBILIDADE NA PRODUÇÃO E NO MODELO DE NEGÓCIOS

Dayana Rambo – Viajamos para lugares como a China,

Dayana Rambo – No caso da confecção, a criação,

com o produto e a aprovação das amostras. Antes,

o desenvolvimento da malha e a peça piloto são

fazemos uma primeira viagem para grandes centros

etapas feitas aqui, além de uma pequena parte

urbanos, como Nova York, onde identificamos novas

da costura, depois enviamos para produzir nas

ideias. Com essa informação, vamos desenvolver

unidades. Na confecção, estamos sempre buscando

com o nosso escritório, que já foi em Shanghai e hoje

Bangladesh e Índia, que necessitam de contato visual

c a p í t u l o

2

:

r o v i t e x

105


fica em Xiamen. A partir daí, começa o processo de

equilibrada, já que atendemos a um grande número

no topo de linha do que há disponível no Brasil,

desenvolvimento do produto, primeiro no papel, na

de pessoas. Tem que haver uma pitada de moda, pois

porém, no momento estamos aguardando os rumos

ficha técnica, depois nas peças-piloto. São muitas

o consumidor está cada vez mais informado. Nosso

políticos do país. Um dos diferenciais da Rovitex é

viagens de negociação, cara a cara com os fornecedores,

público é das classes “C” e “D” e nossas peças têm

que estamos sempre procurando oportunidades,

e a partir da aprovação da peça é enviado o custo

um tíquete médio de 20 reais. Vendemos em grande

principalmente lá fora, para comprar alguma

para ser negociado com nosso comercial. Também

quantidade e as vendas têm progredido nos últimos

parte da nossa matéria-prima por um preço

pesquisamos em revistas e sites de tendências. Estamos

anos. As mesmas coleções seguem para diversas

menor para atender ao mercado com o melhor

sempre na busca do elemento moda para desenvolver

regiões do país, porém, o mix de produtos é preparado

preço. Vamos continuar com essa tendência para

peças diferentes. Olhamos também para mudanças

de acordo com a região. Por exemplo, o paulista não

seguir com um crescimento gradual, sempre.

sociais e novos comportamentos. Tudo isso envolve

gosta do laranja, já o Nordeste gosta muito de cor.

Somos uma empresa verticalizada no sentido

nosso processo criativo. Depois partimos para viagens

A gente tem que agradar a todos os brasileiros e se

de que produzimos praticamente tudo, porém,

de reconhecimento e para processos de pedidos. Na

esforça muito para isso. A cada dois meses estamos

atuamos de forma horizontalizada, o que nós dá

colocando uma nova coleção; não chegamos a ser

flexibilidade. Trabalhamos com diversas regiões

um fast fashion, porém, produzimos uma moda de

do país e recentemente montamos um call center

grande difusão. Tivemos a experiência de produzir

para atender clientes do atacado. Estamos também

uma linha mais exclusiva, com uma tiragem de peças

implementando um canal de vendas pela internet.

limitada, porém, percebemos que não era o nosso

Diariamente, criamos novas oportunidades de

core. Já fizemos muito private label no passado, hoje

vendas. Já tivemos nove lojas físicas no varejo e hoje

fazemos eventualmente, quando a encomenda parte

temos apenas cinco. A tendência é termos lojas que

de uma peça nossa que podemos adequar conforme

funcionem como um showroom das marcas em

as regras do cliente. Não somos uma alta moda, mas

pontos de venda estratégicos.

China, esse processo começa um ano antes do que no Brasil. Desenvolvemos várias coleções ao longo do ano, como, por exemplo, a coleção tropical que entra no inverno do Nordeste. Produzimos fora as peças que são difíceis de fabricar aqui. Por exemplo, podemos fazer a parte de cima, a camiseta e o moletom, e a parte de baixo, um shorts ou jeans, trazer de fora, pois são peças com tecido plano e teríamos que montar quase uma fábrica nova e diferente para confeccioná-las. Passamos a incluir mais tecido plano dentro das nossas coleções de três anos para cá. A costura é mais complexa e há menor disponibilidade de mão de obra especializada na 106

região, cujo forte é a malha.

entregamos um produto de qualidade.

NOVAS OPORTUNIDADES E CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO Vitor Rambo – Vendemos grandes volumes, porém, os consumidores estão mais seletivos e criteriosos.

COM PITADA DE MODA, PORÉM ACESSÍVEL

Ainda assim, em função da menor entrada de

Rose Rambo – Queremos que nosso produto seja

manter. Sempre colocamos nossa criatividade à

atraente, porém, tem que haver equilíbrio entre

prova para gerar novas oportunidades. Investimos

bonito e acessível. A ousadia também tem que ser

em maquinário de ponta para nos mantermos

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

produtos importados, temos conseguido nos


“Queremos que nosso produto seja atraente, porém, tem que haver equilíbrio entre bonito e acessível. A ousadia também tem que ser equilibrada, já que atendemos a um grande número de pessoas. Tem que haver uma pitada de moda, pois o consumidor está cada vez mais informado.” ROSE RAMBO


INCOFIOS

PRODUZINDO MATÉRIA-PRIMA Preparação da fibra, fiação, malharia, beneficiamento, costura e reaproveitamento de água fazem parte da linha de montagem do produto têxtil e do vestuário. Por trás dessas operações estão profissionais competentes e engajados com suas funções de transformadores

108

ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

VITOR LUIZ RAMBO JR.


COM QUALIDADE MADE IN BRAZIL

A

Incofios, Indústria de Fios Ltda., é uma empresa de capital privado de fiação de

algodão e fibras naturais. Possui espírito jovem e visão estratégica sobre o segmento. Foi fundada em 2001, com sede em Indaial, região têxtil do Vale do Itajaí, como um projeto para fornecer matéria-prima para a empresa-mãe, a Rovitex; porém, no meio do caminho, acabou virando uma empresa independente. Segundo Vitor Luiz Rambo Júnior, diretor-presidente da Incofios, até hoje existe uma sinergia entre as duas empresas, apesar de ambas terem seus fornecedores e clientes independentes. Equipamentos nacionais e internacionais reúnem uma tecnologia de ponta em todas as etapas da produção, da mistura à expedição, com foco em atender à demanda crescente do mercado brasileiro por uma matéria-prima com qualidade.

c a p í t u l o

2

:

i n c o f i o s

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SOBRE A RELAÇÃO INCOFIOS E ROVITEX A Rovitex é uma empresa familiar cuja gestão está nas mãos dos sócios-fundadores. O Sr. Vitor é um industrial nato, de grande visão, com convicções próprias. Certo dia, durante uma conversa, anunciei a intenção de sair da empresa familiar para buscar oportunidades, ouvir outros cases. O Sr. Vitor sugeriu que eu assumisse de vez a Incofios, pois já ficava muito lá. Assim a gente foi se respeitando e tem dado muito certo. A Incofios, a exemplo da fiação da Rovitex, nasceu com o intuito de abastecer a própria Rovitex, pois o Sr. Vitor sempre teve o objetivo de se manter verticalizado para diminuir a dependência de terceiros. Porém, o projeto Incofios, quando veio, no ano 2000, trouxe o propósito não apenas de alimentar a Rovitex, mas também de ser uma empresa paralela, que aproveitasse a expertise que já existia. Inicialmente, era para ter nascido em outra cidade, mas, em decorrência de alguns impasses, acabamos decidindo iniciar a operação em Indaial. Foi um projeto estudado, que demorou oito anos para ser concluído, etapa por etapa.

SINERGIA ENTRE AS DUAS EMPRESAS O primeiro projeto de fiação da Rovitex foi desenvolvido em Luiz Alves, para consumo próprio. Com o tempo, começamos a necessitar de outro tipo de matéria-prima, os produtos têxteis foram melhorando e o mercado foi exigindo mais qualidade. Migramos de uma matéria-prima mais simples para uma mais nobre e a fiação tornou-


se um negócio paralelo dentro da Rovitex, com fornecimento de fios para o mercado. Atualmente,

PRODUTIVIDADE E BALANÇA COMERCIAL A Incofios tem capacidade produtiva de, em média,

trabalhamos com quatro fiações, três delas dentro

1.800 toneladas/mês, distribuídas em 29.760 fusos

da Incofios, em Indaial, e o primeiro projeto

de fio penteado/compactado e 8.328 rotores de Open

continua em Luiz Alves. São projetos distintos, cada

End. A fiação trabalha 24 horas e conta com mais de

um produz fios de naturezas distintas, mas, para o

450 colaboradores. A Rovitex e Incofios produzem

mercado, a matéria-prima é comercializada com

fios com torções diferentes de malharia e tecelagem,

a embalagem da Incofios. A Rovitex trabalha nos

dependendo dos componentes do fiar adequados.

seus confeccionados com diversas fibras e fios de

A Incofios produz um fio penteado compactado, de

natureza mista, sendo que o algodão costuma ser

qualidade, e hoje são poucos players no mercado

da Incofios, porém, não é regra. Por um período

brasileiro que entregam esse produto. A exportação é

de quase dois anos ficamos sem vender fio para

recente para nós, não chega a 2%; só exportamos para

nós mesmos. É uma questão de oportunidade

a Argentina, que tem um protecionismo forte. Temos

de mercado. Por exemplo, se a Rovitex tem bons fornecedores que entregam matéria-prima a preços melhores, ou se a Incofios tem clientes tão bons

uma experiência recente com a Colômbia caminhando a passos lentos. Para nós, o bico do navio sempre foi

buscamos fora e fizemos um mix com o que tínhamos. Passamos a fazer conjuntos com parte importada e parte nacional, o que possibilitou oferecer um produto com diferencial de preço, porém, sempre buscando algo desenvolvido internamente. Não se trata de outsourcing puro e seco, em que você vê fora, escolhe o produto e adapta aqui. No nosso caso, a gente faz o produto, fornce a ficha técnica e lá fora desenvolve o fornecedor para produzir aquele item que acaba incorporado no nosso catálogo. Desde então, esse foi um dos grandes impulsionadores da Rovitex. O Brasil passou por um crescimento de varejo acentuado nos últimos anos, com pessoas migrando da classe D para C, gastando mais com qualidade de vida e se vestindo melhor. A Rovitex se posicionou muito bem nesse movimento.

apontado para o mercado interno e continua assim. APOSTAS NO VAREJO E NA MARCA

quanto a Rovitex, que valorizam um pouco mais ABERTURA DO MERCADO E REPOSICIONAMENTO

Esse assunto foi muito debatido internamente.

A indústria têxtil de Santa Catarina sempre foi bem

empresas pensassem: “Se lá deu certo, vamos seguir

posicionada no mercado nacional, surfando entre

esse movimento”. Porém, cada empresa tem seu ritmo,

o segundo e o terceiro maior produtor nacional.

seu fluxo de caixa, sua identidade. Nossa experiência

Na década de 1990, com a abertura do mercado

nunca foi feliz quando caminhamos nesse sentido.

interno, houve um ingresso dos produtos asiáticos.

Criamos uma marca chamada Endless e logo de início

Esse quadro fez com que a indústria tivesse que se

quisemos posicioná-la na classe B+, porém, a cultura

quilômetros. Portanto, existe um fluxo de logística

reinventar e se adaptar para esse novo mercado e

da Rovitex não permitiu que aquilo se desenvolvesse.

entre as duas, com os caminhões fazendo a troca

para um consumidor mais exigente, que passou a

Não podemos esquecer o peso da indústria nas costas.

de produtos. Eventualmente, pode acontecer certo

encontrar maior variedade de produtos e de preço. Em

No fundo, antes de nos colocarmos como gestores de

apoio ou suporte técnico. Apesar de serem empresas

2004, buscamos alternativas. Fomos até a China e lá

marca, somos uma indústria; nosso core business é

independentes, sustentar e manter a sinergia as

começamos a desenvolver produtos que não tínhamos

a indústria. Nasceu assim e até hoje é uma indústria

torna muito mais fortes.

como produzir. Tudo o que é tecido plano, por exemplo,

voltada para grandes volumes e custos.

a matéria-prima; buscamos o que é melhor para cada. Recentemente, voltamos a consumir a própria matéria-prima para potencializar recursos. Quando se produz para consumo próprio, podem-se evitar alguns gastos de logística, além de trabalhar com um estoque just in time, que enxuga a operação. A distância entre as duas empresas é de 70

Existem cases no mercado que fizeram com que as

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TECNOLOGIA CATARINENSE STARTUP EXPORTA CONHECIMENTO

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ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

CLAUDIO GRANDO - AUDACES


S

tartup de tecnologia de softwares e equipamentos para automação de confecções, a

Audaces tem sede em Florianópolis e clientes em 70 países. Nesta entrevista, Claudio Grando, presidente da empresa, fala do engajamento da Audaces com a potencialização da indústria da moda brasileira. Ele explica que, na realidade, a Audaces vende equipamentos e entrega conhecimento. Quando fundou a empresa, em 1992, com o sócio Ricardo Cunha, responsável pela área de pesquisa, não imaginava que em menos de três décadas se tornariam referência no segmento para a América Latina e passariam a concorrer globalmente com grandes multinacionais. A linha de produtos da Audaces é desenvolvida para auxiliar nos processos da moda, desde a criação até a modelagem, corte e encaixe. Seu lançamento mais recente é o “4 Dalize”, sistema pioneiro no mundo que permite que estilistas desenvolvam suas ideias diretamente sobre um manequim digital tridimensional, de forma a materializar e viabilizar suas criações em instantes. O produto promete mudar paradigmas na cadeia produtiva ao encurtar um processo que costuma levar longos passos entre criar, construir a modelagem, cortar o tecido e costurar para só então a peça ser visualizada para checar se está de acordo com o imaginado. Segundo Grando, uma vez instalados os recursos da Audaces, a produtividade de uma empresa pode aumentar em 10 a 20% em apenas três a seis meses, ao encurtar e tornar mais eficientes os processos criativos e produtivos. Para o empresário, o futuro da criação da moda está na tecnologia.

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CARACTERÍSTICA HÍBRIDA DA INDÚSTRIA DA MODA DE SANTA CATARINA

Turquia. São clientes excelentes, com marcas globais.

Temos uma cadeia completa, desde a indústria

como a Índia e a China. Sempre trabalhamos forte

química, fiação, têxtil, acabamentos e aviamentos.

a exportação, pois atender mercados altamente

Além disso, temos histórias muito fortes, com

exigentes nos torna melhor como empresa. Na

indústrias centenárias e nível de competência com

Audaces focamos no que cada cliente precisa. A

referência mundial. Muitas dessas indústrias produzem

competitividade da indústria da moda faz com que

roupas, algumas criam moda. Tem empresa grande

haja cada vez menos espaço para quem não é muito

que produz roupa em grandes volumes, mas também

eficiente. Em Santa Catarina procuramos desenvolver

tem a pequena que produz moda. Tem ainda as

o produto de moda e produzir de maneira eficiente.

indústrias que produzem para uma marca própria, porém, a partir de uma tendência. Ou seja, são empresas produtivas, seguidoras de moda, mas não são lançadoras e são assumidamente assim. Outro segmento são aqueles que criam moda efetivamente, que estão olhando para seu cliente e produzem com eficiência. Por fim, há os pequenos criadores de

A Ásia é nosso terceiro cliente, com mercados fortes

Em outras palavras, buscamos eficiência industrial com criação de moda de valor agregado. É a combinação perfeita – quem faz isso não tem medo

perfil do criador independente vai ter que decidir lá na frente se vai continuar atuando no nicho ou se vai desenvolver uma marca mais comercial para criar mais volume e se vai produzir ou se alguém vai produzir para ele. Portanto, podemos dizer que no Estado 116

temos os três perfis: o grande produtor, a indústria que investe no varejo e na marca e o jovem criador autoral. Na Audaces percebemos esses três cenários.

Nos Estados Unidos, quando se vai ao shopping, percebe-se que as roupas são todas muito iguais, muito massificadas. No Japão cada pessoa se veste de uma maneira diferente. A personalização está muito forte e já chegou à Europa e à América do Sul. As pessoas não querem mais roupa padrão, querem se sentir únicas. Isso está muito forte, a ponto de tornarse o quinto “P” do marketing, o da personalização. Esse movimento abre uma grande oportunidade nos Estados Unidos para quem quiser conquistar o espaço deixado pelas cadeias americanas que produzem roupas padronizadas e defendo o mesmo para o Brasil.

de crise. Nos últimos anos há muitos clientes nossos que cresceram bastante; desenvolvemos produtos para ajudar essas empresas.

BRASIL COMO PROTAGONISTA, NÃO COMO SEGUIDOR O Brasil tem um poder de criação de moda fantástico.

MUDANÇAS NA SOCIEDADE E NA MODA

moda que não têm uma cadeia produtiva e sim valor agregado – criam para um nicho bem específico. Esse

ROUPA BÁSICA VERSUS PERSONALIZADA

Somos criativos e precisamos usar isso de forma

O movimento SCMC, criado há 10 anos, vem

inteligente, como business. Temos que ter consciência

olhando para o seguinte cenário: os chineses

para usar isso. O que temos feito no SCMC, e defendo

vão ocupar o espaço; o que fazemos de diferente

muito, é uma moda de valor agregado, além de ser

para não sermos engolidos pelo concorrente?

eficiente e se projetar no mercado. O Brasil não deve

E agora a concorrência não está só no Brasil,

ser apenas um seguidor de moda. Temos cultura para

está fora. E não estamos mais competindo

ser protagonista na moda. É um país fantástico, com

apenas com um setor. Quem produz roupa pode

variedade de cultura e relevo gigante. Temos praias,

estar concorrendo com quem faz sapato, com

serras, calor, frio. A diversidade nos torna interessantes.

tecnologia, com os gadgets, eletrônicos. As pessoas se vestem por necessidade, mas a maior

IDENTIDADE E REAÇÃO

compra continua sendo por impulso. Procuramos

Sempre existiram no Brasil estilistas e marcas que

observar como os mercados se movimentam e

fazem uma moda muito autoral, com a cara do Brasil

Temos clientes na América Latina toda e na Europa,

quais produtos serão necessários daqui a três ou

muito forte. Além de terem identidade, conseguem

em países como Portugal, Espanha, Itália, Polônia e

cinco anos.

captar uma oportunidade em um movimento que

PERFIL DO CLIENTE AUDACES

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


gera necessidade de uma moda específica para aquela

rápido. Para fazer isso em uma empresa grande é

determinada época. Tem muita gente boa fazendo isso

mais complexo. É a vantagem de a produção estar

no Brasil e também em Santa Catarina. Conseguem

perto de você, como no caso das empresas de Santa

perceber algo, produzir rápido e ter sucesso. O terceiro

Catarina, para poder reagir rápido. Esse mecanismo

ponto importante nessa equação, além da criação

está cada vez mais complexo. O grande desafio é que

e produção, é a logística. Como fazer uma empresa

uma empresa pequena que consiga produzir de forma

maior entender isso é a grande questão. O que está

industrial, com tecnologia que hoje é acessível, pode

vendendo, o que vou produzir que vai cair no gosto

fazer a marca crescer muito rápido. Por outro lado, o

do cliente. De repente você lança dez produtos nesta

grande produtor deve ter a agilidade de reagir frente

semana e dois deles fazem muito sucesso; você

às oportunidades de moda.

mapeou isso e na semana seguinte lança um produto relacionado com ele, como uma blusa que combina com aquela calça, e a possibilidade dessa outra peça vender bem é grande.

“O Brasil não deve ser apenas um seguidor de moda. Temos cultura para ser protagonista na moda. É um país fantástico, com variedade de cultura e relevo gigante. Temos praias, serras, calor, frio. A diversidade nos torna interessantes.”

PRODUÇÃO DE CONTEÚDO, TECNOLOGIA E GLOBALIZAÇÃO Quem está no segmento do vestuário precisa ter consciência da importância da informação versus

AGILIDADE E LOGÍSTICA

globalização e como utilizar a tecnologia a seu favor.

É preciso ter agilidade na empresa para lançar algo,

Efetivamente não é muito discutido, você tem que sair

entender o que está vendendo e produzir rápido.

fora e olhar para dentro. Na Audaces fazemos muito

Quem conseguir fazer isso não tem crise. Deve-se

isso porque temos clientes no mundo todo. Temos

perceber o que está acontecendo no varejo e dar esse

clientes em 70 países. Hoje, no portal da Audaces,

feedback para a produção. O termo fast fashion é

produzimos muito conteúdo. Talvez tenha mais novos

polêmico. Para muita gente, é apenas criar rápido,

conhecimentos no portal da empresa do que em

porém, é muito mais complexo; é entender que

muitos veículos especializados. Temos parcerias com

aqui tem uma oportunidade de moda. “Se consigo

universidades, com pessoas da indústria e criadores.

produzir isso agora, aqui tem uma oportunidade

Estamos pesquisando qual produto temos que fornecer

de moda, tenho que reagir rápido.” A complexidade

para a Ásia, para a Europa, para os Estados Unidos e

desse sistema é muito grande. Empresas pequenas

para o Brasil. Hoje lançamos apenas produtos globais,

conseguem fazer isso mais rápido, são mais ágeis.

não criamos mais nem um produto que seja apenas

Startups de tecnologia, por exemplo, são muito ágeis

para o Brasil. Para construir esse produto, a gente olha

porque são pequenas, têm vários empreendedores, as

o que o Brasil precisa e o que a Europa precisa também,

pessoas estão conectadas e conseguem reagir muito

por exemplo.

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A CAMISETA QUE VIROU LOVE BRAND 118

ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

CARLOS TAVARES D’AMARAL - HERING


Carlos Tavares D’Amaral é o descendente direto mais próximo de Minna e Hermann na genealogia da família Hering. Entrou na companhia no ano de 1975 para trabalhar com a área de tecnologia da informação. Desde então, atuou em diversas áreas ligadas à tecnologia, produtos, novos negócios e marketing até ocupar o cargo de diretor administrativo.

A

partir de 2015 entrou para o conselho construtivo da empresa e atualmente é diretor-

presidente da Fundação Hermann Hering, a qual, entre outras ações, responde pelo Museu Hering. Neste relato, D’Amaral comenta sobre a construção da marca Hering a partir da sua logotipia e a relação com a moda que o brasileiro veste. A marca Hering é o principal produto da Cia. Hering, empresa de capital misto (privado e aberto), listada na Bolsa BM&FBovespa. Referência nacional no varejo do vestuário, atua com lojas próprias, multimarcas e webstores. Em 2015 a empresa encerrou o ano com uma rede de 823 lojas em todos os Estados brasileiros – entre estas, 653 lojas Hering Store, 72 lojas PUC, 93 lojas Hering Kids, 3 lojas Hering For You e 2 lojas da marca DZARM, além de 17 lojas franqueadas localizadas no Uruguai, no Paraguai e na Bolívia.

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A MARCA DOS DOIS PEIXINHOS Carlos Tavares D’Amaral – Há 136 anos a marca Hering é construída e renovada. Nossa transmissão do tempo está relacionada no vestir, no agasalhar a vida das pessoas. Essa trajetória vai desde o surgimento da marca, seu nome, o preço de seus produtos, a embalagem e até como é feita sua publicidade. Tratase de uma marca construída a partir da percepção do consumidor tanto quanto sua própria experiência com o produto. Passou por algumas transformações através do tempo. O signo da marca criada em 1880 (os dois arenques, herings, em alemão, representam os irmãos Hermann e Bruno) durou quase um século. Em 1970, o ícone dos dois peixinhos já estava

do Itajaí. Em 1882 havia essa relação direta com os

Hering. Acabou criando-se um cluster produtivo de

colonos e trabalhadores, os produtos eram vendidos

vestuário que se tornou muito forte, não apenas em

de porta em porta, ou nas casas de secos e molhados.

Blumenau, mas também em Indaial e Brusque, ou

No final do século 19, os irmãos Hermann e Bruno

seja, toda a região à volta foi contaminada por esse

Hering instalaram-se na região (hoje bairro Bom Retiro,

trabalho. Muitas empresas foram fundadas por pessoas

em Blumenau), pois ali havia uma ribeira com queda

que trabalharam na Hering e montaram negócios

d’água, que hoje está canalizada. Criaram uma rota

grandes, como a Rovitex. O incentivo que fizemos ao

de água para movimentar as rodas, que por sua vez

empreendedorismo ajudou a criar esse cluster.

moviam os teares. A partir dessa inovação foi possível produzir dez quilos de malha por dia nos teares que

EMPREENDEDORISMO E SOCIAL COMPLIANCE

antes eram movidos a manivela. Com a adaptação das

Outras empresas, como a Garcia, vieram depois da

roldanas com correias que faziam girar os teares, criou-

Hering, mas a indústria fundada em 1880 continua

se uma tecnologia que, para a época, representava uma

aqui, gera milhões de empregos e motiva muitos

grande inovação.

empreendedores, pessoas que montaram seus próprios negócios. Antigamente fazíamos toda a

consagrado como referência de qualidade das malhas Hering. Em 1980, os peixinhos foram limpos,

120

RELAÇÃO COM O LOCAL

produção internamente. Continuamos a fazer e

tiraram-se as barbatanas e a grafia foi um pouco

Podemos dizer que a Hering puxou muito a indústria

beneficiar a malha, etapa que sempre foi realizada

modificada. Na década de 1990 a estirpe ficou mais

do vestuário de Santa Catarina. No início era

por nós e vai continuar sendo, pois é nesse processo

leve, os peixinhos continuaram dentro de uma forma

praticamente sozinha. Logo depois veio a indústria

que se coloca o controle de qualidade. Já a costura,

que de círculo passou para oval em 1998, quando a

Karsten, que por sua vez atuava em um ramo

que significa juntar as peças e representa a parte de

grafia também recebeu novos ajustes. Chegamos aos

diferente do nosso – o de cama, mesa e banho.

mão de obra mais intensa do negócio, no início era

anos 2000 com a atual simbologia. Em 2014 os dois

Essas empresas pioneiras ditaram todo o processo

feita aqui, mas com o passar do tempo começamos

peixinhos foram retirados do aprisionamento, da

de industrialização do Vale do Itajaí. Apenas no final

a terceirizar. Incentivamos nossos funcionários

forma oval ou elíptica, e redesenhados de maneira

da década de 1950 e início de 1960 começaram a

a se tornarem empreendedores e prestadores de

mais harmônica. Mudamos um pouco a tipografia

aparecer outras empresas grandes, como a Sulfabril,

serviço. Hoje, 60% da nossa produção na área da

para uma letra levemente arredondada e sem serifa,

infelizmente, algumas acabaram sucumbindo às

confecção é terceirizada. Além das nossas filiais

de forma a modernizar a logotipia.

conjunturas macroeconômicas. São empresas que

de confecções, temos outras centenas de facções

surgiram no rastro da Hering e algumas contaram com

que empregam milhares de pessoas. Ajudamos a

INÍCIO DE UMA REVOLUÇÃO

o incentivo da própria Hering. Sempre estimulamos

capacitar o empreendedor para gerir seu negócio e

A Hering começou fabricando roupa íntima masculina

o empreendedorismo para ex-funcionários se

não misturar os bolsos. A área de social compliance

que dava certo conforto para os colonos do Vale

tornarem empresários e passarem a produzir para a

na Hering é muito forte e monitora todos os nossos

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


negócios. Passamos um pente fino e levantamos todas as condições de trabalho. Nossos fornecedores são obrigados a se adaptar. DE PEÇA ÍNTIMA MASCULINA PARA ÍCONE DA ROUPA SEM GÊNERO A partir de determinada época a camiseta passou a ser usada pelo público feminino. Até então, calça e camiseta não eram opções para a mulher, eram roupas de homem. Essa mudança no comportamento foi muito importante, já que quem mais consome roupas costuma ser a mulher. A partir de um determinado momento, a camiseta passou a ser mostrada pelo lado de fora, além de ganhar espaço no guarda-roupa feminino. Na década de 1950, James Dean e Marlon Brando apareceram no cinema usando a camiseta, não como peça de baixo, underwear, mas para fora. Dean ainda usou sua camiseta com

ABERTURA DE CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO

TV, NOVELA E FUTEBOL

Na década de 1970 começamos a fazer anúncios

Além da evolução natural do negócio, a Hering foi

publicitários. Até então, a distribuição de nossos

influenciada pelas novas linguagens da propaganda.

produtos por todo o país era feita por empresas

A entrada da televisão em cores no lar dos brasileiros

atacadistas com equipes de vendas itinerantes.

trouxe uma profunda mudança. Na década de 1970,

Quando se tem uma marca, é preciso controlar os

foi possível assistir pela primeira vez a uma Copa do

canais de distribuição, ou seja, tem que saber para

Mundo em uma televisão colorida enorme, do tipo

quem está vendendo, e nós não sabíamos, vendíamos

Telefunken, que ficava em um móvel especial, na sala.

para esses depositários e eles forneciam para quem

Após a Segunda Guerra, até essa época, a geração

quisesse. A partir de 1970 começamos a criar uma área

chamada de baby boomers cresceu com a presença

comercial, um setor de marketing e equipes de vendas.

da televisão e passou a receber uma quantidade de

Começamos a nos tornar protagonistas em uma parte

informações muito maior do que a geração anterior.

da distribuição. Com o passar do tempo, a empresa foi aumentando seu portfólio de varejo, até começar ela própria a fazer distribuição para todo o mercado.

Na década seguinte, a de 1980, a telenovela passou a entreter o povo brasileiro e tornou-se um verdadeiro fenômeno social. A novela até hoje dita moda. Temos que ficar atentos e avaliar se aquilo que está sendo apresentado tem a ver com nosso DNA para lançarmos

MÍDIA E BRAND AWARENESS

um produto semelhante no mercado. A televisão traz

um casaco, mas Brando apareceu com a sua exposta

Já investimos muito na televisão, chegamos a

e a manga dobrada, colocando em evidência aquele

patrocinar o Jornal Nacional, mas hoje o preço da

produto que até então era roupa íntima. Dá para

veiculação nacional na TV é proibitivo. Acabamos

imaginar a repercussão que isso teve? A camiseta,

investindo mais na mídia impressa, como anúncios em

que é o produto ícone da Hering, deixou de ser roupa

revistas e catálogos. Atualmente temos as redes sociais

íntima e virou outwear! A partir dos anos 1970, as

como novos canais, mas isso pode ser um problema.

mulheres também aderiram a esse produto, com a

É preciso aprender a lidar com as redes, pois nelas a

moda unissex. Para a Cia Hering, assim como para

comunicação é totalmente diferente. Por exemplo, esses

outras empresas têxteis, esses dois acontecimentos

canais não permitem fazer comercial, tem que interagir

DO UNIFORME ESCOLAR À DEMOCRATIZAÇÃO DE ESTILOS

abriram um leque muito importante, o fato de o

de forma diferente, senão eles rejeitam. Para lidar com

A empresa também marcou presença na vida dos

produto passar a ser usado para fora e ser consumido

as redes é preciso ter pessoas com esse feeling e foco

brasileiros através do uniforme escolar. A embalagem

pelas mulheres. (Em 1988, a Hering lançou um livro

no relacionamento. Não pode ser tocado pela área de

com os dois peixinhos virou referência para a camiseta

sobre a história da camiseta, com colaboração de

publicidade da empresa. Não pode empurrar o produto,

de qualidade usada na prática de educação física, com

grandes nomes do jornalismo de moda brasileiro.)

ou mesmo a marca, tem que se relacionar.

punhos e golas em malharia retilínea. Enquanto isso,

c a p í t u l o

esse detalhe. Por outro lado, o futebol traz à tona a paixão do brasileiro que pode ir aos estádios torcer pelo seu time usando a camiseta do seu clube. A Hering foi pioneira em entrar nessa vibe ao criar uma seleção de produtos dos times de futebol para ir ao campo torcer pelos clubes.

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DE DIFUSORES PARA LANÇADORES

acontecia localmente – a camiseta no Ocidente virava

Já que no nosso negócio pode sobrar muito saldo,

pano de fundo para a democratização dos estilos e

começamos com a ponta de estoque. Vendíamos

a opinião ganhava voz através das suas estampas. A

saldo de uma forma mais digna, como em uma

camiseta começou a ser usada para difundir opiniões.

loja, com o produto encabidado, o que foi um

Antes o produto era liso e o grosso da nossa produção

embrião para o projeto de ponto de venda. No ano

era a camiseta branca, apesar de também fazermos

de 1993 inauguramos a primeira loja da marca, no

a colorida. Começamos a lançar estampas na mesma

Shopping Via Parque, no Rio de Janeiro, um espaço

produtos que conversassem entre si. Precisávamos de

época em que, principalmente entre os jovens, surgia

de 200 metros quadrados com 32 metros de vitrine,

coerência para a coleção, que passasse um conceito

a possibilidade de usar a camiseta como veículo para

assinada por um arquiteto carioca que acabou

de vestir, o que anteriormente não precisávamos

expressar seus sentimentos e valores.

nos ensinando como não se deve fazer uma loja.

fazer. Começamos a ter que pensar em criar looks,

Fizemos como um supermercado, com gôndolas

com parte de cima e parte de baixo. Ponderar que tal

TECNOLOGIA DO VESTUÁRIO COMO DIFERENCIAL

altas, de modo que a loja desaparecia, não se via o

produto vai estar na parede, na vitrine, vai compor

que estava atrás, mas de qualquer maneira foi um

o visual merchandising. No passado não existia essa

Nos anos 1990 lançamos a Hering World T-shirt,

sucesso. Nessa época, não sabíamos varejar, éramos

preocupação, isso é bastante recente. De 1993 para

uma camiseta sem costuras laterais, feita no tear

indústria. Sabíamos produzir com qualidade, mas

cá, ou seja, há vinte e tantos anos apenas, começou a

circular que já tinha a largura do corpo; portanto, cada

varejo não era nosso forte.

preocupação com o design, com a moda. O movimento

tamanho tinha que ser feito em um tear diferente. Além do Brasil e da América Latina, essa camiseta foi internacionalizada, passando a ser vendida em outros

Antes do varejo tínhamos outro processo para desenvolvimento de coleção. Até então viajávamos pelo mundo para selecionar produtos que tivessem a ver com o nosso DNA. Com o agente da loja, mudamos o conceito de criação, passamos a ter que desenvolver

SCMC (Santa Catarina Moda Contemporânea, criado MULTIMARCAS, FAMILY STORE E FRANQUIAS

em 2005, com apoio da Cia. Hering) surgiu com esse foco, de ajudar a transformar uma região que era

países. Trata-se de uma camiseta diferenciada, que deu

Fizemos um projeto de franquia colocando todas

um toque de refinamento a um produto tão básico, a

as nossas marcas: a Mafisa, marca para a jovem

ponto de as pessoas passarem a usar a camiseta branca

senhora; a Public Image, que é street wear; a

embaixo do blazer.

Puc, marca infantil; e a Omni, marca jovem mais

eminentemente industrial em uma lançadora de moda e tendências. As diversas empresas que fazem parte do movimento estão repensando suas áreas de produto nesse sentido.

bem posicionada, dentro da mesma loja. Logo

122

DA PONTA DE ESTOQUE PARA A LOJA-ÂNCORA

entendemos que isso era impossível. Só uma lojaâncora de 2 mil a 3 mil metros quadrados comporta

A CAMISETA DOS DOIS PEIXINHOS E O MICKEY MOUSE

A Hering fez um dos seus movimentos mais

uma multimarcas dentro de um shopping. Uma

Mais de 110 anos haviam se passado e a camiseta

importantes ao lançar seu projeto de loja e de

loja de 150 metros tem que ser monomarca. Logo

ainda era o produto mais consumido da marca.

franquias. Começou como um projeto tímido, em

fizemos a mudança para transformar essa loja que

Em 1997 lançamos a Hering Gold, que comemorou

1991, primeiro com lojas do tipo ponta de estoque,

chamávamos de “Hering Family Store”. O símbolo

cinco bilhões de camisetas comercializadas pela

pois nós mesmos tínhamos certo preconceito sobre

da loja eram os dois peixinhos cruzados sem o

Hering. Naquele momento havia ficado claro que o

como a Hering poderia estar dentro de um shopping.

nome da marca.

brasileiro, quando compra uma camiseta, pede uma

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


Hering. Todo ano continuamos a receber prêmios

projetos, como a “Corrida contra o câncer de mama”,

pode apresentar uma variável, o que muitas vezes não

como marca Top of Mind. Nos anos 1960, a Hering

que acontece nas cidades de São Paulo, Rio de

atende ao ponto de checagem. É complicado trabalhar

foi licenciada pela Disney, uma das duas empresas,

Janeiro e Blumenau.

com a malha. Deve haver muito controle de qualidade,

além da Editora Abril, a ser licenciada no país. A camiseta com o logo do Mickey agregou muito valor ao produto, até a Disney vir ao Brasil e inviabilizar o licenciamento. Até os anos 1990 éramos a principal marca Disney no mercado do Brasil e chegamos a exportar para outros países (Europa, Oriente Médio e norte da África). CAMPANHA DO BEM ATRAI ENDORSERS

além de um jogo de cintura violento, para produzir FAST FASHION E MODINHA

ao tintilar do caixa. Ou seja, se a venda está boa, a

Quando lançamos a campanha “O básico do Brasil”, feita pela agência W/Brasil, em 1997, foi uma campanha muito forte, a ponto de ser difícil, com o passar do tempo, se desvencilhar desse mote. O básico do Brasil tem dois significados: o básico da roupa, porque ter uma Hering é básico,

produção corre solta. No private label, se uma empresa segura a fabricação, você tem que tirar da linha de produção e colocar no mercado nacional (a partir de 2007, a empresa decidiu não produzir mais para terceiros e focar nas próprias marcas). LANÇAMENTOS CONTÍNUOS E E-COMMERCE

ou seja, todo mundo tem uma Hering no seu Em 1995 a Hering lançou a campanha social “Câncer de mama no alvo da moda”, a partir de um símbolo criado pelo estilista norte-americano Ralph Lauren em homenagem a uma jornalista amiga dele que havia falecido de câncer. Lançamos a campanha no Brasil e quem compra a camiseta está fazendo uma doação para o IBCC (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer). Com as contribuições, o IBCC construiu na cidade de São Paulo um hospital que é referência e atende milhares de mulheres. O interessante é que o contribuinte é o próprio

guarda-roupa. Mas isso é básico, também, no sentido de brasilidade, da roupa que o brasileiro veste. O fast fashion, para nós, é aquilo que a gente produz como reação a uma demanda. Por exemplo, se uma novela vem com um produto que tem tudo a ver com nosso negócio, em 15 dias colocamos na rua. Significa na cadeia produtiva inteira, ter jogo de cintura.

Atualmente temos cinco marcas e lançamos seis coleções por ano para cada uma delas. Cada coleção tem ciclos, entradas a cada duas ou três semanas, de forma que todo mês tem novidade na loja. No varejo eletrônico, primeiro fizemos um embrião, aprendemos observando os outros, criamos um canal de distribuição forte, rentável, com muito dinamismo e velocidade. No comércio eletrônico tem que ser muito dinâmico, estar permanentemente em contato com o consumidor;

EXPORTAÇÃO E PRIVATE LABEL

sempre que ele entrar no site tem que ver novidade

consumidor, a Hering é apenas fiel depositária. Os

A Hering, durante muito tempo, foi bem na exportação.

e promoção. É muito dinâmico, uma loja aberta

artistas que fizeram a propaganda e doaram o cachê

Na década de 1990 produzia private label e exportava

24 horas, porém, mais do que vender, é preciso

para o IBCC, ao usarem a camiseta da campanha,

direto para a fonte, para grandes marcas do exterior,

ajudar o consumidor a comprar. Tem que oferecer

endossam o produto e chamam a atenção para a

como a norte-americana Abercrombie. Tínhamos que

o maior número de informações possível, já que

causa. O consumidor acaba comprando o produto

nos adaptar àquilo que na marca internacional era

ele não pode tocar ou experimentar o produto.

porque acha bacana. O produto foi ficando mais

tendência e ao que exigiam de controle de qualidade.

O consumidor conhece a Hering pela qualidade,

fashion e passou a ter contribuição de estilistas

O controle de qualidade é infinitamente mais forte

ainda assim, precisa entender se aquele produto

brasileiros, além de outros artistas de diversas áreas

no mercado internacional. Infelizmente, o mercado

vai servir ou não. A informação faz com que o

e procedências. A campanha acabou gerando outros

interno tem mais permissividade. O algodão também

consumidor sinta-se seguro.

c a p í t u l o

2

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a

c a m i s a

q u e

v i r o u

l o v e

b r a n d

123




CAPÍTULO

126

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

3


A história que se construiu durante mais de um século continua a evoluir, a partir da formação e do fomento aliados à criação e à ousadia de pessoas visionárias. Ao que tudo indica, daqui a cem anos esta história se perpetuará e continuará a ser contada, pois, ao consolidar o passado, olhar para o futuro passa a ser reconhecer sua essência, assumir a própria identidade e valorizar o patrimônio cultural e material acumulado.

127


CONHECIMENTO, IDENTIDADE E INOVAÇÃO

OUSADIA AO

128

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


OLHAR PARA O FUTURO

N

o capítulo I, contamos um pouco do passado e da tradição têxtil do Estado de Santa

Catarina como forma de contextualizar a arte do vestuário que pauta o enredo deste livro. No segundo capítulo, a legitimação dessa arte é reforçada por meio das estatísticas que mostram a repercussão do Estado frente à macroprodução do país. Este terceiro e último capítulo procura olhar para o futuro por meio das visões daqueles que estão engajados na transição da região de polo produtivo para indústria da moda que seja referência para o Brasil e para o mundo. As pessoas que entrevistamos para este capítulo são focadas na formação e inovação, em apontar novos caminhos, em pensar o zeitgeist e têm em comum a ousadia e o espírito desafiador. Assumem o risco de repensar a tradição, de querer oxigenar o setor na busca de sua essência. O capítulo abre com uma entrevista exclusiva com Amélia Malheiros, presidente do Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC), movimento que está revolucionando a indústria local ao discutir o campo e propor novos caminhos, além de pensar a identidade na região. Seguimos com representantes do Senai de Blumenau Jacir Luiz Lenzi e Evelina Molverstet Bauler. que completam o levantamento sobre a cadeia produtiva da região ao reforçar a importância das empresas terceirizadas e da profissão de costureira. Por meio de seus depoimentos, levantamos as competências que um profissional deve ter para atuar no setor e o apoio que o Senai, em parceria com o Sebrae, desenvolve para incentivar o empreendedorismo e potencializar a produtividade das micro e pequenas empresas. Apresentando a Orbitato, Celaine Refosco apresenta suas ideias de uma nova proposta de formação profissional e foco na criatividade e autoralidade. 129

O capítulo chega ao clímax com uma entrevista inédita com o sensacional estilista Lui Ianoreschi, logo após sua estreia nas passarelas do evento Casa dos Criadores, em São Paulo. Talentoso, introspectivo e inesperadamente low profile, é daquelas pessoas com quem se tem vontade de conversar por horas a fio. Formou-se na Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), fez intercâmbio na Suécia e hoje comercializa sua marca para um público genderless, no e-commerce britânico para jovens talentos, not just a label. Na sequência, apresentamos três jovens profissionais da região, Daniel Mafra, Felipe Capestrano e Daniel Knopp que antenados com o Brasil e o mundo nos entusiasmam com o devir.

c a p í t u l o

2


SANTA CATARINA NO MAPA DA MODA 130

ENTREVISTA

A R A T R E T E D O D O V E V S E T S U T Á U R Á I R O I O

AMÉLIA MALHEIROS


“O mercado internacional é muito exigente nos tipos de malhas diferenciadas, além de processos e acabamentos inovadores; isso deu expertise à indústria de Santa Catarina, que precisaria sempre reinventar-se para atender a novos mercados”

S

anta Catarina faz moda? Qual a essência e identidade do setor têxtil e de confecção da

região? Para responder a essas e outras questões, ninguém melhor do que Amélia Malheiros, profissional experiente e engajada. Gestora de comunicação institucional da Cia. Hering desde 1992, assumiu em 2016 a diretoria do Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC), movimento que há dez anos integra empresas, estudantes e instituições de ensino em busca de uma identidade de moda e design para produtos e marcas fabricados no Estado. Malheiros alerta para a necessidade de adaptar-se às mudanças de cenário e afirma que, para Santa Catarina entrar definitivamente no mapa da moda, a indústria local deve articular-se como setor produtivo e investir, cada vez mais, em pesquisa, treinamento e inovação.

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m a l h eiros

131


DNA DA REGIÃO À indústria têxtil e de confecção de Santa Catarina sempre foi atribuída uma preocupação muito grande com qualidade, serviços e prazo de entrega honestos, no sentido de propor apenas o que pode realmente executar. A indústria aprendeu muito com as décadas de exportação, principalmente no período dos anos 1990 aos anos 2000, quando atendeu ao mercado internacional, inclusive ao europeu e norte-americano, com fornecimento de produção de fábrica, expertise e know how para grandes marcas mundiais. Produzia-se internamente para entregar e vender produtos

marcas locais. Acredito que a indústria de Santa Catarina seja única nesse sentido, de ter essa flexibilidade, de se reinventar. Podemos dizer que atualmente várias indústrias mantêm uma produção híbrida, isto é, parte da produção é feita em casa, parte é encomendada fora. A peça pode ser talhada e cortada internamente na empresa e a costura ser externa, por exemplo, assim como a lavagem pode ser terceirizada para empresas especializadas. Geralmente, o tecido plano é comprado fora, como no caso da sarja, que muitas empresas não fabricam, já que o forte da região é a malharia.

finais nas lojas do mundo todo. Algumas fábricas chegaram a destinar a maior parte da sua produção para exportação; as que não dependiam tanto da exportação eram as que tinham marca. A produção para marcas de terceiros sempre foi muito forte na região e isso deixou um legado muito importante. O mercado internacional é muito exigente nos tipos de malhas diferenciadas, além de processos e acabamentos inovadores; isso deu expertise à indústria de Santa Catarina, que precisaria sempre reinventar-se para atender a novos mercados. 132

MUDANÇA DE CENÁRIOS Nas últimas décadas houve um movimento de se voltar para o varejo, de se relacionar melhor com o consumidor final, pois é dele que volta toda a demanda – o que produzir, o que entregar. As indústrias que entram para o varejo passam a agregar esse olhar do seu consumidor que interfere na indústria produtiva a partir de uma retroalimentação. Houve um investimento maior no branding, na comunicação da marca, no relacionamento com o consumidor. O

PRODUÇÃO HÍBRIDA

advento do crescimento do número de shopping

Hoje a indústria atende principalmente ao

centers no país viabilizou a exposição da marca;

mercado interno, seja na fabricação para grandes

por outro lado, tirou o atravessador, o grande

varejistas nacionais ou investindo nas próprias

atacadista. Houve uma mudança de cenário

marcas. O expertise com o mercado internacional

que trouxe valores diferentes. Tornou-se uma

acabou sendo incorporado na produção das

questão de buscar a transformação ou perder

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

“O mercado internacional é muito exigente nos tipos de malhas diferenciadas, além de processos e acabamentos inovadores; isso deu expertise à indústria de Santa Catarina, que precisaria sempre reinventar-se para atender a novos mercados”


espaço. Muitas empresas perceberam esse movimento antes, outras demoraram, há as que ainda continuam no modelo passado. Essa diversidade existe inclusive na presença das empresas na internet. Algumas já trabalham com múltiplos canais de forma integrada, outras ainda vivem o dilema entre a multimarca, a distribuição por franquia e as lojas ou canais diretos.

ESSÊNCIA E IDENTIDADE

ARTICULAÇÃO DO SETOR

A indústria de Santa Catarina tem uma forma

Recentemente houve momentos de aceleração da

única de se relacionar com o consumidor que

indústria catarinense gerados pela macroeconomia,

não é tão caricata, como a moda feita à mão,

por investimentos no setor, o que potencializou

por exemplo, de Minas Gerais. Não é urbano,

a demanda por um posicionamento do Estado

como São Paulo. Tampouco é carioca no sentido das marcas antenadas, de beachwear. Santa Catarina é conhecida pela sua qualidade e tradição, além da relação custo-benefício que

FAZER HISTÓRIA NA ERA DIGITAL

as marcas representam. A autenticidade de uma marca de Santa Catarina traz essa essência da

As novas tecnologias e a experiência digital e mobile vieram para ficar. A marca passou a ser a nova mídia e o consumidor tem seus domínios que as marcas procuram entender. Empresas de pesquisa identificaram esse empoderamento do consumidor que flui através de multiplataformas, em multicanais físicos e virtuais que ele utiliza para fazer suas pesquisas, monitorar a reputação da marca, além de usar as redes sociais para trocar questões subjetivas que dizem respeito ao valor institucional (intangível) da marca. Portanto, é preciso interagir com o consumidor nesse ambiente

roupa que é feita aqui e carrega a história dos

em relação à indústria da moda. A Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) tem investido no mapeamento do setor têxtil através de estudos de especialistas, além de incentivar a representatividade. O Santa Catarina Moda e Cultura (o SCMC) é um órgão sem fins lucrativos que tem investido na articulação dos empresários no sentido de trocar ideias e se posicionar enquanto polo

pioneiros que aqui se instalaram e construíram

produtivo, além de promover ações de inovação

essa cadeia produtiva que permanece até

e capacitação. A ideia é colocar Santa Catarina

hoje. Esse movimento de se descobrir como

definitivamente no mapa da moda.

identidade em Santa Catarina é recente, veio com a redescoberta da indústria dentro de si própria. Foi necessário refletir sobre o fato de ser uma indústria poderosa que precisa se organizar, capacitar, descobrir, inovar e contar isso para o mundo. Na última década, esse tem sido o desafio, fortalecer a indústria catarinense

de omnichannel. Além disso, deve ser mantido

através desse novo olhar, desse reconhecimento

o engajamento sem perder a essência, além de

de si própria, de ter a referência do mundo, mas

conseguir dar consistência para as múltiplas

usar a lente da identidade própria. Procurar por

ações. Atualmente, tem se pensado muito mais em

identidade foi o primeiro impulso; o segundo

storydoing do que em storytelling. Pequenas ações,

foi antecipar tendências. Agora, se pensa

assim como pequenos dados, hoje podem afetar

em como valorizar, preservar e continuar

nas grandes tomadas de decisão, como podemos

com o desenvolvimento da herança cultural

ver nas curtas trocas de informação dos chats.

e produtiva local.

133

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m a l h eiros


CONHECIMENTO ESTRATÉGICO: APRENDER PARA CRESCER 134

ENTREVISTA

A R T E

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V E S T U Á R I O

EVELINA M. BAULER E JACIR L. LENZI - SENAI


:

E

ntidade da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), o Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) tem como objetivo atender às demandas da indústria por meio da capacitação profissional e da transferência de conhecimento estratégico. Os cursos de formação superior, tecnológicos, Ensino Médio, Jovem Aprendiz e extensão são pensados de forma a contribuir para a evolução do parque industrial da região, ao identificar demandas atuais e futuras, tanto na área científica quando na geração de inovação tecnológica, no desenvolvimento de produto e na gestão de processos. Em conversa com o diretor da unidade de Blumenau, Jacir Luiz Lenzi, e a gerente técnica de educação Evelina Molverstet Bauler descobrimos peculiaridades da região, como a importância dos terceirizados e a gama da oferta de trabalho nos diversos elos da cadeia produtiva têxtil. O que contribui para que a região de Blumenau e Vale do Itajaí tenha um dos menores índices de desemprego no país.

c a p í t u l o

3

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s e n a i

135


TERCEIRIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO DO PEQUENO EMPREENDEDOR

Trabalha-se com grupos de seis a oito empresas;

partir da entrada do pedido, portanto é preciso que

durante o dia, in loco na empresa, e à noite, em

haja esse alinhamento da produção com a gestão

Nos últimos anos, as grandes indústrias aumentaram

sala de aula. Esse projeto ajuda na relação da

de recursos. O forte da região de Blumenau e do

sua produção e passaram a terceirizar para

pequena empresa com seu cliente, a grande, mas

Vale do Itajaí é a malharia, porém, atualmente, o

fornecedores que estão espalhados por todo o Vale do

também o inverso, a grande com o pequeno, seu

tecido plano cresce. Observamos, na moda atual,

Itajaí. Essas empresas ficam um pouco sumidas porque

fornecedor. As consultorias para as pequenas e

roupas que misturam malha com tecido plano,

são menores, com em média de 30 a 40 funcionários,

microempresas em parceria com o Senai chegam

porém, o profissional que aprendeu a costurar

e trabalham com indústrias e marcas diferentes.

a aumentar em até 30% o fluxo de produção. Às

na malha tem uma dificuldade maior de ir para o

Alguns desses empresários são ex-alunos do Senai da

vezes, o pequeno não tem um layout de produção

tecido plano. Costurar no tecido plano com todos os

graduação técnica que hoje têm uma facção. Essas

bem definido, o fluxo não é linear, e o Senai entra

detalhes é muito complexo, depende da habilidade

pequenas empresas são todas formais, registram

com a consultoria no planejamento, no controle

profissional. A modelagem pode ser 100% correta,

seus funcionários, pagam suas contas e fazem seus

da produção e no desenvolvimento de métodos de

mas, se a costura estiver torta, volta tudo. Às vezes,

controles. A grande empresa em hipótese alguma

trabalho. A consultoria no layout da produção ajuda

na ficha técnica está escrito algo, porém, no dia a

aceita trabalhar com a informalidade, portanto, todas

a torná-la mais eficiente, pois se avalia desde a

dia dentro da facção é diferente. Os acabamentos do

as facções são legalizadas e, apesar de pequenas, não

disposição da máquina até o processo operacional,

tecido plano são complexos e de difícil execução.

são obsoletas em termos de maquinaria, adquirem

já que, se este não segue em linha reta, perde-se

Formação para colocar a mão na massa

equipamentos com parcelamentos – em alguns

tempo de produção e, ao final do dia, as metas

Aqui se trabalha como em uma fábrica. O aluno do

casos, cedidas por comodata pelas grandes indústrias.

não são alcançadas. Junto ao Sebrae, auxilia-se

curso superior de Design tem que criar, desenvolver

Geralmente estão instaladas em galpões, mas existem

com as planilhas de custo, controles financeiros e

a modelagem e projetar uma fábrica com

residências que se tornaram empresa: um cômodo

precificação. Quando o pequeno empresário não

capacidade produtiva de 100 peças por dia. Precisa

vira sala de costura; outro, a de separação; e outro,

define adequadamente o preço da sua produção, em

justificar o local escolhido, qual a proximidade

a de limpeza. Ou então fazem um anexo nos fundos

três ou quatro meses acaba gerando uma bola de

com seus clientes e fornecedores. Além disso, deve

neve de passivo, e não de ativo.

mapear o layout da empresa, com seu fluxo de

da casa. Muitos ex-alunos dos cursos técnicos e

produção. O estilista formado em Moda tem que

superiores, alguns até com pós-graduação completa, DESENVOLVIMENTO DO PRODUTO

entender de produção, está criando, mas precisa ter

Cada peça tem um tempo padrão para ser

a visão do desenvolvimento do produto, pois o que

PARCERIA COM O SEBRAE PARA O EMPREENDEDORISMO

desenvolvida. Quando a empresa cliente envia

cria deve ser viável. Às vezes, para a modelagem,

o pedido de um determinado produto, este tem

ou mesmo comercialmente, o desenvolvimento

O Sebrae vem desenvolvendo um trabalho de

que estar alinhado com a ficha técnica e, a partir

daquela criação não é viável. Tivemos o caso de

empreendedorismo na região, com noções de

daí, avalia-se o tempo para fazer aquela peça

um estilista que criou um detalhe de acabamento

administração e de controle financeiro para que

com precisão para não haver perda na produção.

que ficou muito interessante, mas que se complicou

o empreendedor administre melhor seu negócio.

As facções são pagas pelo cliente com 30 dias a

na hora de desenvolver na linha de produção. O

também trabalham nessas facções. 136

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


que muitas marcas fazem hoje é desenvolver com

homens mais bem vestidos. Muitos ainda percebem

consultoria nas empresas e através do Instituto

o estilista uma coleção conceitual para o desfile e

a costura como um trabalho banal, de ficar o dia

Senai de Tecnologia Têxtil, Vestuário e Design,

outra mais comercial voltada para aquele conceito.

inteiro fazendo a mesma coisa, cabe às empresas ter

desenvolvemos um caderno de tendências que é

a sensibilidade de trocar a função do profissional.

feito em rede com outras unidades do Senai em

Se as pessoas não conseguem visualizar um sonho,

16 Estados do Brasil. Cada um faz sua viagem,

não há brilho no olhar. As costureiras que produzem

desenvolve suas pesquisas e depois o material é

peça piloto, as piloteiras, ganham no mínimo R$ 3

compilado. O núcleo de Blumenau participa desse

mil por mês e a região tem muita oferta, com um

processo e tem a incumbência de difundir esse

dos menores índices de desemprego no país.

conhecimento no Estado, de forma itinerante.

PERFIL DOS CURSOS DO SENAI

PERFIL DO JOVEM PROFISSIONAL HOJE

costureiras não querem o mesmo para suas filhas

Há cursos para todos os públicos e perfis, desde

O perfil do jovem hoje é muito imediatista. Nem

e as filhas não têm a paixão que as mães tinham

o Jovem Aprendiz até os cursos de iniciação

sempre consegue perceber que aquele treinamento

– até querem aprender, mas não para ficar lá na

profissional, em que o aluno aprende a conhecer a

pode levar a outra coisa. As novas gerações não

fábrica, costurando todos os dias. No passado, essa

máquina de costura, passar o fio, regular o ponto,

querem mais pensar em algo para daqui a dez anos.

atividade fazia parte do aprendizado feminino e a

fazer o franzido, entre outros. No técnico, o aluno

Antigamente, passava-se muito tempo na mesma

máquina de costura ajudava a compor o enxoval, já

recebe o conteúdo em forma de apostilas e aprende

empresa; atualmente, se o jovem profissional não

que, antigamente, não se comprava roupa pronta

a fazer, mesmo que no começo saia errado. No

se sente realizado, contente com o que faz, pede

aqui na região, comprava-se o tecido e a peça era

superior, não tem mais apostila e a pesquisa é feita

a conta. Muitos querem ser empreendedores logo,

toda feita em casa. Muitas mulheres daqui também

na biblioteca. Na graduação, o aluno aprende a

querem ganhar bem, não querem esperar, começar

aprenderam a costurar dentro das empresas, que

contextualizar o processo e pensar como pode fazer

pequeno e ir crescendo. A partir do segundo ano do

possuíam suas próprias escolas de costura, mas hoje

na empresa e se diferenciar como profissional. Na

Ensino Médio o aluno já pode fazer um dos cursos

poucas oferecem o treinamento. Trabalhamos muito

faculdade, tem contato com todo o processo do

do Senai Blumenau e sair direto para o mercado de

a conscientização e a valorização da profissão,

design de moda, mas não vai ficar muito tempo se

trabalho, ou ir para a universidade. Poucas unidades

inclusive dentro dos sindicatos. A costureira faz um

profissionalizando em um conteúdo específico. Já

do Senai no Brasil oferecem formação desde o

pedacinho, uma operação e, quem fará a próxima

nos cursos de qualificação, ele pode se dedicar a um

Ensino Médio até a pós-graduação. Normalmente,

é outra profissional, porém, quando começa a ter

tema específico, como modelagem de camisaria,

as indústrias procuram o Senai em busca de novos

essa visão do todo, do produto pronto, passa a ter

de calça ou de lingerie, por exemplo. No Senai

profissionais, pois sabem que eles saem preparados,

orgulho, pois participou daquele contexto. Pode

de Blumenau há 180 cursos em qualificações

aprendem a fazer tudo, até deixar a roupa pronta.

dizer que está unindo um ombro de uma camisa ou

diferentes – é a unidade mais pulverizada em

Há alunos que saíram da região e estão fora do país,

pode pensar que está colaborando para tornar os

áreas de conhecimento. Trabalhamos também com

em Nova York e Londres, com marca própria.

A COSTURA COMO PROFISSÃO Hoje há na região uma grande demanda por boas costureiras. Inclusive os homens também estão atuando na área. As mais jovens não querem atuar com isso, muitas vezes preferem trabalhar no shopping do que dizer que são costureiras, mesmo a remuneração sendo maior. Mães

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UM ESPAÇO PARA REPENSAR O TÉCHNE 138

ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

CELAINE REFOSCO - ORBITATO


N

atural do município de Joaçaba, no oeste de Santa Catarina, Celaine Refosco foi estudar

em Curitiba, na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, formou-se em Artes Plásticas, especializou-se na estamparia têxtil e acabou voltando para trabalhar em Blumenau, ao perceber que na região havia carência de capacitação e conhecimento criativo. Trabalhou na produção fabril para grandes empresas como Teka e Marisol, foi atraída para a área acadêmica, como professora e depois coordenadora, do curso de graduação em Moda no Centro Universitário de Jaraguá do Sul, até começar a questionar as experiências vivenciadas e pensar como poderia fazer diferente, de forma mais visceral. Na indústria, percebeu que os elos criativos nem sempre estavam alinhados na produção e distribuição. Notou também que os profissionais que trabalhavam na cadeia produtiva raramente eram ouvidos na hora de pensar o produto. Essa dicotomia começou a intrigá-lo. Na academia, percebeu um processo lento, difícil, burocrático, que pouco contribuía para a prática: “Como se existisse uma lacuna entre quem faz e quem pensa, como se fossem dois universos distintos”, desabafou. Decidida a ir contra o fluxo, resolveu fundar, há nove anos, sua própria escola, na pitoresca cidade de Pomerode. A Orbitato, Instituto de Estudos em Moda e Design, tem como proposta o projeto de vida da sua fundadora, que é unir criatividade e eficiência técnica na produção catarinense de moda. A seguir, Celaine Refosco revela um pouco sobre suas visões e métodos nem sempre convencionais.

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CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTO

Superfícies. Sempre me interessei em acompanhar

as instituições educativas estavam trabalhando

os macromovimentos do mundo, o aspecto

com foco no futuro. Resolvi elaborar um plano de

Minha vida profissional levou-me a compreender o

econômico, industrial, mas também me interessava

negócios, conversei com alguns empresários que

trabalho criativo de maneira diferente. Ao iniciar na

pela geografia e pela economia local. O fato de a

respeito muito, que fazem ou fizeram parte de

indústria, tive uma experiência estranha. Apesar de

região de Blumenau e Vale do Itajaí ter sido um

grandes empresas e assim foi nascendo a Orbitato.

ser boa desenhista, as primeiras estampas que criei

minifúndio é saudável, traz esse conceito que hoje

ficaram péssimas e eu não conseguia entender, nem

está sendo valorizado de economia colaborativa e

ninguém conseguia me explicar, por que havia um

participativa. Além disso, a região sempre dispôs

gap tão grande entre a qualidade do meu desenho

de energia hidráulica, ou seja, as rodas d’água

e a da minha estampa. Aos poucos, comecei a

que moviam a indústria. Isso é poético, traz a

entender que isso fazia parte de um processo que é

tradição dos imigrantes que vieram do modo

o design de produto e o que estava ao meu alcance

industrial europeu, com uma percepção urbana

era descer para o chão de fábrica, falar com as

e produtiva. Essa história contribui para a cultura

pessoas que trabalhavam com essas máquinas e

da região. Quando decidi abandonar a academia,

entender como faziam e como aquelas máquinas

tive a sorte de ter uma reitora que me incentivou

trabalhavam. Portanto, virei designer dentro da

a seguir minha trajetória de vida e disse que se eu

fábrica, com um aprendizado acadêmico nas

tivesse algum problema era só chamar. No ano de

artes plásticas. Aprendi a produzir industrialmente

2006 fui estudar na Fundação Armando Alvares

com a experiência profissional. Dentro da fábrica,

Penteado (Faap), na cidade de São Paulo, para a

tive outra visão da criação, pois, apesar da minha

pós-graduação em Criação de Moda.

capacidade de desenho de representação, dependia

Já era uma mulher de 45 anos com filhos grandes,

do outro lado – o de “dentro” da fábrica. Passei a me

mas resolvi apostar. Percebi que naquele momento,

interessar pela produção e pelo desenvolvimento

no mundo, nasciam iniciativas educacionais

do produto como um todo. Percebi que, para meu

diferentes. A própria China desenvolveu uma

trabalho ser completo, teria que envolver esse todo,

estratégia de enviar estudantes para as boas escolas

caso contrário, não seria orgânico.

e levar os bons professores do mundo para lá. No sentido industrial e produtivo, Santa Catarina tem

OUVIDA PELA INDÚSTRIA Consegui ser ouvida pela indústria para levantar as falhas, as carências. Percebi que precisava de uma grande iniciativa, pois tive uma compreensão precoce em relação à consciência produtiva industrial. Pensei estrategicamente o que precisaria haver em volta, quais as estruturas. Comecei, e continuo, a trabalhar com uma estrutura pequena, com poucos recursos, porém, com muita certeza, muitos amigos. É um movimento libertador e inspirador. A minha trajetória profissional acabou se misturando à minha vida pessoal, aos meus ideais. Penso que a única coisa que liberta é o conhecimento, o tal téchne, citado por Aristóteles (conceito que reúne, no mesmo significado, criar e saber fazer). É preciso pensar mais o produtivo, ter uma ação mais limpa, eficiente e precisa, ao mesmo tempo com pessoas mais livres, com mais tempo, subjetividade e autoralidade. VISÃO SOCIAL E VISÃO DO MERCADO

TRAJETÓRIA DE VIDA

proximidade com a China. É impressionante

Fui professora e depois coordenadora, durante

o tanto que se produz neste Estado tão pequenino,

Isso me faz pensar em Maria Bethânia cantando

dez anos, com aulas de Desenho de Observação

porém, percebi a necessidade da capacidade

Guimarães Rosa: “Qualquer amor já é um

e Representação no curso de Arquitetura e na

criativa, que por algum motivo não acontecia.

pouquinho de saúde”. A indústria vive um gargalo de

Moda me especializei na área do Design de

Por outro lado, sentia que nem as indústrias, nem

tempo, tanto na visão do marketing quanto na visão

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


do sujeito e dos processos produtivos.

uma melhora na atuação. A primeira coisa que me

Os processos muitas vezes são desrespeitosos ao

surpreendeu ao montar a escola é que achei que

não considerar o bem-estar de quem trabalha. Às

a Orbitato atenderia no máximo de Curitiba até

vezes, a velocidade da produção, da necessidade de

Florianópolis, pela distância. Mas comecei a receber

produzir em poucos dias, de não poder ser feito em

pessoas de todo o Brasil, de muitos lugares diferentes.

menos tempo, gera uma reação que faz com que

Isso dá uma abrangência maior na troca de

todos corram e se estressem. Não há planejamento,

conhecimentos e experiências. Acontece algo quando

existe muita margem de erro, expertises são mal

se provoca o encontro de pessoas diferentes, fazendo

aproveitados e a falta de organização tira

com que todos cresçam ao entrar em contato uns

a energia dos envolvidos. Mesmo que essa seja uma

com os outros. Quando procuram a Orbitato já estão

aprendem, as formações diferentes representam

visão mais utópica, percebo que as pessoas, quando

em contato com esse todo, o processo começa a

troca de conhecimento, percebo que muitos migram

se conscientizam, se engajam no que estão fazendo,

tomar rumo e se auto-organizar sem que se perceba.

de área. Quero que a Orbitato seja percebida por

há um empoderamento através do

É um processo orgânico. Na educação tem que ser

provocar esse processo.

comprometimento, do uso do conhecimento, ou

assim. Percebo mudanças em vários níveis quando

seja, “fiz com cuidado porque estou envolvida com

isso acontece. O objetivo passa para o subjetivo, é

aquilo”. Percebo que há que se ter um engajamento

um abrir de olho, um repensar de visões, inclusive

com as pessoas. As empresas precisam de um papel

profissional, as pessoas muitas vezes se demitem.

Presto muita atenção para que o número de

social. Antigamente havia os clubes das empresas.

Percebem, por exemplo, a importância da qualidade

integrantes nunca possa interferir na qualidade do

Esse engajamento é saudável, assim como a

de vida, da qualidade profissional. Quando não

relacionamento. Os grupos de alunos costumam

educação, o bem-estar. Outros países têm utilizado

se sabe onde aplicar suas inteligências, quando

ter de 12 a 15 integrantes. Às vezes, quando há um

a educação como estratégia e funciona.

se trabalha em ambientes mecânicos, o sonho de

grande debate, pode haver 30 pessoas, no máximo.

alguém pode se perder. As pessoas precisam poder

A situação que criamos caminha para se formarem

CAPACITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE INDIVIDUALIDADES

usar seus conhecimentos, suas habilidades, ter

grupos bem pequenos. Gosto quando alguém se

responsabilidade, isso traz paixão e atitude. Recebo

expõe, quando ouvimos alguém do grupo dar uma

Na Orbitato, trabalho em uma escala minúscula,

pessoas de todo o Brasil, desde Manaus até o Paraná,

explicação e vamos todos embora com aquela

com pequenos grupos, para poder desenvolver as

de onde vêm muitos. Assim como do Nordeste, da

questão na mente, que o meu problema é de outro

individualidades. São métodos longos e caros. Não

região do Ceará, do polo de jeans e de outros polos

jeito, que a coisa é muito diferente para mim,

tenho subsídio nem mesmo de isenção de impostos,

como o Rio de Janeiro e Minas. Já vieram pessoas

quando se aplica na minha realidade. Quando uma

mesmo assim percebo ser um método muito

do Mercosul, da Colômbia e da Argentina. Cada

pessoa explica seu trabalho, consegue uma reflexão

eficiente, as pessoas vão embora da escola com

profissional é diferente, tem idades diferentes, de

sobre aquilo, todos aprendem. Forma-se um debate,

algo diferente, há uma mudança de estado. Nesse

16 até 70 anos, colocadas juntas. As pessoas fazem

porque as ideias de muitos se complementam e,

processo artesanal há um resultado do entorno,

outros relacionamentos. Elas se percebem, se

espontaneamente, produz-se um conhecimento.

“Trabalho em uma escala minúscula, com pequenos grupos, para poder desenvolver as individualidades”

GRUPOS HETEROGÊNEOS, DISCUSSÕES EMERGENTES

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A proposta é poder criar e abrir os olhos para

parte do processo, e o erro, o fazer e refazer, o

uma melhor atuação. Trabalhar na área de moda

experimentar, são importantes, pois nem tudo

exige muita visualidade, muita demanda – este

é perfeito, característico. Essa vivência acaba

desmitificar técnico é importante. Temos cursos

gerando novos vocabulários. Oferecemos cursos

de vários formatos e durações. Podemos trabalhar

de pequenas durações, com dez encontros, que

conhecimentos específicos, como a modelagem

acontecem em um fim de semana por mês. As

de roupas infantis, ou a gravação de quadros para

pessoas se acompanham durante esse período

estamparia, um fazer muito preciso, técnicas quase

e são acompanhadas pelo professor da turma. O

perdidas. Nesse caminho da estamparia, passamos

foco é sempre no desenvolvimento individual,

pelo conhecimento de círculo cromático, a atuação

em levar as pessoas a fazerem o que faz sentido

de luz sobre cor – são questões muito técnicas e que

para elas. Muitas vezes, o que faz sentido é

as pessoas não sabem mais. Escolher pelo resultado

estar melhor preparado para as necessidades

acaba distanciando você do processo. As pessoas

da empresa, aprimorar a condição da empresa.

não percebem uma intenção naquilo.

Aqui o processo é individual. A gente trabalha com o estabelecimento de objetivos individuais,

PAIXÃO PELO PROCESSO

com um repertório de mérito. Os alunos podem

Apesar de a abordagem das aulas ser muito

desenvolver uma minicoleção, um grupo de

objetiva, as pessoas acabam se apaixonando

produtos, sapatos e outros acessórios. Às vezes,

pelo processo. Apaixonam-se pelo prover,

a pessoa tem um instrumento, mas não tem a

pela atuação sobre a matéria. Esse processo

técnica. Acontece de ter uma máquina de costura,

é libertador. O curso de maior duração que a

ou uma pequena estrutura produtiva, mas não

Orbitato já teve aconteceu em Jaraguá do Sul,

tem claro quem é o consumidor, como fazer um

bem no começo, de uma forma espontânea,

briefing do seu produto. Não tem

quando passamos por uma pós-graduação,

o instrumental para tocar uma produção.

quando o MEC permitia parcerias e que se 142

titulasse. Nesse formato de pós, chegamos a formar dez turmas. Das primeiras turmas do curso

RELACIONAMENTO COM A COMUNIDADE

de Modelagem saíram pessoas que se tornaram

Sempre estamos atentos ao que está acontecendo

formadoras de outras. O curso de Direção e

à nossa volta. Estamos constantemente

Criação diz respeito à criação e desenvolvimento

envolvendo a comunidade local nos projetos

de produto e gera muita demanda. Trabalhamos

da Orbitato, para que haja um espaço de

uma metodologia em que a experiência faz

interação, de relacionamento, no qual algo

A R T E

D O

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vá se desdobrando e daí nasça alguma coisa.

que questionem o que deveria estar sendo feito

Porém, quando o Brasil assume a necessidade de

Percebemos que cada caso é único. Buscamos

agora, o que deveria ser organizado, o que o

criar moda, começa a ter uma identidade, e não

receber a todos e, quando a gente se envolve, os

mundo precisa, e queira procurar isso. Esses

apenas uma funcionalidade, e em Santa Catarina

benefícios são claros. Esses são os parâmetros

relacionamentos vêm de trocas. Desenhei para

não é diferente. Há uma angústia na região de ter

de uma ação social – a conservação da

o Ronaldo Fraga para duas de suas coleções e

que aparecer, de mostrar que sabe criar, mas é

cultura e do patrimônio, a relação com a

gostei bastante. Desenhei também para o Jum

preciso refletir a partir de quais premissas e pensar

cidade, a multiplicidade do conhecimento, a

Nakao. Essas pessoas pensam e, com suas visões,

no que construímos até aqui e para onde vamos.

conscientização que favoreça a coletividade. Isso

contribuem para as nossas. Ambos acabaram

Temos que resgatar essa identidade. A história é

é positivo, inclusive para a própria indústria. A

participando da Orbitato.

bonita, não deve ser esquecida. Em Pomerode, há 12 ou 15 anos, os jovens tinham vergonha de falar

Orbitato tornou-se um ponto de referência na cidade de Pomerode. Duas vezes por semana

HERANÇA PRODUTIVA E CULTURAL DA REGIÃO

recebemos as crianças da cidade. Alguém se oferece para ser voluntário e assim vai acontecendo. Quando não tentamos controlar tanto, deixamos que vida aconteça, as coisas vão surgindo… Apesar de já ser uma referência na região, percebo que somos muito jovens. Ainda estou buscando me estabelecer no mercado, mas o que queria era que a Orbitato fosse um centro de encontro e de estudos, e isso já começa a acontecer.

PROFISSIONAIS DE FORA DO BRASIL

alemão, mas hoje já se enxerga a questão de outra forma, faz parte da identidade local.

Historicamente temos uma expertise no desenvolvimento do produto, no fabricar roupa. Temos a capacidade de resolver as coisas de maneira muito objetiva. As indústrias locais, quando começaram, resolviam as questões conforme a necessidade naquele ambiente. O produto era desenvolvido para funcionar, para aquecer, cobrir, não havia requinte de comunicação. Portanto, a indústria nasce da necessidade e vai se desenvolvendo assim. Nunca se fez esse vínculo com a Europa, no sentido de o continente ser uma fonte de refresco, do avant-

Tento trazer professores com os quais comecei

garde. As relações eram muito mais empresariais,

a me relacionar, pessoas interessantes sobre as

de negócios, de empresas fazendo transferências

quais eu pensava: “Esse cara deveria ir lá para

de know-how. Essa relação tivemos mais com a

dizer o que sabe”. Decidi trazer gente de fora do

Europa do que com o restante do mundo. Ainda

Brasil, da Argentina, da Inglaterra e do Japão.

hoje, muitas máquinas vêm de lá, assim como

Recentemente, trouxe uma dupla da Holanda que

novas tecnologias. Há essa conexão. Isso dá uma

trabalhou prospecção de tendências. Procuro

personalidade para a região. Temos o hábito de

perceber quem está com propostas interessantes,

criar pouco e ser muito eficiente e funcional.

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A CABEÇA NO MUNDO E OS PÉS NO CHÃO 146

ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

LUI IAROCHESKI


N

Recém-formado em moda pela Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc),

Lui Iarocheski há oito anos mudou-se para Florianópolis com uma bolsa de estudos para cursar Relações Internacionais. Acabou percebendo que gostava mesmo era da moda com sua repercussão global. Decidiu fincar os pés em Santa Catarina e lançar a marca com seu nome que é comercializada no e-tail britânico Not Just a Label (www.notjustalabel.com). Logo após seu desfile inaugural na Casa de Criadores, em São Paulo, Iarocheski falou da ainda curta, porém intensa trajetória. Segundo o estilista, apesar de Santa Catarina ter uma ótima formação em moda, as pessoas saem do Estado. “Gostaria que fosse mais como na Antuérpia, onde a criação se faz em torno da cidade. Os estilistas belgas têm sua base local, porém, disseminam suas criações para o mundo.”

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A ESTREIA NO MUNDO DA MODA Aconteceu tudo muito rápido, mas correu tudo bem e tivemos retorno dos principais veículos de moda do país. Apesar de ter uma expressão visual masculina, a marca já nasceu sem gênero e com uma imagem forte, capitaneada pelas cabeças criadas por Felipe Capestrano (estilista e stylist),

a Suécia com uma bolsa de estudos para a The Swedish School of Textiles. O curso lá era totalmente voltado para a criação, tive que colocar a “mão na massa” e fazer, eu mesmo, minhas peças. MODA COMO ARTE

a partir de um trabalho de reciclagem de tecidos.

Na Suécia eles têm um perfil mais artístico e

Sobre o retorno comercial, ainda é muito cedo

investigativo para a criação de moda.

para comentar. Até o lançamento em São Paulo o

É diferente do Brasil, onde temos o viés do

e-shop da marca nem estava no ar!

design de produto. Na Suécia recebi mentoria de grandes profissionais do mercado, como a estilista

COLEÇÃO “AO QUADRADO”, DESFILADA NA 39A

holandesa Iris Van Harper. Aprendi a trabalhar

EDIÇÃO DA CASA DOS CRIADORES

de forma muito mais livre e acabei trazendo

Podemos dizer que foram ícones da alfaiataria,

isso comigo. Trabalho como um laboratório,

como as camisas, os coletes e os casacos, com

não penso em tema, público-alvo ou cartela de

overpieces. Cada um veste do seu jeito. Tem um top

cores, vou descobrindo técnicas, manipulando a

desfilado por um modelo masculino que as meninas

forma. A partir daí, a criação surge, de forma mais

podem usar como vestido. Já a calça-saia pode ser

espontânea, o que faz o trabalho ser mais autoral.

usada pelos dois, em looks diferentes. O importante é que o usuário dê continuidade ao processo de

COLEÇÃO DE FORMATURA

experimentação.

Em janeiro de 2014, retornei ao Brasil para concluir o meu curso na Udesc e terminar

MODA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS 148

minha coleção de formatura. A Udesc foi muito

Nasci na pequena cidade de São Miguel do

importante na minha formação, pois me deu uma

Iguaçu, no Paraná, e há oito anos me mudei

visão holística do que é a moda. Descobri que

para estudar em Florianópolis, com uma bolsa

não podia ser apenas uma cabeça pensante, tinha

de estudos para Relações Internacionais. Porém,

que ter o domínio das técnicas para desenvolver

tudo o que fazia era voltado para moda. Resolvi

minhas ideias. No último ano tive mentoria do

prestar vestibular novamente e passei na Udesc.

professor Lucas Rosa no projeto que comecei a

No penúltimo semestre da graduação, fui para

desenvolver na Suécia que rompeu com padrões

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

“Procuro envolver o máximo de pessoas na minha criação e resgatar técnicas artesanais. Prefiro que as minhas peças sejam feitas à mão e 100% internamente”


ao trabalhar no campo das artes visuais. A minha coleção de formatura foi inspirada nos Parangolés de Hélio Oiticica. CONQUISTA POR VOTO POPULAR EM VIENA

MADE IN SANTA CATARINA Procuro envolver o máximo de pessoas na minha criação e resgatar técnicas artesanais. Prefiro que as minhas peças sejam feitas à mão e 100% internamente. Para esta coleção recorremos

Tinha acabado de fazer meu desfile de formatura

à tecelagem de seda artesanal da empresa O

quando entrei para o site Not Just a Label

Casulo Feliz, do Paraná, Estado vizinho. Usamos

(e-commerce britânico com curadoria de novos

algodão e viscose da Têxtil Renovil, da cidade de

estilistas e marcas da vanguarda internacional).

Brusque, e malha da Pettenati, de Caxias do Sul.

Através do NJAL fiquei sabendo do edital

Procuro trabalhar apenas com fibras naturais

do concurso em Viena. Fui o único talento

e me impus uma limitação de trabalhar com

selecionado das Américas (Latina e do Norte),

produtos da região. A indústria têxtil de Santa

concorri com os finalistas de Londres, Alemanha,

Catarina é muito boa, porém, temos dificuldades

Espanha e Viena. O primeiro lugar foi para uma

em encontrar produtos diferenciados, além

aluna da Saint Martins, de Londres, porém, venci

de que as indústrias exigem uma quantidade

por voto popular! Acharam meu trabalho exótico

mínima de pedido, o que limita o criador.

e diferente. Trabalhei com tecidos de cordas e me

Nesta coleção, como não conseguimos um

aventurei com as cores.

tecido risca-de-giz, acabamos pintando as riscas à mão, de forma irregular, para deixar

DE VANCOUVER PARA AS REDES SOCIAIS

claro o processo artesanal.

Após apresentar minha coleção em Viena, surgiu o convite para desfilar no Canadá,

EXPERIMENTAÇÃO E PROCESSO CRIATIVO

na Vancouver Fashion Week, um evento voltado

O meu processo é bem espontâneo. Tenho como

para novos criadores da moda mundial.

ponto de partida a manipulação da forma e do

Fui o único criador do Brasil patrocinado

material, mas não trabalho de maneira rígida,

pelo evento. De oito looks, tive que aumentar

tradicional. Nesta coleção comecei manipulando

a coleção para 16. Com toda essa exposição

a forma do quadrado e cheguei ao retângulo para

internacional, comecei a desenvolver

criar o vestuário. A partir desses experimentos

uma rede de contatos nas redes sociais;

transformei, aos poucos, ideias em roupas. É um

a partir daí, vieram comentários na mídia

trabalho investigativo e analítico, envolve uma

e convites para fazer editoriais.

série de experimentações que acompanham a

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“O meu processo é bem espontâneo. Tenho como ponto de partida a manipulação da forma e do material, mas não trabalho de maneira rígida, tradicional”

coleção e se complementam no styling e no look do usuário final. MODELO DE NEGÓCIOS A minha empresa faz parte da Oca, que é um coletivo acelerador de novas marcas, criada por um grupo de amigos e hoje é conduzida por oito pessoas de diferentes formações: tecnologia, modelismo, costura, moda e administração. A proposta é empoderar através do desenvolvimento de suas potencialidades. Percebemos que no Estado de Santa Catarina os alunos se formam e acabam entrando para a indústria, onde se tornam anônimos e muitas vezes acabam ocupando uma posição de comprador, ou seja, talentos se perdem. A Oca nasceu com o propósito de reverter essa situação. Podemos dizer que é um projeto social, no sentido de incubar projetos autorais que possam DESFILE de Lui Iarocheski Vancouver Fashion Week setembro de 2016

ter um impacto positivo na moda, na sociedade e na vida das pessoas. Queremos pensar em novos modelos de negócios para a moda.

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FUTURO PROMISSOR: DINÂMICA TRAJETÓRIA DE JOVENS PROFISSIONAIS

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ENTREVISTA

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

DANIEL MAFRA, DANIEL KNOPP E FELIPE CAPESTRANO


T

rês jovens profissionais com trajetórias imprevisíveis representam uma evolução no

cenário da indústria têxtil e de confecção catarinense. Daniel Mafra nasceu na cidade de Brusque e durante dez anos foi gerente de marketing da Colcci, marca farol do grupo AMC Têxtil, até montar sua própria empresa, a plataforma Damma (damma.com.br), bureau online de projetos de licenciamento e branding. Felipe Capestrano, natural de Criciúma, é estilista e artista, trabalhou durante sete anos na marca de roupa da família, saiu para atuar na indústria, na Dalila Têxtil, mas acabou seguindo carreira independente como freelancer. Atualmente presta serviços de criação de imagem e styling para diferentes empresas. Daniel Knopp é de Blumenau, formou-se em Moda e acabou se especializando em acervos de indumentária, passou pelo Museu da Família Colonial de Blumenau, pelo Museu de Hábitos e Costumes e há quatro anos integra a equipe de museologia no setor de Salvaguarda e Pesquisa do Museu Hering. A seguir, trechos das trajetórias dos rapazes, suas opiniões sobre o futuro da região e a revigoração da indústria centenária onde estão inseridos.

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HISTÓRIAS DE VIDA Daniel Mafra – Na rua em frente à minha casa ficava a fábrica da Colcci e a família Colsani, fundadora da marca vendida ao grupo AMC Têxtil, em 2000, sempre foi muito próxima da minha. Desde ali já havia um amor incondicional meu pela marca. Porém, nunca imaginei que trabalharia com moda e na própria Colcci, até que surgiu a oportunidade de estágio. Agarrei aquilo com todas as forças e aconteci dentro da AMC. Foram dez anos de aprendizado em que trouxe muitas oportunidades para o grupo e trabalhei com grandes nomes da moda brasileira e internacional, entre fotógrafos, top models e maquiadores. Foi muito bom e enriquecedor, amadureci como profissional, da cadeira de estagiário até a de gerente de marketing.

Daniel Knopp– Desde criança estive ligado com

é mais livre, instintivo. São discursos diferentes.

têxteis, pois boa parte de minha família materna

O que é comum a ambos é a técnica. O trabalho

trabalhou na Teka, Tecelagem Kuehnrich S.A.,

com a indústria me trouxe a multidisciplinaridade

nas décadas de 1970 a 1990. Muitos dos meus

e acabou em manifestação artística. Um contribui

familiares iniciaram o trabalho nessa empresa,

para o outro. Fico entre o abstrato e o produto.

como operadores na produção; alguns percebiam oportunidades, se especializaram e passaram a atuar em cargos técnicos. Minha mãe, por exemplo, trabalhou anos no laboratório de fiação da Teka e meu pai, no setor de exportação. Optei por cursar Moda. Cursei o Técnico em Estilismo com habilitação em Imagem Pessoal do Senai, com conclusão em 2007, e o Bacharel em Moda, com habilitação em Estilismo Industrial, na Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), concluído em 2011. PROFISSIONALIZAÇÃO Felipe Capestrano– Acredito em outro modelo de trabalho, a prestação de serviços, que ainda

154

tecnologia, processos, logística e pouco no design. Temos ótimos profissionais e excelentes escolas de moda, além de muitas opções de trabalho, porém, no setor industrial. Ainda assim, acredito que foi estratégico manter Santa Catarina como um polo produtivo porque temos muitos concorrentes globais. Não tem como não citar a China, como exemplo, que está pouco se importando para o design, mas muito para a produção. Tem pouca qualidade, porém, preço competitivo. Com isso, houve uma estratégia

Trabalhar com moda em um grande grupo como a AMC exige muito.

Daniel Mafra– A indústria investiu muito na

a partir dos anos 1990, adotada por uma parcela industrial da região, para combater a concorrência desleal. Muitas empresas investiram em design e passaram a ter seus estilistas e equipes de criadores

Felipe Capestrano– Quando saí da confecção da

é difícil de ser compreendido. É falta de visão

família fui trabalhar com tecelagem, outra parte

porque meu envolvimento com várias empresas

da cadeia têxtil, em Jaraguá do Sul, na Dalila Têxtil.

ao mesmo tempo, como prestador de serviços, por

Conheci outro processo, diferente da estrutura

exemplo, acrescenta muito no meu trabalho, pois

de empresa familiar que estava acostumado. A

traz novos conhecimentos. É preciso haver novos

indústria em Santa Catarina ainda é muito pautada

posicionamentos, novos formatos e entender que

nisso, as empresas são familiares e se mantêm

estes vêm para a evolução do setor. A vivência

assim. Essa tradição de ser passado de geração

permite trocas e, ainda, outras formações para o

para geração e da família viver para a empresa

profissional. Trabalho como consultor e artista.

Daniel Knopp– Minha experiência na museologia

não permite que novos modelos de trabalho se

Acredito que são coisas que se unem, mas ao

vem desde o Museu da Família Colonial,

consolidem. Creio que seja certo impeditivo para o

mesmo tempo são diferentes. Como consultor,

caminhando de forma não planejada. Durante

crescimento que buscamos.

meu trabalho não é tão orgânico. Como artista

o ano de 2015 realizei um treinamento na área

A R T E

D O

V E S T U Á R I O

e designers; outras tantas não fazem por falta de costume. Muitos criam marcas porque eram donos de malharia e estavam acostumados com chão de fábrica, processo fabril, porém, quando trabalham com design, passam a lidar com personalidades e egos. Boa parte da indústria não quer lidar com essas situações com os criativos.


de conservação e preservação de bens culturais

fim do túnel nesse processo. A proposta sempre

ou imagem. Não importa o suporte, o tipo de

móveis na Fundação Catarinense de Cultura. Outra

foi realizar um evento anual, mas o trabalho entre

material, mas a preservação dessas características

experiência muito relevante para mim foi ter atuado

as empresas e a troca de informações com elas

enriquece qualquer trajetória e permite que uma

na expografia do Museu de Hábitos e Costumes

acontecem durante o ano inteiro. Sou otimista em

marca sempre beba de suas próprias fontes, de

de Blumenau, pertencente à Fundação Cultural de

relação aos novos caminhos de Santa Catarina.

que reconheça seu DNA. Além disso, é preciso

Blumenau. Por cerca de três meses, uma equipe

Acredito que, por meio das novas gerações, das

considerar que a preservação do patrimônio de

participou da montagem da exposição permanente.

novas mentalidades, novos posicionamentos

uma empresa é um caso que deve ser muito bem

Meu trabalho junto aos demais era selecionar

profissionais e das empresas podem acontecer.

pensado, porque apresenta inúmeros desafios e

acervos que ainda não estavam catalogados e

Com isso, a identidade de moda catarinense

necessita de uma estrutura e planejamento para que

compor os espaços expográficos. No momento

pode sim vir a ser mais forte. Por exemplo,

as ações museológicas possam fluir como devem.

coordeno um projeto experimental com os acervos

durante um período no SCMC, quando tivemos a

das marcas da Cia. Hering. Esse projeto está em fase

direção criativa do Jackson Araújo, mostramos os

inicial no setor de Salvaguarda e Pesquisa do Museu

resultados dos projetos de um ano de trabalho,

Hering. Pretendemos preservar a memória do que está sendo produzido nas marcas da empresa. A ideia é que seja feita uma curadoria e uma comissão decida sobre o que fica e o que não fica, e que isso

por meio de cases e formatos específicos. Podiam ser instalações e coleções cápsulas. Isso trouxe uma liberdade pouco vista antes para mostrar o trabalho, trouxe novos ares ao mercado.

se torne uma rotina para cada uma das seis coleções

Daniel Mafra– Eu torço por um Estado que venha da moda, que bata no peito por ser made in Santa Catarina, por ser cada vez mais sinônimo não apenas de qualidade, de preço, de entrega, mas também de design. Espero que o setor abra a cabeça e se profissionalize, cerque-se de bons profissionais. Essas empresas deram certo, mas

anuais. Além disso, tenho participado de seminários

Daniel Knopp– Considero que não existem futuro

precisam se profissionalizar cada vez mais. Isso

e eventos de Museologia e Moda. Recentemente,

e uma trajetória bem construída se não houver

faz com que surjam outras marcas. Tem muita

participei do Moda Documenta, que aconteceu em

uma compreensão do próprio passado. Percebo

gente que ainda pode vir a fazer um trabalho

maio de 2016, com a apresentação de um artigo

que cada indivíduo tem sua forma de guardar

cada vez melhor. Eu vou a alguns clientes e me

escrito por mim e pelo Gustavo Paes, museólogo do

sua história. Alguns guardam memórias, outros

assusto com o produto incrível deles. Fui provar

Museu Hering.

acumulam lembranças físicas. O importante é que

uma calça jeans esses dias e descobri que a

exista o cuidado de se preservar e de passar adiante,

empresa vendia para 680 clientes, mas quase

FUTURO DA MODA CATARINENSE

de comunicar. Como acontece na minha família,

ninguém sabe disso – como é possível? É preciso

Felipe Capestrano– Não acredito na

as histórias sempre são contadas e muitas vezes

ter assessoria de imprensa, fazer ações, ir atrás de

concorrência. Às vezes todo mundo está sofrendo

são repetidas por várias pessoas e isso traz uma

formadores de opinião. Esse trabalho mínimo é

do mesmo mal e ninguém sabe. Mas, quando um

ciência, uma “consciência” de que elas ocorreram.

necessário para as empresas serem reconhecidas

profissional circula e enxerga diversos pontos

Na moda, acredito ser fundamental a preservação

como marcas. E, quando isso acontecer, o Estado

problemáticos, ele é capaz de resolver. O Santa

do processo, pois moda significa traduzir um

de Santa Catarina será reconhecido como polo de

Catarina Moda e Cultura (SCMC) foi uma luz no

discurso por meio da materialização de uma roupa

moda, não só de indústria.

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CULTURA TÊXTIL CATARINENSE: CENTENÁRIA E CONTEMPORÂNEA CAPÍTULO

AS EDITORAS

Uma atividade que nasceu dentro das casas dos primeiros imigrantes alemães que desbravaram o Vale do Itajaí e ali encontraram um solo fértil para o trabalho. Hoje esta atividade faz da região uma das maiores potências econômicas do país e coloca Santa Catarina no mapa da moda internacional. Este livro é resultado de uma intensa pesquisa da origem e do desenvolvimento da atividade industrial em torno da indumentária, abordando os hábitos e costumes de uma comunidade ao longo de décadas, um registro documental de personagens que representam gerações. Arte e Técnica do Vestuário em Santa Catarina tece a cada página possibilidades para o futuro da indústria têxtil e contribui para o registro histórico da origem deste polo que é o terceiro maior da produção têxtil do país. Mostramos a evolução desta indústria ao longo dos anos apresentando um diagnóstico atual deste mercado que, com a resiliência dos catarinenses, sobrevive a adversidades e com

SANTA CATARINA : : VALE DO ITAJAÍ 158

dinamismo se reinventa e inova com tecnologias que ganham o mundo. Encontramos em nossa jornada empreendedores que têm nas veias o sangue de quem desbravou uma terra rica em beleza, mas que guardava desafios como o clima tropical. Nestas terras agregaram uma nova função para a camiseta até então um tímido, restrito, mas essencial, underwear. Seguindo as transformações

A R T E

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EPÍLOGO

sociais e culturais que interferiram diretamente nos

de desvelar os segredos, saberes e fazeres por trás

costumes, a indústria têxtil acompanhou a passagem

de uma simples camiseta. Uma peça do vestuário vai

da malha a peça independente do guarda-roupa.

além do corte e a costura de um tecido. Ao conhecer

O que vimos em nossa imersão pelo Vale do

os diversos fios e mãos que constroem uma roupa,

Itajaí foi uma indústria alicerçada em valores sólidos

se vestir não será mais um gesto automático após o

e, em sua maioria, com fortes vínculos familiares.

café da manhã.

Homens e mulheres que conservam seus empregos

A incursão no universo têxtil catarinense foi

há décadas e com nítido orgulho do ofício, muitas

um mergulho na moda que o brasileiro veste. As

vezes passado de pai para filho. Na arte cotidiana

singularidades percorridas mostram a relação

do trabalho de produzir as vestes, surgem novos

entre origem, identidade e vocação. Instigadas pelo

talentos e formas de pensar o ofício. O savoir faire

espírito do tempo e do lugar incubou-se em nós a

é reinventado e colocado à prova a cada nova

vontade de conhecer outras latitudes e paralelos

coleção, numa dinâmica que mantém esta indústria

pelo Brasil. O que sabemos é que o Vale do Itajaí é

protagonista e competitiva.

marco zero do Arte e Técnica do Vestuário.

O grande desafio deste livro foi estabelecer recortes. Queríamos mais tempo e páginas para aprofundar sobre a indústria, vivenciar mais histórias e encontrar mais memórias. Foi necessário seguir uma rota e realizar escolhas, por vezes involuntárias. A cada viagem aumentava a vontade de permanecer em Santa Catarina. Que terra aconchegante, que povo que sabe receber e acolher quem é de fora! 159

Nos sentimos em casa, mesmo forasteiras. Nesta obra, resgatamos memórias, apresentamos tendências e nos debruçamos nas estatísticas sobre o setor. Acreditamos em nossa contribuição social, cultural e acadêmica para aqueles que, como nós, movem-se pela curiosidade

e p í l o g o


GLOSSÁRIO:

160

A R T E

D O

V E S T U Á R I O


AESTHETIC DRESS MOVEMENT

1890 a 1920, foi considerado “arte nova”, inspirado

Movimento do final do século XIX. A Inglaterra

em formas e estruturas naturais, principalmente por

vitoriana, inspirada na moda medieval e

linhas curvas.

renascentista, tinha o objetivo de criar roupas menos volumosas e mais confortáveis para

AVANT GARDE

mulheres, mas que também atingiu o vestuário

Palavra francesa que significa vanguarda. É

masculino. O escritor Oscar Wilde foi um dos

usada para remeter ao pioneirismo, à ruptura de

principais “garotos-propaganda” do movimento.

modelos preestabelecidos, defendendo formas antitradicionais de arte e experimentalismo.

AESTHETIC DRESS REFORM Movimento de reforma da moda feminina proposto ao final do período vitoriano. O Aesthetic Dress Movement foi liderado pelas mulheres da classe média, tido como primeira onda do movimento feminista. O objetivo era se libertar da “ditadura da moda” e compor roupas mais adaptadas ao dia-adia, tendo em vista as novas conquistas femininas, como a maior participação na sociedade.

ALTDEUTSCH Em alemão significa ‘Velho alemão’.

BABY BOOMERS Se refere a geração que surgiu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Quando os soldados voltaram para suas casas, nos Estados Unidos ocorreu uma “explosão de bebês”. Os Boomers tem como característica a estabilidade.

BELLE ÉPOQUE Período de cultura cosmopolita na Europa que começou no final do século XIX e durou até o início da Primeira Guerra Mundial, onde o

ART DECO Movimento que começou na Europa em 1910 e influenciou o mundo das artes e da cultura, teve

clima intelectual e artístico influenciou grandes transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e viver o cotidiano.

seu apogeu entre os anos de 1920 e 1930. Entre

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suas características se destaca sua elegância

BLOOMER

e simplicidade de estilo, com formas mais

Considerada a primeira calça feminina do Ocidente.

geométricas.

Surgiu a partir de uma saia comprida reformulada cujo nome é uma homenagem a Amelia Jenks

ART NOUVEAU

Bloomer, integrante fervorosa do Dress Reform

Estilo artístico que teve sua força entre os anos de

Movement das décadas de 1840 e 1850.

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BOURDOIR

CLUSTER

Cômodo das casas da aristocracia, localizado

É um conjunto de empresas de um mesmo

geralmente entre a sala de jantar e o quarto,

segmento que possuem características semelhantes,

reservado para as mulheres se trocarem.

e colaboram entre si, e desta forma se tornam mais eficientes.

BRAND AWARENES Conceito de marketing que mede o conhecimento

COMPLIANCE

dos consumidores quanto à existência de uma

Se refere a um conjunto de disciplinas para se fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as

marca.

políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio BRAND EXPERIENCE / BRANDED CONTENT

e para as atividades da instituição ou empresa.

Brand Experience refere-se às experiências com a marca e Branded Content refere-se a quando a marca passa a gerar conteúdo para seus consumidores.

BRAZILIANNESS Termo em inglês correspondente a brasilidade, substantivo que expressa singularidades da cultura brasileira, aquilo que é genuíno e natural do país.

COUP D ’ÉCLAT Há nessa expressão francesa algo no tom de uma epifania, um rompante no pensamento que leva alguém a desvendar algo.

COUTURIER Criador ou artesão que surgiu em Paris na Belle Époque, em pequenos ateliês, confeccionando vestidos e enxovais femininos à mão. O inglês Charles Frederick Worth (1825-1895) é um exemplo

BUBBLE UP

de couturier.

Também conhecido como ‘borbulha’, foi um

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movimento no sistema da moda em que a cultura

CRINOLINA

passou a influenciar a alta-costura. Um exemplo é a

Armação feita de crina de cavalo e linho que

moda grunge e punk.

prendia vários aros de metal, formando uma gaiola, que era usada por baixo das saias das senhoras para

BUREAU

lhes dar volume.

Empresas especializadas em pesquisa de tendência que trabalham com a difusão das informações

DRESS REFORM MOVEMENT

dessas tendências para profissionais de moda.

Associados aos primeiros movimentos de liberação

A R T E

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feminina, foi o pioneiro a promover a moda casual.

meio de peças como as calças boyfriend e skinny,

Surgiu na Inglaterra e ganhou força nos Estados

que servem tanto para homem quanto para mulher.

Unidos, com mulheres adeptas de uma bandeira que renega a moda ostentatória, em favor da

GRUNGES

simplicidade do vestir. Também conhecido como

Movimento que se iniciou com as bandas de

“Grand Denial” (Grande Refusa).

garagem de Seattle (EUA) em meados da década de 1990. O estilo musical tornou-se conhecido com o

FACHWERK / ENXAIMEL

sucesso de bandas como Nirvana, Pearl Jam e Alice

É uma técnica construtiva de origem europeia que

in Chains. Calças amplas, moletom, xadrez, tênis e

consiste no levantamento de vigas maciças de

um ar de desleixo matinal dão o tom do estilo.

madeira no sentido vertical, horizontal ou inclinada para sustentar a edificação. As traves são encaixadas

HIGH AND LOW

entre si, sendo preenchidas com taipas, pedras

Estilo que consiste em misturar peças sofisticadas e

ou tijolos. No Brasil, em especial na Região Sul, o

luxuosas com outras mais básicas e casuais.

enxaimel é encontrado nas regiões de colonização germânica, uma vez que foi trazido pelos imigrantes

JUST IN TIME

alemães.

O Just in Time é um dos pilares do sistema Toyota de produção. É um modelo utilizado nas montadoras

FAST FASHION

que passou a ser adotado em diversas empresas do

Nova estratégia de produção com abastecimento no

varejo internacionalmente. Baseia-se nos conceitos

mercado das tendências de forma rápida e acessível

de produção enxuta, qualidade e redução no

ao consumidor final. O ciclo de vida do produto

desperdício de estoques, com peças disponíveis

é curto, com o aumento no número de trocas de

na quantidade certa e no momento preciso. É um

mercadorias, com minicoleções temáticas não

modelo de agilidade com redução no tempo entre

ficando restritas às coleções sazonais. Empresas

a concepção de uma nova peça e a sua entrega em

que adotaram o Fast Fashion: a espanhola Zara, a

volume comercial nas lojas. A Benetton foi pioneira

britânica Topshop, a italiana Benetton, a sueca H&M,

do segmento a adotar o JIT.

a americana Gap e a brasileira Riachuelo. KULTUR GENDERLESS

Conceito advindo da Alemanha unificada. Kultur

O movimento Genderless, que significa não possuir

(cultura) faz parte das correntes populares idealistas

identidade de gênero, se manifestou na moda por

que vislumbram na cultura, na produção intelectual

g l o s s á r i o

163


e material, uma possibilidade de formação da

Look” pela redatora da revista “Harper’s Bazaar”

‘consciência’ de uma nação.

americana, Carmel Snow. O “tailleur Bar” tornouse o símbolo da coleção: um casaquinho bege

LOOPING

acinturado e saia preta plissada próximo à altura dos

A repetição automática de uma sequência de

tornozelos.

ocorrências sejam elas pré-estabelecidas ou não, é determinado como looping.

NORMCORE Junção de “normal” + “core” (do inglês, significa

MAINSTREAM

centro ou cerne). Representa o “centro do normal”,

Se refere a tudo que diz respeito a cultura popular

ou seja, quem não age influenciado por uma tribo

e é disseminado pelos meios de comunicação de

ou febre fashion. O termo foi criado pela empresa

massa. Um gosto coletivo.

de pesquisa de mercado K-Hole para designar pessoas que até percebem que um item está na

MERCHANDISING

moda, mas não querem seguir uma moda específica

Estratégia de publicidade e marketing que consiste

– usam alguma peça porque gostam ou se sentem

em inserir o produto em pontos de visibilidade,

confortáveis.

como manifestações artísticas e esportivas, sem anunciá-lo diretamente.

NOT JUST A LABEL – NJAL E-commerce britânico com curadoria de novos

METIER

estilistas e marcas da vanguarda internacional.

Ofício, profissão, ocupação. Também pode ser o

www.notjustlabel.com

local de trabalho: escritório, oficina, etc. OMMICHANEL

164

NEGLIGESS

Formato de varejo que envolve vendas físicas e

Vestido em tecido fino e transparente, destinado a

virtuais, num processo em que o cliente usa os

uso noturno ou para dormir.

diversos canais simultaneamente.

NEW LOOK

OPEN END

Em 1947, Christian Dior (1905-1957) apresentou

Termo genérico utilizado para a produção de fios de

sua primeira coleção, Corelle (conjunto de pétalas),

fibras descontínuas por qualquer método no qual

que marcava um retorno à feminilidade com uma

a ponta da fita ou mecha é aberta ou separada nas

silhueta em A. A coleção foi batizada de “New

suas fibras individuais ou tufos, sendo seguidamente

A R T E

D O

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reconstituída no dispositivo de fiação a fim de

exclusivo, mas sim para um grupo de consumidores

formar o fio.

em potencial. Pierre Cardin foi o primeiro a abrir um departamento de prêt-a-porter na Printemps, em

OUTSOURCING

Paris, em 1959.

Processo pelo qual uma empresa delega a outra parte de sua produção. Também conhecido como

PRIVATE LABEL

“terceirização”.

Cartão de crédito emitido por uma loja e geralmente válido exclusivamente para compras naquela rede.

PARANGOLÉS Proposta artística de Helio Oiticica (1937-1980) que

RAUMGEIST

influenciou a pintura e a arte brasileira a partir da

Do alemão, o espírito do lugar ou do território.

década de 1960. “Trata-se de uma espécie de capa que não desfralda plenamente seus tons, cores,

SAVOIR FAIRE

formas, texturas, grafismos ou as impregnações

O conhecimento específico para a realização de

dos seus suportes materiais senão a partir dos

uma tarefa ou para a solução de um problema

movimentos – da dança – de alguém que a vista”,

prático.

define o artista. SEE NOW BUY NOW POWER DRESSING

Determinado como um ‘micromovimento’, se

Estilo de vestuário feminino criado nos Estados

trata de um formato de lançamento de coleções

Unidos e na Inglaterra a partir dos anos 1980,

em que as peças estão disponíveis para venda

quando as mulheres conquistam posições de chefia

imediatamente após o desfile.

nas grandes empresas. Consiste de peças para uso profissional, como tailleurs de cores fortes, que

STORYDOING

tinham como objetivo representar seriedade e

Formato publicitário em que a empresa insere

competência.

pessoas comuns em situações reais, como ações sociais, lúdicas, comemorativas ou surpresas

PRÊT-À-PORTER / READY-TO-WEAR

agradáveis, como reencontros com pessoas queridas

Do francês prêt (pronto) à-porter (para levar).

ou entrega de presentes.

Organização da produção em massa de peças do vestuário com a fabricação em série. A roupa não

TECHNÉ

é produzida para um consumidor específico e

Palavra de origem grega que consiste na capacidade

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165


de transmitir o conhecimento ou verdade racional pela

VOLKGEIST

linguagem e/ou criação artística. Está vinculada a uma

Do alemão povo (volk) e espírito (geist), sendo

sabedoria produtiva. O filósofo Aristóteles (384–322 a.C.)

portanto o espírito de um povo, a consciência

considerava a técnica como umas das cinco virtudes

coletiva de uma nação. O termo teria sido cunhado

vitais para que o ser humano atingisse a verdade.

pelo filósofo alemão Johann Gottfried Herder, embora alguns autores o situem no Iluminismo.

ÜBERMODEL Uma supermodelo é uma modelo de elite,

ZEITGEIST

que ganha salários milionários, é conhecida

Do alemão zeit (tempo) geist (espírito), é o espírito

mundialmente e está vinculada ao mundo da moda.

do tempo ou de uma época. Atmosfera intelectual

O termo começou a tornar-se popular a partir dos

e cultural de um momento histórico. Apesar de o

anos 1980. Ganhou notoriedade no Brasil quando

termo já estar no romantismo alemão, ganhou força

Gisele Bündchen passou a übermodel.

com o filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (17701831) a partir da obra “Filosofia da História”.

UPCYCLING Processo de transformar resíduos ou itens inúteis

YUPPIE

e descartáveis em novos materiais ou produtos de

Termo surgido nos anos 1980, derivativo de YUP

maior valor, uso ou qualidade. Utiliza materiais no

(young urban professional - jovem profissional

fim de vida útil na mesma forma que ele está no lixo

urbano). Denominava os jovens executivos bem-

para dar uma nova utilidade.

remunerados que gostavam de gastar com produtos caros e serviços luxuosos.

UN JE NE SAIS QUOI

166

Expressão francesa para o que é percebido e salta

WORK HARD/PLAY HARD

ao olhar, mas que não conseguimos ainda definir,

Estilo de vida que consiste em realizar jornadas de

permanecendo assim com ares de indescritível. Não

trabalho estafantes, buscando maior rentabilidade,

raro, expressamos como um “quê” a mais.

aliviada por entretenimento, compras intensas e caras.

VALE DO ITAJAÍ A mesorregião do Vale do Itajaí é uma das seis mesorregiões do Estado de Santa Catarina. É formada pela união de 54 municípios agrupados em quatro microrregiões.

A R T E

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FSC

A marca FSC® é a garantia de que a madeira utilizada na fabricação do papel deste livro provém de florestas que foram gerenciadas de maneira ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, além de outras fontes de origem controlada.


ÍNDICE FOTOGRÁFICO

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Páginas: 25, 27 e 28 - Fotos cedidas pela Fundação Hermann Hering / Museu Hering. Página: 146 - Desfile Lui Iarocheski na Casa dos Criadores, em SP. - crédito: @AgFotosite Página: 150 - Desfile no Vancouver Fashion Week, Canadá. - Crédito: Luana Costa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BOUCHER, François. A history of costume in the west. Thames and Hudson, Nova York, 1996. 171

CUNNINGHAM, A. Patricia. Politics, health and art: reforming women’s fashion, 1850-1920. The Kent State University Press, Kent, 2002. MAGEE, Bryan. História da filosofia. Edições Loyola, São Paulo, 2011. PETRY, Sueli. A fibra tece a história: a contribuição da indústria têxtil nos 150 anos de BLUMENAU. Sintex, Blumenau, 2000. RACINET, Auguste. The costume history. Taschen, Paris, 2014. RENAUX, Maria Luiza. O papel da mulher no Vale do Itajaí, 1850-1950. Editora da Furb, Blumenau, 1995.

r a f e r ê n c i a s

b i b l i o g r á f i c a s



A S T R I D FAÇ A N H A

Jornalista, professora, pesquisadora e escritora. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Docente da Faculdade Santa Marcelina e do curso de Fashion Styling do Istituto Europeo di Design (IED), em São Paulo. Atualmente é coordenadora da pós-graduação em Criação Styling do Senac São Paulo. É fundadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Moda e da Equipe 12 (Pesquisa e Projeto Museológico de Acervos de Indumentária). Sua atuação profissional engloba desde a consultoria para marcas do fast fashion à colaboração para publicações nacionais especializadas do setor têxtil. Vive e trabalha em São Paulo.

HELOISA GARRETT

Jornalista especializada no desenvolvimento de projetos especiais. Pós-graduanda em Gestão da Arte e Produção da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e especialista em Artes Visuais pelo Centro Europeu. Participou de ações editoriais para veículos de grande circulação, como a Gazeta do Povo, e também no segmento corporativo. Atualmente, é diretora de negócios da The Way Comunicação, empresa focada em soluções de negócios, com atuação no universo de incentivos fiscais. Vive e trabalha em Curitiba.

R A FA E L A TA S C A

Editora e jornalista especializada em moda e arte contemporânea. É formada em comunicação pela Universidade Estadual Paulista com especialização em história da arte. Tem atuação no desenvolvimento de projetos de branded content, em especial com publicações customizadas. No estúdio The Art Content trabalha curadoria de conteúdo e acompanhamento a projetos artísticos e editoriais. Vive e trabalha em Curitiba.

173



P ROD U Ç ÃO E X E C U T I VA DIREÇÃO EDITORIAL

: : Heloisa Garrett

: : Rafaela Tasca

M A R K E T I N G C U LT U R A L

: : Leon Le Senechal

COORDENAÇÃO DE PROJETO

TEXTOS

: : Astrid Façanha

EDITORAÇÃO

: : Heloisa Garrett e Rafaela Tasca

PROJETO GRÁFICO PESQUISA

: : Taste Design

: : Lucas Souza

ILUSTRAÇÃO FOTOS

: : Luiz Roberto Meira

: : Alessandra Milfont

: : Paola Zadra

REVISÃO

: : Mônica Ludvich

REVISÃO INFOGRÁFICOS IMPRESSÃO

: : Guilherme Storck

: : Corgraf

AGRADECIMENTOS

::

Pelo apoio, atenção, disposição e contribuição em diferentes aspectos, agradecemos a Ana Fischer, Bianca Pereira, Daniel Philipp Knopp, Giancarlo Luchetta Bedin, Paula Cardoso, Silvia Candeloro e Valquiria Venturi Starke. Em especial, pela valiosa contribuição e apoio de Amélia Malheiros, Celaine Refosco e Sueli Petry. Ao Ministério da Cultura e à Rovitex pelo incentivo ao projeto que originou o presente livro. 175

PAT R O C Í N I O :

APOIO:

REALIZAÇÃO:


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária responsável: Luzia Glinski Kintopp – CRB/9-1535 Curitiba - PR

FAÇANHA, Astrid F137 Arte do vestuário: arte e técnica do vestuário em santa catarina / astrid façanha; editoração de rafaela tasca e heloisa garrett; textos de sueli petry.— Curitiba : the way, 2016. 184 P. : Il. ; 27,5 Cm. ISBN - 978-85-93364-00-6 1. Vestuário. 2. Moda. 3. Moda e arte. 4. Indústria têxtil - santa catarina (sc). 5. Imigrantes - santa catarina (sc). 6. Usos e costumes. I. Tasca, rafaela. Ii. Garrett, heloisa. Iii. Sueli, petry. Iv. Título. Cdd: 391 IMPRESSO NO BRASIL / PRINTED IN BRAZIL

EDITORA THE WAY Tef: (41) 3107-2020 www.thewaycom.com.br contato@thewaycom.com.br ® Todos os direitos reservados para The Way Comunicação.



Este livro foi composto em Breve Text, Breve Salb Title e Real Time, e impresso em offset “FSC” 120g pela Corgraf para a Editora The Way em Dezembro de 2016.

Tiragem: 2.000 exemplares







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